Post on 06-Jun-2015
A DESIGUALDADE DE CHEBYCHEV
HÉLIO BERNARDO LOPES
O PROBLEMA
Seja X uma variável aleatória contínua, definida em R, com função densidade de probabilidade dada por:
1
20 2
0 0 2
x x
x
,
,
O valor médio de X - o seu primeiro momento ordinário, portanto - e o seu segundo momento ordinário valem, respectivamente:
E X x xdx
E X x xdx
12
0
243
2 2 12
0
2
2
pelo que a variância de X toma o valor:
V X E X E X 2 22
24
3
2
9
Admita-se, agora, que se pretende calcular a seguinte probabilidade:
P X
4
3
2
3.
Ora, tendo-se:
X X
4
3
2
3
4 2
3
4 2
3
o valor da probabilidade procurada vale:
12
4 23
4 23
0 629xdx~
,
Esta é, pois, uma estimativa da probabilidade de que a variável aleatória X assuma valores no intervalo:
4 2
3
4 2
3
,
centrado no valor médio de X :
E X X 4
3
e de semi-amplitude igual ao desvio-padrão de X :
X 2
3
Neste caso, foi possível obter o valor da probabilidade procurada, conseguido com a precisão que se entendeu, dado ser conhecida a distribuição da variável aleatória X em causa.
Pode, porém, acontecer que se conheçam o valor médio e o desvio-padrão da variável aleatória, mas se desconheça a correspondente distribuição, o que impossibilita o cálculo tal como anteriormente
apresentado. É para uma situação deste tipo que a Desigualdade de Chebychev se mostra de enorme utilidade.
Este importante instrumento da Teoria da Probabilidade é válido para uma qualquer variável aleatória, com a única condição de ser finito o valor da respectiva variância, o que acarreta que os dois primeiros momentos ordinários o sejam também.
Este resultado é válido, por igual, para o caso de distribuições discretas, mas acarreta, em qualquer caso e como seria sempre de esperar, uma imprecisão na estimativa achada para a probabilidade do acontecimento em causa.
A DESIGUALDADE DE MARKOV
A Desigualdade de Markov, cuja demonstração se omite aqui, mas que pode encontrar-se nos manuais dos autores portugueses mais consagrados, constitui o suporte para se chegar à Desigualdade de Chebychev.
Seja, então, g X( ) uma função mensurável da variável aleatória X ,
e que não assuma valores negativos, ou seja, g X( )³0. Então, se
existir o valor médio de g X( ) , E g X( ) , ter-se-á que:
c R , P g X c
E g X
c( )
( )³
Torna-se, assim, evidente que, no caso de se ter:
g X X( )
a Desigualdade de Markov conduz ao seu corolário:
P X c
E X
c³
Retomando o exemplo da distribuição inicial, facilmente se pode mostrar que:
P X xdx x³
4
3
1
401
24
3
2
24
3
2, (5).
Em contrapartida, se se desconhecesse a distribuição da variável aleatória X , e se recorresse ao anterior resultado, particularização da Desigualdade de Markov, obter-se-ia:
P X ³
4
31
4343
o que, sendo inteiramente evidente, seria, por igual, de uma completa inutilidade, dado que a probabilidade de um qualquer acontecimento não pode assumir um valor superior à unidade.
A DESIGUALDADE DE CHEBYCHEV
A partir da Desigualdade de Markov, tome-se:
g X X c tX X( ) ( ) 2 2 2
onde X e X são, respectivamente, o valor médio e o desvio-padrão
de X , e onde t R . Virá, então, por substituição na Desigualdade de Markov:
P X t
E X
t t tX X
X
X
X
X
( )( )
³
2 2 2
2
2 2
2
2 2 2
1
ou seja:
P X ttX X ³ 112
Esta expressão, ou a imediatamente anterior, constitui a importante Desigualdade de Chebychev, para o caso de uma única variável aleatória.
