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8/20/2019 A Criança, A Infância e a História
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A Criança, a Infância e a História
por Eduardo Rodrigues da Silva
Atualmente, a criança parece se situar como um sujeito que detêm seu espaço na
sociedade, um indivíduo exigente, questionador, possuidor de mercado consumidor, leis,
programas televisivos e ciências dedicadas a elas. Mas, a idéia de in!ncia é extremamente
moderna.
"um percurso #ist$rico, perce%e&se que o conceito de in!ncia vem sorendo
modiicaç'es. (ora))a*+ apud -liveira sinali)a que /...0 as crianças est1o ausentes na #ist$ria
no período que compreende a Antiguidade até a 2dade Média por n1o existir este o%jeto
discursivo que c#amamos 3in!ncia4, nem esta igura social e cultural 3criança4.5 *6
- #istoriador 7ries complementa8
/...0 o sentimento da in!ncia n1o existia & o que n1o quer di)er que ascrianças ossem negligenciadas, a%andonadas ou despre)adas. - sentimentoda in!ncia n1o signiica o mesmo que aeiç1o pelas crianças8 corresponde 9consciência da particularidade inantil, essa particularidade que distingueessencialmente a criança do adulto, mesmo jovem. Essa consciência n1oexistia.*:
;e acordo com 7ries, as crianças eram vistas nos séculos
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As aprendi)agens da in!ncia e da adolescência deviam, pois, ao mesmotempo ortalecer o corpo, aguçar os sentidos, #a%itar o indivíduo a superar osreve)es da sorte e principalmente a transmitir tam%ém a vida, a im deassegurar a continuidade da amília*C.
(onorme 7riés*D, os pequenos entravam logo no mundo adulto e n1o dependiam
tanto dos pais. Esses sim dependiam deles, pois quanto mais il#os, mais %raços teriam para
tra%al#ar.
;evido 9 situaç1o de ome, miséria, tragédia e a alta de saneamento %?sico pelas
quais as pessoas da 2dade Média viviam, a taxa de mortalidade inantil era muito alta. A morte
de uma criança n1o era rece%ida com tanto sentimento e desespero como acontece #oje.
Rapidamente a triste)a passava, e aquela criança era su%stituída por outro recém&nascido para
cumprir sua unç1o j? pré&esta%elecida. (onstata&se que a mortalidade inantil na Europa
medieval, mesmo entre ricos e po%res, mostra o relativo descaso pelas crianças.
=eriica&se tam%ém que nas amílias po%res #avia uma preocupaç1o desde cedo para a
criança tra%al#ar nas lavouras ou serviços domésticos. A primeira in!ncia era época das
aprendi)agens5.* Aquelas que pertenciam 9s amílias no%res aprendiam as artes de guerra
ou os oícios eclesi?sticos. Essa realidade comprovava que n1o #avia muito tempo por parte
dos pais para dar carin#o e dedicaç1o a elas. A inquietaç1o para ensin?&las um oício e a
atenç1o dos pais nos seus tra%al#os, na guerra ou pedindo esmolas proporcionava tal situaç1o.
;e acordo com estudos do período e de Fadinter *G, o amor dos pais aos il#os era
seletivo. (om a regra de primogenitura, o il#o mais vel#o teria direito de ser o Hnico #erdeiro
ap$s a morte do pai. Excluía dessa maneira os demais il#os. -s pais sempre preeriam ter
il#os do sexo masculino ao invés do eminino. "1o viam vantagens inanceiras em ter uma
il#a, mas sim, preocupaç'es, exemplo disso é o dote*I.
"ota&se, que apesar da idéia de criança e in!ncia ter se transormado em nossos dias,
muitas concepç'es descritas acima reerentes ao período de transiç1o medieval para amoderna permanecem presentes, ainda que de orma disarçada em algumas crenças e pr?ticas
de nosso tempo.
J s$ a partir do século
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in!ncia antes da 2dade Moderna, constituía a época em que estava ocorrendo 9 coloni)aç1o
do Frasil. ;essa orma, os europeus, enquanto coloni)adores trouxeram seus valores,
costumes, e naturalmente suas idéias reerentes 9 in!ncia para o Frasil. Assim, dentro dessa
nova construç1o moderna, oram sendo soterradas concepç'es de criança como um adulto
an1o e paulatinamente oi cedendo lugar para a airmaç1o da in!ncia como uma construç1o
social.
