Post on 22-Nov-2018
2
A EDUCAÇÃO NO BRASIL HOLANDÊS (1630-1654):
AS INFLUÊNCIAS DA RELIGIÃO CRISTÃ REFORMADA
Márcia Cristina Amaral da Silva
Universidade Estadual de Maringá
1 INTRODUÇÃO
A principal característica deste trabalho é pesquisar o período colonial brasileiro, mais
especificamente o século XVII, a fim de compreender a política educacional e as práticas
pedagógicas utilizadas pelos holandeses quando da invasão e ocupação da colônia por eles,
entre os anos de 1630-1654, visto que era um estado desenvolvido e trazia em seu bojo suas
concepções educativas que redundaram nas artes, arquitetura, peças teatrais e acervos
bibliográficos inestimáveis para uma colônia árida nessas questões. Faz-se importante
ressaltar que os “batavos”1, nestes vinte e quatro anos que permaneceram no nordeste
brasileiro, instituíram a Igreja Cristã Reformada, de bases calvinistas2, como a igreja do
Estado. Este fato é tratado na pesquisa como eixo norteador das análises realizadas, já que
os preceitos dessa religião definiram as ações flamengas assim como foram o suporte das
deliberações realizadas na colônia, quer seja nos aspectos econômicos, políticos, sociais,
morais quanto nos educacionais.
A opção pelo tema se deu pelo entendimento de que, constatado por meio de uma revisão
historiográfica, a historiografia da educação brasileira contém poucos estudos sobre ele.
Como afirma Cardoso (1995) ao analisar as tendências das pesquisas históricas no Brasil, o
período colonial não tem sido objeto de grande interesse, o que leva ao esquecimento de
1 Nome dado aos holandeses na colônia brasileira. 2As idéias de Calvino, reformador do período, fundamentaram a criação de uma igreja cristã. A base calvinista da justificação pela fé afirmava que os motivos eram mais importantes que os atos ou rituais específicos. A fé era um ato do coração e todo homem tinha que indagar a si mesmo a respeito de seus atos e estabelecer um julgamento próprio. Esta confiança individualista na consciência particular de cada um, atraía muitíssimo os artesãos da classe média e os pequenos comerciantes.
3
alguns temas, abandonados sem uma conclusão satisfatória de conhecimento. A opção pelo
presente e pelos objetos emergentes, tendência da historiografia atual, traz à mente a análise
de Bourdieu (2001, p.36), sobre a “hierarquia social dos objetos”, quando sinaliza para o
fato de que a redundância observada nos domínios mais consagrados “é o preço do silêncio
que paira sobre outros objetos”.
Sendo assim, a compreensão da educação e das determinações impostas pela doutrina
calvinista ao status quo do período delimitado, pretende suprir algumas lacunas da
historiografia da educação brasileira. Para tanto, torna-se necessário considerar certos
aspectos fundamentais dos séculos XVI e XVII para uma visão do processo desenvolvido
no espaço de tempo privilegiado para a pesquisa e realizar uma análise dialética3 entre a
educação e as práticas mercantilistas. Além disso, as especificidades do cotidiano dos
holandeses, dos índios, negros e brancos que já habitavam a colônia foram tratadas com o
intuito de desvendar o viés da religião calvinista nessas relações, analisando as obras de
Mello (2001), Schalkwijk (2004) e Pereira (2001). A pesquisa não se pautou em
comparações entre os colonizadores mas estabeleceu seu eixo de análise nas influências da
política educacional e nas práticas pedagógicas utilizadas durante a ocupação holandesa do
nordeste brasileiro. Preocupou-se em não perder de vista as bases teológicas da Igreja
Cristã Reformada4 bem como o pressuposto de que a política educacional holandesa não foi
determinada apenas pelas mudanças estruturais do contexto colonial, mas parte constitutiva
desse, conforme será discutido no decorrer do trabalho.
A conduta holandesa se pautou pelas especificidades de seu ideário, pela política
mercantilista e pelo contexto histórico. O fato de encontrarem uma organização do trabalho
já sistematizada pelos portugueses na colônia brasileira, assim como uma sociedade
conformada aos costumes e tradições ibéricas não pode ser desprezado. Para efetivar tal
3 A análise dialética pretende entender o movimento estabelecido entre e educação na colônia brasileira e as necessidades mercantilistas que trouxeram os holandeses até o Brasil. Compreender o particular em relação ao universal, num continum. 4 As bases teológicas da Igreja Cristã Reformada se assemelhavam às de Santo agostinho. Concebia o universo sob a dependência absoluta da vontade de um Deus onipotente que criou todas as coisas para sua glória. Os homens são pecadores por natureza e alguns, sob a sabedoria de Deus, foram predestinados à salvação enquanto que o restante foi condenado ao inferno. Era uma religião legalista e associava-se aos ideais do novo capitalismo representando a fase mais radical da Revolução Protestante.
4
compreensão, fez-se necessária uma análise das influências que estes novos colonizadores
exerceram na educação e nas concepções pedagógicas com relação à catequese e
evangelização dos silvícolas, verificando ainda como os princípios da religião calvinista
serviram para a exploração econômica. Procurou-se, ainda, compreender de que forma
ocorreu a difusão e a legitimação dos valores culturais dominantes junto à sociedade.
Por meio das obras elencadas para a pesquisa, investigou-se até que ponto a liberdade de
expressão religiosa apregoada pelos holandeses, tanto para católicos quanto para judeus,
serviu como instrumento ideológico para a colonização da nova terra, já que “[...] o mesmo
povo que na sua metrópole se mostrava tão intolerante com os católicos romanos, não era
provável que na América viesse usar de mais generosidade e tolerância com os adversários”
(POMBO, 2003, p.17). Barléus (1980)5, afirma que a ocupação holandesa no Brasil
correspondeu a uma fase de liberdade política, religiosa e comercial. Defende a idéia que,
se Pernambuco resistisse e fosse colonizado pelos holandeses, o Brasil seria um país de
primeiro mundo. Entretanto:
[...] produziu-se o mito da superioridade da colonização holandesa sobre a lusitana. Para mais de historicamente falsa, tal pretendida superioridade origina dois males psicológicos, um, o de desmoralizar injustamente, nos brasileiros, as nossas raízes, outro, o de fomentar-nos uma certa vergonha de nossa identidade cultural [...] (POMBO, 2003, p. iv).
Diante dessa dicotomia que defende uma intenção apologética e tendenciosa é que se presta
esta pesquisa, a fim de tentar desvendar as intenções dos que vieram beirar as costas
brasileiras, quer para realizar uma obra criadora, quer para a rapinagem. Para a execução do
trabalho, seguiram-se as linhas gerais de uma pesquisa documental e bibliográfica,
centradas na análise de fontes como Relatórios de Pesquisa (1885-1886) (PEREIRA, J. H.
D. , 2001) e Classicale acta van Brasilie: A Igreja Cristã Reformada no Brasil (Separata
da RBIHGB, 1914, p. 707 – 780), além de fontes secundárias, como Guia de Fontes para a
História do Brasil Holandês (GALLINDO, M. & HUISMAN, L., 2001) e Igreja e Estado no
Brasil Holandês (SCHALKWIJK, F.L., 2004), nas quais as análises das indagações surgidas
5 Historiador contemporâneo da invasão holandesa na colônia brasileira
5
e abordadas foram refletidas e discutidas a partir da relação dinâmica e recíproca entre
educação / teologia / trabalho.
Torna-se importante salientar que na historiografia brasileira existem trabalhos históricos
de inestimável valor que abordam o período holandês no Brasil. Porém, durante este
percurso, não foi encontrada nenhuma pesquisa que tratasse da educação no contexto
pretendido. Portanto, pode-se considerar que o presente estudo tem um caráter inovador
pois busca nos documentos existentes compilar os dados sobre a educação desenvolvida no
período delimitado. Acredita-se que a partir dele muitas outras pesquisas possam ser
realizadas para contribuir com a História e a Historiografia da educação brasileira.