O que a última expressão mostra é que a probabilidade de que a variável aleatória X assuma valores num intervalo centrado no valor
médio de X e com semi-amplitude t X , é, no mínimo, de:
112 t
Seja, então, estimar:
P X P X P X
4
3
1
3
4
3
2
2
2
315
3,
Se se conhecer a distribuição de X , esta probabilidade vale:
P X xdx
1
5
30 41
21
53
, , ( ).
Contudo, se essa distribuição for desconhecida, e se recorrer à Desigualdade de Chebychev, virá, dado ser:
t 2
2
que a mesma fornece:
P X
³
4
3
2
2
2
31
1
2
2
12
o que, sendo naturalmente evidente, é também cabalmente inútil. Ou seja, 1 é o limite mínimo para a probabilidade procurada.
Note-se que se pode deduzir, a partir da Desigualdade de Markov, uma outra propriedade mais particular, mas exigindo o conhecimento de maior informação.
Assim, se para a variável aleatória X se conhecer o momento
absoluto ordinário de ordem r R , tem-se que é válido o resultado:
P X c
E X
c
r
r³
onde c R . Veja-se, como aplicação do que acaba de referir-se, o seguinte
EXEMPLO. Suponha-se, então, que se conhece o momento absoluto ordinário de quinta ordem, cujo valor é:
E X 5 9 14 ,
e se pretende calcular:
P X ³
3
2
Deitando mão da anterior propriedade, ter-se-á:
P X ³
3
2
9 14
3
2
1 205
,,
Ora, se a distribuição fosse conhecida, o valor da probabilidade em causa seria:
P X xdx³
3
2
7
160 43751
2
2
32
,
o que mostra que o limite superior conseguido anteriormente, sendo evidente, está muito longe de trazer o que quer que seja de útil como informação. É, tal como se disse anteriormente, o preço a pagar pelo facto de se desconhecer a distribuição da variável aleatória em causa, e também pelo distanciamento da distribuição em estudo face ao modelo gaussiano.
O que já pôde perceber-se é que, ao nível do exemplo inicialmente considerado, a Desigualdade de Chebychev se mostrou bastante redundante, já que a informação que produziu foi relativamente inútil. Tal é, claro está, o custo que a sua generalidade comporta.
O único caminho para melhorar o valor das suas contribuições é o de restringir o conjunto das distribuições a que se aplica, havendo necessidade de se conhecer, ao menos, que o seu comportamento tem maior proximidade com o de tipo gaussiano. Uma tal melhoria também pode conseguir-se, contudo, se forem conhecidos momentos de ordem superior à segunda. É o que se passa com o caso de uma variável aleatória de valor médio nulo, 0 ,
variância 2 , e se for conhecido o momento absoluto ordinário de quarta ordem:
44E X
obtendo-se, então:
P X tt t
³
44
44 4 2 42
com t 1 .
Veja-se, agora, um outro caso, já numa situação muito mais próxima do modelo gaussiano, que se apresenta com o seguinte
EXEMPLO. Seja, então, uma variável aleatória, X , normal, de valor médio e variância, respectivamente, 6 e 0,36:
X N~ ; , .6 0 36
Nestas circunstâncias, o desvio-padrão de X vale:
X 0 6, .
Se se pretender calcular a probabilidade do acontecimento:
X 6 1
virá, recorrendo à tabela da lei normal reduzida:
P X 6 1 0 905, .
Em contrapartida, se se desconhecer a distribuição de X e se recorrer à Desigualdade de Chebychev, obter-se-á:
P X P X
³
6 1 61
0 60 6 1
1
1
0 6
0 642,,
,
,
dado ter-se aqui:
t 1
0 61 6
,,( ). ·
Por aqui se vê, pois, que a Desigualdade de Chebychev forneceu um limite mínimo para a probabilidade procurada, embora muito distante do valor estimado no caso de ser conhecida a distribuição da variável aleatória em estudo, agora com um comportamento muito mais próximo do gaussiano que no caso do exemplo anterior.
