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A RE QUALIFICAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL EM CONJUNTO COM A PAISAGEM URBANA
MELO, Evanisa Fátima Reginato Quevedo (1); DALLA LIBERA, Luise Tainá (2); MARSIGLIO, Isadora Roman (3); BORTONCELLO, Laura (4); ADORIAN, Mariane Mazzutti (5); CENCI, Édhyna Grando (6); FRANDOLOSO, Marcos Antonio Leite (7); GIGLIOLI, ADILSON (8); GOBB, Janaine (9); HUTHER, Márcia Cristina (10); MASCHEN, Makeli (11); MANFRO, Shauane (12); REGINATO, Nauana da Costa
(13)
1. Universidade de Passo Fundo. Faculdade de Engenharia e Arquitetura
BR 285, São José, Passo Fundo/RS, 99052-900 E-mail: evanisa9@gmail.com
2. E-mail: luise_tdl@hotmail.com
3. E-mail: isadora.roman@hotmail.com
4. E-mail: laura.bontoncello@hotmail.com
5. E-mail: mariane.adorian@gmail.com
6. E-mail: edhynacenci@hotmail.com
7. E-mail: frandoloso@upf.br
8. E-mail: janainegb@gmail.com
9. E-mail: adilson_lg@hotmail.com
10. E-mail: marciahuther@upf.br
11. E-mail: kelimaschen@yahoo.com.br
12. E-mail: shauanemanfro@hotmail.com
13. E-mail: 132257@upf.br
RESUMO O Espaço Cultural Roseli Doléski Pretto compreende alguns dos prédios mais antigos da cidade de Passo Fundo, Rio Grande do Sul, atualmente ainda em uso. Localiza-se no coração da cidade, que sofreu um acentuado processo de urbanização em um curto período de tempo. Este fato reflete em áreas que apresentavam diversos problemas urbanos, como falta de segurança e descaso na
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conservação, tanto da população como dos órgãos públicos. Em seu entorno, localiza-se o principal eixo estruturador da cidade, a Avenida Brasil. Dois de seus canteiros foram contemplados por projeto de revitalização, recentemente concluído: Abraão Madaloso e Guilherme Luis Sperry, além dos prédios históricos em questão: o Teatro Municipal Múcio de Castro, a Biblioteca Pública Arno Viuniski, o Museu de Artes Visuais Ruth Schneider, o Museu Histórico Regional e a Academia Passo-fundense de Letras. Essa revitalização visa, acima de tudo, proporcionar espaços de bem-estar para a comunidade e destacar e valorizar o espaço histórico no qual estão inseridos. O trabalho executado reflete diretamente a relevância da relação estreita entre paisagem e patrimônio, que surgem historicamente em conjunto. O vínculo entre esses espaços edificados e abertos configura o vínculo social com o espaço urbano, além de intervir nas sensações que despertam; o entorno, ao ser melhorado a partir dessa iniciativa de revitalização, desperta maior interesse nos espaços históricos que fazem parte do espaço cultural e incentivam a convivência e a ideal correlação da sociedade com o patrimônio. Essa boa relação desperta a sensação de segurança, fazendo que o espaço seja ocupado e valorizado, implicando na preocupação da população com a identidade e história da cidade. O Espaço Cultural é um exemplo claro de como a paisagem urbana, obtém maior relevância ao ser repensada em função dos usuários, garante que a cidade tenha mais vida: espaços que anteriormente a população evitava por pensar serem inseguros ou desinteressantes passam a ser frequentados e a ter vivacidade. Ressalta-se que ao pensar na área como um todo, e não somente na restauração do patrimônio, garantiu-se que a mesma recuperasse o contato com o centro da cidade, sendo esta confluência o que realmente compõe o espaço urbano e a paisagem.
Palavras-chave: Revitalização; patrimônio histórico; paisagismo.
