Post on 14-Sep-2015
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A Alma da Cincia
Devo dizer que este um dos melhores livros que tenho lido. Sua anlise histrica
precisa e crtica o faz mais do que uma simples apologia ao cristianismo, mas sim
uma total e clara refutao ao suposto conflito entre cincia e religio, causado
pela adoo da viso positivista pela cincia. Quero agradecer ao blogueiro
Cristiano, que escreve no Nerd Protestante, por ter me indicado esta maravilhosa
leitura. E claro, recomendo a todos!
Para adquirir o livro, clique aqui ou procure no Google (Obs: eu consegui comprar
h alguns meses atrs no Mercado Livre por R$ 30,00, mas infelizmente o link no
est mais disponvel... se voc achar mais caro em outro lugar, no pense duas
vezes sobre comprar o livro... ele vale muito mais do que eu paguei!).
A autora Nancy Pearcey escritora cientfica e editora colaboradora do Pascal
Centre for Advance Studies in Science and Faith. O co-autor Charles Taxton Ph.D.
em Qumica e ps-doutor em Histria da Cincia pela Universidade de Harvard.
Farei minha anlise sobre os pontos iniciais do livro nos prximos artigos do blog.
Assim voc tero uma 'amostra grtis' da leitura que os espera e ainda ficaro mais
curiosos para conhecer sobre o que mais o livro fala.
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Hoje em dia, vemos cada vez mais o mundo indo em direo secularizao, e a
cincia caminhando em direo ao materialismo (isto se j no est totalmente
imersa neste). Mas pode parecer surpreende para alguns que figuras-chave da
cincia trabalharam dentro de uma estrutura crist, inclusive que suas expresses
cientficas foram inspiradas e motivadas por suas convices crists.
A forma que os livros didticos abordam os temas cientficos tende a esconder
estes detalhes. Alis, v-se uma clara influncia do pensamento positivista: de que
o progresso da cincia alcanado medida que nos libertamos dos "grilhes" da
religio e da metafsica. O aluno acaba acreditando (erronaeamente) que os
principais personagens histricos que promoveram este desenvolvimento tinham
tal conceito sobre a religio e filosofia.
Anlises relativamente recentes de historiadores da cincia vem desacreditando
o Positivismo; e reconhecendo a importncia da cosmoviso crist; para o
nascimento e estabelecimento da cincia. At o incio do sculo XX, a influncia
cultural predominante no mundo ainda era a crist. No podemos entender textos
de Newton, Descartes ou Cuvier sem investigar as motivaes religiosas e
filosficas de seus trabalhos cientficos.
Loren Eiseley, escritor cientfico, diz que o aspecto mais curioso do mundo
cientfico em que vivemos justamente o fato de ele existir. Poderamos pensar
que apenas uma questo de tempo para que uma civilizao acumule
conhecimento e ento naturalmente desenvolva a sua prpria cincia, mas no
assim que se observa historicamente. Diversas civilizaes surgiram e
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desapareceram na Terra sem ao menos criar nenhum tipo de filosofia cientfica. O
que hoje chamamos de mtodo cientfico surgiu em uma cultura especfica - a
Europa ocidental - e em nenhuma outra. Eiseley conclui que a cincia no de
modo algum natural ou instintiva humanidade, mas que "ela exige um substrato
nico para se desenvolver". Sem esse substrato a cincia desapareceria da Terra,
como qualquer outra religio ou poltica de governo. Segundo Eiseley (e a
argumentao deste texto), esse substrato seria a f crist.
Desde o Iluminismo costuma-se dividir a histria em Antiguidade, Idade Mdia e
Idade Moderna. A definio iluminista simplista em vrios aspectos,
particularmente tem-se uma ideia de que a Idade Mdia foi um tempo de
desolao intelectual e cultural. Esta ideia vem sendo h muito questionada.
O fsico e filsofo francs Pierre Duhem (1861-1916), ao investigar a histria
da Esttica, pressups que esta teve sua origem em Arquimedes, e que a prxima
contribuio significativa s teria sido dada por Leonardo da Vinci, no
Renascimento. Duhem se surpreendeu ao encontrar relatos bibliogrficos de
Jordanus de Nemore (sculo XIII), Alberto da Saxnia, Jeane Buridom e Nicole
Oresme (do sculo XIV), que se anteciparam a da Vinci e Galileu nos fundamentos
da esttica.
