Post on 12-Oct-2015
ANDR FELIPE ROCHA MARQUES
A OBRA DO ARQUITETO JOO FILGUEIRAS LIMA, LEL: PROJETO, TCNICA E RACIONALIZAO
DISSERTAO DE MESTRADO
Orientador: Abilio Guerra
Faculdade de Arquitetura e UrbanismoPrograma de Ps-graduao em Arquitetura e Urbanismo
Universidade Presbiteriana MackenzieSo Paulo, setembro de 2012
M357o Marques, Andr Felipe Rocha
A obra de Joo Filgueiras Lima, Lel: projeto, tcnica e racionalizao. / Andr Felipe Rocha Marques 2012.
305 f. : il. ; 30cm.
Dissertao (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, So Paulo, 2012. Bibliografia: f. 299-305.
1. Projeto de arquitetura. 2. Joo Filgueiras Lima (Lel). 3. Conforto ambiental. I. Ttulo.
CDD 720.9
Banca Examinadora
Qualificao de dissertao de mestrado em Arquitetura e Urbanismo apresentada
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Professor Dr. Abilio Guerra
Instituio: Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Julgamento:............................................ Assinatura:........................................................
Professor Dr. Rafael Perrone
Instituio: Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Julgamento:............................................ Assinatura:........................................................
Professor Dr. Paulo Bruna
Instituio: Universidade So Paulo.
Julgamento:............................................ Assinatura:......................................................
Crditos
Capa: Joo Filgueiras Lima em entrevista com alunos da Univ. Macken-zie. Foto: Andr Marques; Desenho tcnicos do Hospital Sarah Rio de Janeiro. Fonte:
JFGL/CTRS
Projeto grfico: Andr Marques e Fernanda CritelliDiagramao: Fernanda CritelliEnsaios fotogrficos entre captulos: Andr MarquesFontes: Rotis Sans Serif 65 bold (ttulo); Rotis Sans Serif 55 (corpo texto
e legenda); Rotis Sans Serif 45 light (nota de rodap e lista de imagem)
Esse trabalho dedicado a todos os meus professores.
Agradecimentos
Ao arquiteto Joo Filgueiras Lima pela abertura e disponibilidade. Obriga-
do pelo seu tempo e pelas conversas. Obrigado tambm por tornar acessvel todo seu
acervo para esta pesquisa. Saiba que sua humildade e generosidade foi o meu princi-
pal aprendizado.
Varias pessoas contriburam para esse trabalho durante esses dois anos.
Agradeo em especial Ablio Guerra, Adriana Filgueiras Lima, Alan Leonardo R.
Marques, Albino Pires Marques, Alexandre Lipai, Aline Machado, Ana Amlia Mon-
teiro, Ana Carina Rigolin, Andr Lenza, Anglica Alvim, Antonio Ricarte, Brbara
Vanessa R. Marques, Cacilda Rocha Marques, Celia Regina Moretti, Celso Soares,
Edith Gonalves de Oliveira, Fbio Alexandre R. Marques, Fbio Gionco, Felipe Soares,
Fernanda Critelli, Fernanda Freie, Gil Andrade, Giovanni Sarquis, Haifa Sabbag, Jorge
Abussamra, Jussara SantAna, Lizete Rubano, Luiz Carlos Toledo, Mrcia Alucci, Mar-
co Tlio, Maria Isabel Villac, Mrio Figueroa, Ndia Somekh, Neuton Bacelar, Paulo
Bruna, Percival Deimann, Rafael Perrone, Roberta SantAna Soares, Rodrigo Rocha,
Ruth Verde Zein, Sami de Oliveira, Silvia Raquel Chiarelli, Vanessa Padi e Veronica
Polzer.
E ao Mack-Pesquisa pelo incentivo necessrio realizao da pesquisa.
Resumo
Essa pesquisa pretende abordar a obra do arquiteto Joo Filgueiras Lima,
Lel, atravs da anlise de alguns aspectos do projeto arquitetnico: desenho, tc-
nica construtiva, conforto ambiental, racionalizao e industrializao. Tenta com-
preender o processo criativo e construtivo desse importante arquiteto; como objetivo
ltimo, procura colaborar no conhecimento da metodologia de seu projeto de ar-
quitetura.
Apresenta tambm os valores geradores que orientaram a produo do
arquiteto ao longo dos anos, desde sua formao ao dias atuais, por meio de uma
anlise crtica da obra e suas conexes com a arquitetura contempornea mun-
dial, mostrando os passos que foram necessrios para consolidar uma arquitetura
tecnolgica, industrial e humana no Brasil, e expressando na linha de pesquisa as
possveis influncias de notveis predecessores na formao de seu repertrio ar-
quitetnico, com exemplos e desenhos para identificao dessas expresses projet-
uais e culturais.
Entre os diversos nomes do repertrio de Lel, predominam Richard Neu-
tra e Jean Prouv. Neutra, arquiteto austraco, destaca-se na Amrica, em Porto Rico
e Estados Unidos com inmeros edifcios que so exemplos de preocupaes constru-
tivas e ambientais. Prouv, construtor francs, reconhecido pela linguagem formal
voltada para as possibilidades da industrializao.
Ambos os arquitetos estiveram no Brasil em 1959, para o congresso in-
ternacional dos arquitetos em Braslia. Neutra publicou no Brasil o livro Arquitetura social em pases de clima quente em que conta sua experincia em Porto Rico, pro-jetando e construindo edifcios sociais como escolas rurais e urbanas, posto de sade
e hospitais. Richard Neutra exerce influncia no campo das preocupaes ambientais
de Joo Filgueiras Lima, enquanto Prouv referncia nas questes de industriali-
zao leve, inspirando as chapas dobrveis e montagens manuais.
Diante de uma obra construda expressiva, tambm numericamente, qua-
tro projetos so aqui especialmente analisados, tendo como critrio de seleo seu
carter nico e simblico: a escola transitria de Abadinia (1982-1984); a sede da
Prefeitura de Salvador (1986); o hospital Sarah, em Salvador (1988-1994); e a casa
Roberto Pinho (2007-2008), em Braslia.
Abstract
This research aims to address the work of architect Joo Filgueiras Lima,
Lel, through the analysis of some aspects of architectural design: drawing, con-
struction technique, environmental comfort, rationalization and industrialization.
It also tries to understand the constructive and creative process of this important
architect; and as ultimate aim, seeks to collaborate in knowledge of the methodol-
ogy of its architectural design.
It presents the values that guided the architects works over the years,
from its formation to the present day, through a critical analysis of the work and
its connections to worlds contemporary architecture, showing the steps that were
needed to build an architecture technological, industrial and human in Brazil, and in
the search line expressing the possible influences of notable predecessors in forming
its architectural repertoire, with examples and drawings to identify these cultural
expressions and projective.
Among the many names of the repertoire of Lel, predominate Richard
Neutra and Jean Prouv. Neutra, Austrian architect, stands out in Puerto Rico and
Latin America with numerous examples of buildings that are constructive and en-
vironmental concerns. Prouv, French builder, is recognized by the formal language
toward the possibilities of industrialization.
Both architects were in Brazil in 1959, for an international conference
of architects in Brasilia. Neutral published in Brazil the book Architecture of Social Concern in hot climate countries where his experience in Puerto Rico, designing and constructing buildings as social urban and rural schools, health center and hospitals.
Richard Neutras influence in the field of environmental Joo Filgueiras Lima, while
Prouvs reference light on issues of industrialization, inspiring plates folding and
assembly manuals.
Faced with a significant built work, also numerically, four projects are
especially analyzed here, with the selection criterion its unique character and sym-
bolic: the transient Abadinia school (1982-1984), the seat of the Municipality of
Salvador (1986), the Sarah hospital in Salvador (1988-1994), and the house Roberto
Pinho (2007-2008), in Braslia.
ndice
13 Introduo
19 Captulo 01: Cultura arquitetnica e sociedade (o monge / o hippie) 23 O legado de Oscar Niemeyer e da Universidade de Braslia30 Inspirao e influncias38 Utopia e revolues contracultura54 As fbricas de Joo Filgueiras Lima, 1978-200959 A evoluo do projeto na obra de Joo Filgueiras Lima60 Interlocues com arquitetos contemporneos
79 Captulo 2: Arquitetura e indstria (construo).81 Conversando com Jean Prov83 O controle construtivo e o desenho86 Ideologia e construo89 A industrializao da casa unifamiliar no Brasil99 Espaos servidos e servidores107 Arquitetura construo111 Racionalizao e recorrncia113 Repetio da forma e possibilidades119 Transporte, armazenamento e montagem123 Mobilirio, objetos e transporte
151 Captulo 3: Arquitetura e meio ambiente (ambientao)153 Conversando com Richard Neutra/Estratgias Bioclimticas158 Fases da carreira de Joo Filgueiras Lima161 Recorrncia e aperfeioamento167 O natural e o espao construdo166 Richard Neutra e o Brasil169 Escolas rurais171 Jardins de ambientao174 Natureza = Tecnologia176 Natureza = Arte
199 Captulo 4: Projetos selecionados (de Joo Filgueiras Lima, Lel)201 Escola transitria de Abadinia 218 Prefeitura de Salvador236 Hospital Sarah Salvador258 Residncia Roberto Pinho
270 Balano Final299 Bibliografia
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Introduo
Graas s solues inesperadas, a obra do arquiteto Joo Filgueiras Lima
(Lel) contribui de forma significativa para a prtica profissional da arquitetura.
Distinguem-se sua constante preocupao com as questes referentes ao conforto
ambiental, a definio estrutural compatvel com a flexibilidade espacial do edifcio,
as tcnicas construtivas adequadas ao acabamento primoroso da edificao, entre
outros recursos. A compreenso de como estas solues foram elaboradas e como
evoluram, de como se relacionam entre si e de como se transformaram em modelos
contribuem, sem dvida, para o saber na arquitetura.
Esta dissertao objetiva desenvolver uma anlise critica sobre a obra e o
mtodo de projeto do arquiteto, levantando dados tcnicos relacionados s questes
construtivas e de conforto ambiental, colaborando com aspectos que podem con-
tribuir para a prtica de arquitetura e urbanismo; procura tambm assinalar notveis
precedentes e pensamentos referenciais, parmetros, tcnicas e elementos que con-
triburam e contribuem para a implementao da indstria da construo no pas.
Do ponto de vista mais especfico, a pesquisa procura padronizar atravs
de desenhos e imagens uma ordem de elementos construtivos empregados de forma
sistemtica pelo arquiteto, de tal forma que se tornem uma contribuio para estu-
dos de implementao da indstria da construo no pas.
No incio da pesquisa, ao revisar a produo bibliogrfica sobre Joo
Filgueiras Lima, verificou-se que, de modo geral, os trabalhos mostram apenas uma
panormica da obra do arquiteto. Com exceo da tese de doutorado de Ana Gabriel-
la Lima Guimares A obra de Joo Filgueiras Lima no contexto cultural arquitetni-co contemporneo , os demais trabalhos no debatem nem confrontam com o contexto histrico e a produo internacional de arquitetura. Os textos que serviram
como subsdio inicial para este trabalho so os seguintes:
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1) Escola Rural transitria de Abadinia. O livro descreve a experincia pioneira de industrializao da escola com uso de argamassa aramada por Lel na ci-
dade do interior de Gois, Abadinia. uma espcie de cartilha que demonstra passo
a passo a execuo da escola.
