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UFRJ
A Região Metropolitana na Federação Brasileira:
estudo do caso de Londrina, Paraná
Henrique Rezende de Castro
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciência Política, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciência Política.
Orientador: Charles Pessanha
Rio de Janeiro
Fevereiro / 2006
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A Região Metropolitana na Federação Brasileira: estudo do caso de Londrina, Paraná
Henrique Rezende de Castro
Charles Pessanha
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Ciência Política, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciência Política.
Aprovada por:
_______________________________
Presidente, Prof. Charles Pessanha
_______________________________
Prof. César Ajara
_______________________________
Profa. Eli Diniz
Rio de Janeiro
Fevereiro / 2006
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Castro, Henrique Rezende de.
A Região Metropolitana na Federação Brasileira: estudo do caso de Londrina, Paraná/ Henrique Rezende de Castro – Rio de Janeiro: UFRJ/ IFCS, 2006.
XII, 163f.: il.; 31 cm. Orientador: Charles Pessanha Dissertação (mestrado) – UFRJ/ IFCS/ Programa de Pós-
graduação em Ciência Política, 2006. Referências Bibliográficas: f. 151-158. 1. Federalismo. 2. Regiões Metropolitanas. I. Pessanha,
Charles. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pós-graduação em Ciência Política. III. A Região Metropolitana na Federação Brasileira: estudo do caso de Londrina, Paraná.
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RESUMO
A Região Metropolitana na Federação Brasileira: estudo do caso de Londrina, Paraná
Henrique Rezende de Castro
Orientador: Charles Pessanha
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Ciência Política, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciência Política.
O objetivo deste trabalho é refletir sobre alguns impasses na gestão das regiões metropolitanas dentro do sistema federalista brasileiro, principalmente a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988. Em um contexto de crise urbana e desigualdades crescentes, torna-se necessário reavaliar a utilidade das Regiões Metropolitanas como mecanismo institucional com objetivo de integrar políticas públicas responsáveis pelo atendimento de demandas sociais dos grandes aglomerados urbanos brasileiros. A análise recairá sobre a Região metropolitana de Londrina, Paraná, mediante levantamento de dados e informações relevantes dos entes governamentais envolvidos, a fim de discutir a natureza e o poder impeditivo dos possíveis impasses existentes para o funcionamento da gestão metropolitana, importante ferramenta institucional para consolidação democrática do país.
Palavras-chave:
1) Federalismo; 2) Democracia; 3) Urbanização; 4) Políticas Públicas; 5) Gestão Metropolitana.
Rio de Janeiro
Fevereiro / 2006
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ABSTRACT
The Metropolitan Region in the Brazilian Federacy: study of case of Londrina, Paraná
Henrique Rezende de Castro
Orientador: Charles Pessanha
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Ciência Política, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciência Política.
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The objective of this work is to reflect about some obstacles in the management of the metropolitans regions of the brazilian federalist system, mainly from the promulgation of the Federal Constitution of 1988. In a context of urban crisis and increasing inaqualities, one becomes necessary to reevaluate the utility of the Metropolitans Regions as institucional mechanism with objective to integrate responsible public politics for the attendance of social demands of the great brazilian urban agglomerations. The analysis will fall again on the Metropolitan Region of Londrina, Paraná, by means of excellent information and data-collecting of the involved governmental agents, in order to argue the nature and the impeditive power of the possible existing obstacles for the functioning of the management metropolitan, important institucional tool for democratic consolidation of the country.
Key-words:
1) Federalism; 2) Democracy; 3) Urbanization; 4) Public Policies; 5) Metropolitan Government.
Rio de Janeiro
Fevereiro / 2006
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente, quero agradecer a todo corpo discente e docente do programa de
Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro que,
nesses anos de mestrado tanto me acrescentaram nas experiências acadêmicas e de vida.
Agradeço, sobretudo, ao meu orientador, professor Charles Pessanha, pela
paciência e otimismo com que tratou do meu caso, sendo tanto excelente professor, de
quem extraí o conhecimento necessário para realizar esta dissertação, como também um
grande ser humano, companheiro, cuja orientação foi para mim muito enobrecedora.
Tenho a honra de receber em minha banca de defesa também grandes
professores, que em muito dignificam o trabalho realizado. A professora Eli Diniz, cujo
curso ministrado no Programa foi de fundamental importância no aspecto teórico da
dissertação, e o professor César Ajara, que com muita alegria aceitou fazer parte da
banca, e cuja participação irá somente engrandecê-la em qualidade.
Finalmente, sou grato a toda minha família e amigos que me deram, de maneira
direta ou mesmo indireta, suporte material, moral e emocional. Citar todos exigiria uma
lista interminável, portanto preferi deixar um grande e fraterno abraço a todos eles, aos
quais espero pessoalmente transmitir a felicidade por mais uma etapa cumprida, e
reafirmar quanto os mesmos são especiais e me ajudaram nessa importante fase da
minha vida.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Adetec – Associação para o Desenvolvimento Tecnológico de Londrina
Amepar – Associação dos Municípios do Médio Paranapanema
Bacen – Banco Central
CTNP – Companhia Terras Norte do Paraná
CMNP – Companhia Melhoramentos Norte dos Paraná
FMI – Fundo Monetário Internacional
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Ipardes – Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social
IPPUR – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional
MF – Ministério da Fazenda
MS – Ministério da Saúde
MEC – Ministério da Educação
Metronor – Metrópole Linear do Norte Paranaense
ONU – Organização das Nações Unidas
PD – Plano Diretor
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
RGP – Regiões de Gestão e Planejamento
RM – Região metropolitana
RMs – Regiões Metropolitanas
RMC – Região metropolitana de Curitiba
RML – Região metropolitana de Londrina
RMM – Região metropolitana de Maringá
SEPL – Secretaria de Planejamento do Estado do Paraná
UEL – Universidade Estadual de Londrina
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
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LISTA DE FIGURAS Figura 01 Início da ocupação da cidade de Londrina, 1934 ............................................................. 83
Figura 02 Localização geográfica dos municípios da região metropolitana de Londrina, Paraná . 87
Figura 03 Divisão Político-Administrativa da região metropolitana de Londrina ......................... 88
Figura 04 Fotos aéreas recentes dos municípios pertencentes à RM de Londrina, Paraná .............. 89
Figura 05 Mancha urbana de ocupação contínua, constituída a partir dos setores censitários dos municípios com mais de 25 mil habitantes da RM de Londrina ...................................... 90
Figura 06 Localização das aglomerações urbanas paranaenses, 2000 ............................................. 122
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 01 Taxa de participação da população urbana e rural em relação ao total da população residente - Brasil , 1940 a 2000 .................................................................................... 65
Gráfico 02 Taxa de urbanização da população residente da região metropolitana de Londrina, estado do Paraná e Brasil, para os anos de 1970, 1980, 1991 e 2000 ........................... 95
LISTA DE QUADROS
Quadro 01 Legislação sobre RMs e unidades criadas, tendo por base as constituições estaduais brasileiras pós-constituição de 1988..............................................................................
40
Quadro 02 Legislação estadual e do município de Londrina sobre a RML .................................... 86 Quadro 03 Nível de prioridade para as políticas públicas a serem adotadas por uma entidade
metropolitana, segundo os atores governamentais paranaenses que participaram da pesquisa, 2005................................................................................................................. 118
Quadro 04 Municípios da RM de Londrina, segundo a existência ou não de dispositivos de planejamento e desenvolvimento urbano, 2002 ............................................................. 129
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LISTA DE TABELAS
Tabela 01 Total de municípios, total geral de receitas e transferências da União, segundo classes de tamanho da população dos municípios, grandes regiões e unidades da federação - 1998-2000 ................................................................................................. 46
Tabela 02 Municípios, total e com existência de ações integradas com outro(s) município(s) e/ou consórcio municipal, na área de desenvolvimento urbano, segundo classes de tamanho da população dos municípios e grandes regiões, ano 2002.......................... 48
Tabela 03 Municípios com e sem participação em consórcio intermunicipal ou outra forma de associação na área ambiental, por tipo de tema abordado, e com ou sem participação em comitê de bacia hidrográfica................................................................................... 49
Tabela 04 Taxa de urbanização e taxa de crescimento urbano para as grandes regiões mundiais, 1950-2030 ................................................................................................... 61
Tabela 05 População residente, segundo os municípios das capitais, Brasil, 1900-2000 .......... 63
Tabela 06 População residente, taxa média geométrica de incremento anual e variação absoluta e relativa, segundo as regiões metropolitanas e região integrada de desenvolvimento do Distrito Federal, e o Brasil - 1991/2000 .................................... 64
Tabela 07 População residente e taxa de crescimento anual para as 5 maiores RMs com município-sede em capital de estado, para as 5 maiores RMs com município-sede em cidade do interior, total RMs brasileiras e total Brasil, 1980 a 2000 .................. 66
Tabela 08 Dados de população residente em 2000, participação no total da população 2000, taxa de crescimento anual 1991-2000, número de municípios na faixa de tamanho e participação no total de municípios, segundo faixas de tamanho populacional dos municípios brasileiros ..................................................................... 68
Tabela 09 Dados sobre população total e urbana e percentual de pobreza para as grandes regiões, capitais, regiões metropolitanas e Brasil, 2000 .......................................... 71
Tabela 10 Estimativas do déficit habitacional básico e carência de infra-estrutura dos domicílios particulares permanentes urbanos, por grandes regiões, regiões metropolitanas e Brasil – 2000..................................................................................... 74
Tabela 11 Valor adicionado total e por setores da economia, PIB a preço de mercado corrente e PIB per capta para os municípios da RML e estado do Paraná, 2002. 91
Tabela 12 Número de estabelecimentos de saúde e de leitos disponíveis em 2002, total de escolas e de matrículas em todos níveis de educação em 2003 e número de bancos e total da poupança depositada em 2003, por município da RML. 92
Tabela 13 Abastecimento de água, esgotamento sanitário e destino do lixo, percentual e total, para os domicílios particulares permanentes dos municípios da RM de Londrina, 2000. 94
Tabela 14 População residente na região metropolitana de Londrina, no estado do Paraná e no Brasil para os anos de 1970, 1980, 1991 e 2000. 96
Tabela 15 População residente, taxa de urbanização e densidade demográfica em 2000 e taxa de crescimento anual para o período 1991-2000. 97
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Tabela 16 Percentual da população residente por grupos de idade segundo os municípios da região metropolitana de Londrina e o estado do Paraná, 2000. 98
Tabela 17 Percentual da população residente, por gênero e cor segundo os municípios da região metropolitana de Londrina e estado do Paraná, 2000. 99
Tabela 18 Totais absoluto e percentual da população residente com 10 anos ou mais de idade, por grau de instrução, segundo os municípios da RML, 2000 108
Tabela 19 Percentual da população economicamente ativa (PEA), segundo o total da população residente de 10 anos ou mais de idade para os municípios da RML e estado do Paraná, em 1991 e 2000. 109
Tabela 20 Totais absoluto e percentual da população residente de 10 anos ou mais de idade segundo rendimento nominal mensal, para os municípios da RML, 2000. 110
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SUMÁRIO
Introdução ...................................................................................................... 12
Capítulo I - Federalismo e regiões metropolitanas .................................... 25
Capítulo II - Urbanização e a questão metropolitana no Brasil ................ 55
Capítulo III - Estudo do caso da região metropolitana de Londrina ....... 80
Considerações finais ...................................................................................... 132
Referências ...................................................................................................... 150
Apêndice A ..................................................................................................... 158
Anexo 1 ........................................................................................................... 160
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Introdução
A vida cotidiana apresenta-se como uma realidade interpretada pelos homens e subjetivamente dotada de sentido para eles na medida em que forma um mundo coerente. Como sociólogos,
tomamos esta realidade como objeto de nossas análises (Peter Berger & Thomas Luckman , 1963).1
O trabalho que se segue parte diretamente de um envolvimento do mestrando
com seu objeto de pesquisa. Não foi gerado a partir de idéias pré-concebidas ou foi
escolhido a la carte dentre todas possíveis temáticas existentes na Ciência Política,
como quem sorteia um assunto e resolve discorrer sobre o mesmo. O interesse em
trabalhar com a questão metropolitana no sistema federalista brasileiro foi uma escolha
induzida pela experiência adquirida sobre o tema, aliada à vivência com o caso
selecionado para estudo, da Região metropolitana de Londrina, Estado do Paraná.
Tive a oportunidade de trabalhar quatro anos como pesquisador no laboratório
‘Observatório de Políticas Urbanas e Gestão Municipal’, chefiado pelo professor Luís
César de Queiroz Ribeiro, no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional,
Universidade Federal do Rio de Janeiro–IPPUR/UFRJ, com pesquisas sobre as regiões
metropolitanas brasileiras e suas desigualdades sócio-espaciais. A formação em
Ciências Sociais pela UFRJ me garantiu o instrumental necessário para refletir sobre
uma problemática muito séria da atualidade, que envolve a questão sobre como
trabalhar as políticas públicas em nível regional, nas realidades territoriais que
desconhecem fronteiras e extravasam jurisdições. Problemas comuns a grandes áreas
urbanas e conurbadas, que, no âmbito dos formuladores de políticas públicas, vivem o
dilema de buscar soluções para o atendimento das carências mais básicas da população. 1 Berger, Peter e Luckman,Thomas. A construção social da realidade. Rio de Janeiro: ed. Vozes, 1983.
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Ao mesmo tempo em que o conhecimento da realidade metropolitana brasileira,
sobre todos seus prismas regionais, de norte a sul do país, possibilitou uma visão e
reflexão mais aprofundada sobre o assunto, a experiência pessoal também contou para a
escolha da temática em debate nesta dissertação.
Mesmo vivendo na segunda maior região metropolitana do Brasil, que é a do
Rio de Janeiro, outra dinâmica regional me despertou o interesse, em função de certas
peculiaridades. Concomitantemente ao trabalho no IPPUR, pude conhecer de perto a
realidade da cidade de Londrina, localizada ao norte do estado do Paraná, a terceira
maior cidade da região Sul e sede da primeira região metropolitana instituída em uma
cidade do interior.2 Conhecendo as mazelas que a falta de planejamento e cobertura das
políticas públicas adequadas engendram no tecido social de uma grande metrópole
consolidada como a do Rio de Janeiro, chamou a atenção o fato de que a região de
Londrina, justamente por ter uma escala proporcional menor do que a capital citada, já
apresentava os mesmos problemas que, levando em consideração a dimensão de cada
caso, tem como gênese a falta de uma gestão adequada à sua dinâmica social. Questões
como as da saúde, de saneamento, de transportes e mesmo da violência, dentre outros,
começam a demandar um esforço integrado para sua resolução, o que só é possível com
uma consciência regional, formada tanto pela sociedade civil local como também pelos
atores governamentais dos municípios envolvidos e do estado. Tal consciência, porém, e
principalmente a ação regional ainda não conseguiu materializar-se institucionalmente,
mesmo com o advento da região metropolitana, dispositivo constitucional adotado e
aplicado por lei, mas que, como veremos, na prática ainda não saiu do papel.
2 Todas as demais, desde sua criação, de 1973 em diante, foram instituídas em capitais de estados. As leis que criam as regiões metropolitanas de Londrina e Maringá, essa última cidade também do norte paranaense, foram sancionadas em 1998.
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Buscar algumas razões, dentre as várias possíveis, para que uma região ainda em
crescimento, como Londrina, não tenha um planejamento e gestão adequados para as
suas demandas, ainda mais quando se tem o conhecimento do que a falta de ação por
parte do poder público ocasionou nos grandes centros, fazendo com que o desafio do
governante de hoje seja contornar os problemas criados e desenvolvidos no passado, é
um dos motivos encontrados para levar, dentro do programa de pós-graduação em
Ciência Política da UFRJ, e sob orientação do professor Charles Pessanha, a proposta da
presente dissertação. Procurar-se-á desenvolver um debate acerca das dificuldades de
regiões que, como no caso de Londrina, vêm-se avolumando e agravando o quadro de
seus problemas sociais, o que torna mais complexo o desafio a uma gestão adequada
dos recursos regionais para pôr em prática outro modelo de desenvolvimento, mais
sustentável e menos desigual.
O estudo aqui desenvolvido é, então, o resultado de uma saudável mistura de
experiências acadêmicas e de vivência, que constituem o material necessário para a
construção e análise de um objeto que, não sendo um assunto estranho nem criado por
mera abstração em cima de dados desconhecidos, é antes de tudo uma realidade vivida e
refletida tanto subjetivamente, enquanto sujeito inserido na sociedade em que vive,
quanto objetivamente, pelo pesquisador interessado em analisar e buscar desvendar
informações relevantes sobre aquilo que despertou sua curiosidade epistemológica.
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Alguns princípios teóricos sobre democracia e federalismo
A presente dissertação de mestrado toma como objeto de investigação o
federalismo relacionado com o fenômeno da metropolização, utilizando para tanto, de
um lado, uma análise sobre a federação brasileira, focada principalmente na sua
formulação adotada pós constituição federal de 1988, e de outro, um estudo de caso
sobre a região metropolitana de Londrina, localizada no estado do Paraná, que servirá
de exemplo para se verificarem os impactos da estrutura federativa brasileira na gestão
das metrópoles, com base no dispositivo constitucional que delega aos estados a criação
das regiões metropolitanas–RMs, instituição que, a princípio, deveria ser responsável
pela gestão territorial dos municípios que as compõe.3
De antemão, podemos definir a RM como um arranjo político-administrativo-
legal de articulação de políticas públicas em âmbito regional que pressupõe a
participação dos três entes federados e propõe a articulação dos mesmos, por meio da
cooperação intergovernamental, para a elaboração e a execução das chamadas funções
públicas de interesse comum, sua tarefa constitucionalmente definida.
Estabelecer uma correlação entre os dois temas escolhidos – federalismo e
gestão metropolitana – tem por objetivo contribuir para um debate mais aprofundado
sobre os impactos da federação nas instituições, temática incipiente na área da ciência
política, mas da qual já se reconhece a relevância dos estudos. Como coloca Abrucio
(2005:41): A estrutura federativa é um dos balizadores mais importantes do processo
político no Brasil [...] o federalismo brasileiro é atualmente um dos casos mais ricos e
complexos entre os sistemas federais existentes.
3 A definição do federalismo brasileiro e do estatuto das regiões metropolitanas são tratadas mais detalhadamente no primeiro capítulo.
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Nos últimos vinte anos verificou-se no Brasil um processo gradual e contínuo de
reforma do aparelho estatal. Após a queda do regime ditatorial e a ruptura com antigo
modelo do nacional desenvolvimentismo, tais reformas seguiram decisões de natureza
política, guiadas não só por fatores externos – advindos da globalização ‘neoliberal’ –
como também por fatores internos – a opção das elites dirigentes nacionais e
características de coalizões de apoio político, bem como a ação de atores estratégicos
(Diniz, 2003). O resultado desse processo, longe de ter criado um novo padrão de
desenvolvimento para o país, foi o de aumentar o grau de degradação social, expressa
em cores vivas na crescente pobreza urbana.
Se, com a redemocratização, o Brasil deu importantes passos rumo ao que
Robert Dahl (1997) classificou como poliarquia, entendida como democracia real – em
oposição à democracia “ideal”4 – em que a característica principal é a de um regime que
consegue obter maior nível de contestação pública e de participação, o mesmo autor
coloca que as desigualdades extremas – característica marcante no caso brasileiro –
concorrem diretamente para dificultar a sua consolidação democrática. O Estado
brasileiro, mesmo com a redemocratização, ainda precisa r estruturar melhor um sistema
interno de segurança mútua, que garanta a igualdade política e a inclusividade às amplas
parcelas da população que se encontram à parte do processo democrático, fato que pode
atribuído, entre outros, ao crescimento urbano desigual e segregador observado nas
metrópoles.