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Introdução
Ao longo de seus mais de 150 anos de história, Passo Fundo teve sua evolução urbana
configurada e modificada ao longo do caminho das tropas que hoje ainda impõe à paisagem e
identidade urbana, constituída de uma avenida única, de amplos canteiros centras, que
atravessam a cidade de leste a oeste. A cidade sofreu um processo de urbanização muito
intenso em um curto período de tempo, especialmente a partir dos anos 1950-1960 o que
culminou na destruição de muitas áreas representativas da cidade, algo que influencia
também na qualidade dos espaços urbanos. Assim, “Passo Fundo chegou ao século XXI
mutilada pela perda irreparável de dezenas de edificações históricas e conjuntos urbanos,
demolidos de acordo com o conceito de substituir para evoluir” (Frandoloso, 2011, p. 80).
A grande expansão urbana no Brasil é relativamente recente e a velocidade desse processo,
superior à de países capitalistas mais avançados. Num contexto geral, segundo Melazo
(2005, p. 46), no Brasil, a ocupação demográfica, a produção e a utilização dos recursos
naturais nunca ocorreram de forma equilibrada, e isto influencia diretamente os espaços
urbanos em sua organização, expansão e progresso. Isso constitui um dos elos mais
importantes entre as profundas mudanças estruturais e a grande transformação urbana.
A cidade de Passo Fundo, desde o início do processo de urbanização acelerado do qual fez
parte, encontrou problemas ao relacionar patrimônio histórico e desenvolvimento, destruindo
todos os traços do passado das tropas, da ferrovia, da industrialização e futuramente do
presente, como uma talvez, constante tentativa de alcançar uma modernização que nunca
chega (Frandoloso, 2011, p.81). Ou seja, muitos espaços históricos, outrora formadores da
cidade, foram perdendo espaço às novas edificações, o que reflete na perda de parte de sua
identidade cultural.
Segundo Grinover (2006, p. 5), compreender o patrimônio não só tem relação ao aspecto
estético, mas também com o cotidiano, a cultura e o desenvolvimento socioeconômico das
comunidades urbanas, associando-se à sua identidade e qualidade de vida. A revitalização,
nesse contexto, significa preservação e garante que o espaço urbano continue com seu
caráter; segundo Barreira (2003, p. 324),
“As alterações rápidas são percebidas como uma espécie de rolo compressor que
dá à cidade uma feição homogeneizadora destituída de tradições culturais. [...] O
discurso da preservação tem características nostálgicas presentes, muitas vezes,
na fala dos habitantes. O que a cidade ‘não é mais’ torna-se a tônica de percepções
que, muitas vezes, fazem do passado um momento de felicidade perdida.”
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Considera-se que os centros históricos constituem uma nova sintaxe central que permite o
entendimento do espaço a partir da análise da dialética urbana. A cidade varia entre a cidade
projetada e a cidade vivida, segundo Peixoto (p. 1, 2005). Ou seja, apesar de constituírem
grande importância para compreensão do centro urbano, os centros históricos são
influenciados pela “cidade vivida”, sendo que, muitas vezes, as modificações urbanas os
destituem de seus papéis e lhe atribuem novas funções, ou as retiram, o que implica em novos
espaços “homogeneizadores”, sem identidade. O desenho do espaço urbano requer cuidado
especial com ruas, edificações e sua interação com espaços do meio, a fim de que permita a
permanência prazerosa numa espacialidade, idealizando esses espaços de importância
primordial (Romero, 2001, p. 10).
Atualmente a política de transferência de índices construtivos busca mudar a realidade que as
edificações de importância histórica vinham vivendo na cidade, permitindo aos donos dos
imóveis de interesse histórico, paisagístico ou ambiental uma compensação ao preservá-los,
aumentando os índices construtivos em outros imóveis do qual possuam propriedade. Assim,
o proprietário “pode utilizar em outro imóvel, ou vender, a diferença entre a área construída do
imóvel preservado e o total de área construída atribuída ao terreno pelo coeficiente de
aproveitamento básico. (Santin e Marangon, 2008, p. 1)”. Ou seja, segundo Santin e
Marangon (2008, p. 1),
“[...] o Plano Diretor poderá autorizar o proprietário de imóvel urbano, tanto
privado quanto público, a exercer em outro local ou alienar, mediante escritura
pública, o direito de construir, por ocasião de o imóvel ser considerado necessário
para preservação do patrimônio histórico, cultural ou paisagístico do município.
Partindo dessa premissa, pode-se citar que tal direito pode ser imposto pelo
Município ou exercido pelo proprietário que doar o seu imóvel, ou parte dele.”