UM CASO PARTICULAR IMPORTANTE
Admita-se, agora, que se possuem n variáveis aleatórias, semelhantes e independentes, cada uma com valor médio e variância
2 , sendo n N.
A média aritmética das n variáveis aleatórias é a nova variável aleatória:
X
X
n
ii
n
1
cujo valor médio e variância são, respectivamente:
E X
V Xn
2
Recorrendo à Desigualdade de Markov, mas tomando agora a nova função g : R®R, definida por:
g X X 2
para a qual:
E Xn
22
virá:
P X tnt
P X tnt
³ ³
2 2 2
2
2 2 2
1
1
( )
A expressão (1) é, pois, a da Desigualdade de Chebychev, quando a variável aleatória em causa é a média aritmética de n variáveis aleatórias, semelhantes e independentes, situação que se coloca frequentemente na prática. A este propósito, veja-se o seguinte
EXEMPLO. Tomando, ainda, os dados do anterior exemplo, e admitindo que se tomou uma amostra de dimensão 100 da referida população, mas desconhecendo que se está perante uma distribuição normal, ter-se-á:
E X
V X
60 36
1000 0036
,,
pelo que será:
X0 06, .
Se neste caso se pretender estimar um valor para a probabilidade do acontecimento:
X 6 1
virá:
P X P X
³
6 1 61
0 060 06 1
1
1001
0 06
0 9999642,,
,
,
Esta é uma estimativa do mínimo da probabilidade procurada. De facto, se se soubesse que:
X N ZX
N~ ; ,,
~ ;6 0 00366
0 060 1
tirar-se-ia da tabela da lei normal reduzida que:
P X 6 1 1.
A maior aproximação entre a anterior estimativa, 0,999964, e o valor real, quando se conhece a distribuição, deve-se ao facto de se ter usado uma amostra já grande, através da distribuição da sua média aritmética. ·
UM SEGUNDO CASO PARTICULAR IMPORTANTE
A Desigualdade de Chebychev a que se chegou inicialmente refere-se a um intervalo centrado no valor médio da variável aleatória em causa.
Podem considerar-se, contudo, intervalos centrados num valor real qualquer, , não necessariamente coincidente com o valor médio.
Retomando a Desigualdade de Markov e fazendo:
g X X( ) 2
ter-se-á:
P X t
E X
t ³
2 2 2
2
2 2
ou seja:
P X tE X
t ³
2
2 2
ou ainda:
P X tE X E X E
t ³
2 2
2 2
2
ou, finalmente:
P X t
t t ³
12
2
2 2
2( )
dado que o primeiro momento central de X é nulo:
E X 0
e que:
E 2 2
E X 2 2 .
A expressão (2) pode tomar a forma:
P X t
t t ³
112
2
2 2
3( )
onde (3) fornece uma estimativa do limite inferior da probabilidade de Xassumir valores no intervalo:
t t,
centrado em e não em .
De igual modo, se se tiver a função:
g X X 2
a Desigualdade de Chebychev virá neste outro formato:
P X t
nt t ³
112
2
2 2
que é também de muito fácil obtenção.
UM TERCEIRO CASO PARTICULAR IMPORTANTE
A Desigualdade de Chebychev pode apresentar-se de um modo mais geral. Considerem-se, então, nN, variáveis aleatórias
independentes, X i , ( i = 1,..., n ), todas elas de média nula, 0 , e
variância, i2 , ( i = 1,...,n ).
Seja, agora, a variável aleatória:
X X X Xn ii
n
11
para a qual se tem:
E X E X X n ii
n
n
21
2 2
1
2
.
Sejam, então, os acontecimentos:
D X t
D X X t
D X X t
n
n
n n n
1 1
2 1 2
1
.........................................
A Desigualdade de Chebychev garante, então, que:
P D D Dt
P Dtn i
i
n
1 2 21
211
11
³
³
...
Trata-se de uma propriedade de essencial interesse para a obtenção de uma condição suficiente para a conhecida lei forte dos grandes números.
