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LUIZA PERUCH HILÁRIO
A IMPORTÂNCIA DO REGISTRO ESCRITO NA CONSTRUÇÃO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA DO EDUCADOR
CRICIÚMA
2004
LUIZA PERUCH HILÁRIO
A IMPORTÂNCIA DO REGISTRO ESCRITO NA CONSTRUÇÃO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA DO EDUCADOR
Monografia apresentada como requisito para o obtenção do título de Especialista, na Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC.
Professora Orientadora: Zélia Medeiros Silveira
CRICIÚMA
2004
A IMPORTÂNCIA DO REGISTRO ESCRITO NA CONSTRUÇÃO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA DO EDUCADOR
Por
LUIZA PERUCH HILÁRIO
Monografia apresentada como requisito para a obtenção do título de Especialista, na
Universidade do Extremo Sul Catarinense -UNESC.
AVALIAÇÃO
CONCEITO_________________
Orientadora: Professora Zélia Medeiros Silveira
Criciúma
2004
AGRADECIMENTOS
Agradeço à Deus que iluminou minha caminhada,
Ao Jair e a Bruna pelo apoio e incentivo,
À Roselena que me apontou o caminho.
DEDICATÓRIA
Ao meu amado marido Jair, pela paciência e
compreensão que teve comigo todo tempo de estudo, e a
minha filha Bruna; essa vitória é nossa!
“Ninguém e nada cresce sozinho.
Sempre é preciso um olhar de apoio.
Uma palavra de incentivo.
Um gesto de compreensão.
Uma atitude de segurança.
Devemos, assim, sermos gratos.
Aos que nos ajudaram à crescer.
E termos o propósito de não parar.
E não passar em vão pela vida”.
(autor desconhecido)
SUMÁRIO
RESUMO................................................................................................................................
INTRODUÇÃO......................................................................................................................
1. CONCEPÇÕES DE APRENDIZAGEM.........................................................................
2. AVALIAÇÃO.....................................................................................................................2.1. Avaliação na legislação....................................................................................................2.2. Avaliação e planejamento.................................................................................................
3. REGISTRO COMO UM RECURSO PARA O EDUCADOR......................................
4. ALGUMAS POSSIBILIDADES DE TRABALHAR O REGISTRO...........................
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................
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RESUMO
Esta pesquisa aborda o “registro escrito” como recurso metodológico para a prática
docente, pois o mesmo constitui-se em um instrumento que possibilita ao professor refletir,
avaliar as atividades realizadas, registrar suas percepções, sentimentos, rever os
encaminhamentos, enfim, construir sua história e a do seu grupo. O objetivo deste trabalho foi
descrever e analisar o valor do registro diário como recurso metodológico para o educador. A
metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica, a partir dos fundamentos teóricos de
Otetto, Weffor, Warschauer, Hoffmann e outros, que se dedicaram a esse estudo. O mesmo
tem o intuito servir de subsídio aos professores, sobretudo das Séries Iniciais do Ensino
Fundamental, que pretendem qualificar sua prática pedagógica utilizando-se do “registro
escrito”, como um recurso auxiliar neste processo de construção.
Palavras chaves: Registro – Avaliação – Processo Ensino – Aprendizagem.
INTRODUÇÃO
O ensino fundamental é marcante na vida dos educandos, pois é nessa fase da vida que
os mesmos vão se apropriando dos conhecimentos necessários para tornarem-se cidadãos
autônomos e críticos. Nesta perspectiva é fundamental investir em práticas pedagógicas que
contribuam para o desenvolvimento integral do educando, respeitando suas diferenças e
possibilidades no ato de aprender.
No âmbito da prática pedagógica, a avaliação constitui-se em um grande desafio que
precisa ser enfrentado pelos educadores comprometidos com uma educação que busque a
construção de uma sociedade mais includente.
Entretanto, percebe-se que na prática, as escolas apresentam grandes dificuldades no
processo de avaliar. Diante do exposto esta pesquisa parte da seguinte problemática: Como o
registro das situações cotidianas ocorridas em sala de aula, pode auxiliar o educador das séries
iniciais, a melhor avaliar os alunos e qualificar sua prática pedagógica?
Esta investigação tem como objetivo destacar a importância do registro da prática,
enquanto recurso metodológico na avaliação dos alunos e constante aprimoramento da
prática.
Este estudo justifica-se pelo fato do registro escrito constituir-se em um recurso
metodológico que auxilia o educador conhecer o processo de aprendizagem /
desenvolvimento dos educandos, percebendo seus avanços na apropriação do conhecimento.
A utilização deste instrumento torna o professor mais seguro no ato de avaliar, pois possibilita
ao mesmo refletir sobre sua prática, ressiginificando-a.
As questões que orientaram a pesquisa foram:
Para que registrar?
O que registrar?
Como registrar?
Outro dado significativo que merece ser destacado é a pouca quantidade de aporte
teórico sobre o tema. Em conseqüência, também há poucas pesquisas e práticas relacionadas
ao mesmo, sobretudo com professores das séries iniciais. Este fato dificultou a realização de
uma pesquisa de campo, pois a mesma poderia não apresentar resultados fidedignos, uma vez
que as experiências neste campo são bastante restritas.
Este trabalho, portanto, optou pela pesquisa bibliografia buscando sustentação nas
teorias de Otetto, Weffor, Warschauer, Hoffmann e outros, que se dedicaram a este estudo.
O referido trabalho está organizado em cinco sessões.
Primeira sessão: aborda as concepções de aprendizagem;
Segunda sessão: disserta sobre a concepção de avaliação da aprendizagem e como a
mesma está assegurada na legislação;
Terceira sessão: trata sobre o planejamento como forma de auxiliar o registro;
Quarta sessão: aponta o registro como um recurso para o educador;
Quinta sessão: enfoca algumas possibilidades de trabalhar o registro na prática
cotidiana de sala de aula.
Espera-se que este trabalho possa contribuir para que mais professores, sobretudo das
Séries Iniciais do Ensino Fundamental, façam a opção pela prática do registro e que o mesmo
auxilie no processo avaliação dos os alunos e o constante aprimoramento da prática
pedagógica.
1.CONCEPÇÕES DE APRENDIZAGEM
Neste trabalho, pretendemos destacar a importância do “registro escrito” das atividades
cotidianas de sala de aula, como um importante recurso metodológico para o constante
aprimoramento da prática docente.
Para discutirmos essas questões, faz-se necessário um aprofundamento teórico em
relação à concepção de ensino-aprendizagem que norteia a ação pedagógica do educador.
Ao buscarmos compreender esta questão, percebemos que a humanidade, ao longo da
história, sempre buscou compreender quem é o homem e como o mesmo se apropria dos
conhecimentos elaborados. A partir destas indagações, surgiram diferentes concepções de
mundo, de homem e de aprendizagem, buscando responder a esses questionamentos, de
acordo com o momento histórico-cultural vivido.
Dentre essas concepções temos a Inatista, que considera que as qualidades e
capacidades de cada ser humano já se encontram basicamente prontas no nascimento,
sofrendo pouquíssimas transformações ao longo de sua existência. A educação, portanto,
interfere o mínimo possível no seu processo de desenvolvimento, pois o conhecimento é
anterior à experiência. Neste sentido as crianças que não conseguem avançar no seu processo
de aprendizagem, devem conformar-se com esta situação.
A teoria inatista acredita que o homem nasce pré-determinado. Seja pré-fixado pela
natureza, através da cadeia biológica, pela hereditariedade ou por vontade divina. Cada sujeito
portanto, traz consigo os germens de seu desenvolvimento. A hereditariedade sempre foi o
argumento mais importante do apriorismo, sendo inatas tanto às estruturas biológicas do
sujeito quanto às psicológicas.
As estruturas a priori (antes da experiência) se desenvolveria no homem na medida em
que sua estrutura física também fosse se desenvolvendo.
Essas estruturas teriam basicamente duas origens: ou na matéria – herança genética –
ou nas propriedades da alma – dons divinos.
Sob esses princípios, os homens estariam pré-definidos a serem bons ou maus, sábios
ou ignorantes, justos ou injustos, etc.
DESCARTES, apud ARANHA, p.103 dizia que:
“Primeiramente, considero haver em nós certas noções primitivas, as quais são como originais, sob cujo padrão formamos todos os nossos outros conhecimentos” (In ARANHA, 1993:103), demonstrando que a realidade é construída subjetivamente pela razão. Daí sua cérebre afirmação: Cogito ergo sun; que significa: Penso, logo existo.