A perspectiva teórica apontada não pretendeu enquadrar a bibliografia a preceitos
esquemáticos e/ou fragmentados. Optou por investigá-la à luz das relações materiais e das
condições históricas, sem se descuidar da premissa segundo a qual, quando nasce uma nova
sociedade ela deve lutar contra o que permanece da antiga e, para tal, estabelecer um novo
ideário que centralize todas as expectativas de vida que a nova sociedade pode oferecer.
Os tópicos foram desenvolvidos com vistas a enfocar o processo educacional do Brasil-
holandês. No primeiro tópico há ênfase aos aspectos históricos do período, a situação
política, econômica e social da Holanda e as particularidades de Portugal e Espanha em
relação à colônia brasileira. No segundo tópico, elegeram-se as relações entre os holandeses,
católicos e judeus e a “liberdade religiosa” tão propalada pelos flamengos. Nos três tópicos
seguintes foram analisadas, pelo viés da doutrina calvinista, as especificidades educacionais
dos flamengos e suas relações com os índios e os negros, bem como aspectos pontuais da
invasão e da permanência holandesa no nordeste brasileiro por vinte e quatro anos.
A conclusão do trabalho deixa ao leitor questionamentos que suscitam espaços para novas
pesquisas acerca do tema. Entretanto, os resultados buscaram descortinar aspectos
fundamentais do panorama brasileiro por meio de um recorte estabelecido no espaço e no
tempo – Nordeste, 1630 a 1654 - em que as particularidades educacionais são tratadas em
consonância com os modos de produção, o ideário calvinista, os aspectos culturais,
6
políticos e sociais e suas influências na sociedade posta. A partir desses pressupostos,
constatou-se que as especificidades religiosas não alteraram a lógica mercantilista e as
relações subservientes ao capital, mas corroboraram para sua efetivação e manutenção.
2 COLONIZAÇÃO IBÉRICA E HOLANDESA: ASPECTOS FUNDAMENTAIS
Durante os séculos XV e XVI a competição econômica na Europa determinou quase
compulsoriamente a busca de novas vias de comunicação marítima e terrestre e a conquista
de novos mercados. Basta observar o mapa da Europa e concluir que o caminho percorrido
pelas mercadorias vindas das Índias elevava seus preços e dificultava o comércio. Portugal
e Espanha, as maiores potências marítimas da Europa, descortinaram aos europeus novas
terras até então desconhecidas. O desenvolvimento científico das navegações foi fator
determinante para que isto ocorresse e a exploração e colonização desses novos mundos foi
conseqüência do panorama expansionista ultramarino conhecido como o ciclo das Grandes
Navegações ou Descobrimentos. No caso brasileiro, a palavra descobrimento não é muito
adequada pois já se sabia da existência de terras a oeste da Europa.
Os reinos português e espanhol eram católicos e, segundo Burns (1967), o catolicismo era
a religião até então hegemônica na Europa, que exercia influências nas decisões políticas,
econômicas, culturais e sociais do Estado, apesar da supremacia deste sobre o clero.
Entretanto, algumas atitudes da Igreja causaram desconforto a uma parcela dos homens de
então, o que provocou um movimento de cunho político e teológico: a Reforma, que tinha
como finalidade principal, a reformulação da religião. Esse movimento representou uma
ruptura com a estrutura feudal; eclodiu na Alemanha em 1517, liderada por Lutero, um
monge alemão que atacou a venda de indulgências pela igreja católica e exprimiu a
indignação da nação alemã. Este movimento religioso precedeu de múltiplas causas
econômicas e políticas, sendo uma de suas principais conseqüências a difusão da instrução,
para que cada homem lesse as escrituras sem a mediação do clero católico. As
determinações dos reformadores incluíam homens e mulheres de todas as classes sociais, de
camponeses a nobres e o ensino em língua vernácula. A adesão de governantes à nova
7
religião foi considerável, principalmente nos países anglo-saxões, o que facilitou o trabalho
educativo. As contribuições de Lutero merecem destaque pois ele:
No seu rompimento com Roma assumiu uma posição que favoreceu a emancipação popular e a ilustração. Mesmo em seu papel reacionário, não pôde impedir a maré que, como reformador liberal, pôs em movimento; e esta corrente logo ficou além de seu controle. As forças liberais encontraram outros defensores e, apesar de levadas a se ocultarem temporariamente, emergiram em décadas futuras e em circunstâncias mais favoráveis (EBY, 1978, p.67-68).
O movimento reformista rompeu com a hegemonia católica da Europa. Entretanto, os
princípios dos mentores do movimento protestante estavam muito próximos da posição
católica.Um exemplo dessa proximidade se deu por ocasião da revolta camponesa na
Alemanha, em 1524. Lutero escreveu um folheto rancoroso afirmando que os príncipes
deveriam “combater, estrangular e apunhalar...!” Um príncipe merecia o céu pelo
derramamento de sangue mais que por orações! Seu conselho contribuiu para que fossem
assassinados mais de 100.000 camponeses, tudo em nome do zelo religioso.
O princípio do protestantismo, que fundamentou as atitudes religiosas que aprovariam as
práticas econômicas da classe média, era a doutrina segundo a qual os homens eram justos
pela fé e não pelas obras e cabia a cada qual indagar-se acerca da natureza de seus atos.
Essa confiança na consciência individual atraía os artesãos da classe média e os
comerciantes. Foi por meio da interpretação da vontade de Deus pelo indivíduo que os
puritanos espiritualizaram os processos econômicos, crendo que Deus criara o mercado e a
troca. Era necessário o progresso material, sinal externo da salvação.
[...] O valor religioso baseado no trabalho constante, sistemático e eficiente, por iniciativa própria, como o meio mais rápido de se assegurar a salvação e de se glorificar a Deus, tornou-se um poderosíssimo instrumento de expansão econômica. As limitações rígidas do consumo, por um lado, e, por outro, a intensificação metódica da produção só poderiam ter um resultado: a acumulação de capital”. Assim, embora nem Calvino nem Lutero tenham sido um porta-voz da nova classe média capitalista, no contexto do novo individualismo religioso, os capitalistas encontraram uma religião na qual, com o tempo, os lucros passaram a ser considerados uma vontade de Deus, uma marca de Seus favores e uma prova de sucesso em se ter sido chamado (HUNT, E.K., 1981, p.52).
8
O movimento reformista abalou a estrutura econômica da sociedade, assim como a
supremacia da Igreja romana. Esta reagiu com o movimento da Contra Reforma, em 1545,
que tinha o tríplice objetivo: combater o protestantismo, corrigir falhas da Igreja de Roma e
reafirmar seus dogmas doutrinários. Os contra reformistas reorganizaram as escolas6 e a
Igreja mantinha o controle sobre a instrução. O êxito dessas escolas foi atribuído ao labor
dos padres da Companhia de Jesus, admirados pela sua rigidez, organização e fidelidade a
valores como a disciplina e a obediência. Essas escolas, além de formar os jesuítas,
formavam as classes dirigentes e dilatavam a visão de que a educação deveria restringir-se
à elite que seria, um dia, responsável pelo destino da sociedade.
Com receio de perder a colônia brasileira, após trinta anos do “descobrimento”, o rei de
Portugal preocupou-se com a ocupação, em princípio, política do território. Azevedo (1963)
afirma que, tanto a educação como a evangelização brasileiras estiveram atreladas aos
interesses políticos e econômicos dos colonizadores. Estes, advindos de um contexto
expansionista europeu de caráter mercantilista, buscavam no Novo Mundo metais
preciosos. Além disso, os ibéricos traziam em seu bojo a conquista espiritual, pois
precisavam de fiéis para a religião católico-romana, prejudicada pela Reforma Protestante.