O CASO ESTOCÁSTICO
O conceito de processo estocástico constitui, pode dizer-se assim, uma generalização do de variável aleatória. De facto, o processo estocástico mais não é que um conjunto de variáveis aleatórias, todas
igualmente distribuídas, mas cada uma delas dependente de um parâmetro definido em certo domínio.
Para certo valor desse parâmetro obtém-se uma variável aleatória, com a referida distribuição. Em contrapartida, para certo valor da variável aleatória, obtém-se uma função do parâmetro antes referido, definido no domínio considerado.
Ao domínio onde se encontra definido o parâmetro considerado dá-se o nome de conjunto-índice do processo estocástico correspondente.
De um modo geral, os casos mais importantes são aqueles em que o parâmetro do processo estocástico é a variável tempo. Se o conjunto-índice é o conjunto dos números naturais, N, ou o dos inteiros, Z, ou uma sua parte própria, o processo estocástico diz-se de parâmetro discreto. Se o conjunto-índice é o corpo real, ou uma sua parte própria, o processo estocástico designa-se de parâmetro contínuo.
Também no caso de um processo estocástico:
X t t T( ):
onde t é o parâmetro do processo, com valores no domínioT , se pode considerar uma função de valor médio do processo estocástico.
Em torno desta função de valor médio dispõem-se, para um e outro lado, as diversas realizações do processo estocástico, cada uma definida para um certo valor de t T .
É, então, possível mostrar que, se o processo estocástico:
X t t a b( ): ,
for diferenciável em média quadrática, e fazendo:
g t E X t
g t E X t
1
21
2
2
21
2
( ) ( )
( ) ( )'
se tem:
E X t g a g b g t g t dt
t a b a
b
sup ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) .,
2
12
12
1 2
1
2
E desta propriedade se pode obter, como corolário, a Desigualdade de Markov para o caso dum processo estocástico nas condições indicadas:
c R ,
P X t c
E X t
ct a b
t a bsup ( )
sup ( )
,
,
2
2
Se for m t( ) a função de valor médio do processo estocástico X t( ) , pode obter-se a Desigualdade de Chebychev para o caso de um processo estocástico nas condições referidas, ou seja:
P X t m t cc
dt
cX a X b X t X ta
b
( ) ( )( ) ( ) ( ) ( )'
³
1
2
2 2
2 2
onde t a,b e c R . Trata-se, pois, de um limite inferior para a probabilidade de o processo estocástico se situar no interior de certa região centrada na sua função de valor médio.
Se se considerarem duas realizações do processo estocástico em causa, sejam X e Y , ambas com valor médio nulo e variância unitária, e se for o coeficiente de correlação entre as duas realizações - variáveis aleatórias, portanto -, pode mostrar-se que se tem:
E max X Y, 1 1 2
e também que:
P X E X t Y E Y ttX Y ³ ³
1 1 2
2
E é claro que se forY constante, será 0 , obtendo-se, então, a expressão já antes achada para a Desigualdade de Chebychev no caso de uma só variável aleatória:
P X E X ttX ³ 12
Fica assim tratada a Desigualdade Chebychev mas numa variedade muito mais vasta de situações que as normalmente contempladas nos textos de uso corrente ao nível dos cursos de licenciatura onde o tema está usualmente presente.
BIBLIOGRAFIA
MELLO, F. Galvão de (1993): Probabilidades e Estatística, Conceitos e Métodos Fundamentais - Volume I, Escolar Editora, Lisboa.
MURTEIRA, Bento José Ferreira (1990): Probabilidades e Estatística - Volume I, 2ª Edição Revista, Editora McGraw-Hill de Portugal, Lda..
OLIVEIRA, J. Tiago de (1990): Probabilidades e Estatística: Conceitos, Métodos e Aplicações, Volume I, Editora McGraw-Hill de Portugal, Lda..
PARZEN, Emanuel (1972): Processos Estocasticos, Paraninfo, Madrid.