No âmbito da Psicologia, a perspectiva inatista encontrou ressonância nos defensores
da Gestalt ou Psicologia da Forma.
Segundo a Gestalt, o homem é dotado de uma razão natural, com base em estruturas
mentais subjetivas. Todos os homens nascem providos de unidades perceptuais básicas da boa
forma como a relação figura-fundo, fechamento, proximidade, similariedade, direção, etc. Por
isso, a função psicológica que importa ser estudado é a percepção. A percepção de um objeto
é total e não parcial. Quando lembramos de uma pessoa não íntima, temos a percepção total
de seu rosto e não de pequenos detalhes como o semblante, os traços do rosto, das orelhas,
etc. A reestruturação do campo perceptual ou iluminação súbita se chama insight.
Na perspectiva inatista, é difícil falar em aprendizagem, já que o conhecimento é
decorrência de uma iluminação súbita, o insight.
Por ter a percepção como função psicológica privilegiada, a aprendizagem se limita à
resolução de problemas, que dependem da estruturação do campo perceptivo, cujas bases já
nascem com o sujeito, enquanto condição prévia da racionalidade humana. Essa é uma
estrutura inata e universal, sem gênese, que não admite formação, não admitindo também
aprendizagem.
Há no inatismo uma completa redução do conhecimento ao sujeito, desprezando-se as
possibilidades do objeto. Nessa perspectiva, o sujeito intui (insight) o objeto a partir de
estruturas pré-formadas, sendo a relação sujeito-objeto unilateral, absolutizando-se o
primeiro.
Outra concepção de grande influência na educação é a ambientalista que considera ser
o ambiente mais importante que a maturação biológica. A aprendizagem pode ser entendida
como o processo pelo qual o conhecimento é transmitido para a criança sem que ela atue
sobre ele. A partir disso, o comportamento é modificado como resultado da experiência.
Reunidos em várias tendências, os princípios ambientalistas invertem a polaridade
defendida pelo racionalismo, que dava ênfase no sujeito, priorizando o objeto na gênese do
conhecimento, partindo das experiências com o meio externo ao sujeito. Daí o termo
empirista, que é derivado da experiência.
O ambientalismo defende que o conhecimento surge a partir dos estímulos do
ambiente, impressionando os sentidos do sujeito.
Sob esse princípio geral, reúnem-se várias tendências, as quais comungam a idéia de
que o conhecimento não depende do sujeito, mas dos objetos exteriores a ele, cujas
impressões vão sendo associadas umas as outras. Nessa abordagem, a memória é a função
psicológica privilegiada, porque é através dela que as sensações são registradas no sujeito.
Daí essa tendência ser conhecida como sensualismo empirista, porque as experiências causam
sensações físicas ou psicológicas no sujeito, sendo gravadas na sua memória e, por
associações, vai se relembrando dos momentos vividos.
Outra concepção que muito contribuiu para a compreensão do ser humano foi a
Construtivista, a qual tem sua origem nos princípios da teoria piagetiana, onde preconiza que
a inteligência ou o conhecimento tem sua origem nas interações entre o sujeito pensante e o
meio em que está inserido. Esta concepção revolucionou por completo as pesquisas em e o
ambientalista das psicologias comportamentalistas.
A consideração do papel ativo do sujeito, defendido por Piaget, permitiu a superação
da polarização sujeito-objeto. Agora, não apenas um desses aspectos determinaria o
conhecimento e o desenvolvimento, mas ambos, numa relação interativa e evolutiva. Com
isso, uma consideração totalmente nova passou a permear os discursos psicológicos: a criança
constrói sua inteligência.
A obra de Piaget não pode ser separada da tradição científica que representa, a
psicologia experimental. Seguindo os passos de seus precursores, a primeira preocupação de
Piaget foi desenvolver uma metodologia que lhe permitisse investigar o surgimento da
inteligência na criança, seguindo os princípios dos métodos científicos das ciências naturais.
Para Piaget, a aprendizagem é decorrência do desenvolvimento das estruturas da
inteligência.
No construtivismo, a aprendizagem deve seguir à construção dos esquemas de
assimilação. Não se pode ensinar aquilo que a criança não tem condições ainda de
compreender. É preciso respeitar as fases de desenvolvimento cognitivo, pois para Piaget, a
criança tem uma maneira própria de pensar, diferente dos adultos.
Com o tempo e a evolução das estruturas, novos processos de equilíbrio com o meio
vão surgindo. A aprendizagem não é mais do que necessidade de equilíbrio, sendo que
qualquer estímulo advindo do meio é motivo para que o sujeito se desequilibre; a partir desse
estímulo, novas estruturas cognitivas vão sendo criadas.
Piaget defende o princípio interativo, dizendo que a criança constrói seu conhecimento
do mundo na relação com os objetos.
O ensino baseado unicamente na autoridade do professor não tem lugar na abordagem
construtivista. Para Piaget, “é evidente que o educador continua indispensável, a título de
animador, para criar situações e armar dispositivos iniciais capazes de suscitar problemas
úteis à criança”. (PIAGET, 1974; 15).
A teoria construtivista, que afirma serem as ações realizadas pelo indivíduo as
responsáveis pelo seu desenvolvimento cognitivo, demonstrando que a cognição não decorre
unicamente de aspectos perceptivos motores.
Jean Piaget é o mais conhecido dos teóricos que defendem a visão construtivista,
afirmando que o desenvolvimento envolve um processo contínuo de trocas entre o organismo
vivo e o meio.
A concepção de homem para Piaget é a de um ser biológico que, mediante relações
estabelecidas com o meio, constrói as estruturas necessárias para conhecer, transformando-se
continuamente e chegando a níveis sucessivos de organização cada vez mais complexos.
Nesta medida, a influência humana consiste na capacidade de adaptação à novas
situações, através de dois processos complementares: assimilação e acomodação, responsáveis
pela adaptação ao meio.
A estrutura reflexa - determinadas filogeneticamente no ser humano – transforma-se
gradativamente em ação voluntária, a partir da interação com o meio, que permite o exercício
e a complexificação de tais funções.
É necessário que o sistema perceptivo-motor do indivíduo esteja íntegro, pois através
dele se processa o conhecimento do ambiente e a possibilidade de assimilação, que tem a
função de atribuir significações, a partir das experiências anteriores, às coisas e aos fatos
vivenciados.
Já o processo de acomodação exige uma transformação nos esquemas de ação do
sujeito, levando-o a internalizar o novo conhecimento, tornando parte de si mesmo. Desta
forma, “o conhecimento resulta de uma descentração progressiva, pela qual o sujeito vai se
desprendendo pouco a pouco do real e de seu corpo, rumo a interpretações cada vez mais
amplas e complexas da realidade”. (MANTOAN, 1989 p.49).
Na interação com o ambiente, surgem conflitos ognitivos, decorrentes das
perturbações do meio, que serão gradativamente superados por um processo autoregulador,
denominado por Piaget de equilibração.
O autor define o desenvolvimento como sendo um processo de equilibrações
sucessivas que, embora contínuo, caracteriza-se por diversas fases ou estágios. Cada estágio
define um momento de desenvolvimento - com características e aquisições próprias - e lança a
base para o seguinte. Todos os indivíduos passam pelos mesmos estágios e na mesma ordem;
entretanto, as idades médias que definem os estágios são apenas indicativas, pois poderão
variar, a depender do ritmo individual, do meio e/ou da cultura.
Em todo o seu trabalho, Piaget apresenta contribuições específicas para o campo
educacional.
O objetivo principal da educação é criar homens que sejam capazes de fazer coisas
novas, e não simplesmente repetir o que outras gerações fizeram - homens que sejam
criadores, inventivos e descobridores. O segundo objetivo da educação é formar mentes que
tenham capacidade de críticas e de verificação, e que não aceitem tudo o que lhes é oferecido
(Piaget, 1970, apud Barbosa, 1993).
Para a concepção construtivista, a aprendizagem escolar deve ser entendida como um
processo ativo de elaboração; o ensino deve proporcionar condições de múltiplas interações
em que o aluno constrói seu próprio conhecimento através da ação, sendo esta atividade auto-
estruturante.
