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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
A AÇÃO DO ORIENTADOR
EDUCACIONAL NUMA ESCOLA PÚBLICA QUE SE QUER
DEMOCRÁTICA
POR: JANAINA DO NASCIMENTO GOMES
Orientadora
Profª. Maria Esther de Araújo Oliveira
NITERÓI 2005
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
A AÇÃO DO ORIENTADOR
EDUCACIONAL NUMA ESCOLA PÚBLICA QUE SE QUER
DEMOCRÁTICA
Apresentação de monografia à Universidade
Candido Mendes como condição prévia para a
conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato
Sensu” em Orientação Educacional.
Por Janaína do Nascimento Gomes
AGRADECIMENTOS
À professora Maria Esther, minha
orientadora, que aceitou o desafio de
caminhar junto comigo.
A todos os professores, Orientadores
Educacionais, psicólogos, Direção e
alunos da escola em que trabalho.
A todos os meus colegas da pós-
graduação, em especial a Rosana,
conforme suas palavras,
compartilhadas nos primeiros tempos
de realização do curso: enfim volto ao
lar, doce lar, para dormir até mais tarde.
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a meus filhos
Gustavo e Isabela, que se privaram da
minha companhia em determinados
momentos de reunião de família, passeios,
festas, feriados, etc. E mesmo chateados,
compreenderam a minha ausência.
A Marcos, meu amado, parceiro, amigo e
companheiro do dia-a-dia, que com seu
carinho e compreensão agüentou minhas
“crises”, meu mau humor, meu cansaço.
É (Gonzaguinha)
É. A gente quer valer o nosso amor. A gente quer valer nosso suor. A gente quer valer o nosso humor. A gente quer do bom e do melhor. A gente quer carinho e atenção. A gente quer calor no coração. A gente suar, mas de prazer. A gente quer é ter muita saúde. A gente quer viver a liberdade. A gente quer viver felicidade. É. A gente não tem cara de panaca. A gente não tem jeito de babaca. A gente não está com a bunda exposta na janela, pra passar a mão nela. É. A gente quer viver pleno direito. A gente quer viver todo respeito. A gente quer viver uma nação. A gente quer é ser um cidadão. A gente quer viver uma nação. É, é, é, é, é, é, é.
RESUMO
Este trabalho consiste numa análise sobre a formação do papel da
orientação educacional ao longo da história, seus reflexos em uma escola
pública atual e as possíveis contribuições de suas ações para a construção de
uma escola democrática.
Buscando embasamento teórico nos pensamentos de Saviani, Paro e
Freire, entre outros, discute a questão da democracia e o Projeto Político
Pedagógico da escola como um dos meios de possibilitar a construção de uma
escola democrática, engajada na formação da cidadania do aluno e
comprometida com a transformação social.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................... 8
I - HISTÓRICO DA ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL...............................10
II - A ESCOLA QUE SE PRETENDE DEMOCRÁTICA...........................14
III - O PAPEL DO ORIENTADOR EDUCACIONAL NA CONSTRUÇÃO
DE UMA ESCOLA DEMOCRÁTICA .......................................................21
IV – PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO: UM DOS CAMINHOS PARA
A DEMOCRATIZAÇÃO DA ESCOLA PÚBLICA.....................................31
CONCLUSÃO......................................................................................... 35
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................ 37
ANEXOS...........................................................................................................
.. 39
INTRODUÇÃO
A presente monografia consiste numa reflexão sobre a importância da
ação dialógica do orientador educacional, numa escola pública municipal, que
atende a alunos de 1ª a 8ª série do ensino fundamental, em São Gonçalo e que
se quer democrática. Tendo como mote o trabalho do O. E. enquanto
facilitador na construção dessa democracia.
Percebendo-se que ainda se tem uma visão psicologizada de que o
orientador educacional deve para corrigir alunos desajustados e ajustá-los à
sociedade, é necessário destacar a importância desse profissional na
construção de uma escola pública democrática, adequando-a as mudanças
ocorridas nas escolas da atualidade, auxiliando na organização de uma
proposta pedagógica comprometida com as transformações sociais e
promovendo de forma significativa e efetiva a cidadania do educando.
Este trabalho pretende coletar informações que possibilitem analisar o
espaço escolar e sua atuação na formação da cidadania junto aos alunos,
levando em conta a finalidade ético-política da escola em termos de
emancipação social e o papel do O. E. nessa formação.
O desenvolvimento do trabalho dar-se-á através dos seguintes tópicos
de discussão: a base de construção da orientação educacional e a
necessidade de reconstrução desse papel; a escola que se pensa democrática
e seus alicerces, a realidade escolar e a ação orientadora em seu cotidiano.
Embasado nos pensamentos de Regina Leite Garcia, Paulo Freire,
Mirian P. S. Zippin Grinspun, Nílson José Machado, Moacir Gadotti, entre
outros, desenvolver-se-á este estudo monográfico, com uma abordagem
qualitativa, de base empírica, construindo, a partir dela, uma reflexão teórico-
prática através da observação participante, complementada por entrevistas
semi-abertas com diferentes sujeitos da comunidade escolar.
Com este trabalho pretende-se contribuir para a reflexão de professores
e orientadores sobre o papel desempenhado pelo O. E., procurando mostrar
que pequenos momentos podem ganhar desdobramento numa ação
transformadora da orientação educacional em uma perspectiva mais inclusiva
do processo educativo para as classes populares.
I - HISTÓRICO DA ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL
O serviço de Orientação Educacional foi imposto às escolas inspirado por
modelos americanos e europeus, na década de 20 com um discurso liberal,
com sua formação pautada na psicologia e numa concepção de educação
como instância de democratização e promoção social, o que dificultou enxergar
as relações entre escola e sociedade e o que lhe proporcionaria uma crítica da
própria prática. (Garcia e Maia,1984)
De acordo com as leis que regiam a educação nacional o Orientador
Educacional deveria fazer a ponte Escola-Família-Comunidade, mas por não
reconhecer o aluno como sujeito histórico do processo educacional restringe-se
apenas a “conscientizar”, ajustar, adaptar e regular os comportamentos, aos
padrões de normalidade.