Pressupostos para o surgimento da Cincia
Interessante como hoje se veem cincia e religio numa imagem de conflito e
hostilidade, quase de oposio... mas isto muito recente. Passamos trs sculos
inteiros (XVI a XIX) onde a relao entre ambas podia ser vista como uma aliana.
Os primeiros cientistas no viam a devoo religiosa e a investigao cientfica
como incompatveis, pelo contrrio, uma era motivao para a outra. Um dos que
comeou a viso contra a dominncia cultural foi o bilogo ingls Thomas
Huxley (mais conhecido como o "buldogue de Darwin"). O prprio Huxley sabia e
declarava que o que ele fazia no era nada mais do que substituir uma religio por
outra. Dizia frequentemente que seu objetivo era a "instituio da igreja
cientfica" e chamava as suas palestras de "sermes leigos".
Entretanto apenas o fato de que a cincia moderna surgiu numa cultura
impregnada pela f crist j sugestivo. Conhecemos vrias outras culturas, como
os chineses ou os rabes, que produziram um nvel de erudio e tecnologia
inclusive superiores ao da Europa medieval. Mesmo assim foi no Ocidente que
sistematizou-se o mtodo cientfico emprico. No se nega que outros fatores da
poca tambm influenciaram o surgimento da cincia: crescimento das profisses
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liberais, fundao de vrias instituies cientficas, crescente nmero de
publicaes peridicas, etc. Estes foram elementos essenciais para o
desenvolvimento da cincia, mas no propriamente para a sua origem. A
investigao cientfica depende de certos pressupostos, que precisam ser aceitos,
acerca do mundo. A cincia no pode existir at que estes sejam plenamente
estabelecidos.
1. preciso conferir natureza atributos que a tornam um objeto possvel do
estudo cientfico, ou " preciso ter f que a Cincia pode existir";
Este pressuposto se baseia na legitimidade da natureza, que por sua vez vem
diretamente da ideia crist de uma criao divina objetiva. Mesmo que nem todos
os precursores do movimento cientfico fossem cristos devotos, eles estavam
imersos dentro de uma sociedade onde a influncia e o apelo cultural cristo
estavam devidamente enraizados.
A cincia tambm depende da atitude do indivduo em relao natureza. Devem
ser aceitos vrias outras premissas acerca da natureza:
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2. A natureza deve ser real;
Isto pode parecer bvio, mas existiram e existem outros povos que consideram a
natureza irreal. No pantesmo e no idealismo, por exemplo, as coisas finitas so
apenas manifestaes do Ser absoluto e infinito; a individualidade e separaes
no passam de iluso. Segundo o Hindusmo, que pantesta, "o mundo fsico
uma iluso". Com tal sistema de crenas como premissa seria muito difcil inspirar a
ateno voltada ao mundo que a cincia exige. Por outro lado, a doutrina crist
ensina que Deus criou os objetos, estes no so apenas mainfestaes do divino,
portanto possuem existncia real, e so passveis de estudo.
3. A natureza deve ser, alm de real, digna de estudo.
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Esta convico est relacionada a valores. Os gregos clssicos no a tinham.
Frequentemente relacionavam o mundo o mal e ao caos. Trabalhos manuais eram
reservados aos escravos, e os filsofos, tidos como homens mais elevados,
dedicavam-se ao cio e ao pensamento, buscando as ideias. Muito provavelmente
foi por isso que os gregos nunca desenvolveram uma cincia experimental.
Opostamente, o cristianismo ensina que o mundo, como criao de Deus, tem
grande valor: "e viu Deus que o mundo era bom" Gn < > O trabalho manual
era digno de orgulho, notadamente entre os cristos medievais. Os artesos eram
vistos com respeito. A partir da Reforma Protestante, difundiu-se muito o conceito
de que o homem deveria servir a Deus, no se retirando numa vida monstica, mas
realziando qualquer trabalho honesto e til com honestidade e diligncia". E era
assim que os primeiros cientistas viam seu trabalho:
"Graas te dou, Criador e Deus, pois tu me concedeste esta alegria em tua
criao e me alegro nas obras de tuas mos. V, pois, que completei o
trabalho para o qual fui chamado. Nele, usei todos os talentos que tu
concedestes ao meu esprito."