Os objetivos da escola, enquanto instrumento da educação, serão o de desenvolver
seres humanos críticos, criativos, pensantes, produtivos e adaptados ao seu momento histórico
ao mesmo tempo em que geradores de transformação desse momento - (Barbosa, 1993, p.89).
O professor deixa de ser detentor do saber e a figura central do processo ensino-
aprendizagem, enquanto o aluno passa a ser participante, pois a relação professor-aluno
também é construída na interação e deve ser avaliada continuamente, como todos os outros
aspectos que nele interferem.
É a partir desta concepção de relação professor-aluno que Piaget critica visões de
ensino-aprendizagem que encaram o ato de aprender, como exercícios mecânicos de
memorização, sem a devida experiência, internalização e acomodação a situações específicas,
e defende a participação ativa do aluno em relação às experiências realizadas na escola.
O conhecimento da teoria construtivista dá mais segurança ao professor, pois este
passa a aproveitar as situações oportunas para criar propostas de atividades enriquecedoras.
Embora a concepção construtivista tenha trazido inúmeras colaborações à prática
pedagógica, críticas são feitas por muitos estudiosos. A primeira delas diz respeito à ênfase
feita às competências intelectuais na organização de objetivos educacionais. Tal evidência
relativiza a importância dos conteúdos escolares, que apenas são valorizados quando
contribuem para o desenvolvimento cognitivo.
Além disso, este encaminhamento pode confundir o processo ensino-aprendizagem
com o processo de desenvolvimento e os métodos de ensino com as técnicas de estimulação.
Outro aspecto a ser levantado diz respeito à relação professor-aluno. Em muitos casos, esta
relação transformou-se em uma relação anárquica, visto que, ao se garantir também ao aluno
papel ativo na construção do processo aprendizagem, muitos professores, por não estarem
preparados para tal forma de interação, acabaram por cair no espontaneísmo, não levando em
conta seu papel como gestor daquele processo.
Também merece consideração o fato de, ao tratar o homem como um ser universal,
Piaget desconsidera o ser particular, único, com características próprias, representante de um
meio social específico.
Piaget é um dos teóricos que traz reflexões pedagógicas sui generis quando coloca a
inteligência como um produto, uma construção entre a hereditariedade e o meio. Segundo ele,
aprender a aprender é possível, por mais desfavoráveis que sejam as condições biológicas. As
estruturas cognitivas, embora produzidas a partir de uma estrutura biológica, não estão
prontas e acabadas, são geradas e modificadas na interação constante com o meio.
Enquanto na concepção comportamentalista há uma preocupação do trabalho
pedagógico no sentido de treinamento, daquilo que a criança ainda não aprendeu, enfatizando
o erro, o construtivismo trabalha no sentido de proporcionar experiências que possibilitem a
crianças colocar em prática suas capacidades, bem como de generalizá-las para outras
situações.
Outra concepção que se preocupa com o desenvolvimento humano, incluindo os
processos de ensino e aprendizagem, é a histórico cultural. Fundamentadas nos estudos de
Vygotsky e seus seguidores, os quais atribuem um grande valor ao aspecto social. Para
Vygotsky, as funções mentais do indivíduo são internalizadas nas e pelas relações sociais,
tendo-se como ponto de partida o social, que Vygotsky chamou de nível interpsicológico
(coletivo), mas que se efetiva, evidentemente, no nível intrapsicológico (individual).
No nível social ou interpsicológico, a linguagem humana é determinante no processo
de surgimento da consciência. Ela permite que o indivíduo se aproprie dos conteúdos culturais
que exigem o aprimoramento das funções mentais superiores. Trabalho e linguagem, na teoria
de Vygotsky são os fatores fundamentais para a formação da consciência. O primeiro atua no
campo material, transformando a natureza. O segundo, a partir da função simbólica, atua no
campo mental, como ferramenta da consciência.
Vygotsky combate a tendência associacionista, que considera a aprendizagem
enquanto mera cópia da realidade externa ao sujeito.
A concepção histórico-cultural (sócio-histórica, sociointeracionista), que fundamenta a
proposta pedagógica do estado de Santa Catarina, firma-se na interação do sujeito com o
meio, percebendo a aprendizagem como um processo contínuo.
“A criança como todo ser humano é um sujeito social e histórico e faz parte de uma
organização familiar que está inserida em uma sociedade, com uma determinada cultura, em
um determinado momento histórico”. (VYGOTSKY, 1999, p123).
Esta interação se dá com outras pessoas e com o ambiente, agindo na formação das
funções psicológicas superiores, e é através dessas interações sociais, que o sujeito vai
construindo a sua visão de mundo.
Desta forma, o meio social em que a criança vive influencia no desenvolvimento
dessas funções, ou seja, se vive em um meio social intelectualmente rico ou pobre poderá ter
mais facilidades ou dificuldades no ambiente escolar.
O sujeito e o conhecimento se relacionam por meio da interação social. Socializar o
conhecimento implica em mediar o que a criança já sabe com o que se deseja que ela aprenda.
Vygotsky interessou-se por enfatizar o papel da interação social ao longo do
desenvolvimento do homem. Isto quer dizer que o homem é herdeiro de toda a evolução
filogenética (espécie) e cultural, e seu desenvolvimento dar-se-á em função de características
do meio social em que vive. Donde surge o termo sócio-cultural ou histórico atribuído nesta
teoria. E assim assinala-se constantemente a busca de explicar os processos mentais
superiores baseados na imersão social do homem que por sua vez é histórico, ontológico e
filogenético.
Para o autor, o desenvolvimento cultural da criança aparece, segundo a lei da dupla
formação, em que todas as funções incidem duas vezes: primeiro no nível social e depois no
nível individual; ou seja, primeiro entre as pessoas (interpsicológico) e depois no interior da
criança (intrapsicológico). Poder-se-ía assim dizer que o desenvolvimento cultural do aluno,
assim como, sua aprendizagem, se dá mediante o processo de relação do aluno com o
professor ou com outros alunos mais competentes.
Em outras palavras, os vygotskianos entendem que os processos psíquicos, a
aprendizagem entre eles, ocorrem por assimilações de ações exteriores, interiorizações
desenvolvidas através da linguagem interna que permite formar abstrações.
Para Vygotsky, a finalidade da aprendizagem é a assimilação consciente do mundo
físico mediante a interiorização gradual de atos externos e suas transformações em ações
mentais.
Nesse processo, a aprendizagem se produz, pelo constante diálogo entre o exterior e
interior do indivíduo, uma vez que para formar ações mentais tem que partir das trocas com o
mundo externo, cuja da interiorização surge a capacidade da atividades abstratas que a sua vez
permite elevar a cabo ações externas.
O que nos faz pensar que esse processo de aprendizagem se desenvolve do concreto
(segundo as variáveis externas) ao abstrato (as ações mentais), com diferentes formas de
manifestações, tanto intelectuais, verbais e de diversos graus de generalizações e
assimilações.
Costuma-se destacar que a abordagem de Vygotsky tem a explicação das mudanças
de ordem qualitativa. Isto porque o autor se preocupou em descrever e entender o que ocorre
ao longo da gênese de certas funções, assim como, no estudo da linguagem da formação de
conceitos, etc.
Nessa teoria não se tem estágios de desenvolvimento explicado detalhadamente sobre
o surgimento e desenvolvimento das funções psíquicas através da acumulação de processos
elementares. Já que nessa abordagem não se questiona o fato de que todos os indivíduos
tenham uma capacidade de aprendizagem que, inicialmente, está condicionada pelo nível de
desenvolvimento alcançado.
Mas existe na teoria de Vygotsky, assim como na de Piaget - os diferentes níveis de
funcionamento psicológico, cada qual com características específicas:
Pseudo-conceitos: aqui ainda a criança não consegue formular conceitos, mas o pensamento
ocorre por cadeia e de natureza factual e concreta. Nesta fase a criança se orienta pela
semelhança concreta visual, formando apenas um complexo associativo restrito a um
determinado tipo de conexão perceptual.
Conceitos: formação de conceito atividade complexa e abstrata, que usa o signo, ou palavra,
como meio de condução das operações mentais.
Conceitos cotidianos: aprendidos assistematicamente, estes conceitos dispensam a
necessidade da escola para a sua formulação.
Conceitos científicos: constituído por um sistema hierárquico de inter-relação, são os
conceitos aprendidos na escola sistematicamente.