2) Lel: o arquiteto Joo Filgueiras Lima. O mestrado de Elaine Peixoto o primeiro trabalho acadmico sobre Lel, onde a autora levanta a produo do
arquiteto, busca evidenciar e contextualizar a importncia dele no cenrio da ar-
quitetura brasileira entre os anos de 1960 e 1990 atravs de pesquisa histrica apoi-
ada na literatura existente, em entrevistas e em um exame de suas principais obras.
Como instrumental necessrio compreenso dos processos de criao artstica e
da arquitetura como um fenmeno cultural, a autora utiliza-se de aportes tericos
empregados por Merleau-Ponty, Jorge Sainz, Giulio Argan, Renato de Fusco e Wal-
ter Benjamin para discorrer sobre questes relativas potica do desenho, espaos,
volumes, formas e cores que caracterizam o trabalho do arquiteto. No obstante o
referencial terico sofisticado e internacional, a obra de Lel no cotejada com
experincias internacionais.
3) Joo Filgueiras Lima, Lel. Publicao organizada por Giancarlo Lator-raca, trata-se de livro panormico sobre a produo arquitetnica de Lel, apre-
sentando inmeras imagens e memrias descritivas acerca de obras organizadas em
ordem cronolgica. Reproduz textos de Lucio Costa e Oscar Niemeyer e uma entre-
vista do arquiteto com Marcelo Ferraz e Roberto Pinho.
4) CTRS: Centro de Tecnologia da Rede Sarah. Publicao que mostra a produo do arquiteto frente da fbrica do CTRS, e alguns projetos que no con-
stam do livro organizado por Giancarlo Latorraca.
5) Joo Filgueiras Lima: O que ser arquiteto. De autoria de Cynara Me-nezes, o livro concebido como um guia para estudantes que desejam conhecer a
profisso de Lel. Atravs de diversas entrevistas com o arquiteto, a autora conta
como foi sua carreira, revelando seu pensamento sobre a vida e a profisso. O livro
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se detm mais sobre o pensamento de Lel, revelando seu imaginrio e quais os mo-
tivos de suas escolhas profissionais.
6) Olhares: vises sobre a obra de Joo Filgueiras Lima. Organizado por Claudia Estrela Porto, o livro foi lanado em dezembro de 2010, quando da inau-
gurao do Memorial Darcy Ribeiro na UNB. Apresenta uma coletnea de textos de
diversos autores sobre a obra de Lel.
7) Ventilao e iluminao naturais na obra de Joo Filgueiras Lima, Lel. Dissertao de Jorge Isaac Pern Montero, trabalho analisa as questes de ventilao
e iluminao natural nos hospitais Sarah Rio e Sarah Fortaleza. Demonstra o fun-
cionamento do efeito chamin nos hospitais e as solues construtivas que permitem
o funcionamento do sistema passivo de ventilao e iluminao.
8) Conforto ambiental e sustentabilidade do edifcio na obra de Joo Fil-gueiras Lima (Lel). Dissertao de Gislene Ribeiro, o trabalho aborda de forma crtica as obras hospitalares, analisando as questes de conforto ambiental.
9) A linguagem da arquitetura hospitalar de Joo Filgueiras Lima. Dis-sertao de Eduardo Westphal, o trabalho olha de forma sistemtica os diferentes
sheds usados por Lel.
10) Pr-fabricados em argamassa: material, tcnica e desenho de com-ponentes desenvolvidos por Lel. A dissertao de Cristina Cncio Trigo avalia os componentes em argamassa armada desenhados por Lel para projetos de escolas e
creches.
11) Mayumi Watanabe Souza Lima: a construo do espao para educao. A dissertao de Cssia Schroeder Buitoni apresenta as experincias feitas pela ar-
quiteta Mayumi em escolas a partir dos componentes desenvolvidos por Joo Filguei-
ras Lima em Abadinia, Rio de Janeiro e Salvador.
12) A arquitetura de Lel: fbrica e inveno: Catlogo de exposio de mesmo nome ocorrida no Museu da Casa Brasileira, em So Paulo. Organizada por
Giancarlo Latorraca e Max Risselada, a publicao apresenta imagens das obras
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realizadas a partir do ano 2000, com destaque para o processo construtivo. Apresen-
ta textos crticos assinados por Max Risselada, Roberto Pinho, Hugo Segawa, Antnio
Risrio e Mrcio Correia Campos.
Do ponto de vista metodolgico, a presente dissertao pretendeu obter
informaes que, uma vez cruzadas, possibilitassem comparar experincias simi-
lares de industrializao no mesmo perodo, delinear a evoluo formal das obras do
arquiteto estudado, explicar os processos construtivos e compreender sua evoluo.
Para tanto, se muniu do seguinte ferramental:
1) pesquisa documental: ampla documentao das obras selecionadas atravs de material levantado no acervo do arquiteto (cpias de desenhos, relatrios
e fotos) e visita pessoal aos edifcios (registro fotogrfico digital) fundamental
para a abordagem qualitativa e quantitativa das obras selecionadas, em especial das
relaes entre desenho e aspectos tcnicos de maior interesse para esta pesquisa
(industrializao da construo, conforto ambiental, flexibilidade espacial etc.).
2) levantamento bibliogrfico: coleta de textos diversos (peridicos, livros, trabalhos acadmicos, relatrios tcnicos etc.) sobre as obras, o arquiteto, a
industrializao da construo e o contexto histrico brasileiro, em especial quele
dos Estados que abrigam as obras selecionadas (Bahia, Rio de Janeiro, Distrito Fed-
eral, Gois e So Paulo), permitindo compreender o panorama histrico-cultural onde
brota a obra estudada, assim como as mltiplas interpretaes da mesma.
3) entrevistas: produo de material primrio complementar, atravs de entrevistas diversas com o autor das obras, colaboradores e parceiros, crticos
e historiadores da arquitetura etc. , importante para preencher lacunas factuais
e cronolgicas, alm de permitir compreenso mais aprofundada de circunstncias
especficas que determinaram as decises projetuais e detectar motivaes pessoais
e coletivas que influram no desenvolvimento dos fatos.
4) produo de material iconogrfico: redesenho de algumas obras exemplares com a preocupao de registrar graficamente sua geometria, detalhes
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construtivos, estratgias climticas, solues estruturais e modulaes visa, em um
primeiro momento, compreender o mtodo de trabalho do arquiteto estudado, passo
fundamental para posterior anlise crtica da relao entre o desenho/projeto e o
processo construtivo.
A estrutura argumentativa, que conta com a apresentao das questes,
comparaes e anlises de obras, distribuda atravs de quatro captulos, dos quais
seguem resumos.
O Captulo 1: Cultura arquitetnica e sociedade, por meio de um pequeno relato histrico, apresenta a carreira de Joo Filgueiras Lima, destacando a
importncia de Oscar Niemeyer e de outros nomes da arquitetura brasileira e inter-
nacional na sua formao. O captulo insere Lel na reflexo cultural que aconteceu
no final da dcada de 1960, denominada contracultura, concluindo com aproxi-
maes e interlocues de Lel com arquitetos contemporneos internacionais.
O Captulo 2: Arquitetura e indstria conversando com Jean Prouv associa a obra de Lel aos pensamentos do construtor francs Jean Prouve, buscando
demostrar, atravs de aproximaes, como as possibilidades construtivas desenvolvi-
das por Prouv so incorporadas nas solues propostas por Joo Filgueiras Lima.
Como Prouv, Lel busca sempre a montagem simples, sem a necessidade de grandes
mquinas, onde a leveza de cada componente fundamental. As possibilidades de
evoluo atravs da racionalizao e da recorrncia so ideias igualmente defendidas
por estes pensadores. Outro ponto discutido como a fronteira do conhecimento es-
pecializado ultrapassada pelas possibilidades industriais, uma vez que Lel desenha
no somente edifcios, mas tambm mobilirio e objetos.
O Captulo 3: Arquitetura e meio ambiente conversando com Rich-ard Neutra associa Lel ao pensamento do arquiteto austraco Richard Neutra, autor de um dos principais livros de arquitetura editados no Brasil na primeira metade
do sculo 20, Arquitetura social em pases de clima quente. Nele, Neutra demonstra estratgias para construo de edifcios de interesse social em paises tropicais e
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subtropicais como o Brasil. Lel que em praticamente todas as suas obras busca o
equilbrio entre os pares natureza/tecnologia e cincia/arte cita Neutra como uma
de suas principais referncias, ao lado de Alvar Aalto.
O Captulo 4: Projetos de Joo Filgueiras Lima, Lel apresenta estudos de caso nos quais se busca constatar claramente as questes discutidas nos captulos
anteriores. As obras escolhidas foram selecionadas pelos seus aspectos renovadores
no contexto da obra geral do arquiteto:
1) A Escola transitria de Abadinia, por ser sua primeira experincia no
uso da argamassa para industrializao total do edifcio com componentes leves e
com poucos recursos industriais. Essa obra serviu de base para todas as escolas pro-
jetadas posteriormente no percurso profissional de Lel.
2) A Prefeitura de Salvador constitui uma obra especial na carreira do
arquiteto por se tratar de uma insero de um edifcio em centro histrico, onde a
delicadeza da implantao e o uso do ao em uma construo de apenas doze dias
so suas principais caractersticas. A sede da prefeitura, como o projeto anterior, foi
concebido como efmero, sendo possvel sua desmontagem e montagem em outro
local.
3) O Hospital Sarah Salvador, a primeira obra do CTRS Centro de Tec-
nologia da Rede Sarah, foi projetado inicialmente para ser construdo em argamassa
armada. Com o fim da FAEC, o projeto foi modificado e adaptado para o uso do ao,
tcnica recorrente nos hospitais posteriores. No Sarah Salvador, Lel usa pela primei-
ra vez os dutos de instalaes e ventilao.
4) Residncia Roberto Pinho se sobressai por ser uma casa industrializada
com recursos da indstria da construo civil disponvel no Brasil. Nessa obra Lel
no conta com o aporte de suas fbricas, mesmo assim desenvolve uma construo
industrializada de impecvel acabamento.
Captulo 01: Cultura arquitetnica e sociedade (o monge / o hippie)
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Captulo 01: Cultura arquitetnica e sociedade (o monge / o hippie)
Joo Filgueiras Lima o Lel inicia sua carreira de arquiteto no incio
dos anos 1960, perodo marcado por grandes mudanas culturais. Com a construo
de Braslia, o Brasil inicia uma nova ocupao no interior do pas. Suas cidades
comeam a crescer vertiginosamente a partir dessa dcada, resultando em uma
transformao territorial mais urbana, terciria e industrial, descaracterizando o
Brasil como um pas agrcola. No mundo, os avanos tecnolgicos se processam cada
vez mais rapidamente, mudando formas antigas de viver. As novas tecnologias so
impulsionadas com a corrida espacial e o mundo se polariza de forma extrema em
torno dos Estados Unidos e da hoje extinta Unio Sovitica.
