Post on 13-Oct-2020
Tiragem: 33068
País: Portugal
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ENTREVISTA
A polémica Mariana Mortágua: “Essa nem é a linguagem do PS”
António Costa não se revê
no populismo e salienta
que os quatro líderes da
maioria parlamentar não
têm discursos políticos
idênticos. Sobre a
eventual substituição de Jerónimo
de Sousa como secretário-geral do
PCP diz que gostará “sempre” dele
“qualquer que seja a função” que
venha a desempenhar na política.
Recusa-se a falar sobre decisões
que competem ao PCP, mas
sublinha que o partido que apoia
o seu executivo “será sempre
um parceiro leal na execução do
programa do Governo”.
Concorda com Mariana Mortágua quando esta diz que, “do ponto de vista prático, a primeira coisa que temos de fazer é perder a vergonha de ir buscar a quem está a acumular dinheiro”?Não. Sabe que essa nem é a
linguagem do PS, nem é essa a
ordem de prioridade que temos.
Há uma preocupação comum,
certamente subjacente a essas
palavras e que partilhamos. É
António Costa diz que não se reconhece em muitas partes do discurso do PCP e BE. Na segunda parte da entrevista ao PÚBLICO, o primeiro-ministro fala de diferenças “irrevogáveis” e de uma preocupação comum: o combate à desigualdade
que é necessário uma maior
justiça fi scal. Isso consta, aliás,
do programa eleitoral do PS — em
primeiro lugar haver uma maior
redistribuição da carga fi scal. Nós
temos uma carga fi scal que incide
sobre os rendimentos do trabalho
absolutamente desproporcionada
em relação a sobre outras formas
de rendimento. E para termos
maior justiça fi scal não só quem
ganha mais deve pagar mais
do que quem ganha menos,
também os rendimentos do
trabalho podem ser aliviados em
detrimento de outras fontes de
rendimento.
Estamos, por exemplo, a
eliminar a sobretaxa do IRS, já
eliminámos para a generalidade
das famílias portuguesas em
2016, vamos completar em 2017
aliviando quem ganha mais.
Agora, para podermos suportar
esta redução da tributação
sobre o trabalho (como suportar
o aumento de rendimentos
dos pensionistas e mantermos
simultaneamente um bom
equilíbrio das fi nanças públicas),
temos de redistribuir estas fontes
de tributação sem aumentar o
conjunto da carga fi scal. É isso
que se procura fazer. E, portanto,
desde o cenário macroeconómico
David Dinis e São José Almeida TextoDaniel Rocha Fotografia
ao programa eleitoral do PS, a
tributação do património consta
expressamente como uma
medida que tem de ser adoptada.
Está a ser calibrada, está a ser
devidamente ponderada de forma
a assegurar o fi nanciamento
necessário — mas também a não
ser um desincentivo ao mercado
do arrendamento ou uma
penalização dos proprietários nas
suas casas de morada.
Uma espécie de sobretaxa do IMI soft?Sobretaxa do IMI já existe. O
Governo anterior introduziu
um imposto de selo que era
verdadeiramente uma espécie de
sobretaxa estadual do IMI. Aquilo
que estamos a procurar fazer é
reformular esse sistema, que tem
sido pouco efi caz na tributação,
de forma a ser mais efi caz.
Pelo que diz, será um imposto soft.Qualquer cêntimo para um
contribuinte não é soft. Não vou
dizer se é soft, se é hard. Vou
dizer simplesmente o seguinte:
será uma medida que contribua
para termos uma maior justiça
fi scal, para termos uma melhor
redistribuição da base tributada
e, simultaneamente, não
comprometer nem o investimento
Nem é a linguagem do PS, nem é essa a ordem de prioridades que temos António CostaPrimeiro-ministro
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nem a dinamização do mercado
de arrendamento.
De todo o modo, ele irá existir e virá para o Orçamento?Irá existir e virá para o
Orçamento.
Como analisa os contornos populistas que o discurso do BE tem assumido? Nomeadamente neste episódio, mas também na defesa do referendo às sanções. Sente-se confortável com este discurso populista?Nós temos um acordo político
com o PEV, o BE e o PCP. Estamos
entendidos sobre o que fazer, mas
respeitamos a identidade de cada
um.
Mas não o incomoda o populismo?Como porventura em muitas
das coisas que alguns dos
outros partidos que apoiam
o Governo dizem, eu não me
reconheço, é provável que eles
não se reconheçam nas coisas
que eu digo. O Jerónimo de Sousa
costuma, aliás, dizer isso de uma
forma bastante clara: este não é o
nosso Governo, este é o Governo
do PS. E ninguém tem dúvidas
quando o Jerónimo de Sousa fala,
quando a Catarina Martins fala,
quando a Heloísa Apolónia fala ou
quando eu falo. Não falamos por
todos, cada um fala por si e pelo
seu próprio partido.
Admito que seja estranho,
sobretudo depois de quatro anos
em que tivemos uma coligação
que assentava no esmagamento
da diferença do outro e em
que a solidez da coligação
passava pelo CDS ter de revogar
sistematicamente aquilo que
considerava que era irrevogável.
Esta solução governativa não
exige a ninguém que revogue
o que é irrevogável. Cada um
pode estar confortável na sua
própria identidade, respeitando
as diferenças e sem ter de se
confundir com aquilo que é a
diferença dos outros. E acho que
isso é muito positivo e rico para a
nossa democracia.
O PCP vai ter congresso e apresentou as novas teses. Acha que o entendimento de governação mudou de alguma maneira o PCP e o BE?Todos os dias todos nós mudamos.
Esta é uma experiência nova,
obviamente, em que todos nós
O primeiro-ministro considera
que “seria uma grande
perda para o país” afastar
os secretários de Estado
viajaram com a Galp.
Por vezes, o Governo dá uma imagem de descoordenação, noutros parece que o primeiro-ministro centraliza tudo. Não teme ter a imagem de que toca mais instrumentos do que pode?O Governo tem dado boas provas
de articulação e funcionamento,
em que o primeiro-ministro tem
tido intervenção q.b.
Já pensou em acelerar uma remodelação governamental?Não há nenhuma razão para
qualquer tipo de remodelação. O
Governo tem estado a funcionar
bem. Tenho plena confi ança em
todos os membros.