Nessa teoria há uma complexa relação entre o aprendizado e o desenvolvimento, ao
contrário do que se tem em Piaget, onde a curva do desenvolvimento antecede em grande
escala para que ocorra o aprendizado. Em Vygotsky, as curvas do aprendizado não coincidem
com as do desenvolvimento, sendo que quando a criança aprende algum conceito, por
exemplo: aritmética, o desenvolvimento dessa operação ou conceito apenas começou. Não há
paralelismo entre aprendizagem e o desenvolvimento das funções psicológicas
correspondentes. Tal relação é um processo extremamente complexo, dialético, não linear que
se dá aos saltos, mediante o surgimento de caos.
A aprendizagem dos alunos vai sendo assim construída em função do processo de
relação do indivíduo com seu ambiente sócio-cultural e com o suporte de outros indivíduos
mais experientes. É na zona de desenvolvimento proximal (ZDP) que a interferência desses
outros indivíduos é mais transformadora. O conceito de ZDP é relativamente complexo, ele
compreende a região de potencialidade para o aprendizado. No caso da criança, representa
uma situação cognitiva em que ela só consegue resolver determinada tarefa psicointelectual
com auxílio de alguém mais experiente.
É justamente na comprovação da existência de uma área de desenvolvimento
potencial, que o texto abaixo menciona como postura da escola neste momento. É aqui que
desprende ou desvincula a proposta de uma concepção distinta da ajuda pedagógica de que
surge das teorias de Piaget. Se em Piaget, havia que ter em conta o desenvolvimento como
um limite, para adequar o tipo de conteúdo de ensino a um nível evolutivo do aluno, em
Vygotsky o que se tem que estabelecer é a seqüência que permite o progresso de forma
adequada, impulsionando ao longo de novas adequações, sem esperar a maduração
"mecânica” e evitando que possa pressupor as dificuldades para prosperar por não delinear
um desequilíbrio adequado. É desta concepção que Vygotsky afirma que a aprendizagem vai
em frente do desenvolvimento
Assim, para Vygotsky, as potencialidades do indivíduo devem ser levadas em conta
durante o processo de ensino-aprendizagem. Isto porque, a partir do contato com pessoas mais
experientes e com o quadro histórico-cultural, as potencialidades do aprendiz são
transformadas para situações em que ativam nele esquemas processuais cognitivos ou
comportamentais. Pode acontecer também, de que este convívio produza no indivíduo novas
potencialidades, num processo dialético contínuo.
Para Vygotsky, como a aprendizagem impulsiona o desenvolvimento, a escola tem um
papel essencial na construção do ser psicológico e racional.
A escola deve dirigir o ensino, não para etapas intelectuais já alcançadas, mas sim,
para estágios de desenvolvimento ainda não incorporados pelos alunos, funcionando como um
incentivador de novas conquistas psicológicas. Assim, a escola tem, ou deveria ter, como
ponto de partida, o nível de desenvolvimento real da criança (em relação ao conteúdo) e como
ponto de chegada, os objetivos da aula que devem ser alcançados, ou seja, chegar ao
potencial da criança. Aqui o professor tem o papel explícito de interferir na zona de
desenvolvimento proximal dos alunos, provocando avanços que não ocorreriam
espontaneamente.
O nível de desenvolvimento real, que é abordado na teoria, refere-se ao que a criança
no seu nível atual, real e efetivo, ou seja, aquilo que a criança consegue fazer sem ajuda de
outro. Enquanto que no nível de desenvolvimento proximal são as funções que não
amadureceram, mas estão em estado embrionário - diz respeito às potencialidades e aos
processos em longo prazo. Por conseguinte, o que ocorre para Vygotsky é que o aprendizado
progride mais rapidamente do que o desenvolvimento. Por isto, a proposta do termo ZDP, em
sua teoria, é onde a escola deve atuar. É aí que o professor agente mediador (por meio da
linguagem, material cultural entre outros) intervém e auxilia para a construção e reelaboração
do conhecimento do aluno, para que haja esse desenvolvimento.
A partir do entendimento dos pressupostos que fundamentam as concepções de
aprendizagem, o educador terá uma possibilidade maior de realizar uma prática pedagógica
coerente com a concepção de homem e de sociedade que deseja ajudar a construir.
Na próxima sessão apresentaremos as concepções de avaliação que buscam a
construção de um sujeito ativo, responsável e sobretudo solidário.
2. AVALIAÇÃO
A avaliação da aprendizagem é amplamente discutida e abordada em todos os
segmentos externos e internos da escola. Nos últimos anos, as escolas buscam constantemente
redefinir e ressignificar o seu papel e a sua função social. Para tanto, as mesmas estão
elaborando o seu projeto político pedagógico, buscando nortear a ação educativa e,
conseqüentemente a avaliação.
Assim, a prática pedagógica e a prática de avaliação deverão superar o autoritarismo, o
conteudismo, a punição, estabelecendo uma nova perspectiva para o processo de
aprendizagem e de avaliação educacional, marcado pela autonomia do educando e pela
participação do aluno na sociedade de forma democrática. Partindo desses pressupostos, para
que o aluno construa o seu conhecimento, a sua autonomia, é necessário que ele esteja
inserido em um ambiente em que haja intervenções pedagógicas, em que o autoritarismo do
adulto seja minimizado e onde os indivíduos que se relacionam considerem-se iguais,
respeitando-se reciprocamente. Importante ainda dizer que, o aluno deve ter oportunidade de
participar da elaboração das regras, dos limites, dos critérios de avaliação, das tomadas de
decisão, além de assumir responsabilidades.
Neste contexto, faz-se necessário trazer para a sala de aula um novo sentido para a
aprendizagem e para a avaliação.
Na perspectiva dessa escola cidadã, teremos em sala de aula, um professor mediador
entre o sujeito e o objeto do conhecimento, trabalhando de forma que, a partir dos conteúdos,
dos conhecimentos apropriados pelos alunos, eles possam compreender a realidade, atuar na
sociedade em que vivem e transformá-la. Assim, o conhecimento para o professor deixa de ter
um caráter estático e passa a ter um caráter significativo para o aluno.
Por conta de uma série de reformas e mudanças que ocorreram a educação, nos
últimos anos, os sistemas de ensino têm produzido maior flexibilização e autonomia nas
escolas, até mesmo em relação ao desempenho dos alunos.
Cabe à escola definir o seu projeto político pedagógico, considerando todos os
aspectos, sem criar um descompasso entre o que se pensa e diz e o que se tem feito, ou seja, o
seu projeto deve ser coerente, claro, participativo, e estar em sintonia com os grupos
envolvidos com a escola, ou melhor, com a comunidade, alunos e professores.
É preciso também pensar sobre os professores, pois, para superar os limites dessa
escola que não queremos mais, será necessário investir continuamente na sua formação,
retomando e repensando o seu papel diante dessa escola cidadã. Nela, não caberá um
professor conteudista, tecnicista, preocupado somente com provas e notas, mas sim, um
professor mais humano, ético, estético, justo, solidário, que se preocupe com a aprendizagem.
É preciso um profissional com competência, tanto política quanto técnica, que conheça e
domine os conteúdos escolares e os atitudinais. Saiba trabalhar em sala de aula utilizando
uma metodologia dialética, tenha um compromisso político, social, que seja pesquisador, um
eterno aprendiz e estudioso, que tenha uma prática coerente com a teoria, seja consciente do
seu papel como cidadão, etc...
Este paradigma vai sendo superado e substituído pelo paradigma das aprendizagens
significativas. Isto ocorre em um movimento de ressignificação do processo de ensino e de
aprendizagem, ao considerar que os estudantes possuem a potencialidade de aprender -
princípio da educabilidade - e o que os diferencia são seus percursos de aprendizagens, que
são condicionados por suas histórias de vida e pela diversidade sociocultural das escolas.
Também compreende o conhecimento como (...) construção histórica e social
dinâmica que necessita de contexto para poder ser entendido e interpretado (ALVAREZ
MÉNDEZ, 2002, p.32). A partir dessa compreensão, o ensino não pode ser visto como uma
mera e mecânica transmissão linear de conteúdos curriculares do docente para o educando,
mas um processo de construção de significados5 fundados nos contextos históricos em que se
ensina e se aprende e, conseqüentemente, se avalia.
O espaço educativo se transforma em ambiente de superação de desafios pedagógicos,
o que dinamiza e significa a aprendizagem, que passa a ser compreendida como construção de
conhecimentos e desenvolvimento de competências.
