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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLNDIA
INSTITUTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA
REA DE CONCENTRAO GEOGRAFIA E GESTO DO TERRITRIO
A LUTA PELA TERRA E NA TERRA: desafios e perspectivas do
cooperativismo Fazenda So Domingos, Tupaciguara (MG)
LUCIMEIRE DE FTIMA CARDOSO
Uberlndia (MG)
2012
LUCIMEIRE DE FTIMA CARDOSO
A LUTA PELA TERRA E NA TERRA: desafios e perspectivas do
cooperativismo Fazenda So Domingos, Tupaciguara (MG)
Dissertao de mestrado apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Geografia do Instituto de Geografia da
Universidade Federal de Uberlndia, como requisito parcial
obteno do ttulo de Mestre em Geografia.
rea de Concentrao: Geografia e Gesto do Territrio.
Orientador: Prof. Dr. Joo Cleps Junior
Uberlndia (MG)
INSTITUTO DE GEOGRAFIA
2012
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
Sistema de Bibliotecas da UFU, MG, Brasil.
C268l
2012
Cardoso, Lucimeire de Ftima, 1979-
A luta pela terra e na terra: desafios e perspectivas do cooperativismo - Fazenda So Domingos, Tupaciguara (MG) / Lucimeire de Ftima
Cardoso.-- 2012.
155 f. : il.
Orientador: Joo Cleps Junior.
Dissertao (mestrado) Universidade Federal de Uberlndia,
Programa de Ps-Graduao em Geografia.
Inclui bibliografia.
1. Geografia - Teses. 2. Cooperativismo - Tupaciguara (MG) - Teses.
3. Reforma agrria - Tupaciguara (MG) - Teses. I. Cleps Junior, Joo.
II. Universidade Federal de Uberlndia. Programa de Ps-Graduao em
Geografia. III. Ttulo.
CDU: 910.1
AGRADECIMENTOS
Agradecer um momento muito especial, pois apesar de ser um trabalho solitrio, existem pessoas
que fazem toda diferena, pois nos do suporte e nos ajudam a caminhar e superar os obstculos que
surgem ao longo do caminho.
Primeiro agradeo a Deus, meu suporte e minha inspirao, minha fora espiritual que rege toda
minha vida e minhas conquistas.
Aos meus pais, que sempre se orgulharam das minhas batalhas e das minhas vitrias e que so meu
porto seguro, neles encontro a verdadeira paz e amor incondicional, que somente os pais oferecem a
ns.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Joo Cleps, por todo tempo que trabalhamos juntos, por todo meu
amadurecimento enquanto pesquisadora, mas tambm como pessoa, apesar de todas as dificuldades
que enfrentamos, eu sabia que ele sempre estaria l, me apoiando e me oferecendo as ferramentas
necessrias para que eu mesma fizesse as minhas prprias escolhas e trilhasse meu caminho.
Aos professores que participaram da banca de qualificao, professores Srgio Gonalves e
Marcelo Chelotti. A leitura crtica e atenciosa foi um grande incentivo e um norte essencial para a
concluso desse trabalho, hoje percebo o quanto a banca de qualificao enriquece um trabalho
acadmico.
Aos professores das disciplinas realizadas, especialmente o Prof. Dr. Antnio Csar Ortega
(Instituto de Economia), professor competente e comprometido tanto com seus alunos quanto com a
sociedade, foi um prazer imenso ter sido sua aluna.
Aos meus amigos-irmos: Carla e Ricardo, Carolina, Rene e Fernandinha, Maria Jos e Thiago (X),
que sempre se preocuparam e me deram incentivo para continuar. Mais que amigos, so irmos que
quero compartilhar todos os momentos da minha vida. Como dizem por a: algumas pessoas ns
conhecemos, outras Deus nos apresenta.
Aos amigos do LAGEA, que fazem parte dessa caminhada, sempre dispostos a contribuir com o
que fosse necessrio. Mesmo numa simples visita, me sentia revigorada pelo carinho e
cumplicidade que sempre senti ao lado de todos: Andrza, Danielle, Fabiana, Jssica, Geraldo,
Natlia, Ricardo Freitas, Ricardo Leite, Renata e Thiago.
RESUMO
A heterogeneidade dos sujeitos, a viso de mundo e as complexas relaes que so (re)construdas
nos assentamentos tem nos mostrado um cenrio permeado por conflitos, resistncias, avanos e
retrocessos, caractersticas intrnsecas s relaes humanas e estas com seu territrio, que so
responsveis pelo desenvolvimento e desenrolar da luta na terra em nosso pas.A luta pela terra no
Brasil tem avanado lentamente, sobretudo se considerarmosapenas as medidas que so tomadas
com o objetivo de arrefecer as tenses geradas pelos movimentos. Os assentamentos rurais so
criados como medidas paliativas e estes tm enfrentado todo tipo de dificuldades, tanto de
implantao quanto de desenvolvimento.Nessa perspectiva, mais do que a luta pela terra os
movimentos sociais tm percebido a importncia de lutarem pela permanncia e sobrevivncia na
terra. Dessa forma, compreender o cooperativismo, suas dificuldades e potencialidades tm sido um
importante mecanismo para se pensar um projeto de desenvolvimento sustentvel e coletivo. Assim,
tomamos o Assentamento da Fazenda So Domingos em Tupaciguara (MG), tendo como principal
objetivo a compreenso do modelo cooperativista adotado pelo Movimento Terra Trabalho e
Liberdade (MTL), a partir da anlise da vivncia das famlias na rea de implantao desse projeto.
A COERCO So Domingos, cooperativa implantada no referido assentamento tem representado
possibilidades, mas tambm embates e enfrentamentos entre os sujeitos envolvidos. A compreenso
da relao entre os assentados e o movimento foi importante, bem como os pormenores da
resistncia e questionamento do modelo implantado pelo MTL, processo capaz de dificultar ou at
mesmo inviabilizar o projeto conforme proposto.
Palavras chave: Reforma Agrria. Cooperativismo. Fazenda So Domingos. MTL. Tringulo
Mineiro.
ABSTRACT
The heterogeneity of subjects, the worldview and the complex relationships that are (re)constructed
in the settlements has shown us a scenario permeated by conflicts, resistance, advances and retreats,
intrinsic to human relationships with these with their territories, which are responsible for the
development and progress of the fight on the ground in our country. The struggle for land in Brazil
has advanced slowly, especially if we consider only the measures that are taken in order to cool the
tensions generated by the movements. The rural settlements are created as mitigation measures and
they have faced all sorts of difficulties, both in implementation and development. From this
perspective, rather than the struggle for land, social movements have realized the importance of
fighting for the permanence and survival on the land. Thus, understanding the cooperatives, its
difficulties and potentialities have been an important mechanism for thinking about a project for
sustainable and collective development. Then, we took the settlement in the So Domingos Farm in
Tupaciguara (MG), with the primary goal to understand the cooperative model adopted by the
Labor Land and Freedom Movement (MTL), from the analysis of the experience of families in the
implementation area of this project. The COERCO Santo Domingo, cooperative located in that
settlement has represented possibilities, but also clashes and confrontations between the individuals
involved. Understanding the relationship between the settlers and the movement was important, as
well as the details of the resistance and the questioning of the model introduced by MTL, which is a
process that can hinder or even derail the project as proposed.
Keywords: Agrarian Reform. Cooperative. So Domingos Farm. MTL. Tringulo Mineiro
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 ndice de Gini da distribuio da terra no Tringulo Mineiro / Alto
Paranaba
44
Tabela 2 Municpio de Tupaciguara: Estrutura fundiria 45
Tabela 3 ndice de Gini: municpio de Tupaciguara em 1992, 1998 e 2003 45
Tabela 4 Tringulo Mineiro Assentamentos Rurais (1986 a 2010) 54
Tabela 5 Municpio de Tupaciguara: rea plantada (hectares) e Quantidade
produzida (tonelada) produo de cana-de-acar, soja e milho
(1995-2010)
92
Tabela 6 Municpio de Tupaciguara: rea plantada (hectares) e Quantidade
produzida (tonelada) produo de arroz, feijo, tomate e mandioca
(1995-2010)
94
LISTA DE ILUSTRAES
LISTA DE FOTOS
Foto 1 Ocupao de estrada vicinal prxima Fazenda So Domingos, 2005 96
Foto 2 Vista area do assentamento (rea comunitria) na Fazenda So
Domingos Tupaciguara (MG), 2012
97
Foto 3 Mquina agrcola pertencente COERCO So Domingos 114
Foto 4 Caminhes pertencentes COERCO So Domingos 115
Foto 5 Horta comunitria (Fazenda So Domingos) 116
Foto 6 Local de preparo das hortalias para venda (Fazenda So Domingos) 116
Foto 7 Curral com cabeas de gado leiteiro (Fazenda So Domingos) 117
Foto 8 Moagem de cana para alimentao do gado (Fazenda So Domingos) 118
Foto 9 Barracos de lona dos assentados (Fazenda So Domingos) 119
Foto 10 Barracos de lona e rua da rea comunitria (Fazenda So Domingos) 119
Foto 11 Barraco comunitrio (Fazenda So Domingos) 120
Foto 12 Viveiro de mudas (Fazenda So Domingos) 121
LISTA DE MAPAS
Mapa 1 Tringulo Mineiro Nmero de ocupaes realizadas pelo MTL
(2004 2010)
52
Mapa 2 Localizao do municpio de Tupaciguara, Tringulo Mineiro, (MG) 91
Mapa 3 Planta da Fazenda So Domingos Tupacigura MG (2008) 98
LISTA DE GRFICOS
Grfico 1 Nmero de ocupaes de terra no Brasil no Governo FHC (1995-
2002)
32
Grfico 2 Nmero de assentamentos rurais no Brasil (2003-2009) 37
Grfico 3 Tringulo Mineiro: nmero de ocupaes no perodo (1990 a 2010) 53
SUMRIO
INTRODUO 13
1 POLTICAS DE ESTADO E A LUTA PELA REFORMA
AGRRIA NO CAMPO BRASILEIRO
22
1.1 Reflexes sobre a luta pela terra no Brasil: novos cenrios, velhos
desafios
23
1.1.1 A luta pela terra no Brasil no ps-1960 24
1.2 O ressurgimento dos movimentos de luta pela terra durante a
Ditadura Militar
27
1.3 A reforma agrria no ps-1990 30
1.3.1 A Reforma Agrria nos governos Fernando Collor de Melo e Itamar
Franco (1991-1994)
30
1.3.2 A Reforma Agrria no governo Fernando Henrique Cardoso (1995
2002)
31
1.3.3 A Reforma Agrria no governo Luiz Incio Lula da Silva (2003-
2010)
35
1.3.4 A Reforma Agrria no governo Dilma Rousseff 42
1.4 A modernizao agrcola e a reestruturao fundiria no Tringulo
Mineiro/Alto Paranaba
43
1.5 A luta pela terra e a Reforma Agrria no Tringulo Mineiro/Alto
Paranaba ps-1980
46
1.5.1 As aes dos movimentos de luta pela terra e a criao de Projetos de
Assentamento na regio do Tringulo Mineiro/Alto Paranaba
52
2 (RE)TERRITORIALIZAO CAMPONESA E PRTICAS DE
COOPERAO AGRCOLA: Projeto de Assentamento
Fazenda So Domingos, Tupaciguara - MG
56
2.1 Os diversos territrios e o territrio campons 56
2.2 O cooperativismo como alternativa expropriao capitalista 64
2.3 O cooperativismo agrcola brasileiro: gnese e diversidade 66
2.4 As formas de produo na agricultura camponesa e o cooperativismo 71
2.5 O associativismo cooperativista em assentamentos rurais 73
75
2.6 Do modelo prtica: cooperativismo nos movimentos de luta pela
terra Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e
Movimento Terra Trabalho Liberdade (MTL)
2.7 O cooperativismo no MTL (Movimento Terra Trabalho e Liberdade) 82
3 O PROJETO DE ASSENTAMENTO DA FAZENDA SO
DOMINGOS - TUPACIGUARA: diversidade socioprodutiva e os
desafios do cooperativismo
86
3.1 Os assentamentos rurais: desafios da reproduo social do
campesinato
87
3.2 Contextualizao da Fazenda So Domingos na agricultura regional 91
3.3 A divergncia poltica entre o modelo de Reforma Agrria e a
produo coletiva nos assentamentos rurais
94
3.4 COERCO - Cooperativa dos Assentados da Fazenda So Domingos:
desafios e perspectivas
106
3.5 A realidade das famlias da Fazenda So Domingos 111
3.6 Do sonho realidade: um modelo cooperativo em assentamento rural 121
CONSIDERAES FINAIS
129
REFERNCIAS 132
ANEXOS 140
Anexo 1 Declarao de adeso proposta de assentamento coletiva na
Fazenda So Domingos Tupacigura MG. Pedido de admisso na
COERCO So Domingos. Pedido de admisso na COERCO So
Domingos
141
Anexo 2 Roteiro de Entrevista 2 Presidente da COERCO So Domingos
Tupaciguara / MG
142
Anexo 3 Roteiro de Entrevista 2 Assentados da Fazenda So Domingos
Tupaciguara / MG
147
Anexo 4 Roteiro de Entrevista 3 Direo Nacional do MTL 153
INTRODUO
A compreenso das polticas de assentamentos rurais e da atuao dos movimentos de luta
pela terra fundamental para entendermos a evoluo da Reforma Agrria em nosso pas. Essas
polticas e aes so processos histricos que se arrastam por sculos e, pela anlise da conjuntura
atual, esto distantes de ser um problema superado.