Não sente no caso Galp nenhuma fragilidade?Não. Acho que houve uma
desconformidade entre a avaliação
que fi zeram e aquilo que era o
sentimento do país. Perante as
dúvidas, o Governo fez o que
institucionalmente tinha a fazer:
defi nir regras para que não
houvesse dúvidas. Cada um deles
fez o que nas circunstâncias era
ajustado, pagar a viagem. São três
pessoas que têm estado a fazer
um trabalho excelente, seria uma
grande perda para o país que não
o pudessem continuar a fazer. Foi
um episódio que passou e que não
deixará marcas no futuro.
Não deixou uma imagem de que os erros não têm sanção? Se houve erro, foi devidamente
reparado, porque todos eles
pagaram o valor da viagem
que tinham aceite. O Governo
defi niu um código de conduta
para que ninguém mais tenha de
ter dúvidas sobre quais os tipos
de convite ou de ofertas que
podem aceitar. Contribuiu até
positivamente, para nos ajudar a
densifi car as regras.
“Não há nenhuma razão para qualquer remodelação”
Esta é a solução que temos e perdurará enquanto der resultados positivosAntónio CostaPrimeiro-ministro
temos aprendido bem a trabalhar
uns com os outros — e temos
sobretudo aprendido rápido. A
melhor demonstração disso é que
há um ano ninguém acreditava
que a solução tivesse sido possível,
que resistisse ao primeiro
Orçamento, que resistisse depois
ao Programa de Estabilidade e
Crescimento, que resistisse às
diferentes provas a que foi sendo
submetida. E a verdade é que, ao
fi m de um ano, hoje, pouca gente
duvida da solidez desta solução
e da forma como asseguramos a
essência de estabilidade do país.
Gostaria de ver Jerónimo continuar à frente do PCP?Gosto do Jerónimo de Sousa
e gostarei do Jerónimo de
Sousa sempre qualquer
que seja a função. Aliás, é
dos líderes partidários que
mais generalizadamente
reúne simpatia na sociedade
portuguesa. Mas não me compete
a mim estar a pronunciar-
me sobre coisas que dizem
exclusivamente respeito ao PCP.
Sem prejuízo do contributo
essencial que o Jerónimo de
Sousa tem dado para o sucesso
deste processo de mudança em
Portugal e para esta solução
governativa, não tenho dúvidas
nenhumas de que o PCP,
independentemente de quem
esteja à frente da sua liderança,
será sempre um parceiro leal
na execução do programa do
Governo.
Vê que esta solução de governo seja possível numa segunda legislatura ou vê-a mais como uma solução transitória?É a solução que temos e é
a solução, certamente, que
perdurará enquanto der
resultados positivos e enquanto
sentirmos que todos juntos
podemos fazer mais e melhor
do que cada um em separado.
Tenho uma avaliação francamente
positiva desta solução, defendi-a
antes das eleições, defendi-a
depois das eleições, todos os dias
procuro contribuir para que ela
tenha sucesso. Portanto acho que
temos de ter uma perspectiva
aberta e positiva quanto ao futuro.
E o futuro o dirá.
david.dinis@publico.ptsao.jose.almeida@publico.pt
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ENTREVISTA
“O que dá força a esta maioria é o pragmatismo”
Nem Cavaco Silva já duvida da legitimidade desta maioria, anota o primeiro-ministro. As contas certas são para manter
Um ano depois das eleições
“temos uma democracia
bastante mais inclusiva”,
diz António Costa. Quanto
ao PS, garante que este
partido “está hoje na
posição onde sempre esteve: “O
partido social-democrata que
existe em Portugal.”
Continua a sentir-se confortável sendo primeiro-ministro sem que o PS ganhasse as eleições?A maioria parlamentar que existe
na Assembleia da República
provou ao longo deste ano
ser sufi cientemente sólida,
consistente, coerente para
ter viabilizado esta solução
governativa. Desse ponto de vista,
o balanço que podemos fazer
um ano depois é que sim, valeu a
pena e é claramente positiva. São
positivos os resultados.
Não teme ainda ser olhado como alguém que usurpou o poder? Convive bem com isso?É uma questão que está claramente
ultrapassada. Ninguém tem
dúvidas, desde o anterior
Presidente da República ao actual
Presidente da República, no
Parlamento, ninguém questiona
a legitimidade constitucional e
política desta solução, que os
resultados têm confi rmado ser
uma boa solução, porque permitiu
fazer aquilo que era a vontade clara
da maioria dos portugueses: virar a
página da austeridade conseguindo
cumprir os nossos compromissos
europeus.
Fez uma mudança estratégica no PS introduzindo uma nova
David Dinis e São José Almeida TextoDaniel Rocha Fotografia
política de alianças. Mas há quem o acuse de também puxar o perfi l programático do partido à esquerda. Isso é um dado adquirido para si?São duas questões. Primeiro, há
dois anos, quando concorri às
eleições primárias no PS, fui muito
claro sobre a minha visão sobre as
formas de governação. O objectivo
do PS naturalmente era ter maioria
absoluta, que era essencial. Não
havendo maioria absoluta, era
ter uma solução estável. E que
as soluções estáveis não podiam
estar confi nadas àquilo que tinham
sido os limites que tinham vindo a
ser impostos à democracia, como
haver um arco da governação que
pré-defi nia quais eram os partidos
que tinham direito a representar
os portugueses no Governo. Eu
disse claramente que não aceitava
esse conceito, explicitei-o quando
concorri às primárias, quando
apresentei a moção ao congresso,
na campanha eleitoral. Acho
que o balanço que o conjunto da
sociedade portuguesa hoje faz
é claramente positivo. Hoje os
portugueses têm ao seu dispor
mais respostas políticas e mais
respostas políticas do que aquelas
que tinham anteriormente. Temos
uma democracia bastante mais
inclusiva.
Respondendo à segunda
pergunta, o PS está hoje na posição
onde sempre esteve: o partido
social-democrata que existe em
Portugal e sintonizado com as
causas do seu tempo.