Este entendimento faz com que o professor procure produzir intervenções didáticas
diferenciadas no intuito de fomentar as várias aprendizagens dos educandos, oferecendo a
cada (...) um dos meninos e meninas a oportunidade de desenvolver, no maior grau possível,
todas suas capacidades (ZABALA, 1998, p.197).
Reconhecer as diferentes trajetórias de vida dos educandos implica flexibilizar os
objetivos, os conteúdos, as formas de ensinar e avaliar. Em outras palavras, contextualizar e
recriar o currículo. Zabala destaca que, para a concretização dessa flexibilidade, são
importantes os seguintes questionamentos: quem são os meus alunos? Que sabem os alunos
em relação ao que quero ensinar? Que experiências tiveram? O que são capazes de aprender?
Quais são os seus interesses? Quais são os seus estilos de aprendizagem? (1998, p.199). Como
também é fundamental saber o que ensinar, qual a relevância social e cognitiva do ensinado
para definir o que vai se tornar material a ser avaliado.
Esses questionamentos vão possibilitando uma maior aproximação e diálogo da
organização pedagógica do trabalho docente com as várias trilhas de aprendizagens e
estrutura curricular. Nessa linha de raciocínio, a escola tem a obrigação de oferecer ao
professor e à professora as condições para que ocorra uma simetria-diálogo-comunicação
entre ensino diversificado e as diferentes formas de aprender. Assim, o sentido pedagógico do
ensino é garantir o espaço e os meios para viabilização das aprendizagens, como afirma Paulo
Freire (2000).
Só existe docência se existir discência, ou seja, o ensino de fato só se efetiva se houver
a correspondência com as aprendizagens significativas dos discentes.
Portanto, a responsabilidade da escola é conceder os meios didáticos e pedagógicos
para a materialização das aprendizagens dos alunos na caminhada da construção da cidadania.
A intervenção docente, nessa lógica, precisa estar subsidiada com as informações que
mapeiem as maneiras que os estudantes estão aprendendo. Isto é, o docente precisa perguntar-
se: como os educandos aprendem ou estão desenvolvendo suas aprendizagens? A resposta
possibilita as informações a serem utilizadas na hora de elaborar, planejar e efetivar o trabalho
pedagógico de forma tal que o universo, não homogêneo da sala de aula (as diversas
aprendizagens), seja contemplado.
Aqui, a avaliação possui a tarefa de se centrar na (...) forma de como o aluno aprende,
sem descuidar da qualidade do que aprende (ÁLVAREZ MÉNDEZ, 2002, p.19) para orientar
o docente a ajustar seu fazer didático de maneira que produza desafios que se transformem em
aprendizagens para os aprendentes. Ou seja, (...) a maneira como o sujeito aprende [passa a
ser] mais importante que aquilo que aprende, porque facilita a aprendizagem e capacita o
sujeito para continuar aprendendo permanentemente. Conscientes do modo como o sujeito
aprende [o professor e a professora] descobrem a forma de ajudá-lo (Ibid: 39).
Segundo Álvarez Méndez (2002), avaliação democrática significa oportunizar aos
alunos e às alunas e aos professores e às professoras espaço de diálogo e participação.
Esta avaliação deve ser constante, para poder acompanhar o processo de ensino e de
aprendizagem, desenvolvido na rotina escolar e, dessa forma, sempre informar o professor e a
professora e o aluno e a aluna acerca do que vem acontecendo nas suas interações
pedagógicas, possibilitando informações para as regulações do trabalho docente e das
aprendizagens. Em outras palavras, a avaliação cruza o trabalho pedagógico desde seu
planejamento até a sua execução, coletando dados para melhor compreensão da relação ensino
e aprendizagem, e possibilitando, assim, orientar a intervenção didática para que esta seja
qualitativa e pedagógica.
Sendo constante, a avaliação se materializa numa variedade de instrumentos, por isso a
necessidade de ser contínua, o que significa garantir uma relação lógica entre os diversos
instrumentos utilizados no processo avaliativo, buscando sempre uma coerência pedagógica e
didática entre eles, e destes com os procedimentos de ensino que o professor e a professora
planejaram e fizeram uso. Assim, a continuidade dos diversos instrumentos avaliativos tem a
intenção também de afastar qualquer possibilidade de fragmentação e terminalidade de sua
utilização, dando a este processo uma perspectiva de integralidade, coesão e coerência.
Em síntese, desenvolver uma nova postura avaliativa requer desconstruir e reconstruir
a concepção e a prática da avaliação e romper com a cultura de memorização, classificação,
seleção e exclusão, tão presente no sistema de ensino. Isto remete a uma reflexão em torno de
algumas questões básicas que constituem a compreensão epistemológica e pedagógica do
conceber e do fazer da avaliação. São elas: para que avaliar? O que é avaliar? O que avaliar?
Quando avaliar? Como avaliar e o que fazer com os resultados da avaliação? Estes
questionamentos representam as principais dúvidas dos docentes na hora de concretizar seu
trabalho pedagógico e elaborar e implementar a dinâmica avaliativa. O domínio sobre estas
perguntas colabora para o desenvolvimento da autonomia didática do professor, conduzindo-o
a uma sólida fundamentação teórica e prática do seu fazer docente e a sua implementação de
forma consistente, sistemática e intencional.
2.1. Avaliação na Legislação
Antes de adentrarmos nos dispositivos legais da avaliação educacional, é
pertinente retomar o processo de produção de legislação educacional e seguir
suas diretrizes da educação nacional.
O documento mais importante do ponto de vista educacional, após a
Constituição
federal, é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN (atualmente a Lei nº
9.394, de 20 de dezembro de 1996), que prescreve as normas do ensino em todo território
nacional para todas as modalidades de ensino. Ela é produzida no Congresso Nacional e
determina a estrutura da educação no Brasil. Na hierarquia da legislação educacional, seguinte
à LDB estão os pareceres do Conselho Nacional de Educação, que é o principal órgão
normativo e supervisor da educação em todo país, que interpreta, esclarece e orienta todos os
sistemas de ensino, que complementam a LDB e definem aspectos particulares das redes
estaduais, municipais, sempre em concordância com a lei maior.
A Constituição Federal, no sistema republicano, é a Carta Magna, a lei maior de uma
nação. Num sistema democrático, é produzida em colaboração com a sociedade civil e suas
instituições representativas, sendo o Congresso Nacional - onde se instala a Assembléia
Nacional Constituinte – o foro privilegiado de debates, discussões e lutas.
No caso brasileiro, A Constituição Federal de 1988 incorporou muitos anseios da
sociedade que clamava democratização do Estado Nacional, após duas décadas de ditadura
militar, recebendo como codinome Constituição Cidadã. Representando a vontade de
educadores, associações, sindicatos e outras organizações ligadas à educação, foi criado em
1988 o Fórum nacional em Defesa da Educação Pública, que conseguiu imprimir ao texto
constitucional diversos princípios democráticos sob os quais a educação brasileira deveria se
pautar:
Art.206.O ensino será ministrado como base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de idéias, e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições
públicas e privadas do ensino;
IV - gratuidade do ensino público nos estabelecimentos oficiais.
V - valorização dos profissionais de ensino, garantindo, na forma da lei, planos de carreira
para o magistério público de provas e títulos, assegurado regime jurídico único para todas as
instituições mantidas pela União;
VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII - garantia de padrão de qualidade.
Percebemos a inspiração democrática desses princípios, sobretudo quando propõe a
gestão democrática para o ensino brasileiro, que significa também a construção de um
processo educacional e não apenas instrumentos pontuais de verificação da aprendizagem.
Essa concepção de educação e de ensino necessariamente prioriza os aspectos
qualitativos, largando de mão a “educação bancária”, que considera o aluno como mero
receptáculo da sabedoria universal, pois:
Com uma concepção educacional “bancária” desenvolvemos uma avaliação
“bancária” de aprendizagem, numa espécie de capitalismo às avessas, pois fazemos um
depósito de “conhecimentos”e os exigimos de volta, sem juros e sem correção monetária, uma
vez que o aluno não pode a ele acrescentar nada de sua própria elaboração gnoseológica, mas
apenas repetir o que lhe foi transmitido.(...)
Ao contrário, a escola cidadã, na qual se desenvovle uma educação libertadora, o
conhecimento não é uma estrutura gnoseológica estática, mas um processo de descoberta
coletiva, mediatizada pelo diálogo entre educando e educador.(...).