O Espaço Cultural Roseli Doléski Pretto compreende um dos conjuntos arquitetônicos mais
antigos da cidade de Passo Fundo, ao norte do Rio Grande do Sul, a capital do Planalto Médio
Central. É um importante polo regional hospitalar, comercial e industrial, um dos principais
produtores de cereais do estado e é berço da Universidade de Passo Fundo
As edificações que constituem o Espaço Cultural e que atualmente ainda estão em uso,
localizam-se no principal núcleo da cidade. Este ambiente cultural está constituído pelo Teatro
Municipal Múcio de Castro (Antiga Câmara de Vereadores), a Biblioteca Pública Arno Viuniski,
o Museu de Artes Visuais Ruth Schneider e o Museu Histórico Regional (instalados na antiga
Intendência Municipal) e a Academia Passo-fundense de Letras (antigamente sede do Clube
Pinheiro Machado); estes edifícios tombados como patrimônio municipal tiveram sua
construção entre o final do século XIX e primeiras décadas do século XX. A Erro!
Autoreferência de indicador não válida. demonstra as características do espaço público da
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Avenida Brasil, antigo Caminho das Tropas de conexão entre a região das Missões e o centro
urbano de São Paulo.
Figura 1 Avenida Brasil em 1940, com o conjunto arquitetônico.
Fonte: Diehl; Carvalho, 1997.
O conjunto arquitetônico tem como acesso a principal via da cidade, a Avenida Brasil, dois de
seus canteiros foram contemplados pelo projeto de revitalização: Abraão Madaloso e
Guilherme Luis Sperry, além dos prédios históricos em questão. Como consequência desse
desenvolvimento urbano com pouco planejamento e descuidado, surgiram áreas que
apresentavam diversos problemas urbanos, como falta de segurança e descaso na
conservação. Esses problemas deviam-se tanto aos órgãos públicos como à população, que
se via desmotivada a preservar e frequentar espaços que não apresentavam cuidados.
Para melhor compreensão da relação entre a comunidade e o espaço em questão, deve-se
tratar espaço e paisagem diferentemente. Paisagem é constituída pela relação entre homem e
natureza, e espaço, o conjunto entre a relação e as formas de vida; “A paisagem é, pois, um
sistema material e, nessa condição, relativamente imutável: o espaço é um sistema de
valores, que se transforma permanentemente.” (Santos, 2006, p. 67). Juntos, constituem e
caracterizam uma área. Segundo Barreira (2003, p. 314),
“O crescimento urbano das cidades ou o conjunto de processos convencionalmente nomeados de ‘modernização’ aparecem, nesse sentido, acompanhados de investimentos materiais e simbólicos em torno da manutenção e restauração de equipamentos, percebidos como expressão do patrimônio de cidades. [...] Repensar a cidade sob a ótica de sua ‘memória’ sou sob o prisma de significados atribuídos à noção de patrimônio supõe compreender a lógica das prioridades sobre o uso e valorização de espaços efetivados ao longo do tempo.”
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A revitalização do Espaço Cultural visa, acima de tudo, proporcionar espaços de bem estar
para a comunidade e destacar e valorizar o espaço histórico no qual estão inseridos, o que
reflete diretamente a relevância da relação estreita entre paisagem e patrimônio, que surgem
historicamente em conjunto, afinal, não há identidade sem memória, pois aqueles que perdem
suas origens perdem também sua identidade (Funari, 2001, p. 2).
Nesse contexto, o estudo tem como objetivo analisar os efeitos da revitalização quanto à
valorização do patrimônio e suas consequências na conscientização da população e dos
órgãos públicos no que se refere à importância da conservação da identidade da cidade.
Metodologia
Para a análise dos efeitos da revitalização foi feito uso das informações disponíveis no
Arquivo Histórico de Passo Fundo e referencias bibliográficos, e observações efetuadas
in-loco, comparando-se as situações anteriores e posteriores a implementação do projeto. A
área de estudo localiza-se entre as Ruas Quinze de Novembro e Teixeira Soares (Figura 2),
no Centro Histórico de Passo Fundo, Rio Grande do Sul.
Figura 2 - Localização da área de estudo na malha urbana de Passo Fundo
Fonte: adaptado do Google, 2016.
