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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO – UFMT INSTITUTO DE EDUCAÇÃO – IE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – PPGE
SIMONE MARQUES LIMA
A FORMAÇÃO DO PEDAGOGO E O ENSINO DA MATEMÁTICA
NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
CUIABÁ - MT 2011
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO – UFMT INSTITUTO DE EDUCAÇÃO – IE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – PPGE
SIMONE MARQUES LIMA
A FORMAÇÃO DO PEDAGOGO E O ENSINO DA MATEMÁTICA
NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Instituto de Educação, Universidade Federal de Mato Grosso, na Linha de Pesquisa Organização Escolar, Formação e Práticas Pedagógicas, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação. Orientador: Prof. Dr. Ademar de Lima Carvalho.
CUIABÁ - MT
2011
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Dados Internacionais de Catalogação na Fonte
L732f Lima, Simone Marques.
A formação do pedagogo e o ensino da matemática nos anos iniciais do ensino fundamental / Simone Marques Lima. -- 2011.
212 f. ; 30 cm. Orientador: Ademar de Lima Carvalho. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Mato
Grosso, Instituto de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Cuiabá, 2011.
Inclui bibliografia. 1. Formação de professores – Pedagogia. 2. Pedagogia –
Mato Grosso. 3. Matemática – Ensino. 4. Matemática – Ensino fundamental. I. Título.
CDU 371.13.026:51(817.2)
Ficha Catalográfica elaborada pelo Bibliotecário Jordan Antonio de Souza - CRB1/2099
Permitida a reprodução parcial ou total desde que citada a fonte
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CUIABÁ – MT 2011
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DEDICATÓRIA
À Deus, autor da vida, eterno, imortal, fonte de toda inspiração e sabedoria.
Aos meus pais, Argeu e Vera Lúcia,
que, como ministros fervorosos do evangelho de Cristo e incansáveis trabalhadores na Sua obra, com suas vidas
ensinaram aos filhos o valor da fé, do amor e do respeito a Deus, da dedicação da vida ao Senhor Jesus Cristo apresentando-nos o amigo inseparável: O
Espírito Santo
Ao meu esposo Gilberto, pelo o amor, incentivo e compreensão nesta longa e desafiante caminhada.
Aos meus filhos amados Deborah e Davi fonte de esperança para dias
melhores.
.
.
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AGRADECIMENTOS
À Deus, meu maior amor. Aos meus familiares, especialmente, aos meus irmãos Mizael, Sara e Samuel, que sempre me apoiaram na vontade de estudar, sobretudo, durante o mestrado. Aos irmãos em Cristo que sempre me acompanharam e subsidiaram meus estudos por meio de oração e súplicas ao Senhor Deus, tendo a fé de que Aquele que começou a boa obra é poderoso para completá-la. Ao professor Dr. Ademar de Lima Carvalho, que apostou na importância deste estudo para a melhoria da qualidade da educação. Que nas suas orientações ampliou minhas compreensões sobre a educação, a formação de professores e o ensino da Matemática. Pela amizade, confiança e estímulo na elaboração, execução, dando-me segurança para superar os desafios desta pesquisa. À professora Dra. Laurizete Ferraguti Passos que muito contribuiu no enriquecimento desta versão de Defesa, pelas observações e sugestões valiosas por ocasião do exame de Qualificação. Ao professor Dr. Adelmo Carvalho da Silva que se colocou a disposição para dialogar sobre o ensino da Matemática. Ao professor Dr. José Eduardo Roma, que aceitou participar da banca examinadora enriquecendo esta pesquisa com suas valorosas contribuições. À professora Dra. Filomena Maria de Arruda Monteiro que, participando da banca de avaliação, contribuiu com excelência dando sugestões da maior qualidade. À professora Dra. Cecília Fukiko K. Kimura que tem contribuído de maneira indubitável na minha formação matemática e, como educadora dedicada, sempre me encoraja a buscar a compreensão do ensino desta área do conhecimento. Às queridas amigas e colaboradoras Luzinete, Regina, Sandra e Neide, pelo socorro a qualquer hora, pelo convívio e risos necessários. Obrigada! À professora Margarida, que foi leitora cuidadosa desta obra, dialogando, encorajando, corrigindo e ajudando a construir um texto fluido. Aos sujeitos da pesquisa, que são minhas companheiras de trabalho. Obrigada, por terem confiado a mim suas vivências e compreensões, teorizando sobre suas práticas educativas.
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Quando tenho medo de fracassar Quando tenho medo de não vencer [...]
Quando tenho medo de não tentar
Quando tenho medo de não romper Quando tenho medo de ser
O verdadeiro amor lança fora todo medo [...]
O verdadeiro amor que vem de Deus Me ensina a não temer
Ludmila Ferber – Verdadeiro amor.
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RESUMO
O presente trabalho é resultante de pesquisa de mestrado em Educação desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso. Partindo da temática de pesquisa “A formação do pedagogo e o ensino da Matemática”, tem como proposta de discussão a formação deste profissional e os desafios e problemas por ele enfrentados para o ensino da Matemática na 1ª e 2ª fases do II Ciclo nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. O problema que se apresenta a partir do objeto de investigação é: O professor graduado em Pedagogia, para ensinar a Matemática nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, enfrenta que desafios? Compreender e identificar como esses docentes mobilizam os conhecimentos matemáticos apropriados no curso de Pedagogia é o objetivo central deste trabalho. Busca-se entender que concepção de ensino da Matemática embasa a prática pedagógica do professor e o que ele pensa sobre a sua formação; procura-se as dificuldades e os desafios que esse professor enfrenta para ensinar a Matemática. Para refletir sobre a problemática da pesquisa, elege-se como cenário de investigação a rede pública municipal de Rondonópolis - MT. Foram convidadas a colaborar com o estudo, oito professoras que atuam com o ensino da Matemática nas fases delimitadas pelo mesmo. São analisadas também as matrizes curriculares e as ementas das disciplinas destinadas a formação matemática do pedagogo de cinco cursos de Pedagogia de Mato Grosso. Tomando como referencial metodológico as abordagens qualitativas interpretativas, utilizou-se para a coleta de dados o questionário, a entrevista semiestruturada e a análise de documentos. Como subsídio à reflexão acerca da organização do curso de Pedagogia recorre-se, à Bissolli da Silva, (2006), Brzezinski (1996), Libâneo (1998), Pimenta (1996), Franco (2008), Sheibe (2009), Gatti e Nunes (2008). Para auxiliar na discussão do ensino da Matemática, apoia-se em Skovsmose (2001), Fiorentini (1995), Piaget (1990, 1988), Curi (2004). Por fim, nos aspectos relacionados à formação de professores: Freire (1987, 1999), Veiga (2009); Kincheloe (1997), Contreras (2002), Peter Mclaren (1997), Giroux (1997), Gadotti (1995); Saviani (1991); Carvalho (2005); Nóvoa (1992, 2009), Paro (2008), Pinto (2000); Tardif (2002) e Shulman (1986; 1987 apud Montalvão e Mizukami, 2002). Os resultados da pesquisa revelaram que a maioria dos professores que atuam com a Matemática na 1ª e 2ª fases do II Ciclo nesta rede de ensino não são pedagogos, porém este estudo busca os que são pedagogos. Apontaram ainda, para a existência de lacunas nos programas de formação inicial dos pedagogos, em especial na área da Matemática. A concepção das professoras sobre o ensino-aprendizagem da Matemática aparece, majoritariamente, na perspectiva da construção que dá maior valor ao processo do que ao produto da produção do conhecimento matemático. Os desafios enfrentados para ensinar a Matemática nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental se inserem em questões centradas, na formação do professor e na organização da escola, e têm, primordialmente, natureza pedagógica: a apropriação insuficiente dos conteúdos matemáticos a serem ensinados, a avaliação e a estratégia de ensino a serem adotadas no trabalho com classes bastante heterogêneas nos níveis de aprendizagem e o problema do déficit de aprendizagem dos alunos.
Palavras-chave: Formação de Professores. Pedagogia. Ensino da Matemática.
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ABSTRACT
The present dissertation is the result of a master‟s research in Education, developed
through the Postgraduate Program in Education of Federal University of Mato Grosso
(UFMT). Starting from the research theme “The teacher training and the teaching of
Mathematics” the proposal is to discuss the formation of that professional, and also the
challenges and problems faced by him/her when it comes to teaching Mathematics to
the 1st and 2nd grades of Elementary School. The problem presented from the
investigation object is: What are the challenges faced by the professional
graduated in Pedagogy when teaching Mathematics to the initial grades of the
Elementary School. The main objective of the following dissertation is to understand
and identify how those professionals mobilize appropriate mathematical knowledge in
the Pedagogy course. It seeks to understand which Math teaching conception serves
as basis for the teacher pedagogical practice and what he/she thinks about his/her
formation; it seeks the difficulties and challenges which that teacher faces to teach
Mathematics. The chosen investigation scenario is the municipal public education
system of Rondonopolis-MT. Eight teachers responsible for teaching Mathematics to
the mentioned grades were invited to collaborate with the study. The curriculum and
menus of disciplines related to the Math formation of the teacher of five Pedagogy
courses of Mato Grosso were analyzed. Interpretative qualitative approaches were
used as methodology framework, and also data collection, questionnaire, semi-
structured interview and documents analysis. As an aid to the reflection about the
organization of the Pedagogy course we have Bissoli da Silva (2006), Libâneo (1998),
Pimenta (1996), Franco (2008), Sheibe (2009), Gatti e Nunes (2008). When it comes to
Math teaching we have as an aid to our discussions Skovmose (2001), Fiorentini
(1995), Piaget (1990, 1988), Curi (2004). Finally, referring to teachers formation: Freire
(1987, 1999), Veiga (2009), Kincheloe (1997), Contreras (2002), Peter Mclaren (1997),
Giroux (1997), Gadotti (1995), Saviani (1991), Carvalho (2005), Nóvoa (1992, 2009),
Paro (2008), Pinto (2000), Tardif (2002) e Shulman (1986, 1987 apud Montalvão e
Mizukami 2002). The results of the research revealed the Mathematics teachers of the
1st and 2nd grades of Elementary School in this municipal public education system are
not educators, even though the study seeks for educators. It also showed some gaps in
the programs of initial formation of educators, especially in Mathematics. The teachers‟
conception about the teaching-learning process of Mathematics is, in the majority,
according to the perspective of construction which gives more value to the process
than to the product of math knowledge production. The faced challenges when
teaching math to the first grades of Elementary School are related to the teacher
formation and to the organization of school, and it essentially has a pedagogic nature:
the insufficient appropriation of math contents to be taught, evaluation and teaching
strategy to be chosen for teaching heterogeneous classes due to learning levels, and
the problem of students learning deficit.
Key-words: Teachers Formation; Pedagogy; Mathematics Teaching.
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LISTA DE QUADROS
Página
Quadro 1 Comparativo dos ementários 65
Quadro 2 Comparativo dos teóricos utilizados nas disciplinas dos
cursos selecionados
67
Quadro 3 Disciplinas 69
Quadro 4 Carga Horária 69
Quadro 5 O saber plural dos professores 80
Quadro 6 Síntese das características das professoras
colaboradoras
130
Quadro 7 Eixos de análise 131
Quadro 8 Concepções das professoras sobre a Matemática e
seu ensino
141
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 13
1 OPÇÃO METODOLÓGICA .................................................................................... 18
2 A PEDAGOGIA E A FORMAÇÃO DO PROFESSOR ............................................ 22
2.1 Perspectiva Histórica do Curso de Pedagogia: Fundamentos Legais e
Atribuições do Pedagogo ........................................................................................ 22
2.2 As Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia ...................................... 34
2.3 A Questão da Identidade da Pedagogia ............................................................ 40
2.4 Um Estudo sobre os Cursos de Pedagogia no Brasil ........................................ 48
2.5 Os Cursos de Pedagogia e a Formação Matemática do Professor.................... 50
2.5.1 O curso de Pedagogia da UFMT/IE - Campus de Cuiabá - MT ................... 51
2.5.2 O curso de Pedagogia da UFMT/CUR - Campus de Rondonópolis- MT ..... 55
2.5.3 O curso de Pedagogia da UNEMAT - Cáceres – MT .................................. 59
2.5.4 O curso de Pedagogia da Universidade de Cuiabá – UNIC - Campus de
Cuiabá – MT ........................................................................................................ 60
2.5.5 O curso de Pedagogia da UNIVAG - Centro Universitário de Várzea Grande
– MT .................................................................................................................... 63
2.6 Algumas Reflexões Teóricas sobre os Saberes e Conhecimentos Docentes
755
3 FORMAÇÃO DE PROFESSORES: PRESSUSPOSTOS TEÓRICOS .................... 84
3.1 A Formação do Professor na Perspectiva Critica da Educação ......................... 85
3.2 Formação de Professores para o Ensino da Matemática nos Anos Iniciais do
Ensino Fundamental ............................................................................................. 100
3.2.1 Perspectiva crítica da Matemática e seu ensino........................................ 101
3.2.2 Algumas contribuições de um estudo sobre a formação inicial de professores
e o ensino da Matemática nos Anos iniciais do Ensino Fundamental ................ 107
3.2.3 As concepções que permeiam a construção do conhecimento matemático
.......................................................................................................................... 108
3.2.3.1 O conhecimento matemático na perspectiva tradicional................. 109
3.2.3.2 O conhecimento matemático na perspectiva construtivista.............112
3.2.4 O estudo de Fiorentini acerca de alguns modos de ver e conceber o ensino
da Matemática no Brasil...................................................................................... 114
12
4 O PEDAGOGO E O DESAFIO DE ENSINAR MATEMÁTICA NOS ANOS INICIAIS
DO ENSINO FUNDAMENTAL ................................................................................. 124
4.1 Os Sujeitos da Pesquisa: Preparando o Diálogo ............................................. 125
4.2 A Formação do Pedagogo ............................................................................... 131
4.3 O Processo Ensino-Aprendizagem .................................................................. 141
4.4 A atuação do Pedagogo no Ensino da Matemática nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental: Desafios e Problemas Enfrentados ................................................. 151
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 189
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 201
ANEXOS .................................................................................................................. 206
Anexo 1 - Roteiro das entrevistas .......................................................................... 206
Anexo 2 - Questionário: Caracterização do professor . Erro! Indicador não definido.
Anexo 3 - Proposta curricular para Matemática e suas Tecnologias - 1ª fase do II
Ciclo ....................................................................................................................... 209
Anexo 4 - Proposta curricular para Matemática e suas Tecnologias - 2ª fase do II
Ciclo ........................................................................................................................211
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INTRODUÇÃO
O presente trabalho situa-se no cenário educacional. Insere-se
nas reflexões sobre a formação de professores na dimensão crítica da
educação. Especificamente, preocupa-se com a formação do pedagogo e os
desafios por ele enfrentados para ensinar a Matemática na 1ª e 2ª fases do II
Ciclo do Ensino Fundamental.
Para refletir sobre a temática da pesquisa no campo da
educação, elegeu-se como locus de investigação a realidade da rede pública
municipal de Rondonópolis - MT. Esta rede de ensino, desde o ano 2000,
aderiu à Organização em Ciclos de Formação Humana conforme Normativa
16/20001 que dispõe:
Artigo 2º - A Escola Organizada em Ciclos de Formação Humana é
uma organização que promove a readequação dos tempos, espaços
e práticas escolares comprometendo-se profundamente com a
inclusão, com a participação de todos, democratizando os processos
culturais vigentes, garantindo a todos o acesso, a progressão
continuada com aprendizagem, conforme reza o Artigo Nº 22 da LDB,
desdobrando esta finalidade nos incisos I, II, III e IV do Artigo Nº 32 e
dos preceitos veiculados no compromisso da “Educação para Todos”
e, ainda, da Resolução Nº 262/ 2002 – CEE/ MT, Artigos 2º, 3º e 4º.
A escola organizada em Ciclos de Formação Humana foi
pensada para resolver os problemas da evasão e da repetência e trazer uma
reestruturação do Ensino Fundamental que respeitasse os diferentes ritmos de
aprendizagem de cada criança, seu conhecimento prévio, seus modos de
aprender, a fim de dar respostas satisfatórias aos problemas colocados hoje
pela sociedade e pelos alunos. Com a finalidade de melhorar a qualidade da
educação, a Normativa acima citada, nos Incisos I ao VI do artigo 4º, orienta
que o Projeto Educativo de cada escola da rede de ensino em foco deve estar
comprometido com
1 RONDONÓPOLIS, MT. Secretaria Municipal de Educação. Instrução Normativa Nº. 16/ 01
que normatiza e orienta a operacionalização da implantação e implementação gradativa do
Sistema de Ciclos de Formação Humana no Ensino Fundamental nas escolas da Rede
Municipal de Ensino de Rondonópolis.
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I. O desenvolvimento cognitivo, bio-emocional e cultural de todos os
alunos, respeitando a diversidade de experiências e conhecimentos
culturais que possuem e os que circulam nos ambientes próximos e
amplos, atuando de forma intencional e sistemática, avançando na
aquisição e (re) construção de conhecimentos mais amplos e
perenes, sistematizados nas diferentes ciências enquanto
instrumentos a serem utilizados de forma eficaz e eficiente no
conhecimento da realidade física e social;
II. A promoção da vivência cotidiana de processos democráticos, em
todos os espaços de atuação da escola;
III. A promoção de espaços de articulação entre a escola e a
comunidade;
IV. A ampliação do tempo de aprendizagem em tempo regular, com
ampliação obrigatória no contra-turno letivo;
V. A realização coletiva, participativa de estudos, planejamentos,
avaliações, com desenvolvimento de uma cultura coletiva de trabalho,
objetivando a garantia da melhoria da qualidade do ensino municipal
e informados por diagnósticos locais capazes de produzir
informações que orientarão as diferentes ações nas escolas;
VI. A inclusão e atendimento adequado de todos os alunos
portadores de necessidades educacionais especiais, propiciando
condições e recursos para serviços especializados necessários,
conforme dispõem os artigos 58 e 59 da LDB e atendendo
prioritariamente a necessidade dos alunos matriculados.
No que diz respeito aos processos de enturmação, na escola
organizada por Ciclos de Formação Humana os critérios adotados são as
idades aproximadas e as fases do desenvolvimento humano. Assim sendo, na
Rede Municipal de Ensino de Rondonópolis-MT as turmas são assim
organizadas: 1º Ciclo – Infância, de 06 a 09 anos e com 03 fases anuais; 2º
Ciclo – Pré-adolescência, de 09 a 12 anos e com 03 fases anuais e 3º Ciclo –
Adolescência, de 12 a 15 anos e com 03 fases anuais. Recorde-se que este
estudo foca o ensino da Matemática na 1ª e 2ª fases do II Ciclo.
Entretanto, é necessário ressaltar que essa mudança de
paradigma com o abandono da lógica classificatória exige a busca de
alternativas efetivas para garantir o avanço do discente no que se refere à
progressão com aprendizagem. Nesta perspectiva, considerando os tempos e
espaços, a ação educativa deve se dar na dimensão do trabalho coletivo que
deve envolver toda a equipe escolar com vistas ao atendimento das
necessidades individuais de cada aluno.
Esta empreitada se apresenta para o docente como um grande
desafio, visto que, situado no núcleo desta questão, cabe a ele não apenas a
tarefa de transmitir conhecimentos, mas de ensinar os alunos a aprender a
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aprender. Trata-se, portanto, de complexo trabalho que requer um repensar do
processo pedagógico-didático do professor. Desse modo, os olhares se voltam
forçosamente para a relação professor-aluno.
O estudo tem como questão de pesquisa: O professor graduado
em Pedagogia, para ensinar a Matemática nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental, enfrenta que desafios? Compreender e identificar como os
professores dos anos iniciais mobilizam os conhecimentos matemáticos
apropriados no curso de Pedagogia é o objetivo central deste trabalho. São
tomados, ainda, os seguintes objetivos específicos: dialogar com um
determinado referencial teórico que possibilite a compreensão e interpretação
dos dados da pesquisa; buscar entender que concepção de ensino da
Matemática embasa a prática pedagógica do professor; analisar o que pensa o
professor dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental sobre a sua formação;
procurar identificar os problemas, as dificuldades e desafios que professores
dos Anos Iniciais enfrentam para ensinar os conteúdos matemáticos aos alunos
da 1ª e 2ª fases do II Ciclo. Para a realização da investigação foram
convidadas a colaborar como sujeitos oito professoras que atuam no ensino da
Matemática, nas fases delimitadas por este estudo, todas em atividade na rede
de ensino focalizada.
O foco do presente estudo está em mostrar a importância da
formação no curso de Pedagogia para o ensino da Matemática. A justificativa
para a relevância acadêmica e social desta investigação encontra-se na ideia
de que os resultados das avaliações nacionais e internacionais acerca da
qualidade do ensino básico no Brasil têm dado destaque aos baixos índices
obtidos com muita frequência em relação à aprendizagem dessa área do
conhecimento. Nesta problemática, a formação docente tem sido apontada
como um dos principais fatores de tais resultados. Atualmente, no país a
responsabilidade pela formação do professor que ensina nos Anos Iniciais está
centrada nos cursos de Pedagogia. Pesquisas como, por exemplo, a
desenvolvida por Curi (2004), têm mostrado a existência de problemas na
formação destes professores no que se refere ao trabalho de ensino do
conhecimento matemático.
Para explicar a escolha e o interesse desta pesquisa, impõe-se
ainda reportar à nossa trajetória pessoal. Nos estudos vivenciados como
16
acadêmica do curso de Licenciatura Plena em Pedagogia da Universidade
Federal de Mato Grosso - Campus Universitário de Rondonópolis, cuja luta foi
marcada pelo desejo de apropriação do conhecimento no que diz respeito à
formação de professores dos Anos Iniciais, foi possível perceber a resistência
de estudantes quanto aos saberes matemáticos, já que muitos daqueles
futuros professores dos Anos Iniciais declaravam informalmente que não
gostavam da Matemática. Nosso particular interesse por esta investigação se
prende ao fato de constatar, como graduada em Pedagogia e professora da
rede municipal no interior do estado, no cotidiano do trabalho em sala de aula,
a importância de a criança se apropriar da compreensão dos conceitos
matemáticos, pois é nos primeiros anos de escolaridade que se concentram os
rudimentos dos conceitos que os alunos precisam dominar em profundidade.
A pesquisa, de abordagem qualitativa/interpretativa, toma como
aporte teórico-metodológico da investigação autores como Bogdan & Biklen
(1994), Lüdke e André (1986), Triviños (2006). Para subsidiar a reflexão acerca
da organização do curso de Pedagogia – sua história, identidade e
especificidade – recorre-se a Bissolli da Silva (2006), Brzezinski (1996),
Libâneo (1998), Pimenta (1996), Franco (2008), Sheibe (2009), Gatti e Nunes
(2008). Para auxiliar na discussão a respeito do ensino da Matemática o estudo
apoia-se em autores como Fiorentini (1995), Skovsmose (2001), Piaget (1990,
1988), Kamii (1987), Curi (2004).
Para compreender os aspectos relacionados à formação de
professores tem-se como autores basilares: Freire (1987, 1999), Veiga (2009),
Kincheloe (1997), Contreras (2002), Peter Mclaren (1997), Giroux (1997),
Gadotti (1995), Saviani (1991), Carvalho (2005), Nóvoa (1992, 2009), Paro
(2008), Pinto (2000), Tardif (2002), Montalvão e Mizukami (2002).
O trabalho foi organizado a partir de quatro capítulos, como se
descreve a seguir. No primeiro capítulo, são discutidas e justificadas as opções
teórico-metodológicas; apresenta-se o cenário de investigação, os caminhos e
os instrumentos de coleta de dados, bem como os sujeitos colaboradores da
pesquisa.
No segundo capítulo, é feita a construção das bases teóricas da
pesquisa no que diz respeito ao curso de Pedagogia, trazendo um panorama
histórico deste curso. O caminho trilhado parte dos aspectos históricos das
17
políticas públicas e dos debates daí decorrentes, passa por um estudo dos
cursos de Pedagogia no Brasil desenvolvido por Gatti e Nunes (2008) e chega
até a contextualização da política de formação do pedagogo para o ensino da
Matemática organizada por cinco instituições formadoras estabelecidas no
estado de Mato Grosso.
O terceiro capítulo traz considerações teóricas acerca da
formação de professores, na perspectiva crítica de educação, à luz de autores
que compreendem a ação docente como compromisso histórico, político e ético
de transformação da realidade social opressora e injusta. Dentro desta
concepção de educação, mostra as ideias defendidas pela Educação
Matemática Crítica na ótica de Ole Skovsmose (2001). Apresenta, ainda, outros
elementos teóricos a fim de contextualizar a formação de professores para o
ensino da Matemática nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, quais sejam:
um estudo sobre a formação docente para o ensino da Matemática nos Anos
Iniciais do Ensino Fundamental; as concepções que permeiam a construção do
conhecimento matemático; alguns modos de ver e conceber o ensino da
Matemática no Brasil.
As discussões realizadas no quarto capítulo giram em torno da
análise das informações recolhidas durante o período de coleta de dados. As
análises estão dispostas em três eixos de discussão. O primeiro eixo: A
formação do pedagogo enfoca que suporte o curso de Pedagogia oferece
para o trabalho do professor com o ensino da Matemática. O segundo eixo: O
processo ensino-aprendizagem tem como foco as concepções de ensino
desta área do conhecimento. No terceiro e último eixo: A atuação do
pedagogo no ensino da Matemática nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental: Desafios e problemas enfrentados apresentam-se os
desafios que o pedagogo encontra para ensinar a Matemática. Toda a
discussão neste capítulo está permeada pelo diálogo em torno de limites,
desafios e possibilidades, relacionados à formação do pedagogo e ao ensino
da Matemática, que emergiram ao longo do estudo e, principalmente, dos
dados da pesquisa.
18
1 OPÇÃO METODOLÓGICA
No intuito de compreender os desafios vividos pelo pedagogo no
ensino da Matemática nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, a pesquisa foi
realizada mediante abordagem qualitativa/interpretativa. Explicite-se que
Utilizamos a expressão investigação qualitativa como um termo
genérico que agrupa diversas estratégias de investigação que
partilham de determinadas características. Os dados recolhidos são
designados por qualitativos, o que significa ricos em pormenores
descritivos relativamente a pessoas, locais e conversas e de
complexo tratamento estatístico. As questões a investigar [...] são
formuladas com o objetivo de investigar os fenômenos em toda a sua
complexidade e em contexto natural. (BOGDAN E BIKLEN, 1994,
p.16, grifo do autor)
A investigação que ora é apresentada caracteriza-se por
mapeamento bibliográfico, aplicação de questionários, entrevista com os
professores, transcrição dos dados, elaboração de categorias (eixos), análise
dos dados e por fim a redação da dissertação.
Já nos primeiros momentos realizou-se um estudo teórico que, de
maneira sucinta, procurou a compreensão da formação do professor. Para
buscar entender a formação do pedagogo optou-se por um estudo que trouxe
um breve esboço histórico sobre o curso de Pedagogia no Brasil, os
fundamentos legais e as atribuições do pedagogo e os debates que envolvem a
questão da identidade do referido curso.
Como a pesquisa almejava compreender aspectos relacionados à
formação do pedagogo no que concerne ao ensino de Matemática, buscaram-
se fundamentos teóricos que tratam da formação de professor na perspectiva
da Educação Matemática Crítica. Enfatizou-se o conhecimento matemático nas
perspectivas tradicional e construtivista. Precisamente, realizou-se um estudo
acerca das concepções teóricas de ensino da Matemática baseadas em
Fiorentini (1995) para que se pudessem subsidiar as análises.
A fim de identificar que desafios o professor graduado em
Pedagogia enfrenta para ensinar Matemática nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental, recorreu-se a três instrumentos de coleta de dados: a análise de
documentos, especificamente a matriz curricular e as ementas das disciplinas
19
que tratam da formação matemática do pedagogo; o questionário, no qual se
indagou a respeito de dados pessoais de todos os professores que atuam com
a Matemática nas fases delimitadas por este estudo na rede municipal, locus
da investigação; por fim a entrevista semiestruturada buscou, nos depoimentos
das professoras selecionadas para o estudo, elementos que serviram de
subsídios à compreensão do que é subentendido nesta questão de pesquisa.
A análise documental se constitui numa técnica valiosa de
abordagem de dados qualitativos. Para Ludke e André (1986),
Embora pouco explorada não só na área da educação como em
outras áreas de ação social, a análise documental pode se constituir
numa técnica valiosa de abordagem de dados qualitativos, seja
complementando as informações obtidas por outras técnicas, seja
desvelando aspectos novos de um tema ou problema [...] Os
documentos [...] não são apenas uma fonte de informação
contextualizada, mas surgem num determinado contexto e fornecem
informações sobre esse mesmo contexto. (p. 38-39)
Utilizou-se, portanto, este instrumento para obter informações a
respeito da rede municipal de ensino e realizar um mapeamento das propostas
curriculares de cinco (05) cursos de Pedagogia de Instituições de Ensino
Superior – IES – quais sejam: UFMT/Cuiabá; UFMT/Rondonópolis;
UNEMAT/Cáceres; UNIC e UNIVAG, ambas estabelecidas em Cuiabá-MT,
sendo as três primeiras públicas e as duas últimas privadas. Salienta-se que
não interessa a este estudo realizar a comparação entre o ensino público e o
ensino privado.
Estas instituições foram escolhidas pela relevância que têm
ocupado na formação de professores no estado de Mato Grosso. O critério
para a escolha dos cursos é que se tratasse de Licenciatura em Pedagogia
que estivesse organizada na modalidade de ensino presencial e fosse ofertada
por Instituições de Ensino Superior situadas nesse estado. Tratou-se, tão
somente, de contextualizar de que forma estas instituições organizam a
formação matemática dos futuros professores dos Anos Iniciais, os pedagogos,
para então contribuir como fonte de informações para a triangulação dos
dados.
Recorreu-se às matrizes curriculares e às ementas das disciplinas
voltadas à formação matemática do pedagogo nos cursos de licenciatura em
20
Pedagogia destas instituições. O interesse era conhecer as disciplinas, a carga
horária e os conteúdos destinados à formação matemática do pedagogo – sem,
contudo, ter a pretensão de considerar todas as facetas do currículo – visando
a traçar algumas considerações sobre suas possíveis implicações na prática
educativa dos professores dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, no
tocante ao ensino da Matemática.
A coleta dos dados da proposta curricular foi possível pela
colaboração direta das Instituições de Ensino Superior (enviando e-mail,
esclarecendo via telefone ou presencialmente algumas dúvidas desta
pesquisadora no tocante à organização dos cursos investigados), sendo que
outros dados foram obtidos mediante pesquisa da matriz curricular e ementa
desses cursos, disponíveis na Internet.
Foi utilizado o questionário para identificar os professores que
atuam com a Matemática na 1ª e 2ª fases do II Ciclo do Ensino Fundamental
na rede municipal, como já se sabe, o locus do estudo, e a partir daí, ficaram
definidos os sujeitos, dando-se início aos contatos com os professores que
atenderam aos critérios de seleção dos sujeitos da pesquisa. Tais critérios
foram: ser professor da Rede Municipal de Rondonópolis, ser licenciado em
Pedagogia, atuar com o ensino de Matemática na 1ª e 2ª fases do II Ciclo,
demonstrar desejo de participar da pesquisa. Assim, de 53 professores, 08
atenderam a esses critérios e foram convidados para participarem e
colaborarem com a pesquisa.
A entrevista semiestruturada foi realizada com as professoras e
gravada em áudio e posteriormente transcrita pela pesquisadora. Com o
emprego deste instrumento objetivou-se compreender que concepção de
ensino de Matemática orienta a prática educativa dos professores, sujeitos
desta pesquisa, e os desafios que a eles se apresentam ao ensinar a
Matemática nas fases recortadas por este estudo.
Levou-se em conta o fato de que
Parece-nos claro que o tipo de entrevista mais adequado para o
trabalho de pesquisa em educação aproxima-se mais dos esquemas
mais livres, menos estruturados.[...] especialmente nas entrevistas
não totalmente estruturadas, onde não há a imposição de uma ordem
rígida de questões, o entrevistado discorre sobre o tema proposto
com base nas informações que ele detém e que no fundo são a
21
verdadeira razão da entrevista. Na medida em que houver um clima
de estímulo e de aceitação mútua, as informações fluirão de maneira
notável e autêntica.
A grande vantagem da entrevista sobre outras técnicas é que
ela permite a captação imediata e corrente da informação desejada,
praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais
variados tópicos. (LÜDKE, ANDRÉ, 1986, p.33-34)
Aplicaram-se as entrevistas individualmente, em ambiente e
horário previamente combinados com as colaboradoras do estudo. Algumas
preferiram falar em suas residências, outras na escola em que trabalham. Com
isso, buscou-se respeitar cada entrevistada dando-lhe a oportunidade de
escolher o local em que se sentiria mais à vontade. Seguiu-se um roteiro pré-
organizado, para todos os sujeitos, no entanto, permitiu-se a flexibilização nos
momentos em que o pesquisador pôde fazer perguntas adicionais para melhor
compreender o contexto.
Por meio deste instrumento pretendeu-se adentrar os significados
que as mencionadas professoras construíram e estão construindo em seu fazer
social, pois este estudo concorda com Franco (2008) no sentido de que os
professores “possuem teorias que embasam suas práticas e práticas que
referendam suas teorias, constituindo-se essa dinâmica numa riqueza que não
pode ser desprezada por qualquer pesquisador da educação” (p. 97).
22
2 A PEDAGOGIA E A FORMAÇÃO DO PROFESSOR
Neste capítulo é apresentado um panorama histórico do curso de
Pedagogia no Brasil, inspirado nos conteúdos e intenções dos textos legais.
Mostram-se, no plano das políticas públicas, as idas e vindas da formação do
professor pedagogo e os debates que vêm sendo travados a respeito da
especificidade e identidade do referido curso. Ao apontar a trajetória
percorrida, da criação do curso de Pedagogia até a aprovação das atuais
diretrizes para o mesmo, deseja-se contextualizar a formação do professor que
ensina a Matemática nos Anos Inicias do Ensino Fundamental.
Dos aspectos históricos das políticas públicas chega-se até a
política de formação do pedagogo para tal ensino que vem sendo organizada
por cinco instituições formadoras, responsáveis pela formação deste
profissional e estabelecida no Estado de Mato Grosso.
2.1 Perspectiva Histórica do Curso de Pedagogia: Fundamentos Legais e Atribuições do Pedagogo
Para compreender como se dá a formação do pedagogo2 é
necessário fazer um breve esboço histórico sobre o curso de Pedagogia no
país. Os estudos de Bissolli da Silva (2006), Brzezinski (1996) e Libâneo
(1998) mostram que este curso ao longo de sua existência tem sido
questionado em relação à especificidade de seu conteúdo, à identidade do
curso e do profissional nele formado e suas reais funções, bem como às
regulamentações sofridas na sua trajetória.
No intuito de, precisamente, estudar a busca de identidade do
curso de Pedagogia, Bissolli da Silva (2006) aborda historicamente a trajetória
deste curso no Brasil, com base nas regulamentações e propostas de estrutura
curricular. Assim, busca nos conteúdos e intenções dos textos legais (decretos-
lei, pareceres e indicações) reconstruir a história do curso de Pedagogia.
2 Segundo Brzezinski (1996, p.181) “A profissão pedagogo não consta na Classificação
internacional Uniforme das Ocupações (ISCO), editada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Desse modo, legalmente ela não é reconhecida como profissão. Por analogia, a ocupação de pedagogo enquadra-se no Grupo Unitário Código Isco: 0-6 – Professores (Ministério do Trabalho 1971, p.99)”.
23
Relata que o curso de Pedagogia no Brasil já revela, na sua própria gênese,
muitos problemas que o acompanharão ao longo do tempo e mostra que sua
história pode ser considerada como uma história de busca de afirmação da
identidade, haja vista que seu desenvolvimento foi acompanhado pelo
questionamento de sua identidade.
Para tornar essa problemática mais clara, a autora dividiu a
história desse curso didaticamente em períodos, de acordo com a análise
sobre a identidade da Pedagogia no Brasil ao longo da história, quais sejam:
período das regulamentações, período das indicações e período das propostas.
Seguiremos neste texto esta organização acrescentando algumas
contribuições de outros autores.
O período entre 1939 e 1972 foi denominado período das
regulamentações, por concentrar uma etapa de organização e reorganização
do curso, de acordo com a legislação fixada – o Decreto-Lei nº 1.190/39, o
Parecer do CFE 251/62 e o Parecer do CFE 252/69.
O curso de Pedagogia foi regulamentado em nosso país por
ocasião da organização da Faculdade Nacional de Filosofia, da Universidade
do Brasil, através do Decreto-Lei 1.190 de 04 de abril de 1939 e tinha a dupla
função de formar bacharéis e licenciados para várias áreas, num esquema que
passou a ser conhecido como 3+1, segundo o qual o bacharel era formado em
três anos, sendo reconhecido como técnico em educação, e adicionando-se
mais um ano de curso de Didática formava-se o licenciado, sendo habilitado
para o magistério nas antigas Escolas Normais. Neste Decreto-Lei foi mantida
a formação do professor primário na Escola Normal.
Brzezinski (1996), em seu estudo sobre a formação de
profissionais da educação, afirma que neste tempo a Pedagogia “não tratava
de sua especificidade – a teoria da educação e da didática –, mas se
aprofundava em generalidades sobre as ciências auxiliares da educação” (p.
216). Estudava-se, portanto, “generalidades como conteúdo de base e
superpunha-se o específico num curso à parte – o de didática da Pedagogia”
(BRZEZINSKI, 1996, p. 44).
Seus estudos mostram que essa configuração curricular, marcada
pela inexistência de conteúdo específico, introduziu distorções no curso de
Pedagogia que resultaram em uma pseudo-identidade, a qual levou o curso a
24
ocupar lugar de pouca importância no contexto das demais licenciaturas. O que
prevaleceu foi o “arranjo” beneficiando os pedagogos, que, na época,
adquiriram o direito de lecionar disciplinas sem preparo exigido para que se
tornassem professores. E, ainda, a adoção da premissa “quem pode o mais
pode o menos”, isto é, quem prepara o professor primário tem condições
também de ser professor primário.
O esquema 3+1 permaneceu até 1961 e acabou sendo reforçado
pelo parecer 251/62. Segundo Brzenzinki (1996), por meio da homologação da
Lei de Diretrizes e Bases de 1961 (4.024/61), o Conselho Federal de
Educação, com suas atribuições, buscou colocar em prática a fixação de um
currículo mínimo de formação de professores nos cursos superiores. O curso
de Pedagogia, então, teve sua regulamentação definida pelos Pareceres do
CFE nº 251/62 e 252/69.
O Parecer 251/62 instituiu para o curso de Pedagogia a
incumbência de formar professores para os cursos Normais e profissionais
destinados às funções não-docentes do setor educacional, os “técnicos de
educação” ou “especialistas de educação”. No entanto, já no início deste
Parecer, o seu autor, professor Valnir Chagas, anunciava a ideia de que, no
futuro, a formação do professor primário se desse em nível superior e a de
técnico em educação em pós-graduação. Para Bissolli da Silva (2006), Chagas
ao abordar essas questões que implicavam na manutenção ou extinção do
curso de Pedagogia, já evidenciava a fragilidade e provisoriedade deste curso.
A ideia da extinção é explicada pelo legislador como tendo sua origem na
acusação de que faltava ao curso conteúdo próprio.
Este Parecer tratava de fixar currículos mínimos e tentar eliminar
o esquema 3+1 modificando o tempo de duração do bacharelado e da
licenciatura em Pedagogia de três para quatro anos. O currículo mínimo do
curso de Pedagogia consistia em sete matérias para o bacharelado, sendo
cinco obrigatórias, quais sejam: Psicologia da Educação, Sociologia (geral e da
educação), História da Educação, Filosofia da Educação, Administração
Escolar e mais duas matérias opcionais. Já para a licenciatura, foi incorporado
o Parecer 292/62 que fixava, além das matérias que deviam ser cursadas
concomitantemente ao bacharelado, as matérias pedagógicas dos cursos de
licenciatura para o magistério em escolas de nível médio (ginasial e colegial), a
25
saber: Didática e Prática de Ensino. Desta legislação o que resultou foi, na
prática, a separação entre bacharelado e licenciatura, já que o bacharelado
formava o técnico, e a licenciatura, o professor para a Escola Normal.
(BRZENZINSKI, 1996).
Neste quadro, Bissolli da Silva (2006) destaca a inexistência de
campo de trabalho para o técnico em educação, que era um profissional
destinado a funções não-docentes, já que o Parecer 251/62 não faz nenhuma
referência ao campo de trabalho deste profissional. A autora acrescenta que
“os legisladores [...] fixaram um currículo mínimo visando à formação de um
profissional ao qual se referem vagamente e sem considerar a existência ou
não de um campo de trabalho que o demandasse” (p.17).
Para os licenciados em Pedagogia a situação também estava
complicada devido à invasão de seu mercado de trabalho por outros
profissionais, tais como médicos, dentistas, engenheiros, advogados,
psicólogos, cientistas sociais e também por professores primários. A questão
do campo de trabalho do pedagogo, na época, apontava para a falta de
regulamentação da profissão de pedagogo, e a imprecisão do currículo já
evidenciava problemas no curso de Pedagogia.
O outro Parecer, o 252/69, foi elaborado durante o governo militar,
no contexto da aprovação da Reforma Universitária. Privilegiou o modelo
tecnicista de formação de professores e de especialistas, proporcionando a
fragmentação do trabalho pedagógico e contribuindo para dividir a formação do
pedagogo em habilitações técnicas na graduação.
Instituiu que o curso de Pedagogia formasse profissionais para o
setor da educação: de um lado, professores para o ensino Normal e, de outro,
os especialistas – orientador educacional, supervisor escolar, administrador
escolar, inspetor escolar e planejador educacional. Também garantia o direito
do licenciado em Pedagogia exercer o magistério nas séries iniciais. Interessa
a este estudo realçar que o trabalho do professor nestas séries se daria dentro
da habilitação para o ensino Normal, sem se prever, contudo, uma habilitação
específica para se lecionar nas séries iniciais (BISSOLLI DA SILVA, 2006;
BRZEZINSKI, 1996).
Segundo Bissolli da Silva (2006) este instrumento legal fixava um
currículo mínimo e a duração para o curso de Pedagogia. A duração mínima
26
era 2.200 horas para a Licenciatura Plena e 1.100 horas para a Licenciatura
Curta, a serem desenvolvidas de 3 a 7 e de 1,5 a 4 anos, respectivamente. Os
cursos de curta duração formavam profissionais que podiam atuar apenas em
escolas de 1º grau; já os profissionais que cursavam duração plena adquiriam
o direito de atuar em escolas de 1º e 2º graus, podendo, portanto, lecionar no
curso Normal as disciplinas correspondentes tanto à parte comum do curso
quanto às suas habilitações específicas.
A formação do pedagogo seria organizada em duas partes: uma
comum (base comum), composta pelas matérias básicas para a formação de
qualquer profissional da área da educação: Sociologia Geral, Sociologia da
Educação, Psicologia da Educação, História da Educação, Filosofia da
Educação e Didática; e outra diversificada, em função da habilitação específica
escolhida pelo aluno. Cabe lembrar que o Parecer fixou, para cada habilitação,
as matérias que compunham a parte diversificada.
Esta parte do currículo de Pedagogia ficava composta pelas
seguintes especialidades pedagógicas: o magistério dos cursos Normais e as
atividades de orientação, administração, supervisão e inspeção, sendo prevista
para essas áreas as seguintes habilitações: ensino das disciplinas e atividades
práticas dos cursos normais, orientação educacional, administração escolar,
supervisão escolar e inspeção escolar. Estas três últimas poderiam ser
oferecidas tanto em regime de curta duração como de duração plena
(BISSOLLI DA SILVA, 2006). Vale lembrar que, além dessas habilitações já
previstas legalmente, o Parecer faculta ao Conselho Federal de Educação e às
IES criar novas habilitações.
O curso de Pedagogia, apesar de conter as mais diversas
habilitações, passou a diplomar seus egressos como “licenciados”. Brzenzinki
(1996) comenta que, embora já existisse a intenção de Valnir Chagas em
“assegurar a docência como base comum de formação do especialista” (p.75),
na prática, em “diversas instituições de ensino superior, a habilitação
magistério deixou de constituir prioridade no curso de pedagogia, sendo
substituída pelas habilitações de especialistas.” (p.76). Deste modo, a
formação do professor passou a ocupar um segundo plano em muitas destas
instituições.
27
Na verdade, com a reformulação da estrutura curricular e a
criação das habilitações técnicas a serem realizadas na graduação, os
legisladores pretendiam atender às necessidades do mercado de trabalho e,
ainda, melhor caracterizar o destino profissional dos egressos do curso de
Pedagogia. No entanto, esta decisão, baseada na adoção do modelo tecnicista
de formação de professores e especialistas, resultou na fragmentação da
formação do pedagogo, aprofundando, ainda mais, a indefinição da identidade
deste curso.
A partir desta formulação, o pedagogo, além de ficar com sua
formação comprometida pela forma fragmentada da organização curricular
proposta, ainda continuou a encontrar problemas quanto a sua colocação
profissional, ainda que este Parecer seja identificado como o mais fértil em
suas potencialidades quanto à definição do mercado de trabalho (BISSOLLI DA
SILVA, 2006).
Os vários pontos vulneráreis do Parecer 252/69 são mostrados
por Bissolli da Silva (2006). Ela afirma que as aspirações excessivamente
ambiciosas dos legisladores sob a alegação das exigências do mercado de
trabalho provocaram a antecipação de inúmeras especializações do curso de
Pedagogia, o que trouxe como consequência o "inchaço" do currículo
provocando duas ordens de dificuldades. Primeira, a de atender às
necessidades de formação de docentes e não-docentes; segunda, a de dar as
condições de oferta de grande número de disciplinas para as várias
habilitações e as múltiplas práticas de ensino. O agravamento da situação se
deu, continua a autora, quando, além da formação do professor para o ensino
Normal e dos especialistas, o Parecer assegurou ainda o direito ao magistério
nas séries iniciais do 1º grau, dentro da habilitação para o ensino Normal.
"Adicionar às demais incumbências do curso de pedagogia a formação,
também, desses profissionais, é superestimar as possibilidades do curso e/ou
desconhecer as necessidades de formação desses docentes", afirma Bissolli
da Silva (2006, p. 45). Conclui a autora que um "inchaço" de tais proporções
leva inevitavelmente à desqualificação de qualquer curso.
Como se pode perceber, o caminho percorrido de estruturação
curricular e regulamentação do curso de Pedagogia pelos diferentes Pareceres
revela a continuidade da indefinição quanto à especificidade dos estudos
28
pedagógicos e à identidade do curso, e, por conseguinte, à identidade do
profissional ali formado.
Enfim, o período em foco caracteriza-se pela preocupação em
atender às necessidades do mercado de trabalho e pela adoção da dimensão
técnica do trabalho do pedagogo. A partir daí, este profissional passou a ser
formado como técnico da educação e identificado, depois, como pedagogo
generalista. Neste período o curso teve sua identidade questionada (BISSOLLI
DA SILVA, 2002). Cabe ressaltar que estes aspectos legais nortearam a
organização do curso de Pedagogia por muito tempo, sendo descartados por
ocasião da aprovação da nova LDB – Lei Federal nº. 9.394/96.
De 1973 a 1978 ocorreu o segundo período estabelecido por
Bissolli da Silva (2006), denominado período das indicações, em que o curso
de Pedagogia teve sua identidade projetada. Este período representou o tempo
de encaminhamentos do conselheiro Valnir Chagas ao Conselho Federal de
Educação (CFE), com o objetivo de reestruturação dos cursos superiores de
formação de professores. Suas indicações são assim resumidas por Brzezinski
(1996, p. 124):
A formação do especialista deveria ser feita em qualquer licenciatura;
A formação do especialista seria feita no professor;
A formação do especialista seria precedida da exigência de experiência de magistério e poderia ser feita em habilitação polivalente, na qual se englobam a administração escolar, a orientação educacional e a supervisão escolar;
A formação do especialista poderia ser feita, também, em nível de pós-graduação;
A formação do professor para as séries iniciais de escolarização seria feita em nível superior;
As habilitações fundamentais (orientação educacional, supervisão escolar, inspeção escolar e planejamento educacional) preconizadas pela Lei 5.692/1971 deveriam permanecer;
As habilitações poderiam se diversificar, ampliando-se o leque de ofertas pelas instituições e instâncias formadoras, em consonância à Lei 5.692/1971;
A médio e longo prazos deveria ser extinta a habilitação magistério.
É fundamental esclarecer que, naquele período, as questões
referentes ao destino do curso de pedagogia encontravam-se inseridas num
conjunto de preocupações mais amplas a respeito da revisão dos cursos
superiores de formação do educador. Anteriormente a estas indicações, era
29
função do curso de Pedagogia formar docentes para o magistério do 2º grau
(antiga escola Normal) e formar especialistas não docentes para a escola de 1º
e 2º graus. Entretanto, essa organização apresentava pontos críticos que
justificavam as reformulações sugeridas nas indicações. Brzezinski (1996)
relata que tais propostas tinham origem,
[...] por um lado, na indefinição dos conteúdos básicos do currículo,
portanto, na falta de especificidade deste curso, dado ser a
pedagogia campo de aplicação de outras ciências e, por outro, no
reducionismo simplista da tendência legal (a partir de 1969) de
“treinar” pedagogos para desempenharem algumas tarefas não-
docentes na escola. (p.82)
Bissolli da Silva (2006) assevera que as indicações do relator
remetiam a mudanças no curso de Pedagogia quando informavam que a
formação do especialista em educação seria “[...] feita como habilitações
acrescentadas a cursos de licenciatura, permitindo-se ainda, em caráter
transitório, que seja feita como curso aberto a docentes que tenham preparo de
2º. Grau” (p.59). Com isto, o relator pretendia concretizar a ideia de formar o
especialista no professor.
A expropriação do curso de Pedagogia fica evidente na medida
em que estes textos legais deixam de tratar da formação de docentes para
disciplinas pedagógicas do 2º grau, visto que a formação de professores para
as séries iniciais da escolarização passa a se alocar, como regra geral, no
curso superior e não através do curso de Pedagogia, como o conselheiro havia
tratado anteriormente, nem, tampouco, na escola Normal.
O fato é que esse conjunto de documentos legais nem sequer
fazia alusão ao curso de Pedagogia, o que não passou despercebido pelos
educadores, os quais reconheceram a arbitrariedade das indicações do poder
instituído. Essas mudanças propostas pretendiam, à medida que fossem
reforçadas as licenciaturas, a extinção do curso de Pedagogia e a
descaracterização da profissão do pedagogo, que, progressivamente, deixaria
de existir. Brzezinski (1996) conclui que o curso de Pedagogia, de forma
gradativa, seria reduzido a uma licenciatura para formar o professor das séries
iniciais.
30
Os prenúncios de extinção do curso de Pedagogia estimularam os
educadores a se organizarem, em nível nacional, para fazer frente àqueles que
detinham o poder de legislar a respeito da formação de educadores no Brasil,
principalmente ao Conselho Federal de Educação. As indicações sugeridas
contribuíram para desencadear a busca por redefinição dos cursos de
formação de educadores no país a partir de propostas fomentadas no interior
dos movimentos. Brzezinski (1996) comenta que a procura da identidade do
curso de Pedagogia estaria sendo realizada pelos integrantes destes
movimentos.
Nesta trilha, entre 1979 e 1998 aconteceu o terceiro período da
história do curso de Pedagogia, que Bissolli da Silva (2006) denomina de
período das propostas, pois o curso teve sua identidade em discussão. Essa
época marcou também a organização de professores e universitários na
perspectiva de intervir na reformulação dos cursos de formação em nível
nacional. Os registros das discussões deste início de mobilização constituíram-
se em importantes documentos a respeito do curso de Pedagogia e da
identidade do pedagogo.
Ainda em 1978, o I Seminário de Educação Brasileira, realizado
na Universidade de Campinas, oportunizou a reflexão sobre os estudos
pedagógicos em nível superior. Em 1980 aconteceu a I Conferência Brasileira
de Educação, em São Paulo, abrindo debate nacional sobre o curso de
Pedagogia e os cursos de licenciatura. Neste evento foi criado o Comitê
Nacional Pró-formação do Educador.
O diálogo ocorreu em torno da defesa da superação das
habilitações e especializações no espaço escolar e da valorização do
pedagogo. Segundo Libâneo e Pimenta (1999), este movimento se destacou
pela intensidade das discussões e pelo êxito na mobilização dos educadores,
entretanto obteve-se pouco efeito prático, já que não foi possível chegar a um
resultado satisfatório para os problemas da formação dos educadores.
Em 1983, após vários debates e muitos conflitos entre
representantes do governo e lideranças de professores e estudantes, bem
como embates dentro dos grupos dos próprios participantes, surgiu no
Encontro Nacional para a Reformulação dos Cursos de Preparação de
Recursos Humanos para a Educação, realizado em Belo Horizonte, uma
31
proposta de reformulação dos cursos de Pedagogia e licenciatura. Embora
tenha havido dissensos em relação às propostas, foram reafirmados alguns
princípios para a reformulação dos cursos: docência como a base da formação
dos profissionais da educação; teoria e prática como núcleo integrador da
formação do educador e como par indissociável; articulação com o contexto
social brasileiro. Neste evento, portanto, consolidou-se a docência como a base
da identidade profissional de todo educador e recomendou-se a questão da
“base comum nacional” dos cursos de formação de educadores (BISSOLLI DA
SILVA, 2006). Tal base se insurgia contra a formação do pedagogo apenas
como especialista sem que se formasse professor.