Portanto, o PS não virou à esquerda?Há muitos anos fi z um discurso
que na altura foi muito gozado,
creio que durante a liderança do
engenheiro Guterres, dizendo que
sempre achei incompreensível
esse debate do pisca-pisca — se
o PS vira à esquerda, se o PS vira
à direita, se o PS vira ao centro.
O PS tem uma identidade muito
clara e caldeada ao longo destes
quarenta anos de experiência. É
o partido campeão na liberdade
da defesa da democracia, da
integração europeia, mas também
da luta contra as desigualdades.
Temos estado sempre sintonizados
com aquilo que são as principais
causas de cada momento.
Quando a questão principal era a
consolidação da democracia, o PS
esteve na linha da frente; quando
era o processo de integração
europeia, o PS esteve na linha da
frente; quando era a modernização
do país, o PS esteve na linha
da frente; quando a questão é
o combate às desigualdades,
o PS também tem de estar na
linha da frente. Portanto, temos
estado sempre em cada um
dos momentos onde sempre
estivemos.
Como é possível ao PS comungar uma proposta e praticar soluções para o país com partidos cuja raiz ideológica é o marxismo-leninismo e em que no passado ou na origem desses partidos estão pessoas que defenderam projectos totalitários?A chave desta solução governativa
não está em qualquer dos quatro
partidos ter eliminado a identidade
ideológica que o caracteriza
e diferencia dos
restantes. Aquilo
que permitiu,
aquilo que permite
e dá força a esta
solução governativa
é o pragmatismo
Sigilo: “Não há uma batalha ideológica”
Costa não quer “diferença de critérios”O primeiro-ministro não
abriu o jogo sobre como
vai responder ao veto do
Presidente da República à
lei que introduzia a quebra
do sigilo bancário em contas
acima de 50 mil euros. Mas foi
claro a assumir: “Não há aqui
uma batalha ideológica.” Até
porque, argumentou, esta lei
teve como origem transpor
uma directiva comunitária e
um acordo assinado entre o
anterior Governo português e
o Governo dos Estados Unidos.
“Não creio que os EUA, mesmo
na Administração Obama, ou a
União Europeia
no seu conjunto
possam ser
entendidos
como
bastiões,
pontas-
de-lança do
radicalismo.”
Defendendo a sua
proposta, António Costa
argumenta: “Hoje temos de
ter instrumentos de combate
não só à fraude e evasão fi scal
como instrumentos efi cazes
também de combate ao
branqueamento de capitais.”
O primeiro-ministro alega
ainda que a decisão teve
como objectivo atingir a
“transparência das transacções
fi nanceiras a nível mundial”. E
explica que o opção de tornar
a lei extensível a todas as
contas acima de 50 mil euros
se deveu à “compreensão de
que não havia nenhuma razão
para que a mesma regra não
fosse aplicada também aos
residentes”. E insiste em dizer
que a lei respeitava as “regras
da privacidade” e “todas as
condições aprovadas pela
Comissão de Protecção de
Dados”. D.D. e S.J.A.
r dos quatro
o a identidade
cteriza
União E
no se
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de
ra
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António Guterres é a “pessoa mais qualificada” para a ONU
“Não considero que a segurança e a liberdade sejam conceitos contraditórios”
A aposta do Governo na
candidatura de António
Guterres a secretário-geral
da ONU é reafi rmada pelo
primeiro-ministro. “Nós
desejamos para as Nações
Unidas um secretário-geral que
seja a pessoa mais qualifi cada para
exercer [o cargo] e é nesse sentido
que apresentámos a candidatura do
engenheiro António Guterres.”
Amanhã, o nome de Guterres
volta a ser votado no Conselho de
Segurança da ONU, numa impor-
tante votação, já que, pela primeira
vez, se vai saber o sentido de voto
dos cinco membros permanentes
(China, EUA, França, Reino Unido e
Rússia) — o Conselho de Segurança
é constituído por 15 países.
Ao PÚBLICO António Costa frisa
que “o pressuposto” da candidatu-
Preocupado com a ameaça do
terrorismo, António Costa
defende que não confunde
“o reforço da segurança com
a violação da liberdade” e
afi rma: “Não considero que
a segurança e a liberdade sejam
conceitos contraditórios.” É por isso
que sublinha que “fechar fronteiras
não é reforçar a segurança, é violar
uma regra fundamental da liberdade
da União Europeia”. E contrapõe
que o reforço da segurança passa
por opções como “melhorar a
cooperação policial, judiciária,
entre os serviços de informações e
as forças policiais”, bem como ter
“uma guarda costeira e de fronteiras
efectiva, reforçar a capacidade de
vigiar as fronteiras [nacionais]”.
Falando sobre outra questão cen-
tral na Europa, António Costa frisa
o reconhecimento do “estatuto de
refugiado é um dever que a Europa
ra de António Guterres “não é ele
ser português, é ele ser a melhor
pessoa para exercer as funções
como secretário-geral das Nações
Unidas”.
O primeiro-ministro sublinha a
importância do consenso que Gu-
terres tem obtido: “Vemos com
muita satisfação que, depois de um
longo processo de debate público
e de audições públicas, em cinco
votações consecutivas, sistemati-
camente António Guterres fi cou
destacado em primeiro lugar, sen-
tem na sociedade internacional”.
E lembra que “a Europa é, aliás, o
berço da sociedade mundial orga-
nizada de acordo com o princípio
da lei internacional e quem carece
de protecção internacional”, pelo
que “a Europa não pode fechar as
portas” aos refugiados. Pelo contrá-
rio, tem de as abrir “de um modo
solidário”. No que diz respeito a
Portugal, explica que tem insistido
na solidariedade portuguesa, mas
que esta não tem sido disponibili-
zada em abstracto. “Aumentámos a
oferta, tendo avaliado previamente
sectores onde temos não só capaci-
dade como até necessidade de atrair
recursos humanos.”
Quando o Parlamento Europeu
debate a eventualidade de aplica-
ção de cortes de fundos estruturais
a Portugal, o primeiro-ministro
sustenta que esta medida não faz
sentido. “Serei talvez das pessoas
do reconhecido como a pessoa em
melhores condições para exercer as
funções de secretário-geral das Na-
ções Unidas.” E mostra-se convicto
da eleição: “Estamos certos que,
se for esse o critério de escolha, o
engenheiro António Guterres dedi-
cará os próximos anos da sua vida
a prosseguir o trabalho a favor da
humanidade como secretário-geral
das Nações Unidas.”