Johannes Kepler, sobre a concluso dos seus trabalhos como astrnomo.
"A busca da cincia uma boa ddiva concedida por Deus."
Jean-Baptiste von Helmont
4. A natureza deve ser boa, mas no uma divindade, apenas um objeto.
Religies animistas, totemistas e pantestas tratam o mundo natural como uma
habitao de ser(es) divino(s), ou como uma emanao da prpria essncia dos
deuses. O homem pago costuma ver o mundo como uma espcie de floresta
encantada, onde tudo- vales, bosques, pedras, rios, rvores - est repleto de
espritos. Biblicamente, Deus no habita no mundo da mesma maneira que um
habita numa rvore. Ele no a "alma" do mundo, mas sim seu
Criador. Isto enfatizado desde as primeiras linhas do Gnesis. Sol, Lua e estrelas
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so claramente vistos como meros objetos da criao de Deus, enquanto na
maioria esmagadora das outras culturas estes eram vistos como vivos, divinos. A
"desdeificao" da natureza essencial para o surgimento da cincia. Pois deve-se
encarar a natureza sem o medo de estar ofendendo ou desrespeitando ela prpria
como um ser divino, faz-la um objeto de estudo em vez de um objeto de
adorao.
5. A natureza deve ser um sistema onde os acontecimentos ocorrem de maneira
regular e confivel;
Isto obviamente necessrio, se queremos encar-la como objeto de estudo. O
paganismo em geral via o mundo como uma confuso de deuses, cada um
manipulando uma parte especfica do mundo ao seu bel-prazer, para satisfazer os
seus caprichos. O cristianismo, entretanto, ensina um nico Deus, transcendente e
de vontade firma e constante, que criou um Universo coerente e unificado.
Obs: perceba que a ideia da confiabilidade da natureza no supe somente a
existncia de um Deus, mas tambm faz implicaes sobre o carter deste Deus.
Ele deve ser fidedigno, a ponto de criar um mundo ordenado e regular. Coprnico,
por exemplo, buscava em seu trabalho uma cosmologia que fosse mais adequada
que a de Aristtoles e a de Ptolomeu. A concluso de seu trabalho foi um sistema
mais organizado, que condizia mais com a regularidade e simetria atribuda obra
de Deus.
6. A natureza deve ser regida por "leis naturais";
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Os outros povos consideravam a natureza como uma entidade viva, regida por
foras misteriosas. Entretanto, se queremos estudar o mundo, precisamos
acreditar que seus fenmenos so compreensveis a ns. O Deus bblico visto
tanto como Criador quanto como Legislador do mundo. O filsofo francs Ren
Descartes (1596-1650) acreditava piamente neste ponto, sendo que via as leis
matemticas do Universo como sendo regidas por Deus, da mesma maneira que
um Rei dita leis para seu reino.
O surgimento do conceito de "lei natural", na Idade Mdia, foi um fator-chave no
distanciamento de nvel cientfico entre a Europa e o resto do mundo. E observe
que a argumentao aceita pelos homens da poca no era "Existem leis naturais
racionalizveis, logo existe um Deus racional". Era justamente o contrrio: "Existe
um Deus racional, logo existem leis naturais racionalizveis". Assim esse argumento
dava mais certeza ainda para a existncia das leis naturais, j que estes homens
acreditavam fortemente na existncia de Deus. Se o argumento tivesse sido da
forma que apresentei primeiro, talvez no tivesse havido a motivao suficiente
para o surgimento de uma cincia bem estabelecida. Alm disto, este argumento
foi aceito por f, e no pela observao. Pois os outros povos antigos tambm
observavam alguma regularidade na natureza. Mas bastavam encontrar uma
discrepncia, que a consideravam natural e no procuravam explicar a fundo.
7. As leis da natureza devem ser exatas, ou "Deus fez o Universo exatamete da
maneira que Ele quis";
O fato de as leis naturais poderem ser expressas de maneira precisa atravs de
frmulas matemticas foi mais um ponto para o surgimento da cincia no
ambiente cristo. Em vrias culturas antigas, os mitos de criao geralmente
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comeavam com uma substncia preexistente dotada de natureza inerente. O
criador no poderia assim moldar o mundo exatamente de acordo com sua
vontade.