A Orientação Educacional foi criada pelo engenheiro suíço Roberto
Mange, em 1924 no Liceu de Artes e Ofícios, em São Paulo, para ser um
serviço de seleção e de Orientação Profissional com os alunos do curso de
mecânica. Foi oficializado em 1931 pelo professor Lourenço Filho, diretor do
departamento de Educação de São Paulo que criou o serviço público de
Orientação Educacional e Profissional, experiência que só durou até 1935.
(Idem)
O período em que a Orientação Educacional foi criada, foi um período
turbulento para economia do país, constantes greves e agitações
demonstravam a insatisfação de todos com a situação econômica do país.
À Orientação Educacional caberia reforçar a ideologia das aptidões
naturais, encaixando cada um conforme suas capacidades, seus esforços e sua
responsabilidade.
Em 1942 a Lei Orgânica do Ensino Industrial fez, pela primeira vez,
referência a Orientação Educacional, instituindo o Serviço de Orientação
Educacional, com o objetivo de corrigir os alunos-problemas e auxiliá-los na
escolha profissional.
Em 1945, surgiu o primeiro curso de formação de Orientadores
Educacionais na PUC de Campinas, em São Paulo, mas o número de
profissionais formados foi sempre insuficiente e o primeiro registro de
Orientação Educacional no MEC só ocorreu em 1960.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961 refere-se à
criação da Orientação Educacional e Vocacional, havendo dois tipos de
Orientação Educacional: a do ensino médio e a do ensino primário, sempre com
a preocupação de ajustar o indivíduo às suas condições, o aluno à escola e o
profissional ao mundo do trabalho.
Apesar de se autodenominar profissional de mudança o Orientador
Educacional sempre esteve a serviço da classe dominante. Segundo Garcia e
Maia:
“Os orientadores educacionais, formados na década de 60, pretendiam atuar nas áreas de orientação escolar, psicológica, familiar, profissional, recreativa, saúde, ‘contribuindo para formação integral do aluno’, segundo seu discurso, mas na verdade, contribuindo para ‘formar’ o homem que interessava formar”.
(Garcia e Maia, 1984: 18).
A lei 5.564 de 1.968 que provê sobre o exercício da profissão do O. E.
confirmou a linha psicológica e a função preventiva da orientação.
A década de 60 representa um marco histórico para o nosso país,
período de instabilidade política e crise econômica.
A nova política seguiu deflacionária e privatista, houve uma política
financeira de contenção do fortalecimento do capital e de controle de trabalho,
que aumentou a concentração de renda.
Com o modelo de industrialização que utilizava tecnologias sofisticadas e
restringia o uso de mão-de-obra, coube à educação preparar a mão de obra
compatível às necessidades da indústria e, para suprir essa necessidade surgiu
a Lei 5.692/71 que tinha como meta à qualificação para o trabalho, o que
supostamente atenderia à economia nacional, na sua necessidade de
profissionais capacitados, e à clientela carente que ao final do 2º grau teria
uma profissão. E a Orientação Educacional passou a ter um papel primordial,
em todas as escolas, já que daria orientação vocacional, juntamente com a
família e a comunidade.
O projeto de lei, originário da Câmara dos Deputados, para a nova LDB
era analítico, já que fora feito com a participação de órgãos e entidades
educacionais e colocava a Orientação Educacional a serviço do educando e da
sua formação integral, conscientizando-o sobre realidade social e
desenvolvendo a sua autoconfiança. Mas o projeto que deu origem a LBD Nº
9.394/96 foi o do Senador Darcy Ribeiro.
Grinspun (2001) nos cita alguns artigos, da nova LDB, onde podemos
perceber a função do O. E., entre eles o art.39:
“A educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva. Parágrafo único – o aluno matriculado ou egresso do ensino fundamental, médio e superior, bem como o trabalhador em geral, jovem ou adulto, contará com a possibilidade de acesso à educação profissional.”
O artigo 64 diz que a formação do O. E. poderá ser feita em nível
superior (graduação em Pedagogia) ou em pós-graduação, “a critério da
Instituição de ensino, garantida nesta formação a base comum nacional”.
Ainda segundo Grinspun pode-se deduzir a presença da Orientação nos
princípios da educação escolar, no art.36, parágrafo 4º:
“A preparação geral para o trabalho e, facultativamente, a habilitação profissional, poderão ser desenvolvidas nos próprios estabelecimentos de ensino médio ou em cooperação com instituições especializadas em educação profissional”.
Podemos dizer que a nova LDB contemplou a formação dos
Orientadores Educacionais e a sua importância na formação do educando em
cidadão consciente, crítico e participante.
Estudar o histórico da Orientação Educacional, no Brasil nos faz
entender o porque da visão deturpada, que se tem, ainda hoje, nas escolas,
sobre o papel do Orientador Educacional como profissional que deve trabalhar
com alunos desajustados para adaptá-los a escola e a sociedade. Na
contramarcha da exclusão social, é fundamental saber reconhecer a escola
como espaço educativo democrático.
II – A ESCOLA PÚBLICA QUE SE PRETENDE
DEMOCRÁTICA
“Naturalmente, a viabilização do país não está apenas na escola democrática, formadora de cidadãos críticos e capazes, mas passa por ela, necessita dela, não se faz sem ela”. (Paulo Freire, 1993: )
Sabemos que a educação sempre existiu, que o conhecimento,
inicialmente, era passado pelos mais velhos aos mais jovens, formando-os para
atuarem na sociedade.
Segundo Coimbra (1986), foi somente a partir da Idade Média, na
Europa, que a educação passou a ser produto da escola e de um grupo de
pessoas, principalmente religiosos, que se especializou na transmissão do
conhecimento. Contudo essa escola era freqüentada apenas pela elite
(principalmente a nobreza), também não havia distinção entre crianças e
adultos e não estava organizada para “disciplinar”.
