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A EDUCAÇÃO DO CAMPO NA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA:
INDAGAÇÕES À EDUCAÇÃO RURAL
Resumo
Este painel tem como objetivo socializar as pesquisas desenvolvidas nas escolas
localizadas no campo, na Região Metropolitana de Curitiba. Estas três pesquisas são
resultado das investigações desenvolvidas no âmbito de um projeto do Observatório de
Educação subsidiado pela CAPES/INEP, cujas ações têm como finalidade provocar
reflexões sobre a Educação do Campo em contraponto à concepção de Educação Rural,
impulsionar a necessidade de reestruturação coletiva dos Projetos Políticos Pedagógicos
das escolas localizadas no campo e, construir espaços de estudos coletivos a partir da
investigação-ação. Neste projeto participam professores das escolas rurais municipais,
graduandos e pós-graduandos. O diagnóstico inicial sobre a realidade das escolas
localizadas no campo, na Região Metropolitana de Curitiba, apontou para um ensino
pautado numa concepção de educação que valoriza o urbano como modelo e,
consequentemente desconsidera a identidade, os modos de vida e a cultura do povo do
contexto rural, desta forma não correspondendo à demanda dos alunos e da comunidade.
No âmbito da prática pedagógica uma das pesquisas apresenta estudos sobre as escolas
multisseriadas e, as condições em que se efetiva a relação ensino e aprendizagem. As
outras duas pesquisas se referem ao currículo dessas escolas, a partir da visão dos
professores e do conceito de currículo oculto. A metodologia utilizada faz uso da
abordagem qualitativa e tem como técnicas seminários, observação, entrevistas e análise
de documentos. Nos resultados dos trabalhos fica evidenciada a necessidade de políticas
públicas direcionadas às escolas no contexto rural, que possibilitem a construção de
uma escola construída pelos sujeitos do campo, que lhes permita o acesso ao
conhecimento histórico socialmente construído.
Palavras-chave: Educação do campo. Currículo. Escolas multisseriadas.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10157ISSN 2177-336X
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O ENSINO E APRENDIZAGEM EM CLASSES MULTISSERIADAS
Regina Bonat Pianovski – UTP
Resumo
A prática pedagógica em escolas multisseriadas necessita ser colocada na pauta de
discussões sobre a qualidade da educação brasileira e, este texto problematiza a relação
ensino e aprendizagem neste contexto. Refere-se a um recorte da nossa pesquisa de
doutorado, cujo objetivo geral implica em analisar as condições de aprendizagem dos
alunos nas classes multisseriadas de duas escolas, localizadas no campo, na Região
Metropolitana de Curitiba. Desta forma, pretendemos compreender o processo de
aprendizagem dos alunos de escolas multisseriadas a luz da teoria histórico-cultural,
identificar qual concepção orienta o trabalho do professor e, destacar quais as
possibilidades de desenvolvimento de uma prática pedagógica que contemple uma
formação humana crítica e emancipadora. A pesquisa está pautada no materialismo
histórico dialético, que implica em apreender o fenômeno estudado a partir do seu
movimento e das suas múltiplas determinações, estabelecendo a relação entre o singular
e o universal, entendendo tal fenômeno vinculado a um processo social e histórico. A
metodologia utilizada faz uso da abordagem qualitativa e tem como técnicas entrevistas,
observações e análise documental. Desta forma está sendo desenvolvida por meio de
observações e entrevistas com professores e alunos das escolas pesquisadas. Dentre os
autores que fundamentam nossa pesquisa, destacamos: Hage (2010, 2014) e Arroyo
(2010, 2011, 2012) com relação a escolas multisseriadas, Munarin (2011) no que se
refere à Educação do campo e Vygotski (2010, 2007), Luria (1990) e Leontiev (1998)
com relação ao ensino e aprendizagem. Os resultados preliminares apontam para a
necessidade de políticas públicas voltadas para a formação de professores e a
valorização do ensino multissseriado.
Palavras-chave: Educação do Campo. Classes multisseriadas. Ensino e aprendizagem.
Introdução
Esta pesquisa vem sendo desenvolvida em duas escolas multisseriadas,
localizadas no campo, em um município da Região Metropolitana de Curitiba (Paraná),
desde 2015, a qual tem como objetivo geral analisar o processo de ensino e
aprendizagem em escolas multisseriadas. Como objetivos específicos apresentamos:
situar historicamente as escolas e as classes multisseriadas no processo de construção da
escola pública brasileira; identificar a orientação teórica e as diretrizes nacionais que
marcam o processo de ensino e aprendizagem em sala de aula; analisar o processo de
ensino e aprendizagem dos alunos em classes multisseriadas a luz da teoria histórico-
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cultural e, explicitar o paradoxo entre a precarização, o protagonismo e a regulação que
envolve o processo de ensino e aprendizagem das escolas do campo multisseriadas.
A concepção teórica que defendemos está pautada nos princípios da Educação
do campo, a qual foi organizada a partir da iniciativa dos movimentos sociais, em
contraponto “as políticas de educação rural empreendida por sucessivos governos desde
a Revolução burguesa de 1930. [...] coerentes com um projeto de desenvolvimento
capitalista urbano-industrial [...] contrária e excludentes aos interesses dos povos do
campo”. (MUNARIN, 2011, p. 28).
Desse modo, a Educação do Campo – e, nesse sentido, não há que ser
diferente ao que se refere á cidade – tem de ser pensada como Educação para
a Democracia, ou para a Cidadania, ou para a emancipação humana, que tem
no horizonte a superação das relações sociais capitalistas. [...] Educação
direcionada à cidadania é aquela que se ocupa em desenvolver em todos os
membros de uma sociedade a capacidade de compreensão da realidade e de
participação nos processos de elaboração, execução e avaliação de políticas
públicas. (MUNARIN, 2011, p. 28).
Entendemos que as escolas multisseriadas localizadas no campo devem ser
analisadas e compreendidas a partir da materialidade da Educação do Campo, pois
acreditamos na possibilidade de uma escola que contemple um ensino emancipador,
desde que estabeleça a relação entre o local, a realidade dos sujeitos e o universal,
promovendo uma leitura e compreensão do mundo.
O processo de ensino e aprendizagem nas classes multisseriadas tem
apresentado muitas fragilidades, com relação à formação dos sujeitos do campo. Estas
fragilidades são decorrentes de vários fatores, tais como: infraestrutura precária,
material didático não aderente à demanda dos alunos, concepção de educação que não
valoriza os alunos e a precária formação do professor.
Afirmamos que as escolas multisseriadas são espaços que possibilitam a
relação ensino e aprendizagem pautados numa perspectiva crítica e emancipadora,
desde que sejam considerados e qualificados os determinantes externos e internos.
Entendemos como determinantes externos as políticas públicas que pautam uma
concepção de educação rural e, como determinantes internos a formação do professor, a
necessidade de transgressão da lógica seriada e a melhoria dos recursos materiais.
Para a condução da pesquisa tentamos responder a seguinte questão: Quais as
condições de ensino e aprendizagem em salas de aula multisseriadas nas escolas
localizadas no campo?
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A prática pedagógica em classes multisseriadas
As escolas multisseriadas são formadas por alunos de diferentes níveis de
aprendizagem, matriculados também em diferentes anos do primeiro ciclo do Ensino
Fundamental. No entanto, apesar da heterogeneidade dos alunos, a professora da sala
tem que orientar seu ensino com base na organização curricular das turmas seriadas,
pautadas numa concepção de escola que adota o modelo urbano como o ideal. Desta
forma, esta organização escolar não contempla as necessidades dos alunos das escolas
multisseriadas o que justifica as dificuldades encontradas com relação à apropriação dos
conhecimentos.
Conforme afirma Arroyo (2011), os alunos das escolas multisseriadas
localizadas no campo, tal como os outros coletivos, pressionam por outras metodologias
que atendam as suas especificidades e considerem as experiências trazidas da
materialidade das suas condições de vida e trabalho. Desta forma, para dar conta do
contexto atual, as salas de aula apresentam-se como espaços de disputa de novas
identidades profissionais, visto que os alunos tensionam e questionam a escola,
revelando que precisam ser compreendidos na sua diversidade.
As tensões são postas entre um trabalho de conhecimentos disciplinares,
frequentemente conceituais, abstratos, distantes do viver cotidiano dos alunos
e um trabalho que é forçado a olhar para as crianças e adolescentes, jovens e
adultos concretos e a incorporar os significados e indagações de suas vidas
nos conhecimentos curriculares; que os saberes das disciplinas se voltem para
essas vivências, captem suas indagações e busquem seus determinantes e
explicitem seus significados[...] (ARROYO, 2011, p. 32).
Desta forma para Arroyo (2011) o professor precisa pautar sua docência nas
experiências dos alunos, para construir aprendizagens, possibilitar autorias, como
também alargar o direito dos alunos ao conhecimento.
Partindo do pressuposto de que a escola sempre foi organizada e pensada a
partir das classes sociais dominantes, com uma preocupação em como formar os filhos
da elite, perguntamos se esta pedagogia atende as demandas dos sujeitos que vivem no
campo, filhos da classe trabalhadora. Segundo Arroyo (2012) as pedagogias que
orientam o ensino nas escolas públicas brasileiras não atendem as demandas dos filhos
das classes populares, porque:
[...] as concepções e práticas educativas pensadas para educá-los, civilizá-los
estão condicionadas pelas formas de pensá-los, ou pelo padrão de poder/saber
de como foram pensados para serem subalternizados. As teorias pedagógicas
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não põem em prática concepções, epistemologias de educação trazidas de
fora, do centro civilizado e civilizador, mas foram gestadas na concretude do
padrão de poder/saber colonizador, aqui, nos processos concretos de dominar,
submeter os povos originários, indígenas, negros, mestiços, trabalhadores
livres na ordem colonial escravocrata. (ARROYO, 2012, p. 11).