Foram utilizadas imagens do Google e realizadas visitas ao local para melhor entendimento
das relações da comunidade com o espaço e contrastes dos efeitos plásticos antes e após a
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revitalização do espaço, assim efetivando o diagnóstico das problemáticas e potencialidades.
Realizou-se uma revisão bibliográfica a fim de esclarecer a importância da reformulação de
espaços históricos e sua relação com o patrimônio, unindo-se à realidade das transformações
urbanas atuais, e melhor compreensão dos fatores que influenciam os usuários a
desvalorização e desatenção com o patrimônio. Também foi averiguada a importância de
manter identidade ao preservar e revitalizar os espaços através do material do IPHAN
(Delphim, 2005). Foi realizada análise da vegetação existente, do traçado, da infraestrutura e
acessibilidade, bem como a sua relação com o entorno.
Resultados e discussões
Ao identificar o descaso perante a conservação do patrimônio e aliando-se à necessidade de
transformar esse modo de pensar e vivenciar o espaço público da cidade, a Prefeitura
Municipal de Passo Fundo recentemente promoveu a revitalização do Espaço Cultural Roseli
Doléski Pretto de forma a abranger o conjunto construído e seu entorno, os canteiros Abraão
Madaloso e Guilherme Luis Sperry. As obras foram desenvolvidas ao longo do primeiro
semestre de 2016 e concluídas em julho do mesmo ano. Segundo Delphim (2005, p. 31), “a
conservação de um bem exige a manutenção de um entorno visual apropriado, no que se
referem a formas, volumes, escala, cores, textura, visibilidade, materiais e outras
características”. Assim, após o processo de revitalização, a comunidade pode conviver com o
espaço, tornando-o parte de seu cotidiano e preservando-o. Também a partir do estudo das
problemáticas de falta de segurança, decadência dos equipamentos públicos e poluição
visual, foi percebida a necessidade de um projeto integrador e aperfeiçoador da qualidade da
área.
Segundo Delphim (2005, p. 28) a conservação é composta por alguns conceitos básicos: os
valores, que se referem ao bem cultural pelo ponto de vista físico, ou externo, mas que lhe são
inerentes. Para ter valor, a soma das modificações que o bem sofre deve tornar-se essencial a
ele, sendo representativo às ocorrências históricas a ele atribuídas; a integridade, para que,
ao conhecer o bem cultural, seja possível descrevê-lo com base na intenção original; a
autenticidade, que representa a originalidade do bem cultural e que deve abranger o processo
de criação, o período de existência e o momento atual; a proteção legal, que assegura a
defesa e a conservação; o entorno que influencia nas formas, volumes, escala, textura, cores
e visibilidade do bem e que também lhe garante a preservação.
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Observa-se que, a partir da vegetação existente antes da revitalização dos canteiros, surge a
problemática da obstrução das visuais pela vegetação, de acessibilidade no piso no canteiro
Guilherme Luis Sperry, conforme a Figura 3.
Figura 3 - Vegetação existente antes da revitalização do canteiro Guilherme Luis Sperry
Fonte: Google, 2016
Também se pôde analisar a presença do estacionamento, onde havia a separação entre os
dois canteiros, e como a situação desvalorizava o eixo formador da cidade, a Avenida Brasil, e
as edificações históricas, a partir da Figura 4.
Figura 4 - Aparência dos canteiros separados e com estacionamento
Fonte: Adaptado do Google Street View, 2016
O projeto de remodelação integra os canteiros Guilherme Luis Sperry e Abrãao Madalosso,
que antigamente eram separados, além da instalação do piso intertravado, considerando que
o piso existente encontrava-se em péssimas condições de conservação e acessibilidade, de
novos meios-fios e de uma floreira, de novos mobiliários urbanos (bancos e lixeiras), a
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implantação de ciclovia e de novos postes de iluminação e refletores na vegetação existente,
para reforçar a sensação de segurança e destacar a vegetação, conforme a figura 5.