Observa ainda a autora que a partir do século XVII é que se lança a
configuração da escola como a conhecemos hoje, e que foi se desenvolvendo
entrelaçada ao desenvolvimento do capitalismo, principalmente alavancada
pela revolução industrial, com a necessidade de que um maior número de
pessoas soubesse ler, escrever e contar para trabalhar nas indústrias. Ao
mesmo tempo a burguesia1, já dominante achou necessário “educar” as
massas trabalhadoras. Então a escola se volta para o objetivo de inculcar os
valores, hábitos e normas da classe dominante, num processo hegemônico em
relação às demais classes.
Nos dias atuais já é reconhecido, pela grande maioria dos educadores,
que a escola precisa ser entendida num sentido bem mais amplo. Cabe a ela,
1 Conforme o Minidicionário da Língua Portuguesa – Século XXI - Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, temos como definição de Burguesia: Classe social surgida na Europa em fins da Idade Média, com o econômico e o aparecimento das cidades, e que veio a dominar a vida política, social, econômica e intelectual.
além de possibilitar o conhecimento do saber acumulado pela humanidade,
tornar o sujeito capaz de contribuir para a transformação social consciente de
que, como nos sinaliza Paulo Freire (1993), “a educação não é a alavanca da
transformação social mas sem ela essa transformação não se dá”, ou seja, a
escola não transforma a sociedade, mas a transformação da sociedade passa
por ela.
Segundo estudos, como os de Bárbara Freitag2, a escola é muito
importante para as pessoas oriundas das classes populares, pois é uma das
poucas oportunidades que se tem para a formação da cidadania, podendo ter
então a escola um efeito democratizante, dependendo de como se construa o
seu processo pedagógico.
Historicamente, a palavra cidadão designava as pessoas da sociedade
que tinham direito a participação nas decisões, as pessoas que tinham vez e
voz na sociedade em que viviam, mas esse direito era dado apenas aos
membros das classes dominantes política e economicamente.
A palavra cidadão deriva do latim, civis, que designava os habitantes das
cidades que compunham o Império Romano e que tinham o direito de participar
das atividades políticas.
Na sociedade brasileira, a condição de cidadão e o exercício da
cidadania são negados a grande parte da população, quando se priva o povo
da satisfação de suas necessidades mais básicas para a sobrevivência.
A história da cidadania brasileira é composta por aspectos amargos,
herança da colonização autoritária a qual esteve sujeita. Por ter sido o Brasil
um país de aristocracias, a sua primeira constituição (1824), contemplava como
cidadãos apenas os homens aqui nascidos, havendo uma diferenciação entre
eles. Havia naquela época os cidadãos ativos e os não ativos. Os ativos
eram os que podiam participar politicamente nas tomadas de decisões e esses
eram apenas os que tinham posses - grandes proprietários, estando os homens
livres e pobres, as mulheres, crianças e negros, escravos ou não, excluídos da
2 Publicado em seu livro Sociedade e Consciência – Um Estudo Piagetiano na Favela e na Escola.
condição de ser cidadão. A cidadania naquela época não era, portanto, direito
real de todos, mas garantida por uma posição social privilegiada, condicionada
ao sistema de produção capitalista, o cidadão era aquele que detinha os meios
de produção, a terra, o tráfico de influências, era aquele que se enriquecia as
custas do trabalho alheio.
Para reconhecer-se cidadão é necessário sentir-se parte integrante de
um grupo social, responsável pela sua vida e por tantas outras, já que suas
ações poderão ter reflexos na sua comunidade, cidade, no seu Estado, ou até
mesmo no seu país. Portanto, ser cidadão é se conceber como um ser social,
cultural, político, histórico e transformador.
Os direitos e deveres assegurados nos artigos da nova Constituição
brasileira, que foi promulgada em 1988, são, com freqüência, negados a grande
parte da população. São provas disso a falta de um programa de saúde
pública sério e eficaz, o descaso com a educação pública, o alto índice de
desemprego, entre outros. Mas apesar de tudo isso, está se ampliando no
coração dos brasileiros uma esperança, demonstrada pelos 52 milhões de
votos que garantiram a eleição presidencial, em 27 de outubro de 2002, de um
candidato oriundo da classe trabalhadora.
De acordo com Machado (1997) compreende-se por cidadania, em uma
perspectiva emancipatória, a condição dos sujeitos conseguirem
elaborar/realizar projetos individuais articulados com os projetos coletivos mais
amplos.
Segundo Neves:
“... a cidadania para a qual faz-se cada dia mais urgente educar-se e educar aqui e agora, não se reduz à consciência e ao exercício individual de nossos direitos e deveres civis. Ela implica na identificação e na denúncia das formas pelas quais os direitos sociais são constantemente lesados em nossa sociedade. Implica igualmente em criar condições para uma ação no sentido da transformação. Por isso educar-se é educar para a ação política e esta para ser eficaz, não poderá ser individual ou individualista”.(Neves, 1985: 7).
Confluindo nessa direção, as novas leis, diretrizes e normas, que regem
a Educação escolar, pregam que a escola pública deve ser democrática e
formar para o exercício da cidadania.
De acordo com a nova L.D.B.3 em seu 2º artigo coloca que a finalidade
da educação é o “pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” Também os
Parâmetros Curriculares Nacionais dispõem para as escolas que o ensino
fundamental tem, entre outros, o objetivo de levar o aluno a compreender a
cidadania como participação social e política “dotada de direitos e deveres” e
levá-lo a posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva diante das
diferentes situações sociais.
Apesar de se pretender democrática, o que vemos freqüentemente é a
escola ainda impregnada por práticas como autoritarismo, preconceito,
silenciamento e a centralização do poder na mão de poucos. Práticas essas
que inviabilizam seu efeito democratizante.
Para cumprir com esses objetivos é necessário que a escola que se quer
democrática, tenha bem claro que tipo de homem quer formar e que tipo de
sociedade deseja.
E que sociedade seria essa?
Coerente com toda reflexão até aqui construída, seria uma sociedade
onde todos tivessem as mesmas condições de viver, os mesmos direitos e
deveres, independente de classe social, raça, etnia, sexo e credo religioso.
Sociedade esta que se constituísse de pessoas livres, autônomas, críticas e
comprometidas com o bem comum. Que possam participar das decisões que
digam respeito a sua vida, ao seu meio social e ao seu trabalho, comprometidos
com uma sociedade menos excludente.