Em 1959, no perodo de 17 a 25 de setembro, acontece em Braslia, sete
meses antes de sua inaugurao oficial, e nas cidades de So Paulo e Rio de Janeiro,
o Congresso Internacional Extraordinrio de Crticos de Arte tendo como tema Ci-dade nova: Sntese das artes. Entre os presentes se destacam os arquitetos e crti-cos Alberto Sartoris, Giulio Carlo Argan, Stamo Papadaki, Bruno Zevi, Jean Prouv,
Gillo Dorfles, Toms Maldonado, Flavio Motta, Mrio Pedrosa, Willian Holford, Eero
Saarinen, Charlotte Perriand e, naturalmente, Oscar Niemeyer.
Esse evento teve desdobramentos no meio arquitetnico internacional.
Em 1982, Jean Prouv comenta, em conversa com Armelle Lavalou, as mudanas da
arquitetura e, por consequncia, dos arquitetos. Lembra de quando esteve no Brasil
para o Congresso Internacional e como este influenciou o arquiteto finlands Eero
Saarinen.
A mais caracterstica [mudana] foi a do Saarinen. Ele acabava de re-
alizar os edifcios da General Motors (...) Eu estive com Saarinen no Brasil.
Ele me confiou: Estou cheio de fazer cubos de acar! Foi nesta poca
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Figura 01 - Os amigos Lel e Oscar Niemeyer no escritrio deste, em Copacabana.Fonte: LATORRACA, 2000, p. 10.
que construiu o edifcio da TWA no Aeroporto Kennedy... 1
Podemos imaginar o impacto da obra de Oscar Niemeyer em Eero
Saarinen, ao criar a magnfica obra do terminal da TWA, projetado entre 1956 e
1962, em Nova York. Essa enorme influncia de Oscar atuou no repertrio formal
da arquitetura mundial. No incio do sculo XXI ainda podemos perceber o legado
deixado pelo mestre brasileiro em quase toda a arquitetura contempornea, desde os
arquitetos brasileiros aos estrangeiros.
1 - PROUV, Jean. In LAVALOU, Armelle (ed.). Conversas com Jean Prouv. Barcelona: Gustavo Gili, 2005, p. 84.
23
O legado de Oscar Niemeyer e da Universidade de Braslia
Lel, graas a sua experincia anterior na construo de edifcios habita-
cionais para o antigo Instituto dos Aposentados e Pensionistas Bancrios IAPB , se
integra ao grupo de profissionais responsveis pela construo da nova Universidade
do Brasil na recm-construda capital. O primeiro reitor da Universidade de Braslia
como hoje ela denominada era o antroplogo Darcy Ribeiro (1922-1997), sendo o
arquiteto Oscar Niemeyer o coordenador do curso de tecnologia. Lel torna-se secre-
trio para o desenvolvimento do plano urbanstico para a implantao da universi-
dade e constri inmeros pavilhes, sendo o conjunto Colina edifcios residenciais
para os professores a maior obra desse perodo.
Um fato importante na Universidade de Braslia UnB consiste na lider-
ana de Oscar Niemeyer no uso da tcnica da pr-fabricao. No final dos anos
1950, ele utiliza estruturas pr-fabricadas em inmeros projetos, sendo que no de-
senho de uma escola rural, de 1963, podemos encontrar preocupaes presentes na
obra de Lel para a escola transitria de Abadinia.
Em sua trajetria, Oscar Niemeyer projetou e construiu obras impor-
tantes com estruturas pr-fabricadas, tanto no exterior Universidade de Constan-
tine, Argel, Arglia (1969-72), Sede da Fata-European Group, Pianezza, Turim, Itlia
(1974-75) como no Brasil caso do Ministrio do Exrcito em Braslia DF (1967).
O palcio do exrcito de Braslia que se completava com mais oito
blocos num total de 1900 metros corridos, justificando a pr-fabricao
a soluo adotada a mais radical possvel com apenas dois elementos
pr-fabricados: apoios de 16 metros de altura e lajes de 15 x 5. E o edif-
cio surgiu como um verdadeiro palcio, provando que a pr-fabricao,
quando bem concebida, no significa vulgaridade.2
Para a UnB, alm do prdio principal, conhecido como Minhoco, Oscar
2 - NIEMEYER, Oscar. Problemas da arquitetura 4: O pr-fabricado e a arquitetura. Revista Mdulo, Rio de Janeiro, n. 53, mar./abr. 1979, p. 56.
24
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Figura 03 - Alojamento para estudantes, Oscar Niemeyer, Braslia, 1962. Fonte: PETIT, Jean. Niemeyer: poeta na arquitetura. Lugano, Fidia Edizioni dArte, 1995. p. 99.
prope a construo do edifcio residencial para os estudantes com clulas pr-
fabricadas empilhveis, montadas por gruas. Cada habitao era sobreposta de forma
intercalada, criando entre cada duas um jardim privativo, soluo que podemos rela-
cionar a um edifcio contemporneo o Habitat 67, de Moshie Safdie , que tinha
como filosofia um jardim para cada um.3
Mas a pr-fabricao pode ter os aspectos mais diferentes e, como
um jogo de armar, ser feita como unidades completas e independentes.
Na Universidade de Braslia estudamos um tipo de habitao para es-
tudantes sem fundao especial no qual as unidades habitacionais,
inteiramente prontas, seriam simplesmente colocadas sobre o terreno,
nivelado, uma sobre as outras e alternadas para que o teto de uma
servisse de terrao-jardim para a outra. A soluo era to flexvel que
permitiria variar todo o conjunto.4
Observando as obras de Niemeyer do perodo entre 1980 e 2000 consta-
ta-se que o arquiteto se afastou desta questo. Ele tem como premissa mxima a in-
veno, tornado- se um arquiteto da criatividade e afastado da tcnica. Para Oscar, a
racionalizao e industrializao dependem de demanda, levando assim o carter de
obra nica seus ltimos projetos. Niemeyer conclui em um dos seus famosos textos
sobre problemas da arquitetura como considera a questo da pr-fabricao.
claro que a pr-fabricao representa uma limitao e s deve ser
aplicada quando problemas de economia e rapidez os reclamam. De outro
lado seria a fantasia desnecessria, um obstculo prpria imaginao
do arquiteto.5
3 - O segundo livro de Moshie Safdie tem como ttulo: For Everyone A Garden de 1974. The MIT Press (Cambrige, Mass), Edited by Moshe
Safdie and Judith Wolin.
4 - Idem, ibidem, p. 58.
5 - Idem, ibidem, p. 58.
Figura 02 -Escola Primria, Arquiteto Oscar Niemeyer, 1963, Braslia. Fonte: revista Mdulo, n.32, p. 46-47.
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Apesar das semelhanas formais entre a obra de Joo Filgueiras Lima e
Oscar Niemeyer, elas diferem principalmente pelas questes construtivas. Os edifcios
de Niemeyer so construdos de forma artesanal, sofrendo inmeras deformaes pe-
las tcnicas mal aplicadas. Atualmente fcil notar acabamentos ruins no concreto,
caixilharias mal desenhadas e problemas srios de manuteno. Essa viso crtica
aumenta, principalmente, aps a construo de Braslia; possvel imaginar quan-
tas toneladas de madeira foram necessrias para construes dos palcios da nova
capital.
De forma distinta desta caracterstica , quando observamos a obra de
Lel, notamos que as questes construtivas so em grande medida prioritrias. Joo
Filgueiras Lima afirma que a racionalizao no depende da escala 6,demonstrando
que o projeto necessita de uma racionalizao para evitar desperdcios generaliza-
dos, tanto na sua configurao espacial quanto na sua construo. Essa preocupao
ao menos em parte tributria da profunda mudana cultural do final dos anos
1960, em que o mundo comea a se conscientizar acerca da destruio dos recur-
sos naturais, como aparece no discurso do arquiteto, associado questo social da
explorao do trabalho, em depoimento nos anos 1970:
A gente s deve propor uma pr-fabricao quando ela se justifica. Por
outro lado, tambm acho que no devemos aceitar condies vulgares
que predominam hoje na construo. A gente tem que se colocar numa
posio radical, antagnica aos abusos que a construo civil propicia,
quer em termos de destruio de elementos naturais, quer de explorao
de mo-de-obra. A gente v, em Braslia, as matas ciliares todas destru-
das. Quem que v mais pinho do Paran? E um pinheiro daqueles que
demoram 40 anos para crescer. [...] A construo civil, da forma em que
ainda colocada no Brasil, tem a filosofia do desperdcio e da explorao
mais vil possvel da mo-de-obra, que chamam de desclassificada.7
6 - Em entrevista com o autor na Universidade Mackenzie, So Paulo, em 18 out. 2010.
7 - LIMA, Joo Filgueiras. Depoimento. In Arquitetura Brasileira aps Brasilia / Depoimentos: Edgar Graeff, Flavio Marinho Rego, Joaquim
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Figura 04 - Congresso Nacional, Arquiteto Oscar Niemeyer, 1959-60, Braslia. Foto: Marcel Gautherot
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Figura 05 - Lel em uma reunio entre amigos de msica em 1988 com o traje Sun Zhongshan Foto: Adriana Filgueiras Lima
dupla agenda preocupaes ecolgicas e sociais soma-se uma
terceira, de carter plstico. Lel, sempre deixou claro o quanto sofreu influncia
de Oscar Niemeyer, assumindo, sem constrangimentos, um trao que muito sugere a
obra do mestre. Lel, como Oscar, baseia sua obra numa tipologia formalista, na qual
os edifcios so claramente definidos e desenvolvidos a partir de suas formas e no
por suas funes. Lel chega a se declarar um subproduto de Oscar Niemeyer.
Por uma contingncia de vida, o destino me jogou pro outro lado, eu
fui obrigado a absorver essa coisa de tecnologia, e o Oscar sempre tra-
balhou com o concreto da forma mais livre possvel... Escultrica. E eu
fiquei assim, quer dizer, no estou querendo me comparar com o Oscar,
sou um subproduto. Estou apenas justificando como que foi a forma de
influncia.8
Podemos encontrar tambm na obra de Lel inmeras formas que se repe-
tem, podendo assumir diferentes funes. As formas das plantas e elevaes quase
sempre so retngulos, quadrados, crculos, semicrculos ou trapzios. Formas puras
e de fcil percepo, que so valorizadas pelas cores brancas em suas empenas. Lel
utiliza-se de toda gramtica e sintaxe de Oscar Niemeyer, adotando, nas palavras de
Darcy, um estilo oscrico.9
Nunca vi, em tempo algum, nada de to ousado como a liberdade plsti-
ca que Oscar se d como arquiteto, e a coragem com que ele cria as cois-
as mais inesperadas, como se fizesse obra trivial, nclita. Por este caminho
Guedes, Joao Filgueiras Lima. Rio de Janeiro, IAB/RJ, 1978, p. 243.
8 - LIMA, Joo Filgueiras. O arquiteto Joo Filgueiras Lima (Lel) proferiu palestra, em outubro de 1999, no I Seminrio Nordeste de Arquite-
tura, em Fortaleza, apresentando seus projetos de escolas, hospitais, prdios pblicos, residncias. A COBOG e mais um grupo de estudantes
de arquitetura conversamos com o Lel aps a palestra, numa entrevista informal. Apresentamos aqui a transcrio dessa conversa. Alguns
trechos da gravao foram resumidos ou interpretados, por motivo de clareza. Data da entrevista 26 de outubro de 1999. Disponvel: http://
cobogo.sites.uol.com.br/entrevista01.htm
9 - Marco do Valle identifica a linguagem formal utilizada por Oscar Niemeyer: 1. volume telhado invertido/ volume trapzio ou prismtico; 2.
pilares / pilotis; 3. arcos e abbadas; 4. marquises; 5. formas cilndricas; 6. cpulas e calotas. VALLE, Marco Antonio Alves do. Desenvolvimento
da forma e procedimentos de projeto na arquitetura de Oscar Niemeyer (1935-1998). So Paulo/FAU-USP, Tese de Doutorado, 2000.