Quando os portugueses aportaram no Brasil com o intuito de explorá-lo, em 1530, sabiam
que a colônia oferecia-lhes riquezas naturais e humanas. No entanto, era necessário que o
rei enviasse pessoas hábeis para que os objetivos das duas maiores instituições da época,
Igreja e Estado, entrelaçadas no afã da colonização, fossem alcançados. Desta forma, a
presença dos jesuítas na história colonial foi providencial. Em 1549, chegaram os primeiros
representantes da ordem e sua influência na perpetuação da hegemonia cultural não pode
ser desprezada. Os jesuítas organizaram um trabalho baseado na catequese, para
“domesticar” os índios, prepará-los para o trabalho necessário à demanda portuguesa e
convertê-los ao catolicismo. A supremacia dos jesuítas, segundo Azevedo (1963) perdurou 6 Elas, além de formar os próprios padres, formavam as classes dirigentes e dilatavam a visão de que a universalidade da educação era inócua, devendo restringir -se às elites que seriam, um dia, responsáveis pelos destinos da sociedade. Assim, seus fins eram elitistas em todos os sentidos. As escolas da Ordem eram particulares, pagas e caras, e os alunos cuidadosamente selecionados. A prioridade era dada à memorização e o latim, a língua da elite acadêmica, proibindo-se o vernáculo que só poderia ser falado nos recreios ou aos domingos.
9
até a Reforma Pombalina (séc. XVIII). Porém, é necessário frisar que seus esforços não
ficaram presos à visão idílica de Caminha sobre os silvícolas como a ingenuidade e
docilidade. Estruturadas na colônia relações em bases escravistas, foi na instância
ideológica que se persuadiria o índio a participar desse processo. Nessa ótica, a
ideologização do projeto colonial consubstanciou-se na ação evangelizadora exercida pelos
religiosos junto aos indígenas. Portanto, torna-se obrigatório concordar que “[...]A Igreja
ajudou a enorme massa de desprovidos de bens materiais a pensar como o desejavam os
donos do poder, e não como requeria a sua condição material no processo
produtivo”(MEDEIROS, 1981, p.34).
Em meio à colonização ibérica, os Holandeses ocuparam o nordeste brasileiro entre os anos
de 1630 a 1654. É preciso ressaltar que a Holanda era um país calvinista, herdeiro da reforma
luterana. Vinha de um período de guerra contra a Espanha, impedido de participar do
comércio ultramarino. Conhecedores das costas brasileiras e do açúcar produzido em
Pernambuco, tomaram a capitania colonizando-a, disseminando sua cultura, política,
costumes e religião. Não que a ocupação tenha sido fácil, ou que os portugueses não
resistissem aos seus ataques, porém, apesar das adversidades enfrentadas, os holandeses
lutaram para se estabelecer na capitania e dela tirarem frutos. Sabiam os batavos que:
Nas colônias, a coisa é diferente. Nelas, o regime capitalista esbarra no obstáculo do produtor que, possuindo suas próprias condições de trabalho, enriquece com seu trabalho a si mesmo e não ao capitalista. A contradição entre esses dois sistemas econômicos diametralmente opostos se patenteia, na prática, na luta que se trava entre eles. Quando o capitalista se apóia no poder da mãe-pátria, procura afastar do caminho, pela força, o modo de produzir os bens e de apropriar-se deles, baseado no trabalho próprio. O mesmo interesse que, na mãe-pátria, induz o sicofanta do capital, o economista político, a identificar teoricamente o modo capitalista de produção com o modo oposto, leva-o, nas colônias, a confessar tudo e a proclamar bem alto o antagonismo entre os dois modos de produção. (MARX,1989, p.884).
A obtenção da hegemonia em processos históricos como o que se pesquisa depende do uso
da força pelo grupo que pretende tornar-se dominante, bem como a obtenção de um
“consentimento” a respeito da nova situação pelos habitantes da terra. Em outras palavras,
para que predominassem, era preciso que os padrões da colonização fossem “aceitos” pelos
10
próprios dominados, mesmo constituindo estes a maioria. Nesse movimento de obtenção de
hegemonia, a incorporação dos valores culturais dos dominantes era fundamental. Porém,
para Rodrigues (1949) não se deve desconsiderar o fato de que os holandeses tiveram que,
além de aculturar índios e negros, se confrontar com a cultura ibérica já estruturada na
colônia. Importa ressaltar que os “batavos” não ficaram imunes às novas culturas contatadas;
receberam influências dos negros, índios e brancos, mas procuraram fazer da sua, a cultura
dominante. Montaigne (1533-1592), um dos grandes nomes do humanismo moderno, em sua
obra Os Ensaios, questiona a qualificação de bárbaros impingida pelos europeus aos índios
americanos. Num deles, “Dos canibais”, encontramos a seguinte consideração:
[...] acho que não há nessa nação nada de bárbaros de selvagem, pelo que me contaram, a não ser porque cada qual chama de barbárie aquilo que não é de seu costume; como verdadeiramente parece que não temos outro ponto de vista sobre a verdade e a razão a não ser o exemplo e o modelo das opiniões e usos do país em que estamos. Nele sempre está a religião perfeita, a forma de governo perfeita, o uso perfeito e cabal de todas as coisas. Eles são selvagens, assim como chamamos de selvagens os frutos que a natureza, por si mesma e por sua marcha habitual, produziu; sendo que, na verdade, antes deveríamos chamar de selvagens aqueles que com nossa arte alteramos e desviamos da ordem comum (MONTAIGNE, 2000, p. 307- 308).
Os holandeses encontraram a colônia brasileira povoada e violentaram as tradições e a
cultura dos colonizados. Apenas se somaram aos outros na exploração da ordem emergente
do capital em uma terra supostamente sem dono.
Enquanto ingressou Portugal no Brasil com o seu aparelho político-administrativo e com a sua gente, portanto com o seu Estado e com o seu povo, ingressou o holandês com uma empresa mercantil. Enquanto os esforços de instalação do elemento humano, de sua organização e de criação de riqueza pertenceram ao português, uma vez constituído Pernambuco em zona próspera da colônia, mais trabalho não desenvolveu o holandês do que o de ocupá-la à força [...] para servir-se da obra e da riqueza alheias (POMBO, 2003, p. III-IV).
Mello (2001) afirma que os holandeses buscavam a hegemonia econômica, política, religiosa
e cultural que não conseguiram de maneira pacífica. Houve a resistência ibérica, indígena,
negra e judaica. Entretanto, lutaram pela supremacia do poder e, mesmo em meio às lutas,
11
pode-se vislumbrar a importância desse período em que a colônia brasileira foi ocupada
pelos flamengos: sua arquitetura, os sobrados estreitos, o uso dos tijolos holandeses, os
hábitos alimentares, suas relações com a colônia e a metrópole, as plantações de cana e os
engenhos de açúcar, a religião calvinista, o catolicismo, o clero e as outras ordens religiosas
estabelecidas. O contato diário era propício pra um estreitamento entre as diversidades
culturais, porém não se pode negligenciar o fato de que a hierarquia econômica foi
determinante para o encadeamento das relações sociais pautadas pela reprodução do capital.
3 HOLANDESES, CATÓLICOS E JUDEUS – A LIBERDADE RELIGIOSA E SUAS
PARTICULARIDADES
O Brasil holandês era formado por um ecletismo de povos e uma infinidade de cristãos
novos, oriundos da Península Ibérica e do Norte da Europa, que para aqui vieram, sonhando
com a possibilidade de uma vida diferente da que tinham. Para esses povos, a colônia
brasileira oferecia possibilidades de riqueza e liberdade religiosa, fator que mais agradava
aos judeus, já que tinham que viver no continente europeu escondendo suas origens, a fim
de não serem pegos pela Inquisição.
[...] de entrada no Recife, proclamou Nassau que todos os cultos seriam livres; e sabe-se que os seus sentimentos e as suas idéias não admitiam restrições em semelhante matéria. Ainda ao retirar-se da colônia ...não se esqueceu de aconselhar, com aqueles que os protestantes chamavam invariavelmente de papistas, toda condescendência, dizendo mesmo que “no Brasil a tolerância era mais necessária do que entre qualquer outro povo” [...] Se bem que se tratasse apenas de tolerância, e como concessão de prudência e boa política [...] (POMBO, 2003, p.17-18).