3 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n.º 9.394/ 96.
Para tornar real o exercício da cidadania no espaço escolar, que
configurações a escola deve ter? Como devem se dar às relações de trabalho
nesse espaço? Como deve se dar à relação escola-comunidade?
Democracia pressupõe soberania popular, então, uma escola será
democrática quando existir a participação de todos. Se pensarmos como
Gramsci que todos os homens são intelectuais, estaremos dispostos a ouvir
todos os interessados na melhoria da escola, poderemos assim compreendê-
los e acima de tudo aprenderemos muito nessa relação dialógica. A escola
democrática não silencia os alunos, ao contrário os ensina a falar, a se expor, a
defender seus direitos e os do seu grupo social, e acima de tudo, ensina a fazer
alianças, para que se possa aprender no coletivo. Nela existe o respeito à
pluralidade de idéias, todos podem e devem ter liberdade e autonomia de
pensamentos desde que haja respeito mútuo as diferenças.
Nesse sentido o estudo de Paro (1995) observa que a direção de uma
escola encontra vários desafios, como por exemplo:
• descentralizar o poder, consciente de que todos os funcionários são co-
responsáveis pela direção, cada grupo com sua função (determinada pelo
regimento escolar);
• olhar criticamente as orientações das Secretarias de Educação;
• diminuir a burocracia escolar;
• aproximar-se das associações de moradores;
• e construir um coletivo.
Para alavancar essas metas, deve-se solicitar a representação dos
professores, funcionários, alunos e comunidade no Conselho de Escola e
Comunidade – o Conselho de Escola e Comunidade é formado pela direção da
escola, representantes de pais de aluno e representantes de funcionários, a fim
de administrar a escola, e definir como serão gastas as verbas recebidas pela
escola.
Os professores e demais funcionários também encontram desafios
constantes, como ouvir e respeitar a história de vida dos alunos, reconhecer os
saberes e culturas locais e regionais, planejar o ensino com os alunos, estando
atento às suas necessidades, além de conhecê-los pelo nome. A esse respeito
Freire (1993) sinaliza que:
“É preciso e até urgente que a escola se vá tornando um espaço acolhedor e multiplicador de certos gostos democráticos como o de ouvir os outros, não por puro favor mas por dever, o de respeitá- los, o da tolerância, o do acatamento às decisões tomadas pela maioria a que não falte contudo o direito de quem diverge de exprimir sua contrariedade”.(Freire, 1993: 89).
Não é preciso que se tenha pena das pessoas oriundas das classes
populares, mas que se tenha respeito e que se reconheça à importância da
cultura popular, para que se possa trilhar o caminho da desconstrução da
ideologia de que as injustiças sociais são naturais.
Conforme nos adverte Oliveira (2001), para que haja democracia as
relações sociais devem ser estruturadas, a partir de debates abertos aos
interessados, ou seja, as normas de interação social devem ser estabelecidas
pelos participantes, sem nenhum tipo de coerção. Todos precisam saber o que
está em jogo, às regras da discussão e conhecer os diferentes interesses dos
participantes.
Nessa escola as relações de trabalho devem se construir, portanto, a
partir de pilares como liberdade, igualdade, solidariedade, coletividade,
cooperação e respeito. Ainda de acordo com Freire (1987), ela deve ter um
trabalho dialógico, entre sujeitos que se encontram na busca por um mundo
melhor.
Também Saviani (1999) nos propõe uma escola crítica onde os alunos
sejam ativos e os professores possam desenvolver a capacidade de
argumentar, participar e decidir, onde os alunos utilizem-se dos conteúdos
programáticos para compreender melhor a realidade: uma escola que
“promova o homem” fazendo-o entender que sua situação na sociedade foi
construída social e historicamente.
Ao considerarmos a importância dos protagonistas da ação escolar, entre
eles o orientador educacional, que papel esse profissional pode e/ou deve
exercer numa escola pública de nosso tempo, que se pretende democrática?
III - O PAPEL DO ORIENTADOR EDUCACIONAL NA
CONSTRUÇÃO DE UMA ESCOLA DEMOCRATICA
Esta pesquisa foi realizada numa escola pública municipal, situada em
São Gonçalo, Estado do Rio de Janeiro, que tem da alfabetização a 8ª série e
um pré-vestibular e que atende, em sua maioria a alunos das classes
populares.
Os professores da escola são na maioria concursados, em contrapartida
os funcionários de apoio são quase todos contratados. A escola é dirigida por
dois diretores (indicados pela Secretaria Municipal de Educação), auxiliados por
três dirigentes de turno, um coordenador pedagógico geral e coordenadores de
área, dois orientadores educacionais e uma secretária, além dos professores e
dos funcionários do apoio administrativo e operacional, que segundo o
regimento escolar do município é formado por inspetor de disciplinas, auxiliar
de serviços gerais, auxiliar de secretaria e manipulador de alimentos
(merendeira).
Além de atender os alunos da comunidade local, a escola também
recebe moradores de diferentes bairros do município, filhos de funcionários e
professores, o que é indicador de como ela é bem conceituada no município
onde se situa. Mas, como em todo espaço escolar, existem muitos problemas
internos que merecem atenção, não tanto em si mesmo, mas por serem
sinalizadores de dificuldades na relação com a comunidade por ela atendida,
como, por exemplo, pichações e depredações.
Trabalhar na orientação educacional, de uma escola como essa é um
grande desafio. É preciso, como diria Freire (1993), que se estabeleçam às
regras de maneira democrática, para que o trabalho flua melhor, e ao passo
que as regras são estabelecidas pelo grupo, ele se compromete a respeitá-las,
mas esse é um desejo que ainda não se tornou realidade naquele espaço
escolar, já que apenas uns ditam as regras e a maioria (des) obedece.
É preciso conhecer a realidade em suas relações e tensões vividas no
cotidiano escolar, para auxiliar na construção de uma proposta pedagógica
comprometida com a transformação social.