2nserido nesse aspecto de pr?ticas que vieram para a col>nia com os coloni)adores,
;el Briore retrata o sentimento de paparicaç1o na época colonial %rasileira di)endo8
/...0 crianças pequenas, %rancas ou negras, passavam de colo em colo e erammimadas 9 vontade, tratadas como pequenos %rinquedos. /...0 As pequenascrianças negras eram consideradas graciosas e serviam de distraç1o para asmul#eres %rancas que viviam reclusas, em uma vida mon$tona. Eram comoque %rinquedos, elas as agradavam, riam de suas cam%al#otas e %rincadeiras,l#es davam doces e %iscoitos...*+6
Aos poucos vai solidiicando a noç1o de in!ncia, e o 2luminismo*+: na Europa
inaugura a preocupaç1o com essa quest1o por meio de estudos e pesquisas. "esta direç1o, era
preciso ormar o novo #omem5. Bara #iraldelli*+@ a escola entra n1o s$ com o papel
undamental de simplesmente educ?&las, mas li%ert?&las da ignor!ncia e do camin#o do mal.
Esta idéia advin#a do 2luminismo. -s adeptos dessa corrente de pensamento acreditavam quea ra)1o #umana deve dominar acima de tudo e de todos. Entretanto, as instituiç'es educativas
seriam respons?veis por desenvolver o potencial destes preparando&as para a vida e o
tra%al#o. Além do que, lançavam ol#ares so%re a criança como um animal)in#o de estimaç1o,
um ser irracional, que vivia de acordo com os pensamentos e desejos dos outros. "1o
conseguiam perce%er nelas a capacidade de pensar, querer e sentir.
Berce%e, porém, que a educaç1o escolar n1o era entendida da mesma orma e aplicada
com a mesma qualidade para todas as camadas sociais durante o período moderno. -s il#os
dos %urgueses eram preparados para ocupar os altos cargos. -s il#os de amílias po%res
muitas ve)es n1o c#egavam a ir para escola, e quando a requentavam eram treinados para os
tra%al#os secund?rios como de carpinteiros, pedreiros ou agrícolas.
Segundo Aris*+C, as classes populares européias continuaram tendo por muito
tempo, a idéia de uma in!ncia curta e undida com os adultos. ;el Briore*+D mostra que, no
Frasil colonial a partir dos sete anos, os il#os de sen#ores iam estudar e dos po%res e
escravos tra%al#ar.
Segundo as teorias religiosas, as crianças nasciam do pecado e eram sím%olos da orça
do mal. #iraldelli*+ airma que essa idéia oi diundida desde Santo Agostin#o. (omo se
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sa%e, Santo Agostin#o viu a criança imersa no pecado, na medida em que, n1o possuindo
linguagem /inante58 o que n1o ala N portanto, aquele que n1o possui logos0, mostrar&se&ia
desprovida de ra)1o,...5
-s intelectuais e pensadores da modernidade adeptos desse pensamento acreditavam
que a escola tin#a o o%jetivo de corrigir as crianças que viviam em constante estado de
pecado, ou seja, gulosas, preguiçosas, ind$ceis, deso%edientes, %riguentas e aladoras. "essa
perspectiva, as crianças eram vistas como um material a ser moldado. Era como se a in!ncia
osse uma coisa tene%rosaque precisava ser apagada. Fadinter explana as idéias desses
pensadores*+G8
J preciso, portanto, livrar&se da in!ncia como de um mal. - ato de todo
#omem ter sido antes necessariamente criança é que constitui a causa de seuserros. A criança n1o s$ é desprovida de discernimento, n1o s$ é dirigida pelas sensaç'es, como, além disso, é %an#ada pela atmosera étida dasalsas opini'es. /...0 A desgraça é que as opini'es adquiridas na in!ncia s1oas que marcam mais proundamente o #omem.*+I
#iraldelli*6L discute dois outros aspectos reerentes 9 criança e 9 in!ncia ligados 9
idéia de nature)a inantil. Km desses aspectos est? relacionado ao pensamento de
Rousseau*6+ que vê a in!ncia como uma época de pure)a, inocência e acol#imento da
verdade. - segundo aspecto é a concepç1o de "a%oOov*66 que, ao contr?rio de Rosseau, n1ovê %ondade, nem menos pure)a e inocência nesse período da vida, e sim maldade.