Porém, foi no terreno religioso que as relações entre holandeses e brasileiros se
estremeceram. Segundo Medeiros (1981), os padres e frades faziam propagandas contra os
invasores Era uma época em que Estado e Igreja se confundiam nos seus papéis. Lutar pelo
serviço de Deus era lutar pelo rei. Logo, os holandeses consideravam os católicos como
seus inimigos e, diferentemente de sua conduta inicial que preconizava a liberdade
religiosa, foram restringindo-a, já que ela lhes pareceu prejudicial à segurança do Estado.
12
Expresso nas Classicale Acta van Brasilie: A Igreja Cristã Reformada no Brasil (Separata
de RIHGB, 1914, p. 707 – 780), encontram-se inúmeras reclamações dos predicantes a
respeito da excessiva liberdade de culto dada aos católicos pelas autoridades holandesas.
Nassau reconhecia que a tolerância seria mais necessária ao Brasil do que a qualquer outro
povo a que se tenha concedido a liberdade de credo, pois logo compreenderam os
holandeses o perigo que os padres representavam para a segurança da colônia por pregarem
uma guerra contra os calvinistas e os cristãos novos.
Os holandeses se relacionavam com um significativo número de cristãos novos na colônia
brasileira. Com a declarada liberdade de culto proclamada, a maioria deles retomou seu
nome de batismo e reafirmou sua doutrina judaica. Porém, essa liberdade dada a eles sofreu
represálias dos predicantes reformados que sabiam que os israelitas estavam em desacordo
com o que lhes era permitido na colônia, em relação à manifestação de seu culto religioso.
Como se vê nas atas enviadas ao Supremo Conselho na Holanda:
8- [...]da excessiva liberdade e audácia dos Judeus, os Deputados referem que apesar de S. Ex. e do Supremo Conselho declararem que os Judeus não têm tal liberdade e encarregaram, portanto, de sua repressão ao fiscal, comtudo a sua audácia augmenta cada vez mais, tanto no recife como na Parayba, onde têm à disposição o esculteto, que tratou da pretensa liberdade.Sendo esse abuso completamente escandaloso e prejudicial aos fins e à honra de Deus, os Deputados são novamente encarregados de tratar com S. EX. e o Supremo Conselho, afim de que se dignem reprimir tal audácia.(CLASSICALE Acta van Brasilie: A igreja Cristã Reformada no Brasil. Separata da RIHGB, 1914, p.734).
Mas, mesmo com toda a advertência dada pelos pastores e apesar de contrariarem a ordem
posta, tiveram os judeus certas regalias no Brasil – Holandês já que eram especialistas em
corretagem. Esse fator, tão lucrativo e benéfico a priori, motivou um movimento anti-
semita no Recife do século XVII que trouxe prejuízos para a estabilidade judaica na colônia
brasileira, além de uma situação de discriminação sem reservas. A vantagem que os judeus
encontravam diante dos holandeses era sua familiaridade com a língua dos naturais da
colônia; não tinham dificuldade em obter emprego ou em realizar negócios que passavam
sempre por suas mãos As atividades comerciais praticadas por eles eram lucrativas e
somente o que não lhes interessava era permitido que fosse entregue aos holandeses que
não os apoiavam, pois se viam prejudicados nas negociações comerciais.
13
No Brasil, de acordo com Mello (2001), os judeus gozavam de muitos direitos que em
Amsterdã não lhes eram concedidos. A cobrança de impostos sempre foi uma de suas
atividades preferidas, o que lhes criou antipatias por parte dos lavradores e senhores de
engenho. Também participavam ativamente do comércio de escravos, pois tinham reservas
financeiras e podiam comprá-los à vista, o que era conveniente à Companhia das Índias
Ocidentais. O pagamento à prazo, única forma encontrada pelos senhores de engenho e
lavradores para a aquisição dos escravos, não era interessante para a Companhia, já que
muitos faliam e não terminavam de saldar suas dívidas. Desta maneira, inúmeros donos de
engenhos, geralmente endividados, preferiam abandonar suas terras a se deixar explorar
tão cruelmente pelos judeus.A nação judaica era numerosa e havia no seu seio pobres que
se enforcavam para escapar aos credores ou fugiam pelo mesmo motivo. Após a guerra da
restauração, quando os portugueses retomaram o nordeste para si, muitos judeus viram-se
na contingência de pedir esmolas. Foram-lhes dados três meses para que deixassem a
colônia e muitos fugiram para a América Central ou voltaram à Holanda. Conforme se
encontra nas Nótulas de 1654:
[...] o Supremo Conselho holandês, tendo-se dirigido a Francisco Barreto para pedir-lhe que permitisse aos judeus permanecerem no Brasil até que liquidassem seus negócios, o mestre- de- campo português respondeu negativamente, dizendo-lhe que, apenas expirasse o prazo de três meses concedido aos holandeses para embarcarem para a Holanda, ele não poderia obstar que o vigário geral lançasse mão dos judeus portugueses e os entregasse à inquisição(PEREIRA, J. H. D., 2001, p. 119-120).
O fim do Brasil-holandês trouxe consigo o retorno à supremacia do catolicismo junto com o
domínio português em toda colônia brasileira. Banidos, calvinistas e judeus, ficou apenas a
recordação de um tempo de lutas, quer pela hegemonia econômica, quer pela religiosa. No
tópico seguinte as considerações acerca dos aspectos educacionais serão detalhadas de
forma a conduzir o leitor a um período de contradições e abandono da metrópole holandesa
em relação à colônia brasileira.
4 O BRASIL-HOLANDÊS E AS ESPECIFICIDADES EDUCACIONAIS
14
Muito embora o Brasil tivesse nascido como colônia portuguesa, a partir de 1580, de
acordo com Burns (1967), isto mudou. Portugal passou a integrar o império espanhol
durante sessenta anos e a colônia brasileira foi puxada para a órbita dos conflitos da
Espanha. Esta travava uma guerra político-religiosa com a Holanda, local em que a religião
calvinista era predominante. A essência da teologia de Calvino preconizava o universo sob
a dependência de um Deus onipotente que predestinou alguns à salvação e condenou o resto
ao inferno. Nada que fizessem poderia alterar-lhes o destino. Para Calvino, isso não
significava que o cristão devesse descuidar de sua conduta na terra. Se fosse um dos eleitos,
Deus incutiria nele o desejo de fazer o bem, um caráter de elevada moral e vontade de
auxiliar os maus, a despeito da certeza de que estes nunca poderiam ser salvos.
Pelo exposto, conclui-se que Calvino não encorajava os fiéis a descansarem. Santificou os
empreendimentos dos comerciantes e valorizou as virtudes da economia e da diligência,
ideais associados à ordem mercantilista. Burns (1967) afirma que a popularidade dessa
religião expandiu-se pela maioria dos países europeus. A preocupação com a educação se
estampava na promulgação de leis severas acerca da obrigatoriedade escolar em Genebra.
Era a religião da burguesia, ainda que atraísse fiéis de outras esferas sociais. Acenava com
uma posição democrática e igualitária, entretanto, seus ideais eram políticos e o impulso
dado pelos calvinistas à Holanda proporcionou a expansão da política mercantilista e
colonialista e a busca pela acumulação de capital, ratificado pelos ideais burgueses.
Mesmo sendo uma nação empreendedora incentivada pelas concepções reformadas, a
Holanda enfrentou um entrave: a Espanha proibiu sua participação no comércio
ultramarino. Sufocados pela falta de matéria prima, voltaram seus olhos para o Brasil.
Sabiam ser preciso desbravar os oceanos e, apesar da sua navegação ter se iniciado um
século depois da dos ibéricos, os holandeses foram exímios navegadores; um assunto
tratado até nos púlpitos calvinistas :
Havia um grande interesse generalizado nessa empresa, mesmo entre os pastores. O primeiro ministro flamengo a servir na cidade de Amsterdã,(1585-1622), o rev. Petrus Plancius, ensinava, inclusive, a arte de navegação do seu púlpito aos marinheiros, durante a semana. Era um dos propulsores da organização das companhias comerciais como
15
instrumento eficaz no combate contra a Espanha e divulgação do cristianismo (SCHALKWIJK, 2004, p.46).