Os filsofos gregos pr-socrticos postulavam a arch, que seria a substncia
primordial que daria origem a tudo. Sculos depois Plato pregava que o "criador"
(a causa primeira) no fez o mundo a partir do nada, apenas inseriu razo (ideias)
na matria irracional, e mesmo assim isto no foi executado de maneira perfeita, j
que a matria tem a capacidade de resistir racionalidade transmitida pela
matria. Era assim que os gregos explicavam as imprecises da natureza. Objetos
fsicos eram apenas meras aproximaes das ideias perfeitas.
A criao ex nihilo proposta pela tradio judaico-crist destri estas concluses, j
que assume um Deus com total liberdade para mover o Universo da forma mais
ordenada posvel. Johannes Kepler, por exemplo, em suas observaes
astronmicas encontrou um desvio de 8 minutos entre o tempo calculado e o
medido da rbita de Marte. Segundo a filosofia grega, isto seria plenamente
aceitvel, j que o mundo fsico nao passa de distores de quadrados e crculos
perfeitos. Mas Johannes Kepler, crendo num mundo ordenado por Deus, no podia
acreditar que o problema tratava-se apenas de um crculo distorcido. Isto levou-o a
criar o conceito de rbitas elpticas em vez de circulares, abandonando o modelo
astronmico vigente j h mais de 2 mil anos. O prprio Kepler se refere a esses 8
minutos como uma "ddiva de Deus". Logo, a matemtica aplicada ao estudo da
natureza uma consequncia da considerar a natureza como criao de um Deus
Onipotente.
8. O homem deve ser capaz de descobrir a ordem presente na natureza;
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Este pressuposto teve que ser aceito simplesmente por f no incio dos estudos
cientficos. A garantia de que a mente humana possui preparo necessrio para
adquirir conhecimento verdadeiro sobre o mundo veio da ideia de que o homem
foi criado imagem de Deus.
Na China, por exemplo, desenvolveu-se uma tecnologia blica e de engenharia
muito avanada desde aproximadamente o primeiro milnio depois de Cristo.
Entretanto, os chineses nunca desenvolveram um estudo cientfico sistemtico
porque no acreditavam nem em uma mente racional legisladora de um ordem,
nem na capacidade humana de decodificar esta ordem, caso ela existisse. Embora
percebessem uma certa regularidade na natureza, acreditavam ser apenas uma
necessidade humana de ver ordem nas coisas. Se a natureza no ordenada por
um Ser racional e pessoal, no h nenhuma possibilidade de que outros seres
pessoais e racionais possam descrev-la e explic-la. Um cristo, entretanto,
facilmente poderia pensar que Deus no cometeria o desperdcio ou a ironia de
colocar o homem na terra e ento ceg-lo para a verdadeira natureza do mundo ao
seu redor.
9. Deve existir um modelo especfico de epistemologia do conhecimento
Dizer que a natureza inteligvel ao ser humano depende do conceito da palavra
inteligvel. A lgica de Aristteles, por exemplo, entende que o que define um
objeto no sua base material, mas sim seu propsito. Descobrindo o propsito
para qual o objeto existe, no necessria mais nenhuma observao, pode-se
ento deduzir logicamente todas as suas outras propriedades. Esse um conceito
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adaptado da geometria, onde ao sabermos por exemplo que um tringulo tem trs
lados, podemos deduzir todas as suas propriedades matematicamente. Assim, a
"cincia" dos gregos enfatizava a intuio racional dos propsitos dos objetos (ou
"Formas"), seguidas da deduo, e no da experimentao. Este modelo foi
inclusive adaptado ao cristianismo por So Toms de Aquino no sculo XIII.
Esta filosofia crist, conhecida como escolstica, comeou a ser combatida ainda no
sculo XIII. Quando se coloca a natureza com uma necessidade inerente de
propsito ou Forma, limita-se a ao de Deus sobre estes objetos. Alguns cristos
escolsticos afirmavam por exemplo que Deus no podia permitir outra forma de
movimento planetrio que no posse o circular, j que esse o mais simtrico e
perfeito possvel. O combatimento da escolstica intensificou-se na poca da
Reforma Protestante, quando surgiu uma tendncia a enfatizar a Soberania de
Deus e a passividade dos seres em relao aos preceitos que so impostos por Ele.