Mesmo preenchendo os requisitos básicos apontados por Dahl, outro fator que
pode ser considerado como forte obstáculo ao processo democrático no Brasil é a falta
4 Bobbio (1984) ao analisar a democracia real em contraste com os idéias democráticos, identificam-se seis ‘promessas não-cumpridas’ dessa forma de governo, que tiveram como causa os obstáculos não previstos ou que surgiram nas transformações das sociedades. A poliarquia de Dahl pode ser considerada teoricamente como a forma de governo que leva em consideração esse contraste, ponto de partida para se buscarem os mecanismos para minimizá-los.
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de base popular de sustentação das instituições representativas, não havendo, portanto,
incentivos para a difusão das condições materiais mínimas que propiciem, àqueles que
o desejem, a possibilidade de participação na política. (Miguel, 2003:136). As
restrições impostas por um modelo de representação nitidamente desigual, somadas ao
alto grau de corrupção e desrespeito à coisa pública, dificultam muito a formação de
mecanismos de inclusão social e do pluralismo político necessários para instalar um
regime poliárquico no Brasil.5
Nesse contexto de profundas mudanças no tecido social – processo que carrega
tanto aspectos positivos como negativos –, provocadas pela (re)inserção do país no
modelo de desenvolvimento capitalista contemporâneo, em que os componentes
tecnológicos ligados ao mercado global vêm ganhando maior relevância na estruturação
do trabalho nas sociedades, e, conseqüentemente, no padrão de vida da população – cujo
aspecto urbano será comentado no corpo da dissertação – é que está a principal causa
que estimula a análise do funcionamento dos diferentes tipos de governo frente a essa
nova realidade. Mais particularmente, interessa aqui perceber de que modo o
federalismo brasileiro se comporta ante os novos desafios de governabilidade, expressos
no nível macro, governo federal, como no micro, estados e municípios, escolhendo para
tanto um tipo de instituição ligada à questão da gestão territorial do poder, caso das
RMs na legislação brasileira.
A democracia brasileira ainda vem construindo e reforçando seus alicerces após
o período centralizador-autoritário de sua existência, encontrando, no entanto
obstáculos, principalmente no nível institucional, que remetem à formação da sua
cultura política e de opções adotadas pelas elites que detêm o poder, fatores que não 5 O Brasil poderia ser classificado como uma “democracia delegativa” (O’Donnell, 1991), em que, em detrimento das dimensão republicana da democracia (representatividade e accountability), não haveria a distinção nítida entre os interesses públicos e privados.
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podem faltar a uma análise criteriosa que queira desvendar os desafios da consolidação
democrática brasileira. A gestão territorial de poder, mais especificadamente a gestão
das metrópoles, pode ser apontada como uma importante questão que poderá abrir
caminhos para uma discussão mais aprofundada sobre o funcionamento, estrutura e
mesmo da viabilidade do federalismo no caso brasileiro.
Abrindo caminhos: fontes de consulta das teorias sobre o federalismo e a gestão
metropolitana
Dois artigos são de fundamental importância como guias para o presente estudo.
Primeiramente, fazendo uma síntese dos estudos sobre federalismo na ciência política
brasileira, está o artigo de Maria Hermínia Tavares de Almeida (2001), no qual é
relacionada à literatura existente, descrevendo as principais vertentes de estudo. Além
desse, encontra-se um artigo de revisão crítica sobre a experiência de governança
metropolitana no ocidente, de Christian Lefèvre (1998).
A seguir serão feitos alguns apontamentos baseados nos dois textos citados,
salientando-se as premissas do debate que envolve as duas questões as quais serviram
de estímulo para a pesquisa, as hipóteses e considerações a serem abordadas ao longo
do trabalho.
Considerando os estudos como ‘um campo em formação’ e com o intuito de
fazer um balanço desse campo temático de desenvolvimento ainda incipiente, Almeida
(2001:13), procura-se destacar a contribuição da ciência política na referida área,
organizando a discussão em quatro temas correlacionados com o federalismo: 1) sua
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gênese; 2) a questão da representação política e democracia; 3) sua relação com a
governabilidade e; 4) o funcionamento das relações intergovernamentais e das políticas
públicas. Sem desconsiderar as importantes referências feitas aos outros temas, o que
tem maior peso analítico para o tema em discussão é o pressuposto de que o federalismo
em si mesmo constitui um fator de ingovernabilidade, enfatizando o fato de que a
redemocratização e a constituição federal de 1988 produziram uma estrutura federativa
geradora de impasses (Almeida. 2001:23), fato atribuído por alguns cientistas políticos,
entre outros motivos, ao grande poder de atuação dos governos estaduais e à existência
de um sistema de decisões fragmentado, com a multiplicação de atores com ‘poder de
veto’.6 No entanto, a tese de que o desenho institucional federalista seja a fonte única de
todos os problemas não se sustentaria, pois
Com efeito, federações são arranjos institucionais que propiciam e requerem a
negociação entre as esferas de governo, dotadas de certo grau de autonomia e recursos
próprios de poder. Logo, decisões em sistemas federativos, sobretudo quando
descentralizados e democráticos, implicam necessariamente numerosas e complicadas
transações (Almeida, 2001:24).
Falar então sobre ‘crise de governabilidade’ não remete necessariamente a raízes
institucionais. O federalismo brasileiro, da forma como foi desenhado pela última Carta
Magna, é originalmente fonte de tensões entre os atores políticos de poder decisório,
uma vez que as preferências desses mesmos atores por determinadas questões é que vão
gerar harmonia ou não no seu relacionamento. É com essa premissa que se levará
6 A dificuldade no processo de tomada de decisões por conta do aumento de “veto points” faz parte da acepção de George Tsibilis, em seu livro “Decision making in political systems: veto players in presidencialism, parliamentarism and multipatyism”. British Journal of Political Science, v. 25, 1995: 289-325
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adiante o trabalho, de forma a escapar da armadilha de atribuir significação demasiada a
variáveis que não têm peso explicativo ou mesmo fogem à necessidade de buscar o
objetivo de, como foi descrito anteriormente, verificar o impacto do sistema federalista
adotado atualmente no Brasil, e o peso que outras instituições podem exercer sobre a
gestão territorial de poder das metrópoles, resumida no estatuto das RMs.
Considerando agora a questão sobre a gestão metropolitana, temos o artigo de
Christian Lefrève que trata das experiências de constituição de metropolitan government
em diversos países, onde a discussão sobre como gerir grandes áreas urbanas vem
fazendo parte de suas agendas desde as décadas de 1960 e 1970, quando se buscava a
correspondência entre o território funcional e o território institucional, ou seja, entre a
área urbana e as estruturas de governo locais existentes (Lefèvre, 1998:11). Houve,
segundo o autor, certo fracasso nas formas de governar as metrópoles nessa época
devido a dois fatores fundamentais, de acordo com o espectro de experiências
analisado7: problemas de legitimidade das instâncias governativas criadas – não
aceitação da política local de um poder acima do seu e dependência do governo central
para assegurar seu funcionamento – e implementação das mesmas de forma autoritária –
elaboração de governo de forma rígida, sem participação da população local envolvida.
A partir dos anos 1990, considerando a dinâmica crescente da globalização e as
mudanças no olhar sobre a questão urbana, foi dado um novo ímpeto ao metropolitan
government. Sua renaissance8 estaria vinculada a novas idéias de design institucional e
novas formas de ação pública que se vêm processando na Europa e na América do
7 Destacam-se duas categorias constituídas na experiência real de metropolitan government, que são os seus níveis supra-municipal e intermunicipal. Os casos analisados para as décadas citadas foram os seguintes: Inglaterra, Holanda, Canadá, Estados Unidos e Itália. Em todos eles, pode ser constada uma certa falta de capacidade do sistema político local de governar o nível metropolitano (Lefèvre, 1998:15). 8 O caso mais claro de sucesso dos ‘novos’ governos metropolitanos seria o da cidade de Bolonha, na Itália, em que se atingiu um ‘acordo metropolitano’, sustentado principalmente pelo reconhecimento político do governo da metrópole pelos atores relevantes (Lefèvre, 1998:20).
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Norte, baseadas em valores como flexibilização, pelo processo de descentralização, e
participação local voluntária, com destaque na redução de constrangimentos à
cooperação (Lefèvre, 1998:18).
Resumindo, o item que mais desperta o interesse para o estudo, levando-se em
conta o federalismo brasileiro, é a colocação de Lefèvre sobre a importância da
construção social de um sistema de gestão compartilhada, sem o qual não é possível
estabelecer uma estrutura institucional apoiada na legitimidade junto aos atores políticos
locais, por um lado, e o necessário método de negociação, em que predominariam a
flexibilização, a parceria e a participação voluntária, de outro. A idéia da cooperação
dos atores envolvidos com a questão metropolitana, no sistema federalista adotado no
Brasil, será um dos temas centrais a ser discutido no decorrer deste trabalho, compondo
importante parâmetro para composição das considerações finais.
Seguindo em frente: estruturando as idéias
Após essa breve introdução teórica, sem maiores pretensões senão a de situar a
temática aqui trabalhada no campo de estudos pertinentes à ciência política, de forma a
deixar mais claros os caminhos a serem tomados, vale colocar como referencial teórico
balizador os pressupostos neo-institucionalistas, que são caracterizados no caso
brasileiro por ‘uma nova sensibilidade para a dimensão institucional da vida política’ e
em que, relativamente à temática aqui abordada, o estudo sobre o federalismo só tem
sentido para aqueles que consideram que as instituições têm efeitos discerníveis e
relevantes na vida política, influindo sobre as decisões dos atores e os resultados de
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suas ações (Almeida, 2001:13). Dois pontos fundamentais debatidos pelos neo-
institucionalistas, e que aqui ganham relevo na análise que se segue são, de um lado, o
fato de que as instituições modelam a política, influência que deriva do seu poder de
moldar a identidade, o poder e a estratégia dos atores, e de outro, a assertiva de que as
instituições são moldadas pela história, ou seja, o que ocorre antes condiciona o que
vem depois, em termos de trajetórias históricas e em momentos decisivos (Putnam,
1996).
As RMs, enquanto instrumentos válidos para pôr em prática a gestão
metropolitana, como está constitucionalmente definido, têm importância significativa no
desenvolvimento de políticas públicas responsivas e na participação cidadã na agenda
pública, em que se destaca seu papel para a consolidação democrática de um país ainda
marcado por fortes contrastes sociais.
Para um quadro claro das idéias contidas na presente dissertação, seguem abaixo
descrições sucintas dos capítulos, das hipóteses e da metodologia que serão trabalhadas:
- Primeiro capítulo: análise mais geral sobre o federalismo brasileiro,
correlacionando-o com o estatuto das RMs, pela sua origem, na carta de 1967, em pleno
regime autoritário, assim como por aquele instituído na constituição de 1988. Para tanto,
far-se-á um exame da teoria relativa ao assunto e, concomitantemente, uma análise do
material produzido legalmente referente à questão. O objetivo dessa parte é lançar a
hipótese de que há, no sistema federalista adotado, um forte viés restritivo a um
ambiente favorável ao estatuto das RMs, principalmente ao se considerarem as relações
intergovernamentais, desfavorecendo qualquer sistemática política, seja local, seja do
governo central, que dê legitimidade para seu funcionamento. É importante frisar que as
restrições que se pretendem mostrar não constituem, por assim dizer, a única fonte de
23
constrangimento à gestão metropolitana. No restante do trabalho procurar-se-á
demonstrar outras variáveis que interferem na possibilidade de funcionamento das RMs.
- Segundo capítulo: levantamento de alguns pontos do processo de urbanização
no mundo e no Brasil, principalmente os relativos à questão metropolitana, de forma a
compor um quadro teórico-empírico da crise que configura o meio urbano, dado o
aumento das desigualdades sociais e a degradação ambiental que compõe o atual quadro
de desafios da gestão das políticas públicas nas diferentes esferas de governo existentes.
Além da relevante contribuição teórica sobre o assunto, é utilizado um levantamento de
dados para embasar as hipóteses sobre o peso da crise urbana no rumo da sociedade
global, de um lado, e na possibilidade da gestão metropolitana via RMs, de outro. No
mínimo pode ser apontada certa urgência no estabelecimento de uma gestão integrada e
funcional para a resolução dos problemas urbanos crescentes, visivelmente
concentrados nas grandes metrópoles.
- Terceiro capítulo: estudo de caso da RM de Londrina–RML, segunda maior
cidade do estado do Paraná e terceira maior do Sul brasileiro, podendo ser enquadrada
como uma ‘metrópole emergente’9, em função de seu crescimento populacional e
importância na rede urbana brasileira, além de sua formação histórica. Serão analisadas
as condições específicas de sua institucionalização, ressaltando-se pontos importantes
para reflexão, embasadas ainda por um perfil demográfico e sócio-econômico da RML e
dos oito municípios que a compõe, montado com base nos dados do IBGE e de
instituições locais, como o governo do estado do Paraná e da prefeitura municipal de
9 Idéia elaborada para designar cidades consideradas ‘médias’ e que foram alvo de instituição de RM pelos seus respectivos estados, em contraposição às grande metrópoles já consolidadas, como São Paulo e Rio de Janeiro. Não quer dizer que, tanto no caso analisado de Londrina como das outras cidades que hoje são sedes de RMs, haja uma verdadeira configuração metropolitana estabelecida, uma vez que, como será visto no decorrer dos capítulos, há discrepâncias quanto aos conceitos adotados para designar as áreas que são metropolitanas ou não. E esse é só o primeiro ponto de discussão, pois há RM que nem sequer possui uma sistemática de gestão em vigor, como será demonstrado.
24
Londrina. A hipótese sugerida é a de que o caso da RML é exemplar de como a gestão
metropolitana se encontra esvaziada de suas funções, tanto pela sua fraqueza
institucional, resultado de um federalismo que não incentiva a cooperação entre seus
entes e da falta da construção social de uma forma de gestão legítima para a região em
destaque. Esta última hipótese é verificada metodologicamente por dois instrumentos:
1) pesquisa qualitativa realizada com os atores governamentais locais e 2) análise das
formas de gestão territorial adotadas pelos níveis de governo local e estadual quanto à
questão metropolitana.
Na última parte, fazem-se algumas considerações a respeito de cada um dos
assuntos tratados nos capítulos precedentes e das respostas encontradas às hipóteses
levantadas, durante toda a dissertação. A proposta que se quer lançar é, basicamente, a
de dar certa relevância à questão metropolitana brasileira, incluindo-a no debate sobre o
papel das instituições na condução do país a uma realidade mais democrática.
25
Capítulo I – Federalismo e regiões metropolitanas
O poeta municipal discute com o poeta estadual
qual deles é capaz de bater o poeta federal Enquanto isso o poeta federal
tira ouro do nariz (“Política literária”, poema de Carlos Drummond de Andrade).
A abertura política, pós-regime militar, instaurou no Brasil a transição para um
regime democrático representativo, que, por sua vez, construiu suas bases na
constituição de 198810, em que o princípio federativo de organização da nação foi
reafirmado e ampliado11, com a elevação do município à condição de ente federado,
promovendo a descentralização de competências e aumentando o número de atores
políticos em cena, fatores que, dado o contexto em que ocorreram, durante a assembléia
constituinte, foram considerados essenciais para se superar o período de autoritarismo e
instaurar uma nova fase na história brasileira, conhecida como ‘nova república’.
Amplamente defendido pelas forças progressistas que então comandavam a
transição do regime, dois princípios fundamentais foram adotados nesse processo de
mudanças: de um lado, tornou-se possível a ampliação da participação política no país
com a inclusão de novos atores na arena democrática. De outro, houve uma
descentralização do poder, essencialmente na questão tributária, distribuindo recursos e
atribuindo as competências entre os entes subnacionais, que agora deveriam assumir um
novo papel na promoção das políticas sociais. Mas o próprio desenho constitucional
para fazer valer tais princípios não seria tão simples assim, pois a (re) construção de um
10 Para uma leitura sobre a questão da transição de regimes, analisando criticamente o processo de retomada da democracia no país, ler Sader, Emir. A transição no Brasil: da ditadura à democracia? São Paulo: ed. Atual, 2ª edição, 1990. 11 Artigo 18 da constituição federal de 1988: “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”. As competências definidas para cada ente federado estão contidas a partir do artigo 21 ao 30.
26
sistema federal voltado para a divisão do poder político e tributário sem promover
desequilibro entre os entes federativos é tarefa intrinsecamente contraditória, gerando,
portanto, conflitos e tensões (Souza, 2001:514). Apesar de dar a impressão de que seria
gerado um impasse na consolidação democrática no país, isso não ocorreu
necessariamente, pois o novo federalismo, que pregou a descentralização do poder
político e financeiro, concorreu positivamente para a instalação da democracia pela
emergência de novos atores no cenário político e pela existência de vários centros de
poder soberanos que competem entre si (Souza, 2001:514). É importante observar até
que ponto os conflitos e tensões entre os entes federados influenciaram as instituições
democráticas, já que a natureza dessa relação também pode provocar impasses no
tocante a questões em que se faça necessária a cooperação entre os mesmos entes.
Tendo então por pano de fundo o período de redemocratização do país,
destacando-se o papel da constituição de 1988 e o regime jurídico-político por ela
criado, é importante trabalhar uma definição geral de federalismo, que comumente seja
aceita no campo de estudos concernente a área. Podemos, assim, enunciá-la como
[...] um conjunto de instituições políticas que dão forma à combinação de dois
princípios: autogoverno e governo compartilhado (self rule plus shared rule). A
federação é, assim, uma forma de organização política baseada na distribuição territorial
do poder e autoridade entre instâncias de governo, constitucionalmente definida e
assegurada, de tal maneira que o governo nacional e os subnacionais são independentes
nas suas esferas próprias de ação (Almeida, 2001:14).
Três características básicas ainda comporiam o perfil do federalismo, como
aponta Elazar (1986, apud Almeida, 2001:29): 1.Constituição escrita, que estabelece os
termos em que o poder é compartilhado, termos que só podem ser alterados por meio
27
de procedimentos extraordinários. 2. Não-centralização: independentemente de como
os poderes são compartilhados entre o governo nacional e os governos subnacionais, a
autoridade para participar no exercício daqueles poderes não pode ser tirada de uns e
outros sem consentimento mútuo. 3. Divisão do poder em bases territoriais. Trata-se da
formação de um pacto em que se procurar estabelecer um equilíbrio de poder por meio
de ‘pesos e contrapesos’ institucionais-legais.
O sistema federalista prevê ainda que haja a necessária cooperação entre os
pactuantes – a união e os entes subnacionais – de modo a proceder à manutenção da
distribuição territorial de poder que o pacto sela, e do qual a constituição deriva e que,
por sua vez, assegura. Por sua própria natureza, todavia, a diversidade entre os entes
federados e sua consequente rede de conflitos acabam exigindo que o federalismo tenha
uma vantagem importante para seu funcionamento que, segundo Burgess (apud
Abrucio, 2003:234) seria o de que
O gênio da Federação está em sua infinita capacidade de acomodar a competição e o
conflito em torno de diversidades que têm relevância política dentro de um Estado.
Tolerância, respeito, compromisso, barganha e reconhecimento mútuo são suas
palavras-chave, e ‘união’ combinada com ‘autonomia’ sua marca autêntica.12
A dicotomia entre cooperação e conflito seria então a marca indelével do
federalismo, que justamente se coloca como proposta para a coexistência de diferentes
autonomias sob o mesmo marco constitucional, uma obra de engenharia institucional
que teve na criação do federalismo americano a sua gênese e modelo.13
12 Burgess, M., “Federalism and Federation: A Reappraisal”. In: Burgess, M. E Gagnon, Alain (orgs.) Comparative Federalism and Federation. Londres, Harvest/Wheatsheaf, 1993. 13 Para um melhor estudo do federalismo americano através de sua principal obra, ver Madison, J., Hamilton, A. e Jay, J. Os Artigos Federalistas. Rio de Janeiro: ed. Paz e Terra, 1987.
28
Atualmente existem vinte e duas nações que adotam formalmente o sistema
federativo, e mais duas – Espanha e África do Sul – que, mesmo não o fazendo
constitucionalmente, funcionam como tal14. A característica fundamental desses países
que adotam o federalismo é a existência de heterogeneidades internas, que podem ser
tanto de ordem territorial, cultural, étnica, lingüística, política como socioeconômica.