O campo brasileiro tem passado por muitas transformaes nas ltimas dcadas,
principalmente, em relao tecnologia empregada nas grandes lavouras e consolidao do
agronegcio. O Estado tem privilegiado o agronegcio e promovido excluso dos trabalhadores
rurais por meio de polticas pblicas que beneficiam, em sua maioria, os grandes empresrios
agrcolas.
Assim, o Estado assume como prioridade o modelo agroexportador e os supervits das
balanas comerciais alcanados pelo agronegcio devido, especialmente, modernizao no
campo; nesse sentido, as representaes patronais se encarregam de demonstrar para a sociedade
que o campo brasileiro no necessita de Reforma Agrria para se alcanar o to almejado sucesso
agrcola.
O modo de produo capitalista, que tem como princpios fundamentais a acumulao, a
explorao e a subordinao da classe trabalhadora, impondo condies de vida precria, apresenta-
se como uma situao a ser superada. Dessa forma, os sujeitos sociais que vivem margem da
sociedade necessitam de alternativas que ofeream condies de vida para sua sobrevivncia e
reproduo, tais como, moradia, sade, alimentao e educao.
Uma das alternativas a esse modelo de sociedade imposto pelo modo de produo capitalista
revela-se nos sistemas de cooperao forjados no bojo dos movimentos sociais, sobretudo, aqueles
de luta pela terra. A principal caracterstica deste modelo de cooperativismo gestado por intermdio
dos movimentos sociais a autogesto e a busca pela autonomia econmica, poltica e social que
promove desdobramentos importantes sobre a produo, como por exemplo, a possibilidade de
produzirem de maneira mais eficiente e organizada, contribuindo para a permanncia das famlias
na terra. Isso se torna evidente quando colocamos em relevo a atuao dos movimentos de luta pela
terra no pas e, especificamente, no Tringulo Mineiro/Alto Paranaba1.
Outras questes sobre as dificuldades de permanncia na terra so importantes,
principalmente, aquelas que dizem respeito ao processo de desmobilizao recorrente nos
assentamentos do Tringulo Mineiro bem como em outras regies do Estado. Isso resultante de
1 De acordo com o IBGE, uma mesorregio composta por 66 municpios. A mesorregio engloba as seguintes
microrregies: Uberlndia, Uberaba, Patrocnio, Patos de Minas, Frutal, Arax e Ituiutaba.
14
processos histricos, mas, tambm, da lgica de mercado dominante no cenrio nacional. Com isso,
refletir sobre a questo do cooperativismo colocar em relevo mecanismos e prticas para se pensar
em um projeto de desenvolvimento sustentvel e coletivo nos assentamentos de Reforma Agrria.
O cooperativismo revela outra perspectiva da luta e permanncia na terra. O modelo de
produo baseado em cooperativas vem como alternativa s dificuldades postas depois da conquista
da terra, ou seja, para possibilitar a produo dos meios de existncia do homem campons.
E com esse objetivo que tomamos o Projeto de Assentamento (PA) Fazenda So
Domingos em Tupaciguara (MG), como objeto de anlise neste trabalho. Buscamos com este
estudo a compreenso do modelo cooperativista adotado pelo Movimento Terra Trabalho e
Liberdade (MTL), bem como a anlise do processo de organizao coletiva de produo
considerando suas principais dificuldades e potencialidades a partir da vivncia das famlias na rea
de implantao do projeto.
Apesar de esse modelo ter apresentado percalos ao longo da implantao do projeto,
dificultando a efetivao do modelo cooperativista, a Fazenda So Domingos um modelo
alternativo e diferenciado de gesto de reas de Reforma Agrria. A dificuldade de implantao da
cooperativa se d em virtude do assentamento ser um espao permeado por obstculos a serem
superados, pois conforme Fabrini (2003, p. 65), as aes coletivas so atividades desenvolvidas a
partir da construo de espaos de socializao poltica entre os camponeses dos assentamentos.
Nesse sentido, importante destacar que necessrio que haja coeso entre as famlias e que a
cooperativa ocupe um papel para alm da produo e seja, tambm, um espao pedaggico para a
continuidade da luta pela terra.
O referido espao, portanto, tem se mostrado como um laboratrio dessas alternativas de
produo para os pequenos agricultores, desenvolvendo e potencializando experincias quanto ao
uso da terra, fundadas nos princpios da cooperao e solidariedade, caractersticas importantes no
desenvolvimento de atividades produtivas e sociais, e que contribuem sobremaneira para a
viabilidade da permanncia dos assentados no campo.
A Cooperativa Agropecuria Mista de Empreendimento Rural Comunitrio do
Assentamento So Domingos (COERCO So Domingos), criada em 29 de julho de 2006, com a
participao de 36 pessoas, simboliza o projeto coletivo idealizado pelo MTL. Para participar da
cooperativa, como associados, os agricultores devem optar, livremente, obedecendo s normas
constantes em seu Regimento Interno.
Para que as famlias possam ser assentadas na Fazenda So Domingos, necessrio que elas
assinem uma declarao afirmando que esto de acordo com todas as normas que regem a
cooperativa, destacando-se, inclusive, que elas no tero titulao de posse. Nesse documento est
15
explcito que a maior rea desapropriada destinada produo coletiva e que apenas 3 hectares (1
alqueire) por famlia sero de uso individual.
Esse projeto tem despertado inmeras dvidas e questionamentos, uma vez que se apresenta
como uma proposta diferenciada de gesto de reas de assentamentos rurais. Nessa perspectiva, foi
necessrio aprofundar a temtica estudada com a realizao de trabalhos de campo na rea que
foram fundamentais para a compreenso do cotidiano e de como os obstculos se apresentam para
as famlias assentadas.
Inicialmente, importante destacar as escolhas pessoais desta pesquisa, isto , a Geografia
Agrria e o tema da Reforma Agrria, sobretudo, a escolha de um assentamento cuja base de
produo principal o cooperativismo. O interesse pela Geografia Agrria se deve ao fato de ela
possibilitar a compreenso e o questionamento da questo agrria brasileira, temtica que,
indiretamente, envolveu minha vida e, diretamente, envolveu a vida da minha famlia.
Abriremos um parntese para expor um pouco sobre a nossa trajetria pessoal e o
envolvimento com o tema de pesquisa. Apesar de no ter vivido propriamente no campo, sempre
ouvi dos meus pais, que nasceram e viveram boa parte de suas vidas em fazendas como meeiros,
sobrevivendo s dificuldades e injustias no campo. Eram relatos, por diversas vezes, de como aps
muito trabalho, quando os pastos estavam limpos e as lavouras estavam crescendo, os proprietrios
das fazendas pediam para eles se retirarem; eles saam como dizia minha me: com as mos
abanando.
Alm de no possurem a terra, que em suas mos seria terra de trabalho e no de negcio,
como afirma Martins (1980), no era permitido que eles usufrussem do seu prprio trabalho. Essas
histrias contadas por meus pais, sempre me entristeceram e indignaram, pois sei que ainda hoje
uma realidade de muitas famlias, semelhantes minha um casal, com pouco ou quase nenhum
estudo, grande quantidade de filhos que tem que se sujeitar aos detentores dos meios de produo,
a terra.
Compreender o campo e suas relaes contraditrias e de injustia me instigou, desde o
incio da graduao, pois apesar de no ter vivido esses momentos que foram to marcantes na vida
de meus pais e irmos, marcaram-me profundamente, de tal maneira, que a luta pela terra travada
por inmeros trabalhadores no Brasil representa a luta que minha famlia no pde travar; sinto-me
em casa quando estou dentro dos barracos de lona dos trabalhadores que conheci e com quem pude
compartilhar indignaes, questionamentos e esperanas.