Na educação libertadora, a avaliação deixa de ser um processo de cobrança para se transformar em mais um momento de aprendizagem, tanto para o aluno como para o professor – mormente para este, se estiver atento aos processos e mecanismos de conhecimento ativados pelo aluno. Mesmo no caso de “erros”, no sentido de rever e refazer seus procedimentos de educador. (ROMÃO, 1991, p.88).
Ainda que sofresse pesadas críticas de renomados educadores por todo Brasil, a nova
LDBEN, Lei nº 9.394/96, conservou o espírito democratizante do ensino, sobretudo quando
propõe que os próprios educadores elaborem a proposta pedagógica da escola (Art.14), o que
de fato é um avanço, pois as propostas curriculares até então eram implementadas de cima
para baixo.
No que concerne a avaliação escolar, a lei prevê uma série de possibilidades de
avanços institucionais, dando liberdade para os sistemas de ensino e as escolas utilizarem
instrumentos variados de diagnóstico do desenvolvimento discente. Isso está nitidamente
detalhado no artigo 24, item III, inciso V, que trata dos critérios de verificação do rendimento
escolar.
“Avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos
aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de
eventuais provas finais”.
Percebemos que o dispositivo legal incorporou as discussões em torno da avaliação
educacional enviadas nas décadas de 80 e 90, tendo como carro chefe o livro da Avaliação da
Aprendizagem Escolar, de Cipriano Luckesi, despertando para a idéia de que tanto a
aprendizagem quanto o desenvolvimento humano é processual, lento e gradual e, portanto,
haveria de se construir uma avaliação contínua e cumulativa, que esteja em consonância com
a adoção de instrumentos avaliativos de longo curso, tais como portfólios, relatórios, dossiês,
enfim, quaisquer técnicas que permitam visualização do processo educacional, o que jamais
pode ocorrer com as provas, teste e experimentos pontuais.
2.2 Avaliação e Planejamento
O ato de planejar faz parte da história do ser humano, pois o desejo de transformar
sonhos em realidade objetiva é uma preocupação marcante de toda pessoa.
As idéias que envolvem o planejamento são amplamente discutidas nos dias atuais,
mas um dos complicadores para o exercício da prática de planejar parece ser a compreensão
de conceitos e o uso adequado dos mesmos.
De acordo com Gandin:
É impossível enumerar todos tipos e níveis de planejamento necessários à atividade humana. Sobretudo porque, sendo a pessoa humana condenada, por sua racionalidade, a realizar algum tipo de planejamento, está sempre ensaiando processos de transformar suas idéias em realidade. Embora não o faça de maneira consciente e eficaz, a pessoa humana possui uma estrutura básica que a leva a divisar o futuro, a analisar a realidade a propor ações e atitudes para transformá-la.(GANDIN, 2001, p. 83).
Faz-se necessário questionar e definir, conceituar o que é um planejamento?
Planejamento é processo de busca de equilíbrio entre meios e fins, entre recursos e objetivos,
visando ao melhor funcionamento de empresas, instituições, setores de trabalho, organizações
grupais e outras atividades humanas.
O ato de planejar é sempre processo de reflexão, de tomada de decisão sobre a ação;
processo de previsão de necessidades e racionalização de emprego de meios (materiais) e
recursos (humanos) disponíveis, visando à concretização de objetivos, em prazos
determinados e etapas definidas, a partir dos resultados das avaliações (PADILHA, 2001, p.
30).
Planejar, em sentido amplo é um processo que "visa a dar respostas a um problema,
estabelecendo fins e meios que apontem para sua superação, de modo a atingir objetivos antes
previstos, pensando e prevendo necessariamente o futuro", mas considerando as condições do
presente, as experiências do passado, os aspectos contextuais e os pressupostos filosófico,
cultural, econômico e político de quem planeja e com quem se planeja. (idem, 2001, p. 63).
Planejar é uma atividade que está dentro da educação, visto que esta tem como
características básicas: evitar a improvisação, prever o futuro, estabelecer caminhos que
possam nortear mais apropriadamente a execução da ação educativa, prever o
acompanhamento e a avaliação da própria ação. Planejar e avaliar andam de mãos dadas.
Quando alguém vai viajar, utiliza o termo "planejar" em relação ao cronograma, ao
orçamento...; não pensa que o principal planejamento foi o decidir a viagem e, sobretudo, o
definir o resultado que dela espera. Quando um professor vai "dar aulas", pensa que planejar é
definir os passos das suas aulas; não se dá conta que o planejamento mais importante foi o que
decidiu que se iria "dar" esta matéria, em tal ou qual série, e que o resultado esperado é este
ou aquele. (Será que alguém pensou, mesmo, o resultado? Quem foi?).
Planejamento de Ensino é o processo de decisão sobre atuação concreta dos
professores, no cotidiano de seu trabalho pedagógico, envolvendo as ações e situações, em
constante interações entre professor e alunos e entre os próprios alunos (PADILHA, 2001, p.
33).
Na opinião de Sant'Anna et al (1995, p. 19), esse nível de planejamento trata do
"processo de tomada de decisões bem informadas que visem à racionalização das atividades
do professor e do aluno, na situação de ensino-aprendizagem".
Para planejar melhor é preciso definir clara e objetivamente o que desejamos alcançar.
Porém, muitas vezes, na realização das ações para se atingir os objetivos, aparecem
obstáculos dos mais diferentes tipos, principalmente, porque os objetivos não ficaram claros
ou são inexeqüíveis.
Para cada objetivo podem ser traçados vários caminhos. Para sua operacionalização,
planeja-se, ordenando-se, passo a passo, racionalmente, as ações, aulas, eventos e tarefas.
3. REGISTRO COMO UM RECURSO PARA O EDUCADOR NA QUALIFICAÇÃO
DE SUA PRÁTICA DOCENTE
O ser humano está em contínua busca de novas idéias e novos conceitos que servem
como impulso para suas ações. Assim a criança deve ser analisada e estudada na sua
totalidade, pois é um ser em pleno desenvolvimento e as interações sociais agem na formação
de suas funções psicológicas superiores.
Desta maneira, o registro é um recurso eficaz para auxiliar o educador a conhecer
melhor os educandos, percebendo melhor os seus progressos, possibilitando uma maior
segurança no ato de avaliar. Além disso, o mesmo possibilita ao educador rever sua prática
pedagógica no sentido de adequá-la às necessidades do educando.
Analisando o significado do registro na rotina do educador, percebemos que ele sería
uma espécie de diário.
Segundo Magalhães e Marincek (2001,p.93):
...Constitui-se em um lugar de reflexões sitemáticas, constantes; um espaço onde o professor conversa consigo mesmo, anota leituras, revê encaminhamentos, avalia atividades realizadas, documenta o percurso de sua classe. Um documento com a história do grupo e os avanços do próprio professor.
Este diário é muito mais amplo do que os diários de jovens e adolescentes, os quais
registram sentimentos e fatos. O registro na rotina do educador servirá de norte para sua
prática educativa possibilitando refletir sobre o processo ensino-aprendizagem, construindo
um planejamento apropriado às possibilidades dos alunos.
Uma das importantes funções do registro é a possibilidade. O registro faz com que o
educador seja mais humano, não cometa erros ao avaliar e também o coloca de frente com as
incertezas, dúvidas, limites, erros contribuindo para seu crescimento pessoal.
Segundo Warschauer (1993):
A vivência do registro, sob esta perspectiva, nos remete para o campo da humildade, através do aprendizado de conviver com a dúvida, com as incertezas(...) (p.63)
Frente à essas incertezas o registro também possibilita a construção de uma prática
inovadora, buscando coerência entre o pensar e o agir. Nas palavras de Warschauer,1:
...acredito que a escrita possibilite o acesso a camadas mais profundas de nós mesmos que, sem esse registro, poderiam não chegar ao nosso conhecimento. Porém, possibilita também o conhecimento de aspectos muitas vezes indesejados e sombrios. Mais, uma postura de abertura e determinação para a ampliação do (auto) conhecimento pode iluminar o caminho para a conquista de uma coerência interna, integradora, e contribuir para a aproximação entre o idealizar e o concretizar, entre o pensar e o agir.(p.65)
Enquanto seres humanos estamos sujeitos a cometer erros, os quais nos servirão de
aprendizado, se buscarmos refletir e nos transformarmos a partir dos mesmos. O registro
escrito é uma forma de compartilhar com o papel, nossas possibilidades e dificuldades.