Fadinter mostra que a imagem unesta que alguns iluministas tin#am so%re a criança
n1o atingia todos os níveis sociais. Bara a autora, /...0 a criança é considerada mais como um
estorvo, ou mesmo como uma desgraça, do que como o mal ou pecado5*6:.
A autora mostra que, para muitos pais, os il#os eram o%st?culos que atrapal#avam sua
vida social, emocional, conjugal e econ>mica. "as amílias menos a%astadas o ator que mais
inluenciava era o econ>mico. Este é um dos motivos pelos quais muitas crianças oram
a%andonadas num oranato, entregues a uma ama&de&leite, ou soreram de inanticídio. -
il#o c#ega a ser uma ameaça 9 pr$pria so%revivência dos pais. "1o l#es resta, portanto, outra
escol#a sen1o livrarem&se dele5*6@.
"o século
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escola su%stitui, ent1o, a aprendi)agem amiliar e passa a uncionar como um processo de
enclausuramento da criança.
Essa discuss1o é interessante porque possi%ilita a percepç1o em relaç1o 9s mudanças
#ist$ricas em torno da in!ncia. Enquanto na 2dade Média, as crianças aprendiam tudo através
das relaç'es di?rias com os mais vel#os, no princípio da 2dade Moderna começa a existir uma
segregaç1o dessa criança #avendo, inclusive am%ientes dierentes, ou seja, aqueles destinados
aos adultos e outros 9s crianças. Essa concepç1o da 2dade Moderna remete a quest1o que, para
se ter uma %oa educaç1o, as crianças precisavam aastar&se do convívio social do qual n1o
pertenciam, o mundo dos adultos.
(om %ase em Ariés*6D, veriica&se que, no período medieval, na maioria das amílias,
as casas eram verdadeiros centros de crianças. A amília era extensa, ormada muitas ve)es por tios, tias, av$s ou primos, todos vivendo so%re o mesmo teto. A economia era %aseada na
agricultura onde todos tra%al#avam juntos para um %em&comum. ;epois da Revoluç1o
2ndustrial*6, na 2dade Moderna, as amílias tin#am cada ve) menos il#os, tornando&se
menores e mais m$veis e constituindo o modelo amiliar do padr1o moderno*6G. Antes da
Revoluç1o 2ndustrial, a amília era enrai)ada no solo, depois dela, a produç1o econ>mica
deslocou&se do campo para ?%rica, que icava na )ona ur%ana. ;iante dessa nova realidade as
crianças tam%ém deveriam ser preparadas para a vida a%ril locali)ada na cidade.
A partir do século
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2ndustrial, mas a escola aca%ou escondendo&o essa pr?tica pelas crianças. Essas mudanças na
concepç1o de in!ncia, escola e amília estavam relacionadas a uma cristiani)aç1o prounda
dos costumes e dos valores dando inicio ao processo de construç1o do indivíduo moderno.
(omo nos relata élis8
"um clima de crescente individualismo, disposto a avorecer odesenvolvimento da criança e encorajado pela 2greja e pelo Estado, o casal*pai e m1e delegou uma parte de seus poderes e de suas responsa%ilidadesao educador. Ao modelo rural sucedeu um modelo ur%ano, o desejo de ter il#o n1o para assegurar a continuidade do ciclo, mas simplesmente paraam?&los e ser amado por eles.*:+
"os oitocentos, o conceito de criança como um ser singular e particular est? mais
irme. Segundo ;el Briore, /...0 j? nas primeiras décadas do século
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"o século
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Enim, através deste pequeno recorte #ist$rico perce%e&se que a in!ncia e a criança
oram sendo construídas e pensadas pelos #omens de acordo com as necessidades sociais de
cada momento #ist$rico. Bortanto, a in!ncia é uma construç1o cultural da sociedade que est?
sujeita as mudanças sempre que ocorrem importantes transormaç'es sociais. Rompendo com
a idéia de nature)a inantil, a criança e a in!ncia começam a ser enxergadas como categorias
#ist$ricas e culturais ligadas ao contexto #ist$rico&social em que se inserem e participando
ativamente na construç1o de sua pr$pria #ist$ria.