O objetivo da estrutura federativa seria então o de garantir a unidade nacional
em realidades que comportam desigualdades diversas, realizando a formação da
federação por meio da função de come together – como se verificou historicamente nos
Estados Unidos – ou a do hold together – exemplo do caso brasileiro – para as
diferentes unidades político-administrativas, de acordo com a realidade histórica
vivenciada antes e durante a formação do pacto federativo.
Outros conceitos utilizados na literatura a respeito do federalismo são
importantes para que se possa compreendê-lo15, principalmente quanto a sua
problematização no que se refere à democracia. Em contraposição à afirmativa de Riker
(1964), de que o federalismo sempre causaria efeitos positivos para a democracia,
Stepan (1999) salienta que, por natureza, todas as federações restringem, em maior ou
menos grau, o poder dos cidadãos da pólis – demos constraining – gerando tensões no
sistema com a incorporação de grupos com poder de obstrução – blocking winset – que
buscam vantagens da posição adquirida – rent seeking rewards - e, assim, prejudicariam
sobremaneira qualquer possibilidade de um federalismo cooperativo. Não é consensual,
entretanto, esse diagnóstico16, existindo a percepção, por alguns autores, de que a
14 Watts, Ronald. Models of federal power Sharing. Ottawa, mimeo., 1999:10 (apud Abrucio, 2003:233). 15 O debate teórico sobre federalismo, feito de forma resumida e considerando-se o caso brasileiro em destaque, pode ser encontrado em Almeida (2001), artigo que é comentado na introdução. 16 Alfred Stepan faz uma opção pelo modelo da democracia majoritária em seu argumento, mas Lijphart (1984) lembra que esse não seria o único modelo possível, sendo mesmo criticado por assumir, de alguma forma, o pressuposto da tirania pela maioria.
29
democracia é condição para o funcionamento do federalismo que, se não garante a
consolidação democrática em um dado país, já que isso se deve, entre outros fatores, a
garantias de ordem política e cultural enraizadas na sociedade, ao menos é a forma mais
próxima de se chegar a esse objetivo.
O maior mérito do sistema federal não está no campo da eficácia econômica ou
administrativa, mas no campo das relações de poder [...] é o meio de organização
territorial mais apropriado para garantir, via democracia, estabilidade e legitimidade
políticas aos governos dos Estados nacionais cujas sociedades são marcadas por grandes
heterogeneidades de base territorial (Soares, 1998:138).
Sob quais condições se formou a federação brasileira e como a mesma tem
lidado com suas diferenças internas são temas a serem abordados ao longo do capítulo,
por constituírem, por assim dizer, questões importantes para o estudo e compreensão do
funcionamento das instituições, e de como as mesmas vêm respondendo à tarefa de
lidar, dentro do marco democrático, com a competição e conflitos constantes entre os
entes federados.
Por ser uma temática ainda incipiente no campo da ciência política no Brasil,
destaca-se a importância de aprofundamento do estudo, pois é difundida a crença de que
seria na estrutura federativa que se vislumbrariam os dispositivos institucionais que
possam facultar aos atores políticos promover as mudanças necessárias ao
desenvolvimento da democracia no país. A escolha das RMs, como objeto de análise, se
encaixa nesse pretexto e é, com base nela, que se pretende debater sobre um dos
maiores problemas brasileiros, a concentração urbana e seus efeitos na qualidade de
vida da população, como se pode ver nas grandes cidades e suas áreas metropolitanas,
30
que são a face escancarada da crise de um modelo de desenvolvimento que levou, nas
últimas décadas, a graves desigualdades sociais.
O presente capítulo está estruturado da seguinte forma:
1. Passagem sobre alguns aspectos históricos sobre o sistema federalista adotado
no Brasil, de forma a demonstrar importantes características que o marcaram;
2. Análise do marco político-jurídico das RMs, considerando seu contexto,
segundo sua aplicação nas constituições de 1967 e de 1988;
3. Destaque para alguns dos seus processos mais importantes, verificados no
período do regime militar ao da redemocratização, relacionados à questão da
centralização versus descentralização dos recursos territoriais de poder, às
relações intergovernamentais que se formaram na federação brasileira, a partir
da promulgação da constituição federal em 1988;
4. Considerações sobre o conteúdo deste capítulo, com o objetivo de demonstrar
como o sistema federalista brasileiro e as relações intergovernamentais vigentes
afetam o funcionamento do estatuto das RMs.
Nesta primeira parte tem-se por objetivo sustentar que a federação brasileira,
seja em sua gênese, como na forma como se estabeleceu, a partir do marco
constitucional de 1988, em decorrência da estrutura e do funcionamento de suas
instituições e sua rede de inter-relações, cria uma fonte de impasses na concretização do
planejamento e gestão metropolitana, impossibilitando que o próprio dispositivo
previsto na carta magna, as RMs, possa ser utilizado de forma satisfatória, atendendo às
demandas sociais resultantes da crise por que passam as metrópoles brasileiras.
31
Gênese do sistema federalista no Brasil – algumas considerações
Antes de propriamente trabalhar sobre a forma do sistema federalista, adotada a
partir de 1988, como propomos fazer, cabe ressaltar alguns elementos da sua história, já
que o federalismo nos acompanha desde que se instaurou a república, no final do século
XIX.
É importante ressaltar que já na época da colônia e do império afloraram
algumas das características que também marcariam o federalismo brasileiro. Como
aponta Carvalho (1993), a elite brasileira àquela época, tendo como objetivo a
manutenção da ordem, flertava com experiências ora de centralização, ora de
descentralização do poder, de acordo como os interesses oligárquicos que se
manifestavam quanto a esta ou àquela medida tomada pelo governo central. Em função
disso, surgiram, mesmo que não em seu sentido amplo, algumas propostas federalistas.
Os resultados negativos, nos casos em que foram implementadas, durante o período da
regência, ocasionaram a opção pelo modelo monarquista centralizador, que por sua vez,
desgastando-se a partir da década de 1860, viu voltar o embate em torno dos ideais de
federalismo, na bandeira do republicanismo. O movimento que pedia a
descentralização, via república e federação, não tinha em vista, entretanto, a totalidade
da população, visto que se filiava historicamente ao elemento localista que se
manifestava, prioritariamente, a favor dos interesses privados das oligarquias,
controladoras efetivas da vida política nacional.
Seguindo a argumentação, considerar-se-ão as primeiras constituições adotadas
no Brasil no século XIX, levantado duas importantes reflexões do pensamento social
brasileiro sobre a então recente história republicana, instaurada em 1889 – e resgatando-
se também alguns dados importantes da constituição imperial de 1824. Uma delas é de
32
autoria de Vitor Nunes Leal, que trata da posição do município na federação, bem como
das relações intergovernamentais, desde o império até a constituição de 1946. A outra é
uma crítica contundente à constituição de 1891 e o regime por ela imposto, feita por
Oliveira Viana.
Com o advento da república, a forma federativa era então inaugurada na
constituição de 1891. União, estados e municípios se tornavam entes federados, dotados
cada qual de suas competências e atribuições específicas, constitucionalmente definidas.
Destarte, verificou-se que a carta maior então vigente dedicou uma parcela menor de
poder político às municipalidades, o que muito lhes restringiu as possibilidades de
autonomia, principalmente frente à tutela que foi imposta no plano federal, pela União,
como pelas constituições estaduais subseqüentes. Dada a liberdade dos estados em
preparar suas próprias constituições, interpretando livremente o texto federal, abriu-se
espaço para que as elites políticas estaduais concentrassem poder em suas mãos,
amarrando o município aos seus interesses em termos políticos e econômicos. Vitor
Nunes Leal (1949) observa que esse fenômeno viria a se manifestar em outros
momentos da histórica brasileira, em que, até a primeira metade do século XX, o
município, apesar dos avanços que obteve em sua autonomia, notadamente com a
constituição de 1946, não logrou livrar-se das amarras do regime de tutela estadual,
mostrando como, àquele tempo, as condições de vida moderna são mais favoráveis à
extensão dos poderes centrais do que o desenvolvimento das atribuições municipais
(Leal, 1949:97), pois os mecanismos de controle embutidos nas constituições aliados à
característica hierárquica do poder no Brasil concorreram para que o nosso federalismo
se desenvolvesse a custa do municipalismo, o que ainda parece ser uma situação
encontrada no país. Afinal, os municípios não conseguiram, na constituição de 1967 e
33
no período do regime militar, o fim de sua tutela, pelo contrário, observaram justamente
uma concentração hierárquica de poder ainda maior na esfera federal, oriunda de um
regime de exceção e intervenção que restringia qualquer autonomia, principalmente em
recursos políticos e econômicos. Foi nesse período que surgia o instrumento
constitucional das RMs, fato que as marcaria negativamente, como veremos mais
adiante, ao analisar as características da constituição federal de 1988.
Em suma, temos que, somente após praticamente um século da instituição do
sistema federalista no Brasil, com o advento da república, o município pôde encontrar a
sua autonomia e obter reais poderes governativos sobre a esfera local, graças em grande
parte ao ambiente da redemocratização do país, na década de 1980, cujo espírito
permeou a construção de um novo contrato para a nação, valorizando princípios como o
da descentralização do poder, visto como essencial para superação do regime anterior.
Seria então o fim do regime de tutela, como nos mostrou Vitor Nunes Leal? Estariam
harmonizadas as relações intergovernamentais entre os entes federados, sem haver mais
a hierarquização do poder, apagando de vez essa característica marcante de nossa
história política? Talvez não tenham sido bem estes os caminhos adotados a partir de
1988, como veremos mais adiante.
Se o município, desde seus primórdios, não conseguiu encontrar livre terreno
para o desenvolvimento de suas potencialidades, uma vez que estava amarrado ao
regime de tutela, podemos apontar um dos motivos para que o mesmo ocorra: as bases
político-ideológicas sobre as quais se instituiu o federalismo no Brasil. Oliveira Viana
(1949), em tratamento direto à questão, nos dá pistas importantes para compreender o
fenômeno sobre um prisma de análise mais aprofundado, confrontando as instituições
34
brasileiras, como escritas nas constituições, frente à realidade social, a cultura e os
costumes do povo.
Tanto na constituição do império, de 1824, quanto na republicana, de 1891,
pode-se dizer que suas ‘fontes ideológicas’ eram exógenas, distantes de qualquer
fenômeno que pudesse ter suas origens em elementos nacionais. Não havia uma
motivação advinda das aspirações coletivas da sociedade que as substanciasse. O ideal
democrático é, destarte, [...] uma pura criação de nossas elites dirigentes (Viana,
1949:370), fato devido ao que se pode chamar de ‘vacuidade da vida pública’, ou seja, a
falta de interesse público constituído. Havia sim, nas duas primeiras constituições, após
a independência, um ponto importante que explicaria o porquê dos seus fracassos e
disparidades: a diferença entre o direito-lei instituído e o direito-costume que
efetivamente conduzia nosso comportamento político, que tinha por base uma realidade
calcada em nossos antecedentes históricos e na influência do subconsciente dos usos e
costumes tradicionais e seus complexos culturológicos (Viana, 1949:374).
A constituição republicana de 1891 não foi outra coisa senão uma obra
doutrinariamente bela, [...] heterogênea do democracismo francês, do liberalismo
inglês e do federalismo americano (Viana, 1939:141), mas que, uma vez em uso, trouxe
aos seus próprios defensores o desapontamento ante o suposto fracasso, dado o
desacordo do idealismo da Constituição e a realidade nacional (Viana, 1939:146). O
momento histórico em que se processou, bem como a própria nação seriam as razões
para o insucesso da ‘crença nas fórmulas escritas’ e do ‘culto das generalidades’, que
Oliveira Viana apontava como o espírito que movia os constituintes republicanos,
cegando-os a uma interpretação mais própria da realidade social, que à época era
desprovida das estruturas democráticas necessárias – como a existência de uma ‘opinião
35
pública’ arregimentada e soberana – para a concretização das aspirações republicanas
encarnadas na carta magna de 1891.
Revisaram-se aqui brevemente alguns dados fundamentais para se compreender
melhor o sistema federalista adotado no Brasil. Com base neles, procuramos demonstrar
como, desde o século XIX, já surgiam elementos que nos ajudam a mostrar como, tanto
no plano prático das relações intergovernamentais como no plano ideológico, os
conflitos que marcariam a realidade sócio-política, em contraste com os textos
constitucionais, seriam a tônica do desenvolvimento histórico brasileiro, perpetuando
problemas que ainda hoje requerem muita atenção, principalmente no tocante a reduzir
a distância entre o ‘Brasil legal’ e o ‘Brasil real’.
As Regiões Metropolitanas nas Constituições Federais de 1967 e 1988.
O marco jurídico-político das RMs configurou-se sob o regime autoritário. Foi
na constituição de 1967 que pela primeira vez a questão metropolitana recebeu
tratamento oficial por parte do governo federal.17 Com a crescente urbanização
brasileira, sobretudo nas metrópoles, os problemas decorrentes de tal processo se
tornaram cada vez mais visíveis, gerando inclusive movimentos que reivindicavam uma
ação pública mais eficaz no atendimento às novas demandas geradas pelos meio
urbanos, como por exemplo, nas áreas de habitação e saneamento.
17 Artigo 164 da constituição federal de 1967 : A União, mediante lei complementar, poderá, para a realização de serviços comuns, estabelecer regiões metropolitanas, constituídas por municípios que, independentemente de sua vinculação administrativa, façam parte da mesma comunidade sócio-econômica. Nota-se aqui a denotação econômica que se quis dar à questão metropolitana, enquadrando-a como uma categoria de planejamento de competência exclusiva da união, arbitrando aos demais entes subnacionais sua participação compulsória, sem em contrapartida terem qualquer possibilidade de regular suas regiões.
36
Longe de ser resultado de um exame das experiências que existiam em alguns
estados, que já trabalhavam formas de administração que envolvessem as áreas
metropolitanas, ou mesmo de um debate mais aprofundado sobre a temática, o
tratamento dado às RMs limitou-se a inseri-las numa visão estritamente de
racionalização econômica e funcional do espaço, tutelando e subordinando as esferas
locais ao planejamento restrito ao governo federal, fazendo com que, enfim, se
reduzisse consideravelmente a possibilidade de cooperação e participação democrática
de todos atores políticos envolvidos no processo.
A lei complementar nº14, de 1973, que viria regulamentar a instituição de nove
RMs18, teve duas características marcantes: de um lado, o longo período que transcorreu
para a ser editada, demonstrando, além do fato de não se tratar de um a prioridade para
o governo da época, o quanto complicado era chegar à sua definição legal o que, mesmo
assim, não resolveria o problema, uma vez que os demais decretos19, que criariam os
dispositivos para tratar das RMs, só seriam editados tardiamente. Por outro lado, tratou-
se de uma lei imposta ‘de cima pra baixo’, ou seja, seu estatuto teve origem nos órgãos
federais, excluindo qualquer possibilidade de participação dos estados e municípios na
sua formulação, ficando estes submetidos compulsoriamente a aceitar a condição
metropolitana segundo os critérios – por demais genéricos – estabelecidos por um
planejamento centralizado, que desconsiderava as experiências já existentes ou a real
situação dos entes que viriam a constituir as regiões. A legislação então consolidada
limitou-se a cuidar do aspecto administrativo, negando personalidade político-jurídica
18 Foram elas: São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém e Fortaleza. Em 1974 viria a lei complementar nº 20 que, com a dissolução do estado da Guanabara, acabaria por criar a região metropolitana do Rio de Janeiro. 19 Decreto nº74.156, de 1974, que criava a Comissão Nacional das Regiões Metropolitanas e Política Urbana–CNPU, e Decreto nº85.916, de 1981, que regulamentava a administração pública federal nas regiões metropolitanas. Ambas seriam revogadas a partir da nova carta magna que entrou em vigor em 1988, determinando um novo marco institucional para a questão.
37
autônoma às RMs, ou seja, não desejou questionar ou colocar em risco, desta forma, o
sistema federalista implantado (Guimarães, 2004), até porque, ao adotar tal caminho,
esbarraria em complicadas questões jurídicas, que inviabilizariam de vez qualquer
tentativa de se organizarem as áreas metropolitanas.
Com a redemocratização, na década de 1980, e sua nova carta magna, as RMs
encontrariam novamente espaço constitucional20. O espírito de descentralização,
produto da crença que a mesma aumenta a eficiência governativa e promove a
democracia, daria agora a incumbência da criação e regulação das RMs aos estados-
membros que, com suas constituições, ficariam livres para interpretar a letra
constitucional e assim aplicar as próprias formas de planejamento. A distribuição de
competências empreendida visou dar atendimento à diversidade de interesses públicos
que, com a abertura política, se tornaram crescentes, procurando assegurar a autonomia
dos entes federados e garantir-lhes, com a Constituição, um relacionamento orgânico e
cooperativo. Dentro desses princípios deveria então prevalecer o interesse mútuo na
resolução dos problemas metropolitanos pela ‘organização, planejamento e execução de
funções públicas de interesse comum’, possibilitadas no arcabouço institucional das
RMs. Mas, paradoxalmente, em especial na área social, o governo federal teve, a partir
da década de 1990, aumentada a sua responsabilidade, em contraponto ao movimento
pela descentralização. As chamadas competências concorrentes acarretaram certo
embaraço jurídico, pois acabavam criando um clima de indefinição e falta de clareza
conceitual que, por sua vez, implicariam prejuízo no trato da questão metropolitana, já
20 Artigo 25, parágrafo 3º da constituição federal de 1988: Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum. Apesar de existir em alguns estados a figura das aglomerações e das microrregiões, a presente dissertação será especialmente direcionada à questão metropolitana, por se constituir um objeto de análise mais qualificado.
38
que esta é permeada por diretrizes que prevêem o destaque das tarefas a serem
executadas pelos entes federados, seja complementarmente ou concorrentemente.
Como pode ser observado no quadro 01, em somente três dos estados brasileiros
– Acre, Amapá e Roraima – não consta, em suas constituições, qualquer regra para a
criação de RMs. Justamente por terem sido territórios federais e, com a constituição de
1988, passado à condição de estados, aliado o fato de não haverem sofrido um processo
acelerado de urbanização em sua história, talvez não seja realmente necessário que haja
ainda uma legislação nesse sentido. Quanto aos demais estados, podemos classificá-los
segundo a ordem de detalhamento que dão à incumbência que receberam – se
simplesmente repetiram o texto constitucional, ou se definiram melhor as RMs em suas
legislações estaduais. Podemos ver que, analisando as constituições de cada estado, fica
sempre pendente ‘a melhor definição’ para uma lei complementar vindoura, que
somente existirá conforme o executivo e/ou legislativo de cada estado conjuguem seus
interesses nesse sentido. Dos vinte e seis estados brasileiros, dezessete têm RM
oficialmente criada, sendo nove delas durante a vigência do regime militar e todas as
demais na década de 1990, período fértil na criação de RMs no país. Alagoas, Bahia,
Maranhão, Pará e Pernambuco, Piauí, Roraima, Sergipe e Tocantins foram os que quase
nada acresceram ao que a carta magna designou, mesmo já tendo, no caso baiano,
paraense e pernambucano, suas regiões instituídas desde 1973, o que demonstra o pouco
interesse suscitado pelo assunto. Os quatro últimos nem regiões criaram, exemplo
seguido por Amazonas, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul que, mesmo tendo
legislações bem detalhadas, não concretizaram qualquer plano metropolitano em seus
territórios. O vazio institucional no tocante às RMs, deixado pela assembléia
constituinte, ao concluir seus trabalhos, pode ter como possível causa o quadro
39
anteriormente descrito. Sem o interesse e a vontade política de se levar tal bandeira
adiante, ficou a cargo de cada estado, com sua tradição de planejamento, designar ou
não um destino para a questão metropolitana, tornando-a tão heterogênea em sua
definição e aplicação que, com os problemas urbanos crescentes nas metrópoles, acaba
por suscitar maior debate em torno de si e da sua utilidade para resolver esses
problemas.