O que Arroyo (2012, p. 11) enfatiza é a necessidade de se pensar em outras
pedagogias, pois são outros os sujeitos, e são outras as condições de vida por eles
vivenciadas. E estas experiências ricas, construídas na luta pela terra, frente às situações
de opressão tem que compor os conteúdos curriculares das escolas.
As escolas multisseriadas são a materialidade do ensino no contexto rural
brasileiro. Estas escolas são negadas, de certa forma invisibilizadas quando se
problematiza, ou se discute a educação brasileira. Mas, no contexto rural elas
representam a oportunidade de estudo de muitos sujeitos, os quais tem o direito a
educação garantido pela constituição de 1988 e, o direito a estudar perto do lugar onde
moram afirmado nas Diretrizes Operacionais para a Educação do Campo de 2002.
Segundo o Censo Escolar de 2011, existiam 48.875 escolas multisseriadas, no Brasil, o
que correspondia 56,47% das escolas localizadas no campo. Atualmente este número
deve ter sido alterado, uma vez que há um processo de fechamento destas escolas,
apesar da LDBEN 9394/96 no seu artigo 28, parágrafo único, determinar que:
[...] o fechamento de escolas do campo, indígenas e quilombolas será
precedido de manifestação do órgão normativo do respectivo sistema de
ensino, que considerará a justificativa apresentada pela Secretaria de , a
análise do diagnóstico do impacto da ação e a manifestação da comunidade
escolar. (BRASIL, lei 12960 de 2014)
O reconhecimento das dificuldades enfrentadas por estas escolas é
determinante para que se possa pensar na melhoria da qualidade da educação ofertada,
como afirma Hage (2014):
Em nossos estudos constatamos que é justamente a presença do modelo
seriado urbano de ensino nas escolas ou turmas multisseriadas que impede
que os professores compreendam sua turma como um único coletivo, com
suas diferenças e peculiaridades próprias, pressionando-os para organizarem
o trabalho pedagógico de forma fragmentada, levando-os a desenvolver
atividades de planejamento, curricular e de avaliação isolados para cada uma
das séries, de forma a atender aos requisitos necessários a sua
implementação. (HAGE, 2014, p. 1175).
Como destacamos anteriormente, nas classes multisseriadas os docentes são
orientados a organizar seu ensino pautado na lógica seriada, o que impacta sobre a
qualidade do ensino. Esta fragmentação dos conteúdos e a padronização o tempo
escolar, vai à contramão da organização multisseriada.
Para Hage (2014, p.1176):
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As mudanças desejadas em relação às escolas rurais multisseriadas, para
serem efetivas e provocarem desdobramentos positivos quanto aos resultados
do processo ensino e aprendizagem, devem transgredir a constituição
identitária que configura estas escolas, ou seja, devem romper, superar,
transcender ao paradigma seriado urbano de ensino, que em sua versão
precarizada, se materializa hegemonicamente sob a forma de escolas
multi(seriadas).
A heterogeneidade característica destas escolas constitui um ambiente
potencializador de aprendizagens desde que contemple a realidade e a identidade dos
alunos atendidos. Heterogeneidade quanto aos diferentes saberes dos alunos, uma vez
que nestas salas convivem alunos de diferentes idades; desta forma os alunos aprendem
com aquele que tem saberes diferentes do seu, aprendem no encontro com o outro, com
aquele que apresenta experiências diferentes. No contexto da multissérie há a presença
da heterogeneidade, de uma pluralidade de singularidades que devem ser
compartilhadas, e desta forma protagonizam novos conhecimentos.
Nesta heterogeneidade está presente a diversidade dos povos no campo,
expressa na luta por terra, território, trabalho, educação e escola, a qual requer
reconhecimento e visibilidade.
A relação ensino e aprendizagem
Para fundamentar os estudos sobre a relação ensino e aprendizagem buscamos
auxilio nos autores da psicologia histórico-cultural, a saber: Vigotski, Luria e Leontiev,
porque entendemos que tal teoria nos permitirá apreender nosso objeto de estudo em sua
totalidade.
Vigotski nos instrumentaliza a compreender a formação dos processos
psíquicos superiores e dos conceitos científicos destacando a importância da
aprendizagem como propulsora de desenvolvimento. Segundo o autor aprendizagem e
desenvolvimento não são processos paralelos uma vez que, é a aprendizagem que
impulsiona o desenvolvimento.
A escola tem um papel de destaque na formação dos conceitos científicos e “é
no início da idade escolar que as funções intelectivas superiores, cujas características
são a consciência reflexiva e o controle deliberado, adquirem um papel de destaque no
processo de desenvolvimento.” (VIGOTSKI, 2008, p. 112).
Como afirma Vigotski (2008), o bom ensino é o que se adianta ao
desenvolvimento, o que permite desenvolver as funções e aprendizagens que estão em
fase de amadurecimento. No entanto, o autor alerta que muitas vezes a escola insiste em
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trabalhar com aquilo que a criança já sabe o que inviabiliza o desenvolvimento, pois não
possibilita avançar nos conhecimentos adquiridos. Por isso, destacamos que é
fundamental o planejamento de ensino pelo professor, pois possibilita por meio do
estudo, selecionar os conhecimentos que provocarão a aprendizagem.
Luria, por meio das pesquisas desenvolvidas no Uzbequistão e Kirghizia
evidencia a interferência do contexto sócio histórico na formação do sujeito, bem como
a importância da escola no desenvolvimento do pensamento abstrato. Estas pesquisas
estavam fundamentadas na ideia de que muitos processos mentais são originários de
situações sócio-históricas, e que manifestações da consciência humana são construídas a
partir de práticas básicas da atividade humana, dependente das diferentes culturas às
quais estão submetidas. (LURIA, 2005).
A psicologia soviética, segundo Luria (2005) defendia a ideia de que a
consciência é a forma mais elevada de reflexo da realidade, não é dada de imediato, mas
é formada pela atividade, que tem a função de orientar o homem no ambiente. Desta
forma, enquanto as ações humanas transformam a realidade a vida mental é fruto de
atividades profundamente renovadas.
Leontiev evidencia que para se estudar o desenvolvimento do psiquismo
infantil, é necessário analisar o desenvolvimento da atividade da criança nas suas
condições concretas de vida. Destaca que alguns tipos de atividades são principais em
determinado estágio, porque implicam em fator do desenvolvimento posterior da
criança e, que “a mudança do tipo principal de atividade na relação dominante da
criança com a realidade” marca a mudança para outro estágio. (LEONTIEV, 1998, p.
64).
Para caracterizar a atividade principal, Leontiev (1998, p. 64) apresenta três
atributos: é a atividade em cuja forma surgem outros tipos de atividade e dentro da qual
eles são diferenciados; é aquela na qual se formam ou são reorganizados processos
psíquicos particulares; é a atividade da qual dependem as principais mudanças
psicológicas da personalidade infantil, que ocorre em um determinado período do
desenvolvimento.
Segundo Leontiev (1998, p. 65) a atividade principal refere-se “a atividade
cujo desenvolvimento governa as mudanças mais importantes nos processos psíquicos e
nos traços psicológicos da personalidade da criança, em certo estágio de seu
desenvolvimento.” Destaca que os estágios possuem um conteúdo e certa sequência no
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tempo, os quais não são imutáveis, pois dependem de certas condições de vida já dadas
à existência concreta da criança.
As condições históricas concretas exercem influência tanto sobre o conteúdo
concreto de um estágio individual de desenvolvimento como sobre o curso
total do processo de desenvolvimento psíquico como um todo. [...] Sua
duração varia de época para época, alongando-se à medida que as exigências
da sociedade fazem este período crescer. (LEONTIEV, 1998, p. 65).
Desta forma, as condições históricas concretas determinam a atividade principal
de determinado estágio. No entanto, à medida que a criança supera o modo de vida de
determinado estágio, ou melhor, à medida que a atividade deste estágio não mais
corresponde às suas necessidades de interpretação da realidade, há uma reorganização
da sua atividade o que caracteriza a passagem para uma nova etapa na vida psíquica. Tal
mudança depende do surgimento de uma necessidade interior e, “ocorre com o fato de a
criança estar enfrentando a educação com novas tarefas correspondentes a suas
potencialidades em mudança e a uma nova percepção”. (LEONTIEV, 1998 p. 67).
O que estes autores contribuem para a análise das escolas multisseriadas?
Primeiro fica evidente a interferência da cultura na formação dos sujeitos, pois estes são
determinados pelo contexto. No entanto, o desenvolvimento das funções psíquicas
superiores permite que tais sujeitos ao tomarem consciência da própria realidade
possam compreendê-la e transformá-la. Mas, este desenvolvimento depende de
condições favoráveis e das mediações necessárias, pois toda relação do homem com o
mundo é uma relação mediada. Para Vigotski, as relações sociais são consideradas
“como produtoras e transformadoras dos comportamentos, condutas e formas de pensar
humanos no decorrer da história”. (TULESKI, 2008, p. 56).
Tuleski (2008) destaca que para Vigotski o pensamento tinha que ser
compreendido historicamente. E é nesta perspectiva que este autor contribui para a
compreensão da nossa sociedade.