Segundo Warsxhauer, (1993, p.65):
A prática do registro é importante por nos permitir construir a “memória compreensiva”, aquela memória que não é só simples recordação, lembranças vãs, mas é base para a reflexão do educador, para análise do cotidiano educativo e do trabalho desenvolvido com o grupo. O ato de escrever o vivido desencadeia um processo reflexivo no qual a vivência restrita e singular torna-se pensamento sistematizado, apropriação do conhecimento.
É através da escrita, portanto, que conseguimos perceber nossos erros, avanços,
contemplar o que vivemos diariamente na prática, não só para ajudar-nos a lembrar do que
aconteceu, mas também compreender o acontecido, analisá-lo para poder aprender com o
vivido.
Segundo Weffort, (1995, p.10):
1 Warsxhauer, Cecília. A roda e o registro. Rio de Janeiro, 1993.
A reflexão registrada tece a memória, a história do sujeito e de seu grupo. Sem a sistematização deste registro refletido não há apropriação do pensamento do sujeito-autor (...) Sujeito alienado do próprio pensamento torna-se um mero copiador da teoria do outro.
Escrever diariamente não é uma tarefa simples e fácil, porém, se pensarmos e
levarmos em consideração que todo início de qualquer mudança de postura e atitude é difícil
até nos adaptarmos a ela, em relação ao registro não será diferente.
De acordo com Kramer (1993, p.35), pode ser difícil no começo, mas, se entendemos
que o registro é um instrumento de trabalho do educador, a dificuldade não pode ser
argumento para não fazê-lo pois:
... é preciso que os professores se tornem narradores, autores de sua práticas, leitores e escritores de suas histórias, para que possam ajudar as crianças a também se tornarem leitores e escritores reais, retirando prazer do falado e do lido, gostando de escrever...
Para iniciarmos tal procedimento, faz-se necessário um reaprendizado do exercício de
ler e escrever, o qual necessitamos ter uma disposição de olhar com “novos olhos” nossa
prática cotidiana e o mundo a nossa volta.
Para Madalena Freire, é necessário “Reaprender a olhar, romper com visões cegas,
esvaziadas de significados, onde a busca de interpretar, dar significados ao que vemos, lemos
da realidade é o principal desafio”. (1995, p.56).
Como instrumento de trabalho, o registro vem associado ao planejamento e à
avaliação. Assim todo processo desde o planejamento, registro e avaliação compõem o fazer
educativo do profissional, que quer construir sua competência e qualidade no trabalho que
realiza.
... o registro ajuda a guardar na memória fatos, acontecimentos ou reflexões, mas também possibilita a consulta quando nos esquecemos. Este “ter presente”o já acontecido é de especial importância na transformação do agir, pois oferece o conhecimento de situações arquivadas na memória, capacitando o sujeito a uma resposta mais profunda, mais integradora e mais amadurecida, porque menos ingênua e mais experiente, de quem já aprendeu com a experiência. Refletir sobre o passado (e sobre o presente) é avaliar as próprias ações, o que auxilia na construção do novo. E o novo é a indicação do futuro. Ë o planejamento. (WARSCHAUER, 1995, p. 62-63).
Podemos nos questionar: Mas como registrar? Não existe uma regra, ou receita. O
registro é marca individual de cada educador, pois não é algo burocrático que deve seguir uma
regra, mais algo especial onde estarão registrados acontecimentos, fatos discussões da
vivência diária em sala de aula e do trabalho do educador.
FREIRE (1995, p.56), ao refletir sobre o ato de escrever, afirma que:
Escrever com sangue, dor e prazer é falar do que corre em nossas veias. Falar de amor, ódio, sonho. “Escrever a sua palavra, deixar marcado o vivido e o pensamento, é ato criador, que requer certa dose de ousadia, coragem e disposição em ativar (para desvelar ou compreender) aqueles sentimentos de amor, ódio, dor, prazer, presentes na nossa relação de seres humanos. E o humano da criação passa pelo desejo, pelo sonho de mudança, de transformação, de conquista do bom, do belo, do prazer.
O ato de refletir, parar e analisar a prática pedagógica é um ato libertador, porque
favorece ao educador instrumentos no seu pensar. É através de reflexões que conseguimos
realizar as constatações, descobertas, reparos, aprofundamentos, fazendo-nos mudar e
transformar algo em nós, nos outros e na realidade vivida.
Com o exercício disciplinado da ação reflexiva, o educador alcança uma ação
generalizadora, teorizante, emergindo a necessidade de fundamentação teórica, uma vez que
não existe uma prática sem uma fundamentação teórica, bem como não existe teoria sem que
tenha nascido de uma prática.
Segundo as palavras de Vygotsky, “o que diferencia o homem do animal é o exercício
do registro da memória humana”. (1999, p.76).
No ato pedagógico o educador também tem seu espaço de registro, podendo
formalizar, comunicar o que pensa, construir o que ainda não conhece e aprofundando o que
necessita aprender, enfim, deixando suas marcas, construindo sua história.
Através do registro escrito, somos obrigados a realizar exercícios de ações, ou seja,
constatar aquilo que não se realizou e deixar como está, não terá significado algum e não
contribuirá para a formação de cidadãos atuantes e críticos.
Concluímos que o registrar os fatos, acontecimentos e situações que envolvem o
cotidiano da sala de aula torna-se um instrumento importante nas mãos do professor
comprometido com o constante aprimoramento de sua prática. Neste sentido o registro
permite levantar subsídios para o planejamento em geral e para os planos de aula, além de
oferecer dados para o professor repensar sua atuação junto às crianças.
4. ALGUMAS POSSIBILIDADES DE TRABALHAR O REGISTRO
Diante das transformações que ocorrem diariamente, a escola, apesar das dificuldades
que enfrenta, precisa buscar meios que assegurem a aprendizagem dos alunos, onde os
mesmos percebam-se, enquanto agentes históricos, responsáveis pela apropriação do
conhecimento científico de forma crítica, responsável e autônoma. Essa apropriação,
entretanto, precisa acontecer de forma compartilhada, onde as diferenças individuais sejam
respeitadas. Para que isso aconteça a sala de aula deve ser um espaço permeado pela troca,
pela interação social, onde aqueles que “sabem”, ajudem aqueles que “ainda não sabem”.
Segundo Warschauer (1993, p.96):
O sistema educacional não escapa da fragmentação do saber, fazendo com que não apenas o conhecimento seja atomizado, perdendo suas relações dinâmicas, mas também o próprio sujeito do conhecimento seja fragmentado, na medida em que somente alguns aspectos de sua personalidade sejam considerados e desenvolvidos. A descaracterização da personalidade global e individual compactua com a manutenção do status quo, pois o enfraquecimento da individualidade, o juízo individual torna-se cada vez mais seguro de si mesmo e a responsabilidade é coletivizada ao máximo: o indivíduo renuncia a julgar, confiando o julgamento a uma corporação.
Diante de tal realidade, surge a necessidade de uma nova postura pedagógica, onde as
diferenças sejam aceitas e referenciadas, pois as mesmas promovem o crescimento individual
e coletivo, onde os educandos reconheçam-se como parceiros e não adversários.
Então, como iniciar este processo? Isso é algo que exige uma modificação profunda
em todos os sentidos, começando pela escola, educadores, pais e educandos. Todos são
responsáveis por esse processo. Toda estrutura da escola deve ser reformulada, o
planejamento, avaliação, processo ensino-aprendizagem devem ter outra “cara”.
Diante do que já escrevemos, pudemos constatar a importância do planejamento e
avaliação neste processo, porém para que o educador tenha condições de avaliar seus
educandos, necessita da prática do registro.
Como podemos trabalhar o registro? Algumas possibilidades nos servem de
embasamento para iniciar o processo. A medida em que vamos aperfeiçoando e aprimorando
nossa prática, conseguimos encontrar novas alternativas de aperfeiçoar esse trabalho.
Warschauer (1993, p.105):
Registrar o não documentado passa a ser de grande interesse para a compreensão da complexidade da escola. Da mesma forma, uma única sala de aula também é um mundo complexo, cheio de contrastes. Penetrar no seu interior registrando sua história é também caminhar no sentido de um aprofundamento da compreensão das relações ali estabelecidas entre seus habitantes e o conhecimento. A organização de seus espaços e tempos obedece a uma certa lógica, que corresponde ao compromisso que se estabelece ali com o conhecimento.