Esse contexto de histria familiar foi motivao para que eu buscasse crescer enquanto
pesquisadora. A luta pela terra e pela Reforma Agrria essencial para mudanas significativas na
vida do homem campons, pois se ela j tivesse sido realizada, provavelmente meus pais e inmeras
outras famlias no teriam passado por tantas humilhaes e injustias. No teriam vivenciado
16
situaes extremas, como terem que fechar uma porteira e olhar pra trs e ver todo seu trabalho de
sol a sol nas mos de quem possui o capital. Eles ficaram sem condies de ir luta e sem a terra,
sem existirem como camponeses.
Por conseguinte, uma pesquisa no consegue a imparcialidade absoluta requerida nas
Cincias e na academia, pois nossa viso de mundo, as crenas e os desejos invariavelmente so/e
fazem parte do trabalho de pesquisa. As escolhas, tanto terica quanto metodolgica e mesmo do
objeto de pesquisa, a temtica a ser pesquisada, so resultado disso, uma vez que pesquisamos algo
que nos intriga e nos desperta curiosidade e indagaes.
Durante a graduao, juntamente com minhas pesquisas de Iniciao Cientfica (IC), fui
amadurecendo e buscando a compreenso da luta pela terra e novas indagaes foram surgindo. A
maior delas refere-se s polticas de assentamentos rurais e s dificuldades de permanncia das
famlias depois da conquista da terra. Ao longo do tempo, essas questes foram se desvelando,
outras ganhando novas escalas, como por exemplo, a necessidade de criao de mecanismos que
tornem o trabalho na terra vivel econmica, poltica, social e culturalmente. Isto , a terra para
alm de sua funo meramente produtiva, a conquista em todas as dimenses terra de trabalho e
de vida.
A pesquisa realizada para a construo da monografia do curso de bacharelado em
Geografia foi realizada no PA Fazenda Nova Tangar, no municpio de Uberlndia (MG). Nesse
perodo, pude estudar a questo agrria na regio e vivenciar durante os trabalhos de campo, as
dificuldades e potencialidades do cotidiano de um assentamento rural. Outra experincia importante
em minha trajetria profissional e pessoal foi ministrar aulas de Geografia para as turmas de ensino
tcnico da Escola Famlia Rural 25 de Julho, na prpria Fazenda So Domingos, durante os anos de
2007 a 2009.
Com essas experincias, vivenciei a proposta do cooperativismo, as formas de trabalho e de
produo adotados. Isso, de certa forma, veio ao encontro de meus anseios iniciais e, assim, decidi
realizar minha pesquisa de mestrado com essa temtica. O projeto cooperativista adotado pelo
MTL, nesse assentamento, nico e concebe uma possibilidade diferenciada de gesto de reas de
Reforma Agrria.
Assim, percebo o quanto a luta pela terra importante, mas essa apenas uma das escalas de
luta, as demais se desvelam na luta na terra, ou seja, a permanncia do campons apresenta-se como
um desafio ainda maior. Geralmente, este momento em que muitas famlias vo cada uma para o
seu lote e decidem produzir individualmente e, devido falta de recursos financeiros e tcnicos, a
produo torna-se inviabilizada.
O modelo adotado na Fazenda So Domingos representa uma possibilidade diferenciada de
produo e mesmo de convivncia social. No entanto, importante levar em considerao a
17
diversidade representada pela heterogeneidade dos sujeitos e, assim, compreendermos que as
relaes que permeiam o cotidiano das famlias so complexas e no podem ser suprimidas pela
padronizao de um modelo cooperativista.
Por ser um espao heterogneo, as diversidades e as complexidades esto sempre presentes
e, sendo assim, elas no podem simplesmente ser ignoradas. Assim, importante destacar que o
modelo cooperativista apresenta inmeras vantagens e desafios que sero evidenciados ao longo da
presente pesquisa.
A metodologia utilizada em uma pesquisa fundamental para nortear o pesquisador em suas
escolhas e no decorrer de sua trajetria de investigao. O que foi visto e, sobretudo, vivido
fundamental para as suas apreenses sobre determinado objeto e sujeitos da pesquisa. Isso explica
porque uma pesquisa sobre um mesmo elemento analisado por diferentes pesquisadores chega a
concluses diversas, levando em conta os objetivos e diferentes olhares sobre a mesma realidade.
A metodologia importante para que no levemos em considerao apenas as nossas
concluses, pois coloca no mesmo plano um conjunto de regras aceitas dentro de uma rea de
conhecimento. A Geografia, em nosso caso, orienta o olhar sobre o emprico e permite a
movimentao do material terico. Assim, conforme afirma Brando (1987, p. 7): durante anos
aprendemos que boa parte de uma metodologia cientfica adequada serve para proteger o sujeito de
si prprio, de sua prpria pessoa, ou seja: de sua subjetividade. Portanto, a metodologia tem como
principal funo orientar o ato de pesquisar, a nossa subjetividade, que importante, mas no pode
ser considerada como nico norte da pesquisa.
Para a realizao desta pesquisa e a construo da dissertao, foi necessria a coleta de
dados secundrios, com leituras temticas, pesquisa em livros, artigos, dissertaes e teses
relacionadas temtica estudada. A leitura desse material foi fundamental para que pudssemos
construir o conhecimento terico, a partir da reviso e anlise de pesquisas anteriormente realizadas
e que se apresentaram como suporte para compreendermos os processos que permeiam a Reforma
Agrria e a luta pela permanncia em reas de assentamentos rurais.
A reviso bibliogrfica desta pesquisa pauta-se na literatura sobre a Reforma Agrria e na
compreenso do desenvolvimento histrico do cooperativismo e das experincias coletivas em
assentamentos rurais. Para tal, foi realizada uma anlise da estrutura fundiria e modernizao
agrcola ocorrida na mesorregio do Tringulo Mineiro, para compreendermos historicamente a
ocupao dessa regio e seu desenvolvimento com a implantao e fortalecimento do agronegcio.
Alm efetuar leituras orientadas para compreender as polticas de criao de assentamentos rurais,
estudamos os movimentos de resistncia frente ao modelo produtivo capitalista de territorialidade
no campo.
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Concomitantemente, foi realizado o trabalho de campo, etapa fundamental para
conhecermos e apreendermos sobre o universo dos assentados e o cotidiano das famlias que vivem
na Fazenda So Domingos. Outra questo importante a ser destacada a importncia do trabalho
emprico para a anlise de como as polticas pblicas, voltadas ao campo brasileiro e as relaes de
poder que dinamizam a luta pela terra engendram processos contraditrios, que so decisivos para o
desenvolvimento do espao agrrio brasileiro.
Assim, a preparao do trabalho de campo ocorreu desde a escolha da temtica a ser
desenvolvida no projeto de pesquisa. No entanto, a organizao e preparao dessa etapa, inclusive
o envio de material para o Comit de tica em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade, nos
deu uma ideia do quanto essa fase foi importante e desafiadora ao mesmo tempo.
Nessa etapa do trabalho de campo, lidamos com seres humanos que trazem uma histria de
vida consigo, criam expectativas com a nossa presena em suas casas e so seres contraditrios e
complexos, que como todos ns tm seus questionamentos e incertezas quanto ao futuro do projeto
do qual fazem parte. Desse modo, mostram suas fragilidades, incertezas e medos, e tambm
esperanas e, assim, nesse momento, o pesquisador precisa ser sensvel e perceber a riqueza que
essa etapa representa para a pesquisa.
Assim, esse momento pode ser considerado delicado, mas, tambm, muito rico, pois nos
mostra as particularidades da rea de pesquisa e a essncia de seus sujeitos que, por muitas vezes,
mostram-se por completo frente aos nossos questionamentos e expem sua vida contribuindo para
uma pesquisa que poder potencialmente trazer melhorias para as suas vidas e de outras famlias
envolvidas na luta pela terra.
O trabalho de campo foi realizado no ms de agosto de 2011. O material a ser utilizado
durante os trabalhos de campo foram minuciosamente analisados pelo Comit de tica e foram
realizadas vrias solicitaes de adequao at que o material estivesse de acordo com as normas
exigidas pelo comit.
Apesar do atraso que o processo burocrtico acarretou, ele foi fundamental para que o
material fosse adequado, a fim de respeitar os sujeitos da pesquisa, conforme se mostra necessrio
quando trabalhamos com seres humanos. Alm disso, esse processo despertou a responsabilidade
que temos como pesquisadores. A fase de construo do material a ser utilizado em campo e o
envio para a anlise do Comit de tica serviu como um processo de amadurecimento e senso de
responsabilidade. Dessa forma, a interao e a construo de uma relao de confiana foram
estabelecidas de maneira gradativa e natural, respeitando os limites dos entrevistados.
Essa relao de confiana se faz fundamental principalmente com os assentados da Reforma
Agrria, pois esses sujeitos so vistos com desconfiana pela maioria da sociedade que
intensamente bombardeada pela mdia a servio dos grandes proprietrios e setores
19
conservadores. Nesse sentido, compreensvel que esses mesmos sujeitos tenham receio de
responder aos questionamentos direcionados a eles e que porventura possam ser usados para
criminaliz-los como vndalos e invasores de terra.
Outra questo a ser enfatizada que muitos pesquisadores vo at o local de pesquisa, fazem
seu trabalho e no retornam nem ao menos para mostrar o resultado da pesquisa, criam expectativas
que no trazem benefcio algum para a comunidade pesquisada. Assim, importante o retorno e o
respeito do pesquisador por esses sujeitos que abrem as portas de suas casas e nos recebem de
maneira esperanosa e at mesmo afetuosa. Mesmo que a pesquisa no possa trazer resultados
imediatos, ela precisa ser socializada com o grupo pesquisado, pois somente assim os sujeitos
deixaro de sentir uma frustrao em relao aos pesquisadores, sentimento muito comum em
assentados da Reforma Agrria.
A aplicao dos roteiros de entrevista (anexos 1 e 2) foi um importante recurso
metodolgico utilizado para a compreenso da dinmica das atividades cotidianas e da viso de
cada assentado sobre diversos aspectos relacionados s suas vidas e s suas escolhas, dentro do
assentamento. fundamental ressaltar que, os nomes dos entrevistados no foram divulgados, uma
vez que essa deciso resguardar o sujeito perante seus companheiros e o movimento de luta pela
terra atuante no assentamento (MTL).
O processo de aplicao dos roteiros de entrevista nos possibilitou a compreenso da luta
cotidiana e constante dessas famlias e, inclusive, pudemos perceber a emoo e sentimento de
impotncia ou de vitria que, muitas vezes, transpareceu fortemente na fala desses sujeitos.