Esta nova teologia inspirou e justificou uma metodologia experimental. J que Deus
criou o mundo por sua livre vontade e no por necessidades lgicas, no podemos
deduzir sua Criao unicamente pela lgica. preciso sair, observar e
experimentar. Assim, o prprio cristianismo, propondo a ordem da natureza como
uma imposio da vontade arbitrria de Deus, influenciou a investigao
experimental sobre o mundo.
10. Mesmo sabendo que o mundo causado pela ao livre e arbitrria de um
Criador, ele no deve ser catico, mas ordenado, por refletir a racionalidade de
seu Criador;
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Deus no seria, como dizia a escolstica, restringido por uma necessidade inerente
de lgica ou por qualquer agente externo, mas restringido pela sua prpria
natureza. O mundo necessariamente ordenado e racional, mas no porque possui
uma racionalidade inerente, e sim por refletir a racionalidade de Deus.
Isto nos leva a uma condio importante: nem sempre podemos prever como a
racionalidade de Deus se revela na criao, j que a racionalidade de Deus
ilimitada, e a nossa inferior. Assim, apesar de esperarmos um padro inteligvel
para a natureza, no podemos saber de antemo qual padro ela seguir, e isto
mais uma vez nos leva a incentivar a experimentao e observao dos fenmenos
naturais. Um exemplo oportuno dado por Galileu, que quebrou os paradigmas da
poca sobre investigao cientfica; nem ao menos perguntou se era razovel que
um determinado peso, lanado de certa altura ao cho, cai com a mesma
velocidade de um peso menor, lanado da mesma altura. Ele simplesmente subiu
na torre de Pisa e fez a experincia, levando ao resultado no intuitivo: os dois
caem com a mesma velocidade. Galileu argumentou que no podemos presumir
como Deus pensa; devemos antes sair e olhar para o mundo que Ele criou.
11. O homem deve agir ativamente na natureza, afim de atribuir glria a Deus e
benefcios a si prprio;
Para que se possa avanar da cincia para a tecnologia necessrio um sistema de
crenas que permita a interveno humana nos processos naturais para
desenvolver os propsitos humanos.
No animismo ou no pantesmo, o divino imanente ao Universo, seja como
deidades habitando nos elementos naturais ou como um esprito permeando o
todo. Assim, o Universo a nica realidade, e o indivduo uma expresso da
natureza, que no pode transcender seu meio, tendo uma posio passiva ante o
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mundo fsico. Nessas filosofias religiosas o papel do homem de interesse pela
natureza visando apenas a adaptao, e no a subordinao de suas foras para o
prprio benefcio.
O conceito bblico parte de um Deus transcendente e a criao da humanidade
Sua imagem. A mente humana consegue transcender a natureza e confront-la
como um objeto de estudo, e no apenas amoldam-se realidade, mas so livres
para manipular os fenmenos tanto teoricamente quanto na prtica. Assim, foi o
cristianismo que desenvolveu uma estrutura intelectual e motivaes para a
tecnologia. Segundo os prprios primeiros cientistas, o objetivo da cincia era
buscar "a glria de Deus e o benefcio da humanidade".
Vemos em Gn 1.28 e 2.19,20 a prpria ordem de Deus de que o homem dominasse
sobre Sua criao e que Ado nomeasse os animais do jardim onde vivia. No idioma
hebraico, em que a Bblia foi escrito, o nome tem uma simbologia muito mais
profunda do que tem na cultura ocidental, assim nomear no seria algo aleatrio,
mas sim baseado em observao, estudo e classificao, pois o nome deveria
refletir a essncia de cada ser. Mais adiante, houve o pecado e a queda do homem,
mas como disse o filsofo britnico Francis Bacon (1561-1626), "o homem caiu, ao
mesmo tempo, de seu estado de inocncia e de seu domnio sobre a criao. (...)
essas duas perdas podem, ainda nesta via, serem parcialmente reparadas; a
primeira, pela religio e a f; e a segunda, pelas artes e cincias". Isto despertava
motivao para, atravs da cincia, aliviar os sofrimentos impostos pela queda. Por
isso a cincia no incio era permeada de preocupao religiosa com os menos
favorecidos. A religio bblica atribui um valor infinito at pessoa mais humilde,
j que todos so potencialmente filhos de Deus. Houve um mpeto para minimizar
a misria, o trabalho intenso e montono, enfim, melhorar a condio humana. At
esta viso de que a condio humana deve ser melhorada era algo revolucionrio,
que vem da Bblia. A maioria das outras vises religiosas apresentam uma viso
cclica e fatalista do tempo, dentro das quais poderia ter sido impossvel despertar
um interesse tecnolgico.