O período holandês, no Brasil, de acordo com Schalkwijk (2004), foi uma continuidade da
luta travada na Europa entre os reis da Espanha e os seus súditos rebelados das províncias
holandesas. Os flamengos organizaram duas companhias para maior cooperação e proteção
contra os espanhóis: a das Índias Orientais e a das Índias Ocidentais. A área desta última
era o Atlântico e sua diretoria, composta por dezenove membros - “Senhores Dezenove” -,
representava as cidades cooperadoras, da qual Amsterdã era a principal.
O autor relata que, sabedores de que as maiores riquezas da Espanha provinham das
Américas, os holandeses pensaram não somente em viagens corsárias, mas em conquistar
parte das colônias espanholas. Para isto fortaleceram a Companhia das Índias Ocidentais a
fim de uma ação militar coordenada para alcançar o monopólio mercantil do Atlântico.
Nesta época, Salvador, Rio de Janeiro e Olinda formavam os três principais centros urbanos
da colônia brasileira. Salvador foi escolhida pelos holandeses como base de ataque às frotas
ibéricas, em 1624, mas foram expulsos no ano seguinte. Entretanto, a riqueza da capitania
de Pernambuco era conhecida em todos os portos do Velho Mundo pelos seus 121
engenhos de açúcar. Logo, em 1630, invadiram Pernambuco.
Senhores da terra, os holandeses escolheram a povoação do Recife como sede dos seus domínios no Brasil, por ter nesta praça a segurança de que não dispunham em Olinda, esta, por ser aberta por muitas partes e incapaz de defesa. Na noite de 25 de novembro de 1631, resolveram os chefes holandeses pôr fogo na sede da capitania de Pernambuco, a infeliz vila de Olinda tão afamada por suas riquezas e nobres edifícios, arderam seus templos tão famosos, e casas que custaram tantos mil cruzados em se fazerem (SANTIAGO, 1984, p. XII).
É uma história que, segundo Schalkwijk (2004), pode ser dividida em três partes:
inicialmente a resistência portuguesa por sete anos (1630-1637), depois a resignação desses
durante o governo de Nassau por quase oito anos (1637-1645) e, finalmente, os nove anos
da guerra da restauração. Portanto, “empurrados” pelo capital, os holandeses se
estabeleceram como colonizadores em uma terra de costas já capitalizadas pelo pau-brasil e
pelos torrões de açúcar produzidos nos engenhos construídos pelos ibéricos. Encontraram
16
uma população mesclada, principalmente, por portugueses, negros, índios e judeus, cada
qual com suas especificidades étnicas. As características flamengas se somaram à cultura
existente e uma nova hegemonia de padrões foi estabelecida.
Juntamente com a disseminação cultural, os interesses econômicos incentivaram a
ocupação holandesa no Brasil. Porém, de acordo com Galindo & Huisman (2001), os
“batavos” utilizaram a ideologia da doutrina calvinista para conseguir seus intentos, isto é,
o ideário “capitalista” emergiu velado nas ações que se estabeleceram em busca de lucro e
riquezas, legitimadas pela suposta vontade de Deus. Eles eram seus “eleitos”, logo
mereciam êxito nos negócios. Respaldados por essa ideologia, não tiveram receio de agir
em nome de seus interesses e ideais. A colônia deveria ser explorada a fim de contribuir
para o crescimento econômico da Holanda e para o declínio do poderio espanhol. Os
holandeses não almejavam o desenvolvimento colonial mas, sim, a exploração econômica,
fato que também pode ser constatado no que se refere ao trato com os indígenas.
5 OS ÍNDIOS E O SISTEMA EDUCACIONAL HOLANDÊS
A aculturação e o predomínio da cultura ocidental cristã na dominação do Novo Mundo,
como escreveu Darcy Ribeiro (1995, p.59), foram exercidos até 1759, por duas forças
opostas; “[...] de um lado a dos colonos, à frente de seus negócios; do outro, a dos
religiosos, à frente de suas missões”. Em princípio cresceram paralelamente, mas depois o
contraste converteu-se em conflito aberto, cujo desfecho foi a expulsão dos jesuítas.
A conduta flamenga, também, se pautou por essa dualidade de interesses. A Companhia das
Índias Ocidentais visava a exploração econômica e política da terra enquanto que a Igreja
queria a conversão dos colonos à sua fé. Não houve cisão entre a religião e o Estado,
porém, nos documentos consultados encontra-se a expressão de insatisfação dos religiosos
em relação aos propósitos dos governantes para a colonização brasileira. O contato dos
holandeses com os índios ocorreu durante a invasão da Bahia (1624-1625).
[...] a perda da Bahia foi, para os holandeses , um preparo direto para o futuro trabalho missionário entre os indígenas no Nordeste. Quando a
17
frota holandesa [...] chegou, era tarde demais, havendo já a cidade sido reconquistada pelos portugueses e espanhóis em uma “guerra santa”, e posteriormente navegou para o norte, em busca de um lugar onde pudesse reabastecer antes de zarpar para as ilhas Caribes. Aportaram na baía da Traição, [...] os “brasilianos locais...quiseram embarcar, mas apenas seis moços o conseguiram [...] permaneceram durante cinco anos nos Países Baixos [...] aprenderam a ler e a escrever, sendo instruídos na religião cristã reformada (SCHALKWIJK, 2004, p.207-208).
O interesse europeu pelo índio devia-se ao movimento do romantismo naturalista.
Interessava aos holandeses sustentar e educar os indígenas brasileiros a fim de prepará-los
para a conquista de outras terras. Porém, não há documentos suficientes para as pesquisas
sobre a vida desses índios na Holanda. Segundo Mello (2001), eles andavam pelos meios
universitários e pelo mundo dos negócios e, na invasão de Pernambuco, foram usados como
“línguas7” no contato com seus compatriotas. No período da invasão, o número de índios
litorâneos era reduzido. Entre eles, a Igreja Cristã Reformada iniciou o trabalho missionário
de evangelização, recebendo apoio do governo holandês, inclusive por motivos políticos:
precisava dos índios na luta contra os portugueses.
A política dos holandeses para com os índios do Brasil foi sempre protetora e paternal. Eles os consideravam como péssimos inimigos, que podiam comprometer a segurança da colônia, e , por outro lado, como utilíssimos aliados pelo medo que essas hordas selvagens incutiam nos portugueses durante a guerra.[...] libertaram os índios escravizados durante o domínio da Espanha (PEREIRA, 2001, p.123-124).
Estava claro que o tratamento conferido aos “brasilianos”8 deveria ser caracterizado por
muita liberdade, se constituindo, inclusive num dos capítulos fundamentais da
“Constituição do Brasil Holandês”. Além dos motivos morais e políticos, confirma
Schalkwijk (2004) que havia uma identificação dos flamengos com os índios, pois os dois
povos eram oprimidos pela Ibéria e sofriam os mesmos males dessa perseguição. A própria
Holanda estava se libertando e o mesmo deveria acontecer com os silvícolas. Logo, os
holandeses trataram de por em liberdade os indígenas que se encontravam em mãos
portuguesas. Entretanto, por mais estreita que fosse a amizade entre holandeses e índios,
7 Sinônimo de tradutores 8 Nome conferido aos índios pelos holandeses.
18
nunca admitiram aqueles que se pudesse criar entre as duas raças laços mais firmes do que
os da aliança militar. O maior interesse estava no espírito guerreiro dos nativos brasileiros.
Nada de querer fazer das índias caseiras ou mesmo mulheres legítimas. Essas ligações não foram favorecidas ou mesmo vistas com bons olhos pelo governo flamengo. Se os commandeurs, chefes de aldeias, mestres-escolas holandeses e aventureiros de vários tipos devem ser – como parece que são – responsáveis em parte pelos mestiços [...] estas relações parecem ter merecido tanto do Supremo Conselho como do Conselho Eclesiástico e dos predicantes reprovação (MELLO, 2001, p. 221).