Assumindo que o Governo tem
apostado a cem por cento nesta
eleição, confessa que tem defen-
dido esta candidatura “com todos
os outros líderes europeus ou não
europeus” com quem tem falado e
que “obviamente faz parte da che-
ck-list das missões diplomáticas de
qualquer agente político português
a promoção dessa candidatura”.
D.D.e S.J.A.
mais insuspeitas no país de fazer
uma avaliação positiva sobre a ac-
ção do anterior Governo”, garante.
E destaca o que para si é uma evi-
dência: “Vir agora multar o país ou
suspender a aplicação de fundos
por concluir essa coisa absurda de
que o Governo não teve uma acção
efectiva na execução do programa
da troika é uma coisa que ninguém
compreende.”
Adverte mesmo que tal decisão
“seria altamente contraproducente
num ano em que, mais décima, me-
nos décima, já há hoje um consenso
com as instituições europeias de que
Portugal fi cará, pela primeira vez,
com um défi ce abaixo dos 3%”. “Nós
acrescentamos: fi cará mesmo abai-
xo dos 2,7% que a Comissão ainda
prevê e até abaixo dos 2,5% que a
Comissão nos impôs como meta.” E
conclui: “É uma coisa de elementar
bom senso.” D.D. e S.J.A.
Costa admite que Guterres tem sido tema de conversa com Merkel e com Juncker, líder da Comissão
Leia a entrevista de António Costa e veja os vídeos emwww.publico.pt
Costa defende que o PS é “o partido social-democrata que existe em Portugal e sintonizado com as causas do seu tempo”
com que todos assumiram
a necessidade de responder
com resultados àquilo que era
reclamado pelos cidadãos.
Portanto, os quatro partidos
têm identidades bem fi rmadas
e distintas, que ninguém tem
preocupação de esbater. Pelo
contrário, todos as afi rmamos
com total naturalidade. Mas
tivemos todos o pragmatismo de
compreender que, identidades
à parte, há coisas que podemos
fazer em comum. É por isso, aliás,
que conseguimos ter algo, que
não posso deixar de sublinhar
quando estamos a fazer quase
um ano de governo: é que, com
o Governo que teve o apoio
parlamentar mais à esquerda da
nossa democracia, que teve uma
política mais determinada de virar
a página da austeridade, vamos ter
os melhores resultados em matéria
de consolidação das fi nanças
públicas. O que só demonstra
este equilíbrio e que cumprirmos
o compromisso que tínhamos
assumido com os portugueses,
com a União Europeia.
david.dinis@publico.ptsao.jose.almeida@publico.pt
Sempre achei incompreensível esse debate do pisca-pisca. Se o PS vira à esquerda, se vira à direita, se o PS vira ao centro
António CostaPrimeiro-ministro
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POLÍTICA
Os nove desafi os
Crescimento económico
1 É o desafi o mais importan-
te deste ano e do próximo.
Sem crescimento económi-
co que se veja, a política do
actual Governo será, no mí-
nimo, mais difícil de man-
ter. A conjuntura internacional não
ajuda e a devolução de rendimentos
tarda em acelerar a força do motor
interno da economia. Nos primeiros
meses de 2016, o Governo teve de
rever as previsões para este ano. Em
vez dos 1,8% iniciais, António Costa já
diz que não crê que o PIB possa cres-
cer “muito cima” de 1%. Oposição,
Governo e partidos que o apoiam es-
tão preocupados com o fraco cresci-
mento do investimento, sobretudo o
público. O executivo diz que a culpa é
do anterior governo que não deixou
projectos preparados. Passa-culpas à
parte, fi cam os avisos do Presidente
da República: “Fomentar exporta-
ções e atrair investimento é essencial
para evitar os problemas das contas
externas. Controlar o défi ce no Orça-
mento do Estado é fundamental para
evitar os contratempos das contas
internas.”
Europa: alternativa dos mediterrânicos?
2 É certamente o desafi o
mais abrangente e de-
fi nidor da política que
António Costa pode
fazer por cá. E aquele
que pouco ou nada de-
pende do primeiro-ministro. Costa
foi o homem que garantiu que terá
outra voz na Europa, quando com-
parado com o anterior Governo, e,
mais que não seja pelo calendário,
terá no próximo ano um desafi o a
cumprir: Portugal será o anfi trião da
II Cimeira dos Países do Sul na União
Europeia. “A última crise [sanções]
conseguiu geri-la relativamente
bem, mas António Costa tem uma
capacidade limitada. Se Itália resol-
O próximo ano de mandato vai ser cheio de armadilhas para o primeiro-ministro, internas e externas. E de equilíbrios difíceis de manter, que vão da gestão dos equilíbrios entre o PCP e o BE até à estabilização do sistema fi nanceiro
BalançoLiliana Valente
ver ter uma atitude mais interven-
tiva, poderá ser melhor para nós”,
diz Daniel Oliveira. O comentador e
ex-dirigente do BE sintetiza a missão
do primeiro-ministro: “Passa por ge-
rir a fl exibilidade ou a falta dela da
Europa.” Até agora, Costa fez passar
em Bruxelas o esboço do OE para es-
te ano e o Programa de Estabilidade,
evitou as sanções por incumprimen-
to do défi ce de 2015 e está agora a
braços com eventual suspensão de
fundos europeus.
Este desafio tem também uma
vertente interna: “Gerir o pequeno
intervalo entre a Europa e o PCP e o
BE. Como conseguirá ele gerir um
caminho que pode ser cada vez mais
estreito?”, questiona Daniel Olivei-
ra, para quem o Bloco tem feito uma
“gestão mais mediática” da camisa
de forças e que os “sinais mais preo-
cupantes” são do lado do PCP.
Gerir o “Brexit”
3 Além da gestão da po-
lítica europeia, Costa
vai deparar-se com ou-
tro debate: o que fazer
em relação ao “Brexit”?
“Acredito que não vai
haver unanimidade em Portugal.