A populao do assentamento, em agosto de 2011, contava com aproximadamente 30
famlias que moravam efetivamente no local, ocupando uma rea comunitria. No entanto, foram
aplicados os roteiros de pesquisa em nove famlias, uma vez que essa quantidade foi suficiente para
contemplarmos a diversidade de sujeitos que moram nessa rea. A escolha dos entrevistados foi
feita de maneira dirigida, considerando a distribuio das famlias em diferentes pontos do
assentamento.
A aplicao do roteiro de pesquisas foi importante para compreender como se do as
relaes cotidianas, bem como o processo produtivo e quais so as principais dificuldades do
trabalho coletivo implantado na Fazenda So Domingos.
Os dias passados no assentamento, 15 e 19 de agosto de 2011, alm da convivncia durante
o perodo trabalhado na Escola da Fazenda So Domingos, foram fundamentais para o
estabelecimento de uma relao de confiana, possibilitando a aproximao com as famlias e a
participao em atividades cotidianas.
Outra tcnica utilizada foi o registro fotogrfico, com o objetivo de ilustrar a rea de
pesquisa e a infraestrutura existente no assentamento. As fotos foram utilizadas com o intuito de
20
ilustrar a pesquisa e de registrar momentos importantes no decorrer do trabalho de campo.
importante esclarecer que pessoas no foram fotografadas para preservar suas identidades, de
acordo com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido entregue a cada assentado e que foi
realizado durante o processo junto ao Comit de tica em Pesquisas com Seres Humanos da UFU.
Alm dos roteiros de entrevistas, foram considerados os dilogos e a participao do
pesquisador em reunies conjuntas, cujos resultados contriburam para a compreenso e foram
fundamentais para a abordagem das temticas centrais do trabalho, uma vez que essas
oportunidades criaram elos de aproximao, construo e fortalecimento da relao entre
pesquisador e pesquisado.
Considero ser importante destacar as dificuldades em conseguir realizar as entrevistas,
especialmente com lideranas do MTL, uma vez que ocorreram muitos desencontros em relao s
agendas desses sujeitos e disponibilidade dos mesmos para que pudssemos conversar sobre
questes fundamentais e pertinentes a esta pesquisa.
importante elucidar que a rea de pesquisa, a Fazenda So Domingos at o presente ano de
2012, ainda no apresenta nenhuma pesquisa sistematizada, sendo este, o primeiro trabalho
desenvolvido nesse assentamento.
Para a anlise e compreenso da temtica proposta, a dissertao est estruturada em trs
captulos: No captulo 1, o principal objetivo analisar a evoluo da ocupao histrica do espao
agrrio brasileiro. A contextualizao do (re)surgimento dos movimentos de luta pela terra e as
polticas do Estado frente s demandas por Reforma Agrria so importantes para compreendermos
a importncia dos movimentos para configurao do cenrio da luta pela terra no Brasil. O captulo
apresenta uma reviso terica sobre a questo agrria brasileira e dos movimentos de luta pela terra
e a atuao do Estado neste processo. Retrata o (re)surgimento dos movimentos de luta pela terra no
cenrio nacional, especialmente no perodo de redemocratizao brasileira, que um marco na luta
pela Reforma Agrria.
No captulo 2, a anlise terica inicia a partir da compreenso do conceito de territrio, bem
como sua importncia na construo das relaes cotidianas que acontecem nos assentamentos
rurais. Nesse captulo abordamos tambm a histria do cooperativismo e seu desenvolvimento,
assim como a forma como os movimentos de luta pela terra adotam e implantam esse modelo em
reas de Reforma Agrria. importante destacar que essa anlise foi essencial para
compreendermos a teoria pregada pelos Movimentos e o desenvolvimento das aes prticas que,
por vezes, mostram-se discrepantes e permeadas por desafios a serem superados.
No captulo 3 analisamos a importncia da conquista dos assentamentos rurais no Brasil e
suas condies de (re)produo, bem como as estratgias buscadas pelos movimentos para a gesto
dessas reas. Nesse sentido que a anlise da cooperativa implantada na Fazenda So Domingos,
21
no municpio de Tupaciguara, se faz pertinente para compreendermos as potencialidades e desafios
desse modelo de gesto.
Assim, analisamos o processo histrico de constituio da Fazenda So Domingos,
ocupao e trajetria de luta realizada por seus assentados. A COERCO So Domingos analisada
com maior profundidade, ou seja, estudamos seu estatuto, documentos e regras que foram impostas
para a sua criao e implantao.
O cotidiano na COERCO foi analisado, assim como as conquistas e desafios dirios vividos
pelos assentados, uma vez que o projeto apresenta um desgaste ao longo do perodo de sua
implantao. A compreenso da relao entre os assentados e o movimento e as formas de
resistncia e questionamento ao modelo proposto pelo MTL geram conflitualidades capazes de
dificultar ou, at mesmo, inviabilizar o projeto conforme proposto. Portanto, nesse captulo
procuramos, a partir de reflexes tericas, discutir o trabalho coletivo implantado na Fazenda So
Domingos.
Por fim, so apresentadas as consideraes finais deste trabalho, com algumas reflexes
sobre o projeto poltico e a realidade dos assentados e as percepes e expectativas quanto ao futuro
da produo familiar, numa regio de forte presena da modernizao do campo e consolidao do
agronegcio.
22
1 POLTICAS DE ESTADO E A LUTA PELA REFORMA AGRRIA NO CAMPO
BRASILEIRO
O presente captulo tem como objetivo analisar a evoluo da ocupao histrica do espao
agrrio brasileiro. A contextualizao do ressurgimento dos movimentos de luta pela terra e as
polticas do Estado diante das demandas por Reforma Agrria fundamental para compreendermos
a importncia dos movimentos para configurao do cenrio da luta pela terra no Brasil.
A anlise se dar em torno da luta pela terra no Tringulo Mineiro/Alto Paranaba, bem
como da insero do Cerrado mineiro no cenrio produtivo agrcola nacional. As consequncias da
modernizao agrcola apresentam-se como pano de fundo para a mobilizao e articulao dos
movimentos de luta pela terra e pela Reforma Agrria.
A atuao do Estado, por meio de polticas pblicas, explicitada pela postura de cada
governo interfere no avano ou retrocesso de polticas de desconcentrao fundiria, ou seja,
atuaes diferenciadas perante um problema secular: a Reforma Agrria no Brasil.
Este captulo apresenta uma reviso terica e bibliogrfica dos movimentos de luta pela terra
e a atuao do Estado nesse processo. Retrata o ressurgimento dos movimentos de luta pela terra no
cenrio nacional, especialmente no perodo de redemocratizao brasileira, que um marco na luta
pela Reforma Agrria.
Sero analisados dados de ocupaes e a atuao dos movimentos de luta pela terra, por
meio do Banco de Dados da Luta pela Terra (DATALUTA), demonstrando a importncia da
ocupao como acesso terra e como a regio do Tringulo Mineiro/Alto Paranaba tem passado
por intensos conflitos agrrios.
A importncia dos assentamentos rurais destacada no processo de (re)configurao do
espao agrrio e a sua representatividade como territrios de lutas e resistncia dos trabalhadores
rurais. Com efeito, o que se prope a reviso de um corpo terico conceitual, cuja finalidade
pensar como se do as questes de luta pela terra. Com isso, teremos uma base terica para refletir a
questo agrria no Tringulo Mineiro/Alto Paranaba, sendo o nosso lcus de pesquisa a Fazenda
So Domingos, localizada no municpio de Tupaciguara (MG), colocada aqui como uma categoria
territorial, com desafios e perspectivas para o estabelecimento de relaes de trabalho e produo
com a terra.
23
1.1 Reflexes sobre a luta pela terra no Brasil: novos cenrios, velhos desafios
A realidade agrria brasileira , historicamente, baseada no processo de concentrao
fundiria, fator que persiste durante todo o processo de ocupao e reocupao do espao agrrio
brasileiro. O modelo agrcola exportador vem sendo adotado desde o perodo colonial, quando a
produo agrcola estava voltada ao mercado externo, por meio do sistema de plantation, baseado
em grandes propriedades monocultoras.
Atualmente, o campo brasileiro est, em grande parte, ocupado pelo agronegcio, que visa
produo em grande escala, tomando imensas propriedades e atendendo demanda do mercado
externo.
Agronegcio o novo nome do modelo de desenvolvimento econmico da
agropecuria capitalista. Esse modelo no novo, sua origem est no sistema
plantation, em que grandes propriedades so utilizadas na produo para
exportao. Desde os princpios do capitalismo em suas diferentes fases esse
modelo passa por modificaes e adaptaes, intensificando a explorao da terra e
do homem (FERNANDES, 2008, p. 47).
Assim, o espao agrrio apresenta novas formas de organizao, com novas tcnicas
produtivas, culturas melhoradas e relaes de trabalho baseadas no assalariamento. Porm, ainda
conserva a estrutura fundiria altamente concentrada, reafirmada com a modernizao do campo, a
partir da dcada de 1950, por meio da Revoluo Verde.
Essa compreenso do espao agrrio, centrada na concentrao fundiria, tambm est
presente na anlise de Oliveira.
Podemos afirmar com segurana que a estrutura fundiria brasileira herdada do
regime das capitanias/sesmarias muito pouco foi alterada ao longo dos 400 anos de
histria do Brasil e, particularmente na segunda metade deste sculo, o processo de
incorporao de novos espaos [...] tem feito aumentar ainda mais a concentrao
das terras em mos de poucos proprietrios (OLIVEIRA, 1994, p. 56).
Nessa conjuntura de concentrao fundiria, explorao e expropriao do trabalhador rural,
o xodo rural e o empobrecimento do homem do campo so resultantes desse processo e nesse
cenrio que ressurgem, como contraponto, os movimentos de luta pela terra, que buscam a
reinsero desses sujeitos na sociedade, a partir da possibilidade de produo, ao poltica e social.
24
1.1.1 A luta pela terra no Brasil no ps-1960
O perodo que compreende os anos de 1945 a 1964 foi marcado no Brasil por mudanas em
diversos aspectos, sejam eles polticos, econmicos, sociais. Nesse perodo, a indstria se
potencializou e ganhou dinmica prpria. No entanto, a agricultura no apresentou significativos
avanos e permaneceu voltada exportao (MEDEIROS, 1988).
Nesse cenrio, a luta pela terra, sindicalizada e realizada por movimentos sociais no Brasil
no deixando de ressaltar a importncia histrica dos movimentos messinicos inicia-se a partir da
dcada de 1950, sendo uma dcada marcada pela organizao poltica dos camponeses e dos
trabalhadores rurais, reivindicando redistribuio da terra e direitos trabalhistas. (FONSECA,
2001, p. 25).