29
que, ao longo das dcadas, ele foi construindo um padro oscrico, que
hoje um dos pendores da arquitetura mundial. No impossvel que,
amanh, se fale de arquitetura oscrica como um substantivo comum.
Que ningum se engane pensando que Oscar um arquiteto brasileiro,
inspirado nas curvas de nossas belas mulheres e de nossas majestosas
montanhas. Qual! Nada disso. Oscar a realizao at o limite da capaci-
dade humana de criar beleza.10
A beleza do racionalismo europeu, dado pelos prismas cbicos brancos,
colocada em questo por Oscar Niemeyer na utilizao da plasticidade e liberdade
construtivas do concreto armado. Niemeyer compreende o concreto armado na sua
possibilidade construtiva atravs da fundio de moldes. Criando peas escultricas
como marquises, colunas, arcos/ abbadas ou cpulas. Darcy Ribeiro deixa claro que
a expressividade plstica de Oscar Niemeyer no somente uma questo de carter
nacional brasileiro e sim uma alternativa cultural qualquer, como: o limite da ca-
pacidade humana de criar a beleza.
Niemeyer foi importante tambm para a formao cultural de Lel.
Aproximou Joo Filgueiras no Partido Comunista do Brasil PCB , no qual ele nunca
se filiou, mas com o qual compartilhava seus ideais polticos e ideolgicos. Durante
o perodo da UNB, na companhia de Oscar, Lel participava das reunies do PCB e,
j nos anos 1980, esteve na China, onde pde conhecer as heranas da revoluo
cultural chinesa de Mao Ts-tung, ocorrida em 1966. Ele gostou de muitas coisas que
viu poucos carros e a populao utilizando bicicletas como transporte individual;
apesar do barulho infernal das campainhas das bicicletas aquilo o agradou. Men-
ciona ainda o vesturio, todos com as jaquetas azuis de Mao (conhecidas na China
por traje Sun Zhongshan). Uma jaqueta azul, estilo militar com quatro bolsos com
aba e botes pretos, que ele aderiu ao seu vesturio usando at hoje em suas pal-
estras, 30 anos depois da visita a China.
10 - RIBEIRO, Darcy. Testemunhos. In NIEMEYER, Oscar. Minha arquitetura 1937-2004. Rio de Janeiro: Revan, 2004, p. 397.
30
Figura 06 - Traje Sun Zhongshan Foto: Andr Marques
Inspirao e influncias
No incio de suas trajetrias, inmeros arquitetos buscam nas experin-
cias de outros colegas solues que os inspirem na resoluo de suas obras. O caso
de Joo Filgueiras Lima no diferente, como pudemos observar em relao s
preocupaes com a pr-fabricao, que absorve de Oscar Niemeyer. Contudo, de
maneira direta ou indireta, outros mestres da arquitetura Alvar Aalto, Mies Van
Rohe, Marcel Breuer, Buckminster Fuller, Lcio Costa poderiam ser mencionados
como influentes na construo de um repertrio que ser fundamental na produo
arquitetnica de Lel.
Outro arquiteto importante no incio da carreira de Lel foi Aldary Tole-
do11, com quem ele trabalhou no IAPB. Aldary Toledo foi fundamental para formao
artstica e tcnica de Lel, que vinha de um colgio militar, Aldary abriu meus olhos
e fui muito influenciado por ele at pela arquitetura que fazia, mas, na verdade,
estava num perodo de esponja, de absorver o que fosse.12 Essa afirmao demonstra
o quanto Lel estava aberto a arquitetos experientes e de posio intelectual mais
voltada s preocupaes ideolgicas da arquitetura.
Na poca de estudante, Lel frequentava a casa de Aldary Toledo, que
mantinha um grupo de alunos para discutir arquitetura e arte. Grupo que se for-
mou por acaso - graas a um sobrinho do arquiteto e se manteve por geraes
de formandos, j que os veteranos levavam colegas novatos. Os alunos que mais
se destacavam trabalhavam tambm como estagirios para Adary, caso do Lel.
Nesse ambiente, Lel conheceu Oscar Niemeyer e Darcy Ribeiro, realizando inmeros
trabalhos juntos.13
Aldary Toledo (arquiteto-adjunto) trabalhou com Jorge Moreira Machado
11 - Aldary Toledo (Rio de Janeiro, 1915-1998) pintor e arquiteto. Foi discpulo de Candido Portinari entre 1932-1935. Trabalhou com Oscar
Niemeyer, Francisco Bolonha e Edgar do Vale em diversos projetos na cidade de Cataguases (MG) durante a dcada de 1950.
12 - LIMA, Joo Filgueiras. In MENEZES, Cynara. Joao Filgueiras Lima: O que ser arquiteto. Rio de Janeiro: Record, 2004, p.34
13 - Histria contada pelo arquiteto Luiz Carlos Toledo, filho do Aldary Toledo, para o autor em entrevista (No prelo) publicada no Portal
Vitruvius.
Figura 07 - Lel com traje Sun Zhongshan em 28/10/2010Foto: Andr Marques
32
Figura 08 - Hospital de Puericultura, Arquitetos Jorge Moreira Machado e Aldary Toledo, Rio de Janeito, 1962. Fonte: CZA-JKOWSKI, 1999, p.132.
(arquiteto-chefe) na implantao da Cidade Universitria do Rio de Janeiro na Ilha
do Fundo. No projeto do Hospital de Puericultura na Cidade Universitria (1949-
1953) podemos encontrar diversos aspectos, mais tarde reproduzidos na obra de
Joo Filgueiras Lima: o uso da quinta fachada com sheds, a sntese das artes e a
planta funcionalista uma circulao- tronco que une trs edifcios, resultando em
ptios abertos para a paisagem. Uma flagrante influncia de um projeto para outro.
O termo influncia entendido aqui como parte importante da concep-
o do projeto, pois se trata de uma voluntria seleo de repertrio por parte de um
arquiteto na sua formao profissional, como pode se observar nesta passagem de
Abilio Guerra:
Quando se fala de influncia na rea da cultura, no se pode perder de
vista que o sujeito influenciado escolheu em alguma medida seu objeto
de desejo dentre um conjunto expressivo de ofertas culturais. A influncia
cultural , desde sua origem, um processamento que implica em seleo
e adaptao, mesmo considerando que em parte ela possa ser contraban-
deada por mecanismos sutis da subjetividade ou por imposies culturais
(em termos psicanalticos, poderamos chamar estes mecanismos de in-
consciente e superego).14
possvel notar traos de Marcel Breuer no Centro Administrativo da
Bahia, em Salvador (1973), de Lel, com o Centro de Pesquisa da IBM na Frana
(1960-1962), de autoria do arquiteto hngaro Breuer. Em ambas ocorrem a utili-
zao da curva na planta, o gabarito de altura baixo ( trs a quatro pavimentos),
materiais aparentes sem acabamentos posteriores e a soluo de soltar parcial-
mente o corpo do edifcio atravs de elegantes pilotis no trreo. A fora estrutural
tambm marca as duas obras: paredes externas autoportantes divididas em mdulos-
janelas criando na fachada um ritmo regular que salienta a forma sinuosa do edif-
14 - GUERRA, Abilio. O brutalismo paulista no contexto paranaense. A arquitetura do escritrio Forte Gandolfi. Resenhas Online, So Paulo,
n. 09.106.02, Vitruvius, out. 2010 .
33
Figura 09 - Centro de pesquisa da IBM, Marcel Breuer, 1960-62, Frana. Fonte: COOBERS, 2009, p.70. (vista area e desenho do detalhe da fachada)
34
Figura 10 - Centro Administrativo da Bahia, Joo Filgueiras Lima, 1973, Salvador. Fonte: LATORRACA, 2000, p.55-63. (vista da fachada foto e croqui)
35
Direita:Figura 12 - Igreja Riola, Alvar Aalto, 1975-78, Riola, Italia. Fonte: WESTON, 1996 p.213.
Esquerda:Figura 11 - Igreja de Brotas, Joo Filgueiras Lima, 1980, Salvador. Fonte: LATORRACA, 2000, p. 122.
cio.
A Igreja de Brotas (1980), em Salvador outra obra de Lel em que
podemos observar grande referncia dos arquitetos modernos Ela apresenta inmeras
caractersticas da Igreja Riola (1966-68) de Alvar Aalto. Ambas tm o predomnio
do tijolo aparente e iluminao natural a partir de sheds na cobertura; o desenho tambm se assemelha no corte, com a sucesso de semicircunferncias escalonadas.
O shed, uma soluo muito comum em projetos industriais do incio do sculo XX,
utilizada por Le Corbusier e J. M. Sert em inmeros projetos possivelmente influen-
ciaram Alvar Aalto.
A influncia constatada pode ser confirmada no depoimento de Lel a
Marcelo Ferraz e Roberto Pinho, em que ele confirma seu apreo por Alvar Aalto:
Depois eu fiz algumas viagens muito proveitosas, principalmente quando
fui a Finlndia visitar as obras de Alvar Aalto pessoalmente. Foi exce-
lente! Fui em 1969, j estava um pouco mais maduro. Fiquei um tempo l,
conheci Arne Jacobsen, que tem um trabalho muito bom seguindo a coisa
da arquitetura nrdica, que uma arquitetura diferente, uma proposta
que considera o problema do clima e de toda a formao cultural deles.
Eu acho que o trabalho do Alvar Aalto muito rico. Foi uma contribuio
enorme!15
Lel ainda comenta a importncia da arquitetura da Finlndia em seu
trabalho:
O que enriquece muito a arquitetura do Alvar Aalto a preocupao
coma as funes em um prdio e com os detalhes. Eu acho que ningum
fez isso com mais propriedade do que ele. O detalhe fundamental, isso
voc aprende com Aalto, com Chacowiski e vrios arquitetos importantes
dessa gerao. Gosto muito do Arnold, tambm. Eu aprendi muitas coisas
15 - LIMA, Joo Filgueiras. In LATORRACA, Giancarlo (org). Joao Filgueiras Lima: Lel. Lisboa: Editorial Blau, So Paulo: Instituto Lina Bo e P.M.
Bardi, 1999, p. 22.
36
Figura 13 - Dymaxion House, Buckminster Fuller, 1920, Estados Unidos. Fonte: BEHLING, 2002, p.161.
na Finlndia. Visitei uma cidade no norte do pas, Tampere, onde havia
um hospital de seiscentos leitos maravilhoso. Eu fiquei empolgado com
o hospital; o ambulatrio cheio de sheds, com aquela luz entrando (eu
fui l no vero), cheio de jardins e, ao mesmo tempo, com a mais alta
tecnologia. Era o nico hospital na poca, em 1969, onde j faziam ci-
rurgias inteiramente computadorizadas. E apesar de toda a absoro da
tecnologia, o prdio era super humano, com obras de arte, aquela coisa
integrada, sem excessos, comedida, com mobilirio bonito, brinquedos.