Para Bissolli da Silva (2006, p.94) o estudo dos movimentos
organizados pelos profissionais e estudantes a respeito da formação do
educador possibilita a observação de dois importantes princípios:
[...] a) todo professor deve ser considerado educador e, portanto, sua
formação deve sempre supor uma base de estudos de forma a
conduzir a compreensão da problemática educacional brasileira. b) o
de que a docência deve se constituir na base da formação
profissional de todo educador.
De acordo com Brzezinski (1996), o curso de Pedagogia, nesse
período, firmou-se em todo o país formando, prioritariamente, o pedagogo para
atuar na escola como professor e não como especialista, adotando, portanto, a
docência como base da identidade de formação deste profissional.
Neste contexto, em 1996, foi aprovada a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDBEN) n° 9394/96. Sua promulgação intensificou as
discussões e polêmicas não só em relação à identidade do pedagogo, como
também às incertezas quanto à própria sobrevivência do curso de Pedagogia.
Para Bissolli da Silva (2006), esta Lei causou grandes embaraços, porque
passou a prever, em seu artigo 62, que a formação de professores para o
magistério na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental
fosse realizada nos cursos denominados Normal Superior, no interior dos
Institutos Superiores de Educação. Além disso, o artigo 64 abriu a possibilidade
para que a formação dos especialistas ocorresse também em nível de pós-
graduação. Ambas as formações eram tradicionalmente oferecidas pelo curso
de Pedagogia.
32
Assim, a nova LDB, nos artigos 62 e 63, trouxe a figura dos
Institutos Superiores de Educação para, junto com as universidades, serem
responsáveis pela formação de professores para atuar na educação básica. Ao
lado disto, no art. 64, expropriou, ainda mais, a função do curso de Pedagogia,
ao estabelecer duas alternativas voltadas à formação para profissionais de
educação e para a administração, planejamento, inspeção, supervisão e
orientação educacional: a graduação em Pedagogia ou o nível de pós-
graduação, retirando do pedagogo a exclusividade de sua função (BISSOLLI
DA SILVA, 2006).
Franco (2003) denuncia que esta legislação se traduz em mais
uma tentativa ou armadilha que, passo a passo, pretendia efetivar a extinção
dos cursos de Pedagogia no sentido de demonstrar a sua inutilidade. A
investida contra o curso de Pedagogia teve, segundo a autora, o sentido
ideológico de desvalorizar o único espaço nas universidades, no nível de
graduação, que se propõe, junto com as demais áreas do conhecimento,
quando ocupadas do estudo da educação, a fazer, intencionalmente, a análise
crítica da educação praticada na sociedade.
A situação se agravou mais ainda mais quando, em 1999, o
Parecer CES/CNE nº. 970/99 expropriava a função de magistério do curso de
Pedagogia, ao retirar dele a possibilidade de formar docentes para os Anos
Iniciais do Ensino Fundamental e para a Educação Infantil. As decisões
expressas nesse documento resultaram em manifestações contrárias, entre
elas a discordância demonstrada pelo conselheiro Jacques Velloso, o pedido
de revisão pela Comissão de Especialistas de Ensino do Curso de Pedagogia e
intensas mostras de indignação por parte das universidades e demais
entidades acadêmicas ligadas ao assunto.
No entanto, o governo reagiu autoritariamente a tais
manifestações por meio do Decreto Presidencial nº 3.276, de 6 de dezembro
de 1999, que determinava que a formação destinada ao magistério na
Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental far-se-ia
exclusivamente em cursos Normais Superiores. Com este Decreto, segundo
Bissolli da Silva (2006), inaugura-se o período dos decretos, por representar a
tomada de decisões no âmbito do poder executivo, no qual o curso de
Pedagogia teve sua identidade outorgada. Os documentos que constituem este
33
período abordam a formação do professor para a educação básica e
prescrevem limites às funções do curso de Pedagogia.
Contudo, a comunidade acadêmica e o Fórum em Defesa da
Formação de Professores3 ofereceram resistência ao ato executivo nº 3.276.
Isto resultou no Decreto-Presidencial nº 3.554/2000 que substituiu o termo
exclusivamente por preferencialmente, restituindo ao curso de Pedagogia sua
função enquanto licenciatura.
Enfim, a história e a análise dos documentos legais, realizadas
pela professora Bissolli da Silvia (2006) a respeito do curso de Pedagogia no
Brasil e expostas até aqui permitem compreender que
[...] não há como negar a fragilidade que reveste o curso de
pedagogia e, também, a pedagogia enquanto campo de
conhecimento. Não se pode negar, também, que esse campo vem se
afirmando no que se refere ao reconhecimento de sua especificidade
e que avanços significativos vêm sendo empreendidos quanto à
definição de seu estatuto teórico. (p.89)
Segundo Sheibe (2007), o período a partir da LDBEN 9394/1996
foi marcado por embates e discussões sobre a formação e atuação do
pedagogo. Em 2002 foram apresentadas pelo CNE, na Resolução CNE/CP 1
de 18.02.2002, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores, as quais propõe que as instituições formadoras organizem seus
projetos pedagógicos considerando as competências necessárias para o
exercício da docência.
Neste contexto, o Conselho Nacional de Educação, no uso de
suas atribuições, formula e publica no Diário Oficial da União, em 16 de maio
de 2006, a Resolução CNE/CP nº. 1 de maio de 2006, a qual Institui Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura.
3 O Fórum em Defesa da Formação de Professores foi composto, inicialmente, por 11
entidades: ANDES/SN, ANFOPE, ANPEd, ANPAE, ABT, CEDES, Comissão de Especialistas de Ensino de Pedagogia, Fórum de Diretores das Faculdades/Centros de Educação das Universidades Públicas Brasileiras, Fórum Paulista de Educação Infantil, Fórum Paulista de Pedagogia e Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública.
34
2.2 As Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia
O documento CNE/CP n. 1/20064 baliza um novo momento,
assinalando para novos debates no campo da formação do profissional da
educação no curso de Pedagogia, no sentido de assegurar a docência como
função precípua deste curso e a superação da dicotomia entre licenciatura e
bacharelado no seu interior. O debate, portanto, se faz em torno da identidade
do curso e da sua finalidade profissionalizante, agora instituída como
licenciatura, visto que as habilitações são extintas.
De acordo com estudos de Aguiar et al. (2006), a Resolução n.
1/2006 fixa que o curso de Pedagogia é exclusivamente uma licenciatura com a
formação em docência; consolida-se, portanto, a docência como base para a
formação do pedagogo. Esta Resolução, em seu art. 4º define que
O curso de Licenciatura em Pedagogia destina-se à formação de
professores para exercer funções de magistério na Educação Infantil
e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino
Médio, na modalidade Normal, de Educação Profissional na área de
serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos
conhecimentos pedagógicos.
Assim sendo, o curso de Pedagogia, a partir desta legislação, fica
limitado a formar docentes, e a Pedagogia fica subsumida à docência. Porém,
ainda que a docência seja a função principal da formação do curso de
Pedagogia, esta Resolução abre amplo horizonte para a formação e atuação
profissional dos pedagogos. O egresso do curso de Pedagogia deverá estar
apto a:
a) atuar com ética e compromisso com vistas à construção de uma
sociedade justa, equânime, igualitária;
b) compreender, cuidar e educar crianças de zero a cinco anos, de
forma a contribuir, para o seu desenvolvimento nas dimensões, entre
outras, física, psicológica, intelectual e social;
c) fortalecer o desenvolvimento e as aprendizagens de crianças do
Ensino Fundamental, assim como daqueles que não tiveram
oportunidade de escolarização na idade própria;
d) trabalhar, em espaços escolares e não-escolares, na promoção da
4 CNE. Resolução CNE/CP 1/2006. Diário Oficial da União, Brasília, 16 de maio de 2006,
Seção 1, p. 11.
35
aprendizagem de sujeitos em diferentes fases do desenvolvimento
humano, em diversos níveis e modalidades do processo educativo;
e) reconhecer e respeitar as manifestações e necessidades físicas,
cognitivas, emocionais, afetivas dos educandos nas suas relações
individuais e coletivas;
f) ensinar Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História,
Geografia, Artes, Educação Física, de forma interdisciplinar e
adequada às diferentes fases do desenvolvimento humano;
g) relacionar as linguagens dos meios de comunicação à educação,
nos processos didático-pedagógicos, demonstrando domínio das
tecnologias de informação e comunicação adequadas ao
desenvolvimento de aprendizagens significativas;
h) promover e facilitar relações de cooperação entre a instituição
educativa, a família e a comunidade;
i) identificar problemas socioculturais e educacionais com postura
investigativa, integrativa e propositiva em face de realidades
complexas, com vistas a contribuir para superação de exclusões
sociais, étnico-raciais, econômicas, culturais, religiosas, políticas e
outras;
j) demonstrar consciência da diversidade, respeitando as diferenças
de natureza ambiental-ecológica, étnico-racial, de gêneros, faixas
geracionais, classes sociais, religiões, necessidades especiais,
escolhas sexuais, entre outras;
l) desenvolver trabalho em equipe, estabelecendo diálogo entre a
área educacional e as demais áreas do conhecimento;
m) participar da gestão das instituições contribuindo para elaboração,
implementação, coordenação, acompanhamento e avaliação do
projeto pedagógico;
n) participar da gestão das instituições planejando, executando,
acompanhando e avaliando projetos e programas educacionais, em
ambientes escolares e não-escolares;
o) realizar pesquisas que proporcionem conhecimentos, entre outros:
sobre alunos e alunas e a realidade sociocultural em que estes
desenvolvem suas experiências não escolares; sobre processos de
ensinar e de aprender, em diferentes meios ambiental-ecológicos;
sobre propostas curriculares; e sobre organização do trabalho
educativo e práticas pedagógicas;
p) utilizar, com propriedade, instrumentos próprios para construção de
conhecimentos pedagógicos e científicos;
q) estudar, aplicar criticamente as diretrizes curriculares e outras
determinações legais que lhe caiba implantar, executar, avaliar e
encaminhar o resultado de sua avaliação às instâncias competentes,
e
r) compreender a escola como organização complexa que tem a
função de promover a educação para e na cidadania.
É necessário ter bem claro que as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura, trazem
elementos propostos pela ANFOPE – Associação Nacional pela Formação do
Educador e por entidades apoiadoras, que têm defendido a tese de que a base
36
da identidade dos profissionais da educação deve ser a docência e que, por
conseguinte, a base de formação do pedagogo é a docência, sendo o
pedagogo o profissional da educação que seria antes de tudo um professor. A
ANFOPE (2005) considera, todavia, que a concepção da docência como base
da formação dos profissionais da educação não restringe o curso de Pedagogia
a uma licenciatura; permite sim, a superação da fragmentação entre a
formação do licenciado e do bacharel, não dicotomizando a formação do
professor da formação dos especialistas.
Libâneo e Pimenta polemizam com essa posição, argumentando
que as DCNs firmam ao curso de Pedagogia valor igual ao de um curso de
licenciatura. Estes autores sustentam que o campo teórico e epistemológico da
Pedagogia não se limita à docência, ainda que a inclua.
Para Libâneo (2006), o que se percebe nessas Diretrizes, no
parágrafo 1º do artigo 2º, é que a docência é compreendida como ação
educativa e processo pedagógico metódico e intencional, construído em
relações sociais, étnico-raciais e produtivas, as quais influenciam conceitos e
objetivos da Pedagogia. Neste sentido, a docência não é vista só do ponto de
vista do processo ensino-aprendizagem que constitui o trabalho educativo na
relação professor-aluno na sala de aula, mas também da gestão da escola e de
atividades que ultrapassam a escola, como fica evidenciado no parágrafo do
art. 4º deste documento:
Parágrafo único. As atividades docentes também compreendem
participação na organização e gestão de sistemas e instituições de
ensino, englobando:
I - planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e
avaliação de tarefas próprias do setor da Educação;
II - planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e
avaliação de projetos e experiências educativas não-escolares;
III - produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico do
campo educacional, em contextos escolares e não-escolares.
Isto permite compreender que o conceito de docência proposto
nas DCNs não está sendo relacionado unicamente com ser professor. A
perspectiva de docência ali explicitada ultrapassa o ato de ensinar e extrapola
os limites da sala de aula. Constata-se que as Diretrizes ampliam o conceito de
docência atribuindo ao curso de Pedagogia a tarefa de formação do professor,
do gestor e do pesquisador.
37
Este documento dá ênfase a um currículo embasado nos
conhecimentos da prática, tendo como foco principal a formação de professor,
e, depois, a formação do pedagogo. O fato é que a organização atual do curso
de Pedagogia tem como conceitos mobilizadores a docência, a gestão e o
conhecimento, sendo a docência a base da formação, porém, entendida numa
nova concepção de docência, a da docência alargada.
Embora não seja foco do presente estudo discutir profundamente
a ideia da docência em sentido alargado e suas interpretações, interessa dizer
que, neste caso, o problema, segundo Libâneo (2006a), é que quando à
docência são adicionadas atividades de gestão e de produção de
conhecimento é possível gerar uma “imprecisão conceitual” que pode levar a
inúmeras interpretações do que precisamente deverá ser a base do curso de
Pedagogia. Para este autor,
A imprecisão conceitual que salta aos olhos é o entendimento de que
quaisquer atividades profissionais realizadas no campo da Educação,
ligadas à escola ou extra-escolares, são atividades docentes. Ou
seja, o planejador da educação, o especialista em avaliação, o
animador cultural, o pesquisador, o editor de livros, todos eles
estariam nessas atividades exercendo docência (são docentes). Em
suma, é patente a confusão que o texto provoca ao não diferenciar
campos científicos, setores profissionais, áreas de atuação, ou seja,
uma mínima divisão técnica do trabalho necessária em qualquer
âmbito científico ou profissional sem o que a prática profissional pode
tornar-se inconsistente e sem qualidade. (LIBÂNEO, 2006a, p. 222).
Na visão deste estudioso seria impossível um só curso dar conta
de uma formação de qualidade com um perfil tão alargado, que prevê a
formação de um profissional para atuar nas diversas áreas da docência, na
gestão e na produção de conhecimento. Sua posição a este respeito é a de
que
[...] para se atingir níveis mínimos desejáveis de qualidade da
formação, ou se forma um bom professor, ou se forma um bom gestor
ou coordenador pedagógico ou um bom pesquisador ou um bom
profissional para outra atividade. Não é possível formar todos esses
profissionais num só curso, nem essa solução é aceitável
epistemologicamente falando. A se manter um só currículo, com o
mesmo número de horas, teremos um arremedo de formação
profissional, uma formação aligeirada, dentro de um curso inchado.
(LIBÂNEO, 2002, p. 84)
38
Como se vê, apesar da adesão pelo CNE às propostas da
ANFOPE, o tema da Pedagogia e da formação de pedagogos, que vem sendo
objeto de debate desde os finais dos anos setenta, não cessa na aprovação
dessas Diretrizes, mas permanece em pauta, haja vista a existência de
educadores que se posicionam diferentemente da tese da ANFOPE. Isto ficou
claro quando intelectuais, em torno de 120 educadores, entre eles José Carlos
Libâneo, Selma Garrido Pimenta e Maria Amélia Santoro Franco, assinaram o
Manifesto dos Educadores Brasileiros (2005). Esta proposta compreende o
curso como bacharelado, no qual deve ser garantida a pesquisa, conforme se
explicita a seguir.
O curso de Pedagogia constitui-se num curso de graduação cuja
especificidade é a análise crítica e contextualizada da educação e do
ensino enquanto práxis social, formando o bacharel pedagogo, com
vistas ao aprofundamento na teoria pedagógica, na pesquisa
educacional e no exercício de atividades pedagógicas em diversos
campos da sociedade5.
Neste entendimento, o curso seria ofertado pelas
Faculdades/Centros/Departamentos de Educação com duração de quatro anos
e carga horária de 3200 horas. O interesse é, também, entre outras atribuições
do curso, formar o gestor. Desse modo, o pedagogo atuaria
[...] na formulação e gestão de políticas educacionais; avaliação e
formulação de currículos e de políticas curriculares; organização e
gestão de sistemas e de unidades escolares; coordenação,
planejamento, execução e avaliação de programas e projetos
educacionais, para diferentes faixas etárias (criança, jovens, adultos,
terceira idade); coordenação pedagógica e assessoria didática a
professores e alunos em situações de ensino e aprendizagem;
coordenação de atividades de estágios, produção e difusão de
conhecimento científico e tecnológico do campo educacional; formulação
e coordenação de programas e processos de formação contínua e
desenvolvimento profissional de professores em ambientes escolares e
não-escolares; produção e otimização de projetos destinados à
educação a distância, programas televisivos, vídeos educativos;
desenvolvimento cultural e artístico para várias faixas etárias. (Manifesto
dos Educadores Brasileiros, 2005)
5Manifesto dos Educadores Brasileiros. São Paulo, 2005. Disponível em
www.ced.ufsc.br/.../ManifestoEducadoresBrasileiros2005, acesso em 21/09/2010.
39
A formação docente se daria em cursos específicos de
licenciaturas, podendo ser oferecida no mesmo espaço do curso de Pedagogia.
Por meio deste documento, os educadores em pauta buscaram
tornar clara a oposição à proposta de Diretrizes para o curso de Pedagogia
lançada pelo CNE apresentando sua proposta. Especificamente, mostraram
que não concordam que o curso de Pedagogia fique restrito a formar docentes
e a Pedagogia fique subsumida à docência, pois entendem que a base
curricular do curso de Pedagogia precisa estar assentada na ação pedagógica
e não na ação docente. Constatam que as DCNs consolidam equivalência do
curso de Pedagogia a um curso de licenciatura para formação de professores
de Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, institucionalizando
o título de pedagogo ao profissional formado neste curso.
É importante lembrar que Pimenta (1996), Libâneo (1998) e
Franco (2008) apresentam propostas em suas obras contrapondo-se a
qualquer redução da formação do pedagogo à docência, pois acreditam que
restringir a ação pedagógica à docência é causar um reducionismo conceitual,
um estreitamento do conceito de Pedagogia. Seus estudos compreendem o
curso de Pedagogia como campo científico e investigativo que se constitui,
primeiramente, como uma ciência e, portanto, como um curso que pode
proporcionar ao pedagogo, enquanto profissional da educação, conhecimentos
mais vastos que não se limitem aos docentes.
A exposição destas idéias corrobora a assertiva de que, com a
aprovação das Diretrizes, não se extinguem as polêmicas que acompanham as
discussões a respeito do curso de Pedagogia. Este fato, por um lado, evidencia
o caráter inconcluso e histórico que reveste a formação do pedagogo no Brasil
e, por outro, que existem muitos caminhos a serem percorridos.
Franco (2003, 2008) conclui, a este respeito, observando que as
reflexões em torno desta temática persistem centralizadas nos
posicionamentos: qual é a base identitária do pedagogo? Ser ou não ser a
docência sua base identitária? O curso de Pedagogia deve formar o pedagogo,
propriamente dito, ou o professor? Pedagogo e Professor são conceitos
sinônimos? As funções desempenhadas pelo professor são as mesmas
destinadas ao pedagogo? Historicamente, pedagogo e professor foram
profissões idênticas? Formar alguém para ser professor requer as mesmas
40
capacitações, as mesmas condições curriculares que formar um pedagogo?
Todo professor é pedagogo? Todo pedagogo é professor?
Por conseguinte, o debate ainda não se finalizou por se tratar de
assunto diretamente ligado a vários grupos de interesse. Dadas as questões e
controvertidas interpretações quanto à natureza da Pedagogia, do curso de
Pedagogia, bem como do campo de atuação do pedagogo, há que se prever
que estes embates continuarão como centro das atenções por muito tempo.
Não é pretensão deste estudo abarcar com profundidade todos
estes questionamentos, mas se analisa, no próximo tópico, a questão da
identidade da Pedagogia como ciência da educação, na intenção de buscar
compreender as bases desta ciência e a especificidade de seu objeto. Assim
se estará adentrando por caminhos que discutem, mais especificamente, se a
base identitária desta formação deverá ser a docência ou os estudos
pedagógicos.
2.3 A Questão da Identidade da Pedagogia
Dada a complexidade que envolve a Pedagogia e os cursos de
Pedagogia, esta unidade apresenta as ideias de autores que trazem ao debate
educacional a questão da identidade da Pedagogia. O que se pretende é
contextualizar essas discussões e mostrar sua natureza. Bissolli da Silva
(2006) faz menção da importância dos estudos desenvolvidos por Saviani
(1976), Mazotti (1996), Pimenta (1996, 1997) e Libâneo (1996, 1997) para
esses debates.
Aponta que os estudos de Saviani (1976) mostram que, ao longo
do tempo, a Pedagogia foi conceituada como ciência da educação, arte de
educar, técnica de educar, filosofia da educação, história da educação, teologia
da educação e teoria da educação; ele, porém, a define como “teoria geral da
educação”. Já na década de 90, Mazotti, Libâneo e Pimenta, inteirados das
discussões ocorridas especialmente na França, Espanha e Portugal, passaram
a fundamentar uma concepção de Pedagogia enquanto “ciência da prática
educativa” (BISSOLLI DA SILVA, 2006).
41
No entendimento de Libâneo (1998), a Pedagogia abrange um
campo de conhecimento que possui objeto, problemáticas e métodos próprios
de investigação, o que a caracteriza como “ciência da educação”. Ele considera
que
[...] a pedagogia ocupa-se, de fato, dos processos educativos,
métodos, maneiras de ensinar, mas antes disso ela tem um
significado bem mais amplo, bem mais globalizado. Ela é um campo
de conhecimentos sobre a problemática educativa na sua totalidade e
historicidade e, ao mesmo tempo, uma diretriz orientadora da ação
educativa. (LIBÂNEO, 1998, p.22)
A Pedagogia, portanto, tem um olhar sobre o fenômeno educativo
que lhe é peculiar, visto que seu objeto de estudo é a prática educativa, que se
dá não somente no âmbito escolar, mas compreende os processos formativos
que ocorrem numa variedade de instituições e atividades nas quais os
indivíduos estão envolvidos socialmente (LIBÂNEO, 1998, p. 90). Por
conseguinte, o autor define a Pedagogia como “teoria e prática da educação” e
aponta a prática educativa como objeto de estudo da ciência pedagógica que
estuda o fenômeno educativo na sua globalidade. Assim, ratifica que
[...] a base de um curso de Pedagogia não pode ser a docência. A base de um curso de Pedagogia é o estudo do fenômeno educativo, em sua complexidade, em sua amplitude. Então, podemos dizer: todo trabalho docente é trabalho pedagógico, mas nem todo trabalho pedagógico é trabalho docente. A docência é uma modalidade de atividade pedagógica, de modo que o fundamento, o suporte, a base, da docência é a formação pedagógica, não o inverso. Ou seja, a abrangência da Pedagogia é maior do que a da docência. Um professor é um pedagogo, mas nem todo pedagogo precisa ser professor. (2006a, p. 220)
Pimenta (1996) defende a Pedagogia como ciência da prática da
educação que tem a prática como o seu ponto de partida e de chegada, sendo
que o sujeito do conhecimento e o objeto do conhecimento se imbricam e se
constituem mutuamente. A educadora parte do entendimento de que a
educação enquanto prática social é um objeto inconcluso, histórico, cujo
movimento deve ser captado na sua dialeticidade. Daí que a pedagogia é a
ciência que se propõe captar o real pedagógico no seu movimento, na sua
práxis. Tem caráter articulador entre os vários discursos das ciências da
educação na medida em que assume a tarefa de significá-los no confronto com
42
a prática da educação e frente aos problemas colocados pela prática social da
educação.
A autora ora em pauta deixa claro que o psicólogo ao estudar o
fenômeno educativo não faz Pedagogia, pois tem seu foco nos conceitos e
métodos de sua ciência e não no pedagógico. Daí o caráter específico da
Pedagogia, o qual a distingue das outras ciências da educação. Assim sendo,
defende que a Pedagogia é um campo de conhecimento específico da práxis
educativa que ocorre na sociedade, diferente das demais ciências que não têm
a educação como objeto específico de análise, mas que a ela podem se voltar.
Assim sendo, explicita e defende, em suas produções sobre o tema, que a
Pedagogia é uma ciência da educação e que uma das modalidades de
inserção profissional do pedagogo é a docência. Propugna, assim, que a
Pedagogia é a base da formação e da atuação profissional do professor, e não
o contrário, como propõe a posição da ANFOPE.
Nessa mesma esteira de pensamento, Franco (2003, 2008), ao
fazer uma reflexão sobre o espaço científico da Pedagogia, no âmbito
epistemológico, aponta a Pedagogia como a necessária e possível ciência da
educação. Mostra, contudo, que historicamente a Pedagogia foi perdendo,
passo a passo, as possibilidades de se fazer científica, principalmente, por
adotar os pressupostos da ciência moderna positivista, na configuração
técnico-científica, que, inadequados à sua epistemologia, provocaram sua
perda de “sentido”, de “identidade”, da “razão de ser”. A autora explicita que,
À medida que a pedagogia foi sendo vista como organizadora do
fazer docente, dos manuais, dos planos articulados, feitos com uma
intencionalidade não explícita, ela foi se distanciando de sua
identidade epistemológica, qual seja, de ser a articuladora de um
projeto de sociedade. (p.71)
O que se percebe é que, gradativamente, a Pedagogia foi
abdicando de ser a ciência da educação e permitindo que outras ciências que
não priorizavam o pedagógico se constituíssem mediadoras interpretativas da
práxis. As diversas perspectivas de ciência, colonizando a Pedagogia,
estiveram teorizando uma variedade de abordagens conceituais que resultaram
num emaranhado epistemológico no que diz respeito à construção do
conhecimento pedagógico.
43
O fato é que a descaracterização da Pedagogia como
conhecimento científico veio a colaborar na consolidação de práticas
educativas fortemente conservadoras, dissociadas do contexto sócio-histórico,
tanto de seus atores como do próprio conhecimento que transmite. Este
processo resultou num abismo entre a teoria e a prática e, ainda, na escassez
de teorias pedagógicas sólidas que pudessem dar suporte à concretização de
ações transformadoras no âmbito da prática escolar.
A autora defende que, portanto, é necessário reconduzir a
Pedagogia como ciência da prática da educação. Todavia, esclarece que isto
requer que a Pedagogia passe da racionalidade técnica à racionalidade prática,
reflexiva, formativa e emancipatória, propondo-se formar sujeitos na e pela
práxis e, neste sentido, necessariamente, que se ofereça como um instrumento
político que se posicione a favor da humanização do homem, com vistas a sua
emancipação e libertação. Ela será, então, “uma ciência que não apenas pensa
e teoriza as questões educativas, mas que organiza ações estruturais, que
produzam novas condições de exercício pedagógico, compatíveis com a
expectativa de emancipação da sociedade” (FRANCO, 2008, p.73).
A partir do entendimento de que a educação é um fenômeno
global e plural que permeia toda sociedade humana, a autora delimita como
objeto de estudo da ciência pedagógica a práxis educativa. Cabe, portanto, à
Pedagogia, enquanto ciência da educação, a compreensão e transformação
dessa práxis, devendo esta última ser considerada em uma dimensão de
intencionalidade e reflexividade da prática.
E, mais, neste estudo, Franco reconhece a atividade teórico-
prática da ciência pedagógica sobre o seu objeto, que é a práxis educativa,
como práxis pedagógica. Dito de outra maneira, o exercício do fazer científico
da Pedagogia sobre a prática educativa deve ser entendido como práxis
pedagógica, evidenciando que a Pedagogia, como ciência da educação, deve
ter por objetivo o esclarecimento reflexivo e transformador da práxis educativa.
Explica que a práxis deve ser vista como instrumento de
transformação coletiva, que pressupõe ter como sujeito tanto os pesquisadores
da ciência da educação, portanto, os pedagogos, quanto os professores,
entendidos aqui como aqueles formalmente constituídos no exercício da prática
44
educativa ou aqueles que assumem este papel. A práxis funcionará, deste
modo, como um instrumento de produção de autonomia.
Isto implica a organização de pressupostos metodológicos que,
por meio da análise dialética do real, permitam produzir sujeitos que falam, a
fim de adentrar os significados que estes construíram e estão construindo em
seu fazer social. Assim, a Pedagogia como ciência da educação deve recorrer
a um aporte teórico-metodológico que proporcione condições de
reinterpretação desse real, para que as práticas de tais sujeitos possam ir se
transformando e se adequando às novas condições que vão sendo
construídas, com vistas a uma ação cada vez mais emancipatória.
É preciso também ter clareza de que não caberá a esta ciência
buscar novas teorias para “consertar” a prática; pretende-se, isto sim, ações
científicas sobre a práxis, a partir da análise crítica dos fundamentos e
resultados que envolvem a prática educativa do professor, visando à
reconstrução de novas ações. Assim sendo, é função da Pedagogia, enquanto
ciência, lançando mão do olhar pedagógico e dos saberes “explicativos” de
outras ciências, “organizar fundamentos, métodos e ações para retirar da
práxis a teoria implícita e cientificá-la, a posteriori, juntamente com seus
protagonistas, dentro de uma ação crítica, pautada na responsabilidade social
de uma prática pedagógica” (FRANCO, 2008, p.87).
De maneira bem explícita,
Apostar na pedagogia como ciência da educação significa pressupor
a necessária intercomunicação entre pesquisa e transformação, entre
teoria e prática, entre consciência e intencionalidade. Significa
acreditar que todo processo de investigação deverá se transformar
em processo de aprendizagem que criará à prática novas
possibilidades de superar dificuldades, de se recriar constantemente,
de se auto avaliar e assim modificar e aprofundar seu próprio objeto
de estudo. (FRANCO, 2008, p.78)
Nesta perspectiva, caberá ao pedagogo nortear o trabalho de
capacitar professores para irem se fazendo pesquisadores da própria prática,
incentivando o desenvolvimento de uma postura reflexiva a partir da
investigação dessa mesma prática de modo a equipá-los para refletirem sobre
suas concepções teóricas, identificando as intencionalidades, a concepção de
45
homem, de sociedade, de fins que embasam suas ações cotidianas, tornando-
se, então, simultaneamente professores e pesquisadores.
As reflexões desta autora acerca da Pedagogia contribuem para a
compreensão de que a formação do pedagogo deve considerar o aspecto
crítico-reflexivo, que compreenda a complexidade inerente ao objeto de estudo
em questão, qual seja, a educação, sabendo que esta se configura, se
estabelece, se estrutura em diversas dimensões. Portanto, a análise da ciência
pedagógica deverá abranger os mais diversos ambientes de nossa sociedade
onde a prática pedagógica se realizar.
Por conseguinte, este profissional deve ter claro que apesar de a
escola ser o espaço privilegiado da ação educativa, esta tarefa ultrapassa os
muros escolares, visto que outros espaços produzem influências formativas
sobre os sujeitos, produzindo saberes, propondo comportamentos e valores,
estimulando ações e pensamentos. Ainda mais, deve entender que nem
sempre estes processos têm intencionalidades explícitas, funcionando, muitas
vezes, como instrumentos de desumanização, de opressão e de alienação.
Embora pedagogizar a sociedade seja tarefa de toda a sociedade,
caberá especificamente ao pedagogo, profissional formado na dimensão da
compreensão e transformação da práxis educativa, referenciar e mediar um
processo de aprendizagem no sentido de estender a prática pedagógica a toda
a prática educativa, nas diferentes instâncias educacionais6 da sociedade.
Compete a ele, também, redirecionar a ação educacional transformando-a em
possibilidades educativas, visando à formação integral de sujeitos, numa
dimensão ética, para realmente educar e formar cidadãos. Assim, o campo de
trabalho do pedagogo, educador por excelência, será a escola, as salas de
aulas e as diversas instâncias educativas sociais.
A autora em pauta deixa claro que para se introduzir nessas
diferentes atuações é fundamental que a Pedagogia seja concebida como
elemento de identidade para a prática docente e, não, a prática docente como
sendo elemento identificador da Pedagogia. Neste sentido, quanto à questão já
6 Por exemplo: a mídia, as atividades de recreação e lazer, as diferentes instituições culturais,
os cursos e atividades via internet, entre as múltiplas formas de trânsito da educação na
sociedade contemporânea.
46
mencionada neste texto: Ser ou não ser a docência a base identitária do
pedagogo? propugna que a base identitária do curso de Pedagogia seja a
investigação dos estudos pedagógicos que fundamentam as práxis educativas
de uma sociedade;
Se, no entanto, afirmarmos que a base identitária da formação do
pedagogo será a docência, estaremos, inadequadamente, invertendo
a lógica desta epistemologia, pois estaremos partindo, para identificar
um campo conceitual, não de sua matriz conceitual, mas de uma de
suas decorrentes práticas, no caso, a docência. (p.115)
Logo, segundo a mesma autora, é a docência que se faz pela
Pedagogia e, não, a Pedagogia que se faz pela docência, isto é, “a docência
deve se fundamentar pela pedagogia, não sendo correto afirmar que a
pedagogia se faz pela docência.” (p.117) Deste modo, ela inverte a
epistemologia que tem fundamentado a maioria dos discursos sobre a
Pedagogia.
Em seus comentários no fórum de Educação, ocorrido em Belo
Horizonte em 2003, por meio do texto “A pedagogia para além dos confrontos”,
ela explica que há discrepâncias entre a formação do pedagogo, enquanto um
sujeito que promove, organiza e pesquisa a formação docente, e a formação
profissional para ser docente, ainda que isso não signifique valorizar a
formação do pedagogo enquanto cientista educacional em detrimento do
pedagogo docente ou vice-versa, nem tampouco desconsiderar a possibilidade
de concomitância desses papéis.
Defende que se faz necessário compreender que a formação
docente não pode se dar de maneira superficial, mas deve estar fortemente
ligada a uma intencionalidade, a uma política, a uma epistemologia, a
pesquisas aprofundadas dos conhecimentos pedagógicos. A formação do
pedagogo docente é considerada pela autora tarefa árdua e complexa que
certamente exigirá um curso todo, com pelo menos 3.200 horas e quatro anos
de integralização, em que diferentes espaços e atividades pedagógicas se
cruzem num movimento de contínua e permanente autoformação. Assim,
defende a criação de Faculdade de Pedagogia que seja constituída de
diferentes cursos: Docência; Pedagogo stricto-sensu, Administração, Gestão
escolar e outros.
47
O fato é que não se pode perder de vista que,
epistemologicamente, existem diferenças qualitativas entre a formação de
pedagogo e a de professor que não podem ser pensadas em termos de
acréscimos de conteúdos sobre uma formação básica, o que poderia resultar
numa formação pautada na abordagem superficial de conceitos basilares a
estes campos. Assim, a autora vai deixando claro que a Pedagogia, enquanto
ciência, possui saberes e especificidades que definem um território de
conhecimentos e metodologias que são distintos dos exigidos ao profissional
docente.
Para Franco (2008), a Pedagogia, como a ciência que organiza
ações, reflexões e pesquisas, deve ter em vista a
qualificação da formação de docentes como um projeto político emancipatório;
organização do campo de conhecimento sobre a educação, na ótica do pedagógico;
articulação científica da teoria educacional com a prática educativa;
transformação dos espaços potenciais educacionais em espaços educativos/formadores;
qualificação do exercício da prática educativa na intencionalidade de diminuir práticas alienantes, injustas e excludentes, encaminhando a sociedade para processos humanizatórios, formativos e emancipatórios. (p.117)
Não se poderia deixar de acrescentar que Franco (2008) reitera o
posicionamento explicitado no documento Manifesto dos Educadores (2005), já
citado anteriormente, a respeito do curso de Pedagogia:
Para nós, portanto, o curso de Pedagogia constitui-se no único curso
de graduação onde se realiza a análise crítica e contextualizada da
educação e do ensino enquanto práxis social, formando o pedagogo,
com formação teórica, científica, ética e técnica com vistas ao
aprofundamento na teoria pedagógica, na pesquisa educacional e no
exercício de atividades pedagógicas específicas. (p.149)
Por certo, o que se pretendeu com a discussão realizada até aqui
foi buscar esclarecer aspectos do debate que se tem travado na área
educacional a respeito da problemática da Pedagogia, suas divergências e
controvérsias. Considera-se que procurar compreender, aprofundar e
interpretar a complexidade que envolve a formação do pedagogo poderá ser
um início de caminho cuja direção seja o encontro de respostas mais
48
adequadas a muitas inquietações e desafios que permeiam o ambiente de
formação e atuação deste profissional.
2.4 Um Estudo sobre os Cursos de Pedagogia no Brasil
O objetivo deste tópico é apontar alguns elementos evidenciados
em pesquisa7 desenvolvida recentemente, em 2008, a pedido da Fundação
Victor Civita (FVC), intitulada “Formação de Professores para o Ensino
Fundamental: instituições formadoras e seus currículos” e coordenada pelas
professoras Bernadete A. Gatti e Marina Muniz Rossa Nunes.
Ao recorrer a tal estudo, não se pretende abarcá-lo em
profundidade, mas, simplesmente, contextualizar a formação do pedagogo em
nível nacional a fim de identificar alguns aspectos que possam auxiliar na
análise dos cursos de Pedagogia do estado de Mato Grosso.
A referida pesquisa é considerada relevante porque analisou a
matriz curricular e a ementa de 71 cursos de Pedagogia situados nas cinco
regiões do país, abrangendo os anos 2001, 2004 e 2006. Pretende-se
estabelecer uma possível articulação entre o que revela o estudo sobre o curso
de Pedagogia no Brasil e o que as instituições de Mato Grosso estão propondo.
O estudo em foco buscou analisar, entre outros, o que se propõe
como disciplinas formadoras nas Instituições de Ensino Superior responsáveis
por cursos presenciais de Pedagogia que respondem pela formação de
professores do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental e da Educação Infantil.
Relacionado a esta questão, convém destacar o fato de que o baixo
desempenho obtido pelos estudantes do Ensino Fundamental nas avaliações
nacionais e internacionais tem suscitado importantes debates a respeito dos
elementos que envolvem a melhoria da qualidade da Educação Básica no
Brasil, e, entre estes, situa-se a formação do docente8. Considerando, ainda,
7 Fonte: Jornal da Educação. Pesquisa revela que cursos de Pedagogia não ensinam a pratica
para a sala de aula. Disponível em http://www.jornaldaeducacao.inf.br, acesso em julho/2010. Revista Nova Escola. Formação Inicial. A origem do sucesso (e do fracasso) escolar. Edição 216. 2008. Disponível em http://revistaescola.abril.com.br. Acesso em julho/2010. 8 Os dados do último Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) de Pedagogia,
de 2008, apontam para um número preocupante: 160 cursos (14% do total) apresentaram desempenho insuficiente, e apenas 3% foram considerados excelentes (BIBIANO, Bianca.
49
que a formação do professor para ensinar na Educação Básica deve se
realizar, predominantemente, em nível superior, conforme indicam as
legislações atuais9, vários estudos têm buscado examinar como vem sendo
implementada a atual formação deste docente.
Os resultados do estudo encomendado pela FGV assinalaram a
existência de um descompasso entre o que as faculdades de Pedagogia
oferecem aos futuros professores e a realidade encontrada por eles nas
escolas. As Instituições de Ensino Superior (IES) não oferecem aos futuros
docentes os elementos necessários para se dar uma boa aula, e estes
profissionais saem da faculdade sem saber o quê e como ensinar. Esses
cursos restringem-se a preparar teoricamente o acadêmico por meio de
conceitos de Filosofia, Sociologia, Psicologia e outros campos, dedicando para
este fim 40% das disciplinas.
Há um destaque enorme nas questões estruturais e históricas da
Educação, com pouco espaço para os conteúdos específicos das disciplinas e
para os aspectos didáticos do trabalho docente. O problema é que o curso não
consegue articular teoria e prática, pois, no momento de dar ao aluno uma
visão prática do que é ensinar, utilizando as outras disciplinas que são para
este fim, não se mostra capaz de aproximar os futuros professores da realidade
do ensino na sala de aula. Na opinião das pesquisadoras, as universidades
parecem não se interessar pela realidade das escolas, principalmente as
públicas, nem entendem ser necessário que seus próprios alunos se preparem
para atuar nesse espaço.
Quanto à análise dos currículos, ficou evidenciado que o conteúdo
da educação básica (Alfabetização, Português, Matemática, História,
Geografia, Ciências, Educação Física) é pouco explorado nos cursos de
Pedagogia. É apenas abordado, superficialmente, nas disciplinas de
metodologia e práticas de ensino. Ademais, as grades curriculares, dada sua
constituição fragmentária, inviabilizam a aproximação entre um curso e outro, o
que atrapalha a avaliação real do que é comum na proposta de ensino das
diversas instituições. Só nas grades curriculares dos 71 cursos escolhidos para
Hora de profissionalizar: Repensar as graduações, estruturar planos de carreira, elevar salários continuam sendo desafios. NOVA ESCOLA: Abril. Ano 26, n. 239, jan./fev., 2011). 9 LDBEN 9496/96 e Diretrizes Curriculares Nacionais (2006)
50
o estudo, há 3.107 disciplinas, o que dá uma ideia da diversidade entre os
cursos e da fragmentação do conhecimento.
Isso vem ratificar a necessidade, para o presente estudo, de se
dedicar a olhar atentamente para a formação que tem sido oferecida pelos
cursos de Pedagogia do estado de Mato Grosso, no que diz respeito à
Matemática, visto que se interessa em compreender a formação do pedagogo
e suas implicações para o ensino desta área do conhecimento. É nesta
intencionalidade que é apresentada a próxima seção.
2.5 Os Cursos de Pedagogia e a Formação Matemática do Professor
Esta unidade traz reflexões sobre a realidade dos currículos de
cinco cursos de Licenciatura Plena em Pedagogia, presenciais, organizados
por Instituições de Ensino Superior e responsáveis pela formação inicial do
pedagogo no estado de Mato Grosso, quais sejam: UFMT/Cuiabá;
UFMT/Rondonópolis; UNEMAT/Cáceres; UNIC e UNIVAG, ambas
estabelecidas em Cuiabá - MT.
Aqui são apresentadas algumas características gerais destes
cursos, mas em função das finalidades desta investigação concentra-se o olhar
nas matrizes curriculares dos mesmos e nas ementas de cursos referentes às
disciplinas da área de Matemática. A preocupação principal está, sobretudo,
em compreender de que forma estas instituições têm organizado a formação
matemática dos futuros professores dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
Assim, identificando os caminhos percorridos para a formação
inicial do pedagogo em Mato Grosso, especificamente, no que se refere à
formação para o ensino da Matemática destaca-se o momento do curso em
que esta disciplina é trabalhada, sua ementa e a carga horária destinada à
formação do professor pedagogo para atuar no ensino da mesma.
Com a concretização da reforma das políticas educacionais, na
segunda metade da década de 1990, por meio da promulgação da LDBEN
9496/96, em seu art. 53 Inciso II, ficou atribuída às universidades a autonomia
de fixar os currículos dos seus cursos e programas desde que observadas as
Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos, – neste caso, o curso de
51
Licenciatura Plena em Pedagogia – desenhadas pelo MEC/SESu, que foram
elaboradas com o objetivo de nortear as Instituições de Ensino Superior – IES
para que fossem capazes de proporcionar aos futuros educadores uma
formação profissional de acordo com as atuais exigências da sociedade.
A Resolução CNE/CP nº 01, no Art. 6 Incisos I, II e III, prevê que a
organização curricular seja estruturada de modo a contemplar três núcleos:
núcleo de estudos básicos; núcleo de aprofundamento e diversificação de
estudos; núcleo de estudos integradores. A decodificação e utilização de
códigos de diferentes linguagens utilizadas por crianças, além do trabalho
didático com conteúdos, pertinentes aos primeiros anos de escolarização e
relativos à Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História e Geografia,
Artes, Educação Física fazem parte do núcleo de estudos básicos.
É esclarecedor dizer que a presente unidade mostra um
mapeamento das propostas curriculares destes cursos, não tendo a pretensão
de considerar todas as facetas do currículo, mas sim, as disciplinas, carga
horária e conteúdos voltados à formação matemática do pedagogo
considerando suas ementas. Neste percurso, busca-se traçar algumas
considerações sobre as possíveis implicações destes na prática educativa dos
professores dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, no que diz respeito ao
ensino da Matemática.
2.5.1 O curso de Pedagogia da UFMT/IE10 - Campus de Cuiabá - MT
O Projeto Político Pedagógico do Curso de Pedagogia da
UFMT/IE relata que a história do curso de Pedagogia em Mato Grosso
coincide, em boa extensão, com a história da Universidade Federal de Mato
Grosso. Na sua criação, em 1966, conforme Lei Estadual 2.629 de 26/07/66, o
curso caracterizava-se como licenciatura plena e oferecia a habilitação para
Administração Escolar de 1º e 2º Graus e Magistério das Disciplinas
Pedagógicas do Ensino de 2º Grau.
10
A UFMT foi criada pela Lei 5.647, de 10 de dezembro de 1970.
52
Atualmente, para atender às mudanças ocorridas no cenário
educacional brasileiro, principalmente como necessidade de adequação às
normas instituídas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais – DCN – conforme
Resolução CNE/CP 01/2006, articulada à LDBEN de 1996 e com outros textos
legais que regulamentam a reforma da Educação Superior, o curso em tela
assume a docência como a base da formação do pedagogo e a concebe para
além da sala de aula entendendo-a como prática pedagógica ampliada.
Assim, o curso de Licenciatura Plena em Pedagogia: Magistério das Séries
Iniciais do Ensino Fundamental oferecido pela Universidade Federal de Mato
Grosso – Campus de Cuiabá se propõe
formar docentes que tenham compreensão das complexas relações
entre a educação e a sociedade, que assumam a docência como uma
atividade articulada ao trabalho pedagógico da instituição educativa,
com vistas à adoção de políticas de inclusão social, de
democratização, enfim, na transformação da realidade social. (PPP,
p.24)
É importante esclarecer que o referido curso encontra-se
organizado na modalidade de ensino presencial, em regime
anual/seriado/modular, com carga horária de 3.545 horas e é ofertado nos
períodos matutino e vespertino, devendo ser integralizado no mínimo em 04
(quatro) anos e no máximo em 07 (sete) anos. Em 2009, foi autorizado a
oferecer 90 vagas/ano (45 por turno).
Seus princípios educativos levam em consideração as mudanças
que se veem no processo da dinâmica movimentação social, produzida pelo
avanço tecnológico e pelas novas frentes de trabalho para o pedagogo, como
educação infantil, educação hospitalar, educação no campo, educação
indígena, educação para jovens e adultos, educação em empresas públicas e
privadas. Entende-se que é importante priorizar e assegurar, no curso de
Pedagogia, uma sólida formação dos profissionais que atuarão, em especial,
no magistério da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
Assim, o Projeto Político Pedagógico do referido curso indica que o pedagogo
formado no mesmo
[...] seja preparado para atuar no campo teórico-investigativo da
educação e no do trabalho pedagógico, de forma a contribuir com a
humanização das pessoas. Além da docência nos segmentos que a
53
ele compete, o profissional deverá estar preparado para atuar
também em outros campos educativos da sociedade contemporânea
que demandem o trabalho pedagógico, em especial na gestão de
ambientes escolares, integrando a escola a outras instituições
educacionais. Deverá ainda fazer uso das intervenções educativas
dos meios de comunicação, dos movimentos sociais e das
instituições sócio-culturais. (PPP p.20)
Com esta posição, tendo-se em vista a formação do profissional
que seja preparado para atender a estas exigências, organiza-se a formação
do professor que ensinará a Matemática dentro do Núcleo de Estudos
Específicos da Formação Profissional, que tem por objetivo possibilitar o
aprofundamento nos estudos sobre a prática docente na Educação Infantil e
nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, tanto no âmbito da faixa etária
regular para as crianças que chegam às instituições educativas quanto na
educação de jovens e adultos.
Assim sendo, neste curso a formação matemática dos futuros
professores é organizada por meio das disciplinas Fundamentos e Metodologia
do Ensino da Matemática I e Fundamentos e Metodologia do Ensino da
Matemática II, que são ministradas na segunda e terceira séries/anos
respectivamente, com carga horária de 75 horas cada uma, totalizando 150
horas, o que representa 4,23% da carga horária total do curso. Destas, 120
horas são dedicadas ao conhecimento teórico dos conteúdos e 30 horas às
atividades práticas.
A ementa da disciplina Fundamentos e Metodologia do Ensino da
Matemática I indica que nesta deverão ser abordados os conteúdos
relacionados aos Fundamentos da Educação Matemática; à gênese e à
historicidade da ciência matemática; Educação Matemática: tendências e
abordagens; Concepções de ensino na Matemática; O processo de construção
do pensamento matemático; O ensino da Matemática no Brasil; A Educação
Matemática na Educação Infantil; Resolução de Problemas; Tratamento da
Informação; Proposição teórico-metodológica no ensino da Matemática na
Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, com vistas à
construção dos conceitos: de número, sistema de numeração decimal, as
operações fundamentais de adição, subtração; Potenciação de números
naturais. Tem em Brasil (2000); Becker (1993); Ifrah (1992); Kamii (1988);
54
Miorim (1998) seus teóricos basilares e em Brizuela (2006); Caraça (1998);
Danyluk (1998) seus interlocutores complementares.
A ementa da disciplina Fundamentos e Metodologia do Ensino da
Matemática II prevê o estudo dos conteúdos relacionados à Matemática do
cotidiano e matemática escolar; Etnomatemática; O lúdico nas aulas de
Matemática; Proposição teórico-metodológica no ensino da matemática na
Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, com vistas à
construção dos conceitos: multiplicação e divisão; Números racionais: frações e
números decimais: ideia, representação, operações fundamentais,
porcentagem, potenciação, radiciação. Elege Centurión (1994); Coll &
Teberosky (2002); Cuberes (1997); D´Ambrósio (2001) como autores
principais para direcionar os estudos e D´Ambrósio (1993); Brougère (1998);
Nunes (2005) para leituras complementares.
Além dos componentes curriculares obrigatórios, os alunos de
Pedagogia deverão integralizar, no decorrer do curso, uma carga horária
mínima de 180 horas de disciplinas optativas, dentre as ofertadas anualmente,
pelo curso e de acordo com a livre escolha do estudante. São oferecidas 28
disciplinas optativas, totalizando 1695 horas. Dentro desta totalidade, a
formação matemática é contemplada pelo oferecimento da disciplina Jogos
Matemáticos (60 horas), o que equivale a 3,54% do total de horas destinadas
às disciplinas optativas.
A proposta da disciplina optativa Jogos Matemáticos, segundo a
sua ementa, é trabalhar com conteúdos relacionados ao desenvolvimento de
jogos que favoreçam a criatividade na elaboração de estratégias de resolução
e na busca de soluções, visto que as atividades de jogos permitem ao
professor analisar os seguintes aspectos: compreensão, possibilidade de
descrição, estratégia utilizada, desenvolvimento de estudos e atividades
envolvendo jogos para a aquisição de noções matemáticas, construção e
análise de situações-problema tendo por objetivo o ensino e o aprendizado de
conceitos matemáticos por alunos na Educação Infantil e Anos Inicias do
Ensino Fundamental. Tem como aporte teórico Alves (2001); Aranão (2002);
Bicudo (1985); Dante (2003); Deguire (1997); Emerique (2003); Lins (1997);
Onuchic (2003); Onuchic & Botta (1998); Ponte (2003); Schneider & Saunders
(1997); Santos (2001); Tahan (1987).
55
2.5.2 O curso de Pedagogia da UFMT/CUR11 - Campus de Rondonópolis- MT
A Universidade Federal de Mato Grosso - Campus Universitário
de Rondonópolis localiza-se no referido município, localizado a 220 quilômetros
da capital Cuiabá. O curso de Pedagogia deste campus foi criado pela
Resolução CD nº. 012/81, de 27 de janeiro de 1981, autorizado pela Resolução
CONSEPE nº. 008/81, em 10 de março de 1981 e reconhecido pela
Portaria/MEC nº. 146, de 21 de fevereiro de 1986, publicada no D.O.U. em 24
de fevereiro de 1986. O primeiro vestibular deste curso, que na época oferecia
habilitações em Magistério das Matérias Pedagógicas do Segundo Grau e
Supervisão Escolar, foi realizado em março de 1981.
Este curso tem se dedicado, prioritariamente, à formação do
pedagogo professor, do pedagogo docente, tendo, portanto, uma opção
histórica pela docência. No período de 1984 a 2002 formou 846 pedagogos.
A fim de conciliar as exigências das Diretrizes Nacionais para a
Formação de Professores da Educação Básica e as recomendações da atual
LDBEN, o curso de Pedagogia deste campus passou por nova reestruturação
curricular no ano de 2005 que, legalizada por meio da Resolução CONSEPE
nº. 110, de 21 de dezembro de 2005, criou a habilitação Magistério para a
Educação Infantil, a ser ofertada concomitantemente com a habilitação
Magistério para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Essa Resolução
passou a ser implementada a partir de 2006, definindo que a função deste
curso seria formar profissionais para a docência na Educação Infantil e nos
Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
O curso de Pedagogia passou a ter 2.865 horas, em regime
seriado, oferecendo 46 vagas anuais nos turnos matutino e vespertino em anos
alternados, definindo a integralização curricular de no mínimo quatro anos e no
máximo 7 anos. Nesta organização do curso, a formação matemática do
professor é oferecida no terceiro ano, junto à formação para o ensino de
Ciências, por meio da disciplina Matemática e Ciências Naturais e suas
Tecnologias: Conteúdo e Metodologia, com carga horária de 128 horas, o que
11
Até 1975, os cursos de graduação eram oferecidos apenas em Cuiabá, capital do estado. A partir de
então, a UFMT expandiu suas ações pelo interior. Neste contexto, a criação do CUR – Centro
Universitário de Rondonópolis se deu em 1980.
56
equivale a 4,46% do total da carga horária do curso. De acordo com a ementa
da disciplina, seu objetivo no que se refere à Matemática é
[...] fomentar a reflexão dos futuros professores sobre o ensino e
aprendizagem da Matemática nas classes de educação infantil e dos
anos iniciais do ensino fundamental de modo a contribuir para que
eles desenvolvam perspectivas de ação no contexto de sala de aula
flexíveis bem fundamentadas teórica e metodologicamente.