A Reforma Agrria foi, no incio dos anos 1960, um dos principais temas no cenrio
brasileiro; os movimentos camponeses adquiriram grande fora poltica no incio dos anos 1960,
por intermdio de suas aes de resistncia, manifestaes de rua, greves, etc. (MEDEIROS, 2003,
p. 18). No entanto, a questo da Reforma Agrria no foi resolvida, pois o Estado, na maioria das
vezes, defendeu a grande propriedade e o latifndio permaneceu intocvel.
Dentre os movimentos sociais mais atuantes, podemos mencionar a criao de uma entidade
denominada ULTAB (Unio de Lavradores e Trabalhadores Agrcolas), em 1954, que se propunha
de mbito nacional, para exercer o papel de fora aglutinadora e, ao mesmo tempo, de direo de
lutas. (MEDEIROS, 1989, p. 34).
As Ligas Camponesas foram criadas em 1955 e, posteriormente, a CONTAG (Confederao
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), em 1963. Essa efervescncia social, tanto no campo
quanto na cidade, na dcada de 1960, quer pelas mobilizaes camponesas, quer pelo
desenvolvimento econmico e social extremamente intenso, o debate sobre a questo agrria
colocou em pauta a temtica da reforma, especialmente no campo poltico nacional (FONSECA,
2001, p. 29).
Desse modo, a luta pela terra passa por um momento propcio para sua realizao no incio
da dcada de 1960, com o ento presidente Joo Goulart (1961-1964). O contexto nacional nesse
momento apresenta diversos sujeitos e entidades que apoiam a causa da Reforma Agrria, dentre
eles, o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, o partido de esquerda PCB (Partido
Comunista Brasileiro), e entidades como as Ligas Camponesas no nordeste e a MASTER
(Movimento dos Agricultores Sem-Terra) no Rio Grande do Sul.
A primeira medida anunciada pelo ento presidente foram as Reformas de Base que
contemplariam diversos setores, dentre eles, a questo agrria. Essa postura de Joo Goulart causou
desconforto e temor nos setores e sujeitos contrrios Reforma Agrria, uma vez que, naquele
25
momento, o minifndio e o latifndio eram considerados como responsveis pela estrutura fundiria
atrasada existente no pas.
Em maro de 1964, Joo Goulart realizou um famoso comcio na Central do Brasil no Rio
de Janeiro, no qual apresenta publicamente seu programa de Reforma Agrria, que foi considerado
de carter comunista. Assim, apenas dezesseis dias depois, ele foi deposto do cargo por um golpe
de Estado conduzido pelos militares. Com o golpe militar em 1964, a perseguio aos movimentos
de luta pela terra e a todos os movimentos sociais foi intensa; os grupos foram desmobilizados, seus
lderes foram presos e os movimentos foram colocados na ilegalidade.
Durante o primeiro ano da ditadura militar, em 1964, foi criado o Estatuto da Terra, que
constituiu, efetivamente, a primeira lei brasileira de Reforma Agrria. Sua criao teve o objetivo
de acalmar um iminente levante da populao camponesa. Portanto, o Estatuto no foi criado para
realizar a justa distribuio fundiria.
O prprio Estatuto da Terra foi elaborado de tal forma que se orienta para estimular
e privilegiar o desenvolvimento e a proliferao da empresa rural. O destinatrio
privilegiado do Estatuto no o campons, [...]. O destinatrio do Estatuto o
empresrio, o produtor dotado de esprito capitalista, que organiza sua atividade
econmica segundo os critrios da racionalidade capitalista (MARTINS, 1985, p.
32-33).
O Estatuto da Terra teve como principal intuito o desenvolvimento da agricultura,
especialmente a partir da concepo empresarial e capitalista de polticas agrcolas, uma vez que
fora concebido no marco de uma poltica de reforma agrria destinada a impulsionar o
desenvolvimento do capitalismo. (STDILE, 2005, p. 152). Portanto, o Estatuto da Terra foi
utilizado como apoio capitalizao do campo, expanso das relaes capitalistas e tambm
manuteno da estrutura fundiria concentrada:
O Estatuto revela assim a sua verdadeira funo: um instrumento de controle das
tenses sociais e dos conflitos gerados por esse processo de expropriao e
concentrao da propriedade e do capital. um instrumento de cerco e desativao
dos conflitos, de modo a garantir o desenvolvimento econmico baseado nos
incentivos progressiva e ampla penetrao do capital na agropecuria. uma
vlvula de escape que opera quando as tenses sociais chegam ao ponto em que
podem transformar-se em tenses polticas (MARTINS, 1985, p. 35).
Nos anos de 1970, o Governo Federal lanou projetos de colonizao com o intuito de
ocupar o interior do pas, sendo o Estado o elemento norteador da aplicao de polticas pblicas,
que tinha como principal objetivo a transformao tecnolgica e produtiva com o intuito de
fomentar uma agricultura de mercado.
26
Dentre os principais projetos podemos citar o PIN (Plano de Integrao Nacional),
PROTERRA (Programa de Redistribuio de Terras e de Estmulo Agroindstria do Norte e
Nordeste), POLONORDESTE (Programa de Desenvolvimento de reas Integradas do Nordeste),
POLAMAZNIA (Programa de Polos Agropecurios e Agrominerais da Amaznia).
De acordo com a anlise de Pessa (1998, p. 47) [...] no passaram de simples formulao
de projetos que atenderam apenas a um determinado grupo de pessoas (mdios e grandes
proprietrios) uma vez que so estes e no os pequenos proprietrios que tm acesso ao crdito
rural.
A Revoluo Verde foi adotada como referncia nas polticas agrcolas nacionais, abrindo o
campo brasileiro para empresas de insumos, implementos, sementes, dentre outras.
[...] a Revoluo Verde serviu de carro chefe para ampliar no mundo a venda de
insumos agrcolas modernos: mquinas, equipamentos, implementos, fertilizantes,
defensivos, pesticidas, etc. Sem dvida, uma forma inteligente de os grupos
econmicos internacionais realizarem a expanso de suas empresas e de seus
interesses com extraordinria rapidez e eficincia (BRUM, 1988, p. 49).
A disseminao do modelo agrcola exportador, difundido pela Revoluo Verde, teve um
grande impacto no Cerrado brasileiro, uma vez que
O modelo agrcola adotado no cerrado brasileiro o mesmo, salvo as adaptaes
necessrias, que foi propiciado pela internacionalizao do pacote tecnolgico da
Revoluo Verde, e que foi difundido no Brasil depois de meados da dcada de 60.
Este pacote est baseado na utilizao de sementes melhoradas, utilizao de
mquinas e insumos qumicos (ORTEGA, 1997. p. 324).
Dessa forma, fica visvel a opo dos governantes da ditadura militar pela capitalizao do
campo, por meio de projetos de colonizao, principalmente nos estados de Minas Gerais, Gois e
Mato Grosso, em reas de Cerrado brasileiro. Dentre os programas podemos citar: o PADAP
(Programa de Assentamento Dirigido do Alto Paranaba), o PRODECER (Programa de Cooperao
Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados), dentre outros.
Uma prioridade da ditadura militar foi ocupar as regies do Cerrado que no estavam
suficientemente e devidamente ocupadas para serem transformadas em silo mundial, ou seja,
teriam a produo voltada especificamente para o mercado externo (ORTEGA, 1997).
Esses projetos exigiram altos investimentos aos cofres pblicos e geraram, tambm, um
grande custo social, pois beneficiaram poucas famlias, estas inclusive escolhidas por terem perfil
empresarial e dinheiro para investirem; [...] os programas especiais tornaram-se socialmente
conservadores, pois beneficiam apenas uma parcela de agricultores que dispem de capital, sendo
este fator uma das exigncias bsicas de tais programas (PESSA, 1988, p. 07).
27
Esse processo, alm de no ter contribudo para a desconcentrao fundiria, agravou-a,
fortalecendo os grandes proprietrios, que tiveram suas terras valorizadas. A modernizao
capitalista agravou ainda mais as dificuldades de acesso terra pelos pequenos produtores.
Assim, podemos perceber que a pequena propriedade no foi incentivada, ou seja, no
representou um elemento a ser considerado durante a implantao do PRODECER, veculo criado
e motorizado pela fuso capital/Estado que os hbito de cultivo dos solos do Cerrado foram
drasticamente alterados; assim bem como se acentuou o processo de expropriao do pequeno
produtor rural. (INOCNCIO, 2010, p. 86).
A condio de concentrao fundiria brasileira teve como pano de fundo a interveno
efetiva do Estado, que desempenhou um papel importante na reconfigurao e modernizao da
agricultura, criando mecanismos de favorecimento da capitalizao da grande propriedade,
oferecendo subsdios financeiros e recursos a juros irrisrios (GRAZIANO DA SILVA, 1980).
Nesse cenrio de excluso, expropriao e pauperizao da populao rural e urbana,
ressurgiram, no cenrio nacional, os movimentos de luta pela terra, principalmente na segunda
metade da dcada de 1970. Aps anos de forte represso poltica representada pela ditadura militar,
os trabalhadores do campo e da cidade se organizaram com o intuito de lutar pela redemocratizao
e pela reconquista de seus direitos, usurpados pela violenta represso do perodo ditatorial, nas
dcadas de 1960 e 1970.
1.2 O ressurgimento dos movimentos de luta pela terra durante a Ditadura Militar
No perodo da ditadura militar, os movimentos de luta pela terra foram sufocados e suas
atuaes sofrem um refluxo. Nesse perodo, o governo substituiu a temtica de Reforma Agrria
pela modernizao agrcola a partir da transformao tecnolgica e o aumento da produtividade,
demonstrando qual seria o foco da poltica governamental para o campo brasileiro.
No campo, o xodo rural foi intensificado, bem como a represso aos grupos que tentavam
questionar o modelo imposto pela ditadura. No entanto, o modelo econmico implantado
demonstrou sinais de enfraquecimento em meados da dcada de 1970 e, aos poucos, foram
ressurgindo grupos organizados na luta pela terra. Em contrapartida, foi nessa dcada que, devido
intensidade dos conflitos pela terra, aumentaram significativamente os casos de violncia no campo,
situao no divulgada pela imprensa, duramente censurada pelos instrumentos da ditadura militar.2
Nesse cenrio de intensa opresso, mas tambm de esgotamento da ditadura militar e
possibilidade de manifestaes dos movimentos sociais, que ressurgem os movimentos de luta
2 Para maior compreenso consultar. MEDEIROS, L. S. Histria dos movimentos sociais no campo.
28
pela terra. Em 1975 surgiu, na cidade de Goinia, a Comisso Pastoral de Terra (CPT), uma
entidade ligada aos setores progressistas da Igreja Catlica, que objetivava o apoio luta dos
trabalhadores rurais em diferentes regies do pas, sistematizando e criando uma organizao de
luta pela terra.