Voc fica apaixonado pelos brinquedos de madeira feitos ali. 16
Outro arquiteto moderno que podemos sugerir como referncia obra de
Lel, mesmo que indiretamente, Buckminster Fuller, autor,nos anos 1920, de uma
residncia industrializada que poderia ser implantada em qualquer clima a Dymax-
ion House. Essa casa provia inmeros artifcios para resolver as questes climticas
e de conforto ambiental como teto aerodinmico para melhor ventilao dos ambi-
entes internos; cama de embutir; mesa suspensa; e mquinas de lavar e secar roupa.
A casa foi construda em ao e suspensa por um nico pilar central contendo todas
as instalaes, distribudas em planta hexagonal e dividida por biombos pr-fabrica-
dos.
A semelhana com Buckminster Fuller diz respeito inventividade e
experimentao. Fuller era acima de tudo um cientista, possvel constatar isso em
suas obras. Generalista ao extremo, desenvolveu projetos cartogrficos, desenhou
e construiu casas, automveis e barcos. Na mesma linha, Lel desenvolveu in-
meros projetos para a rede Sarah, desde a cama-maca , nibus, barcos, elevadores,
mobilirios e hospitais. Ambos os projetistas se dizem grandes fracassados em razo
do insucesso de inmeras experincias quando na busca de avano tecnolgico.
Projetistas que transitam nas fronteiras do conhecimento, investiga-
16 - LIMA, Joo Filgueiras. In LATORRACA, Giancarlo (org). Joao Filgueiras Lima: Lel. Lisboa: Editorial Blau, So Paulo: Instituto Lina Bo e P.M.
Bardi, 1999, p.30.
37
Figura 14 - Casa Tropical, Jean Prouv, 1949, montada na oficina de Maxville. Fonte: Fonds Jean Prouv
tivos, curiosos e insaciveis na busca do aperfeioamento de suas ideias,
estaro inevitavelmente sucessveis ao risco de falhas, dado o contedo
de inovao indissociveis de suas descobertas e propostas.17
Outra experincia com elementos anlogos obra de Joo Filgueiras
Lima a casa tropical prottipos industrializados, montveis e desmontveis,
para serem utilizadas na frica , de Jean Prouv, 1949. Prouv busca provar com
esse projeto que sua casa industrializada se adapta melhor ao clima quente do que
as construes vernaculares daquela regio. A sua proposta provou sua teoria, mas
o custo mostrou-se invivel; a produo era cara, demorada e apenas trs unidades
foram construdas.
17 - REBELLO, Yopanan Conrado Pereira ; Maria Amlia D. F. DAzevedo Leite. O Mestre-construtor. In PORTO, Claudia Estrela (org). Olhares:
vises sobre a obra de Joao Filgueiras Lima. Editora UNB: Brasilia, 2010, p. 66.
38
Figura 15 - Pavilho dos Estados Unidos, Buckminster Fuller, 1967, Geodsica para a Expo 67.Fonte: a2d-architecture.com
Utopia e revolues contracultura
Soyez ralistes: demandez limpossible (Seja realista: exija o impos-
svel) Andr Breton
Poucos so os momentos que a histria destaca como uma grande vi-
rada de pgina. O ano de 1968 marcou profundamente inmeras geraes que o
sucederam; possvel notar ainda hoje sinais desse tempo. Todo iderio ecolgico,
hoje chamado de sustentabilidade, deu seus primeiros passos a partir da. No cin-
ema, o filme norte-americano de fico cientfica Planeta dos Macacos (Planet of Apes, 1968) mostrava nossa incapacidade de evitar a extino da raa humana. A
imagem do astronauta Taylor (Charlton Heston) junto s runas da Esttua da Liber-
dade exemplifica a viso coletiva do que se esperar do homem e de suas atitudes
temerrias.
As questes da liberdade intelectual, sexual e comportamental hoje to
defendidas foram colocadas em pauta neste perodo, que tem como uma de suas
grandes expresses a chamada contracultura.
A contracultura ento definida como reverso da cultura estabelecida, e
encontra seus aspectos mais distintivos no antiautoritarismo, na original-
idade, na criatividade, na espontaneidade, no amor, no gosto e no prazer,
no jogo e no trato direto, no esprito tribal e nas comunas. As comunas
K1 e K2, em Berlim, seriam emblemticas desta nova atitude. Com elas
surgem tambm, pela primeira vez documentados, os novos problemas
cotidianos a diviso de tarefas, o seu carter rotativo, a formao de
casais e situaes assimtricas, a obteno de recursos econmicos, a
liderana e o surgimento de tendncias tribais, a limpeza, etc. , obrig-
ando a um aprendizado do esprito antiautoritrio no mbito da intimi-
dade que integra hoje a tradio de um movimento, o dos squatters ou
39
40
Figura 16 - Estrutura geodsica transportada por helicptero. Autor e data desconhecidos.Fonte: http://mfareview.wordpress.com/
okupas, disperso atualmente por todo o mundo.18
Importante notar a presena e a fora das manifestaes culturais e
polticas deste momento no Brasil e no mundo. O Brasil vivia os quatro primeiros
anos da ditadura militar, anterior radicalizao ocorrida em 1968 com o AI-5,19
portanto ainda com frestas que possibilitavam manifestaes populares de mbito
cultural e social de grande relevncia. Na msica, em 1967, com crescimento da
popularidade da Bossa Nova, Antnio Carlos Jobim grava nos Estados Unidos o lbum
Francis Albert Sinatra & Antnio Carlos Jobim fato que marca profundamente a
historia da msica brasileira.20
O cenrio mundial era marcado pelas grandes manifestaes juvenis e
ideolgicas, em vrios idiomas podamos ouvir a expresso o povo no poder. Ideo-
logia alimentada pelas propagandas da nova repblica socialista chinesa, conhecida
como a grande revoluo proletria, iniciada pelo lder revolucionrio Mao Ts-tung
(1893-1976). Com endurecimento da ditadura em 1968, esses iderios comunistas,
claramente inspirados nos lderes revolucionrios cubanos 21, vo levar estudantes de
diversas partes do pas s manifestaes de guerrilha urbana.
Outro aspecto importante dos anos 1960 a tecnologia. Nesse perodo,
Lel, afastado na UnB em razo do fechamento da escola, executa em Taguatinga seu
primeiro projeto hospitalar. O hospital foi todo executado em pr-moldados pesa-
dos de concreto armado, onde cada clula de fechamento poderia chegar a quatro
toneladas. Um ano antes (1967), no Canad, construdo o prottipo de habitao
popular, o Habitat 67, desenhado por Moshie Safdie (1938). Moshie explica por que o
uso da pr-fabricao no projeto em Montreal:18 - BALOS, Iaki. A boa-vida: visita guiada as casas da modernidade. Barcelona: Gustavo Gili, 2003, p. 122.
19 - O Ato Institucional n. 5 (AI-5) redigido em 13 de dezembro de 1968, entrou em vigor durante o governo do ento presidente Artur da
Costa e Silva. O ato sobreps Constituio de 24 de janeiro de 1967, dando poderes extraordinrios ao Presidente da Repblica e suspendia
vrias garantias constitucionais.
20 - Sobre a histria da Bossa Nova, ver: CASTRO, Ruy. Chega de saudade: a histria e as histrias da Bossa Nova. So Paulo: Companhia das
Letras, 1990.
21 - Revoluo Cubana aconteceu em 1 de janeiro de 1959, coordenada pelo movimento 26 de julho que tinha como lder o advogado cubano
Fidel Castro (1926) e o mdico argentino Ernesto Guevara (1938-1967) que naquele ano tinham 32 e 30 anos respectivamente.
41
O aspecto tecnolgico era fcil de explicar. Nos anos 1960 ns acredi-
tvamos que a industrializao poderia reduzir enormemente o custo da
habitao, melhorar sua qualidade e rapidez de entrega. A lgica pare-
cia clara e da tradio de Buckminster Fuller. Segundo o qual o aper-
feioamento dos meios de produo poderia reduzir os custos e tornaria
a habitao acessvel a todos os segmentos da sociedade.22
Esses novos ideais transformam a arquitetura mundial e novos pensadores
modernos tomam a dianteira nas discusses, substituindo os antigos argumentos
defendidos pelos primeiros mestres modernos, como Le Corbusier ou Frank Lloyd
Wright. Pensamentos imbudos de preocupaes ambientais e motivados pelas novas
tecnologias, como os presentes nas ideias de Buckminster Fuller (1895-1983), guru
da contracultura americana segundo Luis Fernandez-Galiano:
Fuller fue uno de los hroes de mi generacin. Para los que iniciamos la
carrera en 1968 El ao del mayo francs y la primavera de Praga, pero
tambin del Whole Earth Catalog, la biblia de la contracultura ameri-
cana y la terminamos coincidiendo con la primera crisis del petrleo en
1973-74, la arquitectura era inesperable del cambio social impulsado por
los movimientos alternativos y de la mudanza tcnica estimulada por el
agotamiento de los combustibles fsiles.23
Fuller influencia toda uma nova gerao de arquitetos e engenheiros.
Principalmente o grupo Archigram (1961-1974), que tinha como membros os ar-
quitetos Peter Cook, Warren Chalk, Ron Herron, Dennis Crompton, Michael Webb e
David Greene. Suas propostas revolucionrias e utpicas entraram no imaginrio dos
jovens estudantes de arquitetura do mundo inteiro. Mas na Inglaterra que essas
22 - SAFDIE, Moshe. Alm do Habitat. Traduo Silvana Rubino. culum, Campinas, n. 7/8, CAD FAU PUC-Campinas, 1996, p. 49
23 - FERNNDEZ-GALIANO, Luis. BUCKMINSTER FULLER 1895-1983. AV monografias, n. 143, 2010, p. 3
42
Figura 17 - Plug-In-City, Peter Cook, Archigram, 1964.Fonte: essential-architecture.com
43
ideias se fortificam. Nos anos 1970, a arquitetura inglesa ter os principais arqui-
tetos da chamada arquitetura high-tech. Neste contexto temos o arquiteto Norman Foster, muito influenciado por Buckminster Fuller:
Tuve el privilegio de colaborar con Bucky durante los doce ltimos aos
de su vida, y esta relacin influy profundamente en mi trabajo y mi
manera de pensar. Inevitablemente, tambin adquir una visin cercana
de su filosofa y sus logros. (...) En 1951 Fuller se ocup de los temas
ecolgicos, tan vitales en nuestra cultura, cuando se refiri a la Nave
Espacial Tierra y a la fragilidad de nuestro planeta, haciendo que su tra-
bajo y sus observaciones sean hoy an ms importantes de lo que fueron
durante su vida.24
Em seu livro sobre a sustentabilidade na arquitetura e no urbanismo, o
arquiteto britnico Richard Rogers que fora scio de Norman Foster no escritrio
Team 4, com suas respectivas esposas, Su Brumwell e Wendy Cheesema coloca uma
citao de Buckminster Fuller em seu primeiro captulo:
Para comear a correo de nossa posio a bordo da grande nave, o
planeta terra, antes de mais nada devemos reconhecer que a abundn-
cia dos recursos imediatamente consumveis,inevitavelmente desejveis
ou absolutamente essenciais, at agora, foi suficiente para permitir que
continuemos nossa jornada, apesar de nossa ignorncia. Estes recursos,
em ltima instncia esgotveis e dilapidveis, foram adequados at este
momento crtico. Aparente, essa espcie de amortecedor dos erros de
sobrevivncia e crescimento da humanidade foi alimentado, at agora,
da mesma forma que um pssaro dentro do ovo se alimenta do liquido
envoltrio, necessrio para uma etapa de seu desenvolvimento somente
at um certo ponto.25
24 - FOSTER, Norman. BUCKMINSTER FULLER 1895-1983. AV monografias, n. 143, 2010, p. 3
25 - FULLER, Buckminster. Manual de operaes para o planeta Terra. Apud ROGERS, Richard. Cidades para um pequeno planeta. Barcelona:
44
Figura 18 - Habitat 67, Moshe Safdie, Montreal, 1967.Fonte: http://www.ppow.com.br/portal/2012/03/09/lego-arquitetura/
45
Outro arquiteto que expressa em sua atuao o iderio da contracultura
dos anos 1960 o talo-americano Paolo Soleri, idealizador da cidade utpica de
Arcosanti (1970), construda no meio do deserto norte-americano do Arizona, com
grande apuro formal e geomtrico para se tornar um prottipo urbano a fim de
abrigar sete mil habitantes.