Houve pouco interesse nas RMs durante o processo de redemocratização do país
e, a partir de então, o tratamento dado às mesmas pelos entes políticos mostra que não
as têm considerado um instrumento que possa efetivar, em escala supramunicipal, um
planejamento integrado que dê resposta às urgentes demandas das grandes metrópoles.
Nem mesmo o estatuto das cidades21, lei aprovada em 2001, depois de uma década de
lutas pela reforma urbana, vital para um desenvolvimento sustentável do país,
estabeleceu um aprofundamento maior sobre a questão.
É importante notar que sem a devida participação dos atores políticos locais no
processo, legitimando assim as regiões como instrumentos democráticos de participação
das resoluções sobre políticas públicas para suas respectivas áreas, o vazio institucional
de sua legislação incompleta tenderá a permanecer.
21 Lei nº10.257, de 10 de julho de 2001: Regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. No estatuto só constam três artigos que fazem referência ao assunto: art. 4, sobre os instrumentos de política urbana, art. 41, sobre a obrigatoriedade do plano diretor para municípios pertencentes à regiões metropolitanas, e art.45, que versa sobre a necessidade de controle social dos organismos gestores das regiões metropolitanas via participação popular.
40
Quadro 01 – Legislação sobre RMs e unidades criadas, tendo por base as constituições estaduais brasileiras pós-constituição de 1988.
Unidade da Federação Legislação sobre RMs RMs criadas por lei complementar
Acre Não possui. Nenhuma.
Amapá Não possui. Nenhuma.
Amazonas Art. 54, inciso XXIV e art. 140. Nenhuma.
Pará Art. 50, §2º RM de Belém
Rondônia Art. 6 Nenhuma. Roraima Não possui. Nenhuma.
NO
RTE
Tocantins Art.18, §2º, alínea e. Nenhuma. Distrito Federal Não se aplica. Não se aplica.
Goiás Art.4 inciso I alínea a; art.90 e 91 RM de Goiânia
Mato Grosso Art. 302 e 303 Nenhuma.
CE
NT
RO
-O
EST
E
Mato Grosso do Sul Art. 16 Nenhuma. Alagoas Art.41 RM de Maceió
Bahia Art.6, 11 alínea XVI e art.61 dos ADCT. RM de Salvador
Ceará Art. 4, 32, 34, 38, 43, 44, 203, 208, 210, art. 1º dos ADCT1 e emendas constitucionais nº34 e 38.
RM de Fortaleza
Maranhão Art. 25, 26, 127 §10 alínea d, 188 e art.19 dos ADCT1 RM da Grande São Luís
Paraíba Arts. 24 ao 29 e art. 274. RM de João Pessoa
Pernambuco Art.18, parágrafo único, inciso XV; art.37, inciso XXVII e art.146, § 1º. RM de Recife
Piauí Art.38 e Art.70, inciso VI Nenhuma.
Rio Grande do Norte Art.18, inciso III e art.112, §5º RM de Natal
NO
RD
EST
E
Sergipe Art. 11, §1º e art.46, inciso XI RM de Aracaju
Espírito Santo Art. 55, inciso XII e Art. 216 RM de Vitória
Minas Gerais Art.10; Arts. 42 a 50 RM de Belo Horizonte e RM do Vale do Aço
Rio de Janeiro Art. 75 e 98. RM do Rio de Janeiro
SUD
EST
E
São Paulo Art. 23, parágrafo único, inciso XVII; Arts. 153, 154 e 158.
RM de São Paulo, de Campinas e da Baixada Santista
Paraná Arts. 21 ao 26. RM de Curitiba, de Londrina e de Maringá
Rio Grande do Sul Arts. 16 ao 18, Art. 52, 100, 177, 179 e arts. 2 e 56 dos ADCT1. RM de Porto Alegre
SUL
Santa Catarina Art. 114 RM de Florianópolis, do Norte e Nordeste Catarinense, do Vale do Rio Itajaí, da Foz do Rio Itajaí, Carbonífera e de Tubarão
Fonte: Constituições estaduais promulgadas após 1988 nas 26 unidades federadas. (1) ADTC – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
41
Alguns elementos da não-cooperação institucional
Em muitos países federais, a redemocratização, a descentralização e as novas
Constituições mudaram o papel dos entes federativos. O Brasil é um exemplo em que
todos estes fatores ocorreram simultaneamente (Souza, 2001:513). Mas, dada as
peculiaridades que marcaram o caso brasileiro, o resultado da soma desses fatores não
ocorreria de forma harmoniosa. O ‘novo federalismo’, aliado à descentralização político
e financeira promovida pela constituição, se embasaria na necessidade de acomodar
demandas regionais conflitantes em um país marcado pelo alto grau de desigualdades
inter e intra-regionais (Souza, 2001:547)
Em função das características do federalismo brasileiro, tal como foi delineado
pela constituição federal de 1988, considerar-se-ão alguns elementos que possam
indicar uma disposição não-cooperativa entre os três níveis de governo, de forma a
verificar até que ponto os mesmos desenvolveram ou não políticas conjuntas para a
solução de problemas comuns, requisito fundamental para o funcionamento das RMs.
A redemocratização foi assinalada no país por um movimento social e político
de grande envergadura, que mudou significativamente os rumos da nossa sociedade,
criando as bases sobre as quais se deveria conduzir o Brasil: a condição de uma
democracia plena, livre de quaisquer influências que pudessem remontar aos tempos de
ditadura, essa, que por sua vez, deveria ser simbolicamente ‘enterrada’. Foi esse o
espírito que guiou os trabalhos dos deputados constituintes, que procuraram, ao redigir a
nova carta, expurgar todos os elementos que pudessem representar centralização
demasiada de poder na esfera federal, dando assim a estados e municípios um papel de
42
maior participação política, ao redistribuir e definir competências, antes agregadas nas
mãos da união.
Como as RMs tiveram sua origem sob o marco centralizador do período
autoritário, quando era predominante o papel do governo federal no planejamento e
execução de políticas públicas, em detrimento da participação dos entes subnacionais,
pode-se aqui apontar uma potencial fonte de constrangimento que então permearia seu
debate na assembléia constituinte, tirando-a da agenda política da redemocratização
devido a sua ‘rota dependente’.
Os constituintes de 1988, ao romperem com os modelos e as práticas de centralização,
às quais as RMs estavam associadas, mostraram que não havia espaço (ou os custos
seriam muito altos) para se reverter a equação centralização + autoritarismo que marcou
a institucionalização das RMs brasileiras no regime militar. (Souza, 2003:140)
Sendo assim, dificilmente os estados, facultados pela nova carta a criar RMs em
seu território, trariam para suas constituições um melhor arcabouço institucional para a
questão.22 O vazio político-administrativo subsequente a que estaria fadada a gestão
metropolitana fez com que a mesma não tivesse clareza conceitual e prática, em função
principalmente do formato federativo adotado após 1988, de predomínio da União na
formulação e aplicação de políticas públicas e de restrição relativa da autonomia dos
entes subnacionais, num complexo e conflituoso sistema de relações
intergovernamentais, em que a cooperação nunca encontrou terreno favorável para
desenvolver-se com parcerias a fim de promover as funções públicas de interesse
comum. 22 Como visto no quadro 01, poucos estados dedicaram uma legislação mais específica para a questão metropolitana, ficando a maioria com a opção de somente copiar a legislação federal, sem no entanto encaminhar, em suas respectivas jurisdições, leis criassem e regulassem possíveis RMs.
43
Uma vez reconhecida a dependência do estatuto das RMs de um consenso e
cooperação político-administrativo entre estados e municípios, de modo que se
conjugassem ações governamentais em ambos os níveis para o planejamento regional,
cabe agora apontar quais obstáculos poderiam surgir na dinâmica das relações
intergovernamentais, configurando uma situação desfavorável ao funcionamento
institucional metropolitano.
Um forte ingrediente inibidor da ação regional de integração seria o teor
municipalista com que se revestiu a constituição de 1988, em que o grau de
descentralização e autonomia foram levados a novos patamares, ao se elevar o status do
município a ente federado. Mas tal condição tem embasamento histórico, uma vez que a
ideologia municipalista constituiu uma das construções discursivo-programáticas mais
antigas e resilientes da cultura política brasileira (Melo, 1993:83), sendo durante a
década de 1930 e o Estado Novo tomada como uma importante estratégia de ‘nation-
building’ pelas elites governamentais, mas sem movimento social que lhe desse
sustentação popular, o que até hoje consagraria o municipalismo como ‘inconcluso e
desigual’. Esse caráter desagregador que o municipalismo possui, e que ganhou relevo a
partir do final dos anos 1980, impede fortemente o estabelecimento do conceito e da
prática regional de planejamento e integração de políticas públicas. Subproduto da
exacerbação das autonomias subnacionais, o valor dado à competividade inter-citadina,
que se reduz ao condicionamento econômico-administrativo, se mostraria predatório a
modelos cooperativos, como os das RMs. Além desses, outros fatores institucionais,
ligados a op ões políticas adotadas do decurso histórico pós-1988, viriam a avolumar a
gama de obstáculos já existentes.
44
A distribuição de competências e o novo papel assumido de maior autonomia
política e tributária pelos entes subnacionais redefiniu a dinâmica das suas relações, que
então ficariam marcadas pela competividade. Durante a década de 1990, num cenário de
crise fiscal e redefinição do papel do Estado em tempos de globalização, – movimentos
que fomentariam a recentralização de recursos, no caso brasileiro – houve um aumento
nas tensões entre os níveis de governo, ambiente que em nada favoreceria a necessária
cooperação para os arranjos metropolitanos. Esse fato explicaria a ausência de uma
articulação horizontal que possibilitasse uma gestão política da região, com participação
de todos os atores envolvidos com um projeto de governança genuinamente
democrática, só alcançável por meio de inovações no plano legal e, principalmente, de
vontade e negociação política. O desafio seria então o de dar vida à gestão
metropolitana, por meio da integração dos atores governamentais e a sociedade no
processo decisório, princípio que deve ser legalmente regulado e aplicado
incondicionalmente para que a RM possa ser um instrumento válido de
desenvolvimento regional (Farah, 2003).
Se a possibilidade de funcionamento institucional das RMs encontra obstáculos
no plano jurídico, com a questão das competências concorrentes e a definição das
funções públicas de interesse comum, aliada ao seu aspecto vago em relação à sua
estrutura e funcionamento deixado pela constituição de 1988, podemos notar que no
plano político também se revelam mais problemas, que se tornam aparentes na dinâmica
das relações que se desenvolveram – desde a fundação da República, como analisamos
anteriormente – entre união, estados e municípios. A questão tributária pode ser
apontada como a principal fonte desses problemas, marcadamente durante a segunda
metade da década de 1990, quando fatores exógenos – crises internacionais na Ásia e na
45
Rússia – e a política macroeconômica de sustentação do plano real pelo governo federal,
com a recentralização de recursos, criariam constrangimentos à ação governamental dos
entes subnacionais, golpeando suas autonomias e aumentando conseqüentemente o
conflito no interior da federação.
Em vez de avançar na direção de consolidar a descentralização obtida em 1988, os
últimos desdobramentos [conflitos entre os entes federados] recuaram com o aumento
da interferência do governo federal na tomada de decisões a serem implementadas a
nível subnacional. (Rezende e Afonso, 2004:326, grifo nosso)
Os antagonismos existentes somente cresciam e, por isso, nada favoreceriam a
instalação de um federalismo cooperativo. A própria constituição deixava um legado
negativo para essa possibilidade, ao promover quatro movimentos que teriam um
impacto decisivo nas relações intergovernamentais: o desequilibro entre a repartição de
recursos e atribuições; as desigualdades na repartição de recursos entre estados e
municípios; o incentivo à criação de novos municípios; e a dissociação das tendências
de concentração de demandas e de recursos. O impacto de tais movimentos aponta para
a dificuldade de conciliar a descentralização fiscal com as desigualdades regionais,
quando seria necessária melhor compreensão da dinâmica demográfica – que fomenta
na história da urbanização brasileira a metropolização da pobreza – para a correção
desses desequilíbrios (Rezende, 1999).
As desigualdades inter-regionais se manifestam de diferentes formas no
território, sendo que uma delas pode ser verificada em relação à distribuição de
recursos. A dependência dos municípios em relação às transferências da união é um
exemplo que pode nos demonstrar o grau de comprometimento da menor entidade
46
territorial em sua autonomia. A maioria das prefeituras no Brasil, notadamente dos
municípios com menor população, se deparam com baixa capacidade de investimento
em função de seus orçamentos, já que grande parte de suas despesas se concentra no
funcionalismo público, acarretando maior dependência de repasses das outras esferas de
governo para complementar a baixa arrecadação. Considerando-se então a lei de
responsabilidade fiscal23, o problema da autonomia para o município se tornou maior,
uma vez que passa a ter a obrigação de promover uma gestão responsável de suas
finanças, podendo sofrer represálias político-econômicas, se não se adequar.
Tabela 01 - Total de municípios, total geral de receitas e transferências da união, segundo classes de tamanho da população dos municípios, grandes regiões e unidades da federação - 1998-2000
Total geral de receitas (1 000 R$)
Transferências da União (1 000 R$)
Relação Transferências da
União X Total Geral de Receitas
Classes de tamanho da população dos municípios e
Grandes Regiões 1998 2000 1998 2000 1998 2000
Brasil 64.658.918 73.222.738 18.456.403 23.477.388 28,5% 32,1%
Municípios com até 100 mil hab. 25.731.240 30.366.471 10.523.373 13.290.241 40,9% 43,8%
Municípios com mais de 100 mil hab. 38.927.678 42.856.266 7.933.030 10.187.147 20,4% 23,8%
Norte 2.697.911 3.263.995 1.104.671 1.356.821 40,9% 41,6%
Nordeste 11.041.037 13.107.518 5.014.824 6.645.271 45,4% 50,7%
Sudeste 32.987.232 36.534.775 5.742.734 7.835.256 17,4% 21,4%
Sul 10.332.318 11.167.076 3.217.036 3.575.895 31,1% 32,0%
Centro-Oeste 7.600.420 9.149.373 3.377.137 4.064.144 44,4% 44,4%
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais, Pesquisa de Informações Básicas Municipais 1999/2001.
Na tabela 01, observamos que, num curto período de dois anos, houve um
aumento da dependência das receitas dos municípios em relação às transferências da
união (de 28,5% a 32,1%), fato que se agrava quando se trata do conjunto de municípios
com população de até 100 mil habitantes (43,8% em 2000, e somente 23,8% para
municípios com mais de 100 mil habitantes). Nas grandes regiões fica bem marcada 23 Lei complementar nº101, de 4 de maio de 2000, que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade de gestão fiscal. Seu objetivo é o de fazer com que o poder público não gaste mais do que arrecada, evitando um aumento da dívida pública.
47
maior dependência dos municípios do norte e nordeste e centro-oeste (em 200, 41,6%,
50,7% e 44,4%, respectivamente) frente aos do sudeste (21,4%) e sul (32%), o que
reafirma as disparidades inter-regionais brasileiras que estão na base dos conflitos entre
os entes federados, dificultando sua cooperação.
Considerar o município vizinho como um parceiro para o desenvolvimento de
atividades de interesse comum não parece ser a tônica no caso brasileiro. Se
considerarmos a área de desenvolvimento urbano como algo que cidades de um mesmo
complexo metropolitano deveriam compartilhar, com planos e programas conjuntos,
uma vez que essa seria a área que responde pelo planejamento citadino, vemos que no
Brasil a cooperação por intermédio de consórcios ou ações integradas, mesmo em áreas
não-metropolitanas, está longe de ser concretizada. Como consta na tabela 02, só 4,4%
dos municípios no país participavam de algum consórcio e apenas 3,8% afirmam
desenvolver algum tipo de ação integrada com outro município. É muito pouco,
considerando-se a emergência de problemas metropolitanos, principalmente nas áreas
periféricas. Mesmo nas cidades com mais de 100 mil habitantes, em que se encontram a
maioria das cidades-pólo de RMs, os dados demonstram que o número de cidades que
participam de consórcios (16%) e em que há algum tipo de ação integrada (19,5%) se
encontram em patamares muito baixos. Considerando as grandes regiões, prevalecem,
mais uma vez, as desigualdades, apesar das diferenças de percentual serem baixas. O
sudeste apresenta maior número de municípios em situação de cooperação com os
demais (7,1% em consórcios e 5,3% em ações integradas), desempenho melhor do que a
média nacional e acima das demais regiões. Tal quadro nos sugere que o princípio
cooperativo, no caso dos municípios, não ocupa espaço de relevo em sua agenda
48
política, que é pautada em reivindicações por uma partilha dos recursos que lhe seja
mais favorável numa possível reforma tributária.
Tabela 02 - Municípios, total e com existência de ações integradas com outro(s) município(s) e/ou consórcio municipal, na área de desenvolvimento urbano, segundo classes de tamanho da população dos municípios e grandes regiões, ano 2002.
Municípios
Desenvolvimento Urbano (total e percentual)
Com existência de consórcio intermunicipal
Com existência de ações integradas com outro(s)
município(s)
Classes de tamanho da população dos municípios e
Grandes Regiões Total (1)
Absoluto Percentual Absoluto Percentual
Brasil 5 560 242 4,4% 210 3,8%
Municípios com até 100 mil hab. 5329 205 3,8% 165 3,1%
Municípios com mais de 100 mil hab. 231 37 16% 45 19,5%
Norte 449 14 3,1% 07 1,6%
Nordeste 1 792 67 3,7% 44 2,5%
Sudeste 1 668 119 7,1% 88 5,3%
Sul 1 188 27 2,3% 62 5,2%
Centro-Oeste 463 15 3,2% 9 1,9%
Fonte: IBGE – Pesquisa de Informações Básicas Municipais 2002. (1) Inclusive os ignorados e os sem declaração de existência.
A abrangência dos efeitos da ação do homem sobre o meio ambiente extrapola
visivelmente os limites territoriais dos municípios, tornando a questão ambiental uma
área que requer necessariamente a participação dos três níveis de governo para
planejamento e execução de políticas públicas. Quando, por exemplo, as atividades
industriais de um município poluem os rios que o cortam, toda a bacia hidrográfica
correspondente àquela área fica comprometida, por vezes estendendo-se os efeitos até
mesmo a outro estado. Por isso a busca por soluções, uma vez desencadeados os
problemas, teria melhor tratamento se fosse feita de forma conjunta. De qualquer forma,
a prevenção, ação preferível quando se trata de políticas públicas, deve ser
fundamentalmente exercida pelas prefeituras, que podem melhor monitorar as
atividades desenvolvidas no seu espaço, definindo regras ambientais para as indústrias e
49
ampliando o sistema de saneamento básico para toda a população. Outra tarefa
importante seria desenvolver parcerias com municípios limítrofes, de modo a
operacionalizar, conjuntamente sobre uma mesma região, ações e regras comuns de
preservação do meio ambiente, ampliando assim a cobertura preventiva e diminuindo
consideravelmente as chances de proliferação de um possível acidente ambiental.
Tabela 03 – Municípios com e sem participação em consórcio intermunicipal ou outra forma de associação na área ambiental, por tipo de tema abordado, e com ou sem participação em comitê de bacia hidrográfica.