Na contemporaneidade, o pensar e o fazer encontram-se dissociados e
fragmentados. Como entender a totalidade quando se pensa a realidade
somente por partes, por especificidades, por áreas de conhecimento separadas
e sem relação entre si?[...] Aprende-se a pensar de forma fragmentada numa
sociedade que dissocia, aliena e isola, mais do que une e relaciona. Aceitar a
leitura histórica é um primeiro passo, mas para isso é preciso admitir que o
fazer e o pensar são históricos e estão intimamente relacionados, o que
subentende uma determinada forma de existência em processo de
transformação [...].
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As escolas multisseriadas localizadas no campo devem ser compreendidas a
partir do processo histórico que as construiu, para que, desta forma os sujeitos possam
atuar e transformar a própria realidade.
Considerações Finais
A partir dos estudos dos autores da psicologia histórico-cultural, pensamos que
para que a relação ensino e aprendizagem em classes multisseriadas se efetive, é
importante refletir quais instrumentos e signos podem mediar estas situações, de modo a
permitir a apropriação do conhecimento pelos alunos. Estes instrumentos possibilitarão
a formação das funções psíquicas superiores, as quais são responsáveis pelo
desenvolvimento dos conceitos científicos na criança.
Por conseguinte, a mediação do professor é fundamental, pois os conceitos
científicos só se desenvolvem mediante a presença de um conflito, ou problematização
feita pelo professor. Por isso, para que a mediação do professor ocorra é necessário um
processo de formação inicial e continuada em perspectiva crítica. Também vimos que as
palavras (signos) que são apresentados às crianças configuram formas de apropriação da
linguagem, uma vez que embora a palavra inicialmente não represente uma abstração do
conceito para a criança, ela permitirá que a criança caminhe nesta direção. Enfatizamos,
o papel do professor como mediador do processo de ensino e aprendizagem é um dos
fatores determinantes do desenvolvimento dos conceitos científicos.
Os estudos de Luria reforçaram a importância do contexto sociocultural na
determinação das funções psíquicas superiores e a interferência do ensino para a
passagem do pensamento concreto ao abstrato. Na escola, esta etapa é fundamental, pois
o professor deve conhecer a realidade dos seus alunos e tomá-la como ponto de partida
para provocar o desenvolvimento ampliando seus conhecimentos e desenvolvimento
mental. Os alunos que frequentam as escolas multisseriadas localizadas no campo,
apresentam condições de vida singulares, que devem ser consideradas na abordagem
que o professor faz dos conteúdos em sala de aula.
Quanto à contribuição de Leontiev destacamos o conceito de atividade
principal como desencadeadora do desenvolvimento e, o destaque para diferentes
atividades em diferentes estágios do desenvolvimento da criança à medida que a
complexidade da forma de se relacionar com a realidade, exige diferentes respostas.
Acreditamos que nas classes multisseriadas é possível observar a predominância destas
atividades frente à diversidade do contexto, que implica na organização de turmas com
diferentes faixas etárias. Nossa defesa refere-se às práticas pedagógicas que se
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desenvolvem a partir das múltiplas experiências dos sujeitos, transcendendo o
paradigma da seriação e concomitantemente da educação rural.
Referências
ARROYO, M. Currículo, território em disputa. Rio de Janeiro: Vozes, 2011
____ Outros sujeitos, outras pedagogias. Rio de Janeiro: Vozes, 2012.
HAGE, S. M. A realidade das escolas multisseriadas frente às conquistas na
legislação educacional. Disponível em: www.anped.org.br/reunioes/29ra/ trabalhos /
pôsteres/GT13-2031_Int.pdf. Acesso em 20 out. 2010.da
____ Transgressão do paradigma (multi)seriação como referência para a construção da
escola pública do campo. Educação e Sociedade, v.35,nº 129, p.1165-1182, out-dez,
2014. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/es/v35n129/0101-7330-es-35-129-
01165.pdf
LEONTIEV, A. N. Uma contribuição à teoria do desenvolvimento da psique infantil.
In: VIGOTSKII, L.S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem,
desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone, 1998. p. 59 - 83
LURIA, A. R. Desenvolvimento Cognitivo: seus fundamentos culturais e sociais. São
Paulo: Ícone, 1990.
MUNIARIN, A. Educação do Campo e políticas públicas: controvérsias teóricas e
políticas. In: MUNARIN, A.; BELTRAME, S. A. B.; CONDE, S. F.; PEIXER, Z. I.
Educação do Campo: políticas públicas: territorialidades e práticas pedagógicas.
Florianópolis: Insular, 2011. p. 21-38
TULESKI, S. C. Vygotski: a construção de uma psicologia marxista. Maringá: Eduem,
2008.
VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e linguagem. São Paulo: Martins
Fontes, 2010.
_____ A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos
superiores. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
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O CURRÍCULO A PARTIR DA ÓTICA DE UM GRUPO DE PROFESSORAS
DE ESCOLAS RURAIS
Rosana Aparecida da Cruz – UTP
Resumo
O principal objetivo deste artigo é problematizar as concepções do currículo na ótica de
um grupo de professores que trabalham nas escolas localizadas no campo em um
município da Região Metropolitana de Curitiba. A pesquisa teve como objetivo
compreender as concepções de currículo que os professores constroem em sua prática
docente e fomentar as possibilidades para se (re) pensar novas formas de elaborar
Políticas, Diretrizes e Projetos que reestruturem o currículo nas escolas localizadas no
campo. A referida pesquisa está vinculada a um projeto de pesquisa que reúne
investigações no que concerne as escolas públicas localizadas no campo. A metodologia
utilizada foi a revisão teórica dos autores que discutem a temática em questão como
Apple (1982), Silva (2011), Tyler (1974), Moreira (2002), Molina (2004), Sácristan
(1998), Arroyo (2011) entre outros. São autores que discutem a educacão numa
perspectiva crítica e que contribuem para a análise no tange ao estudo apresentado.
Como instrumentos de pesquisa realizou-se uma entrevista semiestruturada com os
professores para coleta de dados. A pesquisa realizada suscitou alguns questionamentos
acerca do currículo percebendo como este vem se constituindo no cotidiano escolar,
bem como as diferentes visões dos professores relacionando-as com as teorias do
currículo. O estudo também contribuiu para repensar novas políticas para uma
reorganização curricular que atendam assim, as especificidades da Educação do Campo,
valorizando desse modo o trabalho, a identidade e a cultura dos povos do campo numa
visão de currículo emancipador que promova a formação humana, além de
problematizar as questões que permeiam a realidade dos povos do campo. Isso implica
em repensar um currículo numa perspectiva sociocultural, política, ética e
humanizadora.
Palavras-chave: Escola localizada no Campo. Currículo. Professores.
Introdução
A referida pesquisa parte do contexto de um município, que faz parte da
Região Metropolitana de Curitiba e fica distante 67 km da capital. O Município atende
oito escolas rurais do Ensino Fundamental, sendo que duas dessas escolas se localizam
na parte central da cidade, mas atendem especificamente os alunos moradores do
campo, respeitando e preservando sua identidade local. Além do Ensino Fundamental,
são atendidos cinco Centros Municipais de Educação Infantil. O total de alunos
atendidos é de 2044, sendo 1373 no Ensino Fundamental e 671 alunos na Educação
Infantil.
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Como estamos pesquisando a Reestruturação do Projeto político-pedagógico
nestas instituições de ensino, entendemos que o currículo é parte intrínseca desta
construção. O interesse de nossa pesquisa decorre das indagações sobre o currículo
presente nas escolas e, desta forma nos detivemos em investigar as diferentes visões
dos professores das escolas públicas localizadas no campo acerca do currículo.
A pergunta central na presente investigação é: Quais são as concepções sobre
currículo na perspectiva dos professores das escolas localizadas no campo? O objetivo
que orientou esta pesquisa foi analisar as concepções de currículo com um grupo de
professores das escolas rurais em cotejamento com as teorias do currículo. Em vista
disso, este texto está organizado da seguinte forma: primeiramente se apresentam, de
forma breve, as teorias tradicionais e críticas de currículo buscando um contraponto
entre elas; em seguida, a partir dos dados das entrevistas, apresentamos e analisamos as
concepções dos professores sobre o currículo; no terceiro tópico, buscamos cotejar as
concepções dos professores e as teorias tradicional e crítica sobre currículo. Por fim,
consideramos as possibilidades e necessidades que indagam a reflexão sobre a visão dos
professores, num re (pensar) de que venha a atender as especificidades dos sujeitos do
campo.
Esta pesquisa se justifica tendo em vista compreender como o currículo vem se
constituindo e quais são as possibilidades para se materializar novas formas de elaborar
políticas, diretrizes e projetos que reestruturem o currículo nas escolas localizadas no
campo, a partir de outras visões e interesses que permitam uma educação propriamente
construídas pelos sujeitos e estejam coerentes com a formação humana.
Indagações teóricas sobre as concepções tradicionais e críticas de currículo
O currículo constitui um dos elementos importantes na organização escolar.
Notamos que muitas vezes o currículo incorpora o capitalismo e o poder dominante.
Essas questões são trazidas pelas teorias que na trajetória histórica, vem questionando e
dialogando sobre a organização curricular.