O historiador Roberto Segre relembra o impacto das primeiras imagens de
Arcosanti:
O que diferenciava as imagens utpicas de Soleri das restantes mais
inspiradas na alta tecnologia e nas rigorosas geometrias de clulas ar-
ticuladas era a fuso entre homem, natureza e tecnologia, numa trama
compacta de gigantescas unidades habitacionais enraizadas na terra,
porm que ao mesmo tempo pareciam complexas naves espaciais. In-
tegravam entre si a herana orgnica de Wright, a tradio construtiva
dos romanos e a viso das megacidades da fico-cientfica, num sistema
grfico totalmente indito, cujo monocromatismo lembrava as fantasias
espaciais e formais de Piranesi.26
E completa, explicando a sua relevncia dentro dessa gerao de
arquitetos:
Na realidade Soleri aparece como uma figura mtica aos que nos ini-
ciamos no debate arquitetnico na dcada dos sessenta. Aqueles eram
tempos heroicos de fervor e esperanas no futuro da humanidade. A Rev-
oluo Cubana e Che Guevara; o movimento estudantil de maio de Paris;
os textos de Marcuse; os hippies, Martin Luther King e a oposio guer-
ra do Vietn, implicavam num compromisso poltico e tico identificado
com as propostas ambientais que desejavam controlar a deteriorao da
Gustavo Gili,199, p. 1.
26 - SEGRE, Roberto. Paolo Soleri. Entrevista, So Paulo, n. 02.007.01, Vitruvius, jul. 2001 .
46
47
Figura 19 - Arcosanti, Paolo Soleri, Arizona, 1970.Fonte: www.arcosanti.org
natureza e as contradies geradas pelo gigantismo das megalpoles.
Por um lado apostavam na aplicao de mtodos racionais para resolver
os novos problemas ecolgicos gerados pela espcie humana a
confiana de Tomas Maldonado no ato projetual; a busca de um equil-
brio entre ambiente e sociedade, colocado por Amos Rapoport, Edward
Hall, John Mc Hale, Christopher Alexander e J. Broadbent ; por outro
lado surgiram mltiplas imagens de um contexto fsico dominado pela
alta tecnologia: as cpulas geodsicas de Buckminster Fuller; as
cidades espaciais e as megaestruturas que tanto entusiasmaram Rey-
ner Banham de Yona Friedman, os Metabolistas japoneses, Archigram;
as bioestruturas de Alfred Newman, Paul Maymont, Moshe Safdie, D.G.
Emmerich, Walter Jones, Zvi Hecker e outros.27
importante entender que estava em jogo no somente uma forma
nova de olhar o projeto e a construo, mas um projeto novo de sociedade. Lel se
aproxima de Soleri em uma dedicao passional a um projeto totalizador, baseado
no somente numa realidade construtiva, arquitetnica e urbanstica, mas tambm
num conceito de vida social (...) divergentes da realidade que impera na sociedade
capitalista28. Nota-se em ambos uma renuncia na forma convencional de exercer a
vida profissional. Lel opta por trabalhos junto aos rgos pblicos, nos quais sua
atuao possa contribuir para a construo dessa nova sociedade, enquanto Paolo
Soleri lidera um grupo de seguidores na construo de Arcosanti. Essa renncia leva
esses dois arquitetos a um isolamento. Para Lel, a busca de lugares no explora-
dos pela sociedade, como favelas e reas rurais, permite que sua ao extrapole as
preocupaes projetuais de um arquiteto, podendo assim, atuar como um educador
para a construo equilibrada dos principais valores por ele defendidos que podemos
definir como tecnologia, natureza e sociedade. Isso aproxima Lel de Soleri, que atua
em Arcosanti no somente como autor da cidade mas como um guru em seu retiro 27 - Idem, ibidem.
28 - Idem, ibidem.
48
Figura 20 - Lel no canteiro de obra da Escola Rural de Ab-adinia, 1982-1984.Fonte: Acervo pessoal do arquiteto Joo Filgueiras Lima, Lel.
espiritual. Como coloca Segre sobre Soleri, esse isolamento permite organizar um
laboratrio social e arquitetnico que fosse alm do conceito de utopia como no
lugar, ou de perfeio formal acabada e concluda e definisse um modelo ambien-
tal que articulasse natureza, histria e sociedade, em busca de um futuro melhor.29
Esse iderio dos anos 1960 caracteriza a personalidade discreta de Joo Filgueiras
Lima. Lel passa a se preocupar com as questes ambientais e com os desperdcios
da construo. As preocupaes ambientais esto presentes em sua obra desde as
primeiras construes nos anos 1960;, atualmente essas questes se tornaram um
produto para o mercado da construo. Lel avesso a esse discurso sobre sustenta-
bilidade propagado pelo mercado. Quando indagado atualmente sobre esse termo
incorporado pelo marketing empresarial , ele responde:
Eu detesto, detesto... Mas est dando lucro ser ecologista. E, na verdade,
o discurso da sustentabilidade disseminado por a no est sendo prati-
cado. Porque a gente precisa economizar o que a natureza nos fornece
de mais barato.30
Podemos observar esse iderio em quase todas as obras de Lel. Uma,
em especial, as escolas transitrias de Abadinia (1982-1984). Um projeto romn-
tico, como coloca Lel, pois se trata de uma transformao construtiva carregada
de princpios sociais e tecnolgicos, em que so flagrantes as questes ideolgicas.
Lel, nessa obra, se diz mais um operrio, no um arquiteto ou engenheiro. E, ao se
colocar como operrio principal, responsvel pelo ensino e orientao necessrios
construo da escola, transforma sua participao no canteiro em uma ao as-
sociada a princpios ticos. Por outro lado, o sistema construtivo fechado, proposto
por ele, garante um controle quase total por parte do arquiteto, trazendo para si
toda a responsabilidade pela obra, desde o trao, at a usinagem e montagem final.
Podemos notar a contradio entre o engajamento ideolgico do arquiteto e seu
29 - Idem, ibidem.
30 - LIMA, Joo Filgueiras in DANELON, Fernanda. WERNECK, Guilherme. Esse Lel. Revista Trip, So Paulo, n. 185, fev. 2010, p.6-16.
49
50
controle total sobre a obra.
Na experincia da fbrica de Abadinia, Lel consolida o uso da ar-
gamassa armada , construindo uma escola montvel e desmontvel, sem uso de
mquinas pesadas. O processo resulta em escolas e pontes de alto apuro tecnolgico,
construdas em zonas rurais no interior de Gois, algo semelhante s grandes estru-
turas em Arcosanti, de Paolo Soleri. Com uma pequena fbrica improvisada, Lel v
a possibilidade de industrializao completa de um edifcio:
Na poca que fui demitido da Prefeitura (Salvador), estava to entu-
siasmado com o processo da argamassa armada que quando comeou a
abertura poltica e nosso amigo Vander Almada foi eleito Prefeito de uma
cidade do interior de Gois, Abadinia, resolvi embarcar na aventura. Ele
reuniu vrias pessoas de outras reas, mdicos, educadores. Queramos
fazer uma experincia modelo em Abadinia, no meio do mato. Fui
encarregado da minha parte isso foi feito de graa , e ficava l pelo
menos cinco dias por semana.31
A experincia em Abadinia transforma profundamente seu trabalho.
Lel v a possibilidade da escala de produo industrial para cada componente
de uma obra. Na Escola Transitria Rural, utiliza somente dezesseis componentes
leves, facilmente manipulveis pelos operrios, e que so usados repetidamente na
construo. Para a execuo dessa obra, Lel cria uma apostila com os desenhos
passo a passo para a execuo da obra. Abadinia, um municpio muito carente, no
contava sequer com profissionais da construo civil.
Por incrvel que parea, acho que meu maior sucesso profissional foi
nessa cidadezinha de Gois, Abadinia, porque houve um envolvimento
total das pessoas. Abadinia era uma cidade to primitiva, to pobre,
que nem havia operrios. Eu tinha de fazer uma espcie de cartilha para
ensinar as pessoas a trabalhar. Primeiro a gente comeou fazendo peas
31 - MENEZES, Cynara. Joao Filgueiras Lima: O que ser arquiteto. Rio de Janeiro: Record, 2004, p. 57.
51
industrializadas em madeira, a nica forma de envolver a populao era
fazendo coisas bem simples. Mas a madeira embora desse uma resposta
rpida, era perecvel. E ali no tinha escola rural, no tinha nada.32
Lel que, como Oscar Niemeyer, sempre se disse comunista viu na
situao uma oportunidade de desenvolver seu trabalho usando a tecnologia e o
desenho como forma de incluso social, postura prxima dos arquitetos paulistas
Sergio Ferro, Rodrigo Lefvre e Flvio Imprio, que defendiam uma arquitetura que
no alienasse o operrio. Com o projeto mais detalhado, a obra independe de ha-
bilidades especficas artesanais, utilizando assim o operrio como fora produtiva
qualificada, e no artesanal.
O Grupo Arquitetura Nova, apesar da aproximao ideolgica de esquer-
da, apresentou uma proposta diferente para o canteiro. O grupo, como Lel, buscava
a organizao do canteiro, evitando o desperdcio e a economia produtiva e, prin-
cipalmente, a sobreposio do trabalho que resultava no mascaramento do processo
construtivo. O uso do revestimento, na procura do acabamento final, proporciona a
alienao do processo construtivo, como explica Ana Paula Koury em seu livro que
trata da produo do Grupo Arquitetura Nova.
O uso dos revestimentos uma maneira de apagar os vestgios da
produo e a marca do operrio na obra acabada, ou seja, representa
uma forma de alienao.33
Por outro lado, o Grupo acreditava na contribuio dos operrios. Sendo
assim, a idealizao e a construo so etapas separadas mas que trabalham para
o mesmo fim, expressando-se livremente. Como explica Srio Ferro em entrevista a
32 - MENEZES, Cynara. Joao Filgueiras Lima: O que ser arquiteto. Rio de Janeiro: Record, 2004, p. 57. Severiano Porto, em circunstncia difer-
ente, tambm optou por fazer uma apostila de construo quando recebeu a encomenda do condomnio Porto da Lua, no Rio Negro. Devido
impossibilidade de estar presente durante a realizao das obras, Severiano resolve confeccionar a apostila do passo a passo, provavelmente
motivado pela falta de conhecimento tcnico dos construtores locais. Ver GUERRA, Abilio. Arquitetura brasileira: viver na floresta. Catlogo de
exposio. So Paulo, Instituto Tomie Ohtake, 2010.