O espaço escolar é cheio de contradições e que, não existe “a escola”
generalizada e única, como se costuma falar. O que existe, na verdade, são
escolas. Considerando, portanto, sua especificidade cada escola pode ser
“assim e assado”, “isto e aquilo”, ao mesmo tempo e no mesmo lugar. Sendo
assim, analisaremos algumas contradições encontradas na complexidade de
um espaço escolar e a multiplicidade de relações que nele se constróem,
buscando alternativas para re-significar esse espaço.
A escola pesquisada é uma escola que se quer democrática. Como
sabemos que democracia é uma forma de governo em que a soberania
pertence ao povo, perceberemos nela inúmeras ações que contrariam os
princípios básicos do que se reconhece por democracia.
Oliveira nos diz que:
“A democracia pressupõe uma possibilidade de participação do conjunto dos membros da sociedade em todos os processos decisórios que dizem respeito à sua vida cotidiana, sejam eles vinculados ao poder do Estado ou a processos interativos cotidianos, ou seja, em casa, na escola, no bairro etc.”. (2001: 11).
Considerando o pensamento de Oliveira, fica claro que quando a direção
é um cargo de confiança, que se consegue apenas com indicação de políticos,
quando as decisões são centralizadas na mão da direção e a comunidade
escolar desconhece os membros do “Conselho de Escola e Comunidade”, há
o comprometimento da democracia idealizada para esse espaço.
Coerente à metodologia organizada para este estudo monográfico, neste
capítulo serão narrados e analisados alguns fatos que contrariam os princípios
democráticos e algumas iniciativas da orientação educacional na tentativa de
resgatar a democracia almejada por todos. No município onde se situa a escola,
atualmente não há eleição para diretores, nele a direção é “cargo de confiança”
que é dado por alguns políticos, então a cada mudança de governo pode
ocorrer também mudança da direção. Esse compromisso político da direção
com quem a indica é algo que prejudica a escola, pois a deixa dependente de
obrigações/concessões de um político que pode auxiliar ou não a escola. Isso
se acentua principalmente frente às reivindicações da comunidade escolar,
pois a direção evita se opor à proposta política de quem sustentou e
encaminhou sua indicação. Então, freqüentemente a direção se omite
esperando que professores, coordenadores e orientadores reivindiquem as
melhorias necessárias.
Os funcionários desejam a eleição para diretores, pois assim a
comunidade escolar poderia eleger alguém que fosse respaldado pela
confiança de seus integrantes, sem compromisso com nenhum político, mas
comprometido com o bem da comunidade que o elegeu e com a melhoria da
escola. Alguém que abrisse as portas da escola, que possibilitasse o trabalho
coletivo, cooperativo e solidário, em todas as fases, do planejamento à ação e
que, na hora de lutar por melhorias, pudesse se expor, dizendo o que pensa, o
que deseja e o que acredita. Pois sabemos que, como nos alerta Freire, é
principalmente pelo exemplo de lutas contra as injustiças sociais, que podemos
contribuir “para que os educandos vão se tornando presenças marcantes no
mundo” (1993: 47).
Mas não é pelo fato da direção ser indicada que precisamos desistir da
democratização da escola, pois como nos sinaliza Barbosa;
“É sempre possível pensar e realizar uma luta política que questione o sistema e busque a sua democratização, ou seja, vise a um maior respeito às diferenças, pluralize o debate, torne as relações internas mais igualitárias e leve em conta a diversidade de interesses e possibilidades de ação dos diversos grupos em interação”. (Barbosa, 2001: 29)
Nessa construção o orientador tem um papel fundamental, pois junto a
seus pares pode facilitar a transformação da escola, de espaço de reprodução e
legitimação dos interesses dominantes em um espaço aberto para discussões,
convidando os pais, alunos e profissionais da escola a participarem das
tomadas de decisões.
Certos da necessidade da participação dos pais na escola, e conscientes
de que a classe popular tem um conhecimento historicamente construído que
precisa ser valorizado, é que a equipe técnico-pedagógica busca promover
reuniões onde os pais possam falar, questionar, dar sugestões para a melhoria
da escola, já que a comunidade também não sente a escola como pertencente
a ela e não se interessa por participar das ações por ela desenvolvidas. A
realização de uma reunião onde os pais tenham voz e possam questionar é um
avanço rumo a democracia desejada.
Outra forma de democratizar a escola é a criação do Conselho Escola e
Comunidade, que foi pensado para descentralizar o poder e que precisa se
reunir para a tomada de decisões, o que infelizmente, nem sempre ocorre
nessa escola.
A não realização de reuniões do Conselho, de pais e a falta de
informações dos pais sobre o que acontece na escola demonstram que o
orientador educacional não consegue cumprir plenamente suas obrigações, já
que o regimento escolar determina entre as suas as atribuições, a de promover
o processo de integração Escola-Família-Comunidade, oportunizando a criação
de um espaço educativo comum de troca e crescimento recíprocos com vistas
ao melhor funcionamento pedagógico e administrativo da escola.
Lembrando o pensamento de Freire (1993) “a escola democrática de que
precisamos não é aquela em que só o professor ensina, em que só o aluno
aprende e o diretor é o mandante Todo-Poderoso”, até porque estas atitudes
não acordam com o que se entende por democracia, pois como destacamos em
Oliveira, não se trata de apenas eleger o governante, mas acima de tudo
participar conjuntamente de todos os processos decisórios.
A escola, enquanto instância social, clama pela democracia. Os alunos e
seus responsáveis querem participar das decisões, cobram sobre o porquê de
não serem ouvidos, reivindicam sobre as cobranças que sofrem e cujas razões
nem sempre compreendem.
Concordando com Garcia e Maia que:
“Os alunos das classes populares só atingirão um nível de coerência na compreensão da realidade se forem ouvidos e respeitados, se forem estimulados a exprimir livremente o seu mundo, tendo este mundo comparado a outras formas de vida. É deste confronto de mundos e de idéias que se desenvolverá o pensamento crítico.” (Garcia e Maia, 1984: 53)
Saber-se-á que estão alijando os alunos de uma formação cidadã, como tanto
apregoam as leis da educação.