Com participação em consórcio intermunicipal ou outra forma de associação de municípios na área
ambiental
Tipo de tema abordado no consórcio (2)
Comitê de Bacia Hidrográfica
Classes de tamanho da população e Grandes Regiões
Total (1)
Total Planos
Diretores
Zoneamento ecológico-econômico
regional
Sem participação em consórcio
ou outra forma de
associação de municípios Com
participação Sem
participação
Total 5.560 19,7% 26,6% 18,4% 80,3% 46,8% 53,1%
Municípios com até 100 mil hab. 5.329 18,5% 26,3% 17,5% 81,4% 45,6% 54,3%
Municípios com mais de 100 mil hab. 231 45,9% 29,2% 26,4% 54,1% 74,5% 25,5%
Norte 449 6,0% 22,2% 29,6% 93,8% 3,6% 96,2%
Nordeste 1.792 10,4% 31,7% 20,4% 89,5% 27,7% 72,2%
Sudeste 1.668 26,7% 30,8% 19,1% 73,3% 81,7% 18,3%
Sul 1.188 28,5% 21,0% 14,2% 71,5% 50,0% 50,0% Centro-Oeste 463 21,2% 18,4% 22,4% 78,8% 29,2% 70,8%
Fonte: IBGE – Pesquisa de Informações Básicas Municipais 2002. (1) Inclusive os ignorados e os sem declaração de existência. (2) Um mesmo município pode apresentar mais de um tema abordado no consórcio inter-municipal
Na tabela 03 pode-se observar o quanto os municípios brasileiros estão ou não
engajados em desenvolver cooperação no tocante ao meio ambiente. Escolheram-se três
áreas que, por sua relevância para o estabelecimento de uma possível parceria
intermunicipal, foram destacadas para análise. São elas: normas conjuntas descritas nos
respectivos planos diretores, zoneamento ecológico-econômico regional para um
desenvolvimento sustentável e a participação em comitê de bacia hidrográfica.
50
Relativamente ao total de municípios brasileiros, a grande maioria (80,3%) não
desenvolve nenhum tipo de parceria com outro município na área ambiental, o que por
si só demonstra como a questão não faz parte ainda da agenda pública local, fato
preocupante em se tratando da sustentabilidade da maioria das cidades. Ao menos no
que se reporta à participação de comitê de bacia hidrográfica, a situação melhora –
46,8% dos municípios participam – mas ainda pode ser considerada baixa. Já nos
municípios com mais de 100 mil habitantes a participação aumenta – 45,9% que operam
algum tipo de parceria e 74,5% dos que participam de comitês de bacias hidrográficas –
demonstrando que exatamente onde a questão ambiental é mais premente, existe maior
consciência da necessidade de planejamento em comum de políticas públicas, o que já
não se pode dizer em ralação aos municípios com menos de 100 mil habitantes, que
reproduzem, assim como a média do Brasil, os baixos índices de cooperação
intermunicipal. As disparidades regionais também ficam patentes quando verificados os
números dessa tabela: 81,7% dos municípios do sudeste participam de comitês de bacia,
contra apenas 6% da região norte, logo onde se destaca a questão ambiental frente à
imensidão das florestas e bacias hidrográficas amazônicas. Uma política de incentivo à
cooperação intergovernamental deve observar essas desigualdades para que
adequadamente se aplique onde for mais necessária como, por exemplo, nas grandes
metrópoles brasileiras.
As RMs por sua essência comportam áreas com alta densidade demográfica e
concentração de atividades industriais, ambas provocando profundo impacto no meio
ambiente em que se inserem. Problemas como a falta de saneamento básico e a poluição
dos rios e do ar geram inúmeros males, que têm influência direta sobre a saúde da
população metropolitana, principalmente para as camadas mais pobres que vivem em
51
habitações precárias e sem cobertura social adequada por parte do poder público. A RM
é a proposta concreta, existente na constituição, que poderia ser usada como instrumento
na busca de soluções para a maioria dos males ambientais que assolam atualmente as
metrópoles, justamente por institucionalizar a cooperação entre os poderes que têm
possibilidades, com a mobilização de recursos humanos e financeiros e vontade política,
de promover efetivamente as ações necessárias para tratar a questão, mas que, como
vimos, conta com baixo envolvimento das municipalidades.
Procurou-se nesta sessão determinar alguns pontos em que a necessária
cooperação intergovernamental encontra obstáculos a sua concretização, com o fim de
possibilitar o funcionamento institucional das RMs. A seguir far-se-ão breves
considerações, tendo em vista os elementos discutidos neste capítulo, de modo a apontar
de que forma o regime constitucional adotado após 1988 e as relações políticas daí
resultantes criam empecilhos ao projeto da gestão metropolitana, por meio do
instrumento das RMs.
Elementos para o comprometimento da gestão das RMs
Em síntese, o presente capítulo tratou das seguintes questões que, direta ou
indiretamente, comprometem o estatuto das RMs: 1) a trajetória municipalista e o
regime de tutela que, desde o Império, lhe sobrepõe os interesses e poder de decisão; 2)
a controversa gênese do federalismo brasileiro, que marcaria seu desenvolvimento, por
sua incompatibilidade com a realidade brasileira; 3) o vazio político-administrativo das
RMs nas formas legais adotadas a partir da constituição de 1967; 4) comprometimento
52
do estatuto da RM em função de seu ‘passado autoritário’; 5) a questão tributária e a
crise fiscal fomentando um federalismo competitivo e 6) a falta de cooperação
intermunicipal, exemplificada nas áreas de desenvolvimento urbano e meio ambiente.
Os pontos aqui levantados não abarcam a totalidade e complexidade que o tema
sugere, mas a justificativa para sua escolha é a de que resumem razoavelmente temas
relevantes para o entendimento da questão metropolitana no regime político brasileiro.
São conceitos que, por si só, já nos dão elementos para compreender como se
comportam – e até que ponto interferem no estatuto das RMs – o sistema federalista e as
relações intergovernamentais que dele derivam. A respeito de tudo que foi exposto até
agora, seguem algumas considerações.
O prognóstico de que a questão metropolitana encontraria sérios obstáculos à sua
concretização no plano prático foi feito antes mesmo de sua criação no plano legal. Já
na década de 1960 se preconizava a dificuldade de se exercer um planejamento em nível
regional, com as políticas públicas centralizadas na união.
Há países, como o Brasil, em que a atividade municipal, ou regional, é prejudicada nas
etapas do seu desenvolvimento, devido à incoerência da própria estrutura federal e,
principalmente, pela situação financeira que decorre da discriminação rígida de
competência [...] É improvável – dadas as dificuldades de ordem administrativa e
política, isto é, a inexistência de uma real descentralização e de especialistas de
planejamento – a conjugação do planejamento nos três níveis de governo. (Delorenzo
Neto, 1972:37)
A hierarquia de organização territorial, com a união ocupando sempre o topo na
tomada de decisões, parece ser uma marca incrustada na cultura política do país,
exercendo influência direta sobre as práticas de planejamento adotadas desde o início da
53
república. Mesmo com a redemocratização e a nova carta magna, que a princípio traria
maior descentralização, o que se verificou, marcadamente na segunda metade da década
de 1990, com o plano real, foi um movimento de recentralização do poder na esfera
federal, ou seja, uma volta à característica histórica da organização político-
administrativa brasileira, apesar dos ganhos reais obtidos pelos entes subnacionais, no
tocante às suas autonomias.
A RM conceitua-se, em sua essência, como uma construção institucional
participativa, em que diferentes atores políticos se unem para o desenvolvimento de um
planejamento regional integrado, seguindo o preceito de que a união de esforços e de
recursos seria a resposta para a solução de problemas que extrapolam os limites
territoriais dos municípios, estendendo seus efeitos para além das jurisdições locais.
Mas, como aqui observado, o estatuto metropolitano está longe de ser concretizado na
prática, pois, [...] diante da ausência de um espaço político regional, as forças políticas
locais acabam sendo sub-representadas em processos decisórios essenciais para o
desenvolvimento local, centralizado nas esferas estaduais e federal (Rolnik & Somekh,
2000:84). A excessiva centralização acaba por ser um grande entrave ao projeto de
gestão metropolitana, ao qual se acrescentam, como será abordado no último capítulo, a
falta de cooperação entre os entes federados e a falta de um ‘capital social’24 construído
em torno do tema.
A assimetria é uma característica marcante do federalismo brasileiro, em que
historicamente se construíram elementos que estabeleceram um jogo não-cooperativo
(Abrucio e Costa, 1999:33). Podemos considerar então que as RMs não encontraram
dificuldades somente a partir do processo de redemocratização, mas já nasceram sob o
jugo de um frágil contrato federativo que, mesmo após 1988, não logrou dar melhores 24 Em referência à noção trabalhada por Robert Putnam (1996).
54
condições de desenvolvimento à governança metropolitana. A saída para tal dilema
continua a ser um dos grandes desafios atuais para a sua concretização, que passa
necessariamente pelo debate em torno da reforma do estado.
No atual contexto histórico e político brasileiro, a realização de reformas do Estado e a
consolidação do regime democrático estão indissoluvelmente ligados ao
estabelecimento de um pacto federativo que incentive a cooperação sem restringir de
forma excessiva a autonomia política dos governos subnacionais. (Abrucio e Costa,
1999:57)
É necessário um redesenho do pacto, sobre o qual se funda o estado brasileiro,
que parta de amplas reformas cujo princípio seja a cooperação entre os entes federados.
Sem a construção de um arcabouço institucional solidificado na parceria intra e
intergovernamental, possível somente por meio dessas reformas do estado, as RMs
continuarão sendo meras nomenclaturas descritivas para uma grande área urbana, sem
promover sua função constitucional de tratar com especial atenção os urgentes e
crescentes problemas metropolitanos.
55
Capítulo II – Urbanização e a questão metropolitana no Brasil
O urbanismo é condição moderníssima de nossa evolução social.
Oliveira Vianna (1956)
O modelo de estrutura institucional adotado para as áreas metropolitanas no caso
brasileiro, a partir de 1988, se mostrou insatisfatório na busca de soluções concretas
para os problemas, uma vez que deixou vagos, em sua legislação aprovada, diversos
aspectos quanto à operacionalização – problema da definição de competências – e
funcionamento – principalmente sobre a questão de financiamento – indefinições tais
que comprometeram o enfoque do assunto como prioritário para o poder público em
nível federal25, estadual e municipal.
Será exposta, no presente capítulo, uma breve análise do processo de
urbanização, que pode ser compreendido como um ‘sistema cultural’ característico do
capitalismo, em que a aceleração de ritmo, a concentração nas áreas subdesenvolvidas, a
relação com as novas formas de articulação social e o aparecimento da figura das
metrópoles constituem os pontos vitais de sua problemática (Castells, 1969). A proposta
é a de investigar o funcionamento e a dinâmica da urbanização e, assim, obter uma
dimensão aproximada dos problemas que a mesma engendra, suscitando um debate em
torno das RMs e da questão metropolitana no Brasil.
A proposta do presente capítulo segue a seguinte a ordem:
25 Somente a partir de 2003, com a criação do Ministério das Cidades, o governo federal demonstrou maior interesse na questão metropolitana, mesmo sendo o estatuto das RMs ligado mais à ação dos estados junto aos municípios que as integram.
56
1) breve panorama da urbanização no mundo, destacando as origens do seu
crescimento nos últimos três séculos e sua essência ligada à emergência do sistema
capitalista, que alimenta sua evolução assim como seus problemas.
2) análise da urbanização brasileira, verificando os problemas desencadeados por esse
processo nas áreas metropolitanas no país, de onde decorre a necessidade do
planejamento e ações integradas para a busca de soluções comuns.
3) crítica à questão urbana brasileira contemporânea, ressaltando a defasagem entre
ação governamental e a dimensão dos problemas urbanos, aliada à incapacidade do
atual estatuto das RMs responderem adequadamente aos desafios colocados.
O estudo das questões sobre o federalismo brasileiro e sobre a urbanização,
ambas interligadas à problemática das RMs, tem por finalidade reforçar a idéia de
urgência no seu funcionamento dentro do marco institucional proferido pela carta
magna de 1988 e pelas constituições estaduais subseqüentes, sendo o seu estatuto
devidamente embasado por processos democráticos de participação e representação que
assegurem sua efetividade e, o mais importante, a consolidação de sua gestão,
integrando os três níveis de governo nas funções de planejamento e execução de
políticas públicas de interesse comum às áreas metropolitanas.
Características gerais da urbanização mundial
A essência do mundo moderno se encontra no meio urbano. A humanidade
evoluiu da era feudal e, por meio das máquinas, constituiu uma nova forma de vivência
e subsistência, gerando uma dinâmica social que se expandiria por todo mundo,
gradativamente, reescrevendo a ocupação e atividades humanas a partir da cidade, e não
57
mais do campo. Essa dinâmica, então estabelecida, pressupunha o meio – homem – e o
instrumento – máquina – unidos espacialmente na produção de uma nova era, a da
industrialização. A partir do século XVIII, com a revolução industrial na Europa, as
fábricas e a mão-de-obra necessária para colocá-las em funcionamento compunham um
novo cenário, reflexo da divisão social do trabalho da nova forma capitalista de
produção. Criava-se no território um estilo de vida urbano que, pautado pelo trabalho
como peça-chave do seu desenvolvimento, passaria historicamente por várias
transformações, cada qual tendo sempre por base os avanços tecnológicos auferidos pela
ciência. A cidade, em que se reproduz esse estilo de vida moderno-contemporâneo, é
produtora constante de diferenciações e criações de novas realidades (Velho, 1995),
onde se pode observar o movimento que representa simbolicamente os avanços – e
problemas – atuais da civilização: o processo de urbanização.
[...] a cidade moderna, como a cidade antiga, é receptáculo e a síntese de nossa vida
contemporânea. Nela se encontram, lado a lado, a realidade e o sonho, a insatisfação e a
esperança, a riqueza e a miséria, o espírito local e o anseio universal. [...] Não estamos
diante de uma reforma urbana [...] mas de uma profunda transformação social (Sánchez,
1969:31-32).26
O crescimento das cidades, desde o boom da industrialização, foi acompanhado,
de modo geral, por maior demanda de infra-estrutura e serviços básicos, a fim de
atender ao contínuo fluxo populacional do campo para o meio urbano. Era patente, no
entanto, a incapacidade do poder público, em todas as épocas, para promover o
26 A reforma urbana citada pelo autor se refere ao processo de urbanização em curso na América Latina na década de 1960, época em que já se vislumbravam as conseqüências, positivas e negativas, do crescimento do meio urbano nas principais cidades latino-americanas, e que só viriam a aumentar nas décadas seguinte.
58
atendimento às novas necessidades que se avolumavam, principalmente daquela parcela
da população excluída da divisão social do trabalho. O conceito de welfare state,
adotado nos países desenvolvidos durante o século XX, pode ser entendido, tendo em
vista a exclusão social que o sistema capitalista gerava, como um mecanismo adotado
para tentar aplacar os efeitos funestos da combinação industrialização-urbanização. A
contínua degradação das condições de vida das grandes cidades e do meio ambiente é
apontada como o principal efeito da crise urbana que, sem ser equacionada em qualquer
realidade que se verifique, teria por causa direta o próprio modo de produção capitalista.
A crise urbana conhecida por experiência própria pelos habitantes das grandes cidades
provém da crescente incapacidade de organização social capitalista para assegurar a
produção, distribuição e gestão dos meios de consumo coletivo necessários a vida
cotidiana, de moradias às escolas, passando pelos transportes, saúde, áreas verdes, etc.
[...] a concentração espacial de trabalhadores em cidades e áreas metropolitanas de
dimensão cada vez maior determina, por sua vez, a concentração e interdependência
crescentes do conjunto de meios de consumo que lhe são necessários [...] E é esta a
contradição estrutural que provoca a crise urbana: os serviços coletivos requeridos pelo
modo de vida suscitado pelo desenvolvimento capitalista não são suficientemente
rentáveis para serem produzidos pelo capital, com vistas a obtenção de lucro. (Castells,
1980:20-23)
A centralidade da cidade, a partir da revolução industrial, se deu
fundamentalmente em função do próprio desenvolvimento capitalista, que impõe um
padrão de concentração urbano, decorrente da nova divisão do trabalho, em que a
organização social passaria a orbitar em torno das fábricas, produzindo uma
concentração espacial das atividades o que, por sua vez, atrairia grandes fluxos
59
migratórios e conseqüentemente ‘incharia’ as cidades, que então não teriam como
sustentar tal crescimento. É importante frisar que o Estado toma parte importante no
processo, uma vez que
A industrialização não é um movimento espontâneo – ela só se torna possível mediante
arranjos institucionais que permitam acelerar a acumulação de capital e encaminhar o
excedente acumulável às empresas que incorporam os novos métodos espaciais de
produção. (Singer, 1995:33)
Só que o mesmo impulso dado à produção material, no início da industrialização
em nível mundial, não se refletiu necessariamente na reprodução social, na qual a mão-
de-obra excedente e os demais excluídos do sistema se tornaram os principais atores
dessa tragédia chamada crise urbana, que teria então como palco a figura da metrópole.
Às grandes cidades contemporâneas, onde o espírito do desenvolvimento
capitalista penetrou fortemente com a urbanização, convencionou-se chamar
metrópoles. São os espaços em que as inovações tecnológicas transformavam a maneira
de o homem viver seu cotidiano e entender o mundo. Por isso a metrópole, carregada de
simbolismos, seria
[...] ao mesmo tempo uma forma de organização da força de trabalho qualificada, um
equipamento científico de desenvolvimento econômico, uma estrutura econômico-
financeira, um mercado, um centro global de poder político e um centro de irradiação de
conhecimento e cultura. (Meyer, 2000:7)
Estabeleceu-se, com a urbanização, um marco diferencial no que tange à forma
de ocupação do espaço, redefinindo o caráter de centro produtivo das metrópoles para
60
centro decisório de negócios em escala mundial, em seu aspecto econômico, levando-
nos a realizar um ‘novo pensar’ sobre a questão (Piquet, 1996). A globalização cumpre
papel importante em todo processo, pois difunde por todo o mundo um novo modelo de
desenvolvimento em que o meio urbano assume uma posição estratégica nas novas
escalas de produção-acumulação capitalistas. Esse desenvolvimento, no entanto, não se
dá por igual entre todas as nações. Nos países subdesenvolvidos, ao contrário dos que já
possuem adiantado processo de urbanização, como na Europa e América do Norte, o
que se verifica é que a urbanização apresenta um cenário [...] de um alto grau de
pobreza, oriundo da natureza estruturalmente desequilibrada da industrialização e da
urbanização periféricas (Ferreira, 2000:14). A ‘periferia’ – países pobres que em sua
grande maioria ficam localizados na África e na Ásia – não acompanha o ritmo das
transformações cada vez mais rápidas da globalização, tornando-se incapaz de produzir
na mesma velocidade respostas institucionais aos desafios que surgem, o que, por sua
vez, resulta numa acentuação das desigualdades sociais que, no nível local, se
expressam marcadamente nas metrópoles.
Se os desafios hoje ganham contornos que parecem insuperáveis, um breve
resumo do que se espera para o futuro pode-nos dar a real dimensão do problema, sem a
qual poderíamos subestimar o potencial de agravamento da crise urbana. Como pode ser
observado a seguir na tabela 04, o fenômeno da urbanização ocorreu com maior
intensidade a partir da segunda metade do século XX, mas de forma diferenciada por
entre as grandes regiões mundiais. Enquanto, nos últimos cinqüenta anos, Europa e
América do Norte consolidavam-se num estágio mais avançado – 73% e 80,2%, em
2003, respectivamente – na América Latina houve um rápido crescimento que a colocou
entre as áreas mais urbanizadas – de 42,9% em 1950, passou para 76,8% em 2003,
61
tornando-se o segundo continente mais urbanizado do mundo. Já África e Ásia deverão
nos próximos trinta anos tomar a dianteira no movimento de expansão do meio urbano,
com as maiores taxas de crescimento previstas – com 1,22% e 1,28% ao ano,
respectivamente – segundo a projeção da divisão de estudos populacionais da
Organização das Nações Unidas (ONU, 2005a).
Tabela 04 – Taxa de urbanização e taxa de crescimento urbano para as grandes regiões mundiais, 1950-2030.