(Resolução CONSEPE 110/2005, p. 185)
Nesta proposta a atividade de ensino é concebida como pesquisa
permanente, que, considerando a relação aluno/ professor/ conhecimento, tem
como ponto de partida
a investigação sobre as dificuldades de aprendizagem dos conteúdos
específicos apresentadas pelos alunos e suas relações com o ensino
que vem sendo oferecido e que tem por trás de si certas concepções
sobre a matemática, sua aprendizagem e seu papel na formação do
indivíduo. (Resolução CONSEPE 110/2005, p.185)
Com isso deseja-se que o futuro professor seja capaz de
compreender as abordagens metodológicas e identificar as implicações que
cada uma delas traz para o planejamento de ensino e as concepções de
professor, aluno e conhecimento que ela introduz, assim como as possíveis
interrelações entre os conhecimentos matemáticos e os de outros
componentes curriculares como as Ciências Naturais.
As reflexões conduzidas ao longo do desenvolvimento desta
disciplina abordam conteúdos relacionados à formação para o ensino da
Matemática e para o ensino de Ciências. Em se tratando da formação para
ensino de Matemática, propõe-se estudar:
1- Caracterização dos condicionantes do ensino de Matemática: a) a
natureza do conhecimento lógico-matemático; b) aprender e ensinar
Matemática: significado e sentido; 2- A Matemática na educação
infantil: a exploração do lúdico e o desenvolvimento de habilidades; 3-
Estudo dos conteúdos usuais dos anos iniciais do Ensino
Fundamental; 4- Análise de propostas metodológicas e de seus
fundamentos teóricos; 5- Planejamento de atividades de ensino:
elaboração e avaliação; 6- Material didático: análise, produção e
avaliação. (p. 185-186)
57
O plano de curso da disciplina em pauta para o ano letivo de 2010
dispõe que ao final do curso o aluno seja capaz de:
- Analisar e discutir problemas relativos aos condicionantes do ensino
de Matemática e as tendências do ensino na Matemática e de
Ciências naturais;
- Compreender o sentido e significado do processo de Letramento e
Alfabetização matemática – Educação Infantil e Ensino Fundamental;
- Planejar atividades de ensino (atividades didático-metodológicas)
envolvendo operações básicas, medidas, comprimento;
- Descrever e analisar conceitos e procedimentos matemáticos e de
Ciências naturais e os modos pelos quais se relacionam entre si;
- Analisar e avaliar propostas metodológicas e seus fundamentos
teóricos/metodológicos;
- Organizar atividades práticas sobre: números, operações, medidas
e geometria;
- Planejar atividades de ensino, considerando:
a) A perspectiva epistemológica de Piaget (empirismo, racionalismo e
relativismo piagetiano);
b) As fontes do conhecimento e suas interações – perspectiva
Piagetiana e Vygosktiana);
c) O conhecimento físico e jogos em grupo. (Plano de Curso, 2010,
p.2)
Para subsidiar essas reflexões, Duarte (1997); Faraco (1997);
Imenes (1996); Kamii (1996, 1991,1998); Piaget (1988); (1987); Smole (2004)
são aportes teóricos basilares.
Com a instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso
de Graduação em Pedagogia, Licenciatura, no ano de 2006, a exigência passa
a ser uma nova reestruturação do curso. Diante da nova legislação, o
Departamento de Educação deste campus entendeu que o professor
necessário para atender à realidade social em que está inserido este curso é o
pedagogo docente que atue na Educação Básica, especificamente, na
Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, tendo,
simultaneamente, conhecimentos da docência nessas modalidades, da gestão
em seus diferentes âmbitos, e da pesquisa. Ele deve ser também entendido
como um profissional da educação que possa atuar com competência nos
cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, e em cursos de Educação
Profissional na área de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas
nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos.
58
A Resolução do CONSEPE nº 78, de 27 de abril de 2009, define a
nova reestruturação curricular. Em seu artigo 1º, amplia a carga horária para
3.220h e aumenta do número de vagas para 51 vagas anuais, sendo um ano
no período matutino e em outro no período vespertino (alternadamente);
Regime Acadêmico: seriado anual.
Já o Projeto Pedagógico do Curso (2009) aponta como objetivo
geral do Curso de Graduação em Pedagogia da UFMT/CUR é
garantir a formação de pedagogos, visando o desenvolvimento de
competências profissionais relativas aos cuidados, educação, ensino,
pesquisa e gestão formando, para tanto, o professor reflexivo,
autônomo, criativo, flexível e consciente da necessidade de continuar
a investir na sua formação. (p. 27)
A atual grade curricular do curso de Pedagogia com habilitação
para a docência na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, na
Educação Profissional, na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas
nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos, organiza a formação
matemática dos alunos por meio da disciplina Matemática e suas Metodologias,
que deve ser cursada no terceiro ano do curso, com carga horária de 128
horas, o que representa 4% da carga horária total do curso. Esta disciplina será
ofertada a partir de 2011. Pode-se dizer que, em termos percentuais, houve
uma redução da carga horária voltada à formação matemática, visto que se
aumentou a carga horária total do curso e se mantiveram as 128 horas,
anteriormente estabelecidas.
Quanto aos conteúdos programados, a referida disciplina
contemplará para a formação matemática do futuro professor o Estudo dos
condicionantes do ensino de Matemática; A natureza do conhecimento lógico-
matemático; Aprender e ensinar Matemática: significado e sentido; A
Matemática na Educação Infantil: a exploração do lúdico e o desenvolvimento
de habilidades; Estudo dos conteúdos usuais dos Anos Iniciais do Ensino
fundamental; Análise de propostas metodológicas e de seus fundamentos
teóricos; Planejamento de atividades de ensino; Material didático: análise,
produção e avaliação.
59
2.5.3 O curso de Pedagogia da UNEMAT - Cáceres – MT
O curso de Pedagogia que ora se aborda desenvolve-se na
Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT, Campus Universitário
Jane Vanini, no município de Cáceres - MT, cidade distante 205 quilômetros de
Cuiabá, capital do estado. Esta instituição, apesar de ter uma história recente,
tem conquistado espaços no ensino, na pesquisa e na extensão desde 1978,
oportunizando diferentes formações profissionais em várias regiões do Mato
Grosso.
O Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia oferecido pela
Unemat/Cáceres, em conformidade com a Resolução CNE/CP nº 01/06,
habilita seu egresso para exercer a docência na Educação Infantil, nos Anos
Iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade
Normal, na Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar e em
outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos.
Visa a preparar profissionais para participarem na organização e
gestão de sistemas e instituições educacionais; promover a aquisição de
conhecimentos teórico-metodológicos necessários ao ensino nas áreas de
Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História, Geografia, Artes e
Educação Física, para a atuação no magistério na Educação Infantil e Anos
Iniciais do Ensino Fundamental; desenvolver a prática da pesquisa como forma
de construção de conhecimentos e promover a prática da interdisciplinaridade
no processo de formação docente, a fim de superar a fragmentação do
conhecimento, sendo a docência a base da formação oferecida.
No que se refere ao perfil do licenciado, entende que este deverá
estar apto inclusive a ensinar as disciplinas supracitadas, de forma
interdisciplinar e adequada às diferentes fases do desenvolvimento humano,
sendo compreendido como um profissional que tem a responsabilidade social
de educar nas dimensões intelectual, tecnológica e humana.
Para cumprir esta proposta o referido curso organiza-se em um
conjunto de disciplinas, seminários e atividades complementares que são
distribuídos em 3.325 horas/aula com a intencionalidade de proporcionar
embasamento teórico-prático na área de atuação profissional do futuro
licenciado em Pedagogia. Organiza-se em regime acadêmico semestral que
60
perfaz um total de oito semestres e estabelece que o aluno conclua o curso
em, no mínimo, quatro anos (oito semestres) e, no máximo, em sete anos
(quatorze semestres). Oferta, anualmente, 80 vagas, que são dispostas em
duas turmas de 40 (quarenta) alunos.
A formação do professor pedagogo para a Educação Matemática
é organizada por meio das disciplinas Conteúdos e Metodologia da Matemática
I e Conteúdos e Metodologia da Matemática II, que são oferecidas no 5º e 6º
semestres, respectivamente, com carga horária de 75 horas cada uma
totalizando portanto 150 horas dedicadas especificamente à formação do
professor para o ensino da Matemática, compreendendo que representa 4,47%
da carga horária total do curso.
A ementa da disciplina Conteúdos e Metodologia da Matemática I
recomenda o estudo: dos fundamentos epistemológicos, psicopedagógicos e
socioantropológicos da Educação Matemática; das tendências do ensino da
Matemática: resolução de problemas, modelagem matemática,
Etnomatemática, história da Matemática, o uso de computadores e jogos
matemáticos; das crenças e concepções do ensino da Matemática; e, ainda, a
produção do conhecimento matemático: reflexões teóricas.
Na disciplina Conteúdos e Metodologia da Matemática II é
previsto o estudo da Matemática: organização do currículo e a educação
matemática nas séries iniciais; a ação e o processo que a criança realiza na
construção e compreensão dos conceitos matemáticos; sistema de numeração,
operações fundamentais, números fracionários e decimais; noções de
porcentagem e geometria, sistemas de medidas e monetário; resolução de
problemas; elaboração de plano de aula. Para o trabalho nestas disciplinas são
eleitos os mesmos interlocutores quais sejam, D‟Ambrósio (2003); Imenes
(1994); Kamii (1992, 1996); Nunes (1997); Schliemann (1998); Brasil (1997).
2.5.4 O curso de Pedagogia da Universidade de Cuiabá – UNIC - Campus de Cuiabá – MT
O curso de Pedagogia da Faculdade de Educação – FAED/UNIC,
instituição privada, denomina-se Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia e
61
forma licenciados em Pedagogia. Autorizado por meio do Parecer nº. 312 de 13
de dezembro de 1995, teve seu reconhecimento em 29 de dezembro de 2004,
conforme Portaria nº 4.373. É um curso de organização semestral, com
duração de 08 semestres, oferece 60 vagas/ período e funciona nos períodos
matutino e vespertino, em regime de matrícula modular. Deve ser integralizado
no prazo mínimo de quatro anos (8 semestres) e no máximo de cinco anos ( 10
semestres), e sua a carga horária total é de 3.300 horas/aula (teóricas e
práticas).
Concebe o pedagogo como um profissional que exerce atividades
na sala de aula e para além dela e da própria escola. A partir do entendimento
de que as atividades educativas devem revestir-se de um caráter transformador
que contribua para a instrumentalização científica e cultural de um novo
profissional que seja capaz de responder aos desafios que a sociedade está a
exigir para a educação, entende que deve dialogar com a realidade inserindo-
se nela como sujeito criativo para formar o sujeito histórico apto a repensar a
sua formação e prática pedagógica por meio do movimento dialético ação-
reflexão-ação. Deste modo tem como objetivo principal
Formar o educador proporcionando conhecimentos aprofundados nas
áreas de ensino, compreendendo a docência na educação infantil e
nas séries iniciais do ensino fundamental, na organização de
sistemas, unidades, projetos e experiências educacionais escolares e
não-escolares na perspectiva do desenvolvimento de recursos
humanos em instituições empresariais e educacionais. (PPC
Pedagogia, 2010, p. 19)
Deste modo, o curso de Pedagogia da Universidade de Cuiabá
tem como perfil a formação do profissional habilitado a atuar no ensino, na
organização e gestão de sistemas, unidades e projetos educacionais e na
produção e difusão do conhecimento em diversas áreas da educação, com
visão histórica e crítica das ciências da educação, capaz de estabelecer
relações com outras áreas do conhecimento e compreender o mundo que o
cerca, instrumentalizado-o para a análise dos problemas educacionais.
O profissional egresso do referido curso pode atuar na docência
da Educação Infantil, na docência nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental e
na Educação de Jovens e Adultos e atuar na Gestão Educacional como gestor
62
na elaboração, implementação, coordenação, acompanhamento e avaliação de
programas e projetos educacionais em espaços escolares e não escolares.
Para cumprir esta proposta sua matriz curricular encontra-se
organizada em Aulas Teóricas (2.140h); Aulas Práticas (660h); Estágios
Supervisionados (320h); Estudos Independentes (60h); Atividades
Complementares – Estudo Dirigido – ED (120h), totalizando 3.300 horas.
A formação matemática do pedagogo neste curso é proposta por
meio das disciplinas Estudos da Matemática na Educação Infantil e Princípios
Teórico-Metodológicos do Ensino da Matemática, que são oferecidas no 5º e 6º
semestres, respectivamente, com carga horária de 80h cada uma. Esse total
de 160 horas permite afirmar que 4,84% de toda a carga horária do curso são
destinados à formação matemática deste profissional.
A ementa da disciplina Estudos da Matemática na Educação
Infantil aponta como conteúdos a serem abordados:
Concepções da Matemática. Análise reflexiva das etapas de
construção das noções matemáticas. O papel da Matemática na
construção da cidadania. Conteúdos, metodologia e avaliação no
ensino de Matemática na Educação Infantil. Planejamento, execução
de jogos e atividades pedagógicas que possibilitem o
desenvolvimento do pensamento lógico-matemático. Formação
matemática do professor. (PPC – Projeto Pedagógico do Curso de
Pedagogia, 2010, p. 44-45)
Carraher e Schliemann (2006); D‟Ambrósio (1989); Kamii (1990)
são os interlocutores fundamentais, enquanto Brasil (1998); Kamii e Devries
(1991); Panizza (2006); Piaget e Inhelder (2006); Smole (2007) são indicados
como bibliografia complementar.
Quanto à ementa da disciplina Princípios Teórico-Metodológicos
do Ensino da Matemática, evidencia que esta se propõe:
Analisar metodologicamente o ensino da matemática em nível de
ensino fundamental focando nos aspectos sociocultural, histórico e
pedagógico; discussão e análise da organização e dos procedimentos
do processo ensino/aprendizagem da matemática, focalizando,
sobretudo os objetivos de ensino, os conteúdos, os métodos e os
recursos de ensino e as formas e critérios de avaliação. (PPC –
Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia, 2010, p. 47)
Para subsidiar essas reflexões, Brasil (1997); Carvalho (2001);
D‟Ambrósio (2003) constituem a bibliografia básica; já Alves (2003); Dante
63
(1998); Monteiro e Pompeu Jr. (2001); Paes (2001) são indicados para
complementar as leituras.
2.5.5 O curso de Pedagogia da UNIVAG - Centro Universitário de Várzea Grande – MT
De acordo com Projeto Pedagógico da UNIVAG – Centro
Universitário de Várzea Grande, esta instituição educacional, de caráter
privado, teve seu nascimento em 1989. O curso de Pedagogia12 ofertado pela
instituição foi autorizado em dezembro de 1998 segundo Portaria 1.454 e
obteve seu reconhecimento em novembro de 2003, conforme Portaria 3.293.
Tendo natureza de licenciatura, habilita para Educação Infantil e Séries Iniciais
do Ensino Fundamental – Empresa. Funciona em regime seriado/semestral,
com a duração de 3 anos e meio, equivalentes a 7 semestres, e a carga horária
total de 3.260 horas, sendo oferecido nos turnos diurno (Modular) e noturno
(Regular). O número de vagas disponibilizadas é, periodicamente, revisado.
O curso de Pedagogia na UNIVAG toma o cotidiano escolar e sua
educação formal como foco importante, porém não como o único espaço
educativo, e a formação profissional do professor se constitui seu eixo
estrutural. Em se tratando do perfil do licenciado, o profissional ali formado será
docente; gestor de processos educativos escolares e não-escolares e
elaborador e divulgador do conhecimento científico e tecnológico do campo
educacional. Assim sendo, vê-se que se trata de um curso de licenciatura em
Pedagogia com um campo de atuação voltado para escolas, empresas e outros
espaços educativos.
A formação matemática do futuro professor é construída dentro
do núcleo de estudos Educação e Avanço do Conhecimento e da Tecnologia,
por meio da disciplina Teoria e Prática das Ciências Naturais - Matemática,
com a duração de 60 horas, o que representa 1,84% de toda a carga horária
que integra o curso. Segundo o Projeto Político do Curso de Pedagogia (2007),
esta disciplina deverá enfocar, de maneira geral e globalizada, a área de
12
Informações coletadas no Projeto Político do Curso Pedagogia (UNIVAG, 2007) e no site www.univag.edu.br
64
conhecimento das Ciências Naturais, envolvendo Ciências, Física, Química e
Biologia e sua função no currículo da Educação Básica. E, de maneira
específica e integrada, abordará a concepção histórica e filosófica da
Matemática enquanto ciência e atividade humana; a função da Matemática
formal; desmitificação dos conteúdos básicos das etapas iniciais da
escolarização, com vistas à construção dos conceitos de fração, das operações
com frações, do número fracionário e a notação decimal, das operações com
números decimais, unidades de medidas e noções topológicas e geométricas.
Deverá, também, fazer a abordagem dos estudos das
metodologias e recursos auxiliares do ensino, planejamento e avaliação de
atividades experimentais; relação com as demais áreas do conhecimento;
estudo crítico dos conteúdos e metodologias direcionados ao ensino de
Matemática nos Anos Iniciais e Educação Infantil. O trabalho desenvolvido
nesta disciplina tem como teóricos básicos, Centurion (2002); Duhalde (2000);
Machado (2000); Carvalho (2001), complementados por Danyluk (2002); Patilla
(1999, 1995); Ramos (2000).
O Plano de Ensino desta disciplina, elaborado em 24 de julho de
2009 e que vigorou para o semestre letivo 2009/2, compreende que o objetivo
geral da mesma é proporcionar aos acadêmicos as condições teóricas, práticas
e metodológicas para a construção de conhecimentos matemáticos aplicados
na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Aponta como
objetivo específico a implantação de um trabalho que permita ao aluno
conhecer os currículos e as diferentes propostas de ensino da Matemática nos
Anos Iniciais do Ensino Fundamental; conhecer conteúdos, métodos de ensino
e avaliação adequados às condições da realidade escolar e dos alunos;
conhecer e elaborar recursos e materiais didáticos para a aplicação na escola.
Este Plano de Ensino registra como referências teóricas basilares
Centurión (1994); Cuberes (1997); Duhalde e Cuberes (1998); Ledur (1989);
Machado (1993). Segundo indicação da ementa, devem-se trabalhar os
seguintes conteúdos:
A construção e significado da Matemática na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Seleção e estruturação dos blocos de conteúdos de Matemática para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental, tendo em vista aspectos fisiológicos e metodológicos da Matemática. A construção da Matemática através do lúdico e do
65
cotidiano dos grupos sociais. A importância das novas tecnologias aplicadas à Educação Matemática. Propostas alternativas para o ensino-aprendizagem da Matemática no Ensino Fundamental. Programas de ensino, materiais e procedimentos didáticos, bem como sistemáticas de avaliação do ensino-aprendizagem que contribuam para a redescoberta dos conhecimentos matemáticos. Blocos de conteúdos: Sistema de numeração, Conceitos das quatro operações fundamentais, Numeração decimal, Números fracionários, Porcentagem, Geometria, Sistema de medidas, Resolução de problemas. (Plano de Ensino da Disciplina Teoria e Prática das Ciências Naturais – Matemática, 2009/2)
A seguir apresentam-se quadros comparativos das ementas e das
bibliografias abordadas acima, para melhor visualização e compreensão de
cada uma delas e das diferenças e semelhanças entre as mesmas, o que
reflete convergências e/ou divergências nas concepções da formação docente
para o ensino da Matemática entre os vários cursos de Pedagogia e
instituições de Ensino Superior responsáveis por eles.
Contudo, não se apresenta uma análise aprofundada dos
conteúdos destes quadros, porque o estudo concentra-se em focalizar os
desafios e problemas enfrentados pelo professor graduado em Pedagogia para
ensinar a Matemática, o que é realizado no capítulo 4 deste estudo.
Quadro 1 - Comparativo dos ementários
Instituição Disciplina Ementa
UFMT/Cuiabá Fundamentos e
Metodologia do
Ensino da
Matemática I
Conteúdos relacionados aos Fundamentos da Educação Matemática; A gênese e a historicidade da ciência matemática; Educação Matemática: tendências e abordagens; Concepções de ensino na Matemática; O processo de construção do pensamento matemático; O ensino da Matemática no Brasil; A Educação Matemática na Educação Infantil; Resolução de problemas; Tratamento da Informação; Proposição teórico-metodológica no ensino da Matemática na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, com vistas à construção dos conceitos: de número, sistema de numeração decimal, as operações fundamentais de adição, subtração; Potenciação de números naturais.
UFMT/Cuiabá Fundamentos e Metodologia do Ensino da Matemática II
Conteúdos relacionados à Matemática do cotidiano e Matemática escolar; Etnomatemática; O lúdico nas aulas de Matemática; Proposição teórico-metodológica no ensino da Matemática na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, com vistas à construção dos conceitos: multiplicação e divisão; números racionais: frações e números decimais: idéia, representação, operações fundamentais, porcentagem, potenciação, radiciação.
UFMT/CUR Matemática e Ciências Naturais e suas Tecnologias: Conteúdo e Metodologia
13
1- Caracterização dos condicionantes do ensino de Matemática: a) a natureza do conhecimento lógico-matemático; b) aprender e ensinar Matemática: significado e sentido; 2– A Matemática na Educação infantil: a exploração do lúdico e o desenvolvimento de habilidades; 3- Estudo dos conteúdos usuais dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental; 4– Análise de propostas metodológicas e de seus fundamentos teóricos; 5- Planejamento de atividades de ensino: elaboração e avaliação; 6- Material didático: análise, produção e avaliação.
UNEMAT Conteúdos e Metodologia da Matemática I
Fundamentos epistemológicos, psico-pedagógicos e sócio-antropológicos da Educação Matemática. Tendências do ensino da Matemática: resolução de problemas, modelagem matemática, Etnomatemática, história da Matemática, o uso de computadores e jogos matemáticos. Crenças e concepções do ensino da
13
Esta disciplina trata da formação para o ensino da Matemática e Ciências. Neste quadro é apresentada parte da ementa que se refere à formação para o ensino da Matemática.
66
Matemática. A produção do conhecimento matemático. Reflexões teóricas.
UNEMAT Conteúdos e Metodologia da Matemática II
Matemática: organização do currículo e a Educação Matemática nas séries iniciais. A ação e o processo que a criança realiza na construção e compreensão dos conceitos matemáticos. Sistema de numeração, operações fundamentais, números fracionários e decimais. Noções de porcentagem e geometria, sistemas de medidas e monetário. Resolução de problemas. Elaboração de plano de aula.
UNIC/Cuiabá Estudos da Matemática na Educação Infantil
Concepções da Matemática. Análise reflexiva das etapas de construção das noções matemáticas. O papel da Matemática na construção da cidadania. Conteúdos, metodologia e avaliação no ensino de Matemática na Educação Infantil. Planejamento, execução de jogos e atividades pedagógicas que possibilitem o desenvolvimento do pensamento lógico-matemático. Formação matemática do professor.
UNIC/Cuiabá Princípios Teórico-Metodológicos do Ensino da Matemática
Analisar metodologicamente o ensino da Matemática em nível de Ensino Fundamental focando nos aspectos sociocultural, histórico e pedagógico; discussão e análise da organização e dos procedimentos do processo ensino/aprendizagem da Matemática, focalizando, sobretudo os objetivos de ensino, os conteúdos, os métodos e os recursos de ensino e as formas e critérios de avaliação.
UNIVAG Teoria e Prática das Ciências Naturais- Matemática
14
A disciplina enfocará, de maneira geral e globalizada a Área de Conhecimento das Ciências Naturais envolvendo: Ciências, Física, Química e Biologia e sua função no currículo da Educação Básica. E, de maneira específica e integrada, abordará a concepção histórica e filosófica da Matemática enquanto ciência e atividade humana, função da matemática formal: desmistificação dos conteúdos básicos às etapas iniciais da escolarização, com vistas à construção dos conceitos de fração, das operações com frações, do número fracionário e a notação decimal, das operações com números decimais, unidades de medidas e noções topológicas e geométricas. Estudo das metodologias e recursos auxiliares do ensino, planejamento e avaliação de atividades experimentais. Relação com as demais áreas do conhecimento; estudo crítico dos conteúdos e metodologias direcionadas ao ensino de Matemática nos Anos Iniciais e Educação Infantil.
Fonte: Ementários dos cursos pesquisados.
Uma breve análise do quadro das ementas permite perceber os
temas mais recorrentes. Quanto ao conhecimento dos conteúdos a serem
ensinados nos Anos Iniciais do Ensino, aparecem majoritariamente trabalhados
numa proposta teórico-metodológica. Ainda que se perceba que de forma
geral tais conteúdos sejam assim desenvolvidos, vê-se que nas ementas das
disciplinas Fundamentos e Metodologia do Ensino da Matemática II e
Conteúdos e Metodologia da Matemática II a abordagem teórica do conteúdo
aparece com mais intensidade.
Outro aspecto percebido nos ementários é a ênfase dada aos
fundamentos históricos da Matemática, bem como ao conhecimento
epistemológico desta área, este último no sentido de favorecer o estudo da
natureza do conhecimento matemático com vistas a evidenciar o
desenvolvimento do conhecimento lógico-matemático na criança e a
construção de conceitos. O enfoque epistemológico aparece com mais força na
disciplina Matemática e Ciências Naturais e suas Tecnologias: Conteúdo e
Metodologia, porém, associado à questão da metodológica.
14
Embora a ementa oriente a abordagem geral e globalizada da área de conhecimento das Ciências Naturais envolvendo Ciências, Física, Química e Biologia e sua função no currículo da Educação Básica, as bibliografias básica e complementares sugeridas ficam restrita à obras que tratam da área da Matemática.
67
A ementa da disciplina Estudos da Matemática na Educação
Infantil, apesar de também se concentrar nos fundamentos históricos e
epistemológicos e na metodologia, não traz uma abordagem ao conteúdo da
Matemática em si.
Já no ementário da disciplina Teoria e Prática das Ciências
Naturais - Matemática15 observa-se um estudo do ensino de Ciências e
Matemática e o enfoque metodológico dos conteúdos desta área na Educação
Infantil e Anos Iniciais, embora de maneira geral e globalizada
Constata-se também nas ementas em foco nesta investigação
uma preocupação com os processos de planejamento, elaboração e avaliação
de atividades desta área.
Por fim, observa-se que, em semelhança ao exposto no estudo de
Curi (2004), as ementas ora focalizadas mostram que pouca atenção é dada
aos conteúdos de geometria, medidas e tratamento da informação. Outro fato
interessante é que em nenhuma das ementas, tanto observadas pela autora
quanto na presente investigação, se evidencia o aspecto da pesquisa no que
se refere ao ensino e aprendizagem da Matemática na Educação Infantil e nos
Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
Tecidas estas considerações, o quadro abaixo mostra os teóricos
basilares e complementares sugeridos nas ementas mencionadas para a
efetivação do que nelas se propõe.
Quadro 2 - Comparativo dos teóricos16 utilizados nas disciplinas dos
cursos selecionados
UFMT/Cuiabá UFMT/CUR UNEMAT UNIC/Cuiabá UNIVAG
Brasil (2000); Becker (1993); Ifrah (1992); Kamii (1988); Miorim (1998) Centurión (1994); Coll e Teberosky (2002);
Duarte (1997); Faraco (1997); Imenes (1996); Kamii (1996, 1991,1998); Piaget (1988); Smole (2004)
D’Ambrósio (2003); Imenes (1994); Kamii (1992, 1996); Nunes (1997); Schliemann (1998);
Carraher &
Schliemann
(2006),
D’Ambrósio
(1989);
Kamii (1990);
Brasil (1997);
Centurion (2002); Duhalde (2000); Machado (2000); Carvalho (2001);
15
Embora a ementa oriente a abordagem geral e globalizada da área de conhecimento das Ciências Naturais envolvendo Ciências, Física, Química e Biologia e sua função no currículo da Educação Básica, a bibliografia básica e complementar sugerida fica restrita às obras que tratam da área da Matemática. 16
A bibliografia básica está em negrito. Os demais autores que não estão em negrito são sugeridos como bibliografia complementar.
68
Cuberes (1997); D´Ambrósio (2001) D´Ambrósio (1993); Brougère (1998); Nunes (2005); Brizuela, (2006); Caraça, (1998); Danyluk (1998)
Brasil (1997).
Carvalho (2001);
D’Ambrósio
(2003)
Brasil (1998);
Kamii e
Devries(1991);
Panizza (2006);
Piaget e Inhelder
(2006);
Smole (2007)
Alves (2003);
Dante (1998);
Monteiro e
Pompeu Jr.
(2001);
Paes (2001)
Danyluk (2002); Patilla (1999, 1995); Ramos (2000)
Fonte: Ementas dos cursos focalizados
Em termos da bibliografia utilizada, observa-se neste quadro uma
variedade de autores. São teóricos que, na sua maioria, desenvolveram
pesquisas que têm contribuído significativamente para o ensino da Matemática.
Kamii e D‟Ambrósio são os teóricos mais recorrentes e discutem o
conhecimento matemático na perspectiva da construção dos conceitos. Kamii
entende a Matemática na visão piagetiana, e D‟Ambrósio faz uma reflexão
sobre a educação e Matemática e, ainda, inspirado nas ideias de Paulo Freire,
defende que a Matemática deve ser trabalhada a partir da realidade do aluno
objetivando a libertação de situações opressoras por ele vivenciadas. Ao lado
desses aparecem outros autores que realizam estudos numa perspectiva
teórico-metodológica de uma Matemática voltada para o cotidiano e o trabalho,
a saber: Nunes, Schliemann, Carraher & Schliemann e alguns que abordam
questões relacionadas à linguagem matemática como, por exemplo, Danyluk e
Smole.
No tocante ao mapeamento da matriz curricular dos cinco cursos
de Pedagogia em Mato Grosso que foram eleitos para subsidiar a reflexão a
respeito do desafio da formação do pedagogo para ensinar a Matemática nos
Anos Iniciais do Ensino Fundamental, foi possível perceber que existe uma
diversidade de nomenclaturas dadas às disciplinas que tratam desta área do
conhecimento. Veja-se o quadro a seguir.
69
Quadro 3 – Disciplinas
INSTITUIÇÃO Disciplina CH
UFMT/Cuiabá
Fundamentos e Metodologia do Ensino da Matemática I (75h)
Fundamentos e Metodologia do Ensino da Matemática II (75h)
150 h
UFMT/CUR Matemática e Ciências Naturais e suas Tecnologias: Conteúdo e Metodologia
128 h
UNEMAT Conteúdos e Metodologia da Matemática I (75h)
Conteúdos e Metodologia da Matemática II (75h)
150 h
UNIC
Estudos da Matemática na Educação Infantil (80h)
Princípios Teórico-Metodológicos do Ensino da Matemática (80h)
160 h
UNIVAG Teoria e Prática das Ciências Naturais - Matemática 60 h
Fonte: Matrizes curriculares dos cursos pesquisados
Os dados convergem com os resultados obtidos por Gatti e Nunes
(2008) que mostram, entre outros aspectos, a partir da análise da matriz
curricular de 71 cursos de Pedagogia, a existência de uma grande variedade
de nomenclaturas encontrada em cada curso e entre os cursos de uma
instituição para outra. Para as estudiosas, isto “sinaliza que o projeto de cada
instituição procura sua vocação em diferentes aspectos do conhecimento, com
enfoque próprio, o que se reflete na denominação das disciplinas” (p.67).
Contudo, é possível afirmar que, apesar das várias denominações
dadas, esses cursos têm em comum a eleição das questões relacionadas à
metodologia como essenciais para a formação do pedagogo.
Outro aspecto relevante diz respeito à carga horária que as
instituições pesquisadas destinam à formação do pedagogo para a área da
Matemática. Esses cursos dedicam em média 4,5% da sua totalidade para as
disciplinas que preparam o aluno para trabalhar com a Matemática, com
exceção da instituição UNIVAG, com 1,84%, como pode ser observado no
quadro que se segue.
Quadro 4 - Carga Horária
INSTITUIÇÃO CH TOTAL
DO CURSO
CH PARA A
MATEMÁTICA
Percentual
UFMT/Cuiabá 3.545 h. 150 h. 4,23%
UFMT/CUR 2.865 h. 128 h. 4,46%
UNEMAT 3.325 h 150 h. 4,47%
70
UNIC 3.300 h. 160 h. 4,84%
UNIVAG 3.260 h. 60 h. 1,84%
Fonte: Grades curriculares dos cursos pesquisados
Além disso, em duas destas instituições (UFMT/CUR e UNIVAG)
não se propõe tal carga horária exclusivamente à formação para o ensino da
Matemática, sendo destinada também à formação para o ensino de Ciências.
Isto concorre para que o tempo dedicado à formação matemática dos
professores nestas instituições seja ainda mais encurtado.
A partir da leitura desses dados é possível inferir que a forma
como estas instituições têm organizado a formação matemática dos futuros
professores dos Anos Iniciais, os pedagogos, no que tange à carga horária,
parece insuficiente. Isso nos remete ao estudo desenvolvido por Gatti e Nunes
(2008), que aponta:
Os conteúdos das disciplinas a serem ensinadas na Educação Básica
(Alfabetização, Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia,
Ciências, Educação Física) comparecem apenas esporadicamente
nos cursos de formação. (p. 67-69)
A constatação é ratificada trabalho de Curi (2004), que pesquisou
e analisou 36 cursos de Pedagogia, focando, inclusive, a matriz curricular. A
autora chama a atenção para a carga horária destinada à formação para a área
da Matemática, a qual, em seu estudo, corresponde a um percentual de 4% a
5% da totalidade do curso. Assim, ela observa que
[...] os futuros professores concluem cursos de formação sem
conhecimentos de conteúdos matemáticos com os quais irão
trabalhar, tanto no que concerne a conceitos quanto a procedimentos,
como também da própria linguagem matemática que utilizarão em
sua prática docente. (CURI, 2004, p. 76-77)
Do exposto até aqui, no que se refere às ementas e matrizes
curriculares dos cursos de Pedagogia do estado de Mato Grosso, focalizados
nesta pesquisa, pode-se inferir que a efetivação do aprofundamento dos
aspectos históricos e epistemológicos, bem como, de conteúdo e metodologias,
essencial para a formação matemática do pedagogo, passa necessariamente
pela ampliação da carga horária destinada às disciplinas que tratam desta área
71
do conhecimento. Alerta-se, contudo, que simplesmente ampliar a carga
horária pode não significar garantia deste aprofundamento, porque esse
trabalho depende da formação do professor que atua no Ensino Superior nesta
área, que deve ter o domínio dos fundamentos históricos e epistemológicos e
dos conceitos teórico-metodológicos, de modo a preparar o pedagogo para “o
quê” ensinar e “como” ensinar a Matemática (CURI, 2004).
Concorda-se que este tempo de estudos específicos para
Matemática é insuficiente. Entende-se, além disso, que a situação se agrava,
ainda mais, tendo que vista que o curso de Pedagogia tem a tarefa de
credenciar um profissional para atuar em contextos tão diversos – espaços
escolares e não escolares. Tal exigência incide, direta ou indiretamente, sobre
a organização dos currículos nas instituições formadoras, dificultando que se
pense num alargamento da carga horária para a formação matemática do
discente.
O fato é que as IES se veem diante da necessidade de orientar a
formação do acadêmico considerando a complexidade das questões peculiares
ao curso de Pedagogia e da identidade profissional do pedagogo, nas DCNs
entendido como um professor que também deve ser um gestor educacional e,
ao mesmo tempo, produtor e difusor de conhecimento científico e tecnológico
do campo educacional.
Na verdade, parece razoável entender que esta legislação define
que o perfil do pedagogo se alicerça no tripé docência, gestão e pesquisa. Não
obstante as dificuldades daí resultantes, pode-se considerar um avanço pensar
o pedagogo como produtor e difusor do conhecimento no campo educacional;
trata-se, assim, de concebê-lo, ao mesmo tempo, como professor e
pesquisador. É um modo de ultrapassar a dicotomia entre aquele que pensa e
produz, o pesquisador, e aquele que difunde e reproduz, o professor.
Esta formação é aprofundada quando a ela se acrescenta a
figura do gestor ao se pensar o pedagogo como um professor que tenha
também a capacidade de avistar o fenômeno educativo que se estende para
além da escola. Aquele que seja capaz de explicitar, planejar, coordenar e
avaliar processos educativos dentro e fora do espaço escolar. A confluência
destas três atividades no processo formativo – docência, gestão e pesquisa –
pode constituir uma contribuição para a definição da identidade do curso. Não
72
se pode desconsiderar, contudo, que isso traz consequências desafiadoras
para a formação deste profissional.
O debate persiste: Seria possível formar todos esses profissionais
num só curso, mantendo um só currículo, com o mesmo número de horas,
conseguindo-se evitar um arremedo de formação profissional, uma formação
aligeirada, dentro de um curso inchado? Não se podem ignorar as
especificidades de cada uma destas formações. A propósito, Libâneo (2002)
afirma que para se atingir níveis mínimos desejáveis de qualidade da formação,
ou se forma um bom professor, ou se forma um bom gestor ou coordenador
pedagógico ou um bom pesquisador ou um bom profissional para outra
atividade.
No âmbito destas discussões, é fundamental considerar que, de
acordo com as DCNs, o curso de Pedagogia tem como núcleo básico a
formação do professor da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental, o que implica uma reformulação dos atuais projetos
pedagógicos, no sentido de adequá-Ios a essa necessidade. Seus egressos
têm como uma de suas competências legalmente estabelecidas a formação de
crianças da faixa etária de zero a dez anos e, assim, evidencia-se a exigência
de que o curso os prepare, efetivamente, para essa tarefa, abordando questões
relacionadas ao ensino da Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História,
Geografia, Artes, Educação Física, que têm sido pouco privilegiadas nos
atuais currículos de Pedagogia.
É preciso que os cursos de Pedagogia considerem
cuidadosamente que é essencial formar um professor que, além de exercer
atividades educativas em outros espaços sociais, seja capaz de dominar os
referenciais teóricos relativos à escola, ensino e educação e lecionar para os
anos iniciais da escolarização.
Trata-se de compreender que o trabalho do pedagogo demanda
que ele esteja preparado para contribuir significativamente no desenvolvimento
da criança nos aspectos cognitivo, afetivo, emocional e educacional. Neste
bojo, a Matemática, disciplina presente no currículo escolar, é uma das
disciplinas fundamentais para o desenvolvimento cognitivo do ser humano.
Cabe, portanto, ao pedagogo a tarefa de promover a construção das bases
para a formação matemática do aluno.
73
É imprescindível que os projetos de formação considerem o
papel da docência nesta fase da escolaridade levando em conta as
peculiaridades a ela inerentes. Um fator que diferencia a ação docente exercida
nos anos iniciais e as outras fases da escolaridade é que a Pedagogia trata da
base, do começo de todo o processo de aprendizado escolar de qualquer
indivíduo, da inserção do sujeito na vida de estudante. É nesta fase que o
prazer pelo estudo, que não se constitui uma atividade que surge naturalmente
nas crianças, deve ser despertado. Devem ser consideradas as especificidades
próprias do ensino-aprendizagem da Matemática pelas crianças, visto que é
nos primeiros anos de escolaridade, isto é, na Educação Infantil e nos Anos
Iniciais do Ensino Fundamental, que se concentram os rudimentos dos
conceitos matemáticos que os alunos precisam dominar em profundidade.
O já referido desafio de formar o pedagogo como preconizam as
DCNs, com atribuições tão diversificadas, em apenas em um curso de 3.220
horas, é agravado na medida em que a experiência no magistério não é exigida
para ingresso no curso de Pedagogia. Este vem sendo procurado, inclusive,
por profissionais de outras áreas, que nunca atuaram em uma sala de aula
como docentes.
No bojo dessas preocupações, vê-se que o estudo desenvolvido
por Castro e Alves (2010)17 aponta para o fato de que o corpo discente dos
cursos de Pedagogia tem sido composto por pessoas que ocupam postos
socialmente desvalorizados e com parcíssimos conhecimentos na área de
educação. Trata-se de estudantes oriundas de classes sociais pouco
favorecidas e que apresentam fraco desempenho acadêmico. Como um curso
socialmente desvalorizado, devido aos baixos salários e às precárias condições
de trabalho do professor, a Pedagogia é considerada satisfatória por alunos
que provêm de profissões ainda mais desvalorizadas, tais como as atividades
domésticas e aquelas relacionadas ao comércio e a serviços gerais, afirmam
as autoras. Essa mudança de perfil trouxe implicações para os cursos de
licenciatura em Pedagogia que estão tendo que lidar com um novo background
cultural dos estudantes.
17
CASTRO Magali de; ALVES Geane M. G. Que fazer com esse curso? Estudo com alunas de
pedagogia sem experiência na área de educação. In: Anais VII Colóquio de Pesquisa em
Educação – Qual conhecimento? Qual Educação?: UFSJ. Belo Horizonte, 2010.
74
Um estudo18 encomendado pela Fundação Lemann e pelo
Instituto Futuro Brasil constata que apenas 5% dos melhores alunos que se
formam no Ensino Médio desejam trabalhar como docentes da Educação
Básica. Baixo retorno financeiro e desprestígio social da carreira docente são
citados entre os principais fatores para perfil identificado no levantamento. Ao
contrário de outros países com sucesso educacional, o Brasil atrai para o
magistério os profissionais que possuem mais dificuldades acadêmicas e
sociais aponta um estudo inédito, que utilizou banco de dados oficiais.
Assim, é importantíssimo que na elaboração dos projetos
pedagógicos dos cursos de Pedagogia sejam considerados os estudantes que
vêm destas outras áreas ou de uma formação anterior de baixa qualidade e
que irão se formar para professores da escola básica, no sentido de oferecer
subsídios para o melhor atendimento desses acadêmicos.
É bem verdade que a aprovação das DCNs contribuiu para
afastar a possibilidade da extinção do curso de Pedagogia e cooperou para a
definição da identidade do profissional nele formado, que havia sido
obscurecida desde a criação do curso e, mais ainda, prejudicada após o
redimensionamento proposto pelo Parecer nº 252/1969, que fragmentava a
identidade do pedagogo por meio das inúmeras habilitações. Todavia, apesar
destes avanços, não se pode negar que os conteúdos e espaços de atuação
do pedagogo definidos nesse documento são imprecisos e que o curso de
Pedagogia enfrenta ainda hoje desafios de cunho legal e organizacional que
tornam evidente o seu desprestígio no espaço acadêmico.
Com efeito, esse curso vive em terreno contraditório: situa-se
entre os discursos sobre a valorização do magistério, da educação básica e,
principalmente, da infância, os quais têm sido mais frequentes nos últimos
tempos e se manifestado na retórica de inúmeros governos, e sua
desvalorização devida a questões históricas e fundamentais, como o
aviltamento salarial e as precárias condições de trabalho do professor da
escola básica.
O que foi exposto neste capítulo revela que a formação
18
Quem quer ser professor? Atratividade, seleção e formação docente no Brasil (2010). Disponível em http://www.fcc.org.br/pesquisa/publicacoes/eae/arquivos/1608/1608.pdf acesso em abril/2011
75
desenvolvida nos cursos de Pedagogia já traz em si implicações que
concorrem para a existência de fragilidade na formação do pedagogo. Este fato
resulta em desafios para que esse profissional atue na realidade concreta que
constitui seu campo de trabalho, sendo a sala de aula o locus principal definido
pela legislação atual.
Contudo, se, por um lado, é do curso de Pedagogia a
incumbência de promover uma formação que possibilite ao professor dos Anos
Iniciais do Ensino Fundamental desenvolver conhecimentos sólidos e eficazes,
aptos a garantir aprendizagens suficientes quanto ao ensino da Matemática,
por outro lado, é importante dizer que esses conhecimentos não são
apropriados tão somente na formação inicial oferecida durante o curso de
graduação.
Assim considerando, a unidade seguinte se ocupa em situar os
processos de elaboração e reelaboração da base de conhecimentos e saberes
necessários para o exercício da docência e os contextos formativos em que
ocorrem. Com isso, pretende-se fornecer elementos para compreender as
declarações dos sujeitos da pesquisa e pensar a formação inicial dada nos
cursos de Pedagogia no que se refere ao ensino da Matemática.
2.6 Algumas Reflexões Teóricas sobre os Saberes e Conhecimentos Docentes
Esta unidade se preocupa em compreender a formação do
professor, incluindo os saberes e conhecimentos necessários ao
desenvolvimento da profissão docente, como suporte teórico para a
compreensão de como o pedagogo ensina a Matemática nos Anos Iniciais do
Ensino Fundamental. Esta abordagem se justifica porque as novas exigências
postas à escola requerem que a formação do professor seja vista como um
continuum, ou seja, como um processo permanente de construção de
conhecimento que ocorre ao longo da vida.
Isso obriga a pensar e compreender a formação inicial dentro
deste processo contínuo, em conexão com a formação continuada e as
76
experiências vividas pelo professor no decorrer da vida profissional docente.
Para Tardif (2002) isso inclui levar em consideração que os saberes do
professor são construídos, também, em sua trajetória pré-profissional, uma vez
que ele passa muitos anos de sua vida na escola, ambiente do seu, então,
futuro trabalho.
Os docentes mobilizam saberes e conhecimentos profissionais
que são construídos e reconstruídos em diferentes contextos e tempos e
constituem a base de seu trabalho. Segundo Montalvão e Mizukami (2002),
existem muitos estudos que procuram investigar os processos de construção
de conhecimentos ou de saberes de professores e que estão intimamente
relacionados ao debate atual em torno do ensino e da formação docente.
Pelo fato de este estudo tratar da formação do pedagogo e do
ensino da Matemática, num primeiro momento recorre-se a Nóvoa (1992),
visando a tecer considerações sobre a formação de professores numa
perspectiva crítico-reflexiva; depois inclui-se Tardif (2002), que traz reflexões
sobre a constituição dos saberes docentes e, por fim, busca-se a contribuição
das teorias de Shulman (1986; 1987 apud Montalvão e Mizukami, 2002) acerca
da base de conhecimentos para a docência.
Segundo Nóvoa (1992) “a formação deve estimular uma
perspectiva crítico-reflexiva, que forneça aos professores os meios de um
pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas de autoformação
participada” (p.25). O que se propõe é que o professor, por meio da reflexão da
sua prática e considerando a escola e a sociedade em que vive, seja
estimulado a lançar mão de um pensamento que seja autônomo. Esta proposta
considera fundamentais três processos na formação do docente: produzir a
vida do professor (desenvolvimento pessoal), produzir a profissão docente
(desenvolvimento profissional) e produzir a escola (desenvolvimento
organizacional).
Produzir a vida do professor, na dimensão do desenvolvimento
pessoal, implica proporcionar aos educadores espaços de interação entre as
dimensões pessoais e profissionais valorizando como conteúdos de sua
formação seu trabalho crítico-reflexivo sobre as práticas que realiza e sobre
suas experiências compartilhadas. Assim, o processo envolve a pessoa, suas
interações e suas experiências, estas últimas entendidas como lugar de
77
produção do saber e de aprendizagem. Esse mesmo processo coloca o
educador na condição de sujeito que, de forma permanente e ativa, ao longo
da vida constrói saberes, que não são únicos, nem tampouco acabados, dada
a complexidade que envolve o trabalho docente, pois sua prática é fortemente
constituída pelo enfrentamento de situações problemáticas, singulares e
complexas que surgem no ambiente escolar.
Produzir a profissão docente, na perspectiva do desenvolvimento
profissional, tem como pressuposto que o aprender da profissão é um processo
contínuo que engloba a formação inicial e a continuada. Trata-se de entender
que a formação deve preparar o docente crítico reflexivo que seja capaz de
assumir seu próprio desenvolvimento profissional a partir de seu envolvimento
pessoal e profissional num processo constante de autoformação e formação
nas instituições escolares onde atua. Deste modo, em processo continuado de
formação, cada professor vai construindo sua maneira de ser e estar na
profissão docente.
Por isso é importante produzir a escola, ou seja, concebê-la como
um espaço de formação e atuação, o que significa compreender a formação
como um processo permanente, integrado no dia-a-dia dos professores e da
escola.
Nesta perspectiva, o conceito de formação identifica-se com a
ideia de percurso, processo, trajetória de vida pessoal e profissional, como
formação “inconclusa” e por isso permanente, com vistas à formação de
professores autônomos, que sejam sujeitos capazes e livres para construir e
reconstruir constantemente os saberes que realizam em sua prática.
No entanto, autonomia não é uma dádiva, mas sim uma
construção contínua, individual e coletiva. É uma conquista, fruto de um
processo educativo que passa necessariamente pela consciência do ser
inacabado, segundo a qual o sujeito, percebendo-se inconcluso, compreende-
se em contínuo aprendizado e em permanente formação. Como afirma Freire
(1999), “a autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é
vir a ser. Não ocorre em data marcada” (p.121), ela vai se constituindo na
experiência de várias, inúmeras decisões, que vão sendo tomadas. Por isso, “é
na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação como
processo permanente” (p.64).
78
Ainda para Freire (1999), é necessário que o professor,
consciente do seu inacabamento, entenda que “faz parte da natureza da
prática docente a indagação, a busca, a pesquisa" e que, portanto, “Não há
ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino” (p.32). Assim, é essencial que,
“em sua formação permanente, o professor se perceba e se assuma, porque
professor, como pesquisador” (p.32).
Nesta esteira de pensamento, formar é muito mais que treinar. O
professor é formando e formador ao mesmo tempo, pois, como assegura o
autor em pauta, não há docência sem discência. Compreende-se, pois, que “a
profissão docente exige formação e autoformação que passa pela aquisição de
uma atitude científica que leva a interrogar e a problematizar o real e a pôr-se a
si próprio em questão, enquanto elemento desse real” (ESTRELA, 1992, p. 119
apud CARVALHO, 2005, p. 205).
Neste sentido, Carvalho (2005) afirma que a formação deve ser
centrada na concepção de aprender, pois ser professor implica “preparação
rigorosa e engajamento decidido no processo de autoformação permanente”
(p.187). Ainda mais, trata-se de responsabilidade ética, política e profissional
que o professor, assumindo-se como estudioso permanente, embrenhe-se no
processo de estudar num que fazer crítico, criador e recriador a partir da
reflexão de sua prática. Considerando-se ainda que
O professor ideal é alguém que deve conhecer sua matéria, sua
disciplina e seu programa, além de possuir certos conhecimentos
relativos às ciências da educação e à pedagogia e desenvolver um
saber prático baseado em sua experiência cotidiana com os alunos.
(TARDIF, 2001, p. 39),
chega-se à constatação de que a prática docente integra diferentes saberes.
Para Tardif (2002) o saber docente é um saber plural, formado por saberes
oriundos da formação profissional, dos saberes das disciplinas, dos currículos e
da experiência, conforme se explicita a seguir.
1) Os saberes da formação profissional são aqueles transmitidos pelas
instituições de formação de professores em que os docentes e o ensino são
tomados como objetos de saber para as ciências humanas e da educação.
Busca-se a articulação entre estas ciências e a prática docente por meio da
formação inicial ou continuada. Neste entendimento, a prática docente mobiliza
79
diversos saberes nomeados de pedagógicos, provenientes de reflexões sobre
a prática educativa.
2) Os saberes das disciplinas emergem da tradição cultural e dos grupos
sociais produtores de saberes. São conhecimentos definidos e selecionados
pela instituição universitária e oferecidos sob a forma de disciplinas.
Correspondem aos diversos campos do conhecimento como, por exemplo, a
Matemática, a Histórica, a Literatura, etc.
3) Os saberes curriculares apresentam-se na forma de programas escolares
(objetivos, conteúdos, métodos) que os professores devem aprender a aplicar.
4) Os saberes experienciais são aqueles desenvolvidos pelos próprios
educadores na prática, baseados em seu trabalho cotidiano e no conhecimento
de seu meio. Esses saberes são práticos, oriundos da experiência e por ela
validados. “Eles incorporam-se à experiência individual e coletiva sob a forma
de habitus e de habilidades de saber-fazer e de saber-ser” (TARDIF, 2002, p.
39).
Na visão de Tardif (2002), o saber docente é, essencialmente,
heterogêneo, sendo marcado por relações de exterioridade e de interioridade
com a prática. Seu texto explica que, na relação dos professores com os seus
próprios saberes, os saberes da formação profissional, os saberes disciplinares
e os saberes curriculares têm caráter de exterioridade e, por isso, são
desvalorizados pelos docentes, já que não são por eles controlados, mas sim,
definidos pela escola e pela universidade.
Contudo, o corpo docente, na impossibilidade de controlar esses
saberes, busca dar-lhes caráter de interioridade produzindo saberes que
denominam de práticos ou experienciais. O autor em pauta explica que “os
saberes experienciais não são saberes como os demais, são, ao contrário,
formados de todos os demais, mas retraduzidos, „polidos‟ e submetidos às
certezas construídas na prática e na experiência” (p. 54). É por meio destes
que o professor compreende e domina sua prática.
Num esforço de identificar e classificar os saberes dos
professores este autor esboça um quadro no qual busca mostrar o pluralismo
do saber docente relacionando-o com os lugares onde esses profissionais
atuam, suas fontes sociais de aquisição e seus modos de integração no
trabalho docente.
80
Quadro 5 – O saber plural dos professores
Saberes dos professores Fontes sociais de aquisição Modos de integração no
trabalho docente
Saberes pessoais dos
professores
A família, o ambiente de vida, a
educação no sentido lato, etc.
Pela história de vida e pela
socialização primária
Saberes provenientes da
formação escolar anterior
A escola primária e secundária,
os estudos pós-secundários não
especializados, etc.
Pela formação e pela
socialização pré-profissionais
Saberes provenientes da
formação profissional para o
magistério
Os estabelecimentos de
formação de professores, os
estágios, os cursos de
reciclagem, etc.