E é na busca pela superação dessas contradições, que as autoras
sugerem que o O. E. deve identificá-las, explicitá-las, e trabalhar sobre elas,
recuperando as possibilidades transformadoras da escola e de si mesmo
enquanto profissional.
Na escola pesquisada, não são apenas os orientadores que desejam a
transformação, os professores também se propõem a ajudar, perguntam,
pedem reuniões que, entretanto, sempre são deixadas para um momento
oportuno e o que se evidencia é que a direção evita um contato maior com
esse grupo.
Para que se conquiste um espaço democrático é preciso que haja um
trabalho coletivo, pautado no respeito mútuo, na solidariedade e na ética, onde
todos sejam valorizados, portanto simplesmente evitar grupos de alunos e
professores, com suas tensões e reivindicações, compromete o exercício da
cidadania no próprio contexto escolar.
Na tentativa de contribuir para o processo de democratização da escola,
a orientação, juntamente com a coordenação, leva à direção todas as
reivindicações de alunos e professores, buscando possíveis soluções, além de
realizar um projeto de orientação educacional que auxilia na formação ético-
política do aluno, e que tenta responder às expectativas que a comunidade
escolar tem frente ao trabalho do O. E.
No compromisso de transformar essas propostas em ações são
realizadas visitas as turmas, dinâmicas, debates, o que é interessante, pois faz
os alunos perceberem que têm mais vez e voz na escola.
Cabe ao O. E. reconhecer a dimensão afetiva como uma dimensão
fundamental da formação e desenvolver projetos que possam elevar a auto-
estima de alunos, professores e funcionários, cuidando também do
relacionamento interpessoal dentro da escola, das atitudes dos adultos para
com as crianças e da relação estabelecida com as famílias e comunidades.
É preciso que o orientador educacional auxilie os alunos na descoberta
do verdadeiro sentido da educação, o prazer de conhecer e construir esse
conhecimento, e se utilizar dele para poder intervir na sociedade
transformando-a. Faz-se necessário repensar sua prática em prol de uma
educação que na prática, no dia-a-dia faça dos alunos e dos professores seres
pensantes, sujeitos ativos, pessoas que tenham coragem, possibilidade e garra
para lutar pela transformação da sociedade vigente, em uma sociedade mais
justa e humana, que valorize o ser humano pelo que ele é, por seus ideais e
idéias, e não apenas pelo que ele tem, uma sociedade igualitária e inclusiva,
que respeite as diferenças e ofereça oportunidades iguais a todos os sujeitos,
independente de cor, sexo, religião, classe social ou de qualquer deficiência.
Quando se deseja a instituição de uma escola democrática o Orientador
educacional tem um importante papel, pois pode, junto a seus parceiros,
promover discussões no coletivo da escola, sobre a urgência em se transformar
a escola. Não se pode mais fazer dos alunos meros receptores de um ensino
“bancário”, robôs que aceitam as coisas passivamente cumprindo-as sem
questionar, pessoas incapazes de lutar, de pensar criticamente, de formular um
ideal para alcançar. É preciso que se cumpra a lei e que realmente se forma o
aluno para o exercício pleno da cidadania.
A fim de perceber como se dá esse trabalho na escola pesquisada,
aconteceram diversas conversas com a O. E. do 1º turno, que foi relatando
suas experiências.
Numa das visitas realizadas na turma da 8ª série, após uma dinâmica,
para reflexão sobre como eles gostavam de ser tratados, quando conversaram
sobre respeito, um aluno disse:
“- Os inspetores só sabem reclamar por que são desrespeitados, mas fazem a mesma coisa com a gente, qualquer 'coisinha' começam a gritar e nos dão advertência”.
Esse fato revelou a necessidade dela realizar também um encontro com
os inspetores, para pensarem juntos sobre como os alunos eram tratados e
como cada um gostava de ser tratado. Passado um tempo à inspetora, que
mais se utilizava o recurso da advertência, chamou a orientadora para contar
que depois de ter mudado a maneira de tratá-los - com menos rispidez, mais
informações sobre limites e atitudes de compreensão - passou a conseguir
muito mais com eles, sem precisar estar gritando ou ameaçando.
Também é comum a orientação receber alunos por motivos de
indisciplina, em sala de aula, há na escola, uma turma de 5ª série na qual
ninguém quer dar aula, pois, de acordo com os professores, ela é
“insuportável”, já que reúne vários alunos indisciplinados. Todo dia um aluno
desta turma é encaminhado ao orientador e as reclamações sobre a turma são
contínuas.
Chamar os pais infelizmente já caiu no descrédito, já que normalmente
os que precisam ser chamados à escola dizem que não sabem o que fazer
com seus filhos, porém não se pode mais chamá-los, apenas para ouvir sobre o
que seus filhos fazem de “errado” ou como cuidar deles. O que se precisa é
criar uma parceria, onde os pais entrem na escola confiantes de que podem
ajudar a reestruturá-la e reorganizá-la, enquanto também recebem apoio para
fazer o mesmo consigo próprio, pois, ainda hoje, os pais mantêm os filhos na
escola porque acreditam que ela poderá ajudá-los a ter um futuro melhor.
A escola não pode fechar os seus olhos para isso e continuar
trabalhando os seus “conteúdos” como se fossem toda verdade do mundo, ela
precisa se modernizar e abrir as suas portas à dinamicidade do mundo, que
como um caleidoscópio se transforma, de acordo com os movimentos que se
dão no seu dia-a-dia.
Com o objetivo de contribuir para a construção de um espaço
democrático, o orientador educacional coordenou a realização da eleição para
representantes de turma. Para se candidatar cada aluno deveria fazer uma
proposta onde constasse o que ele achava que deveria melhorar na escola e
como ele poderia ajudar, para que a turma pudesse avaliar e escolher.
Após as eleições foram feitas reuniões com os representantes e vices,
mas foi percebida a necessidade de reunir todos, juntamente com a direção,
coordenação, inspetores e dirigentes de turno. Para mostrar aos alunos a
importância da confiança por eles conquistada, foi preparada cuidadosamente
uma reunião geral.