Concluso
Vimos at aqui que:
Os ensinos cristos serviram de pressupostos para o surgimento da cincia (por exemplo, a convico de que h leis racionais governando a natureza);
Os ensinos cristos sancionaram a cincia (por exemplo como justificativa para amenizar a labuta e o sofrimento humanos);
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Os ensinos cristos motivaram o estudo cientfico (para que pudesse ser revelada a glria e sabedoria do Criador, por exemplo);
O Cristianismo desempenhou um papel na regulamentao da metodologia cientfica (atravs da nfase na experimentao e na crena da racionalidade impressa no Universo).
Esta informao tem destrudo a imagem de guerra entre cincia e religio entre
muitos historiadores. Falta ainda que ela passe do mundo acadmica para o meio
popular.
O prximo texto, complementando a argumentao, explica sobre as controvrsias
histricas entre a igreja e a cincia, e porque elas no devem ser consideradas um
argumento contra o que est sendo proposto aqui.
Controvrsias entre a Igreja e a Cincia
Ao comear a ler o texto anterior, a reao de muitas pessoas deve ter sido de
surpresa ou ceticismo. Como havia sido dito, este conceito no est muito
difundido no meio popular, ao longo do ltimo sculo as polmicas anti-religiosas
exageraram sobre a oposio da Igreja cincia.
Alguns historiadores ainda criticam muito os reformadores, como Calvino e Lutero,
por supostamente terem atacado severamente a cincia de Coprnico. A verdade
que h poucos ou nenhum relato sobre a posio destes homens. H alguns
fragmentos de comentrios ou sermes, mas que a autenticidade deles pode ser
posta em dvida.Geralmente pensa-se que a cosmologia copernicana, com seu
heliocentrismo, causaria uma grande revoluo na poca, fazendo a Terra deixar de
ser o centro do Universo para ser apenas um ponto sem nada de especial.
Entretanto, naquele tempo j havia uma outra ideia entre o meio popular:
associava-se o centro do Universo ao inferno, e a abbada celeste ficava mais
nobre, medida de que afastava-se do centro. Assim, a Terra como terceiro
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planeta ao redor do Sol, no ficaria nem em uma posio exaltada, nem em uma
posio depreciativa. A interpretao clssica sobre este acontecimento muito
influenciada pelo tipo de pensamento que temos hoje, notadamente a influncia
positivista. Ou seja, no passa de um anacronismo.
Para que possa se compreender melhor o apoio cristo iniciativa cientfica,
preciso distinguir a Instituio denominada Igreja Crist ou Catlica Romana e os
cristos em si daquele tempo. realmente um fato que muitos dos primeiros
cientistas enfrentaram conflitos com a poltica eclesistica, entretanto todos eles
ao mesmo tempo permaneceram firmes em suas convices religiosas pessoais.
Galileu Galilei (1564-1642) o exemplo mais recorrente deste conflito. E o pior
que normalmente se exibe uma imagem caricaturstica do evento a ele
relacionado, enquanto a prpria histria mostra que foi algo muito mais complexo
que uma simples embate entre cincia e f. O livro "The Crime of Galileo",
de Giorgio de Santillana, diz exatamente isto. Na verdade, a maior parte dos
intelectuais da Igreja defendia Galileu (o prprio Papa tinha sido, antes do conflito,
um dos seguidores de Galileu). A oposio mais clara a ele vinha de ideias
seculares, de filsofos acadmicos. Afinal, a Igreja no tinha em si nenhum
argumento contra as teorias de Galileu. Sua oposio era, de fato, contra a viso
depreciativa da filosofia aristotlica, e as consequncias metafsicas e sociais
implicadas (como dito no texto anterior, a filosofia de Aristteles estava de tal
modo ligada ao Cristianismo que, naquela poca, j a consideravam necessria
para a formulao das leis religiosas e morais). As doutrinas de Galileu eram
revolucionrias neste ponto, e portanto, perigosas. Alm disso, deve-se lembrar
que at Newton formular o mecanismo fsico da gravidade (71 anos depois da
condenao de Galileu), no havia nenhum motivo consistente para acreditar na
fsica galileana. Quando as provas no sustentam a teoria, a resistncia uma
atitude justificvel at mesmo pela prpria cincia.
preciso tambm considerar a abordagem sociolgica do que estava acontecendo:
na sua luta contra o crescimento do protestantismo, a Igreja havia recentemente
reafirmado sua base no aristotelismo, assim aceitar as ideias de Galileu era a
mesma coisa que dar a vitria para os rivais protestantes. Assim como a Igreja pode
ter interpretado a prpria iniciativa de Galileu como um ataque premeditado.