Os estudos sobre o currículo iniciam-se no século XX com a obra de Bobbit
“The Curriculum”, escrito num momento em que as questões econômicas, políticas e
culturais tinham como objetivo moldar as formas de educação de massa. O objetivo era
formar o trabalhador especializado, pois a escola era comparada a uma empresa e, desta
forma, tal modelo estava voltado para a economia. A escola deveria funcionar como o
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modelo da administração científica de Taylor e o ponto fundamental do currículo era
centrado na eficiência (SILVA, 2011).
O currículo começa a ter uma nova visão com os reconceptualistas, que são
contra a concepção técnica. Em 1973, acontece em Nova York, a I Conferência sobre
currículo liderada por Willian Pinar em Rochester, movimento que demonstrava
insatisfação do currículo nos modelos de Bobbit e Tyler.
Destarte, inicia o debate do currículo nas teorias críticas, com um novo
conceito de currículo. Uma nova visão sobre o currículo, que não fosse voltada somente
para os conteúdos propriamente ditos, mas uma compreensão mais ampla da função do
currículo. Esse movimento de reconceituar o currículo sobre outras perspectivas, sofreu
influências das abordagens fenomenológicas, autobiográficas e hermenêuticas (SILVA,
2011). Ao longo das teorias críticas vão surgindo as contribuições de autores como
Apple e Giroux, Willian Pinar, Moreira entre outros.
A construção de um currículo que atenda as especificidades dos sujeitos do
campo materializa-se por meio de processos coletivos e, em prol da formação humana.
Acreditamos também que este currículo deve incorporar um caráter contra hegemônico,
tendo em vista que o modo de produção capitalista esquece que os sujeitos do campo
são outros sujeitos, que suas identidades e seus contextos precisam ser valorizados e ser
mediados como possibilidades de transformação social, por meio do currículo.
Em nossos estudos constatamos a necessidade de um olhar diferente das visões
de Bobbit e Tyler, para a construção de um currículo emancipador, que valorize as
pessoas que trabalham no campo, pois, na perspectiva destes autores o currículo é
pensado num produto final, como uma mera mercadoria. Defendemos um currículo que
aborde questões do pensar desse mundo ideológico e capitalista, de forma crítica e que
se oriente pela formação humana.
Apple é um dos teóricos que traz uma visão crítica do currículo contrapondo-se
às ideias de Bobbit e Tyler. Segundo ele, o currículo está relacionado às estruturas
econômicas e sociais mais amplas, não é um corpo neutro de conhecimentos, o contrário
ao que supõe o modelo de Tyler, o conhecimento corporificado no currículo é um
conhecimento particular. A seleção que constitui o currículo resulta de processos que
refletem interesses particulares e as classes dominantes (SILVA, 2011).
Pensar num currículo que questione a alienação, o conformismo, que questione
as verdades, a ideologia e domínio do poder influenciados pela sociedade capitalista,
reguladora e de controle social é o grande desafio para a classe trabalhadora do campo e
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da cidade. É necessário pensar sobre uma concepção que contemple os princípios da
Educação do Campo nos currículos, valorizando os aspectos socioculturais dos sujeitos.
Também, refletir no coletivo, sobre uma visão emancipadora, que promova e dê
visibilidade às lutas, ao trabalho, a cultura, a terra, aos valores e identidades dos povos
do campo.
Nos modelos tradicionais, o conhecimento existente configura-se como
inquestionável, os modelos técnicos do currículo limitam-se à questão do “como”
organizar o currículo. Em contraponto a esta visão, Apple anuncia o currículo como
relações de poder, e que este documento norteador não pode ser compreendido e
transformado, se não indagarmos as questões sociais. Segundo Silva (2011), Apple
destaca a importância de politizar a teorização sobre currículo.
A partir destas reflexões iniciais acerca da perspectiva teórica e histórica do
currículo, anunciamos a próxima parte com algumas discussões sobre a visão de um
grupo de professoras, de uma escola localizada no campo, sobre a concepção de
currículo. Além disso, tecemos algumas análises, vinculando-as aos princípios da
Educação do Campo, entendida como uma concepção de educação desenvolvida a partir
da iniciativa dos movimentos sociais, que defende uma educação construída por e não
para os povos do campo.
Os professores do campo e suas concepções sobre o currículo
Na seção anterior discutimos sobre as teorias de currículo que permeiam a
educação. Neste item faz-se uma análise sobre os dados da investigação aqui discutida.
Neste sentido esta parte compromete-se em evidenciar as visões dos professores acerca
das concepções que estes têm sobre o currículo. Para isto realizamos entrevistas com um
grupo de professores que atuam no Ensino Fundamental (1º e 2º ciclos) em uma escola
localizada no campo.
Conforme a professora “A”, que atua com turmas do 1º e 2º anos e tem 11 anos
de experiência na alfabetização, o currículo na sua visão:
É nortear o trabalho, um caminho a ser seguido. O currículo antes era
uniforme, estruturado, vinha pronto. Não dava oportunidade de dialogar.
Hoje temos a oportunidade de participar. No currículo deve-se ter atenção no
nível da turma. Atendendo a realidade da turma. A base do currículo está
centrada nos conteúdos. Por exemplo, no currículo consta que temos que
trabalhar com as plantas que é o conteúdo central, mas a metodologia, as
atividades e a forma de trabalhar vai ser do professor para chegar ao objetivo
que pretendemos atingir.
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Percebemos que a professora vê o currículo como um documento estruturado e
uniforme, mas quando menciona que o currículo está centrado nos conteúdos,
demonstra ainda ter uma visão tradicional. A professora comenta sobre como o
currículo foi se constituindo, ou seja, numa visão tradicional em que este vinha pronto e
acabado. A visão de Bobbit nos dias de hoje é vista em sua essência burocrática, e como
possibilidade de garantir a eficiência e a eficácia; e todo esse processo de uma visão
ainda tradicional se estende no pensamento do currículo. Imprimindo ao currículo a
visão industrial da organização escolar.
Tyler (1974) identifica quatro questões fundamentais que deve conter um
currículo. É preciso responder essas questões para que haja eficiência. Que objetivos
educacionais a escola deve atingir? Que experiências educacionais podem ser oferecidas
que tenham probabilidade de alcançar esses propósitos? Como organizar eficientemente
essas experiências educacionais? Como podemos ter certeza de que estes objetivos estão
sendo alcançados?
A fala da professora dialoga com o pensamento de Bobbit e Tyler numa visão
tradicional. Preocupa-se com o resultado, a eficiência. Muitas vezes o currículo tem
uma visão mecanicista na sociedade, resultados de uma cultura conservadora
dominante.Nesta perspectiva a criança torna-se material bruto e o produto final deve ser
a mão-de-obra para o mercado de trabalho. Como mudar essa visão? São indagações
que precisam ser problematizadas no coletivo de uma escola, para incorporar um
currículo que se esmere na reflexão e criticidade diante das imposições vindas
hierarquicamente.
A professora “B” tem vinte e cinco anos de experiência. Para ela o currículo:
é um apoio para chegar a um objetivo final. Vai se adaptando e se
transformando a cada realidade, e levando em consideração o que o aluno
traz com o seu conhecimento. O currículo deveria abordar questões
relacionadas aos direitos humanos para que a criança tenha uma visão mais
crítica ou algum projeto que procurasse levar a criança a pensar e a viver
harmoniosamente.
A fala da professora aponta o currículo como um documento que se transforma a
partir da realidade na qual ele se insere. Além disso, observamos a crítica feita à
ausência de um currículo que aborde os direitos humanos.
Segundo a professora C, “currículo é algo que corre uma corrida anual”. No
ponto de vista da professora compara o currículo a uma corrida. Salientamos a visão de
Willian Pinar que aponta a palavra curriculum num sentido renovado, onde a palavra
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significa “pista de corrida” que deriva do verbo currere, em latim correr, sendo um
verbo, uma atividade e não uma coisa, um substantivo. Enfatiza o verbo deslocando a
ênfase da “pista de corrida” para o ato de percorrer “a pista”. Destaca que o currículo
deve ser compreendido não somente como uma atividade, que não se limita à nossa vida
escolar, educacional, mas à nossa vida inteira, e em movimento. (SILVA, 2011).
A professora D, tem muita experiência na alfabetização. Ela diz que “o
currículo faz parte de toda uma documentação. É tudo aquilo que envolve a
aprendizagem. É uma imposição que vem de cima para baixo”. Na perspectiva desta
professora observamos o currículo na centralidade de relações de poder e desigualdade.
Segundo Silva (2011, p. 53), “é através de um processo pedagógico que permite às
pessoas se tornar conscientes do papel de controle e poder exercido pelas instituições e
pelas estruturas sociais que elas podem se tornar emancipadas ou libertadas de seu
poder e controle”.
Nesse sentido é necessário que essa concepção emancipadora do currículo e da
pedagogia seja fundamentada numa esfera democrática, onde todos tenham voz e
participem da discussão, questionando as questões de domínio de poder que é
vivenciado num sistema tão perverso e desigual. Só assim poderemos ser emancipados
ou libertados num sistema que nos aflige.
Conforme os estudos, evidenciamos uma influência de Freire (1987) nas ideias
de Giroux, outro autor que aborda o currículo em seus estudos. Freire faz uma crítica
quanto à educação bancária como transmissão dos conhecimentos, relaciona seu
pensamento com Giroux, onde ambos pensam num currículo que conteste os
movimentos técnicos e dominantes.
A professora E, a seguir tem dois anos de docência. Para ela a perspectiva de
currículo:
Refere-se aos conteúdos que temos que ensinar. Não deve ser seguido como
uma Bíblia. Mas é um guia, uma orientação. É necessário para não se perder.