33 - KOURY, Ana Paula. Grupo Arquitetura Nova. Flavio Imprio, Rodrigo Lefvre e Srgio Ferro. So Paulo, Romano Guerra, 2003, p.57
52
Figura 21 - Desenho para execuo da obra, arquiteto Joo Filgueiras Lima, 1982-84. Fonte: LIMA, 1984, p. 34-61.
Ana Paula Koury:
Nenhuma etapa construtiva se sobrepe a outra de maneira a destru-la.
Todas as etapas so evidenciadas. H quase um certo lirismo, pois cada
corpo produtivo pode se expressar com uma grande autonomia, no mel-
hor dos seus possveis. Eu comparava essa potica com o jazz, onde voc
tem cinco, seis, at dez msicos, que tocam uma s msica, mas cada um
deles pode fazer um solo com todo o virtuosismo que capaz, sem que
isso destrua o conjunto ou que cada um desses desaparea na massa.34
A obra de Lel est marcada pela preocupao construtiva do edifcio,
buscando o fino acabamento e a economia global. Esse resultado obtido pelo
enorme controle do arquiteto e o refinamento no detalhe do desenho. A construo
permite que seus componentes sejam montados manualmente de acordo com a ide-
alizao do arquiteto, sem modificaes. As contribuies em equipe somente ocor-
rem no plano da concepo e reviso do processo.
Minha proposta de usar e desenvolver a argamassa armada foi baseada
na ideia de tornar a pr-fabricao em concreto mais leve, e permitir que
um grande contingente de mo-de-obra fosse usado no transporte das
peas dispensando guindaste e grua, essas coisas caras que substitu-
em a mo-de-obra , mas sem abrir mo de um sistema industrializado,
planejado e racionalizado. Por exemplo, num prdio montado a partir
de componentes, se eles no se casarem perfeitamente, o prdio no
ser montado. Ento o simples fato daquilo s existir se for planejado
j pressupe o planejamento. E a voc comea de fato a racionalizar a
construo.35
34 - FERRO, Srgio IN KOURY, Ana Paula. Grupo Arquitetura Nova. Flvio Imprio, Rodrigo Lefvre e Srgio Ferro. So Paulo, Romano Guerra,
2003, p.64
35 - LIMA, Joo Filgueiras. em entrevista a ENTRE: www.entre.arq.br/?p=1017 visitado no dia 28/11/10
53
Figura 22 - Escola de argamassa armada construda em uma favela do Rio de Janeiro, Lel, 1984-1986. Fonte: LATORRACA, Giancarlo (org). Joao Filgueiras Lima: Lele. Lisboa: Editorial Blau, So Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1999, p. 149.
54
Figura 23 - Renurb Companhia de Renovao Urbana de Salvador, 19781981. Fonte: LATORRACA, Giancarlo (org). Joao Filgueiras Lima: Lele. Lisboa: Editorial Blau, So Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1999, p.107.
As fbricas de Joo Filgueiras Lima, 1978-2009
A primeira fbrica em Salvador, BA, projetada por Lel foi implantada
na primeira gesto do prefeito Mrio Kertsz, em 1978. A fbrica da Companhia de
Renovao Urbana de Salvador Renurb foi criada com o objetivo prioritrio de im-
plantar o projeto de transportes urbanos da cidade. Inicialmente, a fbrica comeou
a produzir abrigos para paradas de nibus, que foram executados em concreto
armado. Logo, a fbrica comeou a produzir outros itens, como estaes de trans-
bordo, posto policial, postos de pedgio para estacionamentos, bancos (com ou sem
encosto), arrimos escalonados e componentes diversos necessrios implantao dos
projetos de urbanizao dos logradouros e praas onde se localizavam os terminais
de bairro. Com o fim do mandato do prefeito Mrio Kertsz, a fbrica foi fechada em
1981 pelo novo governo.
Em 1984, aps esta experincia pioneira, o ento prefeito eleito Vander
Almada da cidade de Abadinia, GO, prope a construo de uma nova fbrica.
Caber a Lel, na condio de professor da ps-graduao da Universidade Catlica
de Gois com a qual a prefeitura faz uma parceria , projetar a Escola Rural de
Carter Transitrio. Para a execuo do projeto que contava com apenas dezesseis
componentes em argamassa armada, passveis de serem montados sem a necessi-
dade de mquinas , o arquiteto constri na prpria cidade sua segunda fbrica.
As instalaes eram de porte pequeno e os componentes eram dimensionados para
que pudessem ser carregados por at duas pessoas Constru uma fabriqueta em
Abadinia, bem improvisada. Primeiro fizemos pontes, depois escolas, vrios equipa-
mentos de uso rural36 , uma preocupao que acompanhou Lel no desenvolvimen-
to das demais fbricas e projetos que se sucederam a esta iniciativa.
Ao ver o prottipo da escola j construdo, o antroplogo Darcy Ribeiro
ento vice do governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola convida Lel para
construir uma nova fbrica no Rio Janeiro. Conforme depoimento de Lel:36 - LIMA; MENEZES, 2004, p. 57
55
Figura 24 - Fbrica de Escola, Abadinia GO, 1982-1984. Fonte: LATORRACA, Giancarlo (org). Joao Filgueiras Lima: Lele. Lisboa: Editorial Blau, So Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1999, 141.
Foi nesse perodo, em 1982, que Leonel Brizola ganhou a eleio para
governador do Rio pela primeira vez, e seu vice, meu amigo Darcy Ribeiro,
me chamou para trabalhar com eles. Eu lecionava na UCG (Universidade
Catlica de Gois), porque a experincia de Abadinia foi financiada tam-
bm pela universidade, tnhamos conseguido dinheiro com ela. E Darcy
levou Brizola at Abadinia. De repente ele desceu l, num aviozinho
bem ordinrio, levantando poeira. Ficou impressionado com nosso tra-
balho e me chamou para ir para o Rio.37
A nova fbrica, agora de grandes dimenses, ir produzir nos anos
seguintes centenas de escolas. Cada unidade podia ser implantada em apenas 45
dias; seus componentes leves permitiam a construo em locais isolados e de difcil
acesso.38 Como na experincia anterior na Renurb, em Salvador, aps o fim do man-
dato, a fbrica fechada.
O prefeito Mrio Kertez ser reeleito em Salvador em 1986 e ir abrir
uma nova fbrica liderada por Lel, a Fbrica de Equipamentos Comunitrios FAEC,
que dar suporte para diversas intervenes sociais, urbansticas e de proteo ao
patrimnio histrico:
A necessidade de pensar Salvador de forma integrada e, ao mesmo
tempo, abrangendo os mais diversos programas, estimulou a pesquisa de
solues inovadoras, como as das passarelas para o projeto do transporte
de massa, as da recuperao do centro histrico, concebidos pelo gnio
de Lina Bo Bardi, as das urbanizaes de praas, as das escolas e creches
que se espalharam por todo estado da Bahia, as do hospital Sarah de
Salvador, atravs de convnio firmado com a Associao das Pioneiras
Sociais, as dos equipamentos urbanos etc. 39
37 - LIMA, Joo Filgueiras. In MENEZES, Cynara. Joao Filgueiras Lima: O que ser arquiteto. Rio de Janeiro, Record, 2004, p. 57
38 - RIBEIRO, Darcy. O livro do CIEPs. Rio de Janeiro, Bloch, 1986, p.137-140.
39 - LIMA, Joo Filgueiras. In LATORRACA, Giancarlo (org). Joao Filgueiras Lima: Lel. Lisboa: Editorial Blau, So Paulo: Instituto Lina Bo e P.M.
Bardi, 1999, p. 154
56
Figura 25 - Fbrica de Escolas, Rio de Janeiro (1984-86). Fonte: LATORRACA, Giancarlo (org). Joao Filgueiras Lima: Lele. Lisboa: Editorial Blau, So Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1999, p.148.
No final dos anos 1990, Lel desenvolve uma grande fbrica para o
Governo Federal para produzir as unidades do Centro Integrado de Apoio Criana
CIAC, experincia frustrada diante da paralisia do Estado no processo de impeach-ment do presidente Fernando Collor de Mello, acusado de corrupo.
Aps vrias experincias ligadas a governos e mandatos polticos, Lel
convidado em 1991 por doutor Aloisio Campos da Paz a fazer parte do Centro de
Tecnologia da Rede Sarah CTRS.
As funes bsicas dos CTRS so as seguintes:
Construir os novos edifcios destinados expanso da Rede.
Ajustar permanentemente os espaos hospitalares s eventuais modi-
ficaes de funcionamento, decorrentes da introduo de novas tecno-
logias.
Desenvolver projetos e fabricar equipamentos adequados manuten-
o das tcnicas de tratamento desenvolvidas na Rede.
Efetuar a manuteno predial e dos equipamentos da Rede.40
O CTRS, em convnio com rgos pblicos como prefeituras e o Tribunal
de Conta da Unio, desenvolver ainda inmeros outros projetos.
Em 2009, Lel se afasta da direo CTRS e inicia outra fbrica, o Instituto
Brasileiro do Habitat, uma organizao sem fins lucrativos e que tem como principal
objetivo desenvolver projetos de interesse social, em especial programas de ensino e
pesquisa em parceria com universidades. Devido falta de apoio de governos pbli-
cos e do delicado estado de sade do arquiteto o Instituto encontra-se em estado de
hibernao.41
40 - LIMA, Joo Filgueiras. CTRS: Centro de Tecnologia da Rede Sarah. So Paulo: ProLivros, 1999, p. 12.
41 - Comentrio feito por Lel ao autor em conversa por telefone em Junho de 2012.
57
Figura 26 - Croqui da Fbrica de Escolas, Rio de Janeiro (1984-86). Fonte: LATORRACA, Giancarlo (org). Joao Filgueiras Lima: Lele. Lisboa: Editorial Blau, So Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1999, p.148.
Figura 27 - Lel e Darcy Ribeiro na Fbrica de Escolas, Rio de Janeiro (1984-86). Fonte: LATORRACA, Giancarlo (org). Joao Filgueiras Lima: Lele. Lisboa: Editorial Blau, So Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1999, p.148.
58
Figura 28 - FAEC Fbrica de Equipamentos Comunitrios, Salvador (1986-2002). Fonte: LATORRACA, Giancarlo (org). Joao Filgueiras Lima: Lele. Lisboa: Editorial Blau, So Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1999, p.154.
Figura 29 - CTRS Centro de Tecnologia da Rede Sarah, Salva-dor (1991-2009). Fonte: LATORRACA, Giancarlo (org). Joao Filgueiras Lima: Lele. Lisboa: Editorial Blau, So Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1999, p. 202.