Pela formação e pela
socialização profissionais nas
instituições de formação de
professores
Saberes provenientes dos
programas e livros didáticos
usados no trabalho
A utilização das “ferramentas”
dos professores: programas.
Livros didáticos, cadernos de
exercícios, fichas, etc.
Pela utilização das “ferramentas”
de trabalho, sua adaptação às
tarefas
Saberes provenientes de sua
própria experiência na profissão,
na sala de aula e na escola
A prática do ofício na escola e na
sala de aula, a experiência dos
pares, etc.
Pela prática do trabalho e pela
socialização profissional
Fonte: Tardif, 2002.
Este quadro não trata de mostrar que os saberes da docência são
construídos de maneira estanque, mas, sim, de evidenciar que os saberes
mobilizados e empregados na prática cotidiana resultam de “um saber plural,
formado pelo amálgama, mais ou menos coerente” (TARDIF, 2002, p. 36), de
saberes oriundos de várias fontes de aquisição.
Buscando também compreender os conhecimentos docentes,
Shulman (1986; 1987, apud Montalvão e Mizukami, 2002) mostra que, nas
tomadas de decisões em seu dia-a-dia acerca do trabalho docente, os
professores recorrem a muitos tipos de conhecimentos. Em seus estudos o
autor apresenta o que denomina de base do conhecimento para a docência.
Para ele os vários tipos de conhecimentos são os seguintes:
a) Conhecimento dos conteúdos das disciplinas curriculares –
conhecimento da matéria
Implica o domínio, por parte do professor, dos conceitos
fundamentais de uma determinada área do conhecimento e da
história da construção de tais conceitos. O domínio de tal tipo de
conhecimento é imprescindível para que o professor possa, de fato,
constituir-se em mediador entre os conhecimentos historicamente
produzidos e os conhecimentos escolares de um determinado nível
de modalidade de ensino, de forma a oferecer condições para que os
alunos possam se apropriar deles. Para o autor, trata-se de conteúdo
imprescindível para a docência. Trata-se igualmente de condição
81
necessária, mas não suficiente, para a garantia de um processo de
ensino e aprendizagem eficiente. (MONTALVÃO E MIZUKAMI, 2002,
p. 105)
b) Conhecimento pedagógico geral
Trata-se de conhecimento sobre os processos de ensino e
aprendizagem, procedimentos didáticos, motivação, propostas e
teorias de desenvolvimento, estilos de aprendizagem etc.,
necessários à transformação do conteúdo a ser ensinado em
conteúdo a ser aprendido. Tais conhecimentos contemplam princípios
e estratégias de manejo de classe e de organização que transcendem
o conteúdo da matéria em si. ( Idem, p. 105)
c) Conhecimento curricular
Refere-se ao conhecimento das disciplinas que compõem o currículo
de um determinado nível/modalidade de ensino, com ênfase no
domínio conceitual da disciplina específica pela qual é responsável.
Implica considerar, pois, tanto o currículo específico das disciplinas
que ensina quanto compreender a relação da(s) mesma(s) com a
organização e estruturação dos conhecimentos escolares.
Compreende, principalmente, os materiais e programas que servem
como ferramentas de trabalho para os professores. (Idem, p. 105)
d) Conhecimento dos fins e metas da educação e dos conteúdos
educacionais
Consiste em conhecimentos dos fins educacionais, propósitos e
valores e suas bases históricas. Envolve conhecimentos sobre
contextos educacionais, sobre os trabalhos do grupo ou da classe,
sobre gestão e financiamento da educação/do ensino, sobre as
características e especificidades das comunidades e culturas, sobre
políticas públicas educacionais, dentre outros. (Idem, p. 106)
e) Conhecimento dos alunos.
Aqui, trata-se de “Conhecimentos de processos/estilos de
aprendizagem específicos de seus alunos. Envolve conhecimento dos alunos
em suas dimensões cognitiva, emocional, motora, social e interacional” (Idem,
p.106).
Além desses, faz parte do conhecimento dos professores o
conhecimento pedagógico do conteúdo. Para Shulman, trata-se de um novo
tipo de conhecimento, específico da docência, desenvolvido pelos professores
82
no exercício da profissão a partir de situações concretas de ensino e
aprendizagem. Esse conhecimento engloba os outros já elencados pelo autor e
“representa uma elaboração pessoal do professor ao confrontar-se com o
processo de transformar em ensino o conteúdo aprendido durante o seu
percurso formativo” (GARCIA, 1992, p. 57 apud MONTALVÃO E MIZUKAMI,
2002, p. 106). Para Richert, Shulman and Wilson (1987 apud Mizukami
2002)19,
Em adição ao conhecimento pedagógico geral e de conteúdo
específico, nosso modelo inclui conhecimento pedagógico do
conteúdo. Esse conhecimento inclui uma compreensão do que
significa ensinar um tópico particular, assim como conhecimento dos
princípios e técnicas requeridas para tal. Contextualizados por uma
conceituação de conteúdo específico do ensino, professores têm
conhecimento sobre como ensinar a matéria, como os alunos
aprendem a matéria (quais são as dificuldades de aprendizagem
relativas especificamente à matéria, quais são as capacidades
desenvolvimentais dos estudantes para adquirir conceitos
particulares, quais são as concepções errôneas mais comuns), como
matérias curriculares são organizadas na área e como tópicos
particulares são incluídos nos currículos. Influenciado tanto pelo
conteúdo específico da disciplina quanto pelo conteúdo pedagógico, o
conhecimento de conteúdo pedagógico emerge e cresce quando os
professores transformam seu conhecimento de conteúdo específico
tendo em vista os propósitos de ensino. Como essas espécies de
conhecimento se relacionam umas às outras permanece um mistério
para nós. (p. 155)
Portanto, os conhecimentos e saberes dos professores não são
estáticos, nem tampouco estagnados, mas encontram-se em constantes
modificações, dadas as exigências específicas das situações concretas do seu
cotidiano profissional. Esta observação torna possível considerar que, para
ensinar a Matemática nos anos iniciais, os professores não se apoiam
exclusivamente nos conhecimentos adquiridos no curso de Pedagogia, mas
utilizam esses conhecimentos em conjunto com outros construídos em sua
trajetória pré-profissional e profissional.
A construção dos conhecimentos para o ensino desta disciplina
exige do educador um trabalho de reflexão crítica sobre sua prática, que
19
MIZUKAMI. M. G. N. Formadores de professores, conhecimentos da docência e casos de ensino. In: REALI, A.M.M.R. e MIZUKAMI, M. G. N. Formação de professores, práticas pedagógicas e escola. São Carlos: EdUFSCAR, 2002.
83
envolve outros tipos de conhecimentos – do aluno, do currículo, de conteúdos,
dos contextos educacionais (ambiente de trabalho, região e características
culturais da comunidade), etc. – sendo tal ensino por eles constantemente
enriquecido porque, em interação, fundem-se em um novo conhecimento da
área específica, que é pessoal. Nesta ótica, os esforços para a formação do
professor que ensina a Matemática nos anos iniciais de escolarização devem
concentrar-se em formar um sujeito histórico, crítico e criativo que seja capaz
de criar, recriar e reinventar sua própria prática docente e competente para
desenvolver sua autonomia no pensar e agir pedagógico a fim de intervir na
transformação da qualidade do ensino da Matemática.
Esta finalidade exige que tal seja pensado numa perspectiva
crítica que compreenda a educação como uma prática social e um processo
lógico de emancipação. No intuito de subsidiar esse debate, o capítulo seguinte
se ocupa em apresentar as ideias que referendam a formação de professores
no aspecto da educação matemática crítica. Também traz outros elementos
teóricos para contribuir na análise dos dados desta pesquisa no que se refere à
formação matemática do professor.
84
3 FORMAÇÃO DE PROFESSORES: PRESSUSPOSTOS TEÓRICOS
A apropriação do conhecimento matemático por parte do
estudante, para muitos, processo longo e difícil, envolve professor, aluno e
conhecimento matemático. Neste tripé, o sucesso nas aprendizagens do aluno
depende, necessariamente, da inquestionável importância do trabalho do
educador.
Como a pesquisa trata da formação do pedagogo e,
especificamente, preocupa-se em como este profissional ensina a Matemática,
a proposta deste capítulo é tecer algumas considerações teóricas acerca do
tema, necessárias para a melhor compreensão do nosso objeto de estudo.
Num primeiro momento o capítulo institui uma breve discussão
sobre a formação de professores na perspectiva crítica de educação, à luz de
autores que compreendem a ação docente como compromisso histórico,
político e ético de transformação da realidade social opressora e injusta, quais
sejam: Freire, 1987, 1999; Veiga, 2009; Kincheloe, 1997; Contreras, 2002,
Peter Mclaren, 1997; Giroux, 1997; Gadotti, 1995; Saviani, 1991; Carvalho,
2005; Nóvoa, 1992, 2009, com a finalidade de ajudar na compreensão de
alguns elementos da proposta da Educação Matemática Crítica que são
delineados na seqüência.
Já neste segundo momento, são apresentadas, mais
especificamente, considerações teóricas a respeito da formação de docentes
para o ensino da Matemática nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Trata-
se de, inicialmente, delinear a proposta da Educação Matemática Crítica no
sentido de Ole Skovsmose (2001), que, em linhas gerais, tem preocupações
com a formação para a democracia e cidadania na educação matemática.
Depois, de trazer alguns aspectos evidenciados em uma investigação (CURI,
2004) sobre a formação do pedagogo para o ensino da Matemática. Por fim,
de considerar as concepções que permeiam o conhecimento matemático para
situar o estudo a respeito das tendências para o ensino da matemática no
Brasil desenvolvido por Fiorentini (1995). O interesse específico deste capítulo
é, pois, subsidiar teoricamente a análise dos dados recolhidos ao longo da
pesquisa.
85
3.1 A Formação do Professor na Perspectiva Critica da Educação
A intenção desta unidade é compreender o que defendem alguns
autores acerca da educação, da escola, do trabalho do professor e da
formação docente para pensar a formação do professor numa perspectiva
crítica da educação. Esta abordagem se faz necessária porque toda proposta
de formação de professores é baseada em uma concepção de educação que
traz implícito, em si mesma, um conceito de homem, de sociedade e de
conhecimento, ou seja, um posicionamento teórico, filosófico, antropológico,
sociológico, epistemológico e ético em relação a que tipo de homem se
pretende formar e para que tipo de sociedade.
Veiga (2009) ao analisar a formação de professores no Brasil
aponta duas perspectivas de formação que têm ocupado lugar de destaque: a
formação do professor como tecnólogo do ensino e a formação do professor
como agente social.
O professor na perspectiva do tecnólogo do ensino tem sua
identidade expressa na atual legislação educacional20 de nosso país, a qual,
inspirada nas políticas neoliberais que buscam adequar a formação de
professores às demandas do mercado globalizado, compreende que a
formação do professor deve centrar-se no desenvolvimento de competências;
no saber fazer; na prescrição; na aprendizagem por competência. Para a
autora,
Essa perspectiva de formação centrada nas competências é restrita e
prepara, na realidade, o prático, o tecnólogo, isto é, aquele que faz
mas não conhece os fundamentos do fazer, restringindo-se ao
microuniverso escolar e esquecendo-se da relação com a realidade
social mais ampla, que, em última instância, influencia a escola e por
ela é influenciada. (p.17)
Este tipo de formação, tendo sua origem no poder constituído,
resulta num tipo de formação fragmentada, pragmatista, simplista, prescritiva e
de característica aligeirada, cujos conhecimentos se dão desvinculados do
contexto. Trata-se de um modelo de formação que tem se mostrado frágil e
20
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena (CNE 2001), decorrentes da LDBEN nº. 9.394/96.
86
insuficiente frente às exigências advindas das transformações do mundo
contemporâneo.
Com efeito, as questões da diversidade e das novas tecnologias
têm desafiado a sociedade e, por consequência, a escola, a redefinirem suas
práticas com vistas à inclusão social e à integração escolar. A escola que está
posta vem recebendo críticas, principalmente em relação à sua incapacidade
para promover aprendizagens que sejam capazes de responder aos desafios
da sociedade do conhecimento. (NÓVOA, 2009, p. 78). No século XXI, essas
condições têm sido desencadeadoras para o reaparecimento no cenário
educativo do professor como elemento substancial para a melhoria da
qualidade das aprendizagens, como agente social.
Freire também pensa ser necessária uma mudança na escola, no
seu dizer, na “cara da escola”. A escola, na concepção de Paulo Freire (1991),
deve ser “competente, democrática, séria e alegre” (p. 35). “Sonhamos com
uma escola, que sendo séria, jamais vire sisuda. Quanto mais leve é a
seriedade, mais eficaz e convincente é ela” (p.37). Para ele a escola deve ser
democratizada, comprometida com os oprimidos, com as minorias e
comprometida com a democratização da sociedade. Com isto, propugna uma
escola de qualidade que seja do povo e para o povo.
Entende-se que,
A qualidade dessa escola deverá ser medida não apenas pela
quantidade de conteúdos transmitidos e assimilados, mas igualmente
pela solidariedade de classe que tiver construído, pela possibilidade
que todos os usuários da escola – incluindo pais e comunidade –
tiverem de utilizá-la como um espaço para elaboração de sua cultura.
(GADOTTI e TORRES, 1991, p. 15-16)
O que se propõe é que os indivíduos atuando como sujeitos que
fazem parte dessa escola tenham também poder de decisão sobre ela,
participando como sujeitos desse processo.
Nóvoa (2009) aponta que é preciso redefinir a missão da escola
no sentido de libertá-la de uma visão regeneradora da sociedade, a qual, ao
longo dos tempos, permitiu que progressivamente, a sociedade lhe atribuísse
um volume excessivo de missões, o que resultou num transbordamento de
atribuições e numa pobreza teórica e prática. Em defesa do retraimento da
87
escola, o autor em pauta, propugna que a escola seja percebida como uma
entre as mais diversas instituições da sociedade que promovem a educação,
porém, valorizando aquilo que é especificamente escolar.
Para o estudioso, a escola capaz de contribuir para a melhoria da
qualidade da educação é aquela que, evitando o transbordamento de
atribuições que lhe foi imposto, seja mais orientada para as aprendizagens21;
que em vez, de apresentar a homogeneização característica da escola do
século XX seja aberta à diferença, ao diálogo e à comunicação, de modo que a
organização do trabalho educativo considere a “aplicação de uma pedagogia
diferenciada em função das necessidades de cada aluno” (p.87). Nesta trilha,
sugere que a escola que promove a cidadania dos educandos é aquela que
trabalhe a favor de mais aprendizagem, mais sociedade, mais comunicação.
Assim sendo, defende que
[...] não há cidadania se os alunos não aprenderem, se não formos
capazes de integrar todos numa escola com regras claras e
democráticas de funcionamento, se a escola não comunicar com o
exterior e não prestar contas do seu trabalho à sociedade. (NÓVOA,
2009, p. 68)
Efetivamente, trata-se de uma proposta que deseja abrir novas
perspectivas para a formação de professores, que coloca a aprendizagem, em
toda a sua riqueza no cerne das preocupações dos envolvidos com a
educação. Indubitavelmente esses debates fazem aflorar a centralidade do
papel do docente enquanto sujeito fundamental, que se constitui elemento
insubstituível na promoção das aprendizagens e na construção dos processos
de inclusão.
Também ao mostrar que ser professor é tarefa mais complexa do
que no passado, Nóvoa (2009), evidencia que a formação do professor está em
xeque, devendo, necessariamente, ser analisada na teia do tecido social, uma
vez que a educação se relaciona dialeticamente com a sociedade.
Esta perspectiva insere-se na visão de que, o mundo das relações
é um todo dialético, em que os fenômenos não se desenvolvem isoladamente,
21
Dar primazia à aprendizagem como missão da escola não significa deixar de cumprir algumas missões sociais e assistenciais; significa, sim, não defini-las como missões primordiais da escola. (NÓVOA, 2009, p. 88).
88
mas em ligação com outros fenômenos que não são iguais. Segundo Gadotti
(1995), o papel social da educação não pode ser pensado sem levar em conta
que sua realização expressa a tensão da contradição própria da realidade; a
educação enquanto momento partícipe da prática social global é contraditória
porque a sociedade em que se situa é contraditória.
Entende-se a sociedade capitalista como constituída de relações
de exploração e opressão. No seio destas relações sociais o saber produzido
socialmente é uma força produtiva, é um meio de produção que se funcionaliza
a serviço do capital. Na visão de Saviani (1991), neste modelo de sociedade,
“O saber dos trabalhadores é desapropriado e apropriado pelos setores
dominantes, elaborado e devolvido de forma parcelada” (p. 81).
Contudo, devido à natureza do capitalismo, os trabalhadores não
podem ser desapropriados totalmente do saber, então se providencia para que
o trabalhador adquira algum tipo de saber, sem o que ele não poderia produzir.
Aí reside a contradição, que se revela no papel motor da luta de classes na
transformação social. É através desta luta de classes que a sociedade avança.
Para Saviani (1991), o saber é produzido socialmente e elaborado
institucionalmente. A produção do saber exige o domínio dos instrumentos de
elaboração e sistematização. A importância da escola está em permitir o
acesso a esses instrumentos, sem os quais “os trabalhadores ficam
bloqueados e impedidos de ascenderem ao nível da elaboração do saber,
embora continuem, pela sua atividade prática, a contribuir para a produção do
saber” (p. 82).
Nesta compreensão, o saber não democratizado passa a ser
propriedade privada, tendendo, desta forma, a reproduzir indefinidamente as
relações sociais básicas, justas ou injustas, inerentes ao sistema. A educação
é utilizada, então, como um meio de encobrir contradições, como um
instrumento de persuasão dissimulador e alienante da realidade, produzindo
uma ideia ilusória de normalidade.
A educação enquanto possibilitadora da disseminação de um
saber mais abrangente, contudo, entra em contradição com a sociedade
capitalista. A ação pedagógica, na medida em que explicita aquelas condições
que determinam o caráter da dominação contribui para que o saber seja
89
apropriado – elaborado – pelas classes subalternas, concorrendo, assim, para
o encaminhamento da modificação das condições sociais.
Para empreender as discussões em torno do conceito de
educação é importante recorrer ao posicionamento de Vieira Pinto (2000),
Freire (1987), Paro (2008). Estes autores concebem a educação como um
fenômeno social de caráter histórico-antropológico, constituindo-se ao mesmo
tempo em um processo individual e social.
Segundo Vieira Pinto (2000), a educação é sempre existencial,
uma possibilidade humana de ordem consciente, dialógica, relacional, um
fenômeno cultural e social, é teleológica e intencional, é uma modalidade do
trabalho social. Apresenta-se como um processo exponencial, concreto por
excelência e contraditório por natureza. Sua característica fundamental é que
ela se efetua como uma mediação necessária no processo de produção da
natureza humana.
Este autor entende que “a educação é o processo pelo qual a
sociedade forma seus membros à sua imagem e em função de seus
interesses” (p.29). Preconiza que a educação sempre terá um caráter
intencional, pois não se pode aspirar a formar um sujeito sem um prévio
conceito ideal de homem. Este modelo de homem que se pretende formar
pertence à consciência de alguém que está num dado tempo, num espaço, em
determinada posição social. Para o mesmo autor a forma de consciência pode
ser ingênua ou crítica. De acordo com a posição, o interesse, os fins da
consciência de quem dirige o processo educacional tem-se um tipo social de
educação.
Na concepção ingênua de educação, que emana de uma
consciência ingênua, é papel do grupo dominante definir as normas do
processo educativo porque acredita que o educando é um ser que não possui
ainda consciência e por isso necessita recebê-la pela educação; esta é
considerada como o procedimento de transformação do não-homem em
homem. Considera o educando como “ignorante”; como puro “objeto” da
educação e a educação como transferência de um conhecimento finito, como
dever moral da fração adulta, educada e dirigente da sociedade.
90
Por outro lado, a concepção crítica da educação procede de uma
consciência crítica que ao considerar as categorias do pensar crítico –
objetividade, concreticidade e totalidade, historicidade e totalidade –, torna-se
[...] verdadeiramente autoconsciência não pelo simples fato de
chegar a ser objeto para si e sim pelo fato de perceber seu conteúdo
acompanhado da representação de seus determinantes objetivos.
Estes pertencem ao mundo real, material, histórico, social, nacional
no qual se encontra. (VIEIRA PINTO, 2000, p. 60).
Na concepção, ora focalizada, o educando é considerado como
sabedor e desconhecedor, e aquilo que ele desconhece é o que até agora não
teve necessidade de aprender. Assim, o educando é o “sujeito” da educação –
nunca o objeto dela –, pois “a sociedade como um todo se desenvolve, se
educa, se constrói, pela interação de todos os indivíduos” (idem, p.64). A
educação é, portanto, um diálogo amistoso entre dois sujeitos, de fato, entre
dois educadores.
Neste sentido, Paulo Freire preconiza que a educação libertadora
é uma atividade em que os sujeitos, educadores e educandos, mediatizados
pelo mundo, educam-se em comunhão. Para o autor a educação libertadora é
um esforço de superação da relação vertical estabelecendo-se a relação
dialógica.
Este entendimento de educação – o da educação libertadora
defendida por Paulo Freire – é embutido numa concepção de mundo e de
homem em que a ideia primordial consiste em compreender que tudo está em
permanente transformação e interação. Freire dizia, numa frase famosa, que "o
mundo não é, o mundo está sendo", e, por isso, não há futuro a priori. Esse
ponto de vista implica conceber o ser humano como "histórico e inacabado" e,
consequentemente, sempre pronto a aprender. Fato fundamental é que o
homem é considerado um ser-no-mundo, mas também ser-com-os-outros,
assim, o homem existe no e com o mundo. Daí o diálogo ser inerente ao
processo de humanização dos homens e, por consequência, a educação ser
dialógica.
Na condição de um ser de relações o homem constitui-se sujeito
do processo histórico da cultura, sendo ao mesmo tempo admirador e
transformador desse mundo, da natureza, de sua própria pessoa e da história.
91
O Mundo é o lugar de encontro de cada um consigo mesmo e com os outros.
Nesta direçao, Paro (2008) entende que considerar o homem como ser
histórico implica necessariamente considerá-lo como ser social e político. Isto
requer, necessariamente, que as relações de produção da convivência entre
pessoas e grupos não se dêem pela dominação, mas, sim, pelo diálogo, tendo
como horizonte a sociedade democrática.
Para ele, a educação não pode ser é reduzida à passagem de
conhecimento na qual o importante é sempre o conteúdo, o educador apenas é
um provedor de conhecimentos e informações, e o educando mero receptáculo
desse conteúdo, na qual se desconsidera a subjetividade do educador e do
educando atentando-se apenas ao conteúdo. Antes, a educação consiste na
apropriação da cultura, pois esta é a condição para a formação do homem na
integralidade de sua condição histórica. A função da educação nesta
perspectiva é possibilitar ao homem a assimilação da cultura historicamente
construída:
A necessidade da educação se dá precisamente porque, embora
autor da história pela produção da cultura, o homem ao nascer
encontra-se inteiramente desprovido de qualquer traço cultural.
Nascido natureza pura, para fazer-se homem à altura de sua história
ele precisa apropriar-se da cultura historicamente produzida. (PARO,
2008, p.24)
Isso requer clareza da especificidade histórica do homem,
decorrente de sua condição de sujeito – homem que faz história. Por meio de
seu caráter ético o homem cria valores, por meio do trabalho humano ele
transforma a natureza e, ao criar suas próprias condições de existência
histórica, cria a si mesmo. O homem se faz humano-histórico desenvolvendo
suas potencialidades e se apropriando de elementos culturais.
Neste contexto, assumir o homem histórico como o objetivo da
educação implica considerar a própria cultura humana em sua inteireza (os
valores da convivência democrática) como conteúdo da educação, tendo como
fim, quanto ao educando, “formá-lo como cidadão, afirmando-o em sua
condição de sujeito e preparando-o para atuar democraticamente em
sociedade” (PARO, 2008, p.27).
92
Neste processo a educação tem a missão de orientar no mundo.
Neste sentido, para Freire, o objetivo maior da educação é conscientizar o
aluno. Trata-se de aprender a realizar a leitura do mundo – “ler o mundo”, ler a
realidade, conhecê-la, para em seguida ser capaz de reescrever essa
realidade, isto é, transformá-la. Isto significa, em relação às parcelas
desfavorecidas da sociedade, levá-las a entender sua situação de oprimidas e
a agir em favor da própria libertação. A visão de mundo, portanto, dá-se a partir
da perspectiva do oprimido, pois o autor acredita que a pedagogia do oprimido
é
[...] aquela que tem que ser forjada com ele e não para ele, enquanto
homens ou povos, na luta incessante de recuperação da sua
humanidade. Pedagogia que faça da opressão e de suas causas
objeto da reflexão dos oprimidos, de que resultará o seu engajamento
necessário na luta por sua libertação, em que esta pedagogia se fará
e refará [...]. (FREIRE, 1987, p.17)
A educação tem, desta forma, caráter libertador. Num processo a
que Freire chamou de conscientização, os educandos podem conhecer
criticamente a própria realidade concreta; não apenas conhecer, mas, a partir
do conhecimento da realidade vivida, real, engajar-se num esforço de
transformação desta realidade.
A educação problematizadora e dialógica permite aos
desfavorecidos romper o que este educador denominou "cultura do silêncio" e
transformar a realidade, como sujeitos da própria história. Esta concepção de
educação é uma alternativa política para a “educação bancária” 22, pois
A educação que se impõe aos que verdadeiramente se
comprometem com a libertação não pode fundar-se numa
compreensão dos homens como seres “vazios” a quem o mundo
“encha” de conteúdos; não pode basear-se numa consciência
especializada, mecanicistamente compartimentada, mas nos homens
como “corpos conscientes” e na consciência como consciência
intencionada ao mundo. Não pode ser a do depósito de conteúdos,
mas a da problematização dos homens em suas relações com o
mundo. (p.38)
22
Na concepção bancária de educação, o professor age como quem deposita conhecimento num aluno apenas receptivo, dócil, ou seja, o saber é entendido como uma doação dos que se julgam seus detentores.
93
Compreende-se, portanto, de acordo com Vieira Pinto (2000), que
a tarefa precípua do educador que tem consciência crítica é continuamente
combater a todas as formas de alienação que afetam a sociedade,
principalmente aquelas que prevalecem no campo da educação.
Assim, como propõe Veiga (2009), é importante conceber a
formação do professor como agente social. É nesta ótica que se considera a
formação de professores sujeitos da sua ação docente, historicamente situados
e comprometidos com a realidade social em que se inserem.
Nesta direção, as reflexões de Gadotti (1995) e Giroux (1997)
fornecem elementos fundamentais que mostram a partir do pensamento
gramsciano, o qual propõe o educador como intelectual orgânico – um
educador comprometido com a construção de uma sociedade de relações mais
justas.
Na perspectiva gramsciana constitui um erro metodológico o
critério de se distinguir o trabalho nas modalidades manuais e intelectuais. O
saber, que nasce do fazer, provém de fazeres diferentes e contraditórios. É,
pois, necessário “reconciliar a atividade manual e intelectual no seio de um
mesmo indivíduo” (GRAMSCI, 1968, apud GADOTTI, 1995, p. 141).
Gadotti (1995) mostra que, para Gramsci, todos os homens são
intelectuais, e, se todos os homens podem ser considerados intelectuais, nem
todos exercem a função de intelectual. O intelectual se define pelo lugar e
função que ocupa no conjunto das relações sociais. É a classe que gera seus
intelectuais, e, por conseguinte, cabe ao intelectual um papel importante na
direção, organização e difusão de uma nova consciência.
No entanto, a conquista da consciência de classe não se dá por
si mesma, “ [...] a tomada de consciência não é espontânea, isto é, a formação
da consciência do indivíduo não é inata, exige esforço e atuação de elementos
externos e internos ao indivíduo” (GADOTTI, 1995, p. 139). Por isso a
necessidade de uma educação que seja eminentemente politizada.
Uma educação política supõe uma interpretação teórica das
necessidades das classes subalternas na qual o mesmo clima cultural entre
intelectual e massa abra espaço para uma unidade do sentir-saber-
compreender. Gramsci acredita, portanto, que a revolução a ser feita é uma
94
revolução intelectual e moral que se dará com o consentimento da sociedade
civil.
Giroux (1997), por seu turno, baseado no conceito de intelectual
orgânico de Gramsci, procura inseri-lo na questão da educação. Inspirado
nestas ideias gramscianas sobre o papel dos intelectuais na produção e
reprodução da vida social, rejeitando a tentativa de redução dos professores a
meros técnicos e contrapondo-se às ideias reprodutivistas, propõe o "professor
intelectual".
Para o autor , isto implica conceber o trabalho do professor como
tarefa intelectual crítica transformadora que esteja relacionada com os
problemas e experiências da vida diária, no sentido não só de compreensão
das condições do seu próprio trabalho, mas também de desenvolver
possibilidades para a crítica e a transformação das práticas sociais que se
constituem em torno da escola.
Ele afirma que o professor como intelectual transformador é
alguém não somente capaz de analisar e denunciar os vários interesses e
contradições na sociedade, mas um profissional apto para, também, articular
as possibilidades emancipatórias com vistas a sua efetivação. Neste modelo
de formação, a ação docente não é constituída apenas pela reflexão, mas pela
reflexão-ação, que envolve, necessariamente, o pensar e o agir.
Isto indica que o docente deve ser concebido não meramente
como um executor de tarefas técnicas ou instrumentais, comprometido com a
transmissão de um saber crítico, porém, como um profissional eminentemente
intelectual com potencial para produzir sua própria transformação social e
também a de seus alunos, considerando, sobretudo, a relação escola-
comunidade.
Neste contexto, as escolas devem ser vistas como “esferas
públicas democráticas”, ou seja, como espaço de luta e engajamento, onde
alunos e professores pelejem coletivamente buscando alterar as bases sobre
as quais se vive a vida, onde os docentes como “intelectuais transformadores”,
contribuam para a construção de uma sociedade mais democrática e mais
justa, educando a seu alunado como cidadãos críticos, ativos e comprometidos
na construção de uma vida individual e pública digna de ser vivida, guiados
pelos princípios de solidariedade e de esperança (CONTRERAS, 2002).
95
Acrescenta-se que, Giroux (1997) e McLaren (1997) entendem a
escola como esfera pública de fortalecimento do indivíduo em suas dimensões
individual e social, permeada por dinâmicas de engajamento popular e de
política democrática.
Conceber as escolas como “esferas públicas democráticas”, para
McLaren (1997) consiste em vê-las como espaços dedicados a formas de
conferir poder ao self e ao social, nos quais seja favorável aos alunos a
aprendizagem dos conhecimentos e das habilidades indispensáveis para a vida
em uma democracia de fato. Para que isto se realize é fundamental que o
docente compreenda que os fatores sociais e institucionais que condicionam
sua prática educativa, bem como a emancipação quanto às formas de
dominação que afetam seu pensamento e sua ação, não constituem processos
espontâneos, que se produzem naturalmente.
É imprescindível , pelo contrário, que o educador, a partir da
compreensão de seu papel, de sua função no âmbito da escola e da
sociedade, seja capaz, como expressa Giroux (1997), de unir a linguagem da
crítica com a linguagem da possibilidade para manifestar-se contra as injustiças
econômicas, políticas e sociais dentro e fora das escolas, opondo-se também a
grande parte dos discursos, das relações e das formas de organização do
sistema escolar.
A formação do professor como agente social deve se desenvolver
tendo por base a compreensão da totalidade, considerando as condições
concretas que abarcam a construção da sua profissionalidade, desde a
formação inicial e continuada até as condições de trabalho, salário, carreira e
organização da categoria.
A perspectiva de formação docente que ora se apresenta tem sua
lógica orientada na concepção crítica de educação. Segundo Kincheloe (1997),
esta visão é baseada num reconhecimento da opressão, e prova para a razão
que as forças desta opressão devem ser identificadas. Entretanto, Giroux
(1997) alerta que os professores podem não ser conscientes da natureza da
sua própria alienação.
Por este motivo é necessário que as propostas de formação de
professores criem condições para que estes compreendam a situação em que
se encontram. Sem este reconhecimento crítico da dominação e opressão, os
96
professores consideraram o local da escola como um valor neutro e entendem
o seu papel como o de educadores que, além de desvalorizar o domínio da
teoria, ainda evitam questões de pressupostos ideológicos, psicológicos e
pedagógicos que subjazem às suas práticas.
No entanto, o professor precisa compreender, como afirma
Carvalho (2005, p; 198),
[...] que a escola se configura como espaço de contradições, ao
mesmo tempo que se revela como instrumento eficaz na reprodução
das desigualdades sociais. Compreender que a escola se revela
ainda como espaço de desmascaramento das desigualdades [...].
Para Veiga (2009), portanto, pensar a formação do professor
nesta concepção supõe compreender que a preparação para o magistério deve
ser vista como uma tarefa complexa e inerentemente política.
No bojo destas idéias, Paro (2008) enfatiza que o educador
precisa “ter consciência política de sua função e do que ela representa na
construção de seres democráticos para uma sociedade democrática” (p.31-32).
Em outras palavras, o professor em sua condição de sujeito envolvido na
construção de personalidades humano-históricas, não pode permitir que seu
papel no processo ensino-aprendizagem se reduza ao de mero repetidor de
“conteúdos” para seus alunos. Ele tem a função de, como sujeito, propiciar
condições para que seus alunos se façam sujeitos. Por isso, além da utilização
de metodologia adequada e dos conhecimentos técnicos sobre a educação, ele
deve estar comprometido com o trabalho que realiza, ele precisa querer
ensinar para conseguir fazê-lo, tendo em vista a formação da personalidade do
educando.
Neste ponto, é importante assinalar que o pensamento político,
educativo e pedagógico de Paulo Freire (1988, 1999) tem se constituído como
um referencial fundamental para pensar a formação de educadores. Seus
estudos têm mostrado que não existe educação neutra, porque a educação
forma cidadãos para uma determinada sociedade, um determinado sistema
social, assumindo seus valores. Deste modo, ela, condiciona e,
simultaneamente, é condicionada pela sociedade em que está inserida; revela
e, ao mesmo tempo, é revelada pela política que assume. Ademais, a
97
educação é sempre intencional e diretiva, e é na sua diretividade que reside a
sua politicidade (FREIRE, 1999); Este educador esclarece que “a raiz mais
profunda da politicidade da educação se acha na educabilidade mesma do ser
humano, que se funda na sua natureza inacabada e da qual se tornou
consciente“ (p.124).
Por ser impossível que haja neutralidade na educação, o trabalho
do professor é inerentemente um ato político, pois ou se educa para o silêncio,
para a submissão, ou com a finalidade de dar a palavra, de não deixar calar as
angústias e a necessidade daqueles que se encontram nas esferas escolares.
É, pois, fundamental que o docente, sabendo o valor que tem para a
modificação da realidade, considere ,em seu processo formativo, como
princípio basilar a politicidade que envolve o seu trabalho, sendo consciente de
que, “se a educação não pode tudo, alguma coisa fundamental a educação
pode” (p.126) (grifo do autor).
Na visão freireana, a tarefa do professor como ato político implica
operar uma prática escolar humanizadora pautada em um fazer dialético e
problematizador no qual, por meio do diálogo construtivo, na relação
educador/educando se exercite o refletir e o agir, um educando o outro,
problematizando a realidade como processo, como devir, para a transformação
contínua dessa realidade, para a permanente humanização dos homens. A
ação educativa, sendo dialógica, deve ser baseada também nos
conhecimentos e na práxis dos educandos profundamente arraigada nos
contextos culturais destes, sendo a práxis aqui entendida como reflexão e ação
dos homens.
Nesta compreensão o autor propõe aos educadores assumirem
uma postura libertadora como opção para a superação da postura bancária
domesticadora que se realiza por um repasse automático de conhecimentos de
educador para educando.
Considerando, assim, que a dinâmica do trabalho educativo
precisa mudar, sugere que a prática educador/educando, como um ato
radicalmente político, realize como que entre fissuras, um movimento de
desvelamento da realidade com vistas à aproximação crítica desta realidade
para, então, promover a transformação social.
98
Também apontando o caráter político da educação, Contreras
(2002) menciona três dimensões básicas da profissão docente como
qualidades necessárias ao próprio trabalho de ensinar: a) a obrigação moral; b)
o compromisso com a comunidade; c) a competência profissional.
A primeira indica que o ensino supõe um compromisso de caráter
moral. Para o autor, acima das conquistas acadêmicas, o professor
compromete-se com os estudantes em seu desenvolvimento como pessoa e,
ao buscar o progresso na aprendizagem, exerce nos alunos e alunas influência
acerca de valores; “esta consciência moral sobre seu trabalho traz
emparelhada a autonomia como valor profissional” (p. 78).
A segunda dimensão dada à profissionalidade docente tem a ver
com a comunidade social em que os professores efetivam a realização de sua
prática profissional. No desenvolvimento do trabalho do educador, o autor leva
em consideração que as práticas sociais devem ser compartilhadas, pois “a
educação não é um problema da vida privada dos professores, mas uma
ocupação socialmente encomendada e responsabilizada publicamente”
(CONTRERAS, 2002, p. 79).
Com efeito, o professor deve reconhecer que está num jogo
político, pois,
Se a educação for entendida como um assunto que não se reduz
apenas às salas de aula, mas que tem uma clara dimensão social e
política, a profissionalidade pode significar uma análise e uma forma
de intervir nos problemas sociopolíticos que competem ao trabalho de
ensinar. Na medida em que a prática escolar pode estar
desempenhando algum papel na educação das pessoas, que tenha
algum efeito sobre suas vidas futuras, estamos falando de problemas
nos quais a pretensão da justiça e da igualdade social pode ter um
significado intrínseco à própria definição do trabalho docente.
(CONTRERAS, 2002, p. 81)
Por fim, o autor afirma que a obrigação moral e o compromisso
com a comunidade requerem uma competência profissional – a terceira
dimensão da profissão docente – que seja compatível com ambos. Ao fazer
menção à competência profissional, ressalta que ela deve ultrapassar os limites
puramente técnicos do recurso didático, e, assim, destaca as “competências
profissionais complexas que combinam habilidades, princípios e consciência do
99
sentido e das conseqüências das práticas pedagógicas” (CONTRERAS, 2002,
p. 83).
Ele contextualiza o ensino ponderando que
A atuação docente não é um assunto de decisão unilateral do
professor ou professora, tão-somente, não se pode entender o ensino
atendendo apenas os fatores visíveis em sala de aula. O ensino é um
jogo de “práticas aninhadas”, onde fatores históricos, culturais,
sociais, institucionais e trabalhistas tomam parte, junto com os
individuais. Deste ponto de vista, os docentes são simultaneamente
veículo através dos quais se concretizam os influxos que geram todos
estes fatores, e criadores de respostas mais ou menos adaptativas ou
críticas a esses mesmos fatores. (CONTRERAS, 2002, p. 75)
O exposto conduz a verificação de que é importante, sobretudo,
que a formação do educador seja permeada por condições que lhe possibilitem
confrontar-se com sua própria realidade concreta, não somente com o que ele
vê, mas por que ele vê e o que vê. É o que esclarece Kincheloe (1997, p. 192)
ao dizer que, “Quando aprendemos por que vemos o que vemos, nós estamos
pensando sobre o pensar, analisando as forças que moldam nossa
consciência, colocando o que nós percebemos num contexto significativo”
Embora no atual cenário educacional a Pedagogia tenha sido, a
despeito das considerações aqui tecidas, descaracterizada como ciência da
educação, excluída enquanto campo científico em relação às ciências sociais,
o pedagogo tem muito a fazer. Para que possa desempenhar o papel
emancipatório tão significativo no seu campo de trabalho é necessário a ele
acreditar e ousar para desvelar os condicionantes e determinantes de sua
prática, vislumbrando o papel e as possibilidades da educação frente às
exigências da sociedade contemporânea.
Cabe sublinhar que o pedagogo, como educador por excelência,
deve ser preparado para refletir sobre a realidade social, que é permeada por
contradições, para que, a partir destas, seja capaz de buscar ações com vistas
à formação integral de sujeitos, numa dimensão ética, para realmente educar e
formar cidadãos. Seu campo de trabalho são as salas de aula, a escola, e as
diversas instâncias educativas sociais e é aí, atuando como educador, que
poderá possibilitar reais transformações sociais, culturais, políticas e
econômicas.
100
Ora, pelo que já se expôs acima,vê se que a escola tem o papel
fundamental de propiciar aos seus alunos uma educação crítica. Neste
contexto, vale relembrar que é na Educação Infantil e nos primeiros anos do
Ensino Fundamental, locus de trabalho do pedagogo, que se inicia o processo
de aprendizagem em seu aspecto formal e sistematizado, e, no caso específico
do presente estudo, convém recordar que é onde são construídas as bases
para a formação Matemática dos alunos. Dando prosseguimento à linha de
raciocínio, importa enfatizar que, é necessário dar uma dimensão crítica à
educação matemática, recusando a neutralidade de seu ensino. Pelo contrário,
este deve ser considerado essencial para que os educandos desenvolvam
competências matemáticas que contribuam para a sua formação pessoal e
social.
Promover a formação de sujeitos emancipados passa pelo
enfrentamento das questões relacionadas ao ensino desta área do
conhecimento com vistas à superação do fracasso escolar da Matemática que
a escola tem produzido em seu seio. Na próxima unidade, portanto,
apresentam-se algumas contribuições de Ole Skovsmose (2001), que
protagonizou o movimento conhecido como Educação Matemática Crítica.
Considerando que o papel da Matemática é essencialmente crítico, o autor
acredita que a educação matemática, se promovida numa perspectiva crítica,
pode ajudar a desenvolver competências democráticas nos estudantes.
3.2 Formação de Professores para o Ensino da Matemática nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental
Neste tópico, numa primeira etapa, são apreciadas algumas
contribuições da perspectiva crítica da Matemática e seu ensino para melhor se
entender o papel deste último. Na segunda etapa, recorre-se aos estudos de
Edda Curi (2004) com o objetivo de estabelecer ligação entre esses resultados
e os dados desta pesquisa. Na sequência é apresentado o conhecimento
matemático23 na perspectiva tradicional e na perspectiva construtivista,
mostrando, de maneira sucinta, como o empirismo, o racionalismo e o
23
A formação do pedagogo na dimensão dos fundamentos da educação possibilita uma
compreensão razoável sobre as perspectivas tradicional e construtivista de educação.
101
interacionismo têm influenciado diretamente o processo educativo. O que se
pretende é situar as concepções sobre o conhecimento matemático e as
tendências do ensino da Matemática no Brasil.
3.2.1 Perspectiva crítica da Matemática e seu ensino
Na unidade anterior ficaram evidenciados os principais pontos da
Educação Crítica. Aqui se pretende mostrar suas consequências para a
Educação Matemática. Nos anos de 1980 surge no interior desta área um
movimento de cunho metodológico-filosófico denominado Educação
Matemática Crítica. Não se trata de um novo ramo de estudo da Educação
Matemática, mas sim de uma reflexão sobre os caminhos que podem ser
percorridos por ela,desde que haja uma preocupação critica com relação aos
pressupostos que envolvem o processo ensino-aprendizagem da Matemática.
As teorias da Educação Matemática de décadas anteriores
haviam negligenciado os aspectos de uma educação crítica e (vice-versa) e
serviam para uma “domesticação” dos estudantes, tendo em vista sua
adequação à sociedade tecnológica. Marcelo C. Borba, prefaciando a obra
“Educação Matemática Crítica: a questão da democracia” de Ole Skovsmose
(2001), relata que este movimento estabeleceu uma necessária ligação entre
a Educação Matemática e a Educação Crítica. Para Skovsmose (2001),
protagonista deste movimento, “é importante para a EC24 interagir com as
ciências técnicas e com a Matemática, para prevenir que a EC desapareça
como teoria educacional sem importância e acrítica” (p.35).
O movimento, inspirado nas ideias de Paulo Freire e da
Pedagogia Crítica traz as discussões a respeito dos aspectos políticos,
democráticos e tecnológicos para as aulas de Matemática. Elegendo como
foco principal os aspectos políticos da Educação Matemática, os debates
enfatizam as relações de poder implicadas na Matemática escolar, a partir das
seguintes questões:
24
EC – Educação Crítica.
102
[...] a quem interessa que a educação matemática seja organizada
dessa maneira? Para quem a educação matemática deve estar
voltada?
Como evitar preconceitos nos processos analisados pela educação
matemática que sejam nefastos para grupos oprimidos como
trabalhadores, negros, “índios” e mulheres? (BORBA, M. In:
SKOVSMOSE, 2001, pg. 7)
Por meio dessas perguntas analisam-se interesses sociais que
estão subentendido no currículo matemático e assuntos relacionados ao poder.
Por acreditar que os princípios fundamentais de estruturação do currículo são
derivados das relações de poder dominantes na sociedade e estão de acordo
com elas e, também, por entender que a Matemática está mais ligada às
questões sociais do que frequentemente se pensa, a EMC25 se propõe
desmascarar e extrapolar o currículo formal matemático.
Assim, preocupa-se com que as aulas de Matemática sejam
construídas considerando a vinculação desta ciência à realidade social do
estudante, seus contextos, seus anseios e interesses, pois acredita que o
conhecimento matemático é contextualizado, crítico e emancipador, sendo
subjacente às questões sociopolíticas, econômicas, culturais dos alunos e
comunidade.
A EMC tem, portanto, uma preocupação com as dimensões
políticas, sociais e culturais da educação. Os estudos de Ole Skovsmose
(2001), tendo como foco a democracia, evidenciam a presença dessas
dimensões na Educação Matemática Critica. A dimensão cultural é explicada
pelo autor recorrendo aos estudos da Etnomatemática desenvolvidos por
D‟Ambrósio (1984a). Esta tendência propaga que é possível identificar uma
competência matemática em diferentes ambientes culturais e que essas
competências se manifestam de diferentes formas: “Temos de aprender a
linguagem deles, sua lógica, sua história e sua evolução, sua ciência e sua
tecnologia a fim de estar a par de seus motivos e suas metas finais”
(D‟AMBRÓSIO, 1984, p. 32 apud SKOVSMOSE, 2001, p. 49).
Nesta perspectiva, a Matemática nas escolas deverá considerar
não somente os aspectos políticos e sociais, mas também os aspectos
culturais em que os estudantes estão inseridos, facilitando-lhes o
25
EMC – Educação Matemática Crítica.
103
conhecimento, o entendimento, a incorporação e a compatibilização da prática
popular conhecida e corrente dentro do currículo. Portanto,
A Educação Matemática Crítica preocupa-se com a maneira como a
Matemática em geral influencia nosso ambiente cultural, tecnológico e
político, e com as finalidades para as quais a competência
matemática deve servir. Por essa razão, ela não visa somente a
identificar como os alunos de forma mais eficiente, vêm a saber e a
entender os conceitos, [...]. A Educação Matemática Crítica está
também preocupada com questões como “de que forma a
aprendizagem da matemática pode apoiar o desenvolvimento da
cidadania” e „”como o indivíduo pode ser empowered através da
matemática”. (ALRO e SKOVSMOSE, 2006, p. 18)
Para Skovsmose (2001), a educação crítica é caracterizada pelos
termos-chave: competência crítica, distância crítica e engajamento crítico. O
conceito de competência crítica ressalta que os estudantes devem estar
envolvidos no controle do processo educacional. Alunos e professor devem
estabelecer uma distância crítica do conteúdo da educação: os princípios
aparentemente objetivos e neutros para a estruturação do currículo devem ser
investigados e avaliados. A educação deve ser orientada para problemas, isto
é, conduzida em direção a uma situação “fora” da sala de aula, e essa
orientação sugere a necessidade do engajamento crítico na educação.
Nesta perspectiva o ensino da Matemática não pode ficar restrito
à transmissão de conhecimentos matemáticos em que os alunos são
informados pelo professor, conforme o modelo de educação matemática
tradicional. Ao contrário, preocupando-se, sobretudo, com os aspectos políticos
da educação matemática, seu ensino deve se dar numa dimensão crítica que
possibilite aos estudantes reconhecer os modelos matemáticos presentes nos
fenômenos sociais, devendo auxiliá-los a apropriarem-se de ferramentas que
lhes ajudem a desocultar, analisar, compreender, criticar e até reformular esses
modelos.
Skovsmose (2001) considera a alfabetização matemática um
tema importante para a formação da competência democrática. Ele afirma que
a sociedade em que vivemos é altamente tecnológica e fortemente
matematizada e, neste contexto, a educação matemática deve ser
compreendida como parte integrante da tecnologia. Para o estudioso, a
104
Matemática faz, cada vez mais, parte do desenvolvimento social: “Se
„subtrairmos‟ a competência matemática da nossa sociedade altamente
tecnológica, o que fica? O resto não poderia ter muito em comum com a nossa
sociedade atual”, reflete ele, e acrescenta: “Isso significa que a matemática
tornou-se parte da nossa cultura” (SKOVSMOSE, 2001, p. 99). Afirmar que a
Matemática como parte de um desenvolvimento tecnológico está “fazendo
algo” pela sociedade implica dizer que ela tem poder de formatação e está
formatando a sociedade.
O que se pretende com a EMC é que os alunos aprendam como a
Matemática é utilizada socialmente para “formatar” a própria sociedade,
conhecendo os modelos e os pressupostos utilizados para essa construção
com a finalidade de desenvolver uma atitude crítica em relação a tais modelos.
Deste modo, “a alfabetização matemática, como constructo radical, tem de
estar enraizada em um espírito de crítica e em um projeto de possibilidades
que habilite pessoas a participarem no entendimento e na transformação de
sua sociedade” (SKOVSMOSE, 2001, p. 95). A questão salientada pelo autor é
que é possível conectar empowerment26 e educação matemática a fim de
ajudar a esclarecer o papel de “formatação” dos métodos formais na
sociedade.
Assim sendo, para ele “a competência matemática parece
constituir uma parte central da competência democrática” (p.58). Neste
entendimento, o ensino da Matemática pode propiciar aos alunos a formação
da competência democrática, desenvolvendo competências que lhes permitam
lidar com situações e problemas que envolvem formas de pensamento e de
resolução de problemas, tendo em vista a sua formação pessoal e social.
Para Skovsmose (2001) a alfabetização matemática pressupõe
três tipos de conhecimento: conhecimento matemático; conhecimento
tecnológico; conhecimento reflexivo.
26
O empowerment está relacionado ao entendimento de como a matemática e aplicada e
usada.Em virtude da riqueza de significados da palavra empowerment (dar poder a, ativar a
potencialidade criativa; desenvolver a potencialidade criativa do sujeito; dinamizar a
potencialidade do sujeito) o autor em seus textos mantém a palavra no original e em itálico.
(SKOVSMOSE, 2001, p. 66)
105
O conhecimento matemático é constituído por conhecimentos de
técnicas de cálculo e desenvolvimentos dedutivos em demonstrações de
teoremas. Prende-se, portanto, às habilidades matemáticas e está
marcadamente presente na educação matemática tradicional. São de
competências para reproduzir raciocínios matemáticos, teoremas e
demonstrações, bem como dominar uma variedade de algoritmos.
O conhecimento tecnológico, por sua vez, não pode ser reduzido
ao conhecimento matemático. Trata-se da habilidade de aplicar a Matemática à
construção de modelos, ou seja, do conhecimento sobre como constituir e usar
um modelo matemático. Este conhecimento objetiva a resolução de um
problema. É necessário para desenvolver e usar tecnologia e, não sendo inato,
deve ser aprendido na escola, por meio de atividade de aplicação da
Matemática em situações-problema. Este conhecimento nasce míope, não
sendo capaz de dirigir-se à autocrítica e, portanto, por si só, não é suficiente
para avaliar seus próprios resultados. Para ser possível aplicar a Matemática,
devem-se ter conhecimentos de Matemática e de sua aplicação. Mas esses
dois conhecimentos não satisfazem, é necessário também o conhecimento
reflexivo.
Por fim, o conhecimento reflexivo tem como objeto o uso da
Matemática. Assim sendo, tem a competência de refletir e avaliar tal uso. É
este conhecimento que dá a dimensão crítica à alfabetização matemática,
discutindo normas e valores. Ele não é de natureza técnica e, portanto, não é
redutível aos aspectos tecnológicos, e tem natureza dialógica.
O conhecer tecnológico e o reflexivo constituem dois tipos
diferentes de conhecimento, mas não independentes. Parece ser necessário
dominar algum conhecimento tecnológico que dê suporte às reflexões, contudo
é o desenvolvimento do conhecimento reflexivo que dá à alfabetização
matemática uma dimensão crítica.
Em relação à alfabetização matemática, é esta a ideia que o autor
tenta tornar significativa
Se a alfabetização matemática tem um papel a desempenhar na
educação – similar, mas não idêntico, ao papel da alfabetização –, na
tentativa de desenvolver uma competência democrática, então a
alfabetização matemática deve ser vista como composta por
106
diferentes competências: matemática, tecnológica e reflexiva. E,
acima de tudo, o conhecimento reflexivo tem de ser desenvolvido
para conferir à alfabetização matemática um poder radicalizado.
(SKOVSMOSE, 2001, p. 87-88, grifo do autor)
Assim sendo, a Educação Matemática pode desempenhar um
papel crítico ligado à natureza das formatações da sociedade de hoje: a
alfabetização matemática pode vir a ser um poder crítico, podendo ser usada
para o propósito de “libertação”, porque “pode ter o significado de organizar e
reorganizar interpretações de instituições sociais, tradições e propostas para
reformas políticas” (SKOVSMOSE, 2001, p.124).
De tudo o que foi exposto, fica claro que o ensino da Matemática
deve ser organizado para apoiar ideais democráticos. Por conseguinte, a sala
de aula deve tornar-se lugar de aplicação dos valores democráticos. Isso exige
repensar a relação professor-aluno, bem como examinar a natureza do
processo ensino-aprendizagem desta área do conhecimento.