Taxa de Urbanização Taxa de Crescimento Urbano Grandes Regiões
1950 1975 2000 2003 20302 1950-1975 1975-2000 2000-20302
África 14,9 25,3 37,1 38,7 53,5 2,12 1,54 1,22
Ásia 16,6 24,0 37,1 38,8 54,5 1,47 1,75 1,28
Europa 51,2 66,0 72,7 73,0 79,6 1,02 0,38 0,30
América Latina1 41,9 61,2 75,5 76,8 84,6 1,52 0,84 0,38
América do Norte 63,9 73,8 79,1 80,2 86,9 0,58 0,28 0,31
Oceania 60,6 71,7 72,7 73,1 74,9 0,67 0,06 0,10
Fonte: United Nations Population Division, World Urbanization Prospects: The 2003 Revision (1) Incluído também o Caribe. (2) Projeção.
Os dados anteriormente expostos nos sugerem que haja uma continuidade
histórica do processo de urbanização que, desde o impulso dado pela revolução
industrial, se expandiu em ritmo acelerado, primeiramente nos países em estágio de
desenvolvimento mais adiantado, depois pelos demais países em que a industrialização
foi criando as condições necessárias para que as cidades se tornassem o centro
agregador da população, onde todo sistema político, econômico e social viria a se
organizar. A cidade torna-se o símbolo da modernidade e o meio urbano,
gradativamente, vai-se tornando o centro da ocupação humana em todos os países, de
acordo como cada qual promove sua entrada no circuito capitalista de produção-
acumulação e transforma assim sua sociedade pela divisão social do trabalho.
62
Em outro documento da ONU, que trata das tendências da população mundial, é
previsto que, considerando-se todo crescimento populacional estimado para 2030,
grande parcela deverá concentrar-se em áreas urbanas dos países mais pobres e entre a
população mais carente (ONU, 2005b). É um dado alarmante, considerando-se a atual
situação da maioria dos países afligidos pela miséria, em sua maioria na África e na
Ásia, onde já não se consegue dar conta das mazelas sociais existentes. A perspectiva
que se abre é assustadora: um agravamento da crise urbana com a insustentabilidade das
cidades por todo o mundo, principalmente nos países mais pobres, pois as mesmas
deverão estar desprovidas dos meios necessários para atender ao crescimento da
população, tornando-se incapazes de resolver esse dilema dentro do seu âmbito restrito
de ação.
Alguns aspectos da crise urbana brasileira
A inserção do Brasil no quadro internacional do desenvolvimento capitalista se
dá de forma subordinada, por se tratar historicamente de um país de industrialização
tardia e dependente do capital externo – FMI e investimentos privados estrangeiros. Sua
urbanização teve um ritmo lento durante o período colonial, mas foi na república e,
especialmente após a segunda guerra mundial, que se verificou um verdadeiro boom no
crescimento do meio urbano, puxado principalmente pelas capitais e, mais
recentemente, pelas cidades periféricas aos grandes centros e também pelos novos
centros regionais que vêm surgindo na rede urbana brasileira.
63
Tabela 05 – População residente, segundo os municípios das capitais, Brasil, 1900-2000.
População Residente Municípios
1900 (1) 1950 (1) 1980 2000
Total – Capitais (2) 1.965.279 8.063.476 28.612.217 40.388.490
Total – Brasil 17.438.434 51.944.397 119.002.706 169.590.693
Relação Capitais/Brasil 11,3% 15,5% 24,0% 23,8%
Fontes: Censo demográfico 1940-1991. Rio de Janeiro: IBGE, 1950-1997; Sinopse preliminar do censo demográfico de 2000. Rio de Janeiro: IBGE, v. 7, 2001. (1) População presente. (2) Capitais consideradas: Manaus, Belém, São Luis, Teresina, Fortaleza, Natal, João Pessoa, Recife, Maceió, Aracaju, Salvador, Belo Horizonte, Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre e Cuiabá (a partir de 1900), Rio Branco (a partir de 1920), Goiânia (a partir de 1940), Porto Velho, Boa Vista e Macapá (a partir de 1950), Brasília (a partir de 1960), Campo Grande (a partir de 1980) e Palmas (a partir de 1991).
Conforme pode ser observado na tabela 05, foi durante o século XX,
principalmente nas últimas décadas, que as capitais de estados no Brasil tiveram sua
participação percentual duplicada, no que se refere ao total da população – de 11,3%,
em 1900, para 23,8%, em 2000. Em termos absolutos, o destaque é ainda maior: os
quase dois milhões de habitantes, registrados em 1900, em capitais, passaram, cem anos
depois, a quarenta milhões, o que corresponde a praticamente um quarto da população
brasileira, em 2000, ano do último levantamento. Esse dado nos dá a dimensão da
representatividade que as capitais têm na rede urbana, ao concentrarem em seus
territórios grande parcela dos habitantes do país e, conseqüentemente, trazerem para o
seu espaço a problemática sobre a provisão de bens e serviços suficientes para atender a
todos, desafio que os governos dessas cidades vêm enfrentando desde há muito, e que se
agravam com a aceleração do processo de urbanização brasileiro verificado nos últimos
trinta anos.
64
Tabela 06 - População residente, taxa média geométrica de incremento anual e variação absoluta e relativa, segundo as regiões metropolitanas e região integrada de desenvolvimento do Distrito Federal, e o Brasil - 1991/2000
População residente
Total Variação
Regiões Metropolitanas e Região Integrada
de Desenvolvimento do Distrito Federal 1991 2000
Taxa média geométrica de
incremento anual (%)
Absoluta Relativa (%)
Total 56.850.892 67.147.086 2,01 10.296.194 19,43
Brasil 146.825.475 169.799.170 1,63 22.973.695 15,50
Fonte: Censos demográficos 1991 e 2000. IBGE (1) Participação relativa em relação ao total do país. Nota: tabela adaptada com dados do total da população residente e taxa geométrica de incremento anual do Brasil, para efeito de comparação.
Para se ter um retrato mais fiel da rede urbana brasileira, há ainda a considerar,
além das capitais de estados, também os seus municípios limítrofes, que em conjunto,
compõem as RMs.27 Na tabela 06 temos o ritmo de crescimento dessas áreas, verificado
entre 1991 e 2000: enquanto o Brasil cresceu a uma taxa de 1,63% ao ano, com relação
ao total da sua população, as RMs cresceram a 2,01% ao ano, representando nada
menos do que praticamente a metade da variação absoluta observada para todo o país
que foi de 48,1%. Em termos de concentração populacional, ao confrontarmos os dados
aqui apresentados, podemos dizer que, historicamente, a população brasileira procura
como lugar de habitação as capitais dos estados, provavelmente porque, ao
concentrarem o aparelhamento público estadual e as atividades econômicas mais
dinâmicas – indústria e setor terciário – acabam por oferecer melhores condições de
vida e de emprego, motivando a migração intermunicipal – moradores das cidades
interioranas do estado que se deslocam para a capital – e, numa escala maior, a
interestadual – fenômeno que marca até hoje os movimentos migratórios para as duas
27 Vale lembrar que das vinte e seis capitais de estado no Brasil, apenas dezessete compõem RMs oficialmente instituídas. Há de se atentar também para o fato de existirem dez RMs cujos pólos são cidades do interior, sendo a primeira delas a ser legalmente instituída a região metropolitana de Londrina, objeto de estudo da presente dissertação, criada em 1998 pelo governo do estado do Paraná.
65
principais metrópoles brasileiras, São Paulo e Rio de Janeiro. Por fim, nos últimos
quinze anos, não só as capitais, como também os municípios que com elas formam as
RMs, desempenharam papel decisivo na atratividade populacional e sua concentração,
tornando-se um importante reflexo do desenvolvimento capitalista específico verificado
no Brasil, que nos pode dar pistas sobre a prioridade de análise em políticas públicas
para essas áreas especiais onde, por haver mais habitantes, também se agrega a maior
gama de dificuldades, marcadamente na capacidade do poder público em atender a
demanda por serviços básicos e de infra-estrutura.
Gráfico 01 – Taxa de Participação da População Urbana e Rural em relação ao Total da População Residente - Brasil , 1940 a 2000
44,7%
55,9%
67,6%
75,6%
81,2%68,8%
55,3%
32,4%
24,4%
18,8%31,2%
36,2%
63,8%
44,1%
0,0%
10,0%
20,0%
30,0%
40,0%
50,0%
60,0%
70,0%
80,0%
90,0%
100,0%
1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000
Urbano Rural
Fontes: Censo demográfico 1940-1991. Rio de Janeiro: IBGE, 1950-1997; Sinopse preliminar do censo demográfico
de 2000. Rio de Janeiro: IBGE, v. 7, 2001.
Como demonstra o gráfico 01, foi durante a década de 1960 que
proporcionalmente a população urbana, com 55,9% ultrapassou a rural, com 44,1%,
aumentando sucessivamente sua participação até atingir a marca de 81,2%, em 2000, ou
seja, em quarenta anos a rede urbana brasileira se tornou mais complexa, o que por sua
66
vez resultaria em nova composição orgânica do espaço nacional, integrando-o via
modernização capitalista e unindo por todo território os transportes, a comunicação e o
mercado. Mas o impacto dessas transformações não se daria de forma homogênea em
todas as regiões do país. Foi no sudeste, predominantemente em São Paulo, que houve
maior receptividade à modernização, por meio da construção de uma base material e
intelectual – mecanização, divisão social do trabalho e alto grau de urbanização – que
sustentou sua inserção no processo (Santos, M. 1993).
Tabela 07 – População residente e taxa de crescimento anual para as 5 maiores RMs com município-sede em capital de estado, para as 5 maiores RMs com município-sede em cidade do interior, total RMs brasileiras e total Brasil, 1980 a 2000.
RMs População 1980
População 1991
População 2000
TCA1
1980-1991
TCA1
1991-2000
São Paulo 12.588.745 15.444.941 17.878.703 1,88 1,64
Rio de Janeiro 8.772.277 9.814.574 10.894.156 1,03 1,17
Belo Horizonte 2.973.152 3.910.107 4.819.288 2,52 2,35
Porto Alegre 2.468.028 3.230.732 3.718.778 2,48 1,58
Recife 2.386.453 2.919.979 3.337.565 1,85 1,50
Campinas 1.276.801 1.866.025 2.338.148 3,51 2,54
Baixada Santista 961.243 1.220.249 1.476.820 2,19 2,14
N/NE Catarinense 520.784 728.499 906.982 3,10 2,46
Londrina 465.672 582.703 678.032 2,06 1,70
Vale do Aço 428.321 476.458 563.073 0,97 1,87
Total RMs2 45.134.536 57.800.473 69.147.086 2,27 2,01
Total Brasil 119.011.052 146.825.475 169.799.170 1,93 1,63
Fontes: Censos demográficos de 1980, 1991 e de 2000 – IBGE (1) Taxa de crescimento anual (2) Total para todas as vinte e cinco RMs existentes (e não só as dez consideradas).
Acrescendo aos dados anteriormente trabalhados, podemos realçar o perfil
urbano brasileiro destacando o papel que os grandes centros e as chamadas cidades
médias exercem na composição da população. A tabela 07 procura dar a dimensão do
67
avanço numérico e taxa de crescimento dos habitantes das cinco maiores RMs cujo
município-sede seja uma capital de estado, em comparação com as cinco maiores RMs
em que a centralidade é dada a um município do interior28. Ao ver como se processam
as dinâmicas referentes a cada grupo, melhor podemos compreender o papel que cada
região exerce na rede urbana, segundo suas especificidades.
Uma primeira constatação é a de que o ritmo de crescimento populacional nas
RMs do interior é maior do que nas demais, com exceção das regiões de Londrina –
2,06% a.a. entre 1980 e 1991 e 1,70% a.a. de 1991 a 2000 – e Vale do Aço – 0,97% a.a.
entre 1980 e 1991 e 1,87% a.a. de 1991 a 2000 –, que crescem a índices menores que a
média verificada do total referente às RMs brasileiras, mas que, com exceção da região
do Vale do Aço, na década de 1980, ficam acima da média nacional – de 1,93% a.a.
entre 1980 e 1991 e 1,63% a.a. de 1991 a 2000. Nas cinco RMs de capitais aqui
consideradas, as taxas de crescimento ficam abaixo das médias referentes ao total das
RMs e da nacional, tanto nos períodos da década de 1980, quanto na década de 1990,
ficando fora desse padrão somente Belo Horizonte – 2,52% a.a. entre 1980 e 1991 e
2,35% a.a. de 1991 a 2000 – e São Paulo – 1,64% a.a. entre 1991 e 2000 –, que cresceu
em ritmo igual à média brasileira.
A única região polarizada por uma capital de estado a demonstrar um aumento
no ritmo de crescimento, mesmo assim abaixo do verificado nas cinco maiores RMs do
interior e da média de todas as RMs, e inclusive da média brasileira, foi a do Rio de
Janeiro que, na década de 1990, cresceu a 1,17% ao ano. Dentre as RMs interioranas,
semelhante constatação só é feita na região do Vale do Aço, que apresentou taxa de
crescimento de 1,87% a.a. entre 1991 e 2000. Todas as demais na tabela mostram um
28 Por maior RM se entende o contingente populacional total alcançado por toda a região, incluído o município-sede e os demais municípios que a compõe, para o ano de 2000, segundo dados do IBGE.
68
decréscimo no ritmo de crescimento de suas taxas na última década, o que pode ser
indicativo de um processo de estabilização desses grandes centros em termos de
concentração urbana, o que não significa que seus problemas advindos do crescimento
populacional pretérito estejam resolvidos. Ao considerarmos o contingente populacional
em termos absolutos, as duas grandes RMs brasileiras, São Paulo e Rio de Janeiro,
seguem absorvendo o maior número de habitantes, já que na década de 1990, tiveram
um aumento absoluto na sua população de, respectivamente, 1.633.762 e 1.079.582 de
pessoas. No mesmo período, a RM de Belo Horizonte segue de perto essa tendência,
909.181, seguido, de longe, pela RM de Porto Alegre, 488.046. A RM de Campinas,
maior entre as do interior, apresentou considerável aumento absoluto, 452.123,
superando mesmo Recife, a quinta maior RM, com aumento de 417.586, em 2000.
Tabela 08 – Dados de população residente em 2000, participação no total da população 2000, taxa de crescimento
anual 1991-2000, número de municípios na faixa de tamanho e participação no total de municípios, segundo faixas de
tamanho populacional dos municípios brasileiros.
Tamanho do Município População 2000
Participação no total da População
2000
Taxa de Crescimento
Anual 1991-2000
Número de Municípios na Faixa de Tamanho
Participação no Total de Municípios Brasileiros
Mais de 1 milhão de habitantes 34.389.320 20,3% 1,37% 13 0,2%
De 500 mil a 1 milhão de habitantes 12.583.713 7,4% 1,42% 18 0,3%
De 100 a 500 mil habitantes 39.628.005 23,3% 2,41% 193 3,5%
De 50 a 100 mil habitantes 20.928.128 12,3% 1,59% 301 5,5%
De 20 a 50 mil habitantes 28.832.600 17,0% 0,85% 964 17,5%
Até 20 mil habitantes 33.437.404 19,7% 1,80% 4.018 73,0%
TOTAL 169.799.170 100,0% 1,63% 5.507 100.0%
Fonte: Censos demográficos de 1991 e de 2000. IBGE.
A tabela 08 faz uma panorâmica sobre a situação das cidades, segundo o seu
tamanho populacional que, em acréscimo aos dados das RMs brasileiras acima
analisados, fornece um quadro mais nítido sobre como se organiza a rede urbana no
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país, tarefa que pode ser considerada como um importante passo para verificar os
problemas e desafios que as diferentes ordens de cidades existentes oferecem ao poder
público, tanto municipal quanto estadual e federal.
O Brasil, no ano de 2000, possuía ao todo 5.507 municípios, divididos entre 26
estados mais o Distrito Federal. Desse total, nada menos do que 73%, ou seja, 4.018 são
de cidades com até 20 mil habitantes, que concentram apenas 19,7% da população
brasileira o que corresponde a 33.437.404 habitantes. Ou seja, as pequenas cidades na
verdade têm a sua população distribuída esparsamente em todo território, já que sua
faixa comporta quase três quartos dos municípios existentes. Sua taxa de crescimento
anual foi a segunda maior verificada entre 1991 e 2000, com 1,80% ao ano – acima da
média nacional de 1,63% a.a. – ficando atrás somente das chamadas ‘cidades médias’,
compreendendo municípios entre 100 mil e 500 mil habitantes, que cresceram a 2,41%
ao ano. O peso dessa faixa é considerável no atual perfil urbano brasileiro, já que as 193
cidades desse porte concentram a maior parcela da população, com 23,3%, 39.628.005
habitantes, superando a participação das cidades com mais de 1 milhão de habitantes
que, nas treze cidades que entram nessa faixa, concentram 20,3% correspondentes a
34.389.320. Deve-se considerar, no entanto, que as mesmas cidades correspondem
somente a 0,2% do total de municípios brasileiros, mostrando o quanto é concentrada a
população nesses espaços, sugerindo toda uma série de problemas que decorrem dessa
aglutinação. Não por acaso quase todas as cidades dessa faixa são capitais de estados e
possuem – com exceção de duas –, se não na prática, ao menos legalmente, RM
instituída.29
29 A única cidade com mais de 1 milhão de habitantes que não é sede de uma região metropolitana é Manaus. Brasília não faz parte de uma RM, mas é a sede da RIDE – Região Integrada de Desenvolvimento – do Distrito Federal e entorno. Guarulhos, única cidade que não é capital de estado e está nessa faixa, faz parte da RM de São Paulo. As demais cidades nessa faixa, por ordem de grandeza,
70
Ser grande em contingente populacional e manter taxas de crescimento que
reforçam seu aumento não são as únicas premissas para que uma cidade possa ser
considerada ‘problemática’. Dados sobre a situação social em que se encontram os
municípios, aliados ao aspecto demográfico, podem nos dar uma visão mais abrangente
da questão e, conseqüentemente, melhor conhecimento do perfil da urbanização
brasileira.
O Brasil como um todo apresenta uma das maiores taxas de urbanização
verificadas no mundo, 81,2%, (ver a seguir a tabela 09), mas internamente encontram-se
diferentes níveis de penetração do meio urbano. Consideradas as regiões menos
desenvolvidas do país, com baixos índices de industrialização e, portanto, de inserção
no moderno processo de produção e acumulação capitalistas, as regiões norte e nordeste
apresentam baixas taxas de urbanização em 2000, 69,9% e 69,1% respectivamente,
havendo ainda certo predomínio do meio rural e das atividades agrícolas nessas áreas,
em detrimento de um alargamento de oportunidades de emprego nos setores secundário
e terciário. No extremo oposto a essa situação se encontram as regiões de alta
industrialização e com amplo desenvolvimento no setor de serviços, que são o sudeste,
90,5%, e sul, 80,9%, e o centro-oeste, 86,7%, região que comporta os modernos
processos da agroindústria exportadora, altamente mecanizada. Por fim, cabe às
capitais, com 97,6%, e às RMs, com 96,4%, o maior grau de urbanização verificado na
última década do século XX, mostrando que essas áreas já praticamente atingiram seu
ápice, no que se refere à expansão do meio urbano, em detrimento do rural, relegado aos
municípios interioranos que não estão inseridos na moderna rede urbana brasileira.
são: São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte, Fortaleza, Curitiba, Recife, Porto Alegre, Belém e Goiânia.
71
Tabela 09 – Dados sobre população total e urbana e percentual de pobreza para as grandes regiões, capitais, regiões metropolitanas e Brasil, 2000.
Grandes Regiões, Capitais, RMs e Brasil População Total População Urbana Percentual de
População Urbana Percentual de
Pobres1
Norte 12.900.704 9.014.365 69,9% 49,3%
Nordeste 47.741.711 32.975.425 69,1% 56,7%
Sudeste 72.412.411 65.549.194 90,5% 19,7%
Sul 25.107.616 20.321.999 80,9% 20,5%
Centro-Oeste 11.636.728 10.092.976 86,7% 25,4%
Capitais 40.462.072 39.481.997 97,6% 19,8%
RMs2 63.996.884 61.664.891 96,4% 20,3%
Brasil 169.799.170 137.953.959 81,2% 32,7%
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2000 – FJP/IPEA/PNUD (1) Percentual de pessoas com renda per capta abaixo de R$75,50, equivalentes a meio salário mínimo vigente em Agosto de 2000. O universo de indivíduos é limitado àqueles que vivem em domicílios particulares permanentes. (2) Total de municípios pertencentes a regiões metropolitanas, excluídos os referentes ao colar metropolitano das duas RMs mineiras e aos de área de expansão, das RMs catarinenses.