É um plano. Precisa ser reflexivo, sendo revisto sempre que possível.
Discutindo e adaptando- o para a melhoria na aprendizagem.
A professora traz uma ideia tradicional e sistemática quando define o currículo
como uma abordagem conteudista (visão de Bobbit e Tyler). Mas, ao referir-se que o
plano deve ser reflexivo, indicando que ele deve ser debatido para um melhor resultado
na aprendizagem ela, expõe uma visão de diálogo e, segundo Moreira (2002, P.28) “o
diálogo é visto como o elemento norteador das estratégias pedagógicas”.
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Nas concepções destacadas a seguir os professores focam o conteúdo como
principal norteador do trabalho pedagógico.
Para a professora F “O currículo direciona o aprendizado. É centrado nos
conteúdos”. A professora G, relata que currículo são as “informações gerais sobre
determinados assuntos em cada área do conhecimento”. Para professora H, currículo
“refere-se aos encaminhamentos pedagógicos, dos conteúdos a serem trabalhados em
cada disciplina”.
Nas respostas descritas pelas professoras podemos perceber que as mesmas
expõem uma visão tradicional, tendo em vista à centralidade dada aos conteúdos ao
tratar do currículo escolar. Segundo Sacristán (1998, p.74) “os currículos escolares
continuam sendo a fonte da validação acadêmica e profissional numa sociedade em que
a sanção administrativa da cultura, adquirida através do currículo, tem consequências
tão importantes no mercado de trabalho e nas relações sociais”.
Outra professora entrevistada comenta que o currículo é “todo planejamento da
escola. Todos os projetos, todo o processo de aprendizagem das crianças, envolvimento
dos pais com a escola, a metodologia do professor”. A professora tem uma visão da
totalidade. Percebe o currículo vinculado aos seus determinantes, não somente centrado
à prescrição de conteúdos, mas como espaço de possibilidades, de transformação
humana.
Na visão de Arroyo (2011, p. 64), a relação desenvolvida na escola, currículo e
sujeitos se constitui de forma fria, distante, burocratizada, infere que dificulta o
desenvolvimento dos educandos. E ainda reforça que embora aprendam “nossas
matérias”, existe uma considerada por eles como vital, que a escola não tem conseguido
ensinar, que é “aprender a se tornarem humanos”. E aprender a se tornarem humanos
implica serem partícipes desse processo de transformação social, sobretudo na
construção do currículo oculto que é permeado de subjetividades de vidas que se
entrecruzam, e que contribui para construção das identidades individuais e coletivas.
Na resposta a seguir a professora I, expressa um saudosismo, ou seja, explicita
de forma clara, que: “o currículo do passado parece que dava mais resultado do que o
currículo de hoje”. Nota-se na fala desta professora um pensar mais voltado para um
currículo tradicional. Arroyo (2011, p.153) afirma que “essa visão do conhecimento
curricular nega aos professores também sua condição de sujeitos de experiências e de
indagações, reduzindo-os a transmissores passivos”.
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Freire (1987) ao falar sobre o conhecimento bancário e problematizador,
afirma que o conhecimento bancário é imposto, conservador e alienante, em outras
palavras, é passivo, enquanto o conhecimento problematizador é ativo, dialógico e
atuante. Nesse sentido, um currículo somente terá sentido se for problematizado,
levando em consideração a materialidade da vida e conhecimento significativo da
realidade para que esta seja transformada.
Um currículo e as escolas do campo: entre possibilidades e necessidades
Diante dos conceitos que os professores têm com relação ao currículo, pode- se
constatar que é necessário revê-lo, analisá-lo e valorizá-lo frente às especificidades dos
alunos do campo. No entanto, todos os professores entrevistados, dizem que os
conteúdos relacionados à educação do campo são distantes.
Os entrevistados apontam que o currículo não condiz com a realidade do campo,
que é preciso, antes de elaborar o currículo olhar a realidade. Comenta uma professora
que “é preciso refletir o currículo. Os conteúdos vêm de lá de cima, e desconhecem a
realidade”. Outra professora comenta que, ”falta de formação para os professores do
campo, que não sabem como trabalhar”. As concepções de currículo pensadas pelos
professores surgem da necessidade de repensar um currículo condizente com a realidade
do campo, com outro olhar, sendo necessário um currículo que valorize os saberes, a
cultura e a identidade dos sujeitos do campo.
A Educação do Campo vem se organizando desde a década de 90. Sabe-se que
ela é cunhada pelos movimentos sociais do campo e de entidades ligadas à esses
movimentos, em outras palavras é a concepção de sociedade construída pela classe
trabalhadora. Mas, para o município pesquisado o tema é novo, principalmente às
problematizações no que tange ao currículo.
Ao analisarmos a fala das professoras destacamos que é necessário criar
oportunidades nos currículos para que os alunos discutam neste espaço formal, que é a
sala de aula, sobre a sua cultura, sua identidade, a produção da vida, a política, as
contradições, os movimentos sociais, a exploração da terra e do trabalho, novas frentes
de produção, entre outras questões norteadoras que são anunciadas a partir de cada
realidade.
As professoras apresentam em seus relatos a necessidade da construção de uma
escola pensada pelos sujeitos que estão ali, que são sujeitos de direitos. Além disso, é
necessário um currículo que valorize a cultura e as identidades e concomitantemente
reflita sobre a questão do poder e sobre as desigualdades sociais. Um currículo que seja
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pensado de forma crítica. Observamos que muitas vezes o currículo torna-se excludente,
e neste sistema tão perverso, que excluem da escola “os que não sabem ler e escrever;
excluem do mercado de trabalho os que não têm competência técnica para o trabalho”
(BARRETO, 1994 p.54).
Destarte, tem-se a necessidade de um currículo que seja pensado de uma forma
totalitária e não simplesmente como uma prescrição, uma receita de conteúdos. De
acordo com Arroyo (2011 p. 34-35):
O currículo está aí com rigidez, se impondo sobre a nossa criatividade. Os
conteúdos, as avaliações, o ordenamento dos conhecimentos em disciplinas,
níveis, sequências caem sobre os docentes e gestões como um peso. Como
algo inevitável, indiscutível. Como algo sagrado. Como está posta a relação
entre os docentes e os currículos? Uma relação tensa.
Vivemos num mundo marcado pela competitividade, pelo capitalismo e estas
influências são incorporadas ao currículo. Para pensar na educação do campo dentro de
uma perspectiva emancipadora busca-se uma teoria crítica de escolarização. Na maioria
das concepções de currículo que os professores apresentam ao definir o currículo, nota-
se que seguem os modelos tradicionais, privilegiando uma visão conservadora. Ao
seguir este modelo de currículo fortalecem o domínio de uma sociedade desigual e
alienante.
Ao aprendermos a entender a forma como a educação age no setor
econômico de uma sociedade para reproduzir aspectos de desigualdade,
também estamos aprendendo a desemaranhar uma segunda esfera importante
em que opera a escolarização. Pois não existe somente a propriedade
econômica, parece haver também uma propriedade simbólica - o capital
cultural – que as escolas preservam e distribuem (Apple, 1979, p.12).
Apple (1979) traz algumas indagações necessárias, ao pensar a organização do
currículo: A quem pertence esse conhecimento? Por que é organizado dessa forma?
Quem o selecionou? E para esse grupo determinado? Relata que não basta somente
formular estas questões, mas procurar vincular essas investigações a concepções
diversas de poder social, econômico e de ideologias.
É neste caminho que podemos refletir sobre as relações de poder que se
manifestam nos currículos, observando a influência da reprodução de uma sociedade
desigual. Assim, buscar nos currículos a visão de uma sociedade que não seja alienante
que respeite os direitos, e que questione e confronte os poderosos agentes de reprodução
social.
Pensar a educação de uma concepção de campo significa assumir uma visão de
totalidade dos processos sociais; no campo dos movimentos sociais significa um
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alargamento das questões da agenda de lutas; no campo da política pública, significa
pensar a relação entre uma política agrária e uma política de educação, como uma
política agrícola, política de saúde, e política de educação. E na dimensão pedagógica
significa refletir sobre os processos de formação humana (MOLINA, 2004).
Muitas vezes há uma grande preocupação dos professores em seguir um
currículo prescritivo, e não há uma reflexão na totalidade, na formação humana,
essência fundamental para um mundo transformador.
Considerações finais
De acordo com as análises realizadas percebemos uma fragilidade na formação
dos professores, e a necessidade de estudos teóricos mais aprofundados para entender o
processo do currículo, momentos de reflexão e de formação continuada específica aos
trabalhadores do campo. Há muitos fatores que precisam ser revistos, e o processo
coletivo nas decisões é fundamental para reverter um currículo prescritivo e
conservador para um currículo problematizador, que questione as contradições impostas
por um sistema burocrático e capitalista e caminhe na direção da formação humana dos
sujeitos.
A pesquisa aponta diferentes visões sobre a função do currículo na ótica dos
professores de escolas rurais em um município da Região Metropolitana de Curitiba.
Esta relação aponta a necessidade de uma discussão mais aprofundada na formação
inicial de professores. Mostra-se imprescindível o estudo das teorias do currículo para a
compreensão dos projetos postos no âmbito da sociedade. Os desafios colocados
referem-se à reorganização de um currículo em diálogo com a educação do campo.
Os sujeitos do campo trazem experiências do seu contexto social, as suas
histórias de vida, a sua cultura, identidade e muitas vezes esse significado de vida e de
luta são esquecidos nos currículos escolares privilegiando as relações urbanocêntricas.