Considerando que a aprendizagem deve colaborar para o
desenvolvimento da cidadania, o processo ensino-aprendizagem deve ter o
diálogo como elemento fundamental para o desenvolvimento da matemacia
27(crítica). “Para Alrø e Skovsmose (2006), „„Ensino e aprendizagem dialógicos
são importantes para a prática de sala de aula que apoia uma Educação
Matemática para a democracia” (p.142, grifo do autor). Aqui, a qualidade da
aprendizagem da Matemática é entendida como diretamente relacionada à
qualidade do diálogo em sala de aula. Portanto, o ensino da Matemática deve
ocorrer de maneira dialógica e desenvolvendo materiais de ensino-
aprendizagem libertadores 28. Esses materiais devem ser capazes de promover
um insight sobre as hipóteses integradas ao modelo (matemático) e, assim,
desenvolver um entendimento dos processos (por exemplo, processos de
decisão) na sociedade (SKOVSMOSE, 2001, p. 44).
27
A matemacia é apresentada por ALRØ e SKOVSMOSE (2006) e tem um significado paralelo ao da “literacia” (na interpretação de Paulo Freire) “Matemacia vem a ser mais do que um entendimento de números, gráficos, é também uma habilidade para aplicar números e gráficos a uma série de situações. Ela inclui também a competência para refletir e reconsiderar sobre a confiabilidade das aplicações.” (p.143) 28
As palavras “libertação” e “libertadores” são entendidas no sentido freiriano.
107
3.2.2 Algumas contribuições de um estudo sobre a formação inicial de professores e o ensino da Matemática nos Anos iniciais do Ensino Fundamental
De início é importante esclarecer que se têm visto muitos
trabalhos relacionados à formação de professores, contudo, Fiorentini et al.
(2003), mostram que ainda é pequeno o número de investigações efetivas por
educadores matemáticos brasileiros que envolvem a formação inicial de
professores para ensinar Matemática nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
Segundo o estudo até fevereiro de 2002 havia 112 teses e dissertações
defendidas nos programas de pós-graduação em Educação Matemática ou
Educação, mas apenas 10 referiam-se a formação inicial de professores
polivalentes e destas apenas um estudo deu destaque ao curso de pedagogia.
Considerando a temática trabalhada nesta dissertação, recorreu-
se a tese de doutoramento de Edda Curi, concluída em 2004, dada à natureza
do seu estudo. Intitulada “Formação de professores polivalentes: Uma análise
de conhecimentos para ensinar Matemática e de crenças e atitudes que
interferem na constituição desses conhecimentos”, a pesquisa analisou a
ementa de 36 cursos de pedagogia focando a grade curricular, os temas
tratados nas disciplinas de Matemática e as bibliografias recomendadas. Com
isso, o estudo em foco pretendeu refletir sobre o conhecimento e os saberes
desenvolvidos nestes cursos para o ensino da Matemática.
Alguns elementos delineados no estudo em pauta apontaram que
a maneira como o conhecimento matemático é abordado durante a formação
inicial nos cursos de Pedagogia, pouco tem contribuído para que os futuros
professores aprendam a conhecer a matemática e como ensiná-la e de que
modo o aluno aprende. A autora chama a atenção para a carga horária
destinada à formação para a área da Matemática, em média de 36 a 72
horas29, o que corresponde de 4% a 5% da totalidade da carga horária dos
cursos estudados.
No âmbito deste estudo ficou evidenciado que, aproximadamente,
90% dos cursos diagnosticados têm a preocupação situada na metodologia de
29
Nos currículos dos Cursos de Pedagogia das IES de Mato Grosso investigadas neste estudo a carga horária destinada a formação matemática do pedagogo é em média 4,5% da totalidade do curso, com exceção do UNIVAG que destina 1,84%.
108
ensino, elegendo, portanto, as questões metodológicas como essenciais à
formação do professor polivalente e, que pouca importância se é dada aos
conteúdos matemáticos e suas didáticas nos cursos focalizados. Assim sendo,
segundo a estudiosa
É possível considerar que os futuros professores concluem cursos de
formação sem conhecimentos de conteúdos matemáticos com os
quais irão trabalhar, tanto no que concerne a conceitos quanto a
procedimentos, como também da própria linguagem matemática que
utilizarão em sua prática docente. Em outras palavras, parece haver
uma concepção de que o professor polivalente não precisa “saber
Matemática” e que basta saber como ensiná-la.
(p. 76-77)
Os elementos analisados na investigação ora abordada
apontaram para a seriedade de se ter um olhar cauteloso para o modo como se
está propondo a formação inicial dos futuros professores no que se refere ao
ensino da Matemática para os Anos iniciais do Ensino Fundamental. É preciso
pondera, ainda, que as pesquisas têm mostrado a fragilidade do conhecimento
matemático dos docentes, seja este construído ao longo da escolarização do
professor ou na formação inicial propiciada nos cursos de Pedagogia.
A unidade seguinte mostra que o conhecimento matemático é
permeado de concepções que, de maneira significativa, incidem sobre a prática
docente no ensino desta área do conhecimento. Nas subunidades a seguir
esse conhecimento é abordado na perspectiva tradicional e na perspectiva
construtivista.
3.2.3 As concepções que permeiam a construção do conhecimento matemático
O modelo de ciência que prevalece num certo momento histórico
influencia as questões epistemológicas e as teorias de aprendizagem das quais
derivam a mediação pedagógica e suas práticas e reflete diretamente na ação
pedagógica do professor em sala de aula.
Para analisar e compreender a formação do professor [pedagogo]
que ensina a Matemática para os Anos Iniciais do Ensino fundamental faz-se
109
necessário distinguir as concepções de conhecimento matemático que ora se
apresentam mais próximas ao que é chamado de modelo tradicional de ensino,
ora ao modelo construtivista. Contribuíram para esta construção os teóricos
Hessen (1987), Piaget (1988, 1990); Kamii (1987); Fiorentini (1995).
3.2.3.1 O conhecimento matemático na perspectiva tradicional
Podemos caracterizar o modelo tradicional como integrado pelas
vertentes empirista e racionalista. O empirismo consiste no entendimento de
que o conhecimento vem do objeto (dado externo, experiência), da informação
sensorial, do exterior do indivíduo para o interior pelos sentidos. Tem suas
raízes em Locke (séc. XVIII), cuja visão era de que “todo o conteúdo mental
resultaria da experiência. A mente seria uma folha em branco, uma „tábua
rasa‟. Todas as idéias proviriam da experiência. Daí ser a educação um
processo de fora para dentro” (SILVA, 1989, p. 6 apud FIORENTINI, 1995, p.
10).
Nesta perspectiva o conhecimento matemático é visto como
externo ao sujeito: o seu ensino ocorre por transmissão dos conteúdos
centrados no objeto e a aprendizagem acontece por cansativos treinamentos
que geram a retenção de informações. O professor tem o papel ímpar de
detentor e transmissor do conhecimento, e o aluno, por sua vez, é tratado
como sujeito passivo, receptor e reprodutor de informações.
Já na corrente racionalista, o objeto de conhecimento não é algo
concreto, mas trata-se de um objeto do pensamento, cuja construção teórica
efetua-se pela razão. Nesta concepção o conhecimento matemático é
entendido como se estruturado internamente ao sujeito, que, pela intuição e
reminiscência, pode descobrir as ideias matemáticas que preexistem em um
mundo ideal e que estão adormecidas em sua mente (os conhecimentos são
inatos). O ensino, portanto, caracteriza-se pela transmissão dos conteúdos
centrados no sujeito.
Fiorentini (1995) enfatiza que a influência dessas ideias no
processo de ensino e aprendizagem da Matemática resultou na concepção
platônica da matemática que faz dicotomização entre o mundo das idéias e o
110
mundo das coisas. Esta concepção se caracteriza por uma visão mecânica,
estática, a-histórica e dogmática das idéias matemáticas, como se elas
existissem independentemente dos seres humanos. O ponto central desta
concepção está na ideia que só alguns aprendem, só alguns tem o dom para
aprender a Matemática.
Essas duas correntes – empirista e racionalista – influenciaram
intensamente a prática dos docentes. Neste modelo, todo o processo ensino-
aprendizagem está centrado no professor, que, sendo o detentor do saber e o
dono da verdade dentro de uma sala de aula, dirige a aprendizagem do aluno,
o qual que se reduz a mero receptor de informações que devem ser
armazenadas na memória para depois serem devolvidas nas provas da mesma
forma como foram ensinadas.
Piaget (1988, p. 163) afirma que nesta visão de educação a
criança foi sempre tratada como um pequeno adulto que raciocina e pensa
como nós, entretanto desprovido de conhecimentos e de experiência.
Sendo a criança, assim, apenas um adulto ignorante, a tarefa do
educador não era tanto a de formar o pensamento, mas sim de
equipá-lo; as matérias fornecidas de fora eram consideradas
suficientes ao exercício.
O professor que cabe nesta perspectiva tradicional de ensino é
aquele profissional cuja noção de conhecimento consiste no acúmulo de fatos e
informações isoladas. A ênfase do seu trabalho está nas respostas certas, que
devem ser a repetição perfeita e integral dos livros, onde há uma resposta
correta para cada questão ou problema.
Assim sendo, na visão tradicional de ensino cabe ao docente a
função de apenas transmitir conhecimentos que já se encontram estruturados,
prontos e acabados. A prática consiste em ir depositando conhecimentos em
um aluno do qual se espera ser um ouvinte dócil, num processo que Paulo
Freire (1987) atribui à concepção “bancária” da educação. O professor, com a
finalidade de responder e encontrar as respostas certas, porque precisa
demonstrar sua sabedoria e impor seus conhecimentos, impede que o
educando elabore seu próprio conhecimento.
111
Então, para discutirmos a formação do professor que ensina a
Matemática para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental é imperioso
compreender que o ensino desta área do conhecimento num modelo tradicional
de ensino trata o conhecimento como informações, coisas e fatos a serem
transmitidos ao aluno e que esta é concebida como ciência pronta e acabada.
O que se exige, principalmente, é que as informações sejam apenas
decoradas, ou seja, memorizadas.
Neste sentido, Kamii (1987), em seus estudos que tratam de
assuntos ligados à natureza do número e à aplicação destes conhecimentos à
prática pedagógica de professores de crianças, aponta que, no modelo
tradicional de educação, a Matemática tem sido ensinada sem que se leve em
consideração seu processo de construção.
O problema, segundo a autora, é que, nesse modo de ensinar, a
criança deixa de ser encorajada a pensar ativa e autonomamente em todas as
situações. Com efeito, quando as escolas ensinam tradicionalmente, elas
coíbem o desenvolvimento da autonomia das crianças reforçando sua
heteronomia e, assim procedendo, impõem grandes limites ao essencial
desenvolvimento do pensamento crítico do aluno.
Ora, Piaget esclarece que “a finalidade da educação deve ser a
de desenvolver a autonomia da criança, que é, indissociavelmente, social,
moral e intelectual” (PIAGET, 1948 apud KAMII, 1987, p. 33). O educador
Paulo Freire (1999) em suas reflexões acerca dos saberes necessários à
prática educativa reforça este entendimento ao dizer que é absolutamente
necessário que autonomia seja entendida como parte da própria natureza
educativa sendo que as relações entre educador e educando devem ser
permeadas pela reinvenção do ser humano no aprendizado de sua autonomia.
Assim, propugna que “o respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um
imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros”
(p.66).
O que ele evidencia é que todo educador deve ter claro que
ensinar extrapola o conceito de transferir conhecimentos, ensinar os
conteúdos. Implica, sim, criar possibilidades para a produção ou construção
destes com vistas a formar cidadãos conscientes, críticos que sejam capazes
de transformar a realidade em que vivem.
112
Posto isto, é importante assinalar que, em oposição ao modelo
tradicional de ensino pautado nas ideias do empirismo e do racionalismo,
temos o interacionismo. Kant tentou resolver a divergência entre empirismo e
racionalismo por meio da filosofia da interação, sendo o primeiro teórico do
interacionismo. Nesta concepção, a origem do conhecimento não é encontrada
nem no sujeito nem no objeto, mas na relação entre ambos.
Jean Piaget, um dos principais representantes do interacionismo,
não apresenta oposição radical às teorias racionalista e empirista. Para ele os
dois modelos epistemológicos, ao buscar o conhecimento da verdade, cada
qual por seu meio, têm razão em determinados fatos. É justamente a partir
dessas razões que ele dá o chamado “salto de qualidade”: o entendimento de
que o conhecimento se constrói na interação da experiência e da razão,
passando, portanto, pelos dois processos.
Conforme estas posições, Piaget propôs um tertium, por meio da
epistemologia genética (construtiva), tornando-se o criador do construtivismo,
que pode ser considerado hoje como a reformulação do interacionismo de
Kant. Na sequência desenvolve-se um breve comentário sobre o conhecimento
matemático na perspectiva do modelo construtivista.
3.2.3.2 O conhecimento matemático na perspectiva construtivista
O construtivismo pode ser entendido como uma teoria situada no
campo da epistemologia genética que enfatiza as estruturas cognitivas do
sujeito na apreensão do objeto do conhecimento. Segundo Piaget (1990), a
fonte do conhecimento é tanto externa (conhecimento físico) como interna
(conhecimento lógico-matemático), daí que o conhecimento é construído pelo
sujeito que age sobre o objeto percebido interagindo com ele, sendo as trocas
sociais condições necessárias para o desenvolvimento do pensamento. Assim
sendo, sob a influência do meio o sujeito responde aos estímulos
externos agindo sobre eles para construir e organizar o seu próprio
conhecimento, de forma cada vez mais elaborada.
Na perspectiva piagetiana, o ser humano vai aprendendo,
sabendo, construindo sua inteligência por meio da assimilação e acomodação.
113
Estes dois processos buscam reestabelecer um equilíbrio mental perturbado
pelo contato com um dado incompatível com aquilo que se conhece até então
(princípio de equilibração). Parte-se do pressuposto de que a atividade criadora
se dá no pensamento e é construída e reconstruída a todo instante.
Nesta concepção os conhecimentos presentes no indivíduo
devem ser levados em consideração, pois o sujeito não é visto como tabula
rasa, desprovido de conhecimentos prévios. O aluno não é um recipiente, no
qual o professor deposita conceitos, como no modelo tradicional; ele é
considerado não mais como um ser passivo, mas como protagonista da
construção de sua aprendizagem, devendo estar constantemente mobilizado
para pensar e construir o seu próprio conhecimento pelas conexões que
estabelece com seu conhecimento prévio num contexto de resolução de
problemas.
A implementação da ação educativa em sala de aula que se firme
na perspectiva construtivista requer uma mudança de atitude e postura do
professor, pois, à medida que se redefine o papel do aluno perante o saber, é
preciso redimensionar também o papel do professor, inclusive, do que ensina a
Matemática no Ensino Fundamental. Neste sentido, a abordagem do
conhecimento matemático requer, principalmente, que o professor considere a
relação existente entre experiência e reflexão, pois é na ação do sujeito sobre o
objeto, por meio da abstração reflexiva que ocorre o desenvolvimento da
aprendizagem.
Segundo esta visão, o papel do educador passa a ser o de
organizador, consultor, mediador, controlador e incentivador das
aprendizagens, cabendo a ele, neste processo, propiciar ao educando a ajuda
necessária para que os conhecimentos matemáticos sejam significativos para
este. Isso implica uma reflexão crítica da percepção do professor visto que,
tendo sido educado de modo a conceber a Matemática como coisa pronta, ele
tem dificuldade para vê-la como coisa em construção.
Expostos, de maneira sucinta, os princípios basilares do
conhecimento matemático nas perspectivas tradicional e construtivista, a seguir
são abordados alguns modos de ver e conceber o ensino da Matemática a
partir do estudo das concepções que permeiam o ensino desta área do
conhecimento em nosso país.
114
3.2.4 O estudo de Fiorentini acerca de alguns modos de ver e conceber o
ensino da Matemática no Brasil
A docência é uma profissão aprendida ao longo da vida. É preciso
considerar que o aluno, futuro professor, ao iniciar o curso de Pedagogia e o
estudo de cada disciplina do mesmo, já apresenta concepções, crenças,
valores muito arraigados sobre a profissão, o papel do professor e da escola, o
que é ensinar e como se ensina e o que é aprender. Tais crenças, valores e
concepções, que definem fortemente as decisões pedagógicas, podem passar
intactas pelo curso; podem ser reforçadas; ou, o que seria desejável, podem
ser objeto de análise e reflexão que propiciem o seu reconhecimento.
As concepções apropriadas pelos professores ao longo da sua
formação influenciam profundamente seu trabalho educativo, de modo que
cada professor constrói seu ideário pedagógico de maneira idiossincrática a
partir de pressupostos teóricos; de sua experiência enquanto estudante; e,
ainda, de sua reflexão sobre a prática. Esta construção, portanto, tem fortes
implicações no modo como ele entende e pratica o ensino.
Com foco principalmente no contexto histórico brasileiro, Fiorentini
(1995) em seus estudos do estado da arte, sem ter a pretensão de dar conta
da diversidade de tendências presentes na práxis pedagógica do ensino da
Matemática, aponta várias tendências em Educação Matemática mostrando,
assim, alguns modos de ver e conceber o ensino da Matemática no Brasil.
O autor identifica seis tendências, quais sejam: a formalista
clássica; a empírico-ativista; a formalista moderna; a tecnicista e suas
variações; a construtivista e a socioetnoculturalista e assinala mais outras duas
consideradas emergentes: a histórico-crítica e a sociointeracionista-semântica.
A tendência formalista clássica, pautada nas ideias e formas da
Matemática clássica, segue o modelo euclidiano, caracterizado pela
sistematização lógica do conhecimento matemático, que se manifesta por meio
de teoremas e corolários deduzidos de axiomas, postulados e definições. Traz
também aspectos da concepção platônica de Matemática, que, como já
referido neste texto, revela-se através de uma visão estática, a-histórica e
dogmática das ideias matemáticas.
115
Sendo uma concepção inatista, defende que “a Matemática não é
inventada ou construída pelo homem” (p.6). Este pode, pela intuindo e
recordando, descobrir as ideias que já existem no mundo ideal e que se
encontram adormecidas em sua mente. Consequentemente, o ensino, nesta
tendência, é fortemente livresco e centrado no professor como transmissor e
expositor de conteúdo por meio de preleções ou desenvolvimentos teóricos na
lousa.
A aprendizagem do aluno é considerada passiva e baseada na
memorização e na reprodução (imitação/repetição) exata dos raciocínios e
procedimentos prescritos pelo professor e pelos livros. Daí, a função do
professor consiste em passar ou dar aos alunos os conteúdos prontos e
acabados, que já haviam sido descobertos, e se apresentam sistematizados
nos livros didáticos, bastando-lhe apenas o conhecimento da matéria que irá
ensinar, enquanto que ao discente cabe a tarefa de copiar, repetir, reter e
devolver nas avaliações tal qual recebeu.
Quanto ao foco sóciopolítico, Fiorentini (1995) ressalta, num breve
histórico, que nesta tendência a aprendizagem da Matemática era considerada
privilégio de poucos “bem dotados” intelectual e economicamente. O que
existia era um dualismo curricular no ensino ciência, ou seja, para a classe
dominante, que compreendia a elite dirigente e clerical, o ensino era mais
racional e rigoroso, garantido pela geometria euclidiana e, para as classes
menos favorecidas – especialmente alunos das escolas técnicas – ensinava-
se, preferencialmente, o cálculo e a abordagem mais mecânica e pragmática.
Esta tendência perdurou no Brasil até o final da década de 50.
Em oposição à escola clássica tradicional, surgiu no país, a partir
da década de 20, a tendência Empírico-Ativista, no seio do movimento
escolanovista. Segundo Fiorentini (1995)
Essa tendência atribui como finalidade da educação o
desenvolvimento da criatividade e das potencialidades e interesses
individuais de modo a contribuir para a constituição de uma
sociedade cujos membros se aceitem mutuamente e se respeitem na
sua individualidade. (p.11)
Assim sendo, defende que as experiências de ensino devem
corresponder aos interesses dos alunos e às exigências da sociedade. O aluno
116
passa a ser um sujeito ativo considerado o centro das aprendizagens, e o
docente assume a função de orientador e facilitador destas aprendizagens. O
currículo passa a ser organizado com base no interesse do aluno a fim de
atender ao seu desenvolvimento psicológico e biológico.
Inspirada na corrente empirista, que tem a crença de que o
conhecimento provém de fontes externas ao indivíduo e na pedagogia ativa,
que considera importante não apenas aprender, mas aprender a aprender,
acredita que as ideias matemáticas são obtidas por descoberta. Nisto ela não
rompe com a concepção idealista de conhecimento, contudo se diferencia por
acreditar que as ideias preexistem não num mundo ideal, mas no próprio
mundo natural e material em que vivemos. Portanto, para os empírico-ativistas,
“o conhecimento matemático emerge do mundo físico e é extraído pelo homem
através dos sentidos” (FIORENTINI, 1995, p.9). O conhecimento matemático,
pois, emergiria do mundo sensível por meio da ação, da manipulação ou
experimentação pelos alunos.
Prioriza-se como prática de ensino o método associacionista30 e o
método da descoberta31, que sugerem o desenvolvimento de atividades em
pequenos grupos utilizando como ferramenta pedagógica os jogos, muitos
materiais manipulativos (visuais e táteis) e outras atividades lúdicas e/ou
experimentais com o intuito de possibilitar aos alunos a descoberta e
redescoberta dos conceitos matemáticos por meio de situações vivenciadas.
Portanto, é característica desta tendência, entre outras, acreditar
que o aluno „aprende fazendo‟. Por isso, didaticamente, irá valorizar, no
processo de ensino, a pesquisa, a descoberta, os estudos do meio, a resolução
de problemas e as atividades experimentais” (p.11); foi retomada, no Brasil, a
partir da década de 70, no bojo do movimento tecnicista, que se verá logo.
Ainda, de acordo com Fiorentini (1995), outra tendência que
influenciou a prática pedagógica foi a formalista moderna. Irrompeu no Brasil
no início da década de 60, sob influência do Movimento da Matemática
Moderna (MMM), o qual buscava reformular e modernizar o currículo escolar
30
“Para o associacionismo, a criança „abstrai‟ ou „aprende‟, por exemplo, o número 5, a partir da associação de seu sinal „5‟ com „5 objetos‟ (pedras, carrinhos, canetas, bolinhas de gude...) e com a palavra falada „cinco‟” (FIORENTINI, 1995, p.9). 31
Um exemplo deste método “é a atividade onde o aluno redescobriria que a soma dos ângulos internos de um triângulo é 180º, a partir do recorte e da reunião dos vértices de um ou mais triângulos” (FIORENTINI, 1995, p.10).
117
vigente. Entre outros propósitos, o MMM pretendia dar mais ênfase aos
aspectos estruturais e lógicos da Matemática destacando “o uso preciso da
linguagem matemática, o rigor e as justificativas das transformações algébricas
através das propriedades estruturais” (p.14). Esta tendência representou um
retorno ao formalismo matemático.
Tendo como foco a formação do especialista e não a formação do
cidadão em si, ela não resultou em grandes mudanças na relação professor-
aluno nem tampouco no processo ensino-aprendizagem, já que o ensino
prosseguiu centrado no professor e o aluno continuou sendo considerado
passivo.
Uma outra tendência identificada pelo autor é a tecnicista (p.15-
18), que surgiu, no Brasil, no contexto do regime militar a partir de 1964 e
entendia ser necessário introduzir a escola nos modelos de racionalização do
sistema de produção capitalista a fim de torná-la “eficiente” e “funcional”.
Influenciada pela concepção funcionalista, que propugnava que a sociedade
deveria ser um sistema organizado e funcional e fundamentada no
behaviorismo, para o qual a aprendizagem consiste em mudanças
comportamentais através de estímulos, apontava como solução para os
problemas do ensino e da aprendizagem da Matemática o emprego de técnicas
especiais de ensino e de administração escolar (controle/organização do
trabalho escolar).
Nela, a aprendizagem da Matemática consiste, basicamente, no
desenvolvimento de habilidades e atitudes, na fixação de conceitos ou
princípios, o que pode ser feito por meio de jogos e outras atividades
estimulantes que facilitem a memorização e o exercício operante para o
referido desenvolvimento.
A finalidade do ensino da Matemática está em desenvolver
habilidades e atitudes computacionais e manipulativas que preparem recursos
humanos tecnicamente “competentes”. O ensino é centrado nos objetivos
instrucionais e nos recursos (materiais instrucionais, calculadoras etc.) e
técnicas de ensino, restando ao professor e ao aluno posição secundária de
meros executores de um processo cuja concepção, planejamento,
coordenação e controle ficam a cargo de especialistas.
118
Os conteúdos são encarados como informações, regras, macetes,
disponíveis nos livros didáticos e outros materiais (módulos de ensino, jogos
pedagógicos, kits de ensino, dispositivos audiovisuais, programas
computacionais...). A preocupação gira em torno de memorização de princípios
e fórmulas; habilidades de manipulação de algoritmos ou de expressões
algébricas e habilidades na resolução de problemas-tipo, sendo raras as
atividades que exigem do aluno explicações, ilustrações, construção de
modelos matemáticos que descrevam situações-problema, análises,
justificações ou deduções.
Nestas situações, a Matemática se torna um treinamento de
técnicas e procedimentos, com os alunos buscando, sempre, um modo mais
rápido para chegar às respostas de questões padronizadas, não existe
preocupação em desenvolver de fato a aprendizagem por meio do exercício da
criatividade do estudante, pois não é intenção desta visão tecnicista de ensino
formar o indivíduo não-alienado, crítico e criativo, que saiba situar-se
historicamente no mundo.
Já, a tendência construtivista, cuja base está na epistemologia
genética de Jean Piaget, defende que
o conhecimento matemático não resulta nem diretamente do mundo
físico, como afirmava o empirismo, nem de mentes humanas isoladas
do mundo, como apregoava o racionalismo, mas sim da ação
interativa/reflexiva do homem com o meio ambiente e/ou atividades
(FIORENTINI, 1995, p.20).
Fiorentini (1995) afirma que, no Brasil, o construtivismo apareceu
a partir das décadas de 60 e 70, alcançando crescimento significativo a partir
dos anos 80. Nesta concepção a Matemática é vista como uma construção
humana composta por estruturas e relações abstratas entre formas e
grandezas.
Para melhor entendimento, é bom salientar que na perspectiva
piagetiana o conhecimento matemático deve ser organizado em torno das
estruturas lógico-aritmética e espaço-temporal, construídas pela criança por
meio de abstração reflexiva (equilibração) e tais estruturas, agrupadas,
resultam na estrutura lógico-matemática.
119
Assim, os conceitos matemáticos são apreendidos por meio da
abstração reflexiva feita interativamente/operativamente pela mente à medida
que a criança constrói relações entre objetos, ações ou ideias já construídas.
Portanto, nesta concepção “A Matemática é vista como um constructo que
resulta da interação dinâmica do homem com o meio que o circunda”
(FIORENTINI, 1995, p.20).
Tendo em vista a possibilidade de tal conhecimento matemático
estar, sempre, sendo criado, prioriza mais o processo que o produto do
conhecimento. Assim sendo, parte do pressuposto de que a atividade criadora
se dá no pensamento e é construída e reconstruída a todo instante, desde as
mais simples até chegar às mais complexas elaborações alcançadas em busca
de resoluções para problemas desafiantes.
Segundo o autor, esta concepção considera que mais importante
do que aprender isto ou aquilo é aprender a aprender e desenvolver o
pensamento lógico-formal. Nesta compreensão a finalidade precípua do ensino
da Matemática é de caráter formativo, com os conteúdos passando a
desempenhar papel de recursos utilizáveis, porém não indispensáveis, para a
construção e desenvolvimento das estruturas básicas da inteligência.
Observe-se, também, que o construtivismo passou por
transformações e, ampliando seus pressupostos, experimentou novas
abordagens e novas reinterpretações que apresentam uma configuração
menos estruturalista. Nesta trilha, Fiorentini (1995) menciona Crusius (1994) e
exemplifica o que este define como sendo uma prática pedagógica
“construtivista-interacionista”.
Nesta visão o aluno, sendo considerado sujeito do processo de
construção dos conceitos matemáticos e não mero receptor destes, é levado a
observar e manipular o que vê para produzir significados, representar imagens,
fazer comparações entre o imaginado e o objeto real, errar e descobrir no erro
a possibilidade de construção do conceito que estudou, o que permite levantar
hipóteses, testá-las e, assim, poder voltar atrás e refazer a trajetória.
O erro passa a ser visto não como alguma coisa negativa, ruim,
mas como um reflexo do pensamento da criança, uma revelação positiva de
grande valor pedagógico a partir da qual o professor pode, investigando as
estratégias utilizadas na resolução, propor a intervenção necessária.
120
Cabe ao professor, deste modo, buscar conhecer o processo e
entender o momento da ocorrência do erro e, principalmente, o motivo, a razão
e a lógica que o gerou para, então, com diálogos e atividades que
proporcionem o desequilibrar e a acomodação de novas estruturas, procurar
favorecer a descoberta dos caminhos certos e a construção do conhecimento
de forma prazerosa e significativa.
A contestação em torno desta perspectiva se refere ao seu viés
psicologizante, que entende ser a Psicologia o núcleo central da orientação
pedagógica; segundo Fiorentini (1995, p. 23)
Há que se considerar, todavia, que a Psicologia não é uma
Pedagogia, nem uma teoria educacional. A Psicologia, ao pesquisar
como o indivíduo aprende, fornece subsídios valiosos à Pedagogia.
Isso não implica, porém, que devamos tomá-la como única fonte de
orientação para a prática pedagógica.
Face a estudos desta natureza, as tendências pedagógicas para o
ensino da Matemática fundamentadas no construtivismo têm sofrido um
deslocamento do foco, qual seja: de um construtivismo preocupado com o
desenvolvimento de estruturas mentais para um mais relacionado à construção
ou formação de conceitos, que contempla outras dimensões, como por
exemplo as sociais, as culturais e políticas na elaboração do conhecimento
matemático.
Outra tendência para o ensino da Matemática apontada pelo
estudioso é a tendência socioetnocultural. Sua finalidade consiste em
desmistificar e compreender a realidade, valorizando o saber popular trazido
pelo aluno a fim de encorajá-lo a produzir saberes sobre a realidade concreta.
Seu embasamento basilar, no âmbito da Educação Matemática, é o Programa
Etnomatemática, que tem em Ubiratan D‟Ambrósio o principal idealizador e
representante, e é definido por este como “uma arte ou técnica de explicar, de
conhecer, de entender nos diversos contextos sociais” (D‟AMBRÓSIO, 1990, p.
81 apud FIORENTINI, 1995, p. 25)
Fiorentini (1995) destaca que
O grande mérito da Etnomatemática foi trazer uma visão de
Matemática e Educação Matemática de feição antropológica, social e
121
política, que passam a ser vistas como atividades humanas
determinadas socioculturalmente pelo contexto em que são
realizadas. (p.25)
Apoia-se também nas ideias libertadoras de Paulo Freire,
fundadas na ética, no respeito à dignidade e à própria autonomia do educando.
Inspirados neste ideário, vários educadores matemáticos passaram a aplicar
seus conceitos ao ensino da Matemática concebendo-o como ferramenta para
a compreensão e transformação da realidade e a libertação dos oprimidos ou
marginalizados socioculturalmente (FIORENTINI, 1995).
Este modo cultural-antropológico de ver e conceber o ensino da
Matemática valoriza os contextos socioeconômicos, culturais e políticos. Assim
sendo, como enfatiza Fiorentini (1995, p. 26)
O conhecimento matemático deixa de ser visto, como faziam as
tendências formalistas, como um conhecimento pronto, acabado e
isolado do mundo. Ao contrário, passa a ser visto como um saber
prático, relativo, não-universal e dinâmico, produzido histórico-
culturalmente nas diferentes práticas sociais, podendo aparecer
sistematizado ou não.
Deste modo, a prática pedagógica neste ideário toma como ponto
de partida do processo ensino-aprendizagem dos saberes matemáticos a
identificação dos problemas da realidade. Considera que os conhecimentos
dos alunos sejam respeitados e aplicados aos conteúdos ensinados,
mostrando que a realidade concreta do educando deve estar dentro do
aprendizado. A sala de aula é, neste entendimento, concebida com espaço
para a formação crítica em relação ao mundo que o aluno conhece.
Essa tarefa tem o diálogo como fonte geradora de reflexão, o
que, nesta perspectiva, exige um envolvimento conjunto do professor e do
aluno, numa relação dialógica. Cabe ao professor ser o mediador pedagógico
que funciona como facilitador das relações e problematizador das situações na
sala de aula. O seu trabalho deve instigar o aluno a desafiar e a pensar
criticamente, o que implica converter a sala de aula em uma comunidade de
investigação. Assim, o ensino da Matemática deve estar relacionado ao
cotidiano, à cultura do educando, a fim de possibilitar a compreensão e a razão
122
de ser de alguns dos saberes socialmente construídos na prática comunitária
em relação ao ensino dos conteúdos.
O ato educativo, por meio da problematização desta realidade e
do mundo, deve ter por intencionalidade encorajar o educando a pensar sobre
seus próprios pensamentos, para que seja levado a reconhecer sua própria
condição humana de um ser-no-mundo e também como um ser-com-os-outros.
Nesta visão, compete ao educador não só ensinar a matéria, mas,
por meio dos saberes matemáticos, demonstrar a realidade do mundo em que
o educando está inserido para que seja cidadão consciente, comprometido com
a transformação da sociedade, uma pessoa capaz de construir conhecimento,
um sujeito crítico e não acomodado.
Fiorentini (1995) aponta, ainda, mais duas tendências emergentes
na década de 90, a tendência histórico-crítica e a tendência sociointeracionista-
semântica.
A primeira se caracteriza por uma postura crítica e reflexiva diante
do saber escolar, do processo ensino-aprendizagem e do papel sóciopolítico da
educação escolarizada. Entende a Matemática como um saber vivo, dinâmico
que, historicamente, vem sendo construído, nas e pelas relações sociais, com
o objetivo de atender às necessidades concretas dos homens e culturas, mas
que, distanciando-se daqueles conteúdos dos quais se originou, resultou em tal
nível de abstração e formalização que se tornou de difícil acesso e passou a
ser visto como privilégio de poucos. Assim sendo, propõe que para ensinar a
Matemática é necessário contextualizar o conhecimento tecido historicamente
a fim de que o aluno seja capaz de atribuir sentido e significados às ideias
matemáticas podendo pensar, estabelecer relações, justificar, analisar, discutir
e criar sobre estas idéias. (FIORENTINI, 1995)
A outra, a tendência sociointeracionista-semântica, é
fundamentada em Vygotsky, que entende a linguagem como elemento que
constitui o pensamento. Tendo a questão da produção de significados como
ideia central, considera que o ensino da Matemática deve levar o estudante a
aprender significar, isto é, a “estabelecer relações possíveis entre fatos/ideias e
suas representações (signos)” (p.33). Nesta visão, portanto, aprender é
significar. O professor é visto como alguém mais capaz do que o aluno de
processar e estabelecer relações. Seu papel é mediar as relações que o aluno
123
estabelece com o conhecimento matemático planejando atividades ricas em
significados.
Por fim, Fiorentini (1995) esclarece o caráter dinâmico e dialético
que envolve o processo de construção de um ideário pedagógico, seja
individual ou coletivo.
[...] se estamos permanentemente refletindo sobre nossa prática
pedagógica, se discutimos com nossos pares, se pesquisamos e
buscamos continuamente novas fontes teóricas e novas alternativas
de ação em sala de aula,..., então é de se esperar que nosso ideário
também esteja em permanente mutação. (p.29)
Após essa contextualização sobre alguns pressupostos teóricos
que integram a formação de professores para o ensino da Matemática nos
Anos Iniciais do Ensino Fundamental, faz-se mister realizar a análise
sistematizada dos dados da pesquisa. O capítulo seguinte traz a apresentação
e análise dos dados coletados em entrevistas realizadas com algumas
professoras, egressas de cursos de Pedagogia, que ensinam a Matemática
para a 1ª e 2ª fases do II Ciclo do Ensino Fundamental na Rede Pública
Municipal de Rondonópolis – MT; antes, porém, apresenta e caracteriza as
docentes, colaboradoras dos debates.
124
4 O PEDAGOGO E O DESAFIO DE ENSINAR MATEMÁTICA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
Este capítulo é destinado à apresentação e análise dos dados do
presente estudo. Na intenção de buscar compreender a formação do pedagogo
para o ensino da Matemática, esta investigação, num primeiro momento,
preocupou-se em trazer um arcabouço teórico acerca da Pedagogia com o fim
retomar a figura do pedagogo. Noutro momento apresentou um embasamento
teórico sobre a formação de professores desta área do conhecimento numa
visão crítica da educação, e, ainda, as concepções que permeiam o seu
ensino. Esta análise dá destaque a essas teorias e tem como foco mostrar a
importância da formação desenvolvida no curso de Pedagogia para o ensino da
matemática.
Vale lembrar que os dados empíricos da pesquisa compreendem
a investigação realizada por intermédio de entrevista junto aos professores e
de análise do currículo de cinco cursos de licenciatura em Pedagogia, no que
se refere à formação para o ensino da Matemática.
A organização do texto neste capítulo se dará, portanto, pelo
diálogo entre três fontes: as falas das professoras, os suportes teóricos
buscados nos autores de referência para esta pesquisa e a realidade - do
contexto em que as educadoras atuam, e dos currículos dos cinco cursos
de Licenciatura Plena em Pedagogia organizados por Instituições de Ensino
Superior responsáveis pela formação inicial do pedagogo no estado de Mato
Grosso, especificamente, no que concerne à formação para o ensino da
Matemática.
Este formato de construção do texto, segundo Ludke e André
(1986), é conhecido como “triangulação”, que se define pela “checagem de um
dado obtido através de diferentes informantes, em situações variadas e em
momentos diferentes” (p.52) e que se visualiza, com os elementos específicos
desta pesquisa, na figura a seguir
125
Referencial Teórico
Falas das Professoras Cursos de Pedagogia
Figura 1 – Triangulação: Fontes de dados
Assim, no intuito de empreender as interpretações que dão corpo
aos objetivos do presente capítulo, ficou definido que a análise se dará por três
dimensões articuladas: A formação do pedagogo; O processo ensino-
aprendizagem; A atuação do pedagogo no ensino da Matemática nos Anos
Iniciais do Ensino Fundamental: desafios e problemas enfrentados.
Esses caminhos emergiram dos dados recolhidos na
investigação, após intensos esforços de leitura e interpretação dos mesmos e
têm a finalidade de responder à questão de pesquisa: O professor graduado
em Pedagogia, para ensinar a Matemática nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental, enfrenta que desafios?
4.1 Os Sujeitos da Pesquisa: Preparando o Diálogo
Como o locus da investigação é a Rede Pública Municipal de
Rondonópolis - MT, e os sujeitos que participam da pesquisa são docentes que
atuam nesta rede, neste item é apresentado, inicialmente, um diagnóstico dos
professores que trabalham com o ensino da Matemática na 1ª e 2ª fases do II
Ciclo, na mencionada rede. O interesse é permitir uma melhor visualização
deste quadro de profissionais trazendo informações a respeito de sua formação
acadêmica, regime de trabalho e área de concurso, com a intenção de melhor
contextualizar as informações que se seguem sobre os sujeitos da pesquisa.
A Rede Pública Municipal de Educação de Rondonópolis é
constituída por 35 escolas; destas, 25 oferecem a 1ª e 2ª fases do II Ciclo.
Visto que este estudo se interessa em conhecer os desafios e dificuldades
enfrentados pelo professor graduado em Pedagogia que atua na 1ª e 2ª fases
126
do II Ciclo do Ensino Fundamental, foi aplicado o questionário com os 53
professores que ensinam a Matemática nas fases delimitadas para o estudo.
Os dados obtidos por meio desse instrumento possibilitaram um
diagnóstico que permite visualizar informações gerais sobre os docentes
envolvidos com o ensino desta disciplina. É possível apontar que, quanto à
formação acadêmica, 41 (77,35%) professores são egressos de outras
licenciaturas; 11 (20,75%) são licenciados em Pedagogia e 01 (1,88%) não tem
curso superior.
Vale destacar que a Normativa nº 002/2009 da Secretaria
Municipal de Educação deste município permite que no II Ciclo haja essa
diversidade de formação, não se constituindo campo de trabalho exclusivo do
pedagogo. É estabelecido no art. 14 Inciso III que, ocorrendo aulas livres na 1ª
e 2ª fases do II Ciclo e havendo o professor dos anos finais remanescente, o
mesmo poderá ser lotado nestas fases, por área, embora o Inciso I estabeleça
que o professor dos anos iniciais tenha prioridade de lotação até a 2ª fase do II
Ciclo.
Dos que responderam ao questionário, 19 (35,84%) são efetivos
e 34 (64,15%) trabalham como interinos-substitutos sob condições de contrato
temporário. Dos 19 professores efetivos, 11 têm concurso em Docência do
Ensino Fundamental - Anos Iniciais e 08 são concursados em Docência do
Ensino Fundamental - Anos Finais.
Fato interessante evidenciado é que existem docentes com outras
licenciaturas que não a Pedagogia, concursados para atuar com os anos
iniciais. Isso pode ser explicado porque até a promulgação da LDB 9394/96 o
Magistério era a formação exigida legalmente para que o professor pudesse
lecionar nos anos iniciais. Os dados apontaram que, dos 11 professores que
têm concurso para trabalhar nos anos iniciais, 07 têm outra licenciatura
(Matemática, Ciências Biológicas, Letras, História, Geografia) e 04 são
licenciados em Pedagogia.
Dos 11 professores que são pedagogos, pertencentes ao
referido universo dos 53 docentes, 08 aceitaram participar do presente estudo.
No que diz respeito ao gênero, todos esses pedagogos pertencem
ao sexo feminino. Isso confirma a questão da feminização do magistério que
historicamente tem se estabelecido, indicando que no curso de Pedagogia a
127
presença das mulheres persiste preponderante. A luta pela profissionalização
do educador não pode desconsiderar o conflito de gênero existente na
sociedade.
Das 08 professoras interlocutoras nesta pesquisa 04 trabalham
como efetivas e 04 como interinas/substitutas; 04 atuam com o ensino da
Matemática na 1ª fase do II Ciclo e 04 ensinam essa área do conhecimento na
2ª fase do II Ciclo.
Há que se considerar que o ensino da Matemática na 1ª fase do II
Ciclo é constituído de algumas exigências que são diferentes das da 2ª fase
deste Ciclo. Compreendendo o currículo como processo que se efetiva no
cotidiano escolar, a Rede Pública Municipal de Ensino de Rondonópolis
elaborou em 2008 o Referencial Curricular Municipal para o Ensino
Fundamental32 definindo um currículo básico comum para os três ciclos do
Ensino Fundamental e para o Ensino de Jovens e Adultos. Este referencial
define os saberes, habilidades e conteúdos curriculares mínimos que todos os
alunos deverão aprender na escola, ainda constitui, porém, um documento
preliminar, que se encontra em processo de discussão, reflexão e
implementação pelos docentes desde 2009.
Por questões éticas convencionadas pela academia, no que diz
respeito à pesquisa científica, as educadoras colaboradoras do estudo não são
identificadas por seus nomes. São nomeadas como “professora Verde”,
“professora Azul”, “professora Rosa”, “professora Vermelho”, “professora
Lilás”, “professora Anil”, “professora Amarelo” e “professora Violeta”, porque,
certamente, deram um colorido especial a esta investigação.
A primeira educadora a ser caracterizada é a professora Verde;
natural do estado do Rio Grande do Sul, tem quarenta e três anos de idade.
Cursou Magistério em nível médio e concluiu a graduação em Pedagogia em
2003 pela UFMT/CUR33 e especialização em Psicopedagogia Clínica. Atua
32 Em anexo são apresentados quadros que mostram a proposta curricular da rede municipal de Rondonópolis para a disciplina Matemática e suas Tecnologias para a 1ª fase e 2ª fase do II Ciclo. O objetivo é mostrar que conteúdos devem ser trabalhados nessas fases da escolaridade e que habilidades se desejam que o aluno construa, a fim de permitir um melhor entendimento do que as depoentes falam quando se referem aos conteúdos a serem
ensinados. 33
A formação matemática oferecida pelo Curso de Pedagogia da UFMT/CUR – Universidade Federal de Mato Grosso, Campus de Rondonópolis tem sido abordada no capítulo 2 deste estudo
128
como docente há vinte e quatro anos, sempre no Ensino Fundamental. Na rede
locus de investigação desenvolve suas atividades com turmas da 2ª fase do II
Ciclo, na área da Matemática como professora efetiva há dez anos, com
concurso em Docência Anos Iniciais – 02/1995. Vale ressaltar que também
trabalha no ensino desta disciplina na rede estadual como professora
interina/substituta.
A professora Azul tem quarenta e um anos e nasceu no estado de
Santa Catarina. Em nível médio cursou o Magistério, graduando-se em
Pedagogia em 2004 pelo CESUR34, no estado de Mato Grosso. É professora
há vinte anos, sempre desempenhando suas atividades em escolas públicas da
Rede Municipal. Atende turmas da 2ª fase do II Ciclo do Ensino Fundamental.
Na escola pesquisada, trabalha a disciplina Matemática há quatro anos como
professora interina/substituta.
Já a terceira educadora, professora Rosa, tem trinta e seis anos,
é natural do estado de Mato Grosso onde se formou em Pedagogia em 2006
pelo CESUR e cursou especialização em Docência do Ensino Superior. Atua
há dezesseis anos no magistério, tanto na rede pública de ensino quanto na
rede privada, sendo dez anos como professora de Matemática nos anos
iniciais. Na rede, locus desta investigação, trabalha há sete anos como
interina/substituta e atualmente leciona a Matemática para alunos da 1ª fase do
II Ciclo.
A professora Vermelho tem quarenta e sete anos, tendo nascido
no estado de Mato Grosso. No Ensino Médio cursou Magistério e graduou-se
em Licenciatura em Pedagogia em 1999, pela UNOESTE em Presidente
Prudente - SP. Tem especialização em Magistério do Ensino Superior. É
docente há vinte anos e, embora sempre tenha trabalhado com os anos
iniciais, é o primeiro ano que trabalha com a Matemática, por área, na 1ª fase
do II Ciclo. Atua na rede, locus deste estudo há quinze anos, na situação de
efetiva, com concurso em Docência do Ensino Fundamental - Anos
Iniciais/1994.
A professora Lilás, que desempenha a função de docente há
dezessete anos, tem trinta e oito anos de idade e é natural do estado de Mato
34
CESUR – Centro de Ensino Superior de Rondonópolis.
129
Grosso. Cursou o Magistério em nível médio e formou-se em Pedagogia em
2003 pela UFMT/CUR, neste estado. Tem especialização em Métodos e
Técnicas de Ensino e atua com o ensino da Matemática há dezesseis anos. Na
rede em que se realiza esta pesquisa, além de trabalhar com a Educação
Infantil, atua com a 2ª fase do II Ciclo como professora efetiva, sendo
concursada em Docência Anos Iniciais – 02/1995 e também em Docência
Educação Infantil – 02/2002.
A sexta educadora é a professora Anil. É natural do estado de
São Paulo e tem sessenta anos. Atua no magistério há dezoito anos. No
Ensino Médio, como é atualmente nomeado, cursou o Magistério. Concluiu a
Licenciatura em Pedagogia em 199235 e não tem especialização. Trabalha na
rede, cenário desta investigação, na condição de interina/substituta, atendendo
turmas da 1ª fase II Ciclo há dois anos.
A professora Amarelo tem vinte e nove anos e é nascida no
estado de Mato Grosso. No Ensino Médio cursou o Propedêutico e, na
graduação, Licenciatura em Pedagogia em 2004 pela UFMT/CUR. Atua na
rede locus da pesquisa como professora interina/substituta há cinco anos e
como professora de Matemática, por área, há três anos. Atualmente atende
turmas da 2ª fase do II Ciclo.
Por fim, a professora Violeta tem quarenta e dois anos e é natural
do estado de Mato Grosso. Em nível médio cursou o Magistério graduando-se
em Pedagogia no ano de 2000 pela UNOESTE em Presidente Prudente-SP, e
tem especialização em Gestão Educacional. Atua há quinze anos como
professora e trabalha com o ensino da Matemática há doze anos. Na rede
locus de investigação trabalha como professora efetiva, com concurso em
Docência Anos Iniciais – 04/1995, atendendo turmas da 1ª fase do II Ciclo e,
diferentemente das outras interlocutoras que colaboram como presente estudo,
é professora de escola localizada na zona rural.
Assim, temos o quadro seguinte, que bem revela as
características dos sujeitos por meio dos quais se busca identificar e
compreender como os professores mobilizam os conhecimentos matemáticos
apropriados no curso de Pedagogia.
35
A professora não revelou em qual instituição cursou a Pedagogia.
130
Quadro 6 – Síntese das características das professoras colaboradoras
Nome Idade Ensino
Médio
Graduação/Ano
de conclusão/
Instituição
Especialização/Ano
de conclusão
Ciclo
em que
leciona
Tempo de
magistério
Situação
funcional
Professora
Verde
43 Mag.36
Pedagogia/2003/
UFMT-CUR
Psicopedagogia
Clínica/2005
2ª fase
II Ciclo
24 anos Concursada
Professora
Azul
41 Mag. Pedagogia/2004/
CESUR
Não possui 2ª fase
II Ciclo
20 anos Interina/substituta
Professora
Rosa
36 Mag. Pedagogia/2006/
CESUR37
Docência/2007 1ª fase
II Ciclo
16 anos Interina/substituta
Professora
Vermelho
47 Mag. Pedagogia/1999/
UNOESTE-SP
Mag. do Ensino
Superior/2002
1ª fase
II Ciclo
20 anos Concursada
Professora
Lilás
38 Mag. Pedagogia/2003/
UFMT-CUR
Métodos e Técnicas
de Ensino/2006
2ª fase
II Ciclo
17 anos Concursada
Professora
Anil
60 Mag. Pedagogia/1992/
Não informou
Não possui 1ª fase
II Ciclo
18 anos Interina/substituta
Professora
Amarelo
29 Prop38
. Pedagogia/2004/
UFMT-CUR
Não possui 2ª fase
II Ciclo
5 anos Interina/substitua
Professora
Violeta
42 Mag. Pedagogia/2000/
UNOESTE- SP
Gestão
Educacional/2002
1ª fase
II Ciclo
15 anos Concursada
Fonte: Questionário - Caracterização do professor
Apresentadas as oito professoras colaboradoras da pesquisa, é
chegada a hora do diálogo. Um diálogo que se dá entre as falas dos sujeitos –
embebidas das suas vivências, concepções e experiências – e a maneira
como vem sendo organizado a formação matemática do pedagogo nos cursos
de Pedagogia do estado de Mato Grosso, sempre conversando com teóricos,
uns que debatem o curso de pedagogia no Brasil, outros que estudam a
formação de professores numa perspectiva crítica e aqueles que teorizam
sobre os aspectos relacionados ao ensino da Matemática, todos já
apresentados nesta redação. O que se pretende com este diálogo é promover
sínteses construtivas que ajudem a elucidar quais são os desafios que o
professor graduado em Pedagogia enfrenta para ensinar Matemática nos Anos
Iniciais do Ensino Fundamental. Convém neste ponto acrescentar que a análise
dos instrumentos de pesquisa utilizados nesta investigação permitiu o
36
Abreviamos Magistério. 37
Instituição de caráter privado, na época da formação desta professora, estava estabelecida no município de Rondonópolis – MT. 38
Abreviamos Propedêutico.
131
aparecimento de alguns eixos de análise, que se apresentam a seguir e que
serão empregados para responder à questão de pesquisa.
Quadro 7 – Eixos de análise
EIXOS PRINCIPAL RELAÇÃO
A formação do pedagogo
a)Que suporte o curso de Pedagogia
oferece para o trabalho do professor com
o ensino da matemática.
b) a formação do pedagogo, porém,
alargada para – trajetórias do professor,
outras formações, experiências na
docência.
Processo ensino/aprendizagem As concepções de ensino de matemática
A atuação do pedagogo no ensino da matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental: Desafios e
problemas enfrentados
a) Os desafios que o pedagogo enfrenta
pra ensinar a matemática.
b) Conhecimentos para o ensino da
matemática
4.2 A Formação do Pedagogo
O interesse pela formação do pedagogo reside no fato de que a
atual legislação brasileira atribui ao curso de Pedagogia a responsabilidade
pela formação do professor que ensina nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental. Nesta unidade pretende-se mostrar a visão que algumas
professoras têm de sua formação para o ensino da Matemática.
Conforme se afirmou, o estudo centra-se na formação do
pedagogo, dadas as condições impostas pela mencionada legislação; todavia
esclareça-se que não se desconsidera a formação em Magistério oferecida no
Ensino Médio, visto que é trazida pelos sujeitos da pesquisa como referência
para o ensino da Matemática. Também não se trata de reduzir a formação
deste educador à sua formação inicial, mas sim, ao mesmo tempo em que se
estudam aspectos desta formação pertinentes aos propósitos desta
investigação, buscar entender que novos significados este professor tem dado
à sua formação matemática apropriada no curso de Pedagogia frente às
exigências impostas pela realidade concreta da escola.
132
Assim, de início, coletaram-se dados relacionados à formação dos
sujeitos do estudo desenvolvido no curso de Pedagogia. Quando inquiridas na
entrevista sobre a formação matemática vivenciada no curso de Pedagogia, as
depoentes demonstraram insatisfação porque consideram frágil a formação
oferecida pelo referido curso no que concerne a esta disciplina. Tal sentimento
aparece ligado a diversos fatores, entre eles a insuficiência da carga horária
destinada à formação para o ensino da Matemática; a existência de um
distanciamento entre o que é abordado no curso de Pedagogia e a realidade
concreta da escola; a presença da dicotomia entre teoria e prática como fruto
da organização curricular do curso; a não priorização para estudo dos
conteúdos que fazem parte do currículo dos anos iniciais na formação. Apesar
disso, as docentes apontaram a formação metodológica como um aspecto
positivo da formação deixando claro que pedagogo possui conhecimento
razoável do “como” ensinar, mas, infelizmente, pouca base do “que” ensinar.