Na sua trajetria, o arquiteto Joo Filgueiras Lima teve oportunidade de
estar frente das seguintes unidades de produo de componentes arquitetnicos:
Renurb Companhia de Renovao Urbana de Salvador (19781981);
Fbrica de Escola, Abadinia GO (1982-1984);
Fbrica de Escolas, Rio de Janeiro (1984-86)
Fbrica de Equipamentos Urbanos, Rio de Janeiro (1984-89)
Fbrica de Equipamentos Urbanos, Braslia (1985-90)
FAEC Fbrica de Equipamentos Comunitrios, Salvador (1986-2002);
CIAC Centro Integrado de Apoio Criana, vrias regies do Brasil (1990);
FAEC Fbrica de Equipamentos Comunitrios, Ribeiro Preto (2002-2004);
CTRS Centro de Tecnologia da Rede Sarah, Salvador (1991-2009).
IBH Instituto Brasileiro do Habitat, Salvador (2010, -)
59
A evoluo do projeto na obra de Joo Filgueiras Lima
Durante mais de 50 anos de profisso, desde suas primeiras obras em
Braslia at seus ltimos projetos como o hospital Sarah no Rio de Janeiro, o arquite-
to Joo Filgueiras Lima reavalia constantemente sua produo arquitetnica, o que
resulta em uma constante evoluo na sua obra. Em diversos aspectos, as primeiras
no foram to eficientes quando comparadas com as ltimas obras construdas, mas
apresentavam algumas caractersticas semelhantes, caso das aberturas zenitais para
a iluminao e ventilao.
Com certa liberdade, podemos usar aqui o conceito de evoluo na acep-
o dada por Charles Darwin no seu famoso livro A origem das espcies, quando
apresenta ao mundo, em 1859, sua concepo de seleo natural. Podemos meta-
foricamente dizer que na obra de Joo Filgueiras Lima certas solues arquitetnicas
sobrevivem por estarem mais adaptadas ao meio fsico brasileiro. Seria o caso, por
exemplo, dos sheds, muito adequados aos rigores do clima tropical brasileiro.
Alm desta constante busca de solues adaptadas ao meio, visvel que,
em especial no incio de sua carreira, Lel absorveu experincias de grandes mestres
da arquitetura, em especial estrangeiros. visvel a presena do rigor construtivo
de arquitetos como Alvar Alto e Marcel Breuer ou do pensamento visionrio de um
Buckminster Fuller, influncias que se mostram fundamentais para o seu crescimento
profissional.
As estratgias bioclimticas fazem parte de um conhecimento ances-
tral, mas so poucos os arquitetos que se utilizam dessa sabedoria. Lel atravs
da constante experimentao construtiva e observao de obras alheias vem , de
forma crescente, se apropriando desse conhecimento para a criao de suas obras,
experimentando solues arquitetnicas passivas (ou a mais passiva possvel) vol-
tadas para a soluo de problemas climticos e que resultem em um baixo consumo
energtico.
60
Figura 31 - Hospital Sarah Rio, arquiteto Joo Filgueiras Lima, 2009, Rio de Janeiro. Fonte: revista AU, n.175, p.48.
Figura 30 - Museu de Arte de Milwaukee, arquiteto Santiago Calatrava, 2000, Milwaukee Estados Unidos. Fonte: JODIDIO, 2009, p.321.
Interlocues com arquitetos contemporneos
Podemos concluir que Lel revisa constantemente sua obra, tornando-se
um crtico constante do prprio trabalho. Os problemas tcnicos e climticos so
quase sempre trabalhados com os mesmos princpios, mas com enormes avanos al-
canados com o passar do tempo, em especial quanto leveza estrutural, economia
de insumos e eficincia climtica. Lel acredita que as ideias devam ser testadas e
avaliadas, um senso crtico fundamental para a evoluo apontada. Em uma ocasio,
quando perguntado sobre a realizao profissional, Lel demonstra seu apreo pelo
constante aperfeioamento:
No acredito que ningum se considere realizado. Essa insegurana que
se tem em relao a si mesmo importante para voc melhorar. Enquanto
voc achar que no est bom, voc esta evoluindo.42
A obra de Joo Filgueiras Lima se insere no contexto da arquitetura con-
tempornea que busca adequao do projeto aos imperativos climticos, buscando
a eficincia energtica. A manipulao das possibilidades tecnolgicas torna sua ar-
quitetura dinmica, como um organismo que transpira ao perceber o aquecimento do
envoltrio (pele). Tais caractersticas esto presentes na produo europeia contem-
pornea com aporte de alta tecnologia (high-tech) promovida por arquitetos como Renzo Piano, Richard Rogers, Nicolas Grimshaw e Santiago Calatrava, dentre outros.
Entre eles, uma semelhana muito grande: Santiago Calatrava, como Joo Filgueiras
Lima, utiliza elementos estruturais dinmicos, que muito se assemelham a plantas
que se abrem na primavera, fazendo assim o controle da luz e criando com todos es-
ses elementos o to desejado espetculo arquitetural.
42 - LIMA, Joo Filgueiras. In DANELON, Fernanda. WERNECK, Guilherme. Esse Lel. Trip, So Paulo, n. 185, fev. 2010, p.6-16.
61
Figura 33 - Tribunal de Contas da Unio - TCU, arquiteto Joo Filgueiras Lima, 1996 , Salvador - BA. Fonte: redesenho do autor AFRM.
Figura 32 - Museu Houston, arquiteto Renzo Piano, 1981-86, Houston Estados Unidos. Fonte: BUCHANAN, 1995, p. 150.
Podemos notar tambm semelhanas entre as obras de Lel e do arquiteto
Renzo Piano, permitindo a suposio de uma interlocuo entre elas. O Museu de
Houston, EUA (The Menil Collection, 1981-86), dispe de cascas de argamassa-arma-
da sustentadas por uma trelia metlica, conformando uma cobertura que controla a
entrada de luz natural. Sobre a trelia h uma cobertura em vidro com dupla incli-
nao para as calhas metlicas de guas pluviais a cada 2,40m. Curiosamente, trata-
se de um detalhe inverso ao utilizado por Lel. Enquanto a cobertura projetada por
Piano permite a entrada da radiao solar no ambiente e depois controla sua difuso,
o arquiteto brasileiro controla a radiao solar nos trpicos antes de ela entrar no
ambiente, evitando o aumento da carga trmica dentro do edifcio.
Outra soluo tcnica adotada pelos dois arquitetos muito semelhante:
elevadores transparentes em plano inclinados. Renzo Piano utiliza essa soluo na
obra do seu escritrio em Genova (Unesco Laboratory - Renzo Piano Building Work-
shop, 1989-91). Mais recentemente, Lel implanta esses elevadores nos Hospitais da
Rede Sarah (Salvador, 1992; Braslia, 1995).
Nos anos 1970, o arquiteto britnico Nicholas Grimshaw projeta diver-
sos galpes industriais, de acabamento refinado, que se caracterizam pela indus-
trializao dos componentes construtivos, com especial destaque para os painis
industrializados de fibra de vidro com colcho de ar para evitar as pontes trmi-
cas. Lel tambm projeta painis industrializados com colcho de ar, mas opta por
uma soluo com ventilao, pois o ganho trmico nos trpicos maior. Outra
diferena significativa, explicada pela diferena econmica entre as realidades
sociais onde atuam os dois arquitetos: Lel utiliza painis de argamassa-armada,
enquanto Grimshaw adota painis de fibra de vidro. Outra obra passvel de relao
com a de Lel o Pavilho Britnico na Expo 92 (Sevilha, 1992), na qual Grimshaw
utiliza grandes quebra-sis, cujo desenho se assemelha muito aos sheds desenhados por Lel.
62
Figura 35 - UNESCO Laboratory - Renzo Piano Building Work-shop, arquiteto Renzo Piano, 1989-91, Genova. Fonte: BUCHANAN, 1995, p. 81.
Figura 34 - Elevador de plano inclinado do Hospital Sarah Kubitschek, arquiteto Joo Filgueiras Lima, 2003, Salvador. Fonte: fotos do autor AFRM.
Em 1992, Richard Rogers projeta um edifcio de escritrio (Inland Rev-
enue Office), cujo perfil facilita a ao dos ventos dominantes na retirada do ar
viciado do edifcio, com reduo da necessidade de ventilao mecnica. Tal soluo
a mesma encontrada nos Hospitais da Rede Sarah, projetados por Joo Filgueiras
Lima.
Podemos entender essa relao de Lel com os arquitetos europeus como
desenvolvimentos relativamente autnomos de princpios iguais: arquitetos de mes-
ma gerao influenciados pelas revolues culturais do final dos anos 1960 e impul-
sionados pelos novos desenvolvimentos tecnolgicos. Lel, por outro lado, enfrentou
o marasmo do desenvolvimento econmico do Brasil ps- democratizao e o atraso
do desenvolvimento industrial e cientifico. Suas solues buscam em formas mais
singelas e econmicas as solues tambm desenvolvidas pelos arquitetos da alta
tecnologia. O grande diferencial reside no disparate da realidade econmica e social
entre Brasil e Europa.
Nessa mesma linha histrica, Dominique Gauzin-Mller no livro Ar-
quitetura ecolgica explica as proximidades dos arquitetos low-tech e dos high-tech. Dominique ressalta a importncia de Paolo Solari e das revolues culturais do final da dcada de 1960, a contracultura, como forma de contestar os mtodos
deterministas dos arquitetos modernos.
Mesmo que s tenha se intensificado depois da midiatizao da Rio 92,
a conscientizao da necessidade de uma arquitetura ecolgica existe h
varias dcadas, durante as quais partidrios do low-tech e do high-tech
confrontaram-se com frequncia.43
A busca de Lel por uma construo mais leve e racional vai alm de
resolver questes tcnicas e custos finais. Essas questes esto entrelaadas a ideais
humanistas e sociais. As peas pr-fabricadas de argamassa, alm da leveza e
preciso, permitem a construo manual, viabilidade construtiva e incluso social de
43 - GAUZIN-MLLER, Dominique. Arquitetura ecolgica. So Paulo, Senac, 2011, p.30.
63
Figura 36 - Comparao de croquis dos arquitetos Renzo Piano (esquerda) e Joo Filgueiras Lima, Lel (direita)Fonte: www.rpbw.com e acervo do arquiteto Joo Filgueiras Lima, Lel.
64
Figura 37 - Pavilho Britnico na Expo 92, arquiteto Nicolas Grimshaw, 1992, Sevilha - Espanha. Fonte: http://www.pushpullbar.com/forums/attachment.php?attachmentid=12584&stc=1&d=1140827060.
Figura 38 - Croqui do Island Revenue, arquiteto Richard Rogers. Fonte: POWELL, 2006, p.132.
Figura 39 - Croqui do Hospital Sarah Kubitschek, arquiteto Joo Filgueiras Lima, 1991, Fortaleza.Fonte: LATORRACA, 2000, p. 204.
operrios de baixa escolaridade.
Na esteira do movimento contestador de maio de 1968, alguns, arquite-
tos rejeitam a rigidez e frieza das construes modernistas; incentivaram
os usurios a participar da concepo e at da execuo de construes
mais harmoniosas. 44
Ana Gabriella Guimares, em sua tese de doutorado, busca estabelecer
parmetros e/ou vinculaes da obra de Lel com as obras de arquitetos (high-tech) como Norman Foster, Nicholas Grimshaw, Michael Hopkins, Renzo Piano, entre outros. A autora, no seu trabalho, conclui:
Pudemos constatar que a dimenso ideolgica, presente nas obras de
L