É necessário dar significado aos conteúdos, e inserir nos conteúdos a
materialidade do campo como a agricultura, o trabalho com a terra, as culturas de fumo,
do milho, do feijão, a qualidade de vida, o desemprego, a renda, exclusão social e tantos
outros assuntos pertinentes a esse contexto, evidenciando as contradições sociais na
qual os alunos estão inseridos. Segundo Arroyo (2011, p. 38) é preciso “com
profissionalismo e ética os embates nesses territórios do conhecimento por novas
políticas do currículo, de avaliação, de valorização, atreladas a outros projetos da
sociedade, de ser humano, de vida, de justiça e de dignidade humana”.
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Dessa forma, “valorizar a cultura dos povos do campo significa criar vínculos
com a comunidade e gerar um sentimento de pertença ao lugar e ao grupo social”, com
isso criando uma identidade sociocultural que leve o aluno a compreender o mundo e
transformá-lo (PARANÁ, 2006, p. 38). Assim, pensamos que um currículo crítico e
comprometido com a emancipação humana é aquele voltado a atender as
especificidades dos sujeitos do campo, de modo que valorize a cultura, e o
pertencimento dos trabalhadores do campo.
Referências
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ARROYO, Miguel G. Currículo, Território em Disputa. Petrópolis, Rio de Janeiro:
Vozes,2011.
__________. Ofício de Mestre: imagens e auto-imagens. 11. ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
2009.
BARRETO, Vicente. Educação e violência: reflexões preliminares. In: ZALUAR,
Alba(org)et al. Drogas e Cidadania: repressão ou redução.São Paulo: Brasiliense,1994
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 17ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
MOLINA, C. M.; JESUS, A. S. M. S de (orgs.). Por uma educação do campo:
contribuições para a construção de um projeto de educação do campo. Brasília:
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MOREIRA, Barbosa Flavio Antonio. Currículo, Diferença Cultural e Diálogo.
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PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação
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PARESKEVA, JOÃO M. Currículo sem Fronteiras.Michel W.Apple e os estudos
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TYLER, Ralph Winfred. Princípios básicos de Currículo e Ensino.Porto Alegre,
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SACRISTÁN, J. Gimeno. O Currículo:Uma Reflexão sobre a Prática. 3 ed. Porto
Alegre: Artmed, 1998.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10177ISSN 2177-336X
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EDUCAÇÃO DO CAMPO NA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA:
UM RETRATO A PARTIR DO CURRÍCULO OCULTO
Camila Casteliano Pereira - UTP
Resumo
Este estudo tem como principal objetivo apresentar resultados da pesquisa do trabalho
de conclusão do curso de Pedagogia realizado em 2014. Evidenciamos algumas práticas
pedagógicas que configuram uma mudança na concepção de educação rural, a partir de
aproximações ao seu projeto antagônico que é a educação do campo. O contexto da
investigação é uma escola localizada no campo na Região Metropolitana de Curitiba
(RMC). Retratamos a experiência da professora desta escola em relação à superação do
currículo oculto do campo. Para o desenvolvimento da pesquisa foram utilizadas as
obras de autores da educação brasileira, tais como: Moreira e Candau (2007) que
contribuem para a discussão sobre o currículo, Caldart (2004) e Souza (2015) que
contribuem para a compreensão dos dois projetos de sociedade a partir de duas
concepções teóricas, que são a Educação do Campo e a Educação Rural; o segundo
firma um projeto ligado ao modo de produção capitalista e o primeiro compreende a
terra na sua função social de sobrevivência e de direitos. A metodologia faz uso da
abordagem qualitativa e tem como técnicas análise documental, revisão teórica e
observação. O problema centra da pesquisa buscou compreender o papel do currículo
oculto no contexto de uma escola pública localizada no campo. Os resultados indicam
haver uma articulação entre a organização coletiva, espaços para a apropriação do
conhecimento e a valorização da identidade local para que ocorra um projeto de
educação coerente com os princípios da educação do campo. Aponta-se ainda que a
expressão de resistência à educação rural é a incorporação dos princípios da educação
do campo, que por meio da materialização de um currículo comprometido com as
especificidades na qual a escola se insere, e com o conhecimento científico, evidencia
vestígios de transformação social.
Palavras-chave: Currículo oculto. Educação do Campo. Educação Rural.
Introdução
O objetivo deste trabalho é problematizar o currículo oculto de uma escola
localizada no campo na RMC, além disso, evidenciamos algumas práticas pedagógicas
que configuram uma mudança na concepção de educação rural, a partir de
aproximações ao seu projeto antagônico que é a educação do campo. A metodologia faz
uso da abordagem qualitativa e tem como técnicas análise documental, revisão teórica e
observação. O problema centra da pesquisa buscou compreender o papel do currículo
oculto no contexto de uma escola pública localizada no campo. Os dados evidenciados
referem-se à alguns elementos da investigação realizada no período de dezembro de
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10178ISSN 2177-336X
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2012 a junho de 2014 com financiamento da capes, que foi articulada ao trabalho de
conclusão de curso (PEREIRA, 2014).
Na Região Metropolitana de Curitiba (RMC) existem muitas práticas nas escolas
localizadas no campo que se aproximam da concepção de educação rural. Exemplos
expressivos são: os cursos de formação inicial e continuada fragilizados, as estruturas
físicas em situações precárias, materiais didáticos descontextualizados, a entrada de
programas e políticas neoliberais, e principalmente a política patrimonialista como
determinantes nas ações entre secretaria/escola/comunidade. Quando há a presença
destas questões tem-se prejuízo na socialização do saber e na possibilidade de
transformações sociais, pois entendemos que a educação rural está enraizada no
contexto escolar pela materialidade do projeto de sociedade, iniciado no século XX com
a industrialização e, pela invisibilidade dos sujeitos do campo e da realidade escolar.
Por outro lado, podem-se evidenciar exemplos de resistências ao exposto anteriormente.
Diversos municípios e escolas constroem novas estratégias de organização para o
desenvolvimento de uma educação de qualidade, coerente com a formação humana, e
neste caso em diálogo com a Educação do Campo.
Assim, discutir-se-á o currículo oculto e sua materialização na prática
pedagógica do professor, e retratam-se as faces ocultas presentes em uma escola rural
localizada em um município da Região Metropolitana de Curitiba, bem como os
vestígios de transformação desta realidade. Importante evidenciar que o recorte
temporal é de 2012 a 2014, e que outros estudos que dão centralidade às classes
multisseriadas em áreas rurais são as pesquisas de Rodriguesi e Pianovski
ii.
Para Moreira e Candau “a palavra currículo tem sido também utilizada para
indicar efeitos alcançados na escola, que não estão explicitados nos planos e nas
propostas, não sendo sempre, por isso, claramente percebidos pela comunidade escolar”
(2007, p.18). Os autores indicam que o currículo oculto configura-se em “atitudes e
valores transmitidos, subliminarmente, pelas relações sociais e pelas rotinas do
cotidiano escolar” (2007, p.18).
Por currículo oculto pode-se entender os “rituais e práticas, relações
hierárquicas, regras e procedimentos, modos de organizar o espaço e o tempo na escola,
modos de distribuir os alunos por grupamentos e turmas, mensagens implícitas nas falas
dos (as) professores (as) e nos livros didáticos” (MOREIRA; CANDAU, 2007, p. 18).
Em outras palavras, currículo oculto caracteriza-se por todos os encaminhamentos
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procedimentais que se materializam e não interferem apenas nos conteúdos necessários
ao processo de ensino-aprendizagem, mas na formação humana do aluno.
O papel do professor transformador neste processo seria “desocultar” o
currículo, torná-lo próximo das especificidades em que ele se insere mas preocupado
com o conhecimento cientifico mais amplo, compreendendo o conhecimento como
“poder”, em sua condição de superar as desigualdades sociais. Segundo Moreira,
“orientar o currículo oculto para fins emancipatórios implica inicialmente, „desocultá-
lo‟, o que envolve revelar seus mecanismos pouco aparentes, extirpar seus aspectos
restritivos e conscientizar alunos e professores de suas intenções coercitivas
subjacentes” (SILVA, 1991iii
apud MOREIRA, 2010, p. 91).
O conceito da educação do campo a ser discutido neste texto refere-se à
concepção construída pelos trabalhadores do campo, movimentos sociais que
representam estes trabalhadores e entidades ligadas a este coletivo. Segundo Souza
“Trata-se de uma história em construção, como concepção educacional e como
experiência coletiva do Movimento Camponês composto por diversos movimentos de
trabalhadores que lutam pela terra e pela reforma agrária” (2015, p. 3). É uma
concepção construída no bojo de lutas dos movimentos dos trabalhadores rurais sem
terra por reforma agrária popular e, que ao lutarem por terra incluíram nas suas pautas a
luta por educação de qualidade e escola pública que tivesse vinculada aos interesses da
classe trabalhadora. Uma concepção construída pelos camponeses - trabalhadores que
foram expropriados da escola e da terra tiveram seus direitos negados e que agora
constituem visibilidade para escrever um currículo e uma escola que valorize a sua
identidade e principalmente que respeite as suas especificidades de vida; para chegar à
escola e permanecer nela com condições de superar as fragilidades sociais do contexto
no qual se inserem.