A insuficiência da carga horária foi apresentada como um fator
que contribui, significativamente, para a fragilidade da formação do pedagogo
no que diz respeito à Matemática. Os depoimentos abaixo demonstram a
insatisfação das entrevistadas. Assim respondeu a professora Verde:
O curso de Pedagogia em si, ele tem uma defasagem muito grande
nesta questão de Matemática [...] não tem uma base teórica,
nenhuma base para você estar trabalhando, [...] Falta realmente um
tempo maior destinado tanto para Matemática como para outras
disciplinas. [...] Só no terceiro ano um módulo é trabalhado e aí você
tem muita coisa para ver e acaba vendo pinceladamente [...].
Um trecho da entrevista da professora Vermelho expressa o
seguinte:
[...] eu acho que no curso de Pedagogia tinha que ter uma mudança
tanto em Língua Portuguesa como em Matemática. Eu acho que foi
pouco, não lembro a carga horária, mas foi pouco e insuficiente [...]
eram coisas muito fáceis que parece que preparava a gente só
mesmo para vir para aquela alfabetização matemática que era uma
coisa muito pequena, muito fácil. A gente tinha aquelas microaulas.
Isso é confirmado pelas professoras Azul e Amarelo. A primeira
afirma: A formação da gente é um pouco precária [...] era só num semestre que
a gente teve essa disciplina, então foi pouco tempo (Professora Azul), e a outra
133
diz que o curso deveria oferecer mais tempo, uma disciplina a mais ensinando
a prática da Matemática, o ensino da Matemática (Professora Amarelo).
As outras professoras referindo-se a esse ponto explicitam a
superficialidade que reveste a formação matemática do professor no curso de
Pedagogia e assim falam: Eu não aprendi nada que faça diferença na minha
prática. [...] Eu achei a minha graduação fraca. [...] mas eu dizer para você que
a minha graduação fez diferença muito grande, eu diria que não (Professora
Rosa); Para mim o curso de Pedagogia, para a Matemática, não me ajudou em
nada. Eu nem lembro quem foi meu professor de Matemática quando eu fiz
Pedagogia (Professora Anil); [...] para o pedagogo o curso não dá formação
para você trabalhar com a Matemática (Professora Verde); No curso de
Pedagogia você recebe as noções, noções que quando você sai de lá, você
está apto para trabalhar, só que você tem que buscar (Professora Violeta).
A análise desses depoimentos não pode desconsiderar que, das
oito professoras sujeitos deste estudo, sete haviam cursado o Magistério39 em
nível médio e já exerciam a atividade docente antes de ingressarem no curso
superior. Isto pode ter concorrido para que as interlocutoras considerassem a
formação matemática desenvolvida no curso de Pedagogia igual/inferior à já
recebida no Magistério.
A este respeito, a fala da professora Verde é contundente:
O meu Magistério me deu muito mais base para trabalhar com
crianças do que a própria Pedagogia, o que eu sei hoje eu devo ao
Magistério, três anos muito bem feitos. Lá realmente eles ensinam
você como trabalhar com crianças. O curso de Pedagogia deixa muito
a desejar.
Essa percepção também se faz presente em outros depoimentos:
Eu fiz Magistério e no Magistério eu tinha pegado também a Didática
da Matemática, construía jogos e tudo mais, trabalhava todos os
conteúdos, ia para o estágio aplicava aquilo no estágio, então o
39 Até a promulgação da LDB 9394/96 o Magistério era a formação exigida legalmente para que
o professor pudesse atuar com os anos iniciais. Sete professoras, interlocutoras deste estudo,
cursaram a Licenciatura em Pedagogia, dentro do contexto da aprovação desta Lei, que, no
artigo 62, passou a exigir que os professores da Educação Básica tivessem curso superior que
deveria ser cursado até 2007, dentro da data imposta pelo Decênio da Educação do governo
FHC.
134
Magistério, eu acredito que ele me deu mais recurso porque foram
três anos. (Professora Azul)
O meu Magistério foi muito, muito bom! Eu fiz quatro anos de
Magistério no Rio Grande do Sul, mais tempo que a minha
graduação, e eu diria para você que o que eu utilizo que faz a
diferença na minha vida, eu digo com toda certeza, que eu aprendi no
Magistério. Eu achei a minha graduação fraca. (Professora Rosa)
Eu estudei Magistério em Uberaba/MG. Na Matemática eu tive uma
professora muito boa, eu lembro que eu passei a gostar da
Matemática através dessa professora. Conforme eu comecei a fazer
o Magistério, que eu comecei a assistir aula com ela, eu passei a
apaixonar pela Matemática, foi aonde eu comecei a dar aula. [...] No
Magistério a gente aprende muito a dar aula de Matemática, como
você vai utilizar aqueles objetos que você faz ali para poder dar aula.
[...] Eu lembro da Matemática mais do Magistério. Na Pedagogia eu
lembro mais de Filosofia... (Professora Anil)
Um dado importante nesta análise é que a professora Anil
concluiu o curso de Pedagogia no ano de 1992. Segundo os estudos de Bissolli
da Silva (2006), nessa época este curso formava, de um lado, professores para
o ensino Normal, e, dentro desta habilitação garantia o direito do licenciado em
Pedagogia exercer o magistério nas séries iniciais e, de outro, formava os
especialistas – orientador educacional, supervisor escolar, administrador
escolar, inspetor escolar e planejador educacional, conforme normatizava o
Parecer 252/69. Interessa a este estudo realçar que o trabalho do professor
nas séries iniciais se daria dentro da habilitação para o ensino Normal, não se
preocupando a Pedagogia, portanto, em prepará-lo para a docência nos anos
iniciais.
Assim, vê-se que nem sempre os cursos de Pedagogia foram
responsáveis pela formação do professor dos anos iniciais. Dentre as várias
possibilidades, pensa-se que este seja o motivo pelo qual esta professora não
consiga se lembrar das aulas que tratavam da formação para o ensino da
Matemática, recordando-se apenas das disciplinas referentes aos fundamentos
da educação. Pode-se também inferir que a formação proporcionada pelo
curso de Pedagogia tomou como foco a habilitação para o magistério e desta
forma a ênfase da formação recaiu nos fundamentos da educação.
Diante destes depoimentos é possível dizer que, além dos
conhecimentos apropriados no curso de Magistério, o professor no exercício da
135
docência, no cotidiano do seu trabalho, produz saberes que o capacitam a
interagir com seus alunos, na sala de aula e no contexto escolar onde atua.
Pimenta (2007)40 esclarece que
Nas práticas docentes estão contidos elementos extremamente
importantes, como a problematização, a intencionalidade para
encontrar soluções, a experimentação metodológica, o enfrentamento
de situações de ensino complexas, as tentativas mais radicais, mais
ricas e mais sugestivas de uma didática inovadora, que ainda não
está configurada teoricamente. (p.27)
Pode-se perceber pelos relatos de algumas depoentes que o
curso de Pedagogia se tornou um espaço para a revisão reflexiva do
Magistério. Isso aflorou na fala da professora Verde, que ainda diz que o curso
de Pedagogia lhe deu subsídio teórico importante, como se vê no seguinte
excerto.
[...] quando eu fiz a faculdade eu já tinha 16 anos de sala de aula,
então para mim não fez muita diferença porque isso eu já trabalhava,
só que você não tem a fundamentação que você deveria ter. (grifo
nosso)
Embora a prática do professor seja rica em possibilidades para a
construção de conhecimento, estas palavras mostram a importância da
fundamentação teórica apropriada no curso de Pedagogia para o entendimento
do professor a respeito do seu fazer. Portanto, pode-se concluir que sem tal
fundamentação teórica muitas das ações de ensino do professor se reduzem à
mera repetição do livro didático sem o entendimento do por que se ensina
aquele conteúdo daquele modo e para quê. Neste sentido, compreende-se que
as teorias estudadas nos cursos de formação inicial podem fornecer elementos
para que o professor interrogue e alimente as suas práticas vivenciadas nos
contextos escolares. Assim sendo, o docente pode reelaborar suas
experiências práticas em confronto com a teoria e vice-versa, refletindo na e
sobre a prática. É desse processo de reflexão que nasce um novo
saber/conhecimento, próprio da docência, que Tardif (2002) denomina de
40
PIMENTA. S. G. A formação de professores: identidade e saberes da docência. In: Saberes pedagógicos e atividade docente/textos de Edson Nascimento Campos... [et al.]; Selma Garrido Pimenta (organização). 5. ed. São Paulo: Cortez, 2007. (Saberes da docência).
136
saberes experienciais e Shulman (apud Montalvão e Mizukami, 2002) nomeia
de conhecimento pedagógico do conteúdo.
Portanto, quando esta professora se refere ao tempo de trabalho
em sala de aula como docente – ela informa que quando cursou a Pedagogia
já trabalhava há dezesseis anos como professora – , é possível dizer que
desse tempo para cá ela já construiu outros saberes e muito daquilo que ela
aprendeu no curso de Magistério já foi refeito e reelaborado.
Também a professora Rosa afirma: Na graduação eu relembrei
conteúdos do Magistério, não que tenha algo novo, eu não consideraria assim.
Eu considero que são conhecimentos que eu já tinha e que só os retomei [...]
(Professora Rosa). A professora Azul acrescenta que o curso de Pedagogia se
tornou, para ela, espaço de reflexão sobre a prática que já exercia em sala de
aula, explicitando:
[...] eu vi como se fosse mais um resgate daquilo que eu já tinha de
conhecimento porque eu já trabalhava (como professora) e já tinha
buscado sozinha mesmo, antes da formação, pela necessidade de eu
estar na sala de aula e ter que trabalhar a Matemática. [...] muitas
coisas que foram vistas (no curso de pedagogia) eram coisas que a
gente mesmo levava da prática da sala de aula para discutir, então
eram discussões da prática vendo o que a gente podia melhorar.
A opinião da professora Violeta ecoa como dissonância das falas
acima mencionadas. Ela entende que já no Magistério havia problemas na
formação matemática do professor dos Anos Iniciais. Declara que existe um
distanciamento entre o que é ensinado nos cursos de formação de professores
e a realidade escolar, um problema encontrado tanto no curso de Magistério
em nível médio quanto nos cursos de Pedagogia:
[...] eu considero que a minha formação para a Matemática, tanto no Magistério quanto na Pedagogia, foi igual. [...] na época do Magistério, eu penso que a Matemática tinha que ter sido trabalhada de uma forma mais direta como depois é exigida para nós trabalharmos com o aluno.
O depoimento da professora Lilás assemelha-se ao anterior. Ela
também considera que tal distanciamento persiste e enfatiza:
Aprendi muito pouco no curso de Pedagogia [...] o que eu vi foi muito
pouco [...] Ali na universidade foi muito superficial [...] Eu acho que a
137
universidade precisa vir conhecer a realidade da escola para mudar o
que eles ensinam e ampliar [...] eles deveriam vir aqui na escola
observar as aulas para saber como que é.
A esse respeito, a professora Violeta diz que A matemática, para
você trabalhar com o aluno da escola ciclada é bem diferente do que você
recebe na formação – na universidade. Também acerca do assunto a
professora Verde afirma: Os teóricos que eles ensinam, o que eles ensinam lá,
é totalmente diferente da vivência dentro de uma sala de aula, não se
misturam.
Esse distanciamento é fruto da organização curricular dos cursos
de formação de professores que, historicamente, vem desenvolvendo os
conteúdos e as atividades de estágios distanciados entre si, promovendo assim
a separação entre a teoria e a prática que, por consequência, gera professores
descontextualizados da realidade da escola.
Gatti e Nunes (2008), em estudo que abrangeu 71 cursos de
Pedagogia em várias regiões brasileiras, constataram essa problemática: os
cursos de Pedagogia não são capazes de articular teoria e prática, pois, no
momento de dar ao aluno uma visão prática do que é ensinar, usando as
outras disciplinas que são para este fim, não conseguem aproximar os futuros
professores da realidade do ensino na sala de aula. Na opinião das
pesquisadoras, as universidades parecem não se interessar pela realidade das
escolas, principalmente, das públicas.
Neste caso, a percepção das depoentes permite inferir ser
fundamental que as instituições formadoras de professores dos anos iniciais
estabeleçam relações mais dialogais e cooperativas com as escolas a fim de
organizar e desenvolver um currículo que possibilite a formação de um docente
concatenado com a realidade concreta dessas escolas, que dê conta de captar
as contradições presentes na prática social de educar a fim de alterar as
situações de fracasso escolar na área da Matemática.
Quanto à falta de articulação entre teoria e prática, Libâneo e
Pimenta (1999) subsidiam a fala destas interlocutoras sinalizando para a
importância da confluência destas duas dimensões. Estes educadores
recomendam que “[...] desde o ingresso dos alunos no curso, é preciso integrar
138
os conteúdos das disciplinas em situações da prática que coloquem problemas
aos futuros professores e lhes possibilitem experimentar soluções” (p.267).
A pesquisa vista como processo formativo pode favorecer a
relação teoria e prática no curso de formação do pedagogo. Trata-se não
somente de contribuir para que o futuro professor dos anos iniciais amplie seu
conhecimento sobre as reais condições onde e como a prática pedagógica
acontece, teorizando sobre outras práticas, mas, também, de possibilitar que,
tomando a prática como ponto de partida, seja capaz de construir-se enquanto
teórico da sua própria prática.
É importante que a formação do pedagogo seja perpassada pela
pesquisa, não restringindo apenas ao Estágio Supervisionado a possibilidade
de problematização, interpretação e compreensão da natureza, da
especificidade e das relações que se estabelecem no trabalho pedagógico.
A propósito, Franco (2008) defende que a formação docente não
pode se dar no vazio, de maneira superficial, mas deve estar fortemente ligada
a uma intencionalidade, a uma política, a uma epistemologia, a pesquisas
aprofundadas dos conhecimentos pedagógicos. A formação assim desenhada
pode propiciar que, em vez de ser apenas consumidor e transmissor de
conhecimentos acadêmicos, o pedagogo seja preparado para adotar
efetivamente uma postura investigativa diante dos problemas da prática
pedagógica e operar como produtor de conhecimentos.
Outro aspecto percebido nos depoimentos das interlocutoras
considerado relevante para a análise pretendida é que o pedagogo possui
conhecimento razoável do “como” ensinar, mas pouca base do “que” ensinar. A
professora Verde externa que O curso de Pedagogia em si, tem uma
defasagem muito grande nesta questão de Matemática [...] você não tem uma
base teórica, nenhuma base mesmo, para você estar trabalhando. Já para a
professora Azul, A questão de conteúdos foi bem básico, a gente viu como
trabalhar as quatro operações, a gente viu como trabalhar fração, como
trabalhar número decimal [...].
Essas opiniões são ratificadas pela professora Vermelho. Ela
acredita que o curso de Pedagogia dá maior ênfase à metodologia. Ao
recordar-se da formação matemática na sua graduação, diz: [...] parece assim
que preparava a gente só mesmo para vir para aquela alfabetização
139
matemática [...] Eram questões da metodologia que queriam mais, era você
trabalhar como era com quadro, como era o material que você ia utilizar [...]
Neste sentido, o depoimento da professora Amarelo é
Às vezes, o pedagogo tem dificuldade nos cálculos, nos
conhecimentos matemáticos, só que a gente tem a metodologia, que
o professor que é matemático não vai estar tão preocupado com
aquela criança que está lá com dificuldades do 1º aninho, do 2º ano,
entendeu? E o pedagogo não, o pedagogo tem uma metodologia, a
gente aprende isso lá no curso. É uma metodologia diferente, a forma
de passar o conhecimento para a criança, o pedagogo tem um jeito
especial, um carinho especial para passar aquele conhecimento para
a criança. Não que os outros não tenham, mas eu acredito que o
matemático tenha uma formação que esteja mais preocupada com o
cálculo. O pedagogo internaliza uma preocupação com a maneira de
passar o conteúdo para a criança de maneira prazerosa, que seja do
mundo dela, do universo dela. Essa é a preparação do pedagogo,
isso é o fica internalizado em cada pedagogo, esse sentimento, e eu
não sei se os matemáticos têm, não estou dizendo que eles não têm,
digo assim, eu não sei se eles têm.
Um trecho da entrevista da professora Violeta ajuda a esclarecer:
Ele (o licenciado em Matemática) tem todo o domínio (do conteúdo) e
nós temos a metodologia de como trabalhar, de como introduzir de
uma forma que o aluno passe a gostar. Nós não somos formados em
Matemática, mas o conhecimento que nós temos, junto com a
didática – de que cada aluno tem seu tempo, tem o seu período, tem
sua dificuldade – que nós recebemos na formação de Pedagogia vai
somar com a experiência que você vai tendo no dia-a-dia e você junta
esses dois ingredientes, e o que está dando certo você continua e o
que não está dando certo você vai procurar suprir aquela dificuldade
de outra forma, buscando recursos. [...] quando você faz a
Pedagogia, você não recebe os quesitos que você vai precisar para
trabalhar mesmo a Matemática com o aluno diariamente. Você
recebe noções de como trabalhar, de como introduzir, de como
elaborar, de como planejar.
Depoimentos como esses, quando denunciam a prioridade dada
ao aspecto metodológico na formação do pedagogo, em detrimento dos
conteúdos a se ensinar, se fortalecem naquilo que se destacou anteriormente,
da pesquisa de Curi (2004) – sua investigação notifica que a análise das
disciplinas que tratam da formação matemática do futuro professor dos anos
iniciais indicou que, aproximadamente, 90% dos cursos diagnosticados têm a
preocupação situada na metodologia de ensino – e também no estudo que ora
se desenvolve, o qual indica que os cursos de Pedagogia das instituições
140
matogrossenses investigadas elegem os aspectos metodológicos como
essenciais na formação do pedagogo.
Contudo, as interlocutoras acreditam que as dificuldades que este
licenciado enfrenta no domínio dos conteúdos para ensinar a Matemática são
minimizadas pela habilidade que ele tem na questão da metodologia. Deste
modo ficou demonstrado que as depoentes entendem que a formação
matemática desenvolvida nos cursos de Pedagogia, que não a metodologia,
pouco tem contribuído para que os futuros professores aprendam a trabalhar a
Matemática nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
É necessário esclarecer que assim como não se pode ensinar a
Matemática fora do domínio do conteúdo específico, também não se pode
considerar que o conhecimento pedagógico sozinho é suficiente para subsidiar
o trabalho do professor. Na verdade, o pedagogo para ensinar a Matemática
não se apóia somente na metodologia, como enfatiza as depoentes, mas
recorre a uma concepção anterior da Matemática e seu ensino oriundo da sua
experiência como estudante. Neste sentido, é possível dizer que o processo de
ensino e aprendizagem da Matemática vivenciados neste período influencia
profundamente seu trabalho educativo, já que os docentes se tornam
professores muito antes de fazer o Magistério.
O fato é que o conhecimento pedagógico deve estar articulado a
outros conhecimentos, principalmente o especifico, numa relação de diálogo.
Não se pode negar que para ensinar a Matemática é importante que o
professor se aproprie do conhecimento específico desta disciplina, mas para
ser professor não basta ter este conhecimento ou o pedagógico, como vem
sendo entendido pelas interlocutoras deste estudo.
Tomando como referência o pensamento de Shulman, destaco
que para ser professor hoje é essencial a apropriação de uma base de
conhecimentos que se apresentem inter-relacionados, quais sejam: 1)
conhecimento do conteúdo; 2) conhecimento pedagógico (conhecimento
didático geral); 3) conhecimento do currículum; 4) conhecimento dos alunos e
da aprendizagem; 5) conhecimento dos contextos educativos; 6) conhecimento
dos objetivos, as finalidades e os valores educativos, e de seus fundamentos
filosóficos e históricos; 7) conhecimento pedagógico do conteúdo; sabendo que
este último é construído a partir da integração ou sobreposição de três
141
componentes: conhecimento da matéria, conhecimento pedagógico e
conhecimento do contexto.
4.3 O Processo Ensino-Aprendizagem
No item anterior, os depoimentos dos sujeitos da pesquisa
permitiram inferir que as concepções apropriadas pelos professores ao longo
da sua formação influenciam profundamente seu trabalho educativo e, de certo
modo, determinam a forma de pensar e praticar a ação educativa sobre o
processo ensino-aprendizagem.
Na busca da melhor compreensão do pensamento das
interlocutoras desta investigação a respeito da matemática e seu ensino e
aprendizagem, inicialmente, é apresentado o quadro a seguir que, de maneira
sucinta, traz excertos de depoimentos que acenam para as concepções das
entrevistadas sobre a matemática e para a importância que as mesmas
atribuem ao seu ensino, e, na sequência, a análise desses dados. O propósito
é buscar reunir elementos para melhor compreender os fatos determinantes
dos desafios e problemas que essas professoras enfrentam para ensinar a
Matemática na 1ª e 2ª fases do II Ciclo do Ensino Fundamental, e que serão
contemplados na próxima unidade.
Quadro 8 – Concepções das professoras sobre a Matemática e seu
ensino41
Profª. Concepção sobre a Matemática Importância atribuída ao ensino
da Matemática
Verde [...] uma ciência exata [...], por exemplo, 2+2 são 4 e acabou, não tem como dar 5. [...] Eles têm muita dificuldade de aprender a Matemática, por ser uma ciência exata [...]
A Matemática é o dia-a-dia do aluno [...] ela tem importância fundamental na vida do aluno, no dia-a-dia, na convivência dele, nos horários.
41
A leitura da tese de doutoramento de Adelmo Carvalho da Silva (2009) intitulada Reflexão sobre a matemática e seu processo de ensino-aprendizagem: Implicações na (re)elaboração de concepções e práticas de professores desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade da Paraíba contribuiu no entendimento dos dados desta unidade.
142
Azul A Matemática é ciência exata, que você vai trabalhar com as operações, com o raciocínio lógico [...] A Matemática é importante no dia-a-dia deles [...] é uma ciência que ele utiliza no cotidiano, faz parte do dia-a-dia dele.
[...] a Matemática vai influenciar no desenvolvimento do aluno nas outras disciplinas [...] Então ela está ligada com as outras áreas do conhecimento.
Rosa O dia-a-dia, tudo que nos rodeia [...] eu diria
que é tudo Matemática [...] tudo o que a gente
faz envolve a Matemática, tudo! O dia-a-dia, o
cotidiano [...] Eu penso que a Matemática está
em todo lugar.
Tem uma importância gigantesca [...] para o dia-a-dia, para convívio das crianças com a sociedade, [...] A Matemática é importante para que eles sobrevivam [...]
Vermelho Matemática é tipo uma história de vida da
criança. [...] É uma interação com o meio
social, eu estou sempre relacionando com o
cotidiano de vida deles [...] tudo o que a gente
está vendo em matemática nós estamos
vendo ao nosso redor [...]
[...] eu acho que em tudo [...] Essa é uma grande importância, saber que ela vai estar presente em qualquer momento, em qualquer situação na vida deles.
Lilás A Matemática para definir é muito ampla, mas ela é indispensável na vida do ser humano. A Matemática está em todas as partes, ela é interdisciplinar [...]
[...] tenho que trabalhar a Matemática voltada para o cotidiano deles. [...] Como eles vendem picolé, salgados para ajudar em casa [...] a gente tem que preparar as crianças para a sociedade, para vida.
Anil Matemática é o que faz a gente usar muito o pensamento. [...] Você usa a Matemática para tudo na sua vida. É uma coisa que faz a gente pensar, usar a inteligência, usar o jeito que a gente tem de viver na vida, [...] hoje é tudo pela Matemática.
[...] você sem a Matemática não aprende, não tem como viver [...] é através dela que você vai viver o seu dia-a-dia.
Amarelo Matemática, assim como as outras disciplinas, eu acho que é tudo. É tudo o que está à nossa volta [...] a Matemática está ao nosso redor, faz parte da nossa vida.
[...] é muito importante para nós porque tudo que gente vai fazer envolve a Matemática (cálculos, figuras geométricas)
Violeta A Matemática é tudo. [...] é tudo na sua vida [...] então a Matemática é coisa cotidiana na vida de cada um [...].A Matemática é um número exato, mas [...] Você não precisa falar: “Hoje é matemática” como se fosse uma coisa isolada [...]
O ensino da Matemática é essencial na vida de todo cidadão. [...] a Matemática não é uma coisa fria, isolada, ela é um complemento de tudo.
Fonte: Entrevistas
Nesses fragmentos é unânime a ideia de que a Matemática faz
parte do cotidiano do aluno, sendo entendida como que ciência ligada à vida
com a finalidade de resolver problemas do dia-a-dia. Para as depoentes o
conhecimento matemático deixa de ser visto como um conhecimento pronto,
acabado e isolado do mundo tal como defende, na trilha da perspectiva
tradicional, a concepção platônica da Matemática. Não é demais relembrar que
esta concepção, segundo Fiorentini (1995), caracteriza-se por uma visão
mecânica, estática, a-histórica e dogmática das ideias matemáticas, como se
elas existissem independentes dos seres humanos.
143
Pode-se afirmar a partir das falas das professoras que as
concepções de Matemática das mesmas aproximam-se mais da tendência
socioetnocultural. Nesta visão, o ensino da disciplina em pauta aparece
relacionado ao cotidiano, à cultura do educando. A importância da Matemática
está centrada em desmistificar e compreender a realidade, valorizando o saber
popular trazido pelo aluno a fim de encorajá-lo a produzir saberes sobre a
realidade concreta.
Outro aspecto relevante a ser ponderado é que para as docentes
o conhecimento matemático é fundamental para o desenvolvimento dos
sujeitos. A professora Azul afirma que [...] a Matemática vai influenciar no
desenvolvimento do aluno nas outras disciplinas [...] e a professora Anil
pondera que [...] você sem a Matemática não aprende, não tem como viver [...].
Estas falas apontam que elas têm consciência da necessidade de, já nos
primeiros anos de escolaridade, ensinar uma Matemática útil aos estudantes.
A compreensão do papel essencial desta disciplina para a
formação das crianças implica tomadas de decisões sobre a seleção dos
conteúdos a serem ensinados e das metodologias a serem utilizadas. Requer
que os professores estejam preparados para saber o que, para que e como
ensinar. Isto, de certo modo, destoa da formação matemática que vem sendo
oferecida nos cursos de Pedagogia: conforme o estudo de Curi (2004), a
maneira como o conhecimento matemático é abordado durante a formação
inicial nos cursos de Pedagogia pouco tem contribuído para que os futuros
educadores aprendam a conhecer a Matemática e saibam como ensiná-la e
como o aluno aprende.
No quadro acima, verifica-se que as professoras Verde e Azul
afirmam que a Matemática é uma ciência exata e a professora Violeta
considera um número exato; contudo, isto se revela uma contradição, visto
que, concomitantemente, anunciam que a Matemática é utilizada nas ações do
dia-a-dia: A Matemática é o dia-a-dia do aluno (Professora Verde); [...] É uma
ciência que ele utiliza no cotidiano, faz parte do dia-a-dia dele (Professora
Azul); a Matemática é coisa cotidiana na vida de cada um” (Professora Violeta).
Considera-se nesta afirmativa o fato de que as investigações realizadas na
área da Educação Matemática e da Etnomatemática têm demonstrado que a
144
Matemática utilizada no dia-a-dia e, muitas vezes, no contexto da sala de aula,
nem sempre está impregnada de rigor absoluto e de ideias exatas42.
Desses depoimentos é possível afirmar que as educadoras
compreendem que os acontecimentos cotidianos da realidade na qual os
alunos estão inseridos devem ser tratados como fundamentais para nortear o
trabalho com a Matemática na escola.
Na sequência, destaca-se como as falas das docentes são
reveladoras das concepções de ensino-aprendizagem que permeiam seu
trabalho com a Matemática nas fases delimitadas por esta pesquisa. Quando
inquiridas a respeito do tema, o ensino aparece, majoritariamente, entendido na
perspectiva da construção, da elaboração. Não se trata de compreender o
conhecimento como um conjunto de informações, coisas e fatos prontos e
acabados a serem transmitidos ao aluno, como numa reprodução do
conhecimento, para que as informações sejam apenas decoradas, para
posteriormente serem devolvidas em forma de provas. Em contraposição, trata-
se de valorizar mais o processo do que o produto da produção do
conhecimento, de considerar que mais importante do que aprender é aprender
a aprender, num processo em que o professor atua como mediador entre o
conhecimento historicamente produzido e o aluno.
A professora Rosa diz [...] eu não sou a favor de decorar e sim
que eles construam [...] eu ensino o processo de construção [...]. Embora esta
educadora demonstre disposição em romper com o ensino tradicional da
Matemática, é preciso admitir que isso não se constitui prática fácil de se
efetivar, visto que, como já se mencionou, o professor, tendo sido educado de
modo a conceber a Matemática como algo pronto, apresenta dificuldade para
vê-la como algo em construção. Tem-se um caminho a ser percorrido que
exige constante esforço de reflexão na e sobre a ação, com a finalidade de
visualizar possibilidades de reelaboração de práticas cristalizadas.
No depoimento da professora Lilás, a questão de ensinar na
perspectiva do processo de construção do conhecimento aparece junto com a
importância de se considerar os conhecimentos prévios do aluno. Ela diz que
ensina a Matemática partindo do conhecimento prévio dele [...] insiro novos
42
A obra Na vida dez, na escola zero, (1998), de autoria de Terezinha N. Carraher, David W.Carraher e Analúcia Schliemann, representa com clareza esta afirmação.
145
conhecimentos para que eles possam desenvolver ainda mais sua
aprendizagem, [...] ensino o processo. Percebe-se que esta professora tem
buscado conceber o aluno não como uma tabula rasa, como alguém que,
desprovido de conhecimentos, é considerado objeto da educação; ao contrário,
procura considerar o discente como um sabedor e ao mesmo tempo um
desconhecedor, como preconiza a concepção crítica da educação.
As palavras da professora Violeta expressam concordância com
esta fala. Ela relata que sua intervenção pedagógica se dá a partir de um
conteúdo que é trabalhado de acordo com a realidade deles, com os dados que
eles têm conhecimento. Considerar os conhecimentos prévios do aluno como
ponto de partida da ação pedagógica implica o entendimento de que o ser
humano vai aprendendo, sabendo, vai construindo sua inteligência, por meio
da assimilação e acomodação, conforme defende a perspectiva piagetiana e
como já foi explicitado neste trabalho. Estes dois processos – assimilação e
acomodação – buscam reestabelecer um equilíbrio mental perturbado pelo
contato com um dado incompatível com aquilo que se conhece até então
(princípio de equilibração).
Nesta direção, as declarações abaixo citadas revelam que para
essas professoras o conhecimento matemático deve ser ensinado na
perspectiva da construção, de maneira lúdica, lançando mão do material
concreto como ferramenta pedagógica para a construção dos conceitos
matemáticos: [...] eu utilizo bastante material concreto com eles [...] com esse
material eu consigo melhorar a aula do que só ficar naquela aula de giz e
quadro, naquela aula expositiva (Professora Azul); É mais difícil, é trabalhoso,
mas eu acredito no lúdico [...] material dourado [...] Tangran [...] (Professora
Amarelo); [...] utilizo jogos, tabelas, material dourado. Eu procuro coisas
concretas [...] (Professora Violeta). A professora Azul acredita que o aluno
aprende Com o lúdico. [...] com a ajuda do material concreto que, é primordial
para a Matemática, e com o interesse deles. [...]. E acrescenta que é
vivenciando, é mexendo com o material, é dessa forma que ele consegue se
apropriar, ou levando aquilo para realidade.
146
O exposto pelas entrevistadas se justifica tendo em vista que, na
perspectiva piagetiana43, parte-se do pressuposto de que a atividade criadora
se dá no pensamento e é construída e reconstruída a todo instante. Nesta
visão, a criança deve ser estimulada por atividades concretas, a fim de
estruturar seu pensamento lógico-matemático e atingir a fase das abstrações,
necessárias à resolução de situações complexas. Assim sendo, o material
concreto é uma ferramenta que faz a mediação para que o sujeito possa
construir o fato matemático que se concretiza sempre como raciocínio
logicamente encadeado, abstrato e formal. Segundo esta concepção – a
construtivista – o professor desempenha o papel de mediador na construção do
conhecimento, criando situações para que a criança exercite a capacidade de
pensar e buscar soluções para os problemas apresentados. Skovsmose
(2001) vê a teoria da atividade como um grande passo em direção a uma
epistemologia dialógica, mas enfatiza que a atividade não constitui um ato
isolado “temos que fazer alguma coisa para obter conhecimento, e fazê-la num
contexto social” (p.62).
Retomando o discurso da professora Violeta, verifica-se que, para
ela, o ensino da Matemática não deve ocorrer de maneira isolada, mas sim
aliado a outras áreas do conhecimento. Ela introduz o ensino da matemática
com leituras de texto, que podem ser ligados a conteúdos de Português,
Ciências, etc., portanto, que não precisam, necessariamente, ser da
Matemática. Com isso ela acredita que o estudo da Matemática na sala de
aula se torna prazeroso, evitando assim o desinteresse por parte dos alunos. É
importante frisar que esta educadora trabalha como unidocente, enquanto as
demais atuam por área do conhecimento. Esse fator parece indicar que a
modalidade de trabalho desenvolvida por Violeta pode contribuir para a
efetivação de práticas de ensino na perspectiva da interdisciplinaridade; tais
práticas se evidenciam em seu depoimento:
é importante você trabalhar a Matemática assim, introduzindo através
de uma leitura porque eles precisam fazer a leitura, até porque você
vai instigar o aluno a ler [...] Você pode trabalhar Matemática através
43 MARQUES, S.V. KIMURA, C.F.K. Uma abordagem sobre a construção do número e o jogo
no ensino da matemática na perspectiva piagetiana. In: Seminário de Educação 2007 -
Qualidade do Ensino na Contemporaneidade: novos & velhos desafios: EdUFMT, 2007.
147
de uma aula de Ciências, você pode trabalhar a Matemática através
de uma aula de Português, colocar uma receita, ali você está
trabalhando Matemática [...] Você não precisa falar: “Hoje é
matemática” como se fosse uma coisa isolada [...]
Merece destaque, ainda, um outro aspecto: a questão da
interdisciplinaridade só foi apresentada pela professora Violeta, enquanto nos
depoimentos das demais professoras entrevistadas esta questão não aparece
como algo importante no processo de ensino da Matemática.
Parece também haver acordo entre as depoentes quanto ao
desejo de que seus alunos desenvolvam aprendizagens significativas44. As
professoras ressaltam que para aprender a Matemática é importante que o
aluno se mostre ativo, apresentando disposição e interesse para essa
aprendizagem, o que, para elas justifica o uso dessas metodologias. Essas
docentes acreditam que a aprendizagem requer que o aluno tenha motivos
relevantes que lhe permitam encontrar sentido na atividade de aprendizagem
de conceitos matemáticos. Consideram também que devem intervir para ativar
as ideias prévias do aprendiz para, então, promover a ajuda necessária. Trata-
se de ajudá-lo no esforço de atribuir significado à nova informação que lhe
chega.
Ainda que se considere que as crianças aprendem quando os
conceitos matemáticos são trabalhados de maneira prazerosa, quando há
interesse e motivação por parte das mesmas e se entenda que o material
lúdico e concreto, podem, sim, oferecer esta possibilidade, é importante
ressaltar que, para que a aprendizagem seja significativa, é essencial que no
cotidiano da sala de aula sejam construídas áreas de igualdade em que,
ambos, estudante e professor estejam envolvidos no controle do processo
ensino-aprendizagem.
Pensa-se que não é possível desenvolver uma atitude crítica na
criança melhorando apenas a capacidade de apropriação do conhecimento
matemático. Se queremos, por meio da educação matemática, construir um
projeto de possibilidades que permitam às pessoas participarem no
entendimento e na transformação de suas sociedades, precisamos avançar,
44Nesta perspectiva a aprendizagem não se dá a partir do nada, mas sim a partir das experiências, interesses e conhecimentos prévios disponibilizados pelo aluno (COLL, César (org.). O construtivismo na sala de aula. São Paulo: Ática, 2004.
148
implementando uma prática educativa dialógica e libertadora orientada a
conteúdos da realidade vivida.
Deste ponto de vista é fundamental procurar estabelecer uma
distância crítica desses conceitos, em busca de desenvolver o conhecimento
que Skovsmose (2001) denomina de conhecimento reflexivo, já que a
alfabetização matemática deve ser enraizada em um espírito de crítica,
centrada na importância de identificar e transformar as condições sociais e
ideológicas opressoras.
Já o depoimento da professora Vermelho permite identificar uma
proximidade com a tendência empírico-ativista visto que, em sua ação
pedagógica, o desenvolvimento das atividades se propõe por meio da
utilização de ferramentas pedagógicas, tais como os jogos, muitos materiais
manipulativos (visuais e táteisl) e outras atividades lúdicas e/ou experimentais,
com vistas a possibilitar aos alunos a descoberta e redescoberta dos conceitos
matemáticos por meio de situações vivenciadas. Ela completa
[...] a gente procura trabalhar dentro do contexto [...] se vamos trabalhar figuras geométricas eu tenho o costume de estar associando muito à sala de aula [...] a questão dos números também. Então é uma relação, a criança associando, fazendo esta associação [...] eles acham a Matemática prazerosa, eles gostam de fazer Matemática, a problematização da Matemática.[...] É deixar a criança fluir [...} criar, socializar
Esta tendência se caracteriza em acreditar “que o aluno aprende
fazendo”. Por isso valoriza no processo de ensino, entre outros procedimentos,
a pesquisa, a descoberta, os estudos do meio, a resolução de problemas e as
atividades experimentais. Para a professora Vermelho o aluno aprende a
Matemática
Fazendo a Matemática, trabalhando o desenvolvimento do raciocínio lógico, aí eu acredito que ele aprende. No desenvolvimento do cálculo mental [...] eu acredito que ele só aprende de fato quando consegue construir o desenvolvimento, tem domínio do que ele faz. [...] brincando eles aprendem..., jogando. [...] é uma relação, a criança associando, fazendo esta associação, eles acham a Matemática prazerosa [...].
A aceitação dessas ideias conduz à suposição de que as práticas
das professoras investigadas orientam-se por pressupostos das tendências de
149
ensino empírico ativista, construtivista, socioetnocultural, e sociointeracionista-
semântica, já apresentadas neste estudo.
Dando continuidade ao assunto, é importante salientar que as
professoras Verde e Anil concebem o ensino de Matemática como vem sendo
exposto acima, porém seus depoimentos ainda mostram vestígios de uma
visão de ensino cuja prática pedagógica está apoiada na transmissão de
informações ao aluno. A fala da professora Verde, neste sentido, é expressiva:
ela afirma que para ensinar a Matemática [...] você tem que, primeiro, gostar,
para você conseguir transmitir e ver o ponto realmente para o aluno entender
aquilo que você está transmitindo, porque é difícil [...]. Isso fica mais evidente
quando explicita que o aluno aprende prestando atenção como ouvinte,
visualizando, decorando fazendo sempre muitos exercícios. Quando inquirida
sobre como o discente aprende, responde:
Fazendo [...] Eu acho assim, só se aprende fazer fazendo e você só
aprende matemática da mesma forma que outras disciplinas em cima
ali, estudando, fazendo sempre muitos exercícios. Eu acho mesmo
que é a atenção, visualizar [...] A tabuada eu sou contra decorar, a
decoreba, mas a tabuada se você não decorar você não aprende. É
uma das atividades que você tem que realmente decorar e eu cobro
[...] Eu ainda acredito que o aluno só aprende prestando atenção,
porque ele tem que ter um momento para prestar atenção, ele pode
conversar, ele pode levantar, ele pode andar, mas no momento que
você está explicando ele tem que prestar atenção, porque eu sempre
falo assim: Você só aprende fazer uma coisa vendo e ouvindo e
prestando atenção. (Professora Verde)
É importante observar que quando a professora Vermelho e a
professora Verde asseguram que o aluno aprende “fazendo”, a primeira
entende que este fazer está ligado à ideia da descoberta dos conceitos
matemáticos que se dá por meio da associação, enquanto a segunda acredita
que o fazer ocorre por intermédio de exercícios de repetição mecanicamente
executados.
Na verdade, este depoimento da professora Verde demonstra que
há um conflito, em fase de resolução, entre desenvolver uma prática embasada
na concepção tradicional de ensino e trabalhar numa perspectiva de
construção dos conhecimentos matemáticos. Parece que a prática pedagógica
150
dessas interlocutoras se constitui numa mistura dessas concepções de ensino.
Leia-se o trecho a seguir.
[...] cada um tem uma maneira diferente de aprender. Então ou é com
material concreto, se você vê que ele não vai só com giz e quadro, aí
você parte para o concreto [...] vai muito da vontade da criança de
aprender. Tem aquelas crianças que têm facilidade com a
Matemática e tem aqueles que já têm dificuldades com a Matemática,
não gostam da Matemática e aí fica mais difícil ainda. (Professora
Verde)
Esta mescla também pode ser confirmada neste outro
depoimento: [...] nossa realidade é essa, a maior parte das aulas são
expositivas [...] eu utilizo bastante material concreto com eles [...], que assim
conclui: com esse material eu consigo melhorar a aula do que só ficar naquela
aula de giz e quadro, naquela aula expositiva (Professora Azul). Este
depoimento também explicita que o uso do material concreto tem, para esta
docente, a finalidade apenas de deixar a aula mais interessante e diferenciada.
Percebe-se que há fragilidade teórica quanto aos fundamentos epistemológicos
que subsidiam essa intervenção pedagógica.
A professora Anil considera que o ensino da Matemática deve se
dar da maneira mais simples que tem [...]. Quando indagada sobre o que vem a
ser essa simplicidade, respondeu:
É você chegar para ele e tentar fazer ele entender do modo mais simples possível, porque, às vezes, você chega ali e diz: – olha! Vocês têm que fazer essa conta aqui. (professora) – Ah, professora, mas a gente não sabe. (aluno) – Então vamos fazer desde o começo. (professora) Você começa, nem se for para você pegar desde o 1º ano e você vai
ensinando [...] tem criança que tem muito mais dificuldade do que a
outra [...] É você usando o material que você acha que é necessário
naquela hora, porque não adianta você querer vir com um monte de
coisa e às vezes ali você precisa disso aqui só para eles aprender, de
uma coisa bem simples.
De tudo o que foi exposto, não se pode desconsiderar, que
historicamente, o ensino da Matemática na perspectiva tradicional tem se
configurado presença marcante na educação brasileira. A partir destes
depoimentos é possível inferir que há permanências e transformações no
processo de construção do ideário pedagógico dessas educadoras. O que se
percebe é que existe um movimento de ação-reflexão-ação no ensino desta
151
área do conhecimento com vistas à construção de práticas pedagógicas que
considerem o processo de construção também do conhecimento matemático.
O que se deseja é que as professoras sejam preparadas para encorajar as
crianças a pensar ativa e autonomamente em todas as situações, rejeitando a
formação de sujeitos heterônomos e contribuindo para a construção da
autonomia e do desenvolvimento do pensamento crítico do aluno.
4.4 A atuação do Pedagogo no Ensino da Matemática nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental: Desafios e Problemas Enfrentados
Redimensionar os olhares sobre a formação do pedagogo e o
ensino de Matemática nos Anos Iniciais perpassa a problematização dos limites
e possibilidades que se desenham no contexto das práticas educativas. Com
tal propósito, o texto que ora se apresenta traz a análise dos depoimentos das
interlocutoras deste estudo, que busca apontar quais são os desafios e
problemas que o professor graduado em Pedagogia enfrenta para ensinar a
Matemática na 1ª e 2ª fases de II Ciclo do Ensino Fundamental, interesse
principal desta investigação.
Quando perguntadas sobre esse tema, as professoras evidenciam
a anuência de que suas atuações no ensino da Matemática são marcadas por
problemas e desafios, os quais residem em situações que envolvem a
formação do professor, a organização da escola por ciclos de formação
humana, a família do aluno e o aluno.
Quanto à formação do professor, as depoentes asseguram que
enfrentam limitações para ensinar os conteúdos matemáticos. Assim, afirmam:
[...] nós não temos a formação na faculdade – a formação específica da área
de Matemática. Eles não te dão base para você trabalhar nisso (Professora
Verde); Dificuldade a gente tem porque a formação da gente é um pouco
precária com relação à aplicação mesmo dos conteúdos, confirma a professora
Azul.
Compreende-se que isto se deve à existência de fragilidades na
formação do professor dos anos iniciais no que diz respeito aos conhecimentos
específicos da disciplina em pauta, conforme mostra Curi (2004):
152
É possível considerar que os futuros professores concluem cursos de
formação sem conhecimentos de conteúdos matemáticos com os
quais irão trabalhar tanto no que concerne a conceitos, quanto a
procedimentos, como também da própria linguagem matemática que
utilizarão em sua prática docente. (p. 76-77)
Essa problemática da formação resulta para os pedagogos em
desafios para o ensino da Matemática, como bem esclarece a exposição do
depoimento da professora Amarelo. Para esta a situação desafiadora reside no
[...] jeito matemático mesmo de ensinar. Às vezes a gente coloca
lá – “Você tira isso aqui, diminui, entendeu?” Aí você tem que saber
as formas direitinho, o que é “minuendo”, o que é “subtraendo” para
passar. Isso aí eu tenho ainda alguma dificuldade, tenho dificuldade
de passar os termos matemáticos, tinha mais ainda, mas conforme
você vai lendo vai superando. Tenho dificuldade com o conteúdo
mesmo, porque na época em que aprendi armava a continha e dizia:
“esse mais esse é tanto, aí não sabia porque que vai um número, se
é centena, se é dezena” [...] eu tinha dificuldade, eu não compreendia
o processo, já ia lá calculando mas não sabia porque que o número
subia – aquilo lá era uma dezena? Era uma centena? “Sobe um, vai
um”, era assim, pelo menos no meu caso.Então eu tenho dificuldade
de passar os termos matemáticos da maneira correta para o aluno
não ficar como eu fiquei. Passar de uma forma mais clara, porque às
vezes a gente aprende e fica com a gente, mas, eu digo assim, para
passar para o aluno aquele termo. A gente fica preocupado: Será que
isso aqui é a maneira certa que eu estou falando paro aluno? Será
que esse é o termo certo já para essa fase? Por exemplo: “Sucessor”,
“antecessor”, antes, lá nas primeiras fases é “vizinho”, qual que é
maneira certa? Essa aí que é a minha dúvida.Qual é a maneira certa
que eu tenho que ensinar para os meus alunos? “vizinho”, “sucessor
e “antecessor”? Porque tudo isso vai influenciar para eles também, os
termos matemáticos. Eu tenho dificuldade nisso, por exemplo, lá no
curso,na hora de ensinar os numerais, a gente vai do zero e vai até o
dez? Ou a gente começa do um e vai até o nove e depois explica
que o dez é dezena? Eu tenho essa preocupação em saber se você
está ensinando certo ou não, se a maneira como eu aprendi é certa.
Esta fala nos remete ao posicionamento de Shulman (apud
Montalvão e Mizukami, 2002) a respeito da importância dos conhecimentos das
disciplinas curriculares – conhecimento da matéria. Para o autor trata-se de
conhecimento imprescindível para a docência. Sem o domínio dos conteúdos
matemáticos, o professor se percebe impossibilitado de mediar os
conhecimentos matemáticos construídos historicamente e os conhecimentos
escolares.
153
Em outras palavras, para ensinar o professor necessita de
saberes da disciplina (Tardif, 2002), que, neste caso, compreendem os
princípios fundamentais da Matemática. É imperioso que o docente conheça os
conceitos matemáticos, a história da Matemática e quais os caminhos que
definem a organização dos princípios fundamentais desta área do
conhecimento. No entanto, nos programas de formação do pedagogo, como já
referido anteriormente neste estudo, a dimensão do conteúdo tem sido pouco
considerada.
De fato, o estudo de Gatti e Nunes (2008) mostra que os
conteúdos da educação básica, entre outros, a Matemática, são pouco
explorados nos cursos de Pedagogia. São apenas abordados de modo
superficial nas disciplinas de metodologia e práticas de ensino. Por
consequência, os cursos de Pedagogia não têm oferecido aos futuros docentes
os elementos necessários para se dar uma boa aula, e esses profissionais
saem da faculdade sem saber o quê e como ensinar Matemática nos Anos
Iniciais do Ensino Fundamental.
O resultado desta investigação comprova tal fato, pois mostra
que as instituições matogrossenses pesquisadas destinam pequena carga
horária, em média 4,5%45, do total do curso, à preparação do pedagogo para
atuar com a Matemática. É interessante dizer que a professora Amarelo, autora
do depoimento supracitado, concluiu o curso de Pedagogia em 2004 na
UFMT/CUR, instituição pesquisada no presente estudo, o que torna possível
visualizar a sua formação pelos dados coletados nesta pesquisa. Naquela
ocasião, a formação matemática era oferecida no terceiro ano do curso, junto à
formação para o ensino de Ciências, por meio da disciplina Matemática e
Ciências Naturais e suas Tecnologias: Conteúdo e Metodologia, com carga
horária de 128 horas, o que equivale a 4,46% do total das horas do curso.
Fator agravante é que essa exígua carga horária não era exclusiva para a
formação para o ensino da Matemática, sendo destinada também à formação
para o ensino de Ciências. Isto concorreu para que o tempo dedicado à
formação matemática desta professora fosse ainda menor.
45
Neste caso o curso de Pedagogia do UNIVAG se constitui exceção, porque dedica apenas
1,84% da carga horária total para a formação matemática do pedagogo.
154
Embora seja longo esse depoimento da professora Amarelo, ele
pode melhor explicitar a dimensão deste problema: a fragilidade teórica do
pedagogo quanto aos conteúdos matemáticos. Esta interlocutora afirma que o
desafio para ensinar os conteúdos matemáticos não decorre apenas da frágil
formação recebida na graduação; antes, tem origem em dificuldades que
nasceram na educação básica. Para Tardif (2002), os saberes do professor são
construídos, também, em sua trajetória pré-profissional, uma vez que este
passa muitos anos de sua vida na escola, ambiente do seu futuro trabalho.
É verdade que, infelizmente, os desafios para ensinar os
conteúdos matemáticos não procedem apenas de fragilidades na formação
desenvolvida nos cursos de Pedagogia. O professor ao longo da sua formação
é ensinado tanto por professores que atua nos Anos Iniciais quanto, e na
maioria dos anos, por docentes licenciados em Matemática. Daí poder-se
possível dizer que o professor dos Anos Iniciais não sabe ensinar aos seus
alunos conteúdos matemáticos de que ele deveria ter se apropriado ainda na
educação básica. Por outro lado, seria possível ao curso de Pedagogia, que já
tem a tarefa de formar um profissional para atuar em múltiplos espaços –
escolares e não escolares –, dar conta de proporcionar ao discente
conhecimentos de conteúdos matemáticos que deveriam ter sido adquiridos na
Educação básica?
Este depoimento permite inferir que o problema do fracasso
escolar nos Anos Iniciais relacionado ao ensino-aprendizagem da Matemática
deve ser preocupação não só dos cursos de Pedagogia, mas também das
licenciaturas nessa área do conhecimento.
Ora, não se pode desconsiderar a complexidade que envolve a
formação de um professor. Há, sim, que se ponderar que as experiências
passadas influenciam as concepções sobre a educação, a escola, o ensino, a
aprendizagem, os alunos etc., refletindo diretamente na prática docente. Nóvoa
(2000, p.16) é incisivo ao dizer que “[...] o sucesso ou insucesso de certas
experiências „marcam‟ a nossa postura pedagógica, fazendo-nos sentir bem ou
mal com esta ou com aquela maneira de trabalhar na sala de aula.” As
dificuldades com a aprendizagem da Matemática ao longo da escolarização
podem, com efeito, produzir marcas nos estudantes. Neste sentido é
importante que o curso de Pedagogia proporcione situações didáticas que
155
contribuam para o processo de superação da visão negativa que muitos
discentes têm da Matemática.
A esse respeito, a professora Violeta diz que por muitos anos teve
resistência em assumir as aulas de Matemática. Para ela, vencer a própria
resistência contra a disciplina, aprendendo a gostar dela , é um dos desafios
que muitos pedagogos devem enfrentar, a fim de não imprimir uma visão
negativa desta área do conhecimento a seus alunos, pois
[...] a Matemática, você tem que passar a gostar porque se você não gostar dela você vai achar toda dificuldade do mundo [...] eu percebi que não tem como eu trabalhar com os meus alunos sem quebrar esse gelo que tinha entre mim e a Matemática para que meus alunos, futuramente, não tenham essa resistência que eu tive.
A fala da docente expressa que foi na prática, na relação
professor-aluno, que ela despertou e se percebeu responsável por aceitar ou
não, que sua profissão docente prosseguisse marcada por uma visão negativa
da disciplina. Para ela, uma postura negativa em nada contribui para minimizar
as dificuldades enfrentadas no seu ensino, ao contrário, piora a situação.
Percebe-se nas palavras desta professora um despertar crítico ao
confrontar-se com sua própria realidade concreta, pois “quando aprendemos
por que vemos o que vemos, nós estamos pensando sobre o pensar,
analisando as forças que moldam nossa consciência, colocando o que nós
percebemos num contexto significativo” (KINCHELOE, 1997, p.192).
De acordo com o depoimento da professora Violeta é necessário
aprender a gostar da Matemática e este processo de aprender a gostar implica
romper e superar a resistência, no dizer da depoente, na decisão de quebrar o
gelo. É possível perceber em sua fala que esta ação é pautada na busca de
estreitamento com a Matemática e tem origem no comprometimento político da
docente. Para ela, tal compromisso conduz à tomada de decisão de ir para o
enfrentamento das dificuldades a fim de construir uma identidade docente bem
relacionada com o ensino desta área do conhecimento.