A CPT denunciava as ms condies de vida da populao e apoiava o acesso terra,
defendia o direito institudo de propriedade, mas reconhecia a necessidade de uma Reforma
Agrria que fosse feita por meio de desapropriaes com justa indenizao (MEDEIROS, 2003, p.
18).
A Comisso Pastoral teve um papel fundamental em relao mobilizao e ao apoio aos
trabalhadores e serviu como base para o fortalecimento e concretizao dos movimentos de luta
pela terra.
A CPT teve uma participao decisiva nas mobilizaes dos sem-terra, na
organizao da maioria das ocupaes e acampamentos e no apoio material aos
trabalhadores em luta, atravs de campanhas de arrecadao de alimentos,
remdios, roupas, e, at mesmo, dinheiro para a compra de terras, como no
episdio do acampamento Encruzilhada Natalino. No se pode deixar de falar,
tambm, no papel decisivo desenvolvido pelos bispos, padres, pastores e leigos na
conscientizao poltica dos trabalhadores em busca da terra prometida. Em cada
ocupao ou acampamento, os sem-terra erguiam uma cruz, smbolo da
importncia que a religiosidade adquiria na resistncia desses trabalhadores. As
celebraes religiosas, por outro lado, eram um elemento sempre presente nos
acampamentos e nas ocupaes (COLETTI, 2005, p.27).
Concomitantemente ao processo de mobilizao no campo por melhores condies de
trabalho, acesso terra e outras reivindicaes, ocorreram tambm, no espao urbano, lutas por
melhores condies de trabalho, melhores salrios, dentre outros, especialmente na regio industrial
do ABCD paulista3, no final da dcada de 1970.
Nesse contexto, na regio metropolitana de So Paulo surgiu o Partido dos Trabalhadores
(PT), no ano de 1980. O partido apresentava como principal reivindicao a realizao da Reforma
Agrria e o rompimento com a poltica imposta pela ditadura militar, fator que criou uma identidade
prxima s necessidades da populao e crucial para o fortalecimento dos movimentos de luta pela
terra.
A Central nica dos Trabalhadores (CUT), criada em 1983, tambm teve como ponto de
pauta a Reforma Agrria, apresentando uma proximidade de ideologia do PT na concepo terica e
uma grande proximidade com os movimentos de luta pela terra, trazendo a discusso sobre a
Reforma Agrria para o campo poltico e debate nacional.
3 A Regio Metropolitana de So Paulo composta por Santo Andr, So Bernardo do Campo, So Caetano do Sul e
Diadema.
29
O surgimento de uma entidade como a CUT e de um partido popular como o PT demonstra
uma grande mobilizao popular.
Na cidade, das greves dos metalrgicos, professores, bancrios e outras categorias,
reunidas na formao de um movimento sindical autntico, que formou a Central
nica dos Trabalhadores (CUT), nasceu o Partido dos Trabalhadores (PT). Na
dcada de 1980, as lutas populares dos movimentos e dos sindicatos pelas
conquistas dos direitos e pelo restabelecimento da democracia constituram-se nas
bandeiras de lutas que transformaram o PT em um dos mais importantes partidos
brasileiros (FERNANDES, 2003, p.32).
Com a mobilizao dos movimentos camponeses, da populao, da CUT, do PT e da CPT, a
Reforma Agrria foi colocada novamente em pauta nas discusses polticas, pois esse processo fora
interrompido pelo golpe de 1964. A retomada desta luta representava igualmente a intensificao
do enfrentamento entre camponeses e latifundirios. (FERNANDES, 2003, p. 32).
No ano de 1984, surgiu o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O seu
primeiro encontro ocorreu em Cascavel, no Paran, com aproximadamente cem pessoas, de doze
estados brasileiros. Esse encontro afirmou a necessidade de se manter a autonomia poltica e de luta
para que a terra estivesse nas mos de quem produzisse nela.
Em 1985, ocorreu, em Curitiba, o primeiro congresso nacional do MST com a participao
de cerca de mil e quinhentos trabalhadores, com representantes de quase todos os estados
brasileiros, demonstrando o rpido avano desse movimento de luta pela terra. Segundo Coletti
(2005), nesse momento, o MST, alm de todas as propostas articuladas em 1984, levantou a
bandeira da ocupao como forma de acesso terra, apresentando a disposio de luta do
movimento frente ao poder pblico e aos grandes proprietrios brasileiros.
Nesse mesmo ano, o governo Jos Sarney (primeiro presidente da Nova Repblica) aprovou
o I Plano Nacional de Reforma Agrria (I PNRA), que tinha como principal objetivo oferecer
aplicabilidade eficiente ao Estatuto da Terra e viabilizar a Reforma Agrria at o fim de seu
mandato, com meta de assentamento de um milho e quatrocentas mil famlias. Sarney, porm,
conseguiu assentar apenas noventa mil, ou seja, cumpriu apenas 6% da meta estabelecida no plano.
Em contrapartida, surgiu a Unio Democrtica Ruralista (UDR), na cidade de Presidente
Prudente, em oposio aos interesses dos trabalhadores sem terra. Os integrantes da UDR
vinculados ao governo, influenciaram politicamente para a derrubada do presidente do Instituto
Nacional de Colonizao e Reforma Agrria (INCRA) e impediram que o PNRA fosse
implantado. (FERNANDES, 2003, p. 33).
Com a elaborao da nova Constituio, em 1988, a Reforma Agrria sofreu um retrocesso
em decorrncia da atuao da bancada ruralista, pois seria necessria uma lei complementar para a
30
sua realizao. Somente em 1993 essa lei foi aprovada e foi possvel executar a desapropriao de
terras.
Contudo, segundo Fernandes (2003, p. 33) [...] mesmo com a existncia desta nova Lei, os
ruralistas conseguem impedir a desapropriao de terras, arrolando os processos desapropriatrios,
conseguindo at mesmo reverter situaes em processos j assinados pelo presidente da Repblica.
A partir da fica claro o poder poltico e a amplitude de atuao da UDR, presente no
Congresso Nacional. Em muitas tentativas, a atuao da bancada ruralista foi decisiva no
impedimento da efetivao da Reforma Agrria, privilegiando interesses particulares em detrimento
da grande massa de populao expropriada do campo brasileiro.
Para uma melhor compreenso, se faz necessrio o entendimento da atuao poltica de cada
presidente, bem como as medidas tomadas para a desapropriao de terras para fins de Reforma
Agrria e o seu papel na dinmica da estrutura fundiria brasileira.
1.3 A reforma agrria no ps-1990
A Reforma Agrria sofreu avanos e retrocessos em cada momento histrico em nosso pas.
Dessa forma, faz-se pertinente a compreenso da atuao de polticas pblicas em torno da luta pela
terra. Neste tpico, sero analisadas a atuao dos presidentes, eleitos diretamente por voto popular
no ps-1990, e a contribuio de cada um no cenrio agrrio e agrcola nacional.
importante ressaltar que cada governo apresentou planos e medidas para organizar a
questo fundiria. No entanto, apesar de alguns avanarem mais que os outros, podemos afirmar
que nenhum governo realizou efetivamente a Reforma Agrria em nosso pas.
1.3.1 A Reforma Agrria nos governos Fernando Collor de Melo e Itamar Franco (1991-1994)
No perodo de 1990-1992, na gesto de Fernando Collor, o programa de assentamentos foi
paralisado, pois o governo era contra a Reforma Agrria e contava com o apoio de ruralistas no
Congresso Nacional, ou seja, a UDR praticamente assumiu o controle da reforma agrria no
Brasil (OLIVEIRA, 2001, s/p).
Nesse perodo, a Reforma Agrria passa por um momento de estagnao, ou mesmo
retrocesso, pois no aconteceram desapropriaes de terras por interesse social para esse fim e as
ocupaes de terras diminuram, assim como o nmero de assentamentos implantados, significando
um retrocesso para a luta pela reforma agrria (FERNANDES, 2003, p. 34-35).
31
Em 1992, Collor renunciou por ser acusado de participar de esquemas de corrupo. Ento,
assumiu o seu vice-presidente, Itamar Franco, no perodo 1992-1994. Nesse governo, a Reforma
Agrria tambm no foi tratada como prioridade, mas apenas com aes paliativas. Os processos de
distribuio fundiria foram retomados com a criao de um plano emergencial, que tinha como
objetivo o assentamento de oitenta mil famlias; mas foram assentadas apenas vinte e trs mil, por
meio da criao de cento e cinquenta e dois projetos de assentamento.
A nova Lei Agrria foi formulada em 1992, com o objetivo de agilizar e criar instrumentos
para realizao da Reforma Agrria. O Senado introduziu emendas na lei, modificando os pontos
que eram obstculos a qualquer Reforma Agrria no pas. Porm, quando ela voltou para a Cmara
dos Deputados, a bancada ruralista (UDR) conseguiu retirar as emendas fundamentais para os
processos desapropriatrios. Contudo, o ento presidente Itamar Franco vetou as emendas que a
bancada inseriu na nova lei, que comprometeriam ainda mais a sua aplicao, protegendo, dessa
maneira, o latifndio improdutivo (ABRAMOVAY et al., 1993).
Apesar de a nova lei agrria no resolver todos os problemas referentes a desapropriaes de
imveis, ela representou um avano substancial no que diz respeito prvia e justa indenizao
(NEAD, 2000, s/p). Dessa forma, importante ressaltar a importncia das leis e seu cumprimento
para que a Reforma Agrria avance em nosso pas.
1.3.2 A Reforma Agrria no governo Fernando Henrique Cardoso (1995 2002)
No perodo de gesto de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), as propostas neoliberais
foram amplamente adotadas, especialmente em relao ao campo brasileiro. A prioridade do
governo FHC foi a abertura dos mercados brasileiros ao capital estrangeiro, privatizao de
empresas estatais, bem como incentivo s exportaes agrcolas para atender ao mercado externo,
deixando em segundo plano a produo de alimentos para o mercado nacional.
Em seu primeiro mandato (1994-1997) foi implantada uma ampla poltica de assentamentos
rurais, com o objetivo de resolver os problemas fundirios; desse modo, acreditava que
assentando somente as famlias acampadas, o problema agrrio seria resolvido (FERNANDES,
2003, p. 33).
Porm, nesse primeiro perodo, os conflitos no campo aumentaram, bem como as ocupaes
de terra, especialmente aps os massacres de Corumbiara, no estado de Rondnia (1994), e em
Eldorado dos Carajs, no Par (1996). Observa-se esse aumento considerando que, em 1994, houve
vinte mil famlias acampadas e, em 1998, esse nmero subiu para setenta e seis mil famlias (grfico
1).