Diz Madalena Freire, que o espaço é um retrato da relação pedagógica porque registra,
concretamente através de sua arrumação (dos móveis), organização dos materiais, a maneira
como nossa relação é vivida.
A modificação do ambiente da sala de aula favorecerá o registro. O educador deve
trabalhar em círculos, grupos de dois, três, quatro. O trabalho individual algumas vezes
também é necessário, para que o educador possa acompanhar individualmente os avanços e as
dificuldades de seus educandos.
No espaço escolar o educando deverá encontrar a motivação necessária para seu
desenvolvimento integral.
Diariamente, as rodas no início da aula são fundamentais, pois proporcionam a troca
de informações e experiências, bem como o planejamento e o desenvolvimento do trabalho
que será efetuado.
Segundo Weffort (1996, p.5):
Toda pedagógica está sempre engajada a uma concepção de sociedade, política. É neste sentido que nesta concepção de educação este educador faz arte, ciência e política. Faz política quando alicerça seu fazer pedagógico a favor ou contra a
classe social determinada. Faz ciência quando apoiado no método de investigação científica estrutura sua ação pedagógica. Faz arte porque cotidianamente enfrenta-se com o processo de criação na sua prática educativa, onde no dia a dia, lida com o imaginário e o inusitado.
Neste sentido, o educador está em constante criação, buscando, estruturando,
organizando o seu viver pedagógico. E nesta constante busca, o educador precisa ser leitor,
escritor, pesquisador. Ele é um leitor, quando lê amplamente a realidade, a sua e a dos outros,
buscando nesta leitura, interpretar, significar. Ao registrar seu cotidiano, ele é um escritor,
pensando, questionando, revendo suas hipóteses.
No ato de registrar o seu cotidiano, o professor tem nas mãos um importante
instrumento na construção de sua consciência pedagógica e política.
Através do registro diário, guardamos parte de um tempo vivido, ou seja, estamos
construindo nossa história pessoal e coletiva (do grupo), momentos significativos.
Também, ao escrevermos, desenvolvemos a capacidade reflexiva, que nos impulsiona
ao pensamento.
Dessa forma, ao registrarmos nosso cotidiano, refletimos sobre o nosso fazer,
impulsionando-nos para a aprendizagem, pois o educador está em constante processo de
aprendiz.
Esta ação reflexiva nos remete a constatações, levando-nos a descobertas,
aprofundamentos.
Escrever não é tarefa fácil para a maioria dos educadores, pois não fomos trabalhados
para tal, além do que exige disciplina, exercício da reflexão, possibilitando assim, estar vendo,
revendo, lendo, relendo, planejando, replanejando a sua prática pedagógica.
OSTETTO (2001, p.19,20), nos diz o seguinte:
No espaço educacional o registro é, para o educador uma espécie de diário, que pode bem lembrar os diários de bordo ou os diários dos adolescentes, nos quais são anotados fatos vividos, sentimentos, impressões, confissões. Quanto ao diário do professor, num âmbito da prática pedagógica, vai muito além disso: constitui-se em um lugar de reflexões sistemáticas constantes, um espaço onde o professor conversa consigo mesmo, anota leituras, revê encaminhamentos, avalia atividades realizadas,
documenta o percurso de sua classe. Um documento com a história do grupo dos avanços do próprio professor.O registro é uma documentação para si próprio e para o grupo dos alunos que coordena, diz respeito a sua particular vivência. Não pode ser concebido, nem utilizado, como forma de controle, de qualquer coordenador ou supervisor. Registrar o cotidiano não é brincadeira! Não é escrever para mostrar ou prestar contas a alguém. É ao contrário comprometer-se com a própria prática, comprometendo-se com a coerência de uma prática que vai refletida num processo de formação permanente.
Como vimos, não existe “modelo”, ou regras para escrever sobre o seu cotidiano. Cada
educador tem o seu jeito, a sua maneira de registrar suas experiências, que pode ser: narrando,
contando, por tópicos, detalhando...
Entendendo que tudo o que é novo gera angústia, medo, sofrimento, segue abaixo um
roteiro de apoio para quem deseja lançar-se neste novo desafio, elaborado por Ostetto, (2001,
p.68-69):
A) DADOS QUANTITATIVOS:- Onde descreve o que foi planejado para o dia e o
que foi efetivamente realizado;
B) DADOS QUALITATIVOS: Onde anota o que pode observar no encaminhamento
do planejamento e do dia, fazendo uma análise, experimentando, já, uma reflexão.
Muitos são os aspectos que poderão ser registrados/analisados. A seguir sugerimos
alguns:
1. O que aconteceu no dia de mais significativo:
1.1 Com relação ao grupo de crianças (como foi a participação; se mostraram interesse-
entusiasmo e em que; quais os momentos de maior concentração, etc)
1.2 Com relação às situações e atividades propostas (se foram apropriadas às crianças e ao
momento; como foram apresentadas/introduzidas ao grupo de crianças; o que foi positivo; o
que ficou faltando; o que poderia ser melhorado, etc)
1.3 Com relação à organização do espaço físico ocupado (onde foram realizadas as atividades;
se houve mudança na disposição dos móveis; como os materiais foram aí organizados e
utilizados, etc).
2. Fatos relevantes ocorridos no dia, fora do previsto: Todo tipo de situação que não estava no
“plano diário” e foi encaminhada (como surgiu; participação/ reação das crianças;
desdobramentos possíveis; foi proveitoso ou não e por que; poderia ter sido encaminhado de
outra maneira, etc).
3. Como você sentiu no dia:
Facilidade/dificuldade ao encaminhar as situações e atividades e ao coordenar o grupo
de crianças; dúvidas/insegurança em algum momento, Qual? Reação/interação com as
crianças – grupo e individual – foi tranqüilo? Teve conflito? Como encaminhou? Se sentiu
bem?
A partir deste roteiro, o educador poderá orientar e aos poucos, encontrar a sua
maneira de registrar.
O importante é que, após cada dia de trabalho com seu grupo, o educador realize e o
exercício disciplinado da reflexão: parando, pensando, refletindo e escrevendo sobre o seu dia
de trabalho.
Portanto, este instrumento pedagógico será de grande utilidade, contribuindo para
tornar sua prática, cada vez mais comprometida, consigo e com o outro.
O registro pode ser utilizado como fonte de referência, onde o educador registra tudo o
que achar significativo e que contribuirá para a melhoria do educando, garantindo seu
desenvolvimento, bem como, assegurar que sua prática seja coerente com a escola que
almejamos, capaz de educar o homem para a vida, sem disputas, competições, mas
solidariedade, companheirismo, ajuda mútua.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscar a melhoria da qualidade da educação pressupõe repensar a prática educativa,
que passa necessariamente pela postura do professor.
No ato de registrar o seu cotidiano, sua prática docente, o educador tem nas mãos um
importante instrumento na construção de sua consciência pedagógica e política.
Através do registro escrito, guardamos parte de um tempo vivido, ou seja, estamos
construindo nossa história pessoal e coletiva (grupo), momentos significativos, os quais
contribuirão na formação de cidadãos autônomos e críticos.
Baseando-se, nas concepções que norteiam a prática pedagógica, percebemos que as
mesmas procuram respeitar o educando em sua individualidade e buscam maneiras
diversificadas de ampliar seus conhecimentos, respeitando-os como agentes históricos de
transformação.
A referida pesquisa buscou apresentar o registro como um instrumento norteador da
prática pedagógica, oferecendo ao educador suporte para qualificação de sua prática
incentivando-o a ser um leitor, escritor e, sobretudo pesquisador. A partir deste entendimento
poderá o educador organizar o seu planejamento, o espaço da sala de aula para que os
mesmos oportunizem situações em que a criança possa se apropriar dos conhecimentos
elaborados de forma significativa.
Além disso, valorizando a história, cultura, possibilidades de cada educando, é
possível criar alternativas de aprendizagem onde os mesmos possam desenvolver suas
habilidades e competências objetivando o sucesso na aprendizagem, a construção da
autonomia e a conquista e da cidadania. Este trabalho pretende ser um material de subsídio
aos professores que pretendem investir em sua prática pedagógica, utilizando o “registro
escrito”, como um instrumento mediador neste processo.
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