Neste sentido, Veiga (2009) defende que pensar a formação do
professor exige compreender que a preparação para o magistério deve ser
entendida como uma tarefa complexa e inerentemente política. É fundamental
que o docente, sabendo o valor que tem para a modificação da realidade, em
156
seu processo formativo considere como princípio basilar a politicidade que
envolve o seu trabalho. Em Freire (1999, p. 110), vê-se também
Minha presença de professor, que não pode passar despercebida dos alunos na classe e na escola, é uma presença em si política. Enquanto presença não posso ser uma omissão, mas um sujeito de opções. Devo revelar aos alunos a minha capacidade de analisar, de comparar, de avaliar, de decidir, de optar, de romper. (p.110)
Ainda na mesma direção, Paro (2008) considera que o docente
precisa ter consciência política de sua função e de seu papel no processo
ensino-aprendizagem. Ele tem a função de propiciar condições para que seus
alunos se façam sujeitos de sua aprendizagem. Para isso o professor deve ter
compromisso com o trabalho que realiza, ele precisa querer ensinar para
conseguir fazê-lo.
Para Contreras (2002), comprometer-se com o desenvolvimento
pessoal dos estudantes e buscar o progresso de suas aprendizagens é
obrigação moral do professor, no sentido de que
O professor ou a professora tem que inevitavelmente se defrontar com sua própria decisão sobre a prática que realiza, porque ao ser ele ou ela quem pessoalmente se projeta em sua relação com os alunos e alunas, tratando de gerar uma influência, deve decidir ou assumir o grau de identificação ou de compromisso com as práticas educativas que desenvolve, seus níveis de transformação da realidade que enfrenta, etc. Essa consciência moral sobre seu trabalho traz emparelhada a autonomia como valor profissional. (CONTRERAS, 2002 p.78)
Falando, ainda, sobre o relacionamento do docente com os
conteúdos matemáticos, outros professores evidenciam que se trata de tarefa
complexa para o educador a busca pela apropriação do conhecimento dos
conteúdos que ele necessita ensinar. A professora Azul confirma que o desafio
[...] Na Matemática [...] é ter que buscar, aprender coisas que você não tem na
sua bagagem de formação [...] a gente tem dificuldade com o conteúdo, com
aquele conteúdo específico [...]. Esse movimento de busca constitui-se de
batalhas que são travadas no campo cognitivo, pois exige atitude de estudo
dos conteúdos matemáticos dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental que o
docente precisa trabalhar. Não se trata de estudar, simplesmente, o conteúdo
pelo conteúdo, mas conjuntamente exige a competência de reflexão sobre a
157
prática de ensino do mesmo no sentido de aprimoramento de sua formação
matemática.
Portanto, é necessário ao professor que ele tenha o conhecimento
científico da disciplina que irá ensinar para transformá-lo em conhecimento
pedagógico. Todavia, não se pode ignorar que, para muitos docentes, isto se
torna um processo longo e difícil porque a luta se dá também no campo
emocional, o que implica em ação perpassada pelo esforço de aquisição
técnica dos conhecimentos específicos desta área do conhecimento, visto que
exige, sobretudo, que o professor enfrente os sentimentos de fracasso
procedentes das situações de insucesso sofridas ao longo da formação.
Outro desafio apontado pelas depoentes é o problema do deficit
de aprendizagem dos alunos. Suas falas evidenciam que muitas das crianças
chegam ao II Ciclo sem, contudo, apresentar os saberes que deveriam ter sido
apropriados no I Ciclo. São defasagens de aprendizagem, sobretudo, na área
da Matemática e Português. Para as interlocutoras, isso traz implicações que
embaraçam o processo ensino-aprendizagem da Matemática, visto que
necessitam cumprir a tarefa de ensinar os conteúdos matemáticos propostos
para a fase do II Ciclo em que atuam, tendo ainda que buscar meios para sanar
as defasagens de aprendizagem observadas em cada aluno, que, segundo as
depoentes, não são poucas.
A esse respeito, quando inquiridas sobre quais os desafios que
enfrentam para ensinar a Matemática na 1ª e 2ª fases do II Ciclo, respondem,
por exemplo:
Eu acredito que são as habilidades que eles deveriam que ter
desenvolvido lá no início e não foi desenvolvido, porque tem uma
sequência, você tem uma sequência, e quando você chega, por
exemplo, numa 2ª fase do II Ciclo que o aluno tem que ter já um
mínimo de conhecimento prévio e ele não tem esses conhecimentos,
para você conseguir trabalhar todos esses conhecimentos mais
aquilo que você tem que trabalhar que é do seu currículo aí você não
consegue. [...] Tem aluno que não conhece unidade de milhar. Eu
tenho aluno aqui que não conhece centenas [...]. (Professora Verde)
O depoimento da professora Rosa vem ratificar essa visão.
Eu considero o meu maior desafio – a falta de conhecimento, [...] dos
conhecimentos prévios, que eles deveriam ter e eles não têm. Eles
158
não construíram os conhecimentos básicos que eles deveriam ter
para estar na fase que eles estão. Eles não sabem. É muito sério
porque eles não conhecem. [...]. De 15 alunos 2 ou 3 se apropriaram
dos conhecimentos da Matemática no I Ciclo.[...] eles foram passando
de uma fase para outra sem que existisse uma cobrança séria em
relação ao assunto, porque os meus alunos desse ano, eles não
sabem somar, eles não sabem multiplicar, eles não sabem dividir,
eles não sabem subtração, se tiver 500 - 479 eles não sabem porque
tem o zero. Eles dizem: – Como que eu vou tirar 9 de zero. É zero,
eles falam. Então, os meus alunos não sabem Matemática, essa é a
minha dificuldade. (Professora Rosa)
Num trecho da entrevista a professora Azul realça:
[...] nos últimos anos eu tenho trabalhado com a 1ª e 2ª fase do II
Ciclo e eu percebi que eles vêm com pouco conteúdo, com pouco
embasamento. [...] a realidade dos alunos é basicamente a mesma:
eles vêm mesmo sem conteúdo e com muita dificuldade [...] Então eu
percebo que o professor destas primeiras fases trabalha mais a
alfabetização, a preocupação deles é com a linguagem, mesmo e vai
deixando um pouco a Matemática [...]. (Professora Azul)
Embora nesse depoimento a professora Azul exponha que, a seu
ver, no I Ciclo se dá prioridade ao ensino da linguagem em detrimento da
Matemática, a professora Rosa e a professora Verde salientam que alunos
chegam ao II Ciclo apresentando defasagens relacionadas à leitura e escrita, o
que, segundo as educadoras, incide fortemente nas aprendizagens da
Matemática, agravando o quadro, porque
[...] a Matemática também envolve a linguagem e [...] eles não interpretam porque não sabem ler e não conseguem interpretar [...] a Matemática não é só aquela coisa básica, é um questão de interpretação, também [...]. Então eu diria que a falta de conhecimentos prévios, a leitura muito precária, [...] eu diria, nossa! É muito sério, é muito grave. (Professora Rosa) A Matemática, você, além de saber ler você tem que saber
interpretar, você tem que ter o raciocínio em cima daquilo que você lê
e aí, para o aluno que não lê fica difícil. Eles chegam na 2ª fase do II
Ciclo e não leem; tem aluno analfabeto, tem aluno silábico, então aí
que está o problema. [...] Então a maior dificuldade é isso: É a
defasagem mesmo de aprendizagem. É ele não ter o conhecimento –
as habilidades que deviam ter sido formadas. [...] É falta dos
conhecimentos, das habilidades que eles deveriam ter aprendido.
(Professora Verde)
159
Para as entrevistadas, o problema do deficit de aprendizagem se
explica porque os estudantes estão inseridos num sistema de ensino
organizado por Ciclos de Formação Humana, como é o caso da Rede de
Ensino locus deste estudo, em que aluno não é reprovado e tem garantia de
promoção automática para a próxima fase. Este modelo que se contrapõe a
uma cultura escolar de reprovação e classificação, resulta, segundo as
depoentes, em turmas com agrupamento de alunos com maior disparidade
quanto aos níveis de aprendizagem.
É bem verdade que a possibilidade de se manter a continuidade
do processo de aprendizagem, sem interrupções, como propõe a política de
ciclos, nem sempre é garantida. Contudo, na fala das entrevistadas, parece
que o desafio que o docente encontra para ensinar a Matemática reside
somente na criança, que, segundo elas, traz defasagens de conteúdos, não só
da Matemática, mas também da Língua Portuguesa, que deveriam ter sido
apropriados no I Ciclo; mas, neste contexto, onde fica o projeto da escola? E o
programa para esta área do conhecimento? E o planejamento do professor?
Tomando como base o estudo de Mainardes (2009) é possível
considerar que se trata de problema de natureza pedagógica que envolve
questões relacionadas ao currículo, à avaliação, às metodologias, à formação
permanente de professores. No caso desta pesquisa, é preciso que a equipe
diretiva da escola, em conjunto com os professores, busque definir os
conhecimentos matemáticos a serem privilegiados em cada ciclo
estabelecendo a articulação entre currículo, avaliação, orientações
metodológicas e formação permanente dos professores.
O que se propõe é que os processos de planejamento da escola e
dos professores sejam vivenciados, reinterpretados e reconstruídos para que a
diversidade de níveis de aprendizagem dos estudantes seja respondida com a
diversificação da pedagogia. As orientações metodológicas para o ensino da
Matemática devem ser repensadas e discutidas no ambiente escolar a fim de
que o trabalho pedagógico se dê em conformidade com o que demanda este
modelo de escolarização. Neste contexto, o processo ensino-aprendizagem
desta área do conhecimento requer, necessariamente, que o professor tenha
clareza a respeito de exigências fundamentais, tais como:
160
[...] o trabalho pedagógico com classes bastante heterogêneas [...]; o planejamento de atividades diversificadas; as possibilidades de sistematização do ensino e do planejamento de intervenções necessárias para a classe como um todo, para grupos específicos e para alunos individualmente. (MAINARDES, 2009, p.80)
Por outro lado, por mais que se compreenda a importância do
papel do professor na melhoria da qualidade do ensino da Matemática, não se
pode ignorar que a organização da escola em ciclos é “algo complexo e
desafiador, pois pressupõe uma mudança na lógica na organização escolar
como um todo” (MAINARDES, 2009, p. 72), e sua concretização qualitativa
constitui um “processo longo e não ocorre de forma isolada ou separada das
mudanças econômicas, sociais, históricas e políticas” (Idem, p.71).
Ainda a esse respeito, a professora Amarelo esclarece que o
desafio que enfrenta para ensinar a Matemática está ligado à escola
organizada por Ciclos de Formação Humana:
Um dos desafios é próprio sistema de ensino hoje, porque, às vezes, a criança chega lá na 2ª fase do II Ciclo com bastante dificuldade para gente estar ensinando a Matemática para esta fase, então, você tem que estar procurando um meio para estar ensinando aquelas crianças que apresentam mais dificuldades e também aquelas outras que já estão no nível certo para fases que eles estão. Então você tem que estar trabalhando de forma diferente com aquela criança que veio lá das outras fases já com dificuldade desde a 1º, 2º, 3º ano até chegar là na 2ª fase do II Ciclo e também os outros que estão acompanhando, a gente tem também que trabalhar o conteúdo.
A implantação dessa organização escolar incide diretamente
sobre o trabalho do professor, sugerindo novas práticas, novos conhecimentos
e a reflexão acerca da prática pedagógica. Porém, Mainardes (2009) aponta
que uma das possíveis desvantagens da escola organizada em ciclos é a não
garantia das aprendizagens, visto que, em muitos casos, os diferentes níveis e
necessidades de aprendizagem não são atendidos, o que resulta em classes
heterogêneas.
Diante disso, pelo o exposto no depoimento acima entende-se
que a professora tem dificuldade de transpor os obstáculos para deixar o
trabalho homogêneo que está concebido na escola seriada; mas a escola não
pode deixar de considerar as diferenças individuais, pois ela recebe alunos em
diferentes níveis de aprendizagem.
161
Neste sentido, Nóvoa (2009) defende que a escola que poderá
contribuir para a melhoria da qualidade da educação é aquela que seja mais
orientada para as aprendizagens. Que, em vez da homogeneização
característica da escola do século XX, seja aberta à diferença, ao diálogo e à
comunicação, de maneira que a organização do trabalho educativo considere a
“aplicação de uma pedagogia diferenciada em função das necessidades de
cada aluno” (p.87).
Para o autor, “[...] não há cidadania se os alunos não aprenderem
[...]” (Idem, p. 68). Assim considerando, insiste que a escola que promove a
cidadania dos educandos é aquela que, entre outras dimensões, trabalha a
favor de mais aprendizagem. Decisivamente, nesta empreitada, o docente se
constitui elemento insubstituível, na promoção das aprendizagens e na
construção dos processos de inclusão. Isso implica em novas demandas para o
trabalho do professor indicando que ser professor hoje é tarefa mais complexa
do que no passado.
A partir das declarações supracitadas da professora Amarelo,
acredita-se que é possível sugerir que essa nova organização da escola e,
neste bojo, a heterogeneidade nos níveis de aprendizagem dos alunos,
demanda uma preocupação em torno da avaliação e da estratégia de ensino a
ser adotada, já que a avaliação deve permitir repensar o currículo da escola e
as metodologias utilizadas.
Avaliar, neste modelo, não é tarefa simples para o professor visto
que exige que dê novos sentidos à sua prática avaliativa, o que inclui romper
com certa forma de avaliação já firmada na prática educativa, caracterizada
como excludente, classificatória, quantitativa e repressora da criatividade e que
responsabilizava exclusivamente o aluno pelo fracasso escolar.
Numa proposta de avaliação que se opõe a essa tradicional,
[...] avaliação deve ser praticada para que se possa conhecer o que
os alunos aprenderam e o que lhes falta para aprender e para
recuperar, contribuindo assim, para o desenvolvimento de sua
aprendizagem. Isso significa diagnosticar as causas das deficiências
ou dificuldades apresentadas pelos alunos no processo de ensino e
aprendizagem e procurar saná-las. (VEIGA, 2009, p.69)
162
Atender necessidades de aprendizagens das crianças, por sua
vez, significa considerar as diferenças individuais e as mais variadas maneiras
que elas têm de aprender. É plausível a afirmação de que para ensinar a
Matemática, o professor deve se preocupar com a forma com que cada aluno
se apropria do conhecimento matemático. Isso requer que ele recorra a
conhecimentos diversos, entre eles, como aponta Shulman (1986, 1987 apud
Montalvão e Mizukami, 2002), o conhecimento do aluno, isto é, conhecer suas
características individuais, seus processos/estilos de aprendizagem
específicos, ritmos, interesses e história de vida.
Ademais, para o educador traçar estratégias de ensino que
possam contribuir para a melhoria da qualidade da aprendizagem de seus
alunos é preciso que ele inclua neste processo avaliativo sua prática de ensino,
fazendo uma auto-avaliação, pois o caráter fundamental da avaliação46
consiste em ajudar o aluno a aprender e o professor a ensinar.
Ainda quanto ao modo de organização da escola em ciclos de
formação, o depoimento da professora Anil é incisivo e revela insatisfação com
o sistema implantado, apontando-o como o maior desafio a ser enfrentado pelo
professor no que diz respeito às defasagens de aprendizagem dos alunos.
Esse negócio de não ter... Ah não sabe, vai embora, vão passando os alunos para frente, às vezes, sem saber ler, sem saber escrever. Tem menino que não sabe ler e nem escrever e já está no 4º ano, na 2ª fase do II ciclo. Então a culpa não é nossa. O desafio maior é a gente ter que enfrentar essa maneira como a escola está organizada, porque antigamente você não sabia, você não passava, repetia de ano. Hoje não, o aluno mesmo diz: Aquele menino não sabe nada e passou, porque é que eu tenho que estudar, se eu não estudar também eu vou passar. [...] Então eu acho que a escola que vai passando, mesmo os pais, eles não acham certo, eles acham que tem que reter a criança [...] porque antigamente a gente tinha vergonha de repetir de ano. Hoje, vai embora.
Em seu discurso a professora Anil demonstra um espírito
saudosista quanto ao antigo regime seriado e uma forte preocupação com o
aspecto de não se reprovar o aluno. Ela reclama que muitos discentes não se
interessam em estudar pelo fato de não haver mais a reprovação. Neste
46
VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Avaliação: Concepção dialético-libertadora do processo de avaliação escolar. 3ª ed. São Paulo: Libertad, 1993. LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar: Estudos e proposições. São Paulo: Cortez, 1995.
163
sentido, acredita que o problema do fracasso escolar da Matemática se prende
à nova organização escolar e diz que a culpa não é do professor. Do modo
como a professora se manifestou, parece permanecer a ideia da transferência
de responsabilidade pelas não aprendizagens do aluno. Na escola seriada o
aluno sempre era o responsável pela reprovação, e muito pouco se
questionava a omissão da escola e o desempenho do professor.
Quando a depoente afirma que os pais preferem a reprovação em
vez da progressão sem aprendizagem, está, por um lado, admitindo que os
pais desejam que a criança se aproprie do conhecimento e, por outro lado, está
mostrando a tradição da escola de isentar-se frente à reprovação. Ora, o fato é
que a escola conseguia a concordância daqueles pais que não exigiam da
mesma o cumprimento de sua função primordial, que é o ensino.
Fica claro que ela ainda não conseguiu se desprender da ideia de
avaliação classificatória que serve como instrumento de poder, de punição, de
controle do estudante. No entanto, é necessário que a avaliação seja inclusiva
e democrática, de caráter emancipatório, diagnóstico e processual, que tenha
por finalidade acompanhar o movimento das aprendizagens do aluno. Sobre a
retenção dos alunos, Mainardes (2009) explicita que pesquisas têm mostrado o
quanto a reprovação nos anos iniciais é prejudicial para a auto-estima da
criança e não coopera para as aprendizagens no ano seguinte. Segundo o
autor, “uma reprovação nessa fase é desestimulante, pode levar a criança a
não acreditar em suas possibilidades de aprendizagem ou a abandonar a
escola” (p. 67). No mesmo sentido, para Carvalho (2005), “a maior
perversidade na educação são as marcas produzidas pelo insucesso escolar”
(p.178).
Aqui é imprescindível frisar que, embora a escola organizada em
ciclos se denomine não excludente, muitos de seus alunos sofrem exclusão.
Esta escola acolhe, mas não consegue ensinar e, portanto, exclui pela não
garantia das aprendizagens dos alunos.
O problema é que existe um fosso entre a proposta do ciclo e sua
real efetivação. O ciclo, na realidade, tem se constituído numa junção de fases
com mentalidade de escola seriada. Embora a escola esteja organizada em
ciclos, a concepção dos professores continua sendo a da escola seriada.
Assim, a cultura da reprovação, como se pode verificar, é elemento fortemente
164
presente no conteúdo das falas das depoentes, o que permite deduzir que o
problema não está na organização da escola por Ciclos de Formação Humana,
embora esta tenha suas dificuldades e limitações. Está nas concepções de
escola das professoras. Permanece no imaginário destas professoras alguns
referenciais cristalizados como, por exemplo, “o ciclo é uma modalidade que
não reprova”; “no ciclo o aluno não precisa mais estudar”.
De acordo com a Proposta Curricular de Matemática – SEE-
SP/1988, a flexibilidade para o desenvolvimento dos programas dentro do Ciclo
proporciona ao professor a possibilidade de tratar os temas da Matemática com
mais autonomia, respeitando ritmos individuais e processos de maturação.
Desse modo, uma mesma noção deverá ser retomada em diferentes ocasiões,
que sejam convenientes, de modo a permitir sua elaboração e reelaboração
por parte do estudante, desde um primeiro contato, onde ele capta
intuitivamente as ideias básicas e as aplica em situações-problema, até a fase
em que é utilizado o pensamento lógico-dedutivo, permitindo uma progressiva
formalização e sistematização do conceito enfocado.
Pode-se inferir, com base nos discursos das educadoras que a
dificuldade está em que o professor não consegue ensinar esses alunos, por
razões que vêm sendo explicitadas neste estudo, quais sejam: fragilidade na
formação matemática do professor, contraída ao longo da sua vida enquanto
aluno da educação básica; na graduação, o fato de o curso de Pedagogia não
oferecer conhecimentos dos conteúdos matemáticos que o professor irá
ensinar, dando prioridade aos aspectos metodológicos do ensino desta área do
conhecimento, além de destinar uma carga horária insuficiente para esta
preparação.
É bem verdade que o ciclo possibilita a falta de compromisso
tanto do professor como do aluno em relação às aprendizagens, estimulando
uma cultura de transferência de responsabilidade. Trata-se, na verdade, de um
problema político: o trabalho do professor é inerentemente político e deve ser
permeado pelo compromisso com a aprendizagem dos alunos.
Todavia, é importante não centrar a culpa só no professor, pois na
escola organizada em ciclos a responsabilidade pelo ensino é do coletivo da
escola. A política de ciclos orienta para a superação de ações individuais e
sugere um trabalho mais articulado que envolva o coordenador pedagógico, o
165
professor, o coordenador de ciclos nas ações de planejamento e avaliação,
com vistas a dar um sentido comum ao projeto educativo da escola. Mainardes
(2009) realça que
[...] é preciso reconhecer que os ciclos trazem implicações não apenas para os professores, gestores escolares, pedagogos e demais profissionais que atuam na escola. A implantação de ciclos traz implicações sérias para os gestores do sistema educacional (equipes das secretarias de educação), para a sociedade civil (conselhos de educação, por exemplo, que poderiam avaliar, propor e mobilizar ações), bem como para a comunidade acadêmica. (p.94)
É preciso criar alternativas que possibilitem aos professores dos
anos iniciais refletirem sobre sua práxis, em que as dificuldades e os êxitos no
ensino da Matemática possam ser compartilhados tendo em vista o sucesso da
aprendizagem dos estudantes.
Neste sentido, a formação contínua na escola, como espaço de
construção do conhecimento, constitui-se instrumento importante. Ela deve
obedecer à lógica da constituição do projeto educativo, na qual a formação
docente se articula com o projeto de gestão que toma como ponto de partida
do processo de formação a própria experiência dos professores, na perspectiva
de refletir sobre a prática, buscando produzir novos conhecimentos a partir da
interação recíproca no contexto escola.
Cabe a gestão da escola, por conseguinte, criar um ambiente
agradável que favoreça e estimule os membros que compõem o coletivo da
unidade de ensino a se envolverem no diálogo e no processo de construção do
conhecimento. Como destaca Freire (1996), “na formação permanente dos
professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É
pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a
próxima prática” (p.43,44).
Apesar disso, o que até aqui foi apresentado, tomando como
referência a fala das depoentes, revela que não há uma política de formação
centrada na escola como um todo, que possibilite aos professores pensar,
refletir sobre a sua prática pedagógica, visando a uma docência de melhor
qualidade tal como expressa Rios (2001). Isso contribui significativamente para
que essas professoras não tenham conseguido dar o salto necessário para a
compreensão dos elementos basilares da escola em ciclos. É necessária uma
166
melhor gestão deste espaço de modo que o mesmo seja realmente utilizado
para o estudo dos problemas surgidos no contexto escolar.
Parece que neste novo modo de organizar o espaço educativo, o
processo mesmo de formação docente, a problematização do ensino e da
prática para que novas formas de intervenções educativas sejam construídas
pelo coletivo de professores tem se dado, não antes da mudança, mas durante.
Assim, as interlocutoras deste estudo ensinam a Matemática inseridas neste
contexto, participando deste esforço coletivo de inovação e de busca dos
melhores percursos para a transformação da escola.
Diante do exposto, verifica-se que é de fundamental importância
que os cursos de Pedagogia no estado de Mato Grosso organizem a formação
do professor de modo a fornecer conhecimentos acerca dos fundamentos,
características e implicações da escola organizada em ciclos, visto que a rede
estadual de ensino deste estado e as redes municipais estão organizadas
dessa forma.
Outro desafio, ainda, que o pedagogo enfrenta para ensinar a
Matemática tem como cerne o aluno. As professoras depoentes apontam que
falta o interesse do aluno em participar da aula, há ausência de desejo em
aprender os conteúdos matemáticos e falta gosto pela Matemática. Para as
depoentes, isso traz implicações para o processo ensino-aprendizagem.
Segundo a professora Verde [...] o grande desafio mesmo é fazer com que o
aluno se interesse e preste atenção para aprender [...], e a professora
Vermelho considera que a criança que não pergunta é um desafio [...] o meu
desafio é fazer com que ela participe [...]. Neste sentido o depoimento da
professora Anil é elucidativo:
[...] o desafio mesmo é a falta de interesse do aluno. [...] às vezes,
você está explicando uma coisa e o menino está brincando com
pulseira, está brincando com lápis, está desenhando, então tem hora
que a gente pára de chamar a atenção, pára de ficar pegando no pé,
porque pede: – Faz, faz... e acaba não dando resultado. Ou, às
vezes, a gente fala para a gente mesmo: Onde é que eu estou
errando? Será que sou eu que estou deixando de fazer alguma
coisa? Mas aí quando a gente se encontra na sala de professores, a
pergunta de todo mundo é a mesma coisa. Então, não somos nós,
também a culpa é dos alunos que não estão interessados.
167
Quanto à problemática, a professora Amarelo e a professora
Violeta concordam que é tarefa complexa estimular o aluno a desenvolver o
gosto pelo estudo da Matemática. A primeira assegura que O desafio é fazer a
criança gostar mesmo da Matemática. A outra esclarece:
O desafio que eu encontro é quando o aluno demonstra resistência,
quando ele fala que não gosta de Matemática. Quando ele não gosta
já dificulta muito ele aprender [...] então o desafio é mostrar para eles
que a Matemática pode ser uma coisa prazerosa, e é uma coisa do
dia-a-dia deles [...] É o aluno gostar da Matemática. (Professora
Violeta)
Nesta teia, o desafio de ensinar esta área do conhecimento está
em encontrar a melhor forma de ensino que seja capaz de estimular o interesse
e o gosto do discente pela mesma a fim de promover aprendizagem
significativa. Nesta visão, pondera Carvalho (2005):
É óbvio que para o aluno poder construir conhecimento é preciso
querer aprender. Porém, na sala de aula, o desejo para conhecer
depende da forma como o professor apresenta o conteúdo para ser
apropriado, da forma como trabalha com o conhecimento, com a
organização da coletividade, inter-relaciona-se e seduz o aluno para a
aprendizagem. (p.177)
É, pois, no próprio cotidiano da sala de aula, no processo de
ensino, que a mediação pedagógica tem o papel principal de potencializar o
desejo dos alunos para a aprendizagem. Aliado a este desafio de despertar o
gosto e o interesse do estudante em aprender a Matemática, as falas das
professoras também mostram o desafio de [...] ensinar a Matemática de
maneira que a criança aprenda” (Professora Amarelo); fazer a criança adquirir
o conhecimento [...] desenvolver o raciocínio da criança para ela aprender a
Matemática, para ela saber como se constrói a Matemática e aonde ela a utiliza
(Professora Vermelho).
Os depoimentos supracitados apontam para a importância da
metodologia para o processo de construção das aprendizagens matemáticas.
Neste sentido, segundo Carvalho (2005, para que o docente possa
implementar uma transformação metodológica que desperte o interesse do
aluno, ele precisa dominar o processo e o produto de seu trabalho.
168
Se a forma como o educador apresenta o conteúdo para ser
apropriado pelo aluno e a maneira como trabalha com o conhecimento
influenciam no desejo do aluno para aprender, então é interessante que esse
profissional compreenda que ensinar extravasa o conceito de transferir
conhecimentos, como salienta o educador Paulo Freire (1999). Para ele o
educador precisa “saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar
as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção” (grifo do
autor; p. 52)
Nesta perspectiva, o ato educativo deve romper com aquele
ensino da Matemática pautado na transmissão de conteúdos, cuja
aprendizagem acontece por cansativos treinamentos, gerando a retenção de
informações em que o professor tem o papel ímpar de detentor e transmissor
do conhecimento e o aluno, por sua vez, é tratado como sujeito passivo,
receptor e reprodutor de informações. Freire (1999) esclarece que o educador
deve ser “aberto a indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos, a suas
inibições; um ser crítico e inquiridor, inquieto em face à tarefa que tem –“a de
ensinar e não a de transferir conhecimento” (grifo do autor; p.52).
Portanto, considera-se que, no exercício da docência, cabe ao
professor empenhar esforços no sentido de ressignificar sua prática,
modificando, assim, seu modo de ver e conceber o processo ensino-
aprendizagem da Matemática. Isso certamente exige dele a expansão do seu
entendimento de escola, sociedade e homem, e, em decorrência disto, acerca
da docência. Isto posto, trata-se, sobretudo, de compreender que a escola não
pode se limitar à função de ensinar, de treinar o aluno no desempenho das
tarefas, pois estão postas outras exigências pelo mundo contemporâneo, que
trazem consequências para o ato educativo.
Por fim, não menos importante – ao contrário! – a relação família-
escola, especificamente, a presença ou não dos pais na vida escolar de
seus filhos é apontada por unanimidade entre os sujeitos da pesquisa como
elemento essencial para o sucesso/insucesso nas aprendizagens da
Matemática. Para essas docentes, a apropriação do conhecimento matemático
envolve professor-aluno-conteúdo-família. Neste sentido, consideram um
desafio muito grande conseguir envolver a família na vida escolar da criança.
Seus depoimentos a respeito do assunto são contundentes e assinalam que há
169
falta de apoio dos familiares dos alunos no que se refere às aprendizagens da
Matemática.
Para a professora Verde, a maioria das famílias não está
preocupada com a aprendizagem das crianças. Ainda que atribua parte desta
situação ao desajuste familiar, ela dá maior destaque à falta de interesse dos
pais na vida escolar de seus filhos. Assim sendo, relata minuciosamente que o
desafio para ensinar a matemática
É a falta de apoio dos pais, eles não te dão apoio em casa e se você cobra demais, o que acontece? [...] Esse ano, comecei cobrar, cobrar, cobrar de uma aluna. O que aconteceu? [...] A mãe foi na escola e a tirou [...] em vez de falar assim: – não, a professora está cobrando para fazer com que melhore [...] é o apoio do pai, o apoio de vir para a escola, de vir ver a dificuldade do filho, de estar ajudando, de estar pondo o filho para fazer a tarefa [...] do mesmo jeito que eles levam a tarefa para casa eles voltam, e se você resolve saber, e fazer com que ele faça na sala de aula de uma maneira diferenciada, os pais ficam bravos, vêm para a escola.
Essa ocorrência é, de maneira sucinta, confirmada pelas
professoras Violeta, Lilás e Amarelo. Para a primeira, o desafio que o
pedagogo enfrenta para ensinar a Matemática é a família participar. A segunda
entrevistada afirma: Acho que falta apoio e acompanhamento dos pais, a
última, seguindo o mesmo entendimento, elege como desafio a questão
familiar, porque, às vezes, você passa atividade para casa porque a criança
tem que estar exercitando também, aí a criança, às vezes, não faz. O
depoimento da professora Anil ajuda a explicar no que consiste esta condição
desafiadora:
O maior desafio que a gente encontra, mesmo, é a relação escola-família. [...] você não tem muito a ajuda da família. O desafio maior da gente é a meninada não fazer tarefa de casa. [...] tem muita mãe que trabalha fora o dia inteiro, [...] tem mãe que mora sozinha com a filha ou com o filho, tem mãe que não está aí, está a avó ou a bisavó, e aí eles falam: – Antigamente a Matemática era mais fácil, e não estimula tanto e não pega no pé da criança para poder fazer a tarefa, ou às vezes, pergunta se tem tarefa e eles [os alunos] falam que não. Então elas não têm como olhar no caderno para ver se tem tarefa [...]
A professora Azul e a professora Rosa acrescentam que a
ausência dos pais no acompanhamento da vida escolar dos filhos agrava a
situação dos que já vêm apresentando deficit de aprendizagem e assinalam
170
que os pais deixam de enviar os filhos para as aulas de apoio pedagógico47. A
primeira detalha que
[...] A dificuldade maior que vejo na minha prática é essa questão do aluno não estar ali para aprender, de ele não vir [...] criança que falta muito, que não vem no apoio, não vem para a aula, não tem interesse da família, não tem suporte para fazer a tarefa em casa, pesquisa, nada! É essa dificuldade que gente encontra mais para ensinar.
A fala da professora Rosa corrobora com esse entendimento
apontando como desafio
[...] a ausência dos pais em relação ao acompanhamento da vida escolar do aluno. Eles não acompanham. Você tem um aluno que já vem de fases anteriores que não aprendeu porque não conseguiu construir aquele conhecimento necessário para a fase na qual está inserido [...]. Você convida os alunos para apoio, eles não vêm para o apoio, então, o retorno dos pais é pouquíssimo, não tem retorno! (Professora Rosa)
Esses depoimentos deixam claro que, para as interlocutoras, a
relação família-escola é considerada fator fundamental para o sucesso da
criança na apropriação do conhecimento matemático. Na visão das depoentes,
portanto, a família se configura como espaço decisivo de apoio às
aprendizagens do aluno. No entanto, Kosik (1976) alerta que, aquilo que se
mostra na aparência não é a realidade concreta do problema. Segundo este
autor, para se ter um conhecimento real da “coisa em si” é preciso romper com
o mundo das aparências. Torna-se necessário fazer um detour, o que significa
a recusa, da obviedade que impede a clareza da representação da coisa.
O que se percebe nesses discursos é a ausência da
compreensão de escola, da sala de aula e do papel do professor no processo
de ensino-aprendizagem. Para realizar o movimento de desvelamento da
concreticidade desta situação com vistas a contribuir para a formação
pedagogo no que se refere ao ensino da Matemática, este estudo, sem
desconsiderar a responsabilidade da família na construção da identidade da
criança, entende que a escola é, por excelência, espaço nuclear para ensinar,
aprender e construir; no caso desta pesquisa, é lugar singular em que a criança
47
Na escola organizada em Ciclos de Formação Humana é fundamental que a criança tenha a garantia de avanços na sua aprendizagem. O Apoio Pedagógico é uma das alternativas pensadas para assegurar esse direito à criança. Na Rede Municipal de Rondonópolis - MT, locus deste estudo, esse direito está assegurado pela Normativa 006/2006, art. 16, parágrafo 1º.
171
deve apropriar-se do conhecimento matemático sistematizado. A escola é,
pois, espaço de trabalho coletivo.
Isso nos remete a McLaren (1997), que vê a escola como esfera
pública democrática, cujo trabalho é dedicar-se em favorecer a aprendizagem
dos conhecimentos e das habilidades indispensáveis para a vida em uma
democracia de fato. Neste espaço, o ensino da Matemática não deve ser
considerado neutro, mas sim como instrumento que pode ajudar na tarefa de
desenvolver competências democráticas nos estudantes, como aponta
Skovsmose (2001).
Embora o cotidiano escolar esteja eivado por contradições
sociais, é na sala de aula, recinto central em que se dá construção do
conhecimento, que o professor, como o principal agente mediador do saber
escolar, deve dar sentido à aprendizagem e direção ao ensino de modo a
conduzir o aluno ao encontro com o saber sistematizado. Carvalho (2005, p.
187)
[...] compete ao professor a nobre tarefa de problematizar os saberes
e propor situações de aprendizagem adequadas que desenvolvam a
competência cognitiva do aluno, bem como seu discernimento crítico
sobre a realidade social. Neste sentido, a sala de aula passa a ser o
lugar onde o professor e aluno se reúnem para socializar o saber,
aprender e construir coletivamente o conhecimento
Embora este estudo considere o professor como elemento
insubstituível para o sucesso das aprendizagens matemáticas do aluno,
igualmente, entende a escola como espaço de trabalho coletivo. Nesta trilha, o
docente precisa entender a função dos diferentes atores que fazem parte da
dinâmica da escola no seu cotidiano e como se articulam essas funções no
processo do seu fazer pedagógico. É preciso que ele tenha clareza da sua
função, do papel da equipe diretiva da escola, do lugar da família do aluno
neste contexto e de suas conseqüências no seu fazer pedagógico.
No contexto do processo ensino-aprendizagem da Matemática, as
professoras, em suas falas, revelam um desejo e uma necessidade da
participação ativa dos pais na vida escolar de seus filhos. No depoimento
abaixo, a professora Vermelho diz que é urgente a necessidade de trazer os
pais para participar junto com a criança na vida da escola. Para essa
172
educadora, o “olhar” dos pais é fundamental para a criança não apenas no
aspecto cognitivo, mas, principalmente, no emocional. Ela ratifica que para
melhorar a aprendizagem da Matemática é desafiador
Trazer esses pais para participar, para ajudar, quando eu digo o pai ajudar, não é ajudar fazer tarefa. [...] é incentivar pelo menos para ele [o aluno] vir para a escola porque tem criança que a gente tem que estar acudindo lá para não faltar, tem que estar chamando [...] incentivar é apoiar, é olhar o caderno. Se não sabe ler, não tem problema, tem pai que não sabe ler, não tem problema, mas olhar se ele fez alguma coisa. É trazer esses pais para participar junto com essa criança. É levantar a auto-estima, porque muitas crianças precisam, porque tem a auto-estima baixa. A criança precisa desse apoio. A criança quer esse olhar é do pai, é da mãe. [...] Então é assim quando os pais estão ali juntos ajuda muito. Essa participação é fundamental, então eu diria que esse é sim o maior desafio. (Professora Vermelho)
A professora Verde afirma que os pais delegam responsabilidades
que são suas à escola. Para ela
[...] a maioria deles não estão preocupados com a aprendizagem, estão preocupados em trazer o filho para a escola, deixar o filho na escola ser alimentados e fazer com que se passem quatro horas, aí você está cuidando deles, é como se você tivesse cuidando do filho deles. [...] deveria partir deles a cobrança da aprendizagem do filho, agora você chama o pai, você reclama com o pai, você cobra do pai para ele [o aluno] vir para a escola e ele não vem. E aí, você vai fazer o quê se você não tem apoio?
Esses depoimentos, por um lado, mostram que, no entendimento
destas entrevistadas, os pais vêm transferindo suas responsabilidades
relacionadas à educação para a escola e, dessa maneira, esquivando-se de
cumprir suas obrigações. Por outro lado, apontam um possível caminho que a
escola deve tomar para melhorar a qualidade do ensino-aprendizagem, não só
da Matemática, mas também das outras áreas do conhecimento, qual seja:
incentivar a participação efetiva dos pais na vida escolar da criança. Mas,
novamente se questiona: O simples fato de os pais participarem da vida da
escola garante a aprendizagem da Matemática dos alunos?
É fato que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação - 9394/96 que
responsabiliza a família e o Estado, na educação das crianças:
Art.2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos
princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por
173
finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL,
1996)
Também é verdade que aos pais cabe a participação ativa na vida
escolar de seus filhos. Mas o problema central, no que se refere ao ensino da
Matemática, não reside neste aspecto. Ainda que se possa considerar um
apoio importante, a participação ativa dos pais na vida escolar de seus filhos
não pode garantir, por si, a aprendizagem desta área do conhecimento. A
melhoria da qualidade do processo ensino-aprendizagem da Matemática está
necessariamente ligada ao professor, que tem a incumbência de buscar
metodologias que favoreçam esse processo e seduza o aluno para aprender os
conteúdos matemáticos. Isto exige que o educador se engaje num processo de
formação e autoformação em que a equipe gestora da escola tenha a
responsabilidade de assegurar condições para a formação centrada no espaço
escolar.
O que se percebe nos desabafos das professoras é que elas
sentem necessidade de apoio nas questões relacionadas ao ensino da
Matemática. Porém se pergunta: A quem cabe a tarefa de dar tal suporte ao
trabalho do professor?
É certo que este deve envolver-se em processos de formação e
autoformação, visto que, como afirma Leitão de Mello (1999, p. 26 apud Veiga,
2009), “O professor é um dos profissionais que mais necessidade tem de se
manter atualizado, aliando à tarefa de ensinar a tarefa de estudar” (p. 26).
Contudo, para dar respostas aos desafios do cotidiano escolar, da
contemporaneidade e do avanço tecnológico, ele precisa que se criem
condições que lhe possibilitem o referido envolvimento.
De acordo com Veiga (2009)
[...] é preciso investir na valorização profissional dignificando o
trabalho pedagógico e a carreira docente, melhorar suas condições
de trabalho, estimular a organização coletiva dos profissionais em
entidades sindicais, científicas, entre outras. (p.20)
Na relação família-escola, no que se refere ao ensino da
Matemática, existem eventos de “queixumes” em que os pais culpam a escola
174
por não conseguir ensinar, a qual, por sua vez, aponta a falta de apoio e
participação dos pais na vida escolar dos filhos. Em meio a este duelo que
parece não ter fim, na realidade concreta da sala de aula, estão o professor e o
aluno envolvidos no processo ensino-aprendizagem, dia após dia, trilhando um
caminho que se espera levar o aluno à apropriação do conhecimento. No
entanto, Carvalho (2005) denuncia este caminho como sendo cheio de
perversidade e exclusão.
É entre estas condições que se tem dado o trabalho com a
Matemática, nas escolas; verifica-se, então, que, além da problemática da
formação do pedagogo, essa realidade apontada tem desafiado os professores
a desenvolverem um ensino significativo de Matemática que garanta o sucesso
de todos os alunos.
Ainda que se considere que o professor é agente essencial no
ensino do conhecimento escolar, é fundamental que a escola e os profissionais
da educação, principalmente diretores, supervisores e os próprios docentes
sejam abertos ao diálogo com a comunidade, buscando, por meio de uma
postura reflexiva, inserir no projeto pedagógico dessa escola o que dizem os
pais sobre a vida escolar de seus filhos. É preciso saber discutir com eles o
projeto pedagógico da escola, mostrando qual concepção de escola,
conhecimento, homem e sociedade permeia esse projeto educativo. Isto pode
se constituir num primeiro passo rumo à superação do distanciamento entre
escola e família.
Ainda, a respeito dos desafios que o professor graduado em
Pedagogia enfrenta para ensinar a Matemática, a professora Vermelho, em
consonância com o depoimento da professora Verde, acima citado, afirma que
os pais transferem para a escola responsabilidades que são suas:
[...] Hoje a família é um desafio, porque os filhos são criados sozinhos
[...] Tudo arrebenta na escola. Hoje o professor é psicólogo, é
enfermeiro, os problemas caem na escola. Hoje em dia você fala: –
Pai tem que levar seu filho no especialista. E ele fala assim: – Com
que dinheiro que eu vou? Eu não tenho dinheiro para ir. Não tem
como vocês encaminharem? Não tem como vocês levarem? Então,
eles estão transferindo o trabalho deles, a maioria, para a gente, para
nós na escola e nós não damos conta. Eu sempre falo para os meus
alunos e para os pais dos meus alunos: – Eu não sou responsável
pela educação, eu sou responsável, aqui na escola, pelo meu
175
trabalho. O meu trabalho é ajudar fazer com que eles aprendam,
fazer com que eles se desenvolvam, fazer com que eles se tornem
cidadãos melhores, mas assim, a responsabilidade de educar o filho
é do pai. E os pais estão perdendo esse direcionamento.
O fato real é que a escola sofre interferências socioeconômicas e
culturais que requerem um novo pensar da construção humana. Neste
contexto, o professor, como um ser no mundo e com o mundo (FREIRE,1987),
tem seu trabalho impactado por essas influências, o que exige que sua prática
educativa se dê para a formação da pessoa na dimensão da humanização.
Estes depoimentos permitem inferir que muitas das crianças
atendidas por essas docentes são oriundos de camadas sociais menos
favorecidas. O fato é que a democratização do acesso à escola trouxe, além
dos alunos oriundos da classe média e alta que já eram alunos da escola, uma
grande demanda das classes populares, fato que tem solicitado que se dê um
novo sentido à educação.
Na realidade, compreende-se que hoje a situação da escola é
mais complexa e dela é exigida uma postura política que seja marcada pelo
engajamento na luta para garantir que todas as crianças tenham acesso à
cultura sistematizada. Nesta trama, é imperioso que o pedagogo seja capaz de
compreender a escola como organização complexa que tem a função de
promover a educação para e na cidadania, segundo recomendam as DCNs
(2006).
Neste contexto, o professor tem sido afetado pelo “mal estar”
docente, revela relatório preliminar de pesquisa sobre a atratividade da carreira
docente no Brasil, realizada pela Fundação Carlos Chagas (2009)48,
[...] esse “mal estar” tem duas características: a atividade docente tem se tornado cada vez mais complexa, porém o prestígio social da profissão docente tende a diminuir; e, por outro lado, a defasagem entre a definição ideal da docência e a realidade em que se desenvolve o ofício tende a aumentar, gerando uma sensação de impotência, frustração e desânimo. (p.12)
Inseridas nesta luta, a escola e a família têm a missão de ajudar a
criança a desenvolver a autonomia de pensamento e, especificamente, o
48Atratividade da Carreira Docente no Brasil. disponível em HTTP://catracalivre.folha.uol.com.br/wp-content/uploads/2010/01/Pesquisa-Fundacao-Victor-Civita-Atratividade_da_Carreira_Docente_no_Brasil-alterado.pdf. Acesso em Abril/2011
176
professor deve ensinar a Matemática assumindo um compromisso político,
ético e moral com a finalidade de promover a libertação da classe socialmente
oprimida, conforme preconiza a concepção a Educação Matemática Crítica.
Veiga (2009) contribui com esse entendimento observando que
[...] a escola não pode se limitar à função de ensinar. Dela são
exigidas, cada vez mais, a função de ensinar e a ocupação educativa
dos tempos livres com ações pedagógicas. A escola deve ser cada
vez mais próxima à realidade. Muitos dos problemas enfrentados por
ela relacionam-se com a crescente diversidade cultural e social dos
alunos. No entanto, essa diversidade pode ser encarada não apenas
como um problema, mas também como uma força, caso o currículo
deixe de ser homogêneo e passe a dar espaço e voz à própria
escola. (p.15)
A democratização da escola requer um novo projeto educativo
comprometido com a superação das desigualdades sociais, o que implica,
necessariamente em considerar a comunidade como parte integrante e
participativa dessa escola. Tal projeto deve ter caráter mais relacional e
dialógico, de modo a valorizar a cultura dos alunos e o contexto da
comunidade, dando importância à relação com todas as pessoas que
constituem a comunidade escolar – diretor, supervisor, coordenador,
professores, alunos e pais
A propósito, convém lembrar que Nóvoa (2009) defende que a
missão da escola seja repensada; suas ideias mostram que a sociedade tem
atribuído à escola uma diversidade de missões que resultam num
“transbordamento” de tarefas a ela delegadas e numa “pobreza teórica e
prática”. Em vista disto, o autor parte em defesa do “retraimento” da escola
afirmando que cabe a ela promover a educação, porém, seu trabalho deve
valorizar aquilo que é especificamente escolar.
Nesta visão, a escola deve ser mais aberta à sociedade ao
cumprir sua principal tarefa: promover mais aprendizagem. Esta posição inclui
considerar, entre outras questões, que lhe compete exercer sua missão em
comunhão e em colaboração com a sociedade, diminuindo a distância
existente entre a família e a escola. Neste sentido, as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Curso de Pedagogia (2006) orientam que o egresso deste
177
precisa ser preparado para promover e facilitar as relações de cooperação
entre a instituição educativa, a família e a comunidade.
É oportuno salientar que o trabalho do professor no ensino da
Matemática não pode ser analisado tendo-se o foco em apenas parte dele, mas
se deve considerado na teia do tecido social. Dada a natureza da prática
docente, o professor necessita fazer ajustes permanentes em suas ações de
ensino porque lida com situações que não permanecem no tempo. Não
obstante, o docente graduado em Pedagogia defronta-se em seu ato educativo
com situações de ensino que requerem a busca pelo aprimoramento de suas
ações. Estas exigências, de natureza pedagógica, como por exemplo o
conhecimento do conteúdo matemático a ser ensinado, a avaliação a ser
implementada e o trabalho com turmas bastante heterogêneas, não são
poucas, devido à existência de pontos frágeis na sua formação inicial.
Quando as interlocutoras evidenciam em suas falas a fragilidade
de sua formação no que se refere ao ensino da Matemática, ao mesmo tempo,
revelam que sentem a necessidade de aprender, já que os imperativos e
exigências postos pela realidade objetiva, especialmente as necessidades de
aprendizagens de seus alunos, suscitam a obrigação de estarem em formação
permanente. Tendo em vista a complexidade do trabalho docente, esta
formação deve acontecer numa perspectiva crítico-reflexiva, de modo a criar
condições para que os professores sejam capazes de refletir sobre-a-ação e
sobre-a-reflexão-na-ação.
De fato, “não há docência sem discência” como entende Freire
(1999). Logo, a formação do professor no curso de Pedagogia deve centrar-se
na concepção de aprender (CARVALHO, 2005), simplesmente porque o
docente necessita ser preparado para aprender a aprender, visto que nenhuma
formação inicial poderá dar conta da complexidade da sala de aula e da
realidade da escola. Neste contexto, Franco (2006) adverte que a formação do
pedagogo docente se constitui uma tarefa árdua, se considerada a docência
em toda a sua complexidade.
Além disso, existem saberes que só podem ser construídos no
espaço de atuação do professor e jamais poderão ser apropriados no curso de
Pedagogia, pois representam uma elaboração pessoal do professor ao
178
confrontar-se com o processo de transformar em ensino o conteúdo aprendido
em seu percurso formativo.
Esses requisitos se justificam na fala das depoentes. Para elas
muitos dos saberes de que necessitam para ensinar a Matemática são
construídos, sobretudo, no cotidiano da escola e da sala de aula, na relação
com seus pares, na consulta a livros didáticos e à internet. Também apontam a
participação em cursos de formação continuada oferecidos pela Secretaria
Municipal de Educação como importante para a melhoria da sua prática
educativa.
Isso fica aclarado no depoimento da professora Verde, para quem
O que você aprende é no dia-a-dia, é com a ajuda de um professor, é
uma coisa que um professor faz aqui e dá certo, outro faz ali e dá
certo, então isso contribui muito mais que a própria faculdade. Então
eu aprendi muito mais em cursos oferecidos pela Secretaria, com os
colegas, do que na própria faculdade. [...] eu senti a necessidade de
aprender, então eu sentei e aprendi. [...] Eu peguei o livro didático e
fui olhando, fui fazendo a partir dos exemplos. Então eu tinha
dificuldade para entender uma situação-problema, eu tinha
dificuldade para fazer divisão, eu tinha essas dificuldades, [...] Então
eu acho que a maior parte é a prática mesmo e muito os colegas –
troca de informações, troca de atividades, planejar junto com o
colega.
Fato interessante percebido nesta fala é que a docente valoriza
de maneira significativa os conhecimentos construídos no cotidiano da escola
em detrimento dos adquiridos na Universidade. Tal posicionamente remete a
Tardif (2002), que revela que o professor tem “uma nítida tendência a
desvalorizar sua própria formação, associando-a à pedagogia e às teorias
abstratas dos formadores universitários” (p.41). Segundo o autor, isto se
justifica porque para o professor os saberes docentes (disciplinares;
curriculares; da formação profissional) adquiridos nos cursos de graduação têm
caráter de exterioridade, uma vez que são definidos em outras instâncias e não
podem ser por ele controlados.
Já no saber construído no dia-a-dia aparece a marca da
interioridade, pois o docente, na impossibilidade de controlar aqueles saberes,
busca dar-lhes este outro caráter produzindo saberes que denominam de
práticos ou experienciais, por meio dos quais ele compreende e domina sua
179
prática. Contudo, não se trata de um novo saber, mas sim da incorporação à
prática de outros conhecimentos, muitos adquiridos, também, no curso de
graduação. É a esses saberes práticos ou experienciais que a professora Azul
faz referência:
Quando eu tenho alguma dúvida eu procuro professores da escola
formados em Matemática e falo: – Olha, professor, e esse conteúdo
aqui como que é?[...] Então eu busco com o professor, busco nos
livros – nós temos muitos livros didáticos, na Internet hoje em dia a
gente consegue achar muita coisa, então dessa forma a gente vai
tentando resolver os desafios [...].
A professora Vermelho, semelhantemente, admite:
[...] o mais, mesmo, eu aprendi buscando, mesmo, [...] sempre soube
perguntar, se eu não sei, eu não tenho vergonha de falar para você: –
Olha, eu não sei, me explica isso aqui que eu preciso ensinar. [...]
Aprendi trabalhando juntos, com os alunos, com colegas, na escola,
construindo juntos.
Também a professora Rosa diz:
[...] os conhecimentos que eu tenho hoje, que eu construo com
frequência, são necessidades que eu vejo que os meus alunos têm e
que eu não estou conseguindo [...] a solução para aquele problema,
porque eu não vi em lugar nenhum, eu vou buscando, eu busco na
Internet, eu busco num livrinho que eu tenho, eu busco numa
atividade, eu busco com colegas [...] Procuro também companheiras,
colegas de trabalho que têm uma metodologia mais inovadora.
Outros livros, por exemplo [...].
Neste mesmo sentido, afirma a professora Lilás: Foi na prática no
dia-a-dia, conhecendo a criança no dia-a-dia, na formação continuada, fui
buscar nos livros, nos PCNs49. Por sua vez, pondera a professora Anil: [...] a
gente tem muitos colegas que podem ajudar a gente, tem os livros – os livros
mais antigos são muito melhores do que esses livros de hoje [...] você aprende
no seu dia-a-dia conforme você vai dando aula com a experiência.
A fala da professora Amarelo confirma essa realidade:
[...] em sala de aula eu tive que buscar outras coisas, outros meios,
para me ajudar [...] a gente tem que estar buscando mais e mais
ainda [...] a gente precisa ainda complementar com cursos e aí a
49
Parâmetros Curriculares Nacionais.