Referências
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*+ (-RAWWA, S.M. Bercurso pela #ist$ria da criança. 2n8 XXXX Infância e educação. Era
uma ve)... quer que conte outra ve)Y Betr$polis8 =o)es, 6LL6. p. I&+:D.
*6 -T2=E2RA, 2ndira (aldas (un#a. 2n!ncias. 2n8XXXX Infâncias, p.66.
*: R2ES, B#ilippe. História #ocial da 'riança e da família, p.+CD.
*@ =-TBAP-, ildo. ogo e %rinquedo. Unimontes 'ientífica, p.+D.*C JT2S, acques. A individuali)aç1o da criança. 2n8 R2ES, B#ilippeZ ([ARP2ER, Roger
/orgs.0. História da vida privada, p.:+C.
*D R2ES, B#ilippe. História social da criança e da família, +IG+.
* JT2S, acques. A individuali)aç1o da criança. 2n8 R2ES, B#ilippeZ ([ARP2ER, Roger
/orgs.0. História da vida privada, p.:+@.
*G FA;2"PER, Eli)a%et#. Um amor conquistado, +IGC.
*I - dote é um costume antigo, mas ainda em vigor em algumas regi'es do mundo, que
consiste no esta%elecimento de uma quantia de %ens e din#eiro oerecida a um noivo pela
amília da noiva, para acertar o casamento entre os dois.
*+L Pratar as crianças com mimos ou cuidados excessivos. R2ES. História social da
criança e da família, p. +CG.
*++ R2ES, B#ilippe. História social da criança e da família,+IG+.
*+6 ;ET BR2-RE /-rg.0. [ist$ria das crianças no Frasil, p.GI,+++.
*+: (oniança na ra)1o e nas ciências como motores do progresso, esp. a que oi
característica de um movimento ilos$ico e político do século nias. VERRE2RA, A. F. [. .ini ur&lio s&culo //I:o minidicion?rio da língua
portuguesa, p. @L6.
*+@ [2RAT;ETT2, Baulo r. As concepç'es de in!ncia e as teorias educacionais modernas
e contempor!neas. Revista do Programa lfa!eti"ação #olid$ria, 6LL+.
*+C R2ES, B#ilippe. História social da criança e da família, +IG+.
*+D ;ET BR2-RE, Mar]. História das crianças no (rasil , 6LL@.
*+ [2RAT;ETT2, Baulo r. As concepç'es de in!ncia e as teorias educacionais modernas
e contempor!neas. Revista do Programa lfa!eti"ação #olid$ria, p..
*+G Bodemos citar como principais adeptos desse pensamento Santo Agostin#o e ;escartes.
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*+I FA;2"PER, Eli)a%et#. Um amor conquistado, p.D6.
*6L [2RAT;ETT2, Baulo r. As concepç'es de in!ncia e as teorias educacionais modernas
e contempor!neas. Revista do Programa lfa!eti"ação #olid$ria, 6LL+.
*6+ Bara um maior aproundamento ver R-SSEAK, . . Emilio0 ou da educação. : ed. S1o
Baulo8 ;iel, +II.
*66 Bara um maior aproundamento ver "AF-_-=, =, 1olita, S1o Baulo8 (ompan#ia das
Tetras, +II@.
*6: FA;2"PER, Eli)a%et#. Um amor conquistado, p.D:.
*6@ FA;2"PER, Eli)a%et#. Um amor conquistado, p.@.
*6C FA;2"PER, Eli)a%et#. Um amor conquistado, p.+:@.
*6D R2ES, B#ilippe. História social da criança e da família, +IG+.*6 Voi um processo #ist$rico que culminou nas su%stituiç'es das erramentas de tra%al#o
pelas m?quinas, da a%ricaç1o doméstica pelo sistema a%ril. A Revoluç1o 2ndustrial começou
na 2nglaterra, na segunda metade do século
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