No dia da reunião, na hora marcada todos chegaram, animados.
Iniciaram o encontro em círculo, no pátio da escola, para que fosse explicado
porque estavam ali reunidos. Após houve uma dinâmica de apresentação, onde
os alunos, em dupla, conversaram por alguns minutos, depois se
apresentaram, aos presentes, trocando os papéis.
Em seguida os alunos em grupo representaram, através de recorte e
colagem, como eles viam a escola e apresentaram ao grupo.
Nos cartazes surgiram coisas boas, como bons professores, amigos,
esporte, mas surgiram também problemas como drogas, pichações e violência.
Num segundo momento, cada um fez uma pintura que representasse
como eles gostariam que a escola fosse.
Depois cada um apresentou a sua pintura, explicando que desejo
representava. Houve uma aluna que estava pintando a folha toda com tinta
preta, o que assustou a orientadora, mas no final ela pintou por cima do preto
uma pomba branca e a palavra paz. Uma visão preconceituosa fez a O. E.
achar que aquela pintura iria representar alguma coisa negativa, o que mostra
como ainda se tem dificuldade para ouvir o que se acha que não é bom.
Após as apresentações, todos os trabalhos foram colados no mural da
escola, junto com um texto que uma representante (ex-pichadora) fez,
convocando os alunos de 5ª a 8ª série a trabalharem pela melhoria da escola.
Posteriormente a orientadora leu o seguinte texto:
“Precisa-se de pessoas...
Pessoas que tenham os pés na terra e a cabeça nas estrelas.
Pessoas capazes de sonhar, sem medo de seus sonhos.
Pessoas tão idealistas, que transformem seus sonhos em metas.
Pessoas tão práticas, que sejam capazes de tornar suas metas em
realidade.
Pessoas determinadas, que nunca abram mão de construir seus
destinos e planejar suas vidas. Que não temam mudanças e saibam tirar
proveito delas.
Precisa-se de pessoas que questionem, não pela simples contestação,
mas pela necessidade íntima de só aplicar as melhores idéias.
Pessoas que mostrem sua face serena de parceiros legais, sem se
mostrar superiores nem inferiores, mas... iguais.
Pessoas com coragem para abrir caminhos, enfrentar desafios, criar
soluções, correr riscos sem medo de errar.
Precisa-se de pessoas que construam suas equipes e se integrem
nelas.
Precisa-se de pessoas que enxerguem as árvores, mas também
prestem atenção à magia da floresta, que tenham a percepção do todo e
da parte. Seres humanos justos, que inspirem confiança e demonstrem
confiança nos parceiros, estimulando-os, energizando-os sem receio de
que lhe façam sombra e sim se orgulhando deles.
Precisa-se de pessoas que criem em torno de si um ambiente de
entusiasmo, de liberdade, de responsabilidade, de determinação, de
respeito e de amizade.
Precisa-se de seres racionais, tão racionais que compreendam que sua
realização pessoal está atrelada à vazão de suas emoções. É na
emoção que encontramos a razão de viver. Estamos precisando de
gente assim para reforçar o nosso time e um melhor Projeto de Vida.”
(Autor Desconhecido)
Inspirados pelo texto, todos disseram querer ajudar na melhoria da
escola, se comprometeram a conversar com os colegas de turma sobre as
condições da escola, sobre a mudança de comportamento que era necessária,
e como perceberam que a escola era deles ficaram de conversar com os alunos
pichadores, para não sujarem a escola, pois a direção havia prometido
conceder um espaço para eles grafitarem.
A reunião foi encerrada com diversas promessas.
Mas como o cotidiano escolar não é um belo conto de fadas e sim um
chão construído passo a passo por caminhos e descaminhos...
Infelizmente, ao longo do ano, nenhuma das promessas do encontro tão
promissor foi cumprida.
É nessa busca pela transformação da escola, que como vimos pode
ocorrer numa intensa trama do seu cotidiano, que o orientador educacional
deve estar engajado, para recuperar sua dimensão ético-política, na mais
perfeita perspectiva de sua função social.
IV – PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO: UM DOS
CAMINHOS PARA A DEMOCRATIZAÇÃO DA ESCOLA
PÚBLICA
A proposta de construção de um Projeto Político Pedagógico pela escola,
que garanta a sua marca e autonomia, é uma necessidade fundamental, já que
há uma urgência em se redimensionar a ação educativa, de modo a resgatar a
identidade da escola, enquanto espaço de socialização e construção do
conhecimento, de forma sistemática.
Essa não é uma tarefa rápida e fácil, ao contrário é tarefa contínua da
escola que se quer democrática, que assumirá feição própria e que adquirirá
personalidade com a definição de um caminho a ser percorrido.
Para que um projeto de escola se consolide é necessário que haja um
trabalho coletivo, sendo necessário articular os diversos segmentos da
comunidade escolar através de discussões e troca de informações, tudo imerso
num universo de respeito mútuo. É necessário iniciativa e disposição dos
participantes, assim como espaços que garantam a continuidade dos debates.
Um trabalho coletivo exige interação, o que não quer dizer que as pessoas
deverão ter, tão somente, garantida a oportunidade de estarem juntas, mas,
fundamentalmente, desenvolver o exercício constante de avaliar sua realidade,
traçar metas, enfrentar dificuldades, superar impasses e buscar o consenso.
Veiga (1995) situa a construção do projeto político-pedagógico como a
própria organização do trabalho pedagógico da escola. Conceitua o projeto
político-pedagógico a partir do seu sentido etimológico, que mostra a sua
associação à idéia de lançar adiante. Partindo disso, enfatiza que a organização
dos projetos não pode restringir-se ao simples planejamento de ensino e
atividades diversas, precisa-se constituir na busca de um rumo, de uma direção.
A dimensão política evidencia-se na medida do seu comprometimento com a
formação do cidadão para a sociedade na qual se dá sua inserção. É na
dimensão pedagógica, onde se dá a definição das ações educativas,
propriamente ditas, que a escola pode, efetivamente, dar conta de sua intenção,
de sua proposta, de seu fazer educativo. O político e o pedagógico, contudo,
são indissociáveis, implicando num processo contínuo de reflexão e discussão
das questões que perpassam o dia-a-dia da escola. Essas dimensões, política
e pedagógica, revestem o projeto de uma amplitude significativa. É à busca da
organização do trabalho da escola na sua globalidade, o que requer uma certa
autonomia.