Esta concepção, a educação do campo, surge na década de 1990 em contraponto
à educação rural, portanto pautadas em projetos de sociedade distintos. Segundo Souza
“são duas concepções que caminham paralelas e opostas, vinculadas a projetos
societários de natureza político-social oposta” (2015 p. 3-4). A autora refere-se à
condição da educação rural estar enraizada em diversos contextos em meio às
indagações e resistências constituídas a partir do movimento da educação do campo,
que contam com a presença de movimentos sociais, universidades, municípios e estados
que se aproximam deste debate, e entidades ligadas à terra. Este movimento se fortalece
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e constitui avanços ao debate da educação do campo, como concepção de sociedade a
ser construída na sociedade brasileira.
A RMC (Região Metropolitana de Curitiba) é constituída por 29 municípios,
sendo 27 com características rurais. Este contexto refere-se à “oitava região
metropolitana mais populosa do Brasil, com 3.223.836 habitantes, e concentra 30.86%
da população do Estado, também é a segunda maior região metropolitana do país em
extensão, com 16.581,21km²”. (COMEC, 2015). Importante ressaltar, que a concepção
de educação do campo cunhada pelos movimentos sociais é eleita para a
problematização das relações ocorridas na escola no período da pesquisa. Entretanto,
destacamos a existência de apenas um assentamento do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra na RMC que se localiza no município da Lapa, e que não é o contexto
investigado. Com esta dinâmica, indica-se que as experiências construídas por estes
movimentos inspiram a materialidade da ação educativa em outros contextos,
principalmente pela incorporação de políticas públicas e pela categoria de coletivo que
anuncia a organização dos movimentos sociais.
Pertencente a um município da RMC, a escola pesquisada (ERMSAGiv
) é a
única escola rural do município. A escola contava com a participação de uma professora
no projeto de pesquisa OBEDUCv, ou seja, na Universidade
vi, o que possibilitou a
problematização da concepção da educação no contexto da escola. Sobre a sua estrutura
física, destacamos que a escola era pequena com um espaço muito extenso onde as
crianças brincavam nos momentos de intervalo. Na escola havia duas salas de aula, dois
banheiros, uma cozinha e uma sala pequena (onde o médico da comunidade realizava
atendimentos quinzenais). Até 2014 a escola contava com duas professoras e uma
auxiliar de serviços gerais. Sobre a organização do trabalho pedagógico é organizado
nos pressupostos do modelo multisserie. Atendia, pela manhã, o ensino fundamental das
séries iniciais dividido do 1º ao 3º com uma professora e em outra sala o 4º e 5º ano e na
parte da tarde atende as crianças da educação infantil.
Este texto esta estruturado em duas partes, na primeira faz-se algumas
problematizações em relação à educação do campo. Na segunda faz-se uma
problematização sobre a experiência do currículo oculto em uma escola rural e as
aproximações à concepção da educação do campo. Os dados anunciados foram
organizados a partir da contribuição da comunidade escolar, que ao se organizarem para
indagar a condição na qual estavam expostos firmavam a sua posição de sujeitos de
direitos.
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Educação do campo: algumas reflexões
Desde a sua origem, a formação voltada às classes populares do campo, firmou-
se em um modelo adaptado da educação urbana. Esta condição refere-se à invisibilidade
na qual o camponês esteve exposto na história brasileira. O rural sempre foi sinônimo
de atraso e a cultura camponesa associada a preconceitos, estereótipos, exemplo
expressivo são as festas juninas que representam como o camponês é entendido pela
sociedade, como o “caipira”. E estas marcas perpetuam de geração em geração, nas
escolas nas famílias, entre outros espaços ocupados pela sociedade que incorporam estas
práticas de representar de forma equivocada as festas juninas. Estas festas representam a
comemoração da colheita.
Os interesses econômicos, políticos e sociais da burguesia brasileira no século
XX estavam voltados ao processo de industrialização do país. Com as mudanças no
cenário brasileiro, mudam-se as relações de trabalho, e neste sentido ao camponês e às
suas especificidades não havia espaço de debates. Surge em meio às campanhas de
nacionalização, para firmar o patriotismo brasileiro, o Ruralismo Pedagógico que era
uma política pública do estado voltado às áreas rurais com interesses pautados
principalmente em acabar com o analfabetismo no campo e fixar o homem no campo,
em outras palavras veio como estratégia para impedir que os camponeses migrassem
para as áreas urbanas.
Souza (2011a) apresenta a educação Rural, como uma concepção que idealiza a
fixação do homem no campo, uma educação construída sem os sujeitos que fazem parte
do processo, a utilização de materiais didáticos distantes do contexto vivido e uma
adaptação deturpada da educação urbana negando a cultura camponesa.
Explica Munarim que a incorporação dos aspectos urbanos no contexto rural tem um
caráter hegemônico e ideológico, “razão pela qual a questão da educação dos povos que
vivem no campo recebem pouca atenção ou atenção enviesada da sociedade e das
instituições públicas” (MUNARIM, 2008, p.1).
O principal compromisso da socialização do saber é a emancipação humana. O
Estado deve assumir este compromisso ao garantir o acesso aos direitos sociais, e a
educação na escola pública é um dos principais. Concomitantemente ao direito à escola
pública de qualidade deve estar a garantia da especificidade na qual a escola e sujeitos
se inserem. Ou seja, uma escola comprometida com a vida dos sujeitos, seja no âmbito
social, político, econômico e cultural.
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Concordamos com Caldart que explica que “a Educação do Campo talvez possa
ser considerada uma das realizações práticas da pedagogia do oprimido, à medida que
afirma os pobres do campo como sujeitos legítimos de um projeto emancipatório e, por
isso mesmo, educativo” (CALDART 2004, p.14).
Para Munarim (2008) a década de 1990 imprime o surgimento histórico do
“movimento de Educação do Campo” que vem para trazer a valorização do campo, e da
escola no sentido que contextualize as vivências campesinas, esse movimento surge
com a manifestação dos próprios sujeitos do campo.
Em julho de 1997 destacamos o 1º encontro Nacional de Educadoras e
Educadores da Reforma Agrária (1º ENERA) que reuniu, a sociedade civil organizada
representada pelo: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Fundo das
Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Fundo das Nações Unidas para a Ciência e
Cultura (UNESCO) e do Conselho Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Este
encontro teve como objetivo conceber a educação como prioridade enraizada com a
reforma agrária.
No ano seguinte, em 1998, ocorreu a I Conferência Nacional “Por Uma
Educação Básica do Campo”, em Goiânia, este encontro imprimiu a indagação dos
movimentos sociais com o atendimento escolar que vinham recebendo do Estado, e
passaram a exigir uma educação de qualidade, digna das comunidades que pertencia.
Esta conferência foi um marco importante para o movimento nacional da educação do
campo, pois ficou definido a concepção de educação dos trabalhadores do campo
intitulada: educação do campo.
Outros encontros locais, regionais e a nível nacional foram organizados pelo
coletivo que integra o movimento da educação do campo. Temos exemplos do Paraná,
como Encontro de Porto Barreiro, Encontro de Faxinal do Céu, Encontro de Candói,
encontros estaduais de Educadoras e educadores da Reforma agrária. Além disso, temos
a II Conferência Por uma Educação Básica do Campo, o Fórum Nacional da Educação
do Campo, entre outras organizações que discutem a educação do campo, contextos em
surgem proposições para a transformação das relações no campo. Há grupos de estudos
no contexto dos movimentos sociais, nas universidades, em entidades ligadas aos
movimentos sociais que permitem que a discussão avance e que a visibilidade dada ao
campo esteja em conjunto com a garantia de políticas públicas dos trabalhadores (pois é
o resultado de mobilizações) e para os trabalhadores.
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A concepção de educação do campo é o resultado do trabalho coletivo, dos
movimentos sociais enquanto projeto popular e revolucionário de sociedade. O
empenho dos movimentos sociais e a pressão contra hegemônica possibilitou conquistas
importantes para a sua valorização, entretanto mesmo com diversos avanços este projeto
de educação e consequentemente de sociedade ainda carece resistência e visibilidade
para sua verdadeira efetivação.
Neste sentido, a próxima parte faz uma problematização em relação à
experiência da escola pesquisada. Esta compreensão é uma expressão, dentre muitas que
se revelam nos municípios e estados que participam dos estudos voltados aos princípios
da educação do campo. O apontamento teórico e histórico imprimem as possibilidades
de transformação nas escolas e nas comunidades, tal qual é representado na próxima
parte.
A experiência do currículo oculto
Ao reconhecer a existência do currículo oculto percebemos a intensidade de seus
resultados, principalmente quando pensamos na especificidade do campo, onde
normalmente a prática pedagógica é condicionada ao modelo padrão do contexto urbano
num caráter mandatório vindo verticalmente de órgãos que se consideram superiores à
função do professor.
Essa característica de adaptar o currículo do contexto urbano acontecia com a
escola ERMSAG que é a única considerada “rural” no município. A professora era
orientada a adaptar o currículo do município (que foi elaborado para o contexto urbano
e seriado), para sua realidade que é multissérie. Para pensar nesta condição de adaptação
das escolas rurais, Souza aponta que “o que se busca é a transformação da escola rural
(voltada para os povos do campo) em escola do campo (pensada/ organizada/ vivida
pelos próprios povos do campo), [...] busca-se uma escola pública que dê visibilidade
aos sujeitos que nela estão” (SOUZA, 2011, p. 28).
A professora ao iniciar o trabalho na escola desenvolveu estudos sobre a
educação do campo, o que possibilitou um trabalho mais crítico e que problematizou a
realidade dos alunos, porém essa ação é resultado do trabalho individual provocado pela
relação com a universidade, sem apoio e orientação pedagógica da Secretaria Municipal
de Educação (SME), que desconhecem o que é o campo.