Temos uma aliança de muitos sé-
culos com o Reino Unido, país do
qual sempre fomos muito próximos
na esfera europeia, eles saem e nós
vamos continuar como se nada se
passasse?”, questiona Pedro Adão
e Silva, lembrando que o país terá
de defi nir os “alinhamentos inter-
nacionais” que têm sido mais com
o Reino Unido e “não serão conver-
gentes com o resto da Europa”. Um
debate que será, defende, mais na
sociedade, e essa “poderá não estar
toda do mesmo lado”.
Estabilizar o sistema financeiro
4 O primeiro-ministro
acredita que a parte
de leão dos problemas
da banca fi ca encerrada
este ano: já tem acordo
prévio para a recapita-
lização da Caixa Geral de Depósitos,
em cerca de cinco mil milhões de
euros, e garante, em entrevista ao
PÚBLICO, que até ao fi nal deste ano
fi cará fechada uma solução para o
crédito malparado de todos os ban-
cos. Mas há mais nós para desatar no
que à banca diz respeito. A semana
passada, o Governo deu mais tempo
aos bancos para devolverem os
empréstimos ao Fundo de
Resolução. Nas mãos do
fundo está um dos maio-
res imbróglios que Cos-
ta tem para resolver no
próximo ano: a venda do
Novo Banco. Além disso,
tem ainda de operacio-
nalizar a solução para os
lesados do BES.
Autárquicas: o teste dos dois anos
5 M a i s d o
que um tes-
te eleitoral,
é um teste
político à
solidez do
Governo do PS com o
apoio de dois dos parti-
dos à sua esquerda. E o
peso é maior para o PCP.
“Para a ‘geringonça’, o
ideal é que fi que tudo co-
mo está”, diz Daniel Olivei-
ra. Ou seja, que o PCP não
“perca peso” nas autarquias e
o PS não ganhe demasiado.
Ultrapassar as eleições autár-
quicas é também fechar a barreira
dos dois anos de Governo (meio
mandato legislativo) e três orça-
mentos. Mas, para isso, é preciso
que se mantenha o equilíbrio en-
tre PCP e PS. A nível das cúpulas,
o PS vai tentar, “não vai compe-
tir com o PCP nas câmaras que
disputam”, diz Pedro Adão e
Silva. Apesar disso, defende o
comentador, as disputas lo-
cais existem e as estruturas
terão difi culdade em aceitar
um “pacto de não agressão”
s para o primeiro-ministro, que vão da gestão
oo sistema fi nanceiro
al de Depósitos,
mil milhões de
m entrevista ao
fi nal deste ano
solução para o
e todos os ban-
para desatar no
eito. A semana
deu mais tempmppppppppooo oooo
volverem os
ndo de
os do
maio-
Cos-
no o
a doo
ssoo,
cio-
os
d o
es-
al,
ste
àà
doooo
m o
arti-
E o
PCP.
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o co-
Olivei-
CCCCCPPCCCCCCCCCCCC não
aararraaa quias e
aasiado.
ições autár-
har a barreira aaaa
overno (memeio
) e três orçaç -
so, é preciso
quilíbrio en-
das cúpulas,
vai compe-
maras que
o Adão e
efende o
putas lo-
ruturas
aceitar
essão”
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de Costapleno congresso do partido disse
que ele era “tímido”. Costa tem se-
gurado a sua equipa mesmo quando
esta esteve debaixo de fogo. Foi o
caso do ministro da Educação, Tiago
Brandão Rodrigues, ou do ministro
das Finanças, Mário Centeno. Aliás,
a pouca propensão de Costa para
mexer no executivo foi evidente
quando, apesar de toda a polémica,
não deixou cair os três secretários
de Estado que foram ver jogos do
Euro a convite da Galp.
Há ainda outro aspecto a ter em
conta. Neste primeiro ano, António
Costa tem centralizado a resposta po-
lítica. Apesar de ter no seu núcleo
duro alguns ministros com poder de
fogo, não tem dado lugar de destaque
a um “número dois” evidente, como
era Paulo Portas para Passos Coelho
ou Pedro Silva Pereira para José Só-
crates. Ao longo do próximo ano, po-
derá ser preciso reforçar a área da
coordenação política com BE, PCP e
PEV, que deverão começar a colocar
mais pressão, e estão agora a ser ge-
ridos ou pelo primeiro-ministro ou,
no Parlamento, pelo secretário de
Estado dos Assuntos Parlamentares,
Pedro Nuno Santos.
Dançar o tango com Marcelo
7 Marcelo, é sabido, olha
para as funções presi-
denciais de uma forma
interventiva. A face mais
visível tem sido na rela-
ção com os portugueses,
mas não o tem sido menos na relação
política. Já deu recados, fez avalia-
ções jurídicas, tomou posições mais
assertivas antes de uma legislação
lhe chegar às mãos e até fez uso do
veto político a uma lei do Governo: a
que permitia ao fi sco saber, uma vez
por ano, o saldo de quem tem contas
acima de 50 mil euros.
A reboque da popularidade, o
Presidente ganha poder. E têm sido
sonoras as exigências ao executivo:
sobretudo a necessidade de cresci-
mento visível: “2016 e 2017 não são
e nunca poderão ser 2011.” A pressão
por resultados económicos aumen-
tará e Costa vai ter de ir gerindo a
relação com o chefe de Estado. E se
lhes vale a boa relação pessoal, essa
será também um jogo de poder pú-
blico. Marcelo já disse que não quer
ser factor de instabilidade no “ciclo
que vai até às autárquicas”.
Ir além do défice e fazer reformas
8 “Emprego, emprego,
emprego.” Quem seguiu
com atenção a campa-
nha do socialista ouviu
esta repetição como o
primeiro e (quase) úni-
co objectivo de Costa. A economia
até podia estar no centro das suas pa-
lavras, mas nestes primeiros meses
de governação houve uma espécie
de troca de papéis e o primeiro-mi-
nistro tem melhores números para
o défi ce do que para a economia e
isso é explicado em parte porque
há investimento que não está a ser
feito e isso... ajuda as contas públi-
cas. Aliás, foi o próprio ministro do
Planeamento, que tem em mãos os
fundos estruturais que admitiu, em
entrevista à Visão, que, “se for ne-
cessário tomar medidas a nível de
tesouraria”, o Governo fará uso das
“dotações para 2017”.