Outro fato que na poca havia um recorrente conflito entre a elite antiga das
Universidades e uma elite mais nova, com tendncias mais pragmticas (a qual
Galileu pertencia). A publicao de Galileu foi interpretada como um insulto
declarado s elites em voga. Alm disso, ambos os lados se rebaixaram a tticas
reprovveis: a Igreja lanou mo de mtodos desonestos e incitar o rancor pessoal
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para censurar Galileu; enquanto o prprio usou meios polticos: publicou o livro
"Dilogo sobre os dois principais sistemas do mundo", onde h um personagem um
tanto irritante chamado "Simplcio", que no ningum seno uma caricatura do
Papa, o mesmo que dantes era seu amigo.
Mesmo assim, Galileu nunca repudiou a sua f. Afirmou ser cristo e nunca
questionou nenhuma doutrina religiosa, apenas a estrutura derivada de Aristteles
que se entranhou de tal modo na religio que era difcil separar as coisas.
Ainda deve-se reconhecer que os cristos em geral se opuseram a muitas ideias
novas. Isto no uma deficincia de um povo ignorante e fechado ao progresso,
mas sim uma tendncia universal de resistir ao novo at que hajam provas
suficientes. Os crticos continuam censurando os reformadores por no aceitarem
Coprnico, mas se esquecem de que naquela poca no havia qualquer motivo
para aceitar a teoria, sem provas suficientes. A prpria cultura em geral repudiava
o copernicanismo. Muitos reformadores daquele tempo foram geocentristas pelo
mesmo motivo que os do sculo seguinte foram newtonianos: apenas estavam
aceitando as teorias cientificas que eram reconhecidos e estabelecidos na
sociedade.
Mudar conceitos sobre o mundo nunca fcil. Hoje, parece-nos muito bvio e
aceitvel, mas isto porque fomos ensinados desde crianas sobre o assunto.
Entretanto, fatos como o heliocentrismo e a circulao do sangue, por exemplo,
demoraram muitos anos para serem aceitos pelas massas.
Se o Cristianismo foi de fato um empecilho para o avano da cincia, difcil
explicar porque Paracelsus, Boyle, Kepler, Newton e tantos outros escreviam tanto
sobre cincia quanto teologia, e incluam oraes e louvores nas suas anotaes.
Como foi sustentado aqui, a crena religiosa, particularmente a crist, serviu muito
mais como uma motivao do que um empecilho. Newton tinha como objetivo que
suas obras fossem utilizadas para a apologtica. Mersenne e Descartes esperavam
oferecer atravs de suas obras novas armas para a religio, num tempo em que j
comeavam a surgir duras crticas contra a mesma.
Concluso
J fomos explicados agora sobre a contribuio do Cristianismo para cincia atual.
Agora, o que ser da cincia sem os seus pressupostos fundamentais? A cincia
ainda vive dos restos do apelo cultural herdado pela cristandade, mas at quando?
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Em menos de quatrocentos anos conseguiu-se inverter a relao entre a f e a
cincia, e pode ser que agora ela se auto-sustente apenas pela curiosidade
intelectual e justificada pelo sucesso da tecnologia. Entretanto, com toda a sua
base filosfica repudiada, inclusive a principal: que a natureza regida por leis.
David Hume (1711-1776), o primeiro filsofo assumidamente ateu, negava toda a
racionalidade da cincia, j que o empirismo puro no oferece bases para
princpios to fundamentais como, por exemplo, a causa e efeito. Por isso, deve
existir uma "f cientfica" na ordem da natureza. Resta a dvida a respeito de
quanto tempo esta "f cientfica" sobreviver sem a base racional oferecida pelo
cristianismo.
Abraos, Paz de Cristo.