Schalkwijk (2004) relata que o ministério da educação foi uma das marcas da ocupação
holandesa do nordeste brasileiro, iniciado 1638. A Holanda sempre quis que sua língua
fosse ensinada nas aldeias, por isto contratou professores holandeses com filhos a fim de
que os “brasilianinhos”, no decorrer do tempo e pela conversação com os filhos dos
mestres, pudessem aprendê-la. Mas ocorreu que os holandesinhos aprenderam o tupi antes
que os “brasilianinhos” aprendessem o flamengo. Entretanto, apesar do empecilho da
língua, o setor de ensino desenvolveu-se e necessitou de mais professores. Como da
Holanda não provinham muitos recursos para esse fim, os colonizadores resolveram a
situação à sua maneira. Determinou-se, então”:
[...] que na aldeia [...] havia “um brasiliano razoavelmente experimentado nos princípios da religião, e no ler e escrever”, e capaz de instruir os índios. [...] que esses índios fossem nomeados professores nas aldeias, solicitando-se para eles um modesto salário. [...] Concordaram, prometendo um salário de 12 florins mensais. [...] Oito meses depois [...] professores indígenas estavam trabalhando nas aldeias [...] O antigo alvo da Companhia , de ter obreiros indígenas, estava surgindo no horizonte (SCHALKWIJK, 2004, p. 240-241).
A instituição que mais colaborou para o desenvolvimento educacional na colônia brasileira
foi a Igreja Cristã Reformada. Realizou uma obra missionária junto aos indígenas em que,
além da pregação, ensino e beneficência, traduziu o catecismo para a língua nativa e tinha
planos para a tradução da Bíblia e ordenação de pastores indígenas, intentos interrompidos
pela guerra da restauração portuguesa. Nas Atas dos Sínodos do Brasil há várias provas da
preocupação dos pastores com índios no que concerne a sua educação e evangelização:
19
6- Visto também convir que os predicantes se interessem pela catechese dos índios portuguezes e negros [...] deve-se fazer um resumido catechismo na língua hespanhola com algumas orações. Sendo D. Joachimus Sloer encarregado dessa empresa, declarou já ter feito um esboço desse pequeno livro.[...] solicite a S. Ex. e ao Supremo Conselho se dignem manter alguns índios no Recife á custa da Companhia, afim de que sejam instruídos na egreja da Religião Christã, [...] estabelecer mestres de escolas, tanto hollandezes como índios, si for possível nas aldeias de índios (CLASSICALE Acta van Brasilie: A Igreja Cristã Reformada no Brasil. Separata da RIHGB, 1914, p. 714-715).
Os indígenas aceitavam os preceitos da religião reformada, batizavam seus filhos, faziam
as orações e cantos diários e ouviam a palavra de Deus assim como as admoestações dos
predicantes. A esses parecia que a implantação da Igreja Cristã Reformada na colônia
brasileira estava sendo realizada com êxito. Porém, perceberam que o trabalho feito com os
indígenas adultos não dava frutos duradouros; consideravam-nos desinteressados e pouco
religiosos. A política de conversão ao Cristianismo por meio da catequese esbarrou na
concepção de mundo, enraizada na alma do índio adulto, pois lhe era impossível aderir aos
preceitos religiosos sem renunciar aos principais elementos culturais da sua sociedade.
Os predicantes concluíram, então, que o trabalho direcionado aos jovens poderia ser
frutífero já que eles eram mais maleáveis que os adultos. Em razão dessa dificuldade a
atenção deslocou-se para as crianças, tônica da missão evangelizadora holandesa. Os
holandeses perceberam a vantagem de primeiro conquistar a alma da criança, para que
então ela própria se constituísse um obstáculo aos “maus costumes” dos pais. A solução
encontrada pelos holandeses se pautou no fato de que
Os brasilianos têm pouco conhecimento da religião cristã, a não ser recitar padres-nossos e ouvir missas [...] A solução parecia ser [...] retirar os meninos da companhia dos pais ou pelo menos afastá-los deles...as escolas seriam antes uns internatos: Nessas escolas eles teriam a alimentação a aí dormiriam, proibidas as saídas, exceto aos domingos, quando iriam à igreja [...] Aos pais seria consentido visitar os filhos na escola uma vez por semana [...] (MELLO, 2001, p.222-223)
Esses curumins iam para os internatos por volta de cinco ou seis anos e de lá sairiam aptos
a ler, escrever, orar, conhecedores da profissão de fé, dos dez mandamentos, dos cânticos e
20
salmos, do catecismo da Igreja Reformada e iniciados nos fundamentos da religião cristã.
Os holandeses visavam um ensino leigo, uma educação tal qual a de um jovem holandês do
seu tempo. A língua ensinada seria a holandesa e junto com os preceitos da religião
ocorreria, segundo os flamengos, a união de sua nação com os ameríndios. Porém, quando
puseram em prática esses princípios, viram os holandeses que os obstáculos eram
intransponíveis. Os índios não aceitaram a separação de seus filhos, esqueceram as lições
dos pedagogos flamengos e se revelaram tão bárbaros como antes, segundo a visão dos
invasores. Os holandeses cederam quando viram que o trato com os índios não era tão fácil
como parecia. Concluíram, então que, para a finalidade da colonização, mais útil seria
escravizar do que converter. A hegemonia do capital deveria sobrepujar as consciências,
quer pela força ideológica, quer pela força física. Não sendo possível por uma via, se
recorreria à outra. O importante era que as relações de produção de base mercantilista se
edificassem e sobrepujassem qualquer barreira que pudesse entravar sua lógica reprodutiva.
As tribos indígenas que os europeus aqui encontraram não conheciam a propriedade
privada da terra; ela era de todos. A economia era de subsistência e as condições materiais
de existência estavam assentadas em atividades econômicas mistas: “[...] a caça, a pesca, a
coleta de plantas e frutas nativas, de ovos e filhotes de pássaros, a horticultura [...]”
(FERNANDES, 1989, p.81). Ao contrário dos europeus, que conviviam com as atividades
econômicas de um mercado mundial criado pelo capital, os índios brasileiros viviam uma
economia comunal. Essa característica marcante da civilização indígena não poderia ser
desconsiderada pelos holandeses, mas a subserviência ao capital foi determinante para que
os batavos subjugassem os indígenas aos seus propósitos.
Diante desse paradoxo, os predicantes da Igreja Cristã Reformada tentaram proporcionar
aos índios uma colonização pautada pelas concepções teológicas da religião calvinista. Os
interesses pela amizade dos indígenas iam mais longe que o simples “respeito” pela sua
cultura e costumes. Os holandeses sabiam-se vulneráveis aos ataques ibéricos e tinham nos
índios os aliados perfeitos para sua defesa. No entanto, subjugaram-nos pelo ritual da
catequese cristã, diante da cultura européia reduziram seus valores societários ao residual
de algumas atividades culturais toleradas pelos pastores. Os preconceitos etnocêntricos
21
inerentes ao projeto colonizador holandês impediam, pelo uso da violência
institucionalizada, a manifestação dos comportamentos tribais tradicionais, entretanto, no
caso dos negros, a conduta holandesa se pautou por outros princípios.
6 OS NEGROS E O SISTEMA EDUCACIONAL HOLANDÊS
Mello (2001) relata que por onde se estendeu a cultura da cana-de-açúcar ia-lhe em
seguimento o tráfico de escravos. Muitos historiadores enfatizaram que, entre nós e em
outras áreas da América nas quais predominou o fabrico do açúcar, a cultura da cana não
teria sido possível sem o esforço do escravo negro. Quando chegaram em Pernambuco, já
encontraram os holandeses um tráfego intenso de navios negreiros entre essa capitania e a
África. A formação religiosa dos Países Baixos acolheu com reservas a escravidão.
[...] é um engano supor que os espanhóis com os seus escravos obterão maiores lucros nos seus negócios do que nós: diz-se comumente que com cachorros ruins não se pegam coelhos; do mesmo modo, o trabalho constrangido em pouco resulta. Um só homem deste país trabalha mais do que três negros[...] (MELLO, 2001, p.184).