Reforça-se hoje a necessidade da escola definir suas linhas de ação
através de um projeto próprio. A ação-reflexão exercida por todos os segmentos
da Unidade Escolar precisa ser constante, não podem faltar vontade política,
nem esforço coletivo. O resultado é a qualificação da escola, cujo fazer
pedagógico adquire proporções bem mais comprometidas com o educando que
deseja ajudar a formar.
Com um projeto o que se espera do educador e do educando, fica
claramente definido a partir de princípios coerentes com a realidade a qual se
inserem. O projeto, para tanto, requer a vivência contínua, sistemática e
comprometida com o processo que o envolve de todos os sujeitos da práxis
educativa. Uma atitude reflexiva permanente precisa nortear todos os
acontecimentos da escola e ser exercida pelos seus sujeitos para garantir essa
vivência contínua.
Gandin (1986) nos alerta para a importância de planejar, sugerindo três
perguntas básicas: O que queremos alcançar? A que distância estamos daquilo
que queremos alcançar? O que faremos concretamente (em tal prazo) para
diminuir essa distância? Estas perguntas podem auxiliar o processo de
construção, quando especificamos que ideal queremos alcançar, como está a
nossa situação e o que precisamos fazer para nos aproximarmos do que
queremos, considerando o “como”, isto é, as ações que possibilitarão as
mudanças.
No processo de planejar coletivamente, a escola produz conhecimento. A
medida em que discute que ideal se pretende, a escola analisa a sua situação
global e sua finalidade enquanto instituição; reflete acerca de suas
contribuições, dos fracassos e dos sucessos e compara a distância entre o ideal
e o real. Toda essa discussão visa estabelecer a programação da escola no
sentido alcançar seu ideal; esta programação inclui objetivos, políticas,
estratégias e prioridades. Trata-se da proposta de ação.
Na escola pesquisada, a construção do projeto político-pedagógico deu-
se da seguinte forma, montou-se uma equipe que ficou responsável pela sua
elaboração. Nesta equipe haviam duas professoras readaptadas que ficaram
responsáveis em se reunir com os setores da escola, distribuir e recolher fichas
de questionamentos e sugestões e de a partir da leitura do material coletado,
redigir o projeto da escola. Não houve para realização do projeto, uma reunião
do coletivo da escola, houve simplesmente uma sondagem.
Por isso a nova direção, que já fazia parte da escola e participou desse
processo sentiu a necessidade de rever o projeto político-pedagógico da escola,
afim de que haja uma participação efetiva do coletivo da escola.
Uma maior participação seria a presença dos diversos segmentos da
escola nos momentos de decisão e no planejamento das atividades cotidianas
da escola, o que garantiria a democracia participativa no espaço escolar. Mas
na realidade o que se tem, ainda é uma democracia representativa, democracia
esta que não garante a participação do coletivo, que é representado por alguém
ou algum grupo que, quando muito, informa sobre as decisões tomadas.
Através da construção coletiva do projeto político–pedagógico da escola
pode-se alcançar uma democracia participativa, que deve ser o ideal alcançado
pela sociedade atual, democracia esta tão necessária para que as classes
populares efetivem conquistas na instituição escolar e na sociedade como um
todo.
Pensar uma escola democrática hoje é pensar uma escola que discute
sobre a dignidade humana, a igualdade de direitos, a recusa à discriminação, a
importância da solidariedade e do respeito à vida, ou seja, uma escola que
forma cidadãos capazes de transformar a sociedade em que estão inseridos.
O orientador educacional, como profissional das relações, articulador das
discussões e reflexões, profissional que traz a realidade do aluno e sua
comunidade para a escola, deve ser um dos organizadores das reuniões
coletivas para elaboração e reelaboração do projeto político-pedagógico da
escola. Projeto que deve ser pensado, planejado e realizado por e para todos,
na busca de uma escola de boa qualidade, inclusiva e que forme sujeitos
capazes de se inserir na sociedade e, mais do que isso, de participar da
construção de um mundo mais justo.
CONCLUSÃO
Nesta monografia desenvolveram-se reflexões acerca do trabalho da
orientação educacional, numa escola pública que se quer democrática e as
contribuições da sua atuação para a formação cidadã do aluno, através do
relato de algumas experiências. Nessas experiências está presente uma
concepção de educação e de orientação educacional que tenta se adequar à
necessidade de grandes mudanças na escola, necessidade esta que é reflexo
das transformações sociais da contemporaneidade.
A escola analisada é uma escola que se quer democrática, mas os fatos
aqui relatados demonstram avanços e retrocessos em direção a
democratização sonhada. Mas como todo cotidiano é recheado de
contradições, há que se promover mais espaços de reflexão sobre a prática
para que se vivencie a práxis, sinalizada por Paulo Freire, e se busque a
superação dessas contradições.
Na busca da democratização da escola há que se pensar um projeto
político-pedagógico que busque a participação de todos, do planejamento a
avaliação dos resultados e o orientador educacional, como integrante da equipe
pedagógica da escola, deve procurar junto a seus pares promover momentos
de discussões que favoreçam a democratização do espaço escolar.
O orientador educacional pode ajudar a modificar a escola pública, para
que esta deixe de ser espaço de reprodução e passe a ser espaço de
construção de conhecimentos e de transformação social.
A transformação da escola pública, não está nas mãos do orientador
educacional, e sim nas mãos de todos que trabalham e lutam pela Educação,
pois o diálogo, a troca, o confronto e a soma de idéias representam fatores
importantes na superação das dificuldades. É preciso que haja a união entre
orientadores, coordenadores, supervisores, diretores e professores, que todos
trabalhem com “os pés no chão e a cabeça nas estrelas”, para a construção de
uma escola verdadeiramente democrática, que se ponha a serviço das classes
populares e lute contra as desigualdades sociais.
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