32
Grfico 1: Nmero de ocupaes de terra no Brasil no Governo FHC (1995-2002)
Fonte: Setor de Documentao da CPT Nacional Caderno Conflitos no Campo Brasil, 2004.
Org.: CARDOSO, L. F. de, 2011.
Em relao aos crditos para os assentados da Reforma Agrria, no primeiro mandato de
FHC ainda existia o PROCERA (Programa de Crdito Especial para a Reforma Agrria), criado em
1985. Esse programa apresentava como principal objetivo o aumento da produo e a produtividade
dos assentados e, dessa forma, inser-los no mercado e assim possibilitar sua emancipao
(REZENDE, 1999).
Nesse momento, a existncia de um crdito especfico para as cooperativas foi um grande
incentivador desse modelo de produo, ou seja, possibilitava a implantao de cooperativas em
assentamentos rurais apesar de muitos assentados terem se endividado a partir da tomada de
recursos desse programa4.
O governo FHC extinguiu o PROCERA e em seu lugar criou o PRONAF (Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) no ano de 1996, com o intuito de financiar e
fortalecer a capacidade produtiva da agricultura familiar. No entanto, alguns estudiosos da Reforma
Agrria afirmam que a criao do PRONAF representou um retrocesso para os assentados, pois esse
4 Para melhor compreenso sobre esse tema consultar: Programa de Crdito Especial para Reforma Agrria
(PROCERA): institucionalidade, subsdio e eficcia (REZENDE, 1999).
33
programa teve como base as noes de produtividade e rentabilidade, demonstrando assim o mero
carter produtivista imposto aos assentados.
Alm dessas polticas pblicas de incentivo capitalizao dos assentados, o Estado utilizou
outras formas para desmobilizar os movimentos de luta pela terra.
O Estado mudou as suas estratgias na tentativa de minar a ao poltica do
MST. Alm de empreender forte campanha de desmoralizao das
lideranas de cooperativas acusando-as de desvio de dinheiro pblico, criou
mecanismos mais sutis de desmobilizao do movimento de reforma agrria
como, por exemplo: o Banco da Terra, o Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), o cadastro dos
demandantes de terra via agncia do correio, a instituio da figura do
empreendedor social que, em nome de uma suposta oferta de assistncia
tcnica e social, realizava o controle poltico dos assentados (SCOPINHO,
2007, p. 89-90).
No segundo mandato de FHC, a poltica neoliberal adotada em seu governo tornara-se mais
inflexvel e repressora em relao aos movimentos de luta pela terra. Nessa poca, a criminalizao
da luta pela terra e a mercantilizao fundiria foram bases para violentas retaliaes aos
movimentos.
Um claro exemplo da criminalizao dos movimentos de luta pela terra foi a criao da MP
2.027-38, em maio de 2000, durante o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. A medida
impedia a vistoria e a desapropriao de propriedades rurais ocupadas, buscando, dessa forma,
inibir a prtica de ocupaes, que aumentaram cerca de 300% nos quatro primeiros anos de seu
mandato.
Segundo Alentejano,
a criminalizao das aes do MST e demais movimentos de luta pela terra,
consubstancia-se atravs da perseguio de suas lideranas, da proibio das
entidades envolvidas em ocupaes de imveis rurais ou bens pblicos de receber
recursos pblicos e dos cidados envolvidos em ocupaes de terras ou prdios
pblicos serem beneficirias de assentamento. No mesmo sentido, h uma clara
tentativa de desarticular o movimento e desmobilizar os sem terra, com medidas
como a proibio por dois anos (dobrando em caso de reincidncia) da vistoria de
latifndios ocupados. Alm disso, latifndios improdutivos inscritos no programa
de arrendamento de terras no podem mais ser desapropriados (ALENTEJANO,
2004, p. 8-9).
A postura do Judicirio frente aos movimentos foi um entrave luta pela terra, pois tentou
barrar as aes dos movimentos e criminalizar as lideranas, na tentativa de enfraquecer e
pulverizar sua fora poltica perante a sociedade. Nessa perspectiva, Mitidiero Junior faz a seguinte
34
afirmao: a grande maioria das lideranas rurais respondem a vrios processos ao mesmo tempo,
preenchendo o seu cotidiano com interminveis audincias judiciais, alm de limitar sua atuao na
luta pela terra (MITIDIERO JR, 2007, p. 15).
A mercantilizao da Reforma Agrria tambm foi uma estratgia adotada pelo governo em
questo, por meio da criao do Banco da Terra, um projeto do Banco Mundial com propostas de
desenvolvimento rural baseado em polticas neoliberais. Com o intuito de desarticular os
movimentos de luta pela terra, viabilizavam-se crditos para a compra de terras, em vez de criar
assentamentos.
[...] implantou o Banco da Terra, uma poltica de crdito para compra de terras e
criao de assentamentos. No segundo mandato do governo FHC, essa poltica
cresceu em detrimento das desapropriaes. Tambm destruiu a poltica de crdito
especial para a reforma agrria, criada durante o governo Sarney, e a poltica de
assistncia tcnica, prejudicando centenas de milhares de famlias assentadas,
intensificando o empobrecimento. Ainda proscreveu a poltica de educao para os
assentamentos, que fora criada a partir de um conjunto de aes do MST
(FERNANDES, 2003, p. 34).
O MST e demais movimentos enfrentaram um refluxo no processo de luta pela terra,
especialmente, dos anos de 1999 a 2002 (FERNANDES, 2003). Por meio de aes de
criminalizao e punio dos trabalhadores rurais que se organizaram para exigir o acesso terra, o
governo dificultou e at mesmo inviabilizou o xito dos assentamentos j implantados, pois no
ofereceu o respaldo financeiro e tcnico para o desenvolvimento de atividades necessrias
continuidade dos assentados em reas de Reforma Agrria.
A partir da anlise de Fernandes, possvel perceber as estratgias do governo para
criminalizar os movimentos.
[...] lderes e coordenadores do Movimento so criminalizados por essas aes,
perseguidos e presos, ao mesmo tempo em que os governos estadual e federal
implantaram os assentamentos originados pelas ocupaes de terra. Com a
criminalizao, o nmero de ocupaes caiu e o governo no pode implantar novos
assentamentos. Desse modo, o governo registrou como assentamentos implantados
em 2001, diversos assentamentos criados na dcada de 1990 (FERNANDES et al.
[200-], p. 2).
Com a principal finalidade de enfraquecer a capacidade de cobrana dos movimentos frente
s arbitrariedades do governo e, ao mesmo tempo, no cumprir a desapropriao de latifndios, o
governo buscou a criminalizao dos movimentos, mantendo assim, as grandes propriedades da
classe ruralista intocadas.
35
1.3.3 A Reforma Agrria no governo Luiz Incio Lula da Silva (2003-2010)
No ano de 2002, a eleio de Luiz Incio Lula da Silva, candidato do PT, representou a
participao de entidades populares de luta pela terra no governo, tais como a CPT, o MST, a
CONTAG, dentre outras. Essas entidades tiveram a possibilidade de indicao de nomes para
cargos polticos importantes, como por exemplo, o Instituto Nacional de Colonizao e Reforma
Agrria e o Ministrio do Desenvolvimento Agrrio (MDA).
Com a nomeao do gegrafo Marcelo Resende para presidente do INCRA, a equipe buscou
a construo de polticas para o atendimento de assentamentos rurais precarizados, educao no
campo e assistncia tcnica. Juntamente com uma equipe de estudiosos liderada pelo economista
Plnio de Arruda Sampaio e o MDA, iniciaram a elaborao do II Plano Nacional de Reforma
Agrria (II PNRA) (FERNANDES, 2003).
A postura adotada pelo presidente do INCRA, Marcelo Resende, que tratara os conflitos
fundirios como um problema a ser resolvido por meio de uma poltica de Reforma Agrria, no
agradou aos polticos de direita e nem ao alto escalo do PT, que pressionou o governo a substitu-
lo. Com a sua substituio, o presidente Lula demonstrou, [...] para os sem-terra e para os ruralistas
o seu objetivo de ter o controle poltico sobre os conflitos fundirios. (FERNANDES, 2003, p. 38).
Assim, a bancada ruralista participou da indicao para o Ministrio da Agricultura,
garantindo dessa forma a continuidade do modelo de desenvolvimento da agropecuria, que fora
implantado pelos governos militares. (FERNANDES, 2003, p. 38). Alm disso, os ruralistas
reagiram ainda mais violentamente s ocupaes de terras, aumentando consideravelmente, nesse
perodo, as mortes de sem-terras no campo.
Com um discurso conciliador, Lula teve como principal poltica de Reforma Agrria a
recuperao de assentamentos implantados, bem como a criao de novos assentamentos. Porm, o
Governo deparou-se com um obstculo: a Reforma Agrria, at ento, fora concebida como poltica
compensatria e como resultado de lutas e conjunturas polticas e no um projeto estruturado pelo
Estado (FERNANDES, 2003, p. 39).
Para que a Reforma Agrria seja alcanada efetivamente, ela precisa ser pensada como
poltica de desenvolvimento territorial e no apenas como poltica compensatria.
Uma poltica de desenvolvimento territorial implica em desconcentrar a estrutura
fundiria, o que nunca aconteceu em mais de quinhentos anos de histria do Brasil.
Todos os governos, at ento, conceberam a reforma agrria como poltica
compensatria, de forma que a maior parte dos assentamentos foi implantada
atendendo s presses dos movimentos camponeses (FERNANDES, 2003, p. 39).
36
A elaborao do II PNRA, em 2003, que contou com a participao de movimentos sociais,
apresentou como uma das principais metas o assentamento de 400 mil novas famlias. No ano de
2005, o Governo diz ter assentado cento e vinte e sete mil e quinhentas famlias, porm, segundo
Carvalho Filho (2009), apenas 45,7% dessas famlias foram assentadas em reas de Reforma
Agrria; 54,3% foram encaminhadas a assentamentos ou reordenao fundiria em terras pblicas.
No II PNRA foram traados alguns pressupostos que nortearam, a partir de ento, as
polticas pblicas voltadas questo agrria. Dentre eles, podemos citar a concepo da Reforma
Agrria como poltica de desenvolvimento e no como poltica compensatria e a oferta de polticas
de financiamento aos assentados em todas as etapas do assentamento, dentre outros.
No entanto, as metas traadas no II PNRA no foram totalmente cumpridas e, partir de
criao de programas sociais, tais como o Bolsa Famlia, que oferecia uma quantia em dinheiro para
suprir as necessidades bsicas de famlias em extrema pobreza, colaboraram para que ocorresse
uma diminuio no nmero de integrantes dos movimentos de luta pela terra e dos prprios
movimentos, fazendo com que a presso sobre o Estado perdesse a intensidade (COCA, 2011, p.