Para ir além do défi ce, o Governo
promete aproveitar os fundos es-
truturais para fazer reformas. Ora,
é neste jogo de escolhas que o pró-
ximo ano se vai desenrolar, até por-
que a justifi cação para que os fundos
não estejam com uma boa execução
tem sido a de que o Governo anterior
não tinha deixado projectos prepa-
rados.
Linha aberta para o Canadá e Frankfurt
9 Mais um equilíbrio
externo e interno, ou
seja, entre os merca-
dos e o PCP e o BE.
Costa sabe que tem
de manter Portugal
fora do radar negativo dos merca-
dos fi nanceiros e para isso agarra-
se à bóia de salvação em que se
transformou a agência canadiana
de rating, DBRS, a qual garante o
fi nanciamento do BCE. Esta agência
é a única que mantém a avaliação
acima de “lixo”, essencial para que
o BCE aceite comprar ou receber co-
mo garantia activos que tenham um
rating acima de lixo.
Esta difi culdade casa com a tensão
interna, com o PCP e o BE a defen-
derem uma renegociação da dívida,
para aliviar os constrangimentos a
algumas políticas e o primeiro-mi-
nistro a remeter para a Europa uma
solução.
em prol de um bem maior: o da esta-
bilidade do executivo. Neste ponto,
a tensão será mesmo entre PS e PCP,
“o BE vai fazer um discurso de desva-
lorização das autárquicas”.
Remodelar ou não remodelar?
6 A um ano das eleições
(ainda falta um pouco
mais de um mês para
ser um ano de Go-
verno), Costa viu-se
obrigado a remode-
lar o Governo por causa de uma
polémica com João Soares, então
ministro da Cultura, mas até agora
não sentiu necessidade de reforçar
a equipa em mais nenhuma área.
Manuel Caldeira Cabral, ministro da
Economia, tem sido apontado co-
mo o elo mais fraco do Governo — o
próprio primeiro-ministro chegou a
fragilizá-lo em público quando em
Ao longo do próximo ano, poderá ser preciso reforçar a área da coordenação política com o BE, PCP e PEV
Na véspera de cumprir um ano de
mandato, o primeiro-ministro teve
mais duas provas de que Bruxelas
não vai aliviar a pressão sobre Por-
tugal. Dentro de portas, foi o comis-
sário europeu da Economia e das
Sociedades Digitais que mencionou
a possibilidade de novo resgate e,
poucas horas depois, em Estrasbur-
go, outros dois comissários lembra-
vam que a trajectória de redução do
défi ce é para levar a sério.
De manhã, ao afi rmar que a pro-
babilidade de Portugal precisar de
um resgate “é maior do que 0%”, o
comissário europeu Günther Oet-
tinger fez soar as campainhas. O
Governo apressou-se a pôr água na
fervura, com o ministro dos Negócios
Estrangeiros, Augusto Santos Silva,
a pedir “máximo cuidado e sentido
de responsabilidade” aos comissá-
rios; sobretudo porque “Portugal
vive hoje uma situação orçamental
absolutamente tranquila”, afi rmou
à Lusa, argumentando que “não há
nenhum indicador que permita ter
uma atitude pessimista face à evolu-
ção da economia portuguesa e das
suas fi nanças públicas”.
Mais tarde, foi o próprio comissário
a rectifi car o que disse. “Penso que
não é necessário um segundo resgate,
isso só [aconteceria] no pior cenário.
Temos de fazer o que pudermos para
evitar tal desenvolvimento”, referiu.
O fantasma de um novo resgate
ecoou no mesmo dia em que, em
Estrasburgo, os comissários Jyrki Ka-
tainen e Corina Cretu se preparavam
para debater com os eurodeputados
a eventual suspensão de fundos es-
truturais a Portugal e Espanha. Por
ora, nada está decidido e, mesmo
que a penalização avance, Bruxelas
admite levantá-la, se os dois países
cumprirem os planos de redução do
défi ce, garantiram os comissários,
rejeitando que a suspensão seja si-
nónimo de sanção efectiva.
Em Estrasburgo, os dois responsá-
veis procuraram contrariar a ideia de
Bruxelas mantém pressãocom a suspensão de fundos
que a suspensão de fundos é uma op-
ção política, alegando estarem ape-
nas a cumprir as regras europeias.
E colocaram nas mãos dos governos
português e espanhol pressão para
cumprirem a trajectória de redução
do défi ce, porque, se assim for, di-
zem, pode ser levantada a eventual
suspensão dos fundos.
Apesar do cancelamento das mul-
tas a Portugal e Espanha pelo incum-
primento do défi ce de 2015, o execu-
tivo comunitário ainda pode propor
ao Conselho a suspensão parcial das
autorizações dos fundos europeus
aos dois países para 2017. Ao longo
do debate de ontem, fi caram à vista
as tensões, regionais e políticas, entre
quem defende que não há saída, por-
que é preciso cumprir a aplicação do
regulamento dos fundos europeus,
e quem considera que a Comissão
tem o poder de não avançar com esta
medida, por ser contrária ao próprio
princípio da coesão que os fundos
europeus pretendem potenciar.
O vice-presidente com a pasta do
Investimento e Competitividade,
Jyrki Katainen, defendeu que a sus-
pensão “não é uma sanção” e justifi -
cou-se com a “obrigação jurídica de
propor uma suspensão parcial”. Por-
tugal e Espanha terão de apresentar a
Bruxelas um esboço orçamental para
o próximo ano até 15 de Outubro e,
em função disso, a Comissão fará um
ponto da situação. “Se houver uma
decisão de suspensão, e se os dois
países cumprirem aquilo com que
se comprometeram, levantaremos
as suspensões que eventualmente
houver; pode haver uma suspensão
e daí a algumas semanas ela ser le-
vantada”, admitiu Katainen.
Pedro Crisóstomoe Liliana Valente
pedro.crisostomo@publico.ptliliana.valente@publico.pt
Comissário Jyrki Katainen vinca que a suspensão é uma obrigação jurídica que pode não ter consequências
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POLÍTICA
Quando a minha amiga São José
Almeida e o meu amigo David Dinis
me convidaram para escrever
este depoimento, o balanço de
um governo a cuja formação me
opus, ponderei declinar. Aceitei,
mas terei de fazê-lo à minha
maneira. Não me enredarei nos
dados disponíveis respeitantes ao
desempenho da economia para me
defender numa falsa objectividade.