Figura 5 – Espaço após a revitalização
Fonte: Portal21.com.br, 2016
Integrar os canteiros privilegia a circulação de pedestres por eles, considerando que a
mobilidade no centro da cidade enfrenta certas dificuldades, considerando que a existência
dos canteiros configura a cidade uma aparência singular e também contribui com a melhoria
da qualidade do espaço urbano (Melo e Rampanelli, 2014, p. 6). Além disso, a integração
destaca o monumento, antes despercebido em meio aos veículos do estacionamento, e
fomenta sua importância. A figura do estacionamento, principalmente, compõe imagem
segregadora ao resto da cidade e ao pedestre em relação ao espaço histórico. No entorno do
Espaço Cultural encontram-se duas paradas de ônibus, localizadas na Avenida Brasil que é o
principal eixo de mobilidade da cidade, o que influencia o fluxo de pedestres, principalmente
em horários de pico. Assim, considerando os estudos de Netto e Krafta (1999, p. 137), os
deslocamentos da população alvo do transporte público (classe baixa renda) não excedem
muitas quadras em relação ao ponto de tomada de ônibus e as paradas tornam-se pontos de
encontro; a partir disso, pode-se declarar que, além de aperfeiçoar a relação
patrimônio-paisagem-comunidade, a revitalização buscou aperfeiçoar os fluxos na área.
A reformulação da vegetação, constituída pela retirada de algumas espécies e inserção de
novas teve como principal objetivo melhorar a sensação de segurança e diminuir a poluição
visual, que tornava os prédios históricos isolados da cidade e os escondia. Considerando
Milano (1987, p. 15), a manutenção e planejamento da arborização nos centros urbanos
melhoram a qualidade de vida num quadro geral, principalmente considerando as questões de
poluição atmosférica, hídrica, sonora e visual e distúrbios psicológicos e biológicos.
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A instalação das floreiras e reformulação da arborização reflete diretamente na vivacidade e
integração da área, contrastando com os tons cinzas das áreas edificadas. Essas mudanças
realizadas influenciam diretamente na democratização do espaço, transformando-o em um
local mais agradável e com maior qualidade de vida. Segundo Oliveira (2005, p. 69),
“O projeto paisagístico, em sua amplitude de intervenção, não deve ser uma
possibilidade (fruto do desinteresse, ignorância ou precariedade de verbas), mas
uma necessidade vital para o futuro das cidades, como local digno de vivência,
moradia e trabalho, como ‘lugar de cidadania’, com espaços públicos
democratizados e qualificados”.
A iluminação tem função de segurança, apoio ao desenvolvimento, destaque às áreas
históricas ou espaços verdes públicos, envio de mensagens, elemento estético de atração de
consumidores a alguma área ou de visibilidade (Mascaró, 2006, p. 22). A implantação da
iluminação depende do contexto da área em que será inserida. De acordo com Lúcia Mascaró
(2006, p. 23),
“Alguns dos atores urbanos se movimentam segundo tempos rápidos, que precisam
de uma iluminação intensa, confortável, segura: são os indivíduos e empresas
hegemônicas. Outros se movimentam segundo tempos lentos, os da economia
pobre, que não precisa senão de uma iluminação de subsistência, apenas discreta
quando muito”.
Pode-se perceber, portanto, que as decisões de projeto de revitalização buscaram
principalmente respeitar o direito da comunidade em participar das decisões em relação ao
espaço urbano, à história e à cultura. “De nada adianta o ordenamento jurídico proclamar a
necessidade de proteção do patrimônio histórico, cultural, paisagístico, artístico e urbano, se
não forem adotados mecanismos efetivos para concretizar esta proteção” (Santin e
Marangon, 2008, p. 1).
O vínculo entre patrimônio, cultura e paisagem reflete diretamente na relação da comunidade
com o espaço urbano e também nas sensações que despertam: segurança, fazendo que o
espaço seja ocupado e valorizado, e de curiosidade, implicando em preocupação da
população com a identidade e história da cidade. Esse novo conceito de uso das cidades vai
contra a tendência da perda de identidade e resgata a coletividade da comunidade (Grinover,
2006, p. 19). A identidade reflete o passado vivido e o futuro desejado.