88).
Dessa forma, o governo Lula deu continuidade s polticas implantadas pelos governos
anteriores, ou seja, foram realizadas apenas aes pontuais, que no significaram a mudana da
estrutura agrria, visto que
o primeiro mandato do governo Lula foi marcado pelo esvaziamento da proposta e
da concepo da reforma agrria. O exame do contedo dos principais documentos
sobre o assunto mostra que as pretenses de implantar um processo de mudana no
campo definharam, esmaeceram. Tornaram-se insignificantes (CARVALHO
FILHO, 2007, p. 95).
O governo Lula no atingiu as metas do II PNRA, evidenciando o no comprometimento
com a realizao da Reforma Agrria.
A reforma agrria no governo Lula no tem capacidade de alterar a estrutura
fundiria. Os nicos resultados positivos se referem ao PRONAF (Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), o que pouco para sustentar
a afirmativa de que reforma agrria de qualidade est a ser efetivada. O que ainda
diferenciava o governo Lula dos demais era a sua postura em relao aos
movimentos sociais. Agora, nem isso. Sua poltica incua ao latifndio. No
atinge o monoplio da terra (CARVALHO FILHO, 2006, s/p).
37
Grfico 2: Nmero de assentamentos rurais no Brasil (2003-2009)
Fonte: DATALUTA Brasil ano: 2009
Org.: CARDOSO, L. F. de, 2011.
Entretanto, durante os anos de 2003 a 2009, foram criados dois mil quinhentos e dezessete
assentamentos, conforme o grfico 2. Assim, importante destacar que foram significativos os
nmeros de assentamentos criados durante esse governo. Porm, apesar desses nmeros relevantes,
a estrutura fundiria no foi mudada, e esse resultado foi amplamente criticado.
O governo Lula fez menos que o FHC. Ele est com uma dvida muito grande com
o MST e os movimentos sociais exatamente porque se elegeu dizendo que iria
fazer a Reforma Agrria de qualquer forma. Por outro lado, sabamos que no era
bem assim, pois temos a conscincia de que o governo est com uma dvida muito
grande com a sociedade porque fez uma opo, a opo pelo agronegcio
(ZANATTA, 2007, s/p).
Diversos setores tambm criticaram a poltica adotada pelo governo Lula, tais como a Igreja
Catlica, partidos polticos, dentre outros. Em vez de realizar mudanas na estrutura agrria, com
polticas pblicas de criao e desenvolvimento de assentamentos, preferiu apoiar e incentivar ainda
mais o desenvolvimento do agronegcio brasileiro em detrimento aos assentados da Reforma
Agrria.
38
A nomeao do ministro da Agricultura foi [...] a mais emblemtica demonstrao
de que o governo no estava disposto a promover transformaes. Roberto
Rodrigues foi escolhido por ser o nome de maior destaque e influncia no
empresariado rural. Dirigente de organizaes e associaes representativas do
agronegcio, Rodrigues representava para Lula uma possibilidade de interlocuo
com os ruralistas do Congresso para obter deles apoio para a manuteno do poder.
Apesar de nomear petistas progressistas para as pastas do Desenvolvimento
Agrrio e do Meio Ambiente, Lula, ao entregar um de seus ministrios a Roberto
Rodrigues, fez a opo pelo agronegcio (FERNANDES, 2006, s/p).
Alm do apoio institucional, o agronegcio conta com o apoio da mdia para convencer a
opinio pblica de que os altos ndices de produtividade so fundamentais para o pas, ou seja,
mais vantajoso atender ao mercado internacional do que abastecer o mercado interno.
A imprensa brasileira, monopolizada por sete grupos e claramente vinculada aos
interesses de classe dos grandes proprietrios e das empresas transnacionais
exportadoras de matrias-primas, faz o seu papel de propaganda. Mostra todos os
dias mquinas agrcolas novinhas, navios carregados e ndices de exportao
agrcola, como se isso fosse sinnimo de solues econmicas e sociais. E esconde
que no meio rural brasileiro temos 30 milhes que vivem em condies de pobreza
absoluta, que 20 milhes nunca calaram um par de sapatos, que 50 milhes de
brasileiros passam fome todos os dias. Que 30 milhes de pessoas j no tm
sequer seus dentes. Esquece de mostrar que apenas 8 por cento da populao chega
universidade, e que, no Nordeste brasileiro, 60 por cento da populao do meio
rural ainda analfabeta. Esquece de dizer que no pas de maior fronteira agrcola
do mundo existem 4,5 milhes de famlias de trabalhadores sem terra!
Quais desses problemas o modelo do agronegcio resolve? Nenhum. Ao contrrio,
justamente esse modelo agrcola que gerou tanta desigualdade, pobreza e
desemprego (STDILE, 2004, s/p).
De acordo com Stdile (2004) possvel realizar uma anlise crtica em relao ao
agronegcio, pois o modelo agroexportador organizado para produzir para os interesses
internacionais, em detrimento dos interesses da sociedade brasileira, que ficam em segundo plano,
nessa poltica agrcola adotada pelo governo Lula.
Outra crtica poltica agrria realizada no governo Lula diz respeito ao no cumprimento
das metas do II PNRA. O governo manipulou dados apresentados pelo INCRA, com o intuito de
mascarar os nmeros e apresentar resultados falsos, que no demonstram a realidade agrria em
nosso pas, que continua a ser altamente excludente e concentradora.
De acordo com anlise de Oliveira, os tcnicos do INCRA manipulam os dados, de modo
que,
39
certos tcnicos do Cadastro do INCRA parecem ser mgicos, pois enfeitiam
todos os dirigentes que por l passam. Com o atual governo no est sendo
diferente, ou seja, tambm foi iludido ou pediu ajuda para, tentar iludir a todos que
lutam pela reforma agrria (OLIVEIRA, 2007, p. 163).
Nessa conjuntura, fica evidente a cumplicidade do governo com nmeros que no
correspondem realidade da Reforma Agrria, to alardeada pelos rgos governamentais. Mais
uma vez, esse governo tambm no realiza a distribuio de terras almejada pelos movimentos de
luta pela terra e necessria ao desenvolvimento econmico, poltico e social da nao brasileira.
importante destacar que o sucateamento dos rgos responsveis pela poltica fundiria
brasileira e pela viabilidade dos projetos de assentamentos, como exemplo, o INCRA, um
obstculo ao processo de Reforma Agrria. De acordo com Sampaio Junior (2004) evidente o
descaso e empobrecimento dessa autarquia no primeiro mandato do governo Lula (2003-2006).
Alm de recursos financeiros, o INCRA no poder cumprir sequer a modesta meta
fixada para 2004, sem substancial aumento do nmero de seus funcionrios. A
autarquia, que tinha, em 1970, 12 mil funcionrios est reduzida a 5 mil, dos quais
2 mil devero se aposentar, daqui at o fim do ano. Obviamente, com esse brutal
dficit de pessoal, no ser possvel realizar, de maro a dezembro, as vistorias,
avaliaes, levantamentos topogrficos, seleo de beneficirios, decretos de
desapropriao e todas as inmeras e complexas operaes necessrias para
desapropriar um imvel e distribu-lo a famlias de trabalhadores rurais sem terra
(SAMPAIO JR, 2004, s/p).
Portanto, essa situao contribui sobremaneira para o insuficiente desempenho do rgo
frente s metas estabelecidas no II PNRA, em 2003, evidenciando a dificuldade do Governo em
implementar uma Reforma Agrria que atenda realmente s necessidades dos trabalhadores rurais.
Por outro lado, as instituies pblicas de pesquisas voltadas agricultura, como, por
exemplo, a EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria), foram direcionadas pelas
aes do Governo Lula para servirem s pesquisas destinadas ao agronegcio. Este Governo
demonstra claramente a opo de no tomar o partido dos pequenos produtores que vivem
margem dos incentivos dados agricultura empresarial brasileira.
O governo Lula apoiou a expanso e o crescimento do agronegcio e a reside, justamente, a
dificuldade na realizao da Reforma Agrria.
A decapitao da atual direo nacional da Embrapa, ocorrida no dia 21 de janeiro,
constitui mais uma ao consciente do Governo Lula, atravs de medida poltico-
administrativa do ministro Roberto Rodrigues, na afirmao exclusiva dos
interesses de classe do capital oligopolista internacional do agronegcio. Essa
deciso consagra os destinos da Embrapa: a servio dos interesses das grandes
empresas capitalistas do campo e das indstrias ligadas ao agronegcio. Portanto,
mais uma prtica efetiva, consciente e intencional desse governo na excluso
econmica e social do campesinato (CARVALHO, 2005, s/p).
40
A relao de proximidade entre o presidente Lula e os movimentos sociais, especialmente o
MST, gerou muitas expectativas em relao efetivao da Reforma Agrria, sendo essa proposta
anunciada em momento de campanha do referido presidente.
O MST e as demais organizaes camponesas esto observando tudo isso. Sua
histrica ligao com o presidente Lula levaram-nas a manter uma atitude de
espera nestes 15 meses. Aceitaram, sem protestar, a reduo da meta e
conseguiram fazer com que as 200 mil famlias acampadas sob as barracas de
plstico se contentassem em receber apenas cestas bsicas durante todo esse tempo.
Mas, sejamos sensatos: razovel esperar que esses movimentos fiquem parados,
vendo escoar um quarto do mandato presidencial sem um sinal efetivo de mudana
no ritmo de execuo da reforma? (SAMPAIO JR, 2004, s/p).
Os movimentos de luta pela terra deram uma trgua ao Governo Lula, na esperana que as
promessas feitas durante a campanha eleitoral fossem concretizadas. Porm, no decorrer do
mandato, os movimentos perceberam que, mais uma vez, a estrutura fundiria no seria modificada.
A gesto do governo Lula foi amplamente criticada pela no realizao da Reforma Agrria,
ou seja, por no desconcentrar a estrutura fundiria brasileira. Alm disso, o Estado acusado de
colaborar na proteo das grandes propriedades.
Depois de 500 anos de lutas do povo brasileiro e 25 anos de existncia do MST, a
Reforma Agrria no foi realizada no Brasil. Os latifundirios, agora em parceria
com as empresas transnacionais e com o mercado financeiro formando a classe
dominante no campo - usam o controle do Estado para impedir o cumprimento da
lei e manter a concentrao da terra. O MST defende um programa de
desenvolvimento para o Brasil, que priorize a soluo dos problemas do povo, por
meio da distribuio da terra, criao de