Ainda na tabela 09, podemos verificar que o número de habitantes que vivem
abaixo da linha da pobreza30 indica as regiões norte e nordeste com as maiores taxas,
49,3% e 56,7% respectivamente, não sendo por acaso alvos de políticas compensatórias
por meio de auxílios concedidos por programas federais de transferência de renda. Sua
baixa urbanização pode até ser um dos componentes causais desse quadro, por serem
justamente as atividades ligadas à indústria e aos serviços que oferecem melhores
salários para todos os graus de escolaridade, mas não pode ser tomado como o único, já
que a pobreza urbana31 pode ter um peso significativo na sua composição. Ainda assim,
os índices de pobreza no Brasil são consideráveis, mesmo levando-se em conta a taxa de
urbanização mais elevada. O país possuía, em 2000, praticamente um terço da sua
30 Aqui considerada, como diz na nota da tabela 09, das pessoas com renda per capta menor do que meio salário mínimo, em valores correspondem quentes ao ano 2000. É o patamar de ganhos de uma pessoa que mal consegue suprir suas necessidades básicas de subsistência. 31 Na porcentagem de pobres, infelizmente não se pode mensurar, por meio da fonte consultada, a parcela correspondem quente ao número de habitantes abaixo da linha de pobreza vivendo no meio urbano. Apesar de haver grande pobreza nos ‘rincões’ brasileiros, em termos absolutos é visível o maior peso da pobreza urbana, representada pelas enormes áreas de exclusão social observadas nas grandes metrópoles.
72
população, 32,7%, com renda per capita abaixo de meio salário mínimo. Nas capitais a
taxa era de 19,8% e nas RMs correspondia a 20,3%, ou seja, nas duas dimensões um
quinto da população podia ser considerado pobre. É esse contingente que, na moderna
sociedade urbano-industrial, compõe um dos principais desafios para o poder público
em suas três esferas de governo, tornando-se uma importante questão social, [...]
expressão mesma do modelo de desenvolvimento econômico desigual, marcada por
uma aceleradíssima urbanização, que prevaleceu no Brasil do pós-1930 (Valladares,
1991:95), e que, nos últimos vinte anos, só fez crescer a miséria e disseminar a pobreza,
criando e alimentando as periferias metropolitanas, lugar da segregação sócio-
espacial.32
A habitação e o saneamento são outros aspectos da urbanização brasileira aqui
escolhidos para se dar ênfase na questão metropolitana, no sentido de ressaltar a
dimensão de seus problemas e a necessária organização político-administrativa para
tentar resolvê-los. O déficit habitacional e a carência de infra-estrutura foram os
indicadores selecionados para se fazer uma análise rápida sobre um dos principais
problemas surgidos a partir do rápido processo de urbanização que o país atravessou.
Afinal, com as constantes levas que a migração inter e intra-regional proporcionavam,
ficava patente a necessidade das cidades ‘atrativas’ promoverem políticas de
provimento de moradias para o crescente contingente populacional que se formava. A
política nacional mais conhecida para a questão foi o Banco Nacional de Habitação -
BNH, criado durante o regime militar, que, longe de ter a participação popular e
sensibilidade social como condutor seguro, acabou amargando um péssimo resultado.
Sob o prisma social, a política habitacional teve efeito perverso. Concebida para
32 Para uma das abordagens mais aprofundada sobre a temática, ler Ribeiro e Lago (2000).
73
atenuar as desigualdades sociais termina ela por acentuá-las mais ainda, concorrendo
para agravar a concentração de renda no país (Andrade, 1976:134).
O problema da habitação, entretanto, não teve necessariamente origem nos anos
1970. Sob outras formas, desde a época do império pode-se observar que a questão
sobre em que alocar a população, notadamente a mais pobre, sempre constituiu um
desafio aos governantes. A urbanização brasileira só foi mais um passo dado no sentido
do agravamento da questão. O crescimento urbano sempre se deu com exclusão social,
desde a emergência do trabalhador livre na sociedade brasileira, quando as cidades
passam a ganhar nova dimensão e tem início o problema da habitação (Maricato,
2003:23). O crescimento das cidades só fez aumentar a demanda por moradias e,
conseqüentemente, os dispêndios públicos, não só com habitação, mas também com os
serviços de saneamento que a complementam. Surgia, assim, um dos grandes entraves
internos ao desenvolvimento brasileiro.
Sem o anteparo institucional para dar guarida à crescente demanda por moradia e
infra-estrutura, após a fim do BNH, na década de 1980, houve um agravamento da crise,
aumentando muito o problema a ser resolvido pelo poder público que, em constantes
transformações sociais no período compreendido entre a ditadura a nova república, não
logrou estabelecer parâmetros razoáveis para prover instrumentos e meios para, mesmo
a longo prazo, tentar atenuar as desigualdades que se avolumavam na sociedade e que
formam a crise urbana que tem, principalmente nas grandes metrópoles, ‘inchadas’ pela
urbanização acelerada, sua expressão máxima.
74
Tabela 10 – Estimativas do déficit habitacional básico1 e carência de infra-estrutura2 dos domicílios particulares permanentes urbanos, por grandes regiões, regiões metropolitanas e Brasil – 2000.
Especificação Déficit
Habitacional Básico1
Déficit em relação ao
Brasil
Carência de Infra-estrutura2
Carência em relação ao Total
de Domicílios
Norte 473.335 11,4% 1.351.752 11,3%
Nordeste 1.475.523 35,6% 4.401.530 36,7%
Sudeste 1.481.089 35,8% 2.854.717 23,8% Sul 402.925 9,7% 1.852.689 15,4% Centro-Oeste 307.216 7,4% 1.531.847 12,8% RMs 1.842.182 42,3% 4.010.688 33,4% Brasil 4.140.088 100% 11.992.535 100%
Fonte: Centro de Estatística e Informações. Fundação João Pinheiro (FJP). O déficit habitacional no Brasil: municípios selecionados e microrregiões geográficas. 2ª edição, 2005. (1) Déficit habitacional básico se refere à soma da coabitação familiar, dos domicílios improvisados e dos rústicos. Pode haver dupla contagem entre os cômodos (componentes da coabitação familiar) e as estimativas de domicílios rústicos, feitas através de método indireto, possibilidade pouco provável, em função do conceito desses dois componentes. (2) Domicílios urbanos que não possuem um ou mais dos seguintes serviços de infra-estrutura: iluminação elétrica, rede geral de abastecimento de água, rede geral de esgotamento sanitário ou fossa séptica e coleta de lixo.
Na tabela 10 é possível analisar, em relação às grandes regiões brasileiras e às
RMs, o déficit habitacional e carência de infra-estrutura em comparação ao total
verificado para o Brasil, que, no primeiro caso é de 4.140.088 unidades e no segundo,
11.992.535. Ou seja, para o conjunto total de domicílios urbanos, o índice que tem
maior peso absoluto é o de carência de infra-estrutura, em que se tem falta de, ao
menos, um serviço público básico. Nada menos do que um terço do total de domicílios
nessa condição estão concentrados nas RMs, demonstrando a magnitude do problema
que essas áreas representam. Só o total de domicílios carentes do nordeste supera essa
marca, com 36,7%, ficando o sudeste um pouco atrás, com 23,8%. Esse dado,
considerado isoladamente, não é suficiente para formar-se uma visão global da questão
habitacional, é, no entanto, um indicativo da importância da dimensão metropolitana
que as políticas públicas a serem tomadas devem considerar. Posição que só se reforça,
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ao se calcular o déficit habitacional: das 4.140.088 unidades contadas para todo o Brasil,
das quais 1.842.182, ou 42,3%, praticamente a metade, se encontram em RMs. Nas
grandes regiões, sudeste e nordeste acumulam 71,4% desse total e 60,5% dos carentes
por infra-estrutura, ficando assim destacadas como áreas mais necessitadas de políticas
voltadas para a habitação e saneamento, mas sem perder o foco nas RMs que têm
participação significativa nesse contingente analisado.
A crise urbana no Brasil e seu impacto no estatuto das RMs
Com o breve perfil da urbanização brasileira anteriormente exposto, focado em
somente alguns aspectos os quais se quis destacar para o objetivo do estudo, procurou-
se compor um quadro com as características do Brasil urbano e também a dimensão da
problemática que o cerca. Mas é importante ressaltar que o reflexo do crescimento das
cidades vai além dos dados, pois toda sociedade se transforma conforme vão sendo
introduzidas mudanças complexas na estrutura produtiva e nas relações de trabalho,
cujos efeitos, no caso brasileiro, gerou um modelo de exclusão e distribuição de renda
desigual, o que diferenciou e segmentou a estrutura social urbana, criando novas
formas/modalidades de sociabilidade integradas simbolicamente no mercado de
consumo (Faria, 1976).
A metrópole é a face visível da crise urbana, marcada por uma inserção
dependente no processo de desenvolvimento capitalista, pela concentração de renda e a
desigualdade de acesso à terra. São as pessoas que vivem nas metrópoles as que mais
sentem em seu cotidiano as desigualdades sociais. O rápido crescimento populacional
brasileiro, na última metade do século XX, não teve por contrapartida uma atuação
76
satisfatória, por parte do poder público, em atender às demandas recorrentes de um
número maior de habitantes em seu espaço, gerando uma apropriação desigual do
mesmo, em que a população ‘excedente’ ficou privada do atendimento nos serviços
mais básicos para sua subsistência.
O governo federal só recentemente considerou seriamente a questão da crise
urbana brasileira, ao criar em 2003 o ministério das cidades, cujo plano de
desenvolvimento urbano já demonstra uma nova forma de abordagem frente a tudo que
vinha sendo feito em matéria de política urbana no país, como mostra o trecho a seguir:
Por mais que tenha suas raízes fincadas na estrutura e modo de funcionamento de
nossas cidades, a crise urbana atual não pode ser adequadamente diagnosticada sem
uma perspectiva mais ampla que considere sua inserção no contexto nacional e
internacional [...] Certamente não é desprezível a influência na gestação de nossa crise
urbana das mudanças no contexto internacional. A derrocada do socialismo real, a
financeirização da economia, o crescimento explosivo da dívida externa, a revolução
tecnológica, a chamada reestruturação produtiva e os novos modos de gestão e
regulação do trabalho, com sua esteira de precarização do emprego e ampliação das
desigualdades, inclusive nos países centrais, são fatores decisivos na configuração do
ambiente no qual a crise urbana se instaura e se espraia. (Ministério das Cidades, 2004)
Uma percepção mais apropriada da problemática urbana por parte do ente de
maior capacidade de ação no federalismo brasileiro, que é a união, somado ao fato de
haver um crescente interesse em melhor direcionar as políticas e, mais importante, os
investimentos segundo um planejamento adequado que atenda igualmente às demandas
próprias de cada região, podem ser um primeiro passo para a busca de uma resolução
para a crise urbana. Se o intento terá sucesso ao não, cabe a pesquisas futuras nos
77
dizerem, uma vez que foge ao objetivo da presente dissertação empenhar-se nessa
tarefa.
As RMs já são uma realidade na sua forma legal desde os anos 1970. Passados
mais de trinta anos, mesmo com a redemocratização e a nova carta magna de 1988, não
houve avanço considerável na forma de gestão das metrópoles e seus municípios
periféricos, ficando todos dependentes de sua própria atuação no plano local ou de
políticas estaduais e/ou federais para tocar importantes projetos para suas respectivas
regiões, mas de forma desordenada, esparsa, sem foco definido. A gestão metropolitana,
ideal para integrar a ação pública no desenvolvimento regional, esbarra em entraves
jurídicos e também políticos, dados os problemas das competências de cada ente
federado e dos interesses dos grupos políticos locais. A possibilidade da gestão acaba
por se tornar um dilema frente à realidade urbana – de pobreza, desemprego, ocupação
desordenada e falta de infra-estrutura e serviços públicos adequados – por uma prática
de planejamento dissonante das demandas específicas para cada área e, notadamente,
pela desarmonia entre os governos e os atores políticos que interferem diretamente na
questão metropolitana. A história do planejamento urbano no Brasil mostra a existência
de um pântano entre a sua retórica e sua prática [...] A importação de modelos
tecnológicos e culturais é intrínseca desse quadro marcado por reinserções históricas
subordinadas (Maricato, 2000).
Não só a transposição de planos ‘de fora’ para o planejamento urbano, que
desconsideram a realidade local de que se pretende tratar, como também a falta de
consciência da dimensão metropolitana concorrem diretamente para promover o vazio
institucional das RMs. Conforme se pode observar na legislação existente, não há uma
arquitetura jurídica adequada que satisfaça as condições de promoção da cooperação
78
intergovernamental, peça-chave para a ação conjunta na solução de problemas que
extrapolam os limites municipais e pedem, por isso, a união de interesses em torno de
um planejamento integrado e participativo.
As metrópoles brasileiras constituem hoje um dos grandes desafios para a
governabilidade do país. Concentrando população, riqueza, demandas sociais, influindo
na formação de opinião pública nacional, conectando-se com cidades globais, as
metrópoles são também um imenso patrimônio coletivo a demandar políticas de
revitalização e revalorização, cujo sucesso depende das formas de governo e de gestão.
(Pacheco, 1995:191)
A metrópole é, ao mesmo tempo, o lugar da crise e também das possibilidades.
Se no seu espaço social se multiplicam desigualdades, podem-se vislumbrar, no
cotidiano, oportunidades, pois que é na sociedade que se torna possível construir
alternativas ao modelo civilizatório capitalista, gênese de todas as contradições
existentes. A ‘ingovernabilidade’ da metrópole reside justamente na instabilidade e na
insustentabilidade desse modelo em países periféricos como o Brasil, em que
[...] a fragmentação do tecido sócio-político-espacial da metrópole, desdobrada no
espectro da ingovernabilidade urbana, assoma como uma expressão espacial sintética de
muitos dos principais obstáculos rumo a construção de ambientes metropolitanos mais
conviviais e menos heterônomos. (Souza, 2000:342)
A construção de estratégias alternativas e diferenciadas é peça-chave na busca
por soluções plausíveis diante dos desafios que a crise urbana propõe, havendo
necessidade, para tanto, de ampla reestruturação da organização espacial – com
participação tanto do poder público como de toda a sociedade – embasada num
79
arcabouço institucional adequado e devidamente adaptado a cada situação particular,
como é o caso das RMs e suas dinâmicas próprias dentro da rede urbana brasileira. Sem
levar em conta esses parâmetros, perdurará o esvaziamento institucional do dispositivo
das RMs, que, apesar de possuírem corpo, ainda lhes falta a alma para lhes dar vida e
capacidade de ação.
80
Capítulo III – Estudo do caso da região metropolitana de Londrina
Considerando de um lado a estrutura federalista brasileira e suas relações
resultantes entre os três entes federados, como visto no primeiro capítulo, e de outro, as
características do processo de urbanização observadas no país, tema tratado no segundo
capítulo, chegamos à formulação da hipó ese de que tais processos constituem-se
verdadeiros dilemas para a concretização do plano institucional e pleno funcionamento
do estatuto metropolitano. Para verificar a validade de tal pressuposto, escolheu-se para
o estudo de caso a RM de Londrina, localizada no estado do Paraná, pelas
características particulares que a região oferece tanto em dados estatísticos como
também pela ação (ou inércia) dos atores governamentais frente à RML.
A metodologia utilizada para composição do presente capítulo baseou-se em
dois instrumentos: de um lado, pela aplicação de questionário de pesquisa a relevantes
atores governamentais paranaenses, e de outro, pela análise de documentos oficiais do
governo do Paraná, bem como demais dados selecionados da RML, com as quais se
espera montar um quadro que, por meio do exemplo do caso estudado, possa trazer
alguns pontos de discussão pertinentes ao debate proposto sobre as RMs no sistema
federalista brasileiro.
O conteúdo do capítulo foi assim disposto:
1) breve histórico da região, compondo um quadro da sua formação político-
social desde a colonização até a criação da RML.
2) situação político-administrativa desde a institucionalização da região ocorrida
em 1998, traçando um perfil recente, com dados atuais sobre sua composição
81
econômica e social, considerandos em conjunto e para cada um dos oito municípios que
a compõe.
3) descrição dos resultados da pesquisa empírica com os atores governamentais
envolvidos com a RML, obtidos com a aplicação do questionário, e enfocando os
possíveis variáveis que comprometam ou não a cooperação e planejamento necessários
entre os mesmos para a consolidação da região;
4) relação da RML com as principais políticas de planejamento do poder público
estadual e municipal, para medição do grau de integração da questão metropolitana com
a ação pública efetiva das esferas governamentais.
Breve histórico da região norte paranaense
O estado do Paraná foi constituído a partir do desmembramento de São Paulo,
por meio de lei imperial editada no ano de 1853. Desde então o seu processo de
povoamento se resumiu a sua capital, Curitiba, e principalmente a sua porção litorânea –
destacadamente a cidade de Paranaguá – dada a importância dos portos como principais
propulsores da economia do país, pelo seu papel em termos de exportação da principal
atividade econômica exercida àquela época, que era a agricultura, tida como o nervo
econômico da civilização, setor no qual se assentou a ocupação e a exploração de todo o
território brasileiro (Prado Junior, 1961).
A monocultura exportadora de gêneros de alto valor no mercado internacional,
implementada no país desde o período do império, foi a principal causa para o aumento
das áreas plantadas e da mão-de-obra necessária para tratá-las. Produtos como a cana-
de-açúcar e do café – o primeiro destacando-se na época da colônia e o segundo já na
82
república – obtiveram incentivos financeiros públicos e privados, que uma vez
investidos na ampliação da produção, acabaram por fomentar um movimento de
ocupação de novas áreas para o plantio, fazendo com que novos centros urbanos fossem
surgindo em que as clareiras abertas pelo ímpeto explorador se constituíssem novos
campos de plantação e pastagem.
Na transição dos séculos XIX e XX, passando da mão-de-obra escrava até o
imigrante, a agricultura mono-exportadora continuou sendo o motor do progresso,
formando as elites que comandavam hegemonicamente o poder e que investiam em
infra-estrutura e mais mão-de-obra para alimentar a indústria do café, principal item da
pauta das exportações desde então. O interesse dessas elites era o de promover o
crescimento da produção e, assim, gerar mais divisas, trazendo para tanto maquinário e
capital humano estrangeiro para atingir as metas de crescimento estabelecidas,
movimento que acabou por provocar a procura, pelo interior do país, de novas áreas
para o plantio, que conforme se estabeleciam, formavam novos núcleos de ocupação,
para onde convergiam tanto população, para trabalhar nas lavouras, como recursos de
capital, para investir na logística de transportes das safras para os portos, principal porta
de saída das riquezas nacionais.
Não demoraria muito para a interiorização da produção agrícola atingir novos
patamares, chegando aos planaltos paranaenses. Foi nas décadas de 1910 e 1920 que o
café, combustível dos interesses empresarias e fonte de todo poder político da época, fez
com que novas fazendas fossem criadas e a estrada de ferro chegasse até a fronteira de
São Paulo com o Paraná. O eixo formado nessa direção se explicava pela presença do
famoso solo chamado “terra roxa”, de ótima qualidade e que produzia mais sacas de
café por hectare plantado do que outros tipos de solo. A primeira faixa desse solo foi
83
descoberta na região de Campinas, de onde partiu à procura de novas áreas com a
mesma qualidade de produção.
A ocupação do Paraná, mais especificadamente de sua porção norte, em que se
encontra Londrina, teve o café como uma das causas – mas não a única – para o
interesse na aquisição de terras naquela porção do país, ficando assim sua colonização
por conta principalmente do interesse privado, uma vez que o governo se limitava a
vender os lotes e a conceder os títulos de propriedade, tendo participação limitada por
meio de projetos militares para a ocupação estratégica daquela área, até então
‘selvagem’, com forte presença indígena.