De início, os holandeses pretendiam substituir o trabalho escravo pelo trabalho livre, apesar
de saberem que homens para esse fim não sairiam da Holanda. Diferentemente dos
ibéricos, nos Países Baixos era escasso o que denominavam de “homens livres”9. A
economia holandesa era estável e eram raros os homens que se sujeitavam a se aventurar
por terras longínquas na intenção de enriquecer.
Azevedo (1963) afirma que quando Portugal e Espanha procuraram novos mundos para
ampliar o comércio, sobejavam em suas sociedades homens sem trabalho e sem perspectiva
de ascensão econômica. Essa parcela da população colaborava com o Estado e enchia os
navios que saíam à procura de rotas e terras para exploração. Seguia convicta de que
poderia mudar sua sorte, arriscava-se nos mares e se estabelecia nas colônias capturadas,
como lordes e senhores.
9 Homens sem trabalho, sem terra, sem profissão.
22
Numa situação adversa, os holandeses não tiveram escolha. O comércio de escravos
realizado na África por portugueses e espanhóis, experientes nesse ramo lucrativo, serviu
de exemplo aos flamengos. A aceitação da escravatura por eles foi uma necessidade
histórica, dirigida pelo ideário mercantilista. Os holandeses se tornaram, com o correr do
tempo, um dos maiores participantes neste tráfico. Alguns pastores não concordavam com
esta atitude, pois era contraditória aos preceitos da Religião Cristã Reformada.
Vêem –se agora escritores, tanto flamengos como estrangeiros, a justificar aquilo como próprio do século... E nem se teria dúvida de certo em aceitar a justificativa se os holandeses não pretendessem excluir-se do número dos viciados; e ainda mais, se não tivessem posto o seu amor ao lucro à prova de excessos muito mais lamentáveis do que tudo que se tinha visto até então. De entrada em Pernambuco proclamaram livres os negros. Depois restringiram a libertação aos escravos de senhores que se mostrassem refratários ao domínio dos intrusos. Em seguida, foi derrogada essa mesma restrição, autorizando-se a pega de negros... como um negócio. O Conselho Supremo chegou a contratar a apanha de escravos que tivessem pertencido a colonos emigrados (era, portanto, uma perfeita re-escravização) recebendo o contratante uma quantia certa por peça [...] (POMBO, 2003, p.20).
Os pastores e predicantes que serviram à Religião Cristã Reformada pouco expressaram
suas opiniões nas questões políticas, mesmo no que se referia à escravidão. Defendiam a
educação, a liberdade de pensar e a separação entre Estado e Igreja, entretanto suas
convicções eram contraditórias. Suas atividades não estiveram voltadas às mudanças da
ordem social nem tampouco ao questionamento da desigualdade social.
[...] A atitude dos holandeses para com os escravos negros seguiu a dos brasileiros e portugueses, que se pode afirmar ter sido humana. Com exceções, claro é, que não invalidam a afirmativa. Somente a atitude oficial ou a dos ministros protestantes destoou da adotada pelo governo português e pelos religiosos católicos. Procuraram os holandeses manter as populações, branca e de cor, afastadas, profilaticamente afastadas. Os próprios pregadores reformados, os predicantes, não demonstraram maior interesse pela sorte dos negros; mais de uma vez trataram da educação religiosa deles, mas nunca chegaram a realizar qualquer coisa de efetivo neste sentido. Se bem que cada ministro protestante tivesse os seus negros, [...] a maioria deles não revelou qualquer simpatia pela condição dos escravos (MELLO, 2001, p.195).
23
Os predicantes ensinavam aos homens daquele tempo, inclusive aos negros, que nem todos
seriam beneficiados por Deus nessa vida. Alguns haviam sido eleitos por Ele e os demais
deveriam se conformar com as vicissitudes que sofriam pois, após a morte encontrariam os
méritos por uma vida sofrida e digna na Terra. Submissos pela sua condição, acorrentados
sem opção de fuga ou até mesmo de constituir uma organização social num local distante
de suas raízes, a maioria dos negros viveram uma vida servil, expropriados de sua cultura,
de sua individualidade, dignidade, de sua língua e identidade.
Muitos negros serviram ao lado dos holandeses como soldados; alguns foram alforriados.
Nos engenhos seu trabalho era fundamental, as autoridades holandesas sabiam que não
poderiam contar com os índios ou mesmo com os moradores da colônia para manejá-los.
Logo, deveriam se servir dos negros, pois “[...] sem escravos não seria possível fazer
alguma coisa no Brasil... se alguém sentir-se nisto agravado, será um escrúpulo inútil[...]”
(CLASSICALE Acta van Brasilie: A Igreja Cristã Reformada no Brasil. Separata de
RIHGB, 1914, p. 726). Apesar da proibição do trabalho aos domingos pela Igreja Cristã
Reformada, os colonos e mercadores holandeses não a respeitavam e faziam seus escravos
trabalharem. Mediante as atrocidades a que eram submetidos, muitos negros fugiram para
os quilombos, fato que marcou a ocupação holandesa por todo período. Fica clara que a
atitude dos holandeses para com os negros era baseada na acumulação de capital.
Houve tentativas de se ensinar ofícios aos escravos. Os mestres seriam os artífices
holandeses e, desta forma, se conseguiria lucros maiores nos engenhos “[...] para evitar
despesas com holandeses pusemos negros para trabalhar no estaleiro e nas ferrarias, para
aprenderem ofício. Mas a estupidez deles não permite que cheguem à perfeição nos
trabalhos”(MELLO, 2001, p.202). Portanto, não ficaram os flamengos satisfeitos com a
atuação dos escravos e desistiram de ensinar-lhes ofícios mais promissores. Certamente o
tráfico de escravos e seu trabalho nos engenhos eram mais rentáveis.
Paralelos à organização social do trabalho, os missionários atuaram na educação dos
negros. As estratégias usadas tinham como objetivo a transformação da sociedade. Para tal,
os partidários da Reforma tinham o projeto de conquistar mais do que o espírito dos
24
brasileiros. O saber apregoado pelos missionários era visto como elemento fundamental à
transformação pessoal e social, não podendo ficar restrito à elite. Ao dar à educação um
caráter abrangente, entendiam que ela deveria também ser direcionada aos negros. Tratava-
se, no entanto, de um projeto civilizatório que defendia a liberdade do espírito e não do
corpo, o que para os agentes envolvidos e para a situação escravagista em que viviam os
africanos, resguardaria a sociedade colonial de futuros problemas.
Está posto, portanto, para cada época histórica, aquilo que é mais apropriado para se aprender e para se ensinar. Uma época determinada não ensina uma qualquer coisa, um qualquer corpo de saber. Ensina, sim, aquilo que sabe e que pode e deve ensinar. Aquilo que deve ensinar e, portanto, se sabe ensinar, nasce com as relações reais dos indivíduos. E o que uma nova época tem como tarefa sua é ensinar aos indivíduos que elas não podem existir de uma qualquer maneira ... mas de uma maneira social, isto é, de um modo determinado, e, não, de um modo qualquer, que seria o mesmo que negar a existência (FIGUEIRA, 1995, p. 13-14).
Mas, apesar da preocupação educacional com o negro ter sido uma característica da
ocupação holandesa, os documentos dos predicantes como a Classicale Acta van Brasilie
apontam que no trato com os escravos os holandeses foram cruéis. Permitiam aos senhores
castigos corporais, como chicoteá-los, bater de vara e correia de couro, pô-los a ferros ou
no tronco e acorrentá-los pelos pés e pelo pescoço. Caberia à justiça, em todos os casos,
decretar a morte, mutilações de membros e marcas de fogo. Esse tratamento dispensado aos
escravos estaria de acordo com a doutrina calvinista?
Pelo visto, o ideário mercantilista ecoou mais alto e os escrúpulos dos holandeses foram
encaixotados junto com os torrões de açúcar que saiam do Brasil para enriquecer os Países
Baixos. Os escravos eram necessários para a acumulação do capital e para sobrepujar a
Ibéria. As hábeis mãos do capital fechavam os olhos dos reformados, tapavam seus ouvidos
e amainavam suas consciências. O lucro pela exploração do novo mundo era impulso para
que a naturalização da escravidão fosse a bandeira acenada com maior vigor.