O entorno, ao ser engrandecido a partir dessa iniciativa de revitalização, desperta maior
interesse nos espaços históricos que fazem parte do espaço cultural e incentivam a
convivência e boa relação da comunidade com o patrimônio, o que também influencia na
questão de identidade da cidade. Se não há preocupação com a preservação da memória e
com o caráter da cidade, a própria comunidade perde a noção de valorização dos espaços
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coletivos, cessando de frequentá-los e aumentando a insegurança da área. Usar áreas
históricas inclui diferentes formas de utilização, como uso público, administrativo, recreativos,
lazer e turismo e assegurando as novas utilizações, garante-se a sobrevivência dos
monumentos e demais patrimônios (Delphim, 2005, p. 76).
Além disso, o Espaço Cultural é um exemplo claro de como a paisagem urbana, ao obter
maior relevância por ser repensada em função dos usuários, garante que a cidade tenha mais
vida. Assim, espaços que anteriormente a população evitava por pensar serem inseguros ou
desinteressantes passam a ser frequentados e a ter vivacidade, ou seja, a partir dos
problemas que surgem pela falta de manutenção e valorização dos espaços, é necessário
modifica-los a fim de que, estimulando o retorno da conexão da área com o resto da cidade, a
segurança e atividades.
A importância da influência da arborização na qualidade de vida das pessoas reflete
diretamente na necessidade de manutenção e construção desses espaços. A arborização é
constituinte da paisagem do entorno do Espaço Cultural, e faz parte de sua identidade e,
portanto, devia ser mantida, respeitando, no entanto, as condições de conforto visual e
segurança. De acordo com Bonametti (2001, p. 52),
“[...] Isto vem sendo fortalecido e incentivado pela própria comunidade, assim como
influenciado pelo atual discurso ecológico, o qual incorpora esses espaços como
sinal de uma melhor qualidade de vida, progresso e desenvolvimento urbano.
Dependendo da escala, do porte e da localização das áreas de arborização urbana,
os efeitos de amenização da paisagem, juntamente como os de melhoria no
micro-clima local, podem indubitavelmente beneficiar de modo direto a vida da
população”.
Pensar na revitalização do Espaço Cultural e seu entorno como conjunto garantiu a
recuperação do contato da área com o resto da cidade. Apesar dessa reintegração, o espaço
poderia ser mais utilizado pelas pessoas que frequentam o centro da cidade e principalmente
os pontos de transporte público no entorno, melhorando o fluxo dos passeios. Isso não ocorre
pelo trânsito de pedestres pela Avenida Brasil, principal via da cidade, ser preferencialmente
destinado aos veículos, dificultando a travessia das pessoas.
Outro aspecto que pode aumentar a circulação do público pela área é a maior promoção de
eventos nos Museus e no Teatro, e a melhor relação da comunidade com essas instituições.
Apesar da revitalização ter valorizado muito o Espaço Cultural, a comunidade ainda se vê
limitada a frequentá-lo para atividades lazer e educação, sendo assim a área utilizada muito
mais por passagem. Isto possui relação direta com o estudo de Netto e Krafta (1999, p. 134),
e a limitação do acesso à cidade baseada nas classes sociais da população. Consideram os
espaços construídos como, automaticamente, atrativos.
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“A centralidade é uma propriedade morfológica referente à atratividade entre
‘matéria urbana’, isto é, a relação entre as formas construídas (arquiteturas) de um
sistema urbano. As formas construídas apresentam tensão entre si por consistirem
em locais de atividade ou de conteúdo social. [...] O sistema de interação entre as
variáveis morfológicas de um dado conjunto corresponde ao sistema de atividades
urbano. Essa abordagem analítica da estrutura urbana toma cada arquitetura como
local de atividade ou atrator.”
No entanto, na cidade, os indivíduos compõem diferentes fluxos e modos de utilização, sendo
que determinadas atividades são realizadas em tais espaços, o que promove a necessidade
de locomoção dos habitantes (Netto e Krafta, 1999, p. 135). Isto se refere à maior dificuldade
de acesso pela comunidade de baixa renda, parte da comunidade que poderia apropriar-se
desses espaços. Aí reside um problema segregador nas cidades em geral, também presente
no centro urbano em questão, Passo Fundo. É natural que a cidade, apesar de ser planejada,
sofrer modificações e transformações pelos seus usuários. Um exemplo disso é o Espaço
Cultural Roseli Doléski Pretto, que, apesar de ser pensado para uso cultural, educacional e de
lazer, acabou tornando-se um espaço de passagem no centro de Passo Fundo.