180
gente vai vendo com a prática a dificuldade que a gente tem para
ensinar e vai buscando [...], eu tenho que estar buscando,
participando de cursos; e vejo um livro aqui, um livro ali [...] primeiro
eu vou pesquisar nos livros para eu aprender [...] o que me ajudou,
mesmo, foram os cursos. [...] Eu pesquiso em vários livros, peço
ajuda com um colega que tem mais conhecimento que eu. E os
cursos de Matemática que aparecem, eu tento fazer para não ficar
muito alheia às novidades que surgem para ajudar [...].
Desses depoimentos, é possível concluir que no ensino da
Matemática muitos saberes pedagógicos são construídos no dia-a-dia, no fazer
diário em sala de aula, gerando-se desta forma uma dicotomia entre os
saberes desta prática e os saberes da formação organizados nos cursos de
graduação em Pedagogia. Esses saberes práticos são construídos no cotidiano
e não podem ser ensinados nas instituições que formam professores. Trata-se,
de acordo com Shulman (1986, 1987 apud Montalvão e Mizukami, 2002), do
conhecimento pedagógico do conteúdo, que é forjado por uma elaboração
pessoal do professor, fruto da interação de diferentes conhecimentos, entre
eles o conhecimento dos conteúdos das disciplinas curriculares –
conhecimento da matéria e o conhecimento pedagógico geral.
Em se tratando do ensino de Matemática, para o pedagogo o
processo de construção deste novo conhecimento não se dá de maneira
tranquila dada a existência de fragilidade teórica no que se refere aos
conhecimentos matemáticos. Isto se deve ao fato já reiterado de que o curso
de Pedagogia tem oferecido uma formação que não considera suficientemente
o aspecto do conteúdo matemático, dando maior visibilidade às questões
metodológicas.
Quando perguntadas a respeito de como buscam enfrentar os
desafios e as dificuldades que aparecem no seu cotidiano quanto ao ensino da
Matemática, a maioria das professoras aponta o livro didático como apoio
pedagógico essencial para trabalho do professor, o que se verifica nos
seguintes excertos de suas falas já mencionadas: E assim responderam: [...] eu
senti a necessidade de aprender, então eu sentei e aprendi. [...] Eu peguei o
livro didático e fui olhando, fui fazendo a partir dos exemplos (Professora
Verde); Quando eu tenho alguma dúvida [...] busco nos livros – nós temos
muitos livros didáticos (Professora Azul); [...] os conhecimentos que eu tenho
hoje, eu construí eu busco num livrinho que eu tenho, [...] em outros livros
181
(Professora Rosa); a professora Lilás expõe: [...] fui buscar nos livros; [...] a
gente tem os livros – os livros mais antigos são muito melhores do que esses
livros de hoje, conta a professora Anil; e, por fim, a professora Amarelo
assegura: [...] em sala de aula eu tive que buscar outras coisas, outros meios,
para me ajudar [...] vejo um livro aqui, um livro ali [...] primeiro eu vou pesquisar
nos livros para eu aprender.
Em concordância com Saviani (2008), pode-se afirmar que é o
livro didático que tem dado forma prática à teoria no que se refere ao ensino da
Matemática. Este estudioso aponta que a raiz do problema da formação de
professores no Brasil reside na dissociação de aspectos indissociáveis da
função docente: a forma e o conteúdo.
Para Saviani (2008), os institutos de educação têm formado os
especialistas das formas abstraídos dos conteúdos, e os institutos e faculdades
correspondentes às outras disciplinas do currículo têm formado os
especialistas em conteúdos abstraídos das formas que os veiculam. Diante
dessa problemática, o autor observa que o livro didático tem sido o instrumento
que tem possibilitado a junção entre forma e conteúdo. Este parece ser um dos
fatores pelos quais as depoentes recorrem ao livro didático no planejamento de
suas aulas de Matemática: a necessidade de articular conteúdo e forma.
O mesmo autor aponta que um possível caminho para a
reformulação do curso de Pedagogia e de outras licenciaturas seria centrá-los
nos livros didáticos, pois,
Com efeito, mal ou bem, os livros didáticos fazem a articulação entre
a forma e o conteúdo, isto é, eles dispõem os conhecimentos numa
forma que visa viabilizar o processo de transmissão-assimilação que
caracteriza a relação professor-aluno em sala de aula. A questão
pedagógica por excelência que diz respeito à seleção, organização,
distribuição, dosagem e sequênciação dos elementos relevantes para
a formação dos educandos é, assim, realizada, no que se refere à
pedagogia escolar, pelo livro didático o qual se transforma, ainda que
de modo "empírico", isto é, sem consciência plena desse fato, no
"grande pedagogo" de nossas escolas. (SAVIANI, 2008, p. 15)
É certo que o livro didático tem se constituído suporte importante
para a prática do professor. O problema é que esta ferramenta pode ser usada
de maneira acrítica, como mostra o próprio Saviani (2008): “efetivamente, é ele
que, geralmente de maneira acrítica, dá forma prática à teoria pedagógica nas
182
suas diferentes versões” (p. 15). Contudo, não se pode desconsiderar que
papel do livro didático no processo de ensino tem sido exarcebado, tanto pelos
programas governamentais, que destinam grandes somas para distribuir livros
às escolas públicas quanto,
[...] pela formação aligeirada do professor no que diz respeito a conhecimentos mais profundos sobre conteúdos e metodologias, reduzindo significativamente a autonomia do professor, o controle de suas ações e o poder de decisão no âmbito de seu trabalho. Expropriado dos domínios metodológicos e de conteúdo, o professor busca apoio nos livros didáticos, na maioria das vezes, influenciado pelo selo oficial que “garante” a qualidade do livro indicado. (RUGGIERO E BASSO
50, 2003, p. 18-19)
O professor, como intelectual, não pode reduzir seu trabalho à
simples repetição do livro didático de modo acrítico, atuando como mero
reprodutor de conteúdos e formas que foram pensados em outras instâncias.
Ao contrário, ao utilizar o livro didático de Matemática, é necessário que ele
considere os aspectos políticos e sociais dos conteúdos, conforme preconiza a
perspectiva crítica da Educação Matemática.
Nesta prática educativa, os ambientes culturais em que os
estudantes estão inseridos devem ocupar lugar de relevo, de modo que o livro
didático não se constitua o centro do processo ensino-aprendizagem, pois é
fundamental que alunos e professores estejam envolvidos no controle do
processo educacional. Para isso, estudantes e professor devem estabelecer
uma distância crítica destes conteúdos ao desenvolverem os conhecimentos
matemático, tecnológico e reflexivo, tal como defende Skovsmose (2001).
Assim sendo, o ensino da Matemática poderá possibilitar o desenvolvimento de
competência democrática visando ao empowerment destes alunos.
Um outro aspecto interessante da ação educativa reside no
trabalho com os pares, prática que parece já fazer parte da cultura da escola.
Em busca de soluções para os problemas que se apresentam na prática, as
entrevistadas dizem recorrer aos colegas de trabalho e, especialmente, aos
professores que são licenciados em Matemática. É nesta relação que ocorre
50 RUGGIERO, M. A. e BASSO, I. S. A Matemática no Livro didático: uma reflexão crítica na
perspectiva histórico-cultural.In: Bolema, 20, 2003, p. 17-36.
183
aquilo que as interlocutoras definem como sendo o planejamento coletivo e as
trocas de informações e de atividades.
Esta interação possibilita problematizar a prática, trazer questões
para a discussão e confrontar pontos de vista. Além de provocar
estranhamentos, questionamentos, compartilhamento de ideias, colaboração
na solução de problemas e de desafios postos pela prática, contribui para que
o professor possa sentir-se parte de um todo, minimizando o isolamento no
trabalho docente. Nestes momentos se torna possível que o educador perceba
que seus colegas se deparam com problemas semelhantes para atuar no
ensino da Matemática e, assim, conjuntamente, podem refletir sobre possíveis
soluções.
Neste ambiente, o professor, na condição de um ser de relações,
histórico e inacabado e, por consequência, sempre pronto a aprender, é
concebido como sujeito da sua formação. É nesse movimento que ele se
desenvolve, se educa, se constrói pela interação com o outro, já que, de
acordo com a concepção de educação libertadora, o professor é considerado
um ser-no-mundo, mas também um ser-com-os-outros. Daí o diálogo ser
inerente ao processo de formação do educador com fins de humanização dos
homens.
No bojo destas idéias, Tardif (2002, p. 87), “a experiência dos
outros, dos pares, dos colegas que dão conselhos” se constitui fonte de
aprendizagem do trabalho docente. Com efeito, esta relação permite ao
docente mobilizar saberes que possibilitam conferir novos significados à sua
prática, que podem resultar em mudanças de concepção de ensino da
Matemática, visto que os saberes iniciais são confrontados com as
experiências práticas vivenciadas no contexto escolar. Esse processo que se
dá no dia-dia da escola, em meio a situações conflituosas e angustiantes, idas
e vindas nas discussões com os pares, pode produzir reflexões e
(re)elaborações nos saberes docentes. Esta observação permite dizer que tal
formação é, na verdade, a autoformação.
Evidencia-se, portanto, que o pedagogo que ensina a Matemática
para as crianças não pode ser considerado mero executor de metodologias e
técnicas a serem aplicadas nas aulas. Pelo contrário, como professor
intelectual, sua ação pedagógica no ensino de Matemática precisa ser
184
permeada pela conscientização dos limites de sua formação nesta área do
conhecimento e da complexidade da prática docente, pois, como já explicitado
neste trabalho, alguns saberes dos quais o pedagogo precisa para ensinar a
Matemática só podem ser aprendidos no cotidiano da escola. Esta
conscientização deve impeli-lo a embrenhar-se em processos de formação e
autoformação, considerando as suas necessidades de aprendizagem e as de
seus alunos. Assim sendo, neste movimento de construção de saberes é
aceitável afirmar que a profissão docente exige formação e autoformação.
Wogel (2007)51, recorrendo a outros teóricos, explica que
Um dos modelos de formação de professor é o da autoformação, que
“é uma formação em que o indivíduo participa de forma independente
e tendo sob o seu próprio controle os objetivos, os processos, os
instrumentos e os resultados da própria formação” (Debesse, 1982
apud Marcelo Garcia, 1999, p. 19). Inclui todas as atividades de
formação na qual a pessoa toma a iniciativa, com ou sem ajuda de
outros, de planejar, desenvolver e avaliar as suas próprias atividades
de aprendizagem. [...] É o assumir e assumir-se, na formação, a
própria identidade cultural constituída por experiências históricas,
políticas, culturais e sociais e o respeito e partilha destas. É um
processo de formação permanente, um processo contínuo que ocorre
durante a vida toda do professor, que produz a vida do próprio
professor. (p.107-108)
Deste modo, a autoformação é fundamental para promover a
qualidade da docência de tal forma que professor, conhecendo o seu papel,
esteja comprometido com a construção de uma sociedade que visa à justiça
social, à democracia e à equidade de direitos.
A partir do que foi exposto é lícito asseverar que a formação do
pedagogo desenvolvida no curso de graduação não dá conta da complexidade
que envolve o trabalho deste profissional. É necessário, portanto, que as
propostas de formação de docentes para os Anos Iniciais do Ensino
Fundamental compreendam os professores como profissionais intelectuais que
sejam preparados para (re) construir os conhecimentos docentes de maneira
ativa e reflexiva.
51 Wogel, Lívio dos Santos. Ócio do ofício: contribuições da pedagogia do ócio para a
formação de professores. 166p. Dissertação (mestrado). Cuiabá, - Universidade Federal de
Mato Grosso - Instituto de Educação - Programa de Pós-Graduação em Educação, 2007.
185
Isto exige, porém, uma formação desenvolvida numa concepção
que supere a lógica da racionalidade técnica – esta visão compreende a
formação do professor como centrada no desenvolvimento de competências;
no saber fazer; na prescrição; na aprendizagem por competência – como
propugna Veiga (2009). A referida lógica entende a formação como acúmulo de
conhecimentos teóricos para serem aplicados posteriormente, na prática; é
preciso, todavia, que a formação de professores, no caso deste estudo, do
pedagogo, consista num pensamento e proposta de formação elaborados para
que os professores possam refletir e agir sobre e no seu trabalho pedagógico.
A análise do conteúdo das entrevistas ajuda a justificar esta
posição, visto mostrar que é no cotidiano da escola, que o educador tenta fazer
frente às exigências do trabalho de ensino da Matemática. Consequentemente,
a aprendizagem da docência não pode ser entendida como o armazenamento
estanque de conhecimentos sistematicamente construídos, que em algum
momento podem ser substituídos ou receberem a adição de novos
conhecimentos. Para Damasceno e Monteiro (2007)52, trata-se de “uma
aprendizagem plural, formada pelo conjunto de conhecimentos provenientes de
vários contextos e circunstâncias, assim como da experiência pessoal e
profissional [...] “(p. 96)
Outro aspecto que tem contribuído para a prática das depoentes,
segundo suas falas, é a formação continuada/cursos de capacitação.
A Professora Violeta diz acerca do assunto:
[...] no seu dia-a-dia você vem recebendo várias formações. Nós
temos o Pró-letramento, fizemos o GESTAR53
. No GESTAR nós
tivemos bastante orientação de como trabalhar a Matemática [...] na
nossa época não existia gráficos, tabelas, e hoje nós temos. Então,
nós conseguimos ter esse acompanhamento através das formações
que nós profissionais recebemos. Por isso é importante que os
profissionais, professores, estarem em constante formação [...]. Os
demais vêm do seu dia-a-dia mesmo, vêm nas qualificações, vêm nos
52
DAMASCENO, Kelly Kátia; MONTEIRO, Filomena M.A. Aprendizagem da docência: Uma
contribuição da formação continuada. In: O trabalho docente na educação básica: contribuições formativas e investigativas em diferentes contextos/ organização de Filomena Maria de Arruda Monteiro et al. Cuiabá: EdUFMT, 2007. 53 GESTAR – Programa de Gestão de Aprendizagem Escolar. Este programa foi criado com a
finalidade de melhorar o desempenho dos alunos nas disciplinas Matemática e Língua Portuguesa. A formação continuada de professores utiliza recursos da educação a distância com momentos presenciais e atende professores dos anos iniciais (DAMASCENO E MONTEIRO, 2007).
186
cursos que você participa, vem através do apoio – que é um livro
didático que nós recebemos – que serve como apoio [...].
A fala da professora Amarelo confirma:
[...] em sala de aula eu tive que buscar outras coisas, outros meios,
para me ajudar [...] a gente precisa ainda complementar com cursos
[...] eu tenho que estar buscando, participando de cursos [...] o que
me ajudou mesmo foram os cursos. Os cursos de Matemática que
aparecem eu tento fazer para não ficar muito alheia às novidades que
surgem para ajudar [...].
A esse respeito declara a professora Verde: eu aprendi muito
mais em cursos oferecidos pela Secretaria . Estes depoimentos mostram que
as professoras valorizam a formação continuada, visto que buscam nos cursos
proporcionados pela Secretaria Municipal de Educação apoio pedagógico para
ajudá-las no ensino da Matemática.
A Secretaria Municipal de Educação de Rondonópolis, seguindo
uma política de desenvolvimento do trabalho do professor, oferece cursos de
formação continuada nas diferentes áreas do conhecimento. Quanto à
Matemática, no período de 2004 a 2008, foram organizados seis cursos
destinados ä formação do professor do Ensino Fundamental: Conhecimentos
Matemáticos e Procedimentos Metodológicos (40h); Ensino da Matemática
(40h); V Jornada Municipal de Estudos do Ensino Fundamental - Os Saberes
Matemáticos e suas Tecnologias: Uma Dimensão Integrada de Currículo (20h);
Geometria Plana e Espacial (4h); Novas Metodologias – Utilização do Material
Dourado (3h); Gestar Matemática.
Esses dados mostram que são parcas as oportunidades de
cursos oferecidos por esta Secretaria no que diz respeito ao ensino da
matemática. Para Mingareli (2010)54, a formação continuada que a Secretaria
Municipal de Educação de Rondonópolis organiza ainda tem se dado de forma
descontínua. Trata-se de formações caracterizadas por treinamentos, por meio
54 MINGARELI, Regina Celia Farias. Cursos realizados pela Secretaria Municipal de
Rondonópolis – MT nos anos de 2004 a 2008: um olhar na formação continuada de professores. In: Seminário de Educação 2010 – Educação, Formação de Professores e suas dimensões sócio-históricas: Desafios e perspectivas. EdUFMT, 2010.
187
de cursos esporádicos e rápidos, com poucas horas de duração. Este modelo
de formação tem recebido críticas recorrentes, por ser concebido como uma
coisa encomendada por outros, não pelo professor. No entendimento da
estudiosa, ora em foco, nos debates atuais se propõe a superação desta
concepção de formação continuada, visto que não nasce de reflexão realizada
pelo professor, de seus desafios e de sua prática cotidiana.
É interessante observar que as depoentes em nenhum momento
mencionaram as contribuições da formação continuada desenvolvida na
escola. A Rede Municipal de Rondonópolis estabelece que semanalmente o
professor destine duas horas para estudo coletivo. Esta formação é uma
realidade em todas as unidades de ensino desta rede e tem por finalidade o
aprimoramento profissional dentro do ambiente de trabalho.
Fica claro que as entrevistadas concebem a formação continuada
como formação que acontece de fora para dentro, numa relação verticalizada,
em que o professor é o receptor de conhecimentos que são dados em cursos
pontuais, que, na verdade, mais se dedicam ao treinamento do professor.
Embora essa rede ofereça tal capacitação para os docentes,considera-se que
a melhor formação é aquela em que os professores têm a oportunidade de
repensar e transformar sua maneira de ensinar para fazer com que todos os
alunos aprendam, aquela formação em que saberes são construídos pelos
próprios docentes por meio da reflexão de sua prática. Essa visão demanda:
[...] conceber a escola como um ambiente educativo, onde trabalhar
e formar não sejam actividades distintas, sendo a formação encarada
como um processo permanente, integrado no dia-a-dia dos
professores e das escolas, e não como uma função que intervém à
margem dos projectos profissionais e organizacionais. (NÓVOA,
1992, p. 29)
Ao finalizar esta unidade é possível mostrar, de forma sintética,
que os problemas para ensinar a Matemática na 1ª e 2ª fases do II Ciclo
residem em situações que envolvem a formação do professor, principalmente
no que se refere à apropriação dos conteúdos matemáticos a serem ensinados.
Para as depoentes, esses entraves têm origem em dificuldades que nasceram
na educação básica e na frágil formação recebida na graduação, visto que os
cursos de Pedagogia pouco exploram “o que” ensinar, dedicando-se com mais
188
intensidade aos aspectos de “como” ensinar a Matemática. Além desta
problemática do conhecimento do conteúdo matemático a ser ensinado,
existem outros desafios de natureza pedagógica que dificultam o trabalho
docente no ensino desta área do conhecimento, como por exemplo, a
avaliação e a estratégia de ensino a serem adotadas no trabalho com classes
muito heterogêneas quanto aos níveis de aprendizagem e o problema do deficit
de aprendizagem dos alunos. Estas questões desafiadoras ficam mais
complexas à medida que ainda existe uma mentalidade de escola seriada
dentro da escola que se denomina organizada por ciclos.
189
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A intenção desta pesquisa centrou-se em mostrar a importância
da formação no curso de Pedagogia para o ensino de Matemática. Este
interesse foi motivado pelo fato de que, atualmente, em nosso país, a
responsabilidade pela formação do professor que ensina Matemática nos Anos
Iniciais é atribuída a esse curso.
Diante disso, o problema que moveu e determinou o estudo foi
assim formulado: O professor graduado em Pedagogia, para ensinar a
Matemática nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, enfrenta que
desafios? e foi dinamizado principalmente pelo seguinte objetivo geral:
identificar e compreender como os professores dos Anos Iniciais mobilizam os
conhecimentos matemáticos de que se apropriaram no curso de Pedagogia.
Como objetivos específicos destaquei: Dialogar com um determinado
referencial teórico que possibilite a compreensão e interpretação dos dados da
pesquisa; buscar entender que concepção de ensino de Matemática embasa a
prática pedagógica dos docentes que atuam nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental; analisar o que pensam esses profissionais sobre a sua
formação; procurar identificar os problemas, dificuldades e desafios que
professores dos Anos Iniciais enfrentam no ensino dos conteúdos matemáticos
para os alunos da 1ª e 2ª fases do II Ciclo.
A pesquisa partiu da hipótese de que a condição primeira para a
superação de tais dificuldades consiste em que a formação e a prática
docentes sejam repensadas e reestruturadas considerando-se os problemas e
desafios com os quais se defronta o professor no cotidiano escolar em função
dos saberes e habilidades que se propõe desenvolver na interação professor-
aluno-conhecimento matemático.
No bojo destas preocupações, encontra-se a constatação de que
a formação do pedagogo tem sido marcada por idas e vindas que ocasionaram
a fragilidade e a crise de identidade do curso. Na busca desta identidade, os
debates se concentraram na questão de ser a Pedagogia ou a docência a base
da identidade do curso. As discussões ainda persistem, mas, com a aprovação
das Diretrizes Curriculares Nacionais, em 2006, definiu-se que é a docência a
base de formação dos pedagogos.
190
Assumindo esta compreensão do pedagogo como professor por
excelência, as discussões e reflexões aqui empreendidas foram embasadas
em teóricos que discutem a formação docente na perspectiva de uma
educação crítica e emancipadora. A partir do estudo, defendo que o curso de
Pedagogia deve buscar tecer um projeto educativo voltado à formação de um
professor que se constitua num sujeito histórico, crítico e criativo, capaz de
pensar sua própria condição de ser humano; que, sendo agente da práxis
educativa, mostre-se apto a perceber-se como educador-educando; que, ainda
como sujeito de seu próprio desenvolvimento, seja encorajado a apropriar-se
das habilidades e conhecimentos necessários ao exercício do magistério;
finalmente, que, tendo o compromisso político, ético e técnico, seja capaz de
intervir na transformação da qualidade da educação matemática.
A pesquisa levou-me a compreender a formação do professor
como percurso, processo, trajetória de vida pessoal e profissional; como sendo
“inconclusa” e por isso permanente, com vistas à formação de educadores
autônomos, que sejam sujeitos capazes e livres para construir e reconstruir
constantemente os saberes que realizam em sua prática.
A identidade docente, nesta perspectiva, não é vista como um
dado adquirido, mas algo que se constrói num espaço de lutas e conflitos. Esta
construção, ademais, se dá nas dimensões do desenvolvimento pessoal, do
desenvolvimento profissional e do desenvolvimento organizacional (NÓVOA,
1992).
Assim sendo, este trabalho mostra que a formação de um
professor não se limita à que se desenvolve na graduação. Por outro lado,
considera que esta instância representa uma formação essencial para o
exercício do trabalho docente.
Não obstante a importância que cabe a essa formação inicial,
contudo, na visão expressa pelos sujeitos da pesquisa acerca da sua
formação, bem como na análise do currículo dos cinco cursos de Pedagogia
focalizados no estudo, verificou-se que, no que se refere à formação para o
ensino de Matemática, a formação do pedagogo aparece como insuficiente e
repleta de fragilidades.
Nesta dimensão da formação do pedagogo para o ensino de
Matemática nos currículos dos cursos pesquisados sobressai a pequena carga
191
horária destinada a tal formação, que atinge em média 4,5% da totalidade em
cada curso. A metodologia aparece como aspecto fundamental da formação
em detrimento dos conteúdos a serem ensinados pelo futuro docente. A fala
das professoras, por seu turno, apontou como ponte de convergência a
ênfase dada à formação insuficiente para o ensino de Matemática, que, para
elas, é devida a dois fatores: o distanciamento entre o que é ensinado no curso
e a realidade escolar; e a falta de articulação entre teoria e prática.
Disto se depreende que as educadoras entrevistadas demonstram
entender que o curso de Pedagogia constitui-se num espaço de formação que,
mesmo sendo um pré-requisito necessário ao exercício docente e tendo a
obrigação de muni-los dos fundamentos para o ensino, não é capaz de
prepará-los satisfatoriamente para atuar no ensino de Matemática.
Assim sendo, penso que os cursos de formação inicial devem
trazer em seus currículos elementos que permitam construir-se a base de
conhecimentos necessários para o professor começar a ensinar Matemática –
conhecimento dos conteúdos matemáticos a serem ensinados, seus conceitos
fundamentais e a história de tais conceitos; o conhecimento pedagógico geral,
que corresponde aos conhecimentos sobre os processos de ensino e
aprendizagem de Matemática e aos procedimentos didáticos necessários à
transformação do conteúdo a ser ensinado em conteúdo a ser aprendido.
As análises realizadas, porém, mostraram que o curso de
Pedagogia não tem conseguido esgotar todos os conhecimentos necessários
para o ensino de Matemática, mesmo porque alguns destes são construídos na
ação e no contexto em que ocorre a atividade docente. Ao mesmo tempo,
evidenciou-se a partir do entendimento da formação do professor como sendo
antes forjada no processo pré-profissional, que as pedagogas em foco
apresentam defasagens de conteúdos que deveriam ter sido apropriados ao
longo da educação básica. Diante destas observações, é possível afirmar que
nem o curso de Pedagogia, nem a licenciatura em Matemática têm dado conta
de formar professores capazes de desenvolver nas escolas um ensino desta
disciplina que produza, de fato, mudanças significativas na aprendizagem dos
alunos.
Além disso, considerando que muitos dos conhecimentos que
constituem a base para a docência se constroem na ação, no contexto da
192
escola, entende-se que é necessário dar continuidade à formação do professor,
a fim de buscar superar os desafios que surgem na sua prática.
Isto permite dizer que, ao se pensar a formação do pedagogo
deve-se levar em conta que o ensino de Matemática requer uma atuação
profissional fundada na reflexividade crítica sobre a prática pedagógica diária,
num processo permanente de construção e reconstrução de suas ações, de
modo a garantir as conexões entre sua formação e as experiências vividas ao
longo de sua profissão como professor desta área do conhecimento.
O até aqui exposto demonstra que os cursos de formação inicial
precisam fornecer, além dos conhecimentos fundamentais para o ensino,
elementos que contribuam para a construção da autonomia do professor
despertando o desejo nos futuros docentes por transcender os desafios que
encontrarão na realidade da escola e incentivando-os a buscar seu
desenvolvimento profissional. Autonomia, aqui, é entendida como
processo de conquista de uma identidade livre e consciente do alcance e significatividade de sua ação e de seus processos decisórios, feitas a partir da reflexão da própria existência, das condições do trabalho e também dos anseios e desejos que põe em ação para a realização da atividade docente e para a constituição de si mesmo com alguém que age por convicções e em vista de qualificar sua ação e existência. (CARVALHO et al., 2010, p.1)
Nos aspectos relacionados ao processo ensino-aprendizagem
de Matemática no cotidiano escolar, constatou-se que a prática das
interlocutoras orienta-se por pressupostos das tendências de ensino empírico-
ativista, construtivista, socioetnocultural e sociointeracionista-semântica.
Acrescento que há convergência nos discursos das docentes quanto à
concepção de Matemática, no tocante à ideia de que esta última faz parte do
cotidiano do aluno, sendo entendida como ciência ligada à vida com a
finalidade de resolver problemas do dia a dia. No que diz respeito às
concepções de ensino e de aprendizagem de Matemática, o ensino aparece,
majoritariamente, na perspectiva da construção, da elaboração, que dá maior
valor ao processo do que ao produto na produção do conhecimento
matemático.
No que se refere à atuação do pedagogo no ensino de
Matemática na 1ª e 2ª fases do II Ciclo do Ensino Fundamental, encontrei
também um ponto de convergência na fala das professoras: os desafios e
193
problemas enfrentados, de acordo com as entrevistadas, inserem-se em
questões externas à sua própria prática pedagógica, ou seja, centradas na
formação do professor, na organização da escola por Ciclos de Formação
Humana, no aluno e na família do aluno.
Como já mencionado, a problemática da formação, no
entendimento dessas educadoras, reside mais fortemente na apropriação
insuficiente dos conteúdos matemáticos a serem ensinados. O fato é que as
depoentes deixam claro em seu discurso que se percebem como agentes
destituídos do conhecimento do conteúdo que precisam ensinar. Nesta
condição, recorrem, principalmente, ao livro didático para transformar o
conteúdo específico em ensinável.
Contudo, é preciso enfatizar que não basta ao educador saber o
conteúdo matemático e a metodologia, como foi explicitado pelas docentes,
Longe disso, outros elementos são relevantes para que este conhecimento
específico em Matemática se transforme em conhecimento escolar. Para fazer
a transposição didática, o professor também necessita da apropriação de
conhecimentos que são base da docência, entre eles o conhecimento do aluno
e do contexto. Mostra-se importante, pois, compreender as peculiaridades que
envolvem o trabalho docente ao ensinar Matemática em um sistema de ensino
organizado por Ciclos de Formação Humana. É preciso, ainda, ponderar as
particularidades que este sistema encontra no município onde as entrevistadas
ensinam a disciplina em pauta.
Com efeito, ensinar a Matemática no contexto da escola
organizada por ciclos exige que o desenvolvimento dos programas leve em
conta uma visão da Matemática que seja flexível, de forma a propiciar meios
para que o docente possa trabalhar com mais autonomia, respeitando o
processo de maturação do aluno. É em trabalho desta natureza que permite
uma elaboração e reelaboração por parte do aprendiz desde o primeiro
momento em que ele se apropria das ideias básicas até a fase do pensamente
lógico-dedutivo.
Os desafios para o pedagogo ensinar a Matemática, que nos
depoimentos aparecem como sendo ligados ao aluno e à família deste
assumem, de fato, uma natureza pedagógica devendo também estar
associados à temática do mal-estar docente, a ser abordada, de forma breve,
194
mais adiante. Os percalços de caráter pedagógico vinculam-se à avaliação e à
estratégia de ensino a serem adotadas no trabalho com classes bastante
heterogêneas nos níveis de aprendizagem e ao problema do deficit de
aprendizagem dos alunos, considerado pelas docentes como consequência da
organização da escola em ciclos
Em um sistema de ensino que permite a formação de turmas
consideravelmente heterogêneas na questão das aprendizagens, como é o
caso desta organização escolar, torna-se exigência basilar que o professor
consiga ensinar alunos que se encontram em níveis de aprendizagem bastante
diferentes dentro de uma mesma sala de aula. Na visão das depoentes, trata-
se de um trabalho desafiador e complexo, não sendo, muitas vezes, possível
obter resultado satisfatório com todos os educandos no tempo e espaço
regulares da aula.
Por isso, consideram que, nesse contexto, é imprescindível aos
alunos que continuam apresentando deficit de aprendizagem, mesmo depois
das intervenções pedagógicas realizadas no período regular, que participem
simultaneamente das aulas de Apoio Pedagógico. Ao enfatizarem a seriedade
de o aluno frequentar essas aulas, apontam a ausência de compromisso dos
pais com esse programa, visto que, por vezes, não enviam seus filhos para
esses encontros oferecidos no contraturno.
Não desconsiderando a importância da família na vida escolar da
criança, porém, acredito ser fundamental entender que a discussão não se
esgota focando apenas a responsabilidade de pais, alunos e professores no
tocante ao Apoio Pedagógico. Tendo em vista a realidade mostrada nos
depoimentos das interlocutoras do presente estudo acerca da existência de
estudantes que carregam defasagens significativas ano após ano e chegam ao
segundo ciclo do Ensino Fundamental sem saber os conteúdos matemáticos
que deveriam ter sido apropriados no primeiro ciclo, e, ainda, considerando a
relevância do referido projeto para ajudar na superação das defasagens de
aprendizagem matemática, há de se problematizar como o sistema de ensino
tem tratado o projeto de Apoio Pedagógico nas escolas públicas deste
município. Essas escolas têm espaço físico apropriado, no período contrário,
para que sejam ministradas tais aulas? A carga horária – 2 horas semanais –
voltada ao atendimento do aluno é suficiente? Como se efetiva o trabalho
195
pedagógico nesse espaço? De que modo a coordenação pedagógica tem
tratado este projeto no âmbito da formação do professor?
Por agora, é possível assegurar com base nas entrevistas que o
professor entende a relevância do Apoio Pedagógico, vendo-o como espaço
que pode ajudar o educando a se apropriar do conhecimento matemático. No
entanto, o atendimento às necessidades de aprendizagem do aluno requer,
também, compromisso do sistema, que pela não garantia das necessárias
condições de trabalho ao professor e ao aluno, pode contribuir para entravar o
processo de ensino-aprendizagem de Matemática.
Um olhar atento permite identificar que, ao responsabilizar os
familiares do aluno pelas dificuldades vivenciadas no ensino dessa área do
conhecimento, o professor, na verdade, está dizendo nas entrelinhas, que
precisa de ajuda para exercer sua função e, portanto, nomeia estes sujeitos
como aqueles que podem oferecer o suporte necessário.
O fato é que, por detrás destes argumentos, esconde-se a
problemática do mal-estar docente, visto que hoje os professores se percebem
um tanto descontentes em termos profissionais devido à desvalorização por
que passa o magistério. Eles vivem a realidade concreta desse desprestígio
social e econômico da profissão, que se evidencia, entre outros fatores, em
salários defasados e extensa jornada de trabalho. Este mal-estar ocasiona
certa dificuldade para o professor se apropriar de elementos que podem
melhorar a qualidade da docência, como, por exemplo, estudar, pesquisar,
fazer cursos, e isso os leva a fazer incidir muitos dos problemas que enfrenta
para ensinar Matemática nos pais e nos alunos.
É certo que a família precisa envolver-se na educação escolar
da criança, por isso é necessário que a relação família-escola não fique restrita
à dimensão das reclamações. Cabe, portanto, à gestão escolar construir
espaços de discussão quanto ao papel dos pais junto à escola e, sobretudo,
apresentar esta temática para os momentos de formação contìnua dos
educadores. Também concorda-se que é imperioso que o aluno se dedique a
aprender. Contudo, é preciso compreender que o nó do problema do ensino de
Matemática não reside fortemente nesses fatores.
A verdade é que o avanço na qualidade do ensino-aprendizagem
desta disciplina encontra-se atrelado a assuntos da formação do professor,
196
acrescidos do cuidado que se deve ter com as questões relativas ao contexto
em que se desenvolvem as atividades de ensino e às condições institucionais
para isso.
O elemento nodal do embaraço no processo de ensino e
aprendizagem da área do conhecimento em questão consiste, em última
análise, no fato de que os professores, em seu percurso formativo, conheceram
a Matemática orientada pela perspectiva tradicional de ensino, mas, hoje, como
docentes, precisam ensinar a Matemática cujo foco de ensino assenta-se na
resolução de problemas. Esta opção metodológica traz implícita a convicção de
que o conhecimento matemático ganha significado quando os alunos se
defrontam com situações desafiadoras para resolver e trabalham no de-
senvolvimento de estratégias de resolução.
Desde a década de 80, as propostas curriculares (Parâmetros
Curriculares Nacionais) e as avaliações nacionais como, por exemplo, a Prova
Brasil têm exigido que o conhecimento matemático se dê nesta direção, porém,
o docente enfrenta dificuldade por ser portador da visão de uma Matemática
estanque, pronta e acabada, que é ensinada mecanicamente. O professor
tendo sido formado nesse enfoque da Matemática tradicional formal, julga mais
tranquilo prosseguir realizando o ensino nesta perspectiva.
Logo, a questão se encontra em que sua experiência como
estudante dessa disciplina, fortemente presente na sua formação é a de uma
Matemática trabalhada de forma diferente da que está posta hoje, e o
professor, mesmo depois do curso de formação inicial continua ensinando esta
Matemática formal. Faz-se necessário ao professor, conforme se pode ver, dar
um salto da Matemática formal para aquela centralizada, quanto ao ensino-
aprendizagem, na resolução de problemas.
Acredita-se, todavia, que ainda possa levar tempo para se
efetivar este avanço e se implementar o ensino da Matemática com esse novo
enfoque. Implantar o ensino que se fundamente na reflexão e questionamento
do que historicamente vem sendo praticado, com vistas a mudanças, afinal,
requer trabalho árduo por parte dos programas de formação de professores e
do sistema de ensino, assim como o engajamento dos educadores que atuam
no ensino desta área do conhecimento em processos de formação continuada
e autoformação.
197
E assim compreendendo que, tendo em vista que o curso de
Pedagogia não prepara, a contento, o professor dos anos iniciais para ensinar
Matemática, como se patenteou nesta pesquisa, e, além disso, que existem
conhecimentos/saberes que só podem ser construídos na prática, como por
exemplo, o conhecimento pedagógico do conteúdo e o conhecimento do aluno
e dos contextos (SHULMAN,1986; 1987, apud MONTALVÃO E MIZUKAMI,
2002), aponto como uma possível contribuição deste estudo, a urgência de se
repensar a formação inicial e contínua do professor a partir das necessidades
que se evidenciam na escola, Penso que a formação continuada deve levar
em consideração o contexto em que se desenvolve a prática docente – neste
caso, a escola organizada por Ciclos de Formação Humana – as
especificidades e peculiaridades da unidade escolar no município em que os
professores atuam, visto existirem conhecimentos, conforme apontado, que se
constituem na própria ação.
O pedagogo que atua no ensino de Matemática nos anos iniciais,
consciente dos limites da sua formação, deve, por isso, embrenhar-se pelos
caminhos da autoformação e formação contínua centrada na escola. É preciso,
também, que sejam tais percursos permeados pela pesquisa que tenha a
prática como ponto de partida, num movimento de ação-reflexão-ação, visando
à melhoria da boa qualidade da docência, o que necessariamente passa pelas
dimensões política, ética e técnica (RIOS, 2001), nesta área de ensino.
Mostra-se, desta forma, imprescindível que o professor, como
sujeito por essência aprendente, se conscientize de que necessita dedicar-se à
formação continuada, compreendendo que se trata de instrumento passível de
contribuir para alterar de maneira crítica sua ação pedagógica. Todavia, é
fundamental não somente que os docentes tenham esse entendimento, mas
que, durante toda sua trajetória profissional, sejam incentivados a buscar, por
meio da formação permanente, possíveis soluções para os desafios
vivenciados no ensino da Matemática.
Impõe-se, ademais, que os professores entendam formação
também como autoformação. Não se trata de isentar o sistema da
responsabilidade de oferecer-lhes formação contínua de qualidade e trazer
para o professor toda a responsabilidade por esta formação. Trata-se, isto sim,
de mostrar que a construção da autonomia do educador passa pela dimensão
198
de assumir a sua formação continuada como uma prática necessária para a
constituição de sua identidade docente. É forçoso, portanto, que o professor
que ensina Matemática nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental busque,
incessantemente, um crescimento profissional por meio de estudo, a partir da
sua necessidade de formação centrada na escola, aqui entendida como
formação que procura dar respostas aos problemas que emergem no próprio
contexto da escolar.
É oportuno, a esta altura, esclarecer que a formação continuada,
tal como se defende, não tem como foco principal suprir lacunas deixadas pelo
curso de graduação, mas representa um instrumento que pode ampliar a
compreensão e superação dos desafios vivenciados no processo de ensino-
aprendizagem de Matemática no cotidiano da sala de aula.
Diante dessas dificuldades, propõe-se como uma contribuição
possível para a melhoria da qualidade do ensino de Matemática o
entendimento de que se faz imperioso que o docente se dedique a buscar os
conhecimentos necessários à sua prática para além daquilo que o sistema lhe
oferece, na perspectiva de que o professor se faz professor e que essa feitura
exige que ele disponha de autonomia e meios de aperfeiçoar a sua capacidade
de refletir e interpretar a realidade.
Contudo, é de fundamental importância lembrar também que a
melhoria da qualidade no ensino de Matemática encontra-se vinculada às
condições de trabalho e à valorização social da profissão engendradas pelas
políticas de Estado, visto que, historicamente, a profissão do professor tem sido
marcada pela sua desvalorização e pela ausência de condições necessárias à
formação de qualidade e de condições dignas de trabalho.
Este quadro corrobora que é necessária a implementação de
políticas públicas que, ao invés de cercearem o trabalho do professor e sua
autonomia por meio do oferecimento de instrumentos que, aparentemente,
destinam-se a ajudá-lo a realizar a sua própria aula, proponham-se de fato,
construir um projeto de valorização da formação de professores e de seu
trabalho ponderando a precarização e desvalorização social e econômica que
tem revestido a profissão-professor e, ao mesmo tempo, desvelando a
complexidade da natureza do trabalho docente.
199
Por outro lado, ainda que as condições de trabalho e a
desvalorização socioeconômica impostas à profissão docente possam inibir o
educador de produzir a sua profissão na perspectiva do desenvolvimento
profissional, como defende Nóvoa (1992), elas não têm o poder de anular a
prerrogativa do professor de pensar e construir sua aprendizagem e,
sobretudo, fazer-se professor.
Também considero oportuno sugerir, no que se refere ao curso de
Pedagogia e à formação para o ensino de Matemática, que se busquem a
articulação entre teoria e prática e a aproximação entre a realidade escolar e as
teorias estudadas no curso. A proposta consiste em que este último, sendo
permeado pela pesquisa, ofereça ao discente a oportunidade de teorizar sobre
a sua e outras práticas, concebendo a investigação como processo formativo
inerente à prática do professor. Concomitantemente, essa formação deve
procurar conscientizar os futuros docentes sobre a necessidade de um
investimento profissional permanente, dada a natureza de sua atividade
profissional, sempre considerando os aspectos relativos ao modo como a
profissão é representada socialmente e às condições em que atuarão esses
educadores.
Penso que, por meio destas ações, alguns dos problemas e
desafios vivenciados pelo pedagogo ao ensinar Matemática nos Anos Iniciais
do Ensino Fundamental venham a ser mais bem evidenciados e
compreendidos, de modo que o docente, atuando como professor intelectual,
seja capaz de dar novos sentidos ao seu trabalho no ensino de tal disciplina.
Assim, ressignificando a sua prática, ele poderá experimentar soluções para os
problemas e desafios que tem enfrentado nesse ensino.
Posto isto, a presente investigação permite desmascarar a ideia
de que os alunos não sabem Matemática tão somente porque quem a ensina
nos anos iniciais é o pedagogo, visto que os depoentes já apresentavam, na
sua formação anterior ao curso de Pedagogia, dificuldades com essa área do
conhecimento. Também é importante que se tenha a consciência de que
ensinar Matemática nos anos iniciais representa um desafio, tanto para os
pedagogos quanto para os licenciados em Matemática, já que um curso de
graduação não consegue esgotar os conhecimentos necessários ao exercício
da docência, o que requer a continuidade na formação do professor. Com isto,
200
ele poderá buscar respostas aos desafios experimentados no dia a dia da sala
de aula.
Portanto, se quisermos buscar o aprimoramento do ensino da
Matemática nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, como tem sido
propagado pelo poder público, adquire relevância a consideração de todas as
facetas do trabalho do professor, já citadas neste estudo, e, sobretudo, que se
problematize a formação contínua centrada na escola, no sentido de
compreender como tem sido pensado e utilizado o espaço que se dedica a tal
formação no ambiente escolar, para que o mesmo seja realmente destinado ao
estudo dos problemas surgidos no contexto da escola.
A temática abordada nesta investigação sinaliza para a busca de
aprofundamento no âmbito da aprendizagem da docência a fim de se desvelar,
com futuros estudos, como o professor ensina Matemática no contexto da
escola organizada em Ciclos de Formação Humana, considerando a
complexidade que envolve o seu trabalho, com o objetivo de contribuir para a
melhoria da qualidade do ensino-aprendizagem desta disciplina nas escolas
públicas de nosso país.
201
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Matemática. Várzea Grande: UNIVAG, 2009.
206
ANEXOS
ANEXOS
207
Anexo 1 - Roteiro das entrevistas
1) Como você define a Matemática?
2) Que importância você atribui ao ensino de Matemática?
3) Que recursos didáticos utiliza para trabalhar os conteúdos matemáticos?
4) Em sua opinião, qual a melhor maneira para se aprender matemática?
5) Você encontra dificuldades para ensinar os conteúdos de Matemática? Quais?
6) De que forma seu aluno se apropria do conhecimento matemático?
7) Quando seu aluno apresenta dificuldades para desenvolver o conteúdo de Matemática, qual o procedimento que utiliza para ajudá-lo?
8) Quais os desafios que você encontra para ensinar a matemática?
9) O que você aprendeu no curso de Pedagogia trouxe qual suporte para você ensinar a matemática?
208
Anexo 2 - Questionário: Caracterização do professor
1. Dados Pessoais: Nome:__________________________________ __ Sexo: ( ) Masc. ( ) Fem. Data de nascimento:___/___/____ Natural de:__________________________ Email______________________________________tel___________cel______ 2. Escolaridade: Ensino Médio: ( ) Magistério ( ) Propedêutico ( ) Outros:__________________ Formação Acadêmica
Curso/habilitação Ano / Início e Término
Instituição/Cidade/Estado
Título da Monografia
Graduação
Especialização
Mestrado
3. Experiência Profissional:
a) Há quantos anos você trabalha na área de Educação como Professor (a)? _____________ b) E como professor(a) de Matemática? ________________________ c) Qual (is) ciclo (s) você leciona nessa Escola: _____________________ d) Vínculo com essa Escola: ( ) Efetivo ( ) Interino/Substituto ( ) Outros e) Turno em que trabalha nessa Escola: ( ) Matutino ( ) Vespertino ( ) Noturno f) Qual é a sua jornada de trabalho semanal? __________ __ g) Você trabalha em outra escola? _____________________ h) Exerce outra profissão além de Professor? ( ) sim ( ) não Qual?__________________ Onde?________________________________________ i) Quanto tempo leciona no Ensino Fundamental?_____________________________ j) Na rede Municipal? __________ Como Efetivo? ____________________________ l) Na rede Estadual?_______________________ m) Na rede Privada? ______________________ 4. Sobre o ensino da Matemática:
a) Em quais fases você ministra a disciplina?______________ b) Quantas aulas por semana?_________________ c) Qual a carga horária semanal dessa disciplina? __________ d) Qual o tempo de duração de cada aula?__________ e) Quantos alunos você tem (média) por turma?_____________
209
Anexo 3 - Proposta curricular para Matemática e suas Tecnologias – 1ª fase do II ciclo
Saberes e Habilidades Conteúdos
Resolve situações-problemas que envolvem a construção de algoritmo para o cálculo de resultados das operações fundamentais com números naturais, ampliando o repertório numérico.
Resolve situações-problema que envolvem as 4 operações com números naturais.
Identifica a idéia de números ordinais em situações de competição.
Interpreta e produz escritas numéricas que devem ser expressas por números racionais, nas formas fracionária e decimal.
Identifica representações equivalentes de números racionais, nas formas fracionária e decimal.
Representa e compara números racionais registrados nas formas decimal, fracionária e percentual.
Efetua adição, subtração e multiplicação com números racionais na forma decimal por estratégias pessoais ou técnicas convencionais.
Reconhece cédulas/moedas e seu uso, percebendo o significado de “troco” em situações cotidianas.
Identifica, compara os algarismos romanos relacionados ao cotidiano.
Encontra todas as possibilidades fazendo uso de raciocínio combinatório.
Identifica, descreve e representa um e sua posição no espaço, de diferentes maneiras (moldes, vistas, representação em malhas, etc.).
Identifica relações de paralelismo e perpendicularismo e classifica triângulos e quadriláteros, usando como critérios essas relações.
Reconhece semelhanças e diferenças entre polígonos usando critérios como: número de lados, eixos de simetria e comprimentos de seus lados.
Calcula área e perímetro de figuras planas.
Compõe e decompõe figuras planas.
Identifica semelhanças e diferenças entre: cubos e quadrados, paralelepípedos e retângulos, pirâmides e triângulos, esferas e circunferências.
Reconhece as três dimensões.
Identifica figuras simétricas e eixo de simetria.
Compara grandezas de mesma espécie [comprimento (utilizando instrumentos adequados como a régua e fita métrica), massa, capacidade e tempo], registrando as medidas por meio de unidades não padronizadas ou padronizadas.
Identifica e relaciona medidas de tempo (hora, dia, semana, mês e ano), utilizando o relógio e o calendário.
Identifica a posição de um objeto a partir da utilização de malhas, plantas ou mapas.
Elabora listas, tabelas simples e gráficos de barras a partir de dados fornecidos.
Identifica, interpreta e utiliza informações organizadas em tabelas e gráficos, na resolução de situações-
Origem dos números – de uma forma lúdica.
Sistema de Numeração: egípcia, romano e indo-arábico.
Sistema de Numeração Decimal.
Contagem e agrupamentos.
Correspondência biunívoca.
Operações com números naturais (adição, subtração, multiplicação e divisão).
Números ordinais.
Números racionais escritos na forma fracionária, decimal e percentual.
Frações com denominadores iguais.
Adição, subtração e multiplicação com números racionais (fracionários e decimais)
Sistema monetário.
Expressões numéricas.
Possibilidades e raciocíno combinatório.
Retas paralelas e retas perpendiculares.
Reconhecendo objetos e suas formas.
Figuras planas: polígonos e círculos.
Perímetro e áreas.
Figuras não planas: Sólidos Geométricos (paralelepípedo, prisma, pirâmide, cilindro, cone e esfera)
Semelhanças e diferenças entre figuras planas e não planas.
Simetria.
Medidas de tempo: frações de tempo, dia, semana, mês, ano, bimestre, semestre.
Medidas de comprimento: metro, centímetro e quilômetro.
Medidas de massa: quilograma, grama, tonelada e arroba.
Medidas de capacidade: litro e mililitro.
Estatísticas.
Coleta de dados, tabelas e gráficos.
210
problema.
Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Rondonópolis – MT – 2008
211
Anexo 4 - Proposta curricular para Matemática e suas Tecnologias –
2ª fase do II ciclo
Saberes e Habilidades Conteúdos
Resolve situações-problemas que envolvem a construção de algoritmo para o cálculo de resultados das operações fundamentais com números naturais, ampliando o repertório numérico.
Resolve situações-problema que envolve as quatro operações com números naturais.
Identifica a idéia de números ordinais em situações de competição.
Conhecer o valor posicional dos algarismos reconhecendo as classes e as ordens.
Compor e decompor números naturais.
Reconhece e determina os múltiplos de um número.
Identifica se um número é ou não divisor de outro número.
Reconhece e determina os divisores de um número utilizando a multiplicação.
Reconhece como números primos aqueles que têm apenas dois divisores.
Decompõe um número em fatores primos.
Interpreta e produz escritas numéricas que devem ser expressas por números racionais, nas formas fracionária e decimal.
Identifica representações equivalentes de números racionais, nas formas fracionária e decimal.
Representa e compara números racionais registrados nas formas decimal, fracionária e percentual.
Reconhece frações equivalentes como representações diferentes de um mesmo número racional.
Reconhece que existem números representados por uma parte inteira e outra fracionária.
Efetua adição, subtração, multiplicação e divisão com números racionais na forma decimal por estratégias pessoais ou técnicas convencionais.
Reconhece cédulas/moedas e seu uso, percebendo o significado de “troco” em situações cotidianas.
Identifica, compara os algarismos romanos relacionados ao cotidiano.
Encontra todas as possibilidades fazendo uso de raciocínio combinatório.
Identifica, descreve e representa um objeto e sua posição no espaço, de diferentes maneiras (moldes, vistas, representação em malhas, etc.).
Identifica relações de paralelismo e perpendicularismo e classifica triângulos e quadriláteros, usando como critérios essas relações.
Comparar as medidas de segmentos de retas.
Reconhece semelhanças e diferenças entre polígonos usando critérios como: número de lados, eixos de simetria e comprimentos de seus lados.
Identificar e nomear polígonos de acordo com o número de lados.
Definir: triângulos, quadriláteros e circunferências.
Classificar triângulos e quadriláteros.
Construir e identificar ângulos: reto, agudo e obtuso.
Origem dos números - de uma forma lúdica
Sistema de Numeração: Sistemas de numeração egípcia, romano e indo-arábico.
Sistema de Numeração Decimal.
Valor posicional.
Operações com números naturais (adição. subtração, multiplicação e divisão).
Números ordinais.
Múltiplos e divisores.
Números racionais escritos na forma fracionária, decimal e percentual.
Frações com denominadores iguais.
Número misto.
Adição, subtração, multiplicação e divisão com números racionais (fracionários e decimais).
Sistema monetário.
Expressões numéricas. Possibilidades e raciocino combinatório.
Retas paralelas e retas perpendiculares.
Reconhecendo objetos e suas formas.
Figuras planas: segmentos de retas, medidas de segmentos de retas, polígonos, quadriláteros, triângulos, círculos e ângulos.
Perímetro e áreas.
Figuras não plana: Sólidos Geométricos (paralelepípedo, prisma, pirâmide, cilindro, cone e
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Calcula área e perímetro de figuras planas.
Compõe e decompõe figuras planas.
Identifica semelhanças e diferenças entre: cubos e quadrados, paralelepípedos e retângulos, pirâmides e triângulos, esferas e circunferências. Reconhece as três dimensões. Identifica figuras simétricas e eixo de simetria.
Compara grandezas de mesma espécie [comprimento (utilizando instrumentos adequados como a régua e fita métrica), massa, capacidade e tempo], registrando as medidas por meio de unidades não padronizadas ou padronizadas.
Identifica e relaciona medidas de tempo (hora, dia, semana, mês e ano), utilizando o relógio e o calendário.
Identifica a posição de um objeto a partir da utilização de malhas, plantas ou mapas.
Elabora listas, tabelas simples e gráficos de barras a partir de dados fornecidos.
Identifica, interpreta e utiliza informações organizadas em tabelas e gráficos, na resolução de situações-problema.
Interpreta legendas.
esfera).
Semelhanças e diferenças entre figuras planas e não planas.
Simetria. Medidas de tempo: frações de tempo, dia, semana, mês, ano, bimestre, semestre.
Medidas de comprimento.
Medida de superfície.
Medidas de massa:
Medidas de capacidade
Estatísticas.
Coleta de dados, tabelas e gráficos.
Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Rondonópolis – MT – 2008