Para Figueira (1977), sem escravos não haveria colonização sistemática e sem ela não seria
possível a hegemonia da capitalização colonial. Holandeses e Ibéricos foram unânimes
nessa premissa; agiram de igual modo, independentes de suas doutrinas religiosas . Tanto o
25
Deus católico quanto o Deus reformado estavam de acordo com a escravidão já que o modo
de produzir a vida a partir da perspectiva dos colonizadores daquele tempo assim o exigia.
7 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A História do Brasil colonial foi construída por negações que só permitiram a afirmação de
valores hispânicos e/ou portugueses. Tudo esteve em função da “conquista espiritual” para
estes valores. Como parte deste mundo europeu, o protestantismo impingiu seus dogmas às
populações indígenas e negras, negando os direitos do outro e suas especificidades. Além
da opressão cultural que não pode ser desprezada, outra opressão maior foi deliberada aos
índios e, posteriormente aos escravos: a expropriação da propriedade comum, da pátria, da
liberdade, da autonomia, do corpo e da consciência.
Os europeus conquistaram as colônias sob a égide do capital e as metas eram a propriedade
privada dos meios de produção nas mãos dos colonizadores, a ideologia cristã disseminada
de acordo com as necessidades prementes dos agentes do capital e a alienação dos
“homens” no processo da colonização, da exploração e execução do trabalho. Desta forma,
a hierarquia foi estabelecida e a hegemonia dos que detinham o poder se estampava nas
terras conquistadas, no ouro acumulado e no homem expropriado.
Os holandeses tinham suas especificidades culturais. Porém, a essência mercantilista se
mostrou na colônia, local de extração das riquezas para a manutenção da política mercantil
da época e para a acumulação de capital. Os holandeses não foram ingênuos, lutaram por
uma terra que já sabiam, estava estruturada sobre os ombros fortes e submissos do negro e
as mãos guerreiras dos índios. A colonização sistemática já estava feita, as relações para
que o capital sobrevivesse fora da metrópole já haviam sido criadas. Uma colônia que
oferecia oportunidades de acumulação de capital por meio do comércio açucareiro, dona de
uma população já “educada” pelos jesuítas nos moldes ideológicos da religião católica, o
que facilitava sobremaneira a exploração necessária para a sobrevivência do capital.
26
Para conseguir a mão-de-obra necessária à exploração colonial, a Holanda utilizou, além do
poder econômico, o poder da educação pela catequese. Numa colônia alicerçada pela
escravatura desde os seus primórdios, quer dos indígenas quer dos negros, o ideário
protestante de valoração do trabalho era contraditório. A estrutura colonial dependia do
suor africano e não seriam os predicantes que iriam reverter a situação posta.
Entretanto, segundo Rodrigues (1949), a conduta holandesa abordou aspectos
metodológicos da teologia política reformada que, ao serem analisados, sugerem uma
contribuição significativa para a colônia brasileira, na qual os benefícios foram além do
capital (sem considerá-lo como mola propulsora da expropriação até das consciências!) e
que se situaram na constituição da formação do povo brasileiro. Os holandeses trouxeram o
Renascimento cultural europeu ao Brasil, pela arquitetura, pelas pinturas, pela música e
ciência, arrebatado da colônia quando dela foram expulsos. Culturas específicas, costumes
particulares, religiões diversas; não haveria a necessidade de se excluírem, não fosse a mão
impune do capital sobre a cabeça e a consciência dos homens.
Portanto, inviabiliza-se a incorporação de valores num sistema no qual a divisão de classes
e as relações de produção favorecem o capital e a exploração de uma parcela dos homens
desprovidos dos meios de produção. A classe hegemônica se torna a detentora do poder,
inclusive da disseminação de seus valores como os reais e superiores. Por este viés, os
holandeses exerceram sua supremacia na colônia brasileira e imprimiram nela suas marcas.
A história que cerca o Brasil - holandês é um campo fecundo para pesquisadores que nele
se dispuserem a adentrar e perscrutar suas minúcias. Fica, mediante o apresentado nesta
pesquisa, um pouco do que foi “Olinda transformada em Olanda”, conforme se refere à
capitania Frei Antônio Rosado em sua pregação (CAMARGO, 1955; p.146). As relações de
produção mediadas pelo mercantilismo e o papel da educação na formação do homem
daquela época, calcado pelas bases teológicas da religião reformada demonstram a
dinâmica entre as concepções econômicas e religiosas, uma relação dialética na qual o
interesse maior não era a emancipação dos colonos e, sim, a acumulação de capital pelos
colonizadores.
27
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Fernando. O sentido da educação colonial. In :____ A cultura brasileira. Brasília: UnB, 1963 BARLÉUS, Gaspar. História dos feitos recentemente praticados no Brasil. Recife : Fundação da Cidade do Recife, 1980. BOURDIEU, Pierre. Método Científico e hierarquia social dos objetos. In: NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, Afrânio (Org). Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 2001. BURNS, Edward McNall. História da Civilização Ocidental. Do Homem das Cavernas Até a Bomba Atômica. Porto Alegre: Globo, 1967. CAMARGO, Paulo Florêncio da Silveira. História Eclesiástica do Brasil. Petrópolis: Editora Vozes, 1955. CARDOSO, Ciro Flamarion. Para Ciro Flamarion, época de transição explica impasse teórico. Registro, Mariana, v.2, n.3, p. 4-6, mar./ago. 1995. (Entrevista) CLASSICALE Acta van Brasilie: A Igreja Cristã Reformada no Brasil- Separata da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Iº Congresso de História. Tomo I, p. 707-780, 1914. EBY, Frederick. História da educação moderna. Porto Alegre: Globo, 1970; p. 30- 80). FERNANDES, Florestan. A organização social dos Tupinambás. São Paulo: Hucitec: Ed. UnB, 1989; p. 80-102). FIGUEIRA, Pedro de Alcântara, Mendes, Claudinei M. M. Estudo preliminar: o escravismo colonial. In: BENCI, Jorge. Economia cristã dos senhores no governo dos escravos. São Paulo: Grijalbo, 1977. FIGUEIRA, Pedro de Alcântara. A educação de um ponto de vista histórico. Intermeio: Campo Grande – MS, 1995,v.1, n.1. GALINDO, M. & HUISMAN, L. (Orgs.) Guia de Fontes para a História do Brasil Holandês: acervos de manuscritos em arquivos holandeses. Recife: Minc- Projeto Resgate / Fundação Joaquim Nabuco, Ed. Massangana- Inst. De Cultura, 2001. HUNT, E.K. História do pensamento econômico. Rio de Janeiro: Editora Campus Ltda, 1981. MARX, Karl. O capital. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.
28
MEDEIROS, Maria do Céu. Os Oratorianos de Pernambuco, uma congregação a serviço do Estado. Recife : UFPE, Dissertação apresentada ao CMH/CFCH, 1981. MELLO, José Antônio Gonçalves. Tempo dos Flamengos. Rio de Janeiro: Topbooks, 2001. MONTAIGNE, Michel de. Os Ensaios : Livro 1. São Paulo: Martins Fontes, 2000. PEREIRA, José Hygino Duarte. Relatórios de Pesquisa (1885 – 1886). In: GALINDO, M. & HUISMAN, L. (orgs.). Guia de Fontes para a História do Brasil Holandês: acervos de manuscritos em arquivos holandeses. Recife: Minc- Projeto Resgate / Fundação Joaquim Nabuco, Ed. Massangana- Inst. De Cultura, 2001. p. 97 – 284. POMBO, José Francisco da Rocha. Os Holandeses no Brasil: Mitos e Verdades. Curitiba: Vicentina, 2003. RIBEIRO, DARCY. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras,1995 RODRIGUES, José Honório. Historiografia e Bibliografia do Domínio Holandês no Brasil. Rio de Janeiro : Imprensa Nacional, 1949. SANTIAGO, Diogo Lopes. História da Guerra de Pernambuco. Recife : Fundarpe, 1984. SCHALKWIJK, F. L. Igreja e Estado no Brasil Holandês (1630-1654). 3. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.