Antigamente os canteiros possuíam área para estacionamento, apresentavam problemas de
acessibilidade e segurança, falta e decadência de mobiliário urbano como lixeiras e bancos, a
vegetação existente compunha uma barreira visual para os prédios históricos e monumentos
existentes nos próprios canteiros, que não eram frequentados nem mesmo para passagem,
por provocar sensação de insegurança. “A degradação se auto-alimenta e a sensação, real ou
não, de descuido e de violência possível e iminente, amplia-se.” (Oliveira, 2005, p. 7). Ao
reconhecer estes problemas, foi idealizado um projeto que refletisse diretamente a relevância
da relação estreita entre paisagem e patrimônio, que surgem historicamente em conjunto.
Salvo a mudança de uso, relacionando-se ao tópico de preservação patrimonial, mesmo que
diferindo diminutamente das iniciais intenções de projeto, a revitalização do Espaço Cultural
Roseli Doléski Pretto atingiu o objetivo de integrar esse espaço histórico da cidade ao
cotidiano da população, mesmo que a mesma o frequente simplesmente por sua localização,
no centro da cidade. Os edifícios históricos já são melhor integrados ao entorno, as visuais e a
paisagem tomaram benefício das modificações e o local, num aspecto geral, transmite maior
sensação de segurança e composição de um conjunto.
Ao compreender que o patrimônio é o acúmulo de manifestações e expressões da sociedade
em variados períodos do tempo, percebe-se a inerente importância de preservação do
patrimônio e conscientização da população. “A sociedade materializada pela memória é
sempre uma produção humana contínua que lhe fornece elementos de identidade, erguidos
nas praças, criados nos símbolos, na arquitetura’’ (Miranda e Machado, 2005, p. 78).
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Repensando espaços outrora abandonados, tanto pelo poder público como pela comunidade,
pode-se proporcionar a ela um melhor entendimento dos espaços, e consequentemente, a
valorização deles. Além de reestabelecer uma série de qualidades históricas desaparecidas, o
conjunto entre o patrimônio cultural e espaço urbano desempenham fundamental papel social.
Conclusões
O vínculo dado pela explosão urbana ocorrida em Passo Fundo e a deficiência da
preservação dos espaços históricos cumula em ambientes sem qualidade e sem identidade
sociocultural no local. Visto que o projeto foi implantado na área de surgimento da cidade, não
dar a devida relevância no papel das edificações com cunho cultural é também, aos poucos,
perder da história do município. Portanto, reestabelecer as relações entre tais edificações com
a estrutura urbana da cidade além de auxiliar na paisagem existente, introduz um elo
relevante entre o passado e o presente.
Considerando que a paisagem urbana de Passo Fundo se encaminha negativamente, é
importante que os espaços urbanos que lhe garantem identidade permaneçam preservados e
valorizados. O patrimônio adquire certa segurança de conservação a partir do momento em
que a população percebe seu valor e fazê-la identificar essa ideia, além de através de políticas
educacionais, parte do princípio de integração e coexistência: o espaço ali se encontra, e
constitui um conjunto convidativo à comunidade, que passa a frequentá-lo e toma-lo como
parte de si mesma, concluindo então que a cidade não seria a mesma sem esses espaços.
Preservar estes espaços significa respeitar a história, o equilíbrio ambiental, tratando-se de
paisagismo e zelar pelo patrimônio, inserindo esta consciência intrinsecamente na
comunidade.
Referências
BARREIRA, Irlys Alencar F. A cidade no fluxo do tempo: invenção do passado e patrimônio.
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<http://www.scielo.br/pdf/soc/n9/n9a11>. Acesso em: 3 de ago. 2016.
BONAMETTI, João Henrique. Arborização urbana. Terra e Cultura, ano XIX, n. 36, 2001.
Disponível em:
<http://web.unifil.br/docs/revista_eletronica/terra_cultura/36/Terra%20e%20Cultura_36-6.pdf
>. Acesso em: 29 de ago. 2016.
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DELPHIM, Carlos Fernando de Moura. Intervenções em jardins históricos: manual. Brasília:
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DIEHL, Astor A.; CARVALHO, Haroldo. I. (Org.). Memória fotográfica de Passo Fundo. Passo
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