Figura 01 – Início da ocupação da cidade de Londrina, 1934.
Fonte: Companhia Melhoramentos Norte do Paraná. Colonização e desenvolvimento do norte do Paraná. Edição comemorativa do cinqüentenário da CMNP, 1975.
84
O histórico de ocupação da região norte paranaense passa, fundamentalmente,
pela ação de um empreendimento inglês que chegou àquelas terras na década de 1920
com o intuito da exploração pela agricultura assim como pela atividade imobiliária – era
a Companhia Terras Norte do Paraná–CTNP que, em defesa de seus interesses
particulares, fez chegar os trilhos o que, conseqüentemente, provocou a intensa
ocupação da região. A CTNP tinha uma política bem clara quanto aos seus objetivos de
colonizar por meio da venda de pequenos lotes, dotados de infra-estrutura básica –
acesso a estrada de rodagem e a fonte de água – o que atraiu pessoas de várias regiões
do Brasil para ali estabelecerem suas plantações, interessadas nos altos lucros obtidos à
época com o café. Houve preocupação em distribuir e racionalizar a ocupação, de modo
a obter rendimentos oriundos da venda imobiliária assim como da produção agrícola,
dessa forma, a região foi alvo de uma colonização por meio das cidades planejadas:
A Companhia Terras Norte do Paraná adotou diretrizes bem definidas. As cidades
destinadas a serem núcleos econômicos de maior importância seriam demarcadas de
cem em cem quilômetros, aproximadamente. Entre estas, distanciados de dez a quinze
quilômetros um do outro, seriam fundados os patrimônios, centros comerciais e
abastecedores intermediários. (CMNP, 1975:76)
Com o empenho de formar um empreendimento rentável, os ingleses que
começaram as atividades da CTNP souberam criar as condições de sustentabilidade do
negócio, fortalecendo a ocupação da região norte paranaense com um planejamento que
não encontrava paralelo no setor público, que, por sua vez, foi responsável pela garantia
de propriedade das terras adquiridas pela CTNP, o que em muito ajudou na confiança
dos ingleses em manter os investimentos.
85
Londrina surgiu em 1929, como primeiro posto avançado deste projeto inglês. Na tarde
do dia 21 de agosto de 1929, chegou a primeira expedição da Companhia de Terras
Norte do Paraná ao local denominado Patrimônio Três Bocas, no qual o engenheiro Dr.
Alexandre Razgulaeff fincou o primeiro marco nas terras em que surgiria Londrina. O
nome da cidade foi uma homenagem prestada a Londres – “pequena Londres”, pelo Dr.
João Domingues Sampaio, um dos primeiros diretores da Companhia de Terras Norte
do Paraná. A criação do Município ocorreu cinco anos mais tarde, através do Decreto
Estadual n.º 2.519, assinado pelo interventor Manoel Ribas, em 3 de dezembro de 1934
(Londrina, 2005).
Com a segunda guerra mundial, a Inglaterra adotou uma política de resgate dos
investimentos externos e, em conseqüência disso, colocou à venda a CTNP que, a partir
de então, passou para mãos brasileiras e teve seu nome trocado para Companhia
Melhoramentos Norte do Paraná–CMNP sem, contudo, mudar a política já em prática.
Houve sim uma diversificação das atividades, uma vez que a oferta de venda de lotes,
principal atividade da companhia até então, diminuía gradativamente.
Londrina tornou-se o principal centro irradiador das atividades da CMNP,
concentrando investimentos e as atividades modernas de serviços e infra-estrutura,
consolidando, desde a sua formação em 1934, uma posição central no norte paranaense,
chegando a ser atualmente, em termos populacionais, a terceira maior cidade da região
sul brasileira. Com a constituição de 1988 facultando aos estados a função de instituir
RMs, foi durante o governo paranaense de 1998 que se tomou a decisão de instituir a
primeira delas localizada no interior, marcando o início do reconhecimento, ao menos
no âmbito legal, das novas metrópoles emergentes no cenário urbano brasileiro.
86
Perfil da RM de Londrina
A RML é localizada ao norte do estado do Paraná, região sul do Brasil (ver
figura 02), e foi criada em 1998, conforme determinação constitucional, pelo governo
do mesmo estado (ver quadro 02). Originalmente foi composta pelos municípios de
Cambé, Ibiporã, Jataizinho, Londrina, Rolândia e Tamarana, sendo incluídos,
respectivamente em 2000 e 2002, os municípios de Bela Vista do Paraíso e
Sertanópolis33, compondo os atuais contornos da RM (ver figura 03).
Quadro 02 – Legislação estadual e do município de Londrina sobre a RML.
Legislação Localização Conteúdo
Constituição Estadual Art. 21
Com base na redação do art.25 da CF, a CE do Estado do Paraná acrescenta-se ainda a necessária participação dos municípios envolvidos e da sociedade civil organizada na gestão regional.
Lei Complementar
Estadual1 LC nº81, de 11/06/1998
Institui a Região metropolitana de Londrina, criando os conselhos deliberativo e consultivo, atribuindo suas competências e definindo os serviços comuns de interesse metropolitano.
Lei Ordinária Municipal
Lei nº 7.482 (20.07.1998) modificada em seu artigo
16º pela Lei nº7.632 (30.12.1998)
Art.16 : prevê o planejamento integrado com os municípios da Região metropolitana de Londrina (em substituição a "região de conurbação com Cambé e Ibiporã"), tendo como uma das diretrizes fundamentais a integração da gestão regional.
Fontes: Casa Civil do Estado do Paraná, 2004; Câmara Municipal de Londrina, 2004. (1) A íntegra da lei complementar se encontra no anexo 01.
33 Por força das leis complementares nº86, de 2000, e nº91, de 2002.
87
Figura 02 – Localização geográfica dos municípios da região metropolitana de Londrina, Paraná.
Fonte: Malha Municipal Digital do Brasil, 1997; Produzido pelo software Estatcart – Sistema de Recuperação de Informações Georreferenciadas, IBGE, 2002.
O conceito de mancha urbana é aplicado a uma área com ocupação contínua que
extravasa os limites municipais existentes, revelando um dos principais fenômenos
metropolitanos atuais – o da conurbação. Tal fenômeno pode ser observado no recorte
adotado pelo IBGE para o censo de 2000, conhecido como setor censitário, que é a
menor unidade territorial adotada para o levantamento de dados em todo o Brasil. Com
base nos setores censitários34 da RML (ver figura 05), verificou-se a partir da sua
cidade-pólo, Londrina, o seguinte padrão: a existência, no sentido oeste, de uma mancha
contínua de ocupação que passa por Cambé e vai até Rolândia, e, no sentido leste, mais
rarefeita, um início de adensamento com o município de Ibiporã.
34 Para divulgação, o IBGE só disponibiliza a malha digital dos setores censitários dos municípios com mais de 25 mil habitantes, contados em 2000, recorte que exclui Bela Vista do Paraíso, Sertanópolis e Tamarana da possibilidade de visualização de sua mancha de ocupação. Mas, ao mesmo tempo, por serem cidades de pequeno porte, é compreensível que tais municípios não sejam de todo necessários para a análise aqui em curso, pois dificilmente fariam parte do fenômeno de conurbação com Londrina.
88
Figura 03 – Divisão político-administrativa da região metropolitana de Londrina
Fontes: Malha Municipal, IBGE, 1997; Observatório de Políticas Urbanas e Gestão Municipal, IPPUR/UFRJ – FASE, 2003.
89
Figura 04 – Fotos aéreas recentes dos municípios pertencentes à RM de Londrina, Paraná.
Bela Vista do Paraíso.
Cambé.
Ibiporã.
Jataizinho.
Londrina.
Rolândia.
Sertanópolis.
Tamarana.
Fonte: Paranacidade.pr.gov.br
90
Figura 05 – Mancha urbana de ocupação contínua, constituída a partir dos setores censitários dos municípios com mais de 25 mil habitantes da RM de Londrina. 35
Fontes: Malha de Setores Censitários 2000 e Malha Digital Municipal 1997; Observatório de Políticas Urbanas e Gestão Municipal, IPPUR/UFRJ – FASE, 2003.
Infra-estrutura urbana e econômica da RML
A infra-estrutura urbana da RML está toda concentrada no município de
Londrina, que desempenha também o papel de centro nervoso da economia regional,
estendendo sua influência para além dos limites formais, atingindo toda a região norte
paranaense e inclusive áreas limítrofes nos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul.
Para demonstrar a validade do papel de destaque da referida cidade dentro do conjunto
35 Na figura existe uma diferença nas linhas divisórias dos municípios e as correspondentes a dos setores censitários. Ela é explicada pelo fato de a malha digital municipal produzida pelo IBGE, de 1997, não ser compatível com a malha digital dos setores, criada em 2000.
91
metropolitano, selecionaram-se alguns dados que, postos em comparação aos demais
municípios da RML, possam corroborar a colocação feita: pelo aspecto econômico, o
valor do PIB e o peso dos setores da economia no valor adicionado em 2002, número de
agências e valor das operações de crédito em 2003. Já pelo lado de infra-estrutura
urbana, levantou-se o número de escolas e matrículas e o número de hospitais mais a
oferta de leitos.
Na tabela 11, já se pode perceber o peso econômico da cidade de Londrina em
comparação aos demais municípios da RML e inclusive para o estado do Paraná. É
também de se notar a participação de cada setor da economia no total de cada
município, onde se revelam dinâmicas diferenciadas. Do valor adicionado total da
região, Londrina respondia por simplesmente 66,4% desse, concentrando mais da
metade sua atividade no setor de serviços, 56,1%, índice maior que o da própria RML e
também do estado. Em compensação, tratando-se da indústria, Londrina fica abaixo de
ambos, marcando 40,1% do valor adicionado nesse setor.
Tabela 11 – Valor adicionado total e por setores da economia, PIB a preço de mercado corrente e PIB per capta para os municípios da RML e estado do Paraná, 2002.
Valor Adicionado Em Mil reais
Percentual de Participação no VA Município VA Total
(em Mil Reais) Agropecuária Indústria Serviços
PIB a preço de mercado
corrente Bela Vista do Paraíso 82.729 33,0% 10,5% 56,5% 83.441 Cambé 720.310 7,9% 55,0% 37,1% 760.973 Ibiporã 234.736 11,5% 37,8% 50,7% 253.141 Jataizinho 52.372 29,1% 28,0% 42,9% 54.400 Londrina 3.432.949 3,8% 40,1% 56,1% 3.552.518 Rolândia 440.737 16,5% 41,6% 41,8% 459.650 Sertanópolis 155.362 30,2% 25,8% 44,0% 158.586 Tamarana 51.073 45,9% 19,6% 34,4% 55.574 RML 5.170.268 7,7% 41,0% 51,3% 5.378.283 Paraná 77.467.164 16,2% 40,8% 43,0% 81.449.312 Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Contas. Rio de Janeiro: IBGE, 2005.
92
O PIB a preço de mercado corrente, em 2002, mostra também a predominância
de Londrina na RML, ficando a cidade responsável por 66,1% do total. Cambé foi o
município com maior participação no valor adicionado pela indústria, com 55,0%, o que
lhe conferiu o segundo maior volume verificado tanto para o valor adicionado quanto
para o PIB da região –13,93% e 14,15% respectivamente – mesmo assim longe das
marcas obtidas por Londrina.
Na agropecuária, o valor adicionado do setor para a região, 7,7%, tem menor
peso do que o anotado para o Paraná, de 16,2%. Os municípios com maior participação
nesse setor são Tamarana, com 45,9%, e Bela Vista do Paraíso, com 33,0%, ambos com
as mais taxas baixas de industrialização – 19,6% e 10,5% respectivamente – assim
como acontece também com Sertanópolis, 25,8% e Jataizinho, 28,0%. São cidades que
fogem às características metropolitanas, e, não por acaso, não fazem parte da mancha
urbana contígua a Londrina.
Tabela 12 – Número de estabelecimentos de saúde e de leitos disponíveis em 2002, total de escolas e de matrículas em todos os níveis de educação em 2003 e número de bancos e total da poupança depositada em 2003, por município da RML.
Saúde - 2002 Educação - 2003 Finanças - 2003
Municípios e RML Estabeleci-mentos
Número de Leitos
Total de Escolas
Total de Matrículas
Número de
Bancos
Operações de Crédito (R$)
Bela Vista do Paraíso 10 27 25 3.774 3 2.862.377.656
Cambé 18 110 69 20.427 5 6.589.644.298
Ibiporã 15 102 51 10.460 4 3.116.966.527
Jataizinho 4 20 13 2.657 1 467.948.537
Londrina 181 1.512 490 108.917 52 100.421.438.553
Rolândia 16 227 37 11.198 5 7.764.381.877
Sertanópolis 5 26 15 3.604 3 4.177.726.079
Tamarana 3 24 10 2.412 2 89.068.929
RM de Londrina 252 2.048 710 163.449 75 125.489.552.456
Fontes: IBGE, 2002; INEP-MEC, 2003; BACEN-MF, 2003.
93
Continuando no aspecto econômico, ao se analisar as finanças metropolitanas,
percebe-se em que setor está concentrado o capital. São 75 bancos instalados na RML,
dos quais 52 localizados no município de Londrina. Dos R$ 125.489.552.456,00,
movimentados em operações de crédito na região em 2003, R$ 100.421.438.553,00,
correspondentes a 80,0%, foram feitos na cidade-pólo regional.
Nas áreas de saúde e educação (tabela 12), é visível a maior oferta de serviços
urbanos localizados em Londrina. A cidade contava, em 2002, com 181 dos 252
estabelecimentos de saúde e com 1.512 dos 2.048 leitos ofertados na região. Em 2003
eram 490 escolas dos níveis fundamental, médio e superior frente as 710 existentes,
concentrando 66,63% das matrículas das 163.449 contadas para o período.
Procurou-se, com os dados acima selecionados, dar uma dimensão da
concentração econômica e de serviços urbanos do município de Londrina dentro da
RML, em que se assume sua condição de metrópole regional, centro irradiador do
processo de desenvolvimento no qual os demais municípios metropolitanos são
coadjuvantes, limitando-se a cumprirem o papel que, desde sua colonização pela CTNP,
foram designados, que foi o de darem suporte aos centros pré-selecionados de comando,
em que Londrina se tornou o principal deles.
Mas se a cidade-pólo concentra a economia e os serviços urbanos da RML, o
mesmo não é válido quando se é analisado, por exemplo, os problemas de infra-
estrutura de saneamento da região. Conforme pode ser visto na tabela 13, apesar de
haver certa universalização no acesso à rede geral de água e da adequação do destino do
lixo, no caso do esgotamento sanitário os índices mais precários estão nos menores
municípios e inclusive refletem-se em Londrina, pois a cidade aponta, em 2000, para
pouco mais da metade de seus domicílios com banheiro ou sanitário ligado a rede geral
94
de esgoto, 61,3%. Mesmo assim a taxa fica acima da média verificada para a região, de
54,8%, que possui municípios com situações preocupantes, como Rolândia, com 18,1%
e, o mais grave, Tamarana, que contava somente com 1,0% dos seus domicílios em
condições ideais de destino do esgoto. Única cidade com um nível aceitável nesse item
é Ibiporã, com 82,8%, ficando todas as demais em níveis preocupantes, que demandam
atuação imediata do setor público para a sua solução.
Tabela 13 – Abastecimento de água, esgotamento sanitário e destino do lixo, percentual e total, para os domicílios particulares permanentes dos municípios da RM de Londrina, 2000.
Municípios e RML Abastecimento de Água1 Destino do Lixo2 Esgotamento Sanitário3
Bela Vista do Paraíso .. 92,7% 3.854 90,5% 3.764 36,3% 1.508
Cambé .......................... 94,9% 23.173 95,3% 23.272 41,0% 10.000
Ibiporã ......................... 93,0% 10.969 92,2% 10.868 82,8% 9.759
Jataizinho ..................... 89,0% 2.790 87,7% 2.747 57,3% 1.796
Londrina ...................... 95,1% 121.468 95,6% 122.092 61,3% 78.235
Rolândia ....................... 89,1% 12.466 89,4% 12.514 18,1% 2.532
Sertanópolis ................. 84,3% 3.632 84,0% 3.616 30,4% 1.310
Tamarana ..................... 56,1% 1.359 56,1% 1.359 1,0% 25
RM de Londrina 93,6% 179.711 93,9% 180.232 54,8% 105.165
Fonte : IBGE - Censo Demográfico 2000 - Resultados do Universo. (1) Total de domicílios particulares permanentes ligados a rede geral de água. (2) Total de domicílios particulares permanentes com lixo coletado. (3) Total de domicílios particulares permanentes com banheiro ou sanitário ligado a rede geral de esgoto.
RML – Perfil demográfico por municípios
Para a RML foram selecionadas duas dinâmicas populacionais para análise: uma
com base no crescimento populacional e grau de urbanização da região desde a década
de 1970, mostrando sua participação relativa ao total do estado do Paraná e desse com o
Brasil, e a outra mais focada na década de 1990, com maior detalhamento dos índices
demográficos por município metropolitano.
95
Gráfico 02 – Taxa de urbanização da população residente da região metropolitana de Londrina, estado do Paraná e Brasil, para os anos de 1970, 1980, 1991 e 2000.
59,0%
82,6%
91,1%94,5%
73,4%58,6%
81,4%
36,1%
55,9%
75,6%
67,6%
81,2%
0,0%
10,0%
20,0%
30,0%
40,0%
50,0%
60,0%
70,0%
80,0%
90,0%
100,0%
1970 1980 1991 2000
RM L Paraná Brasil
Fonte: IBGE - Censos Demográficos
O país contava em 1970 com pouco mais da metade da população no meio
urbano (ver gráfico acima). Enquanto o estado do Paraná ainda era essencialmente rural,
com somente 36,1% urbano, a RML já apresentava uma taxa superior aos dois níveis
descritos, chegando a 59,0%. Foram necessários somente dez anos para que, em 1980, a
sua urbanização atingisse simplesmente 82,6%, num verdadeiro boom que foi
acompanhado de longe pelas taxas paranaense e brasileira, ainda em patamares
menores. Só mesmo em 1991 que todos os três níveis aqui observados chegaram a mais
de 70% de urbanização da sua população, sendo que a RML praticamente se tornou toda
urbana, chegando a 91,1%. Em 2000 a tendência continuou, mas em ritmo menos
acelerado como o da década de 1970. O estado do Paraná finalmente atingiu o mesmo
patamar de urbanização observado para todo o Brasil – 81,4% – 0,2% a mais do que a
do país, enquanto que a RML marcava 94,5% de população residente no meio urbano.
96
Em dados absolutos, conforme consta na tabela 14, nos trinta anos entre os
censos realizados em 1970 e o de 2000, a RML ganhou 288.353 habitantes, sendo a
maior parte deles, 117.031, oriundos dos anos 1980, população que, ao se concentrar
principalmente em Londrina e cidades vizinhas, contribuiu significativamente para as
elevadas taxas de urbanização ali atingidas36. O mesmo ritmo é visto na dinâmica
populacional do estado do Paraná e do Brasil, com elevado crescimento entre 1970 e
1980 e uma pequena queda no ritmo na década de 1990, como será tratado a seguir.
Tabela 14 – População residente na região metropolitana de Londrina, no estado do Paraná e no Brasil para os anos de 1970, 1980, 1991 e 2000.
População residente (habitantes) Brasil, Unidade da Federação e RM 1970 1980 1991 2000
RML 389.679 465.672 582.703 678.032
Paraná 6.929.821 7.629.849 8.448.713 9.563.458
Brasil 93.134.846 119.011.052 146.825.475 169.799.170
Fonte: IBGE – Censos Demográficos de 1970, 1980, 1991 e 2000.
Dada a dinâmica de crescimento populacional e urbano observada no período de
trinta anos, entre 1970 e 2000, segue a análise para uma verificação um