Post on 14-Dec-2014
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A Crítica de Sellars ao “Mito do Dado”
Vitor Vieira Vasconcelos Bacharel em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
Belo Horizonte, Minas Gerais, 2005
Em seu texto “Empirismo e Filosofia da mente”, Sellars critica o “mito do
dado”, isto é, o uso corrente, em diversos sistemas filosóficos, da
pressuposição de que o ambiente passa informações ao sujeito, comunicando
como os objetos externos realmente são. Sellars encara o principal problema
das teorias do dado, no aspecto de que as sensações são um conhecimento
não inferencial (fatos), mas que no final de nosso processo de conhecimento, o
sujeito apreenderia sensivelmente um conteúdo singular (em que um atributo
está ligado a um objeto). Por exemplo, uma coisa é uma pessoa ter a sensação
de verde, e outra é chegar à proposição de que um objeto externo existente
tem a cor verde. A principal dificuldade enfrentada pelos defensores das teorias
do ‘’dado’’ é justificar a existência de um conhecimento sensorial (no caso
exemplo, a cor verde) não cognitivo, ou seja, que não envolve o uso de
conceito, mas que em seguida deve ser considerado como cognitivo para
poder ser utilizado em proposições conceituais. Portanto, cria-se uma
contradição, de um conhecimento que deve ser ao mesmo tempo cognitivo e
não cognitivo. Analisando as inconsistências da teoria do ‘’dado’’, Sellars
conclui que essas teorias não conseguem explicar satisfatoriamente o
conhecimento sobre as sensações, incluindo aí como isso se passa através de
um processo de aprendizagem.
Como alternativa à tese do dado, que se demonstrou contraditória,
Sellars propõe um novo modelo, em que:
(1) As sensações não têm conteúdo cognitivo e
(2) Inexiste o dado sensorial, como um atributo de um objeto externo
revelado por nossos sentidos através de alguma espécie de canal
informacional.
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Em sua nova interpretação epistemológica, Sellars coloca em xeque
várias teorias e dogmas tradicionalmente aceitos, como as teorias
fundacionistas do conhecimento, as teorias da verdade como correspondência
a um mundo externo, e a distinção entre analítico e sintético, visto que todas
essas noções partem da pressuposição de que o sujeito tenha acesso a
informações empíricas provenientes de uma realidade externa. O aceite das
teses de Sellars levaria ao abandono ou ao menos a uma seria reformulação
dessas teorias epistemológicas.
Sellars não deixa de supor a existência de um mundo exterior no sujeito,
mas este mundo apenas interage casualmente como o sujeito, e o próprio
sujeito é que cria todo o seu universo de sensações e conhecimento
proposicional. Retornando ao exemplo das cores, elas seriam estados
sensoriais criados a partir do aparato sensitivo do sujeito, em resposta a certos
estímulos específicos do ambiente externo. Todas as preposições e crenças do
sujeito são conhecimentos conceituais, que se justificam uns aos outros por
critérios de coerência. Todavia, o sujeito lida de maneira causal com o mundo,
e observa o resultado dessa interação em suas sensações. Isso lhe dá
elementos para notar se suas teorias o sustentam, ou não, de maneira
adequada ao comportamento dos fenômenos sensitivos. Como não há acesso
a uma realidade externa, os sistemas de crença formulados pelo sujeito são
sempre hipóteses, que sempre que se mostrarem insatisfatórias para a
interação com o mundo, vão demandar serem reformulados. Dessa forma, o
que antes parecia ser um “delírio” criado pelo sujeito passa a ser, no máximo
um “delírio controlado”.
O modelo de Sellars é compatível com a questão do aprendizado, pois,
ao longo de sua vida, a pessoa vai se lembrando de sua interação com o
mundo, construindo e reformulando suas crenças e procurando assim lidar com
as situações de maneira cada vez mais harmônica e coerente. Um exemplo
interessante é a linguagem pública em que, através das respostas (feedback)
que o bebê (e depois o indivíduo mais velho) recebe de outros falantes, ele
consegue perceber se está conseguindo se expressar de maneira correta ou
não, podendo assim corrigir o seu uso de linguagem e inclusive aprender
coisas novas.