O tempo não tardará a pôr
ordem na cacofonia de análises
concorrentes. Proponho um texto
impregnado de subjectividade. Se
está a ter a boa vontade de ler estas
linhas, é porque o David e a São
José o publicaram.
Mário Soares é o que de mais
parecido encontrei na vida com
um príncipe do Renascimento.
O espanto é geral com o golpe
militar inédito que derrubou uma
ditadura, abrindo caminho para
a democracia e para a restituição
das Liberdades. Curiosamente,
a ninguém impressiona que o
campeão da democracia tenha sido
um príncipe do Renascimento.
Mais culto, sofi sticado e sagaz
do que a esmagadora maioria
daqueles entre os quais trabalhou,
Soares nunca traiu a sua fé
democrática e soube persuadir um
país com indicadores do terceiro
mundo de que a solução estava
no modelo ocidental, numa época
em que todos os deserdados da
terra se viravam para o Leste. Não
só os deserdados, mas também
um contingente avassalador de
intelectuais, alguns dos quais dos
maiores espíritos do século.
Optimista, perdia a paciência
com o meu pessimismo, às
vezes paralisante. O optimismo
é racional — dizia-me. As coisas
mudaram de maneira inimaginável
para um homem do meu tempo, eu
nasci num mundo brutal. O PS era
o seu Stradivarius. O instrumento
da mudança e do progresso
requeria violinistas à altura, não
podia ser comprometido, era
indispensável a Portugal, pertencia
a Portugal. Era parte fundamental
da sua obra, do seu legado
duradouro. Tem sido essa uma
constante da vida de Mário Soares:
um olho em Portugal, outro no seu
Stradivarius.
A minha vida fi cou moldada pelo
poderoso exemplo. Conciliar em
permanência o país, o Stradivarius
e os violinistas do momento.
Mas, sem o génio de Soares, o
que é difícil torna-se, por vezes,
impossível.
O nosso Governo é inédito a dois
títulos. Primeiro, porque resulta
de uma maioria formada com o
propósito de excluir do poder o
partido que venceu as eleições.
Segundo, porque essa maioria uniu
partidos que, desde a fundação
do regime, podendo convergir
no “acessório”, divergiram
radicalmente no essencial: o
modelo de sociedade, a Europa,
a NATO. Ou seja, inconciliáveis na
sua mundividência e nas escolhas
fundamentais sobre o destino no
longo prazo de uma nação antiga,
devolvida ao espaço exíguo que
foi o seu até 1415, e que então se
julgou insufi ciente para garantir
a sobrevivência nacional. Não
pretende esta síntese amesquinhar
a maternidade de substituição
ou outras matérias em que a
actual coligação de governo gerou
entendimentos operativos. A
política de rendimentos, com o
desmantelamento das medidas
de ruína e confi sco do anterior
Governo, são a merecida coroa
de glória da actual maioria. O fi m
da sobretaxa no IRS e a reposição
do subsídio de Natal vão fechar
um ciclo em que, dispondo de
condições francamente adversas,
o Governo de António Costa
cumpriu um compromisso
eleitoral, coisa de que estávamos
já desabituados e que produzirá
um efeito positivo duradouro,
espero, no regime. Outro feito,
com impacto duradouro, é a co-
responsabilização da extrema-
esquerda pelos resultados
governativos. As direcções do
BE e do PCP são mais infl uentes
que — já não direi a bancada
parlamentar do PS, porque isso
é dolorosamente patente — mas
que a maior parte, senão todos,
os ministros. A deputada Catarina
Martins, fazedora de governos,
merece tanto o epíteto como Lord
Warwick, hoje lembrado como
Warwick the Kingmaker.
As implicações de um novo
BE, agora ungido pelo poder, no
sistema partidário, não vêm aqui
a propósito. Mas o baptismo de
fogo de uma força vociferante de
protesto, que faz o seu tirocínio de
poder partilhando o pesado fardo
da governação — terá, seguramente,
alguns efeitos positivos.
No entanto, o feito mais
extraordinário do primeiro-
ministro, quanto a mim, é outro:
trata-se de ter conseguido concitar
o apoio da extrema-esquerda
para uma política essencialmente
subordinada ao equilíbrio
orçamental. É como se Mário
Soares, no ajustamento de 1983-
85, tivesse aplicado em coligação
com o PCP a receita prescrita
pelo FMI, sem necessidade de
Bloco Central. Aqueles que
amesquinham o talento político
do primeiro-ministro são livres de
tentar igualá-lo.
Infelizmente, a necessidade é
má conselheira. Não há-de ser
fácil conjugar a necessidade de
aumentar a receita (na ausência
de crescimento assinalável da
economia), ponderar os impactos
das decisões no país e segurar, ao
mesmo tempo, o indispensável
apoio de partidos com culturas
políticas muito distintas, alguns
dos quais viciados na ponderação
do belo efeito do que dizem na
respectiva plateia.
A Europa e a NATO
permanecem incólumes, como
eixos fundamentais e linhas
de continuidade da política
portuguesa, independentemente
dos governos, das reais
divergências e dos dramáticos
enfrentamentos encenados
para a galeria. Que assim
continuem. E que a ninguém
ocorra fazer transacções ditadas
por conveniências de curto
prazo, indiferentes aos interesses
permanentes do nosso país. Um
dia, Mário Soares participava numa
reunião da Internacional Socialista
Debate Um ano de ent
presidida por Willy Brandt,
por volta de 1980. O Partido
Trabalhista, dilacerado pelas
divisões internas e pelo sectarismo,
preparava-se para enfrentar
Margaret Thatcher. Não sei se Foot
ou Kinnock anunciaram na reunião
que, caso vencessem as eleições,
mandariam tirar de solo britânico
os mísseis estratégicos, adoptando
uma política de desarmamento
nuclear unilateral. Soares, que via
os pacifi stas todos de um lado e
os mísseis do outro, respondeu
aos seus camaradas, numa época
em que a palavra “camarada”
encerrava um profundo signifi cado
internacionalista: “Se é assim, só
posso desejar que percam.”