A professora da escola, além de lecionar para a turma do 4º ano, realiza
atividades que caracterizam o cargo de “direção”, entretanto, não recebe gratificação
por mais essa função. Essa ação de utilizar os trabalhos da professora como tarefeira e
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não a nomearem como diretora caracteriza pretensões antagônicas ao movimento da
Educação do Campo. Esta lógica desempodera a professora e tem um caráter
hegemônico. Concordamos com Souza et al que escrevem que “[...] a classe
trabalhadora, independente do espaço em que estiver, sofre com as desigualdades no seu
processo educativo, tendo menos acesso aos materiais didáticos e pedagógicos, aos
instrumentos de escrita, aos bens culturais” (SOUZA et al, 2008, p. 45).
Entende-se que o currículo voltado às demandas da lógica capitalista, é
compreendido como projeto preocupado para os futuros trabalhadores, sem a
preocupação com a emancipação social. A intencionalidade desta concepção volta-se à
formação de mão de obra para o mercado de trabalho. Percebe-se assim que a
materialização da concepção de educação do campo segue caminhos contrários à
formação voltada ao processo de produção capitalista, segundo o MST “este projeto
educativo vincula e compromete-se com o debate dos movimentos sociais do campo na
luta pela construção [...] da reforma agrária, o desenvolvimento sustentável, o
fortalecimento da agricultura camponesa e a educação do campo” (MST, 2008, p. 23).
Segundo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra a função social da
educação é “preparar o educando para compreender seu tempo e colocá-lo em
movimento de transformação, resolvendo as situações contraditórias que aparecem no
mundo real do educando” (MST, 2008, p.24).
Até a finalização da pesquisa a professora trabalhava em meio a contradições na
escola e município, de um lado suas práticas se organizam para atender aos princípios
da educação do campo, e de outro o município fomentava o fechamento da escola rural
devido aos interesses decorrentes do processo de urbanização. Essas contradições eram
trabalhadas em sala de aula e facilitavam a compreensão dos alunos que vivemvii
em
meio ao assombramento de fecharem a escola. Os alunos percebem as desigualdades
que vivem se comparados com outras escolas urbanas, e esse movimento de se
entenderem dentro do processo histórico e contraditório é que possibilita uma
aprendizagem crítica e politizadora.
Segundo o MST “os envolvidos no processo curricular são sujeitos cognitivos e
sociais. Neste sentido, o currículo se constitui nas oportunidades que a escola organiza
no modo como educandos aproveitam estas oportunidades, ampliando sua maneira de
vivenciar o mundo” (MST, 2008, p. 27). Esta organização de conteúdos conta com
ideologias ocultas, que transmitem valores ao serem ensinadas e respondem à sociedade
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com o seu resultado, esta ação intencional e planejada é intitulada por currículo oculto,
que irá conduzir a aprendizagem a um tipo de valor desejado, imposto e manipulado.
Observamos no período da pesquisa vários aspectos que caracterizam ações
subliminares recebidos pelo município que aderem à lógica da educação rural e que
interferiam na escola, a saber: 1) a primeira questão é a proposta do município
"urbanizar" a comunidade rural, essa intenção resulta em orientações voltadas à prática
da educação rural que incorpora um demérito à agricultura pensando no urbano como
superior, diminuindo e impedindo às discussões questionadoras da professora
resultando no desempoderamento da mesma; 2) a construção da proposta pedagógica ter
sido realizada na secretaria municipal de educação, considerando a participação
fragmentada (quase nula) da professora; 3) práticas educativas vindas do município com
caráter assistencialista que desconsideram a emancipação dos sujeitos; 4) ausência de
incentivo para a formação docente, principalmente que compreendam as demandas da
concepção de educação do campo; 5) o fracasso do aluno era apontado como
responsabilidade da professora e do aluno, sem levar em conta a infraestrutura,
atendimento da SME; 6) A escola recebeu o “Agrinho” como material didático para
trabalhar a realidade dos alunos, essa prática diminui as possibilidades do trabalho
pedagógico crítico e caminha contra à concepção de educação do campo; a professora
compreendia esse conceito, e até o momento da pesquisa tinha condições arbitrárias de
lidar com esse material, assim não ensinava os alunos a partir de um material que
valoriza o agronegócio, e mediava uma ação dentro da sua esfera contraditória,
antagônica às orientações presentes no material que trazem detrimento à agricultura.
O currículo coerente supera os elementos mínimos previsto nas normativas e
diretrizes, este por sua vez leva em consideração a realidade como possibilidade, “para
ajudar a comunidade e o movimento a enxergar as contradições, refletir e encontrar
soluções” (SOUZA et al, 2008, p. 52). Os autores ainda defendem que para que essa
prática se materialize é necessário que o professor confronte o planejamento com a
especificidade do lugar.
Como resistência ao atendimento, precário ou quase nulo da secretaria de
educação, a professora incorporou a concepção da educação do campo, assim os valores
transmitidos em sala com os conteúdos historicamente construídos permitem a quebra
de paradigmas presentes na diretriz curricular do município, parte da organização da
sala, adentra na organização do planejamento e principalmente no significado que é
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confrontado com os conteúdos que os alunos aprendem que hoje tem valor ao contexto
que vivem.
Todas estas orientações indicam que tais perspectivas ao se materializarem
condicionam o aluno a naturalizar a sua condição social, mas podem também emancipá-
lo frente às demandas do processo de produção capitalista.
A educação se efetiva com uma relação coletiva, a SME existe para ser uma
referência entre a escola, programas e políticas educacionais, tem papel fundamental
para promover a equidade e principalmente dar visibilidade às escolas, que por sua vez
existem para organizar construções educativas e provocar reflexões que ampliem a
visão de mundo das pessoas. Portanto, não existe escola sem pessoas, a relação entre
escolas, SME e comunidade deve se estabelecer no princípio horizontal, na teoria as
discussões devem atender às necessidades dos coletivos (comunidade) e não aos
interesses políticos do município; no entanto, percebemos que na prática essa relação
tem um sentido antagônico, assim, consideramos que nessa relação há forjamentos,
encaminhamentos ocultos que são sentidos apenas pelos sujeitos deste processo, que
são: comunidade, alunos, professores.
Nesses encaminhamentos ocultos do processo educativo há sempre uma
intencionalidade, que é atender a uma classe que pensa em favor das suas demandas, em
toda ação há uma intenção logo não há neutralidade.
A ideologia que estará marcada na prática de reconhecer a realidade para
superação da desigualdade é crítica e transformadora, assim é preciso que os sujeitos se
reconheçam dentro da face oculta que está enraizada nos encaminhamentos didáticos
para conquistarem o papel de questionadores. O professor é o protagonista da
materialização do currículo, ele não é o principal responsável pelo resultado
educacional, mas tem um papel fundamental para a transformação da realidade, se ele
acredita em uma educação melhor poderá provocar os alunos a acreditarem também.
O reconhecimento como sujeitos oprimidos é o primeiro passo para superar essa
lógica excludente de negar o direito mais básico aos sujeitos que é a possibilidade de
libertação. Porém, enxergar que nas práticas pedagógicas há resistência às ideologias
subliminares é compreender que é possível superar as desigualdade e acreditar na escola
como espaço contraditório de emancipação. Souza escreve que “o que se espera da
escola é muito mais do que a menção à realidade do aluno [...] é preciso tirar o véu, a
nuvem que encobre o discurso sobre a realidade e enfatizar o conhecimento da prática
social e daqueles que a produzem coletivamente” (SOUZA, 2011, p.16). Acreditamos
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que ao tirar o véu sobre a realidade, conforme Souza (2011) aponta, será possível
enxergar os processos contraditórios em que se pisa, e que a resistência coletiva é a
arma mais forte para superar as fragilidades sociais.
Considerações Finais
Compreender a função social do currículo oculto não é tarefa fácil, é preciso ir além
daquilo que os olhos veem é preciso compreender as pretensões, é preciso saber qual
sociedade se quer. As práticas pedagógicas não são neutras e expressam relações
intencionais que resultam direta ou indiretamente na sociedade que queremos formar.
Os encaminhamentos na escola pesquisada se direcionam para a construção de
um projeto de educação do campo, embora pressionados pelas contradições fortemente
presentes na relação entre escola e SME.
Com essa discussão pode-se concluir que a escola é um ambiente carregado de
ideologias, assim intenções pensadas e planejadas são transmitidas como valores aos
sujeitos do processo educativo, esses valores podem vir de um processo pré-
determinado elencado dentro de orientações contempladas num caráter mandatório
(estabelecido) ou num processo ingênuo incorporado pelo próprio professor em face de
sua formação oprimida que resulta num processo de opressão, pois traz em sua prática
fortemente marcada essa concepção. Além disso, apresenta a rica experiência observada
na escola pesquisada e o quanto a apropriação do conhecimento está ligada á resistência
dos processos contraditórios, ao currículo escolar e como as práticas pedagógicas são
permeadas de ideologias, de um projeto de sociedade que atende à uma demanda,
daqueles que se organizam.
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v Programa catalisador de estudos e pesquisas em educação, que articula discussões entre pós-graduação,
licenciaturas e escolas de educação básica, fomentando temas ainda pouco explorados, como educação
especial, indígena e do campo (CAPES, 2016). vi O qual constituiu este estudo.
vii A possibilidade de fechar escolas é uma realidade atual que ronda todos os municípios.
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