Uma nota fi nal sobre política
externa: muito tem sido sacrifi cado
a uma afi rmação empertigada
do interesse nacional. Faço um
voto singelo: que a nova pose
signifi que um contraste com o
passado recente dos últimos anos,
mas não com 30 anos de política
portuguesa na Europa.
Deputado do PS
O nosso Governo é inédito a dois títulos. Primeiro, porque resulta de uma maioria formada com o propósito de excluir do poder o partido que venceu as eleições. Segundo, porque essa maioria uniu partidos que, desde a fundação do regime, podendo convergir no “acessório”, divergiram radicalmente no essencial: o modelo de sociedade, a Europa, a NATO
Sérgio Sousa Pinto
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Há exactamente um ano, os
portugueses exprimiram-se nas
urnas e uma grande maioria
dos eleitores “chumbou”
inelutavelmente a política
seguida pelo governo da direita
na legislatura anterior, traduzida
orgulhosamente na máxima “ir
além da troika”. É verdade que
poucos terão acreditado — há
mesmo quem, ainda hoje, não
acredite — que essa clara maioria
de rejeição se pudesse transformar
numa maioria de governação, no
respeito escrupuloso das regras
constitucionais e democráticas,
traduzindo dessa forma a
mensagem que os portugueses
quiseram expressar nesse 4 de
Outubro de 2015.
Esse é um primeiro mérito
— que merece, de verdade,
o epíteto de “histórico” — a
tributar a António Costa, ao
Partido Socialista, ao Bloco de
Esquerda, ao Partido Comunista
Português e ao Partido Ecologista
“Os Verdes”, que souberam
ultrapassar as suas inegáveis
diferenças programáticas,
históricas e práticas, em nome do
interesse maior de Portugal e dos
portugueses, em nome de uma
política alternativa à que a direita
seguiu.
Um ano depois, a primeira
conclusão que se pode já tirar é
que valeu a pena. Este primeiro
ano de governação do PS, com
apoio parlamentar dos partidos à
sua esquerda, correspondeu a um
verdadeiro regresso à normalidade
na vida dos portugueses.
Convém recordar, até porque
alguns pretendem apagar do seu
curriculum e da nossa memória,
que o Portugal 2011-2015 era um
país sobressaltado (o que por vezes
se confundia mesmo com um
país sobre assaltado...), em que as
famílias portuguesas nunca sabiam
com o que contar no mês seguinte,
porque havia sempre um corte
escondido à nossa espera. Um país
crispado, em que o Governo da
direita procurava dividir em vez de
unir, cultivando o ressentimento
entre jovens e idosos, entre
trabalhadores no activo e
reformados, entre trabalhadores
do sector privado e funcionários
públicos. Um país submisso e sem
voz própria na Europa, incapaz
de levantar a voz para defender os
seus interesses, com um Governo
incapaz de perceber que a auto-
estima de um povo deve ser
cultivada como um valor em si
próprio.
Um ano depois — apesar de o
XXI Governo Constitucional só
ter tomado posse no dia 26 de
Novembro de 2015 —, e apesar
de todos os condicionalismos
que a situação fi nanceira do país
e o cumprimento dos nossos
compromissos internacionais
(desde sempre um ponto de
honra para o PS) implicam,
pode dizer-se que está feita a
demonstração que, ao contrário
do que alguns fi zeram questão
de dizer, há um outro caminho
para Portugal, um caminho onde
o rigor e o bom senso se aliam à
sensibilidade social. Foi possível
iniciar um trajecto de recuperação
dos rendimentos das famílias
portuguesas, foi possível eliminar
muitas das injustiças e dos factores
de agravamento das desigualdades
fomentados pelo Governo da
direita e que deixaram um terrível
rasto na sociedade portuguesa,
traduzido nos brutais números de
aumento da pobreza registados
nesse período.
É verdade que este é um
percurso que está longe de ser
fácil, que exige uma atenção
e um esforço permanente de
entendimento e concertação,
não apenas entre partidos,
mas também entre os mais
diversos sectores da sociedade
portuguesa. A prática quotidiana
da política como “a arte do
possível”, de que nos falava
Pavese. Um esforço em que
não se pode deixar de lamentar
a (auto)exclusão de alguns,
provavelmente ainda sob o efeito
do ressentimento e toldados pelo
seu radicalismo ideológico.
Há ainda muito caminho pela
frente, muito mesmo, mas hoje
Portugal é um país diferente e,
apesar de tudo, um país mais
justo do que era há um ano.
Com o desemprego a diminuir,
com reposição de rendimentos
das famílias e, imagine-se (!), a
cumprir os seus compromissos
internacionais e a preparar-se para
chegar ao fi m do ano com o défi ce
mais baixo da década.
Mas, obviamente, que não
podemos estar satisfeitos e há
que prosseguir um caminho que
é reconhecidamente difícil e que
permita continuar a trajectória
descendente do desemprego,
a criação de riqueza e o
crescimento económico, onde
continuamos aquém do desejável,
numa conjuntura internacional
dominada pela incerteza e por
fatores de perturbação. Um
caminho que passa pela aposta na
qualifi cação dos portugueses, na
Educação, na Ciência e na Cultura.
Este é, pois, o caminho.
É esse o caminho do Governo
onde o PS se revê, um PS que
se orgulha da sua história e
do seu património político,
indissociavelmente associado à
defesa dos valores da liberdade
e da democracia e aos grandes
avanços civilizacionais registados
na sociedade portuguesa nas
últimas quatro décadas.
Secretária-geral adjunta do PS
endimento à esquerda
Há ainda muito caminho pela frente, muito mesmo, mas hoje Portugal é um país diferente e, apesar de tudo, um país mais justo do que era há um ano. Com o desemprego a diminuir, com reposição de rendimentos das famílias e, imagine-se (!), a cumprir os seus compromissos internacionais e a preparar-se para chegar ao fi m do ano com o défi ce mais baixo da década
Ana Catarina Mendes
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Entrevista António CostaÉ o “pragmatismo” que faz a diferença à esquerda • O ano de “geringonça” visto por Sérgio Sousa Pinto e Ana Catarina Mendes p2 a 9
Costa responde a Mariana Mortágua: “Essa nem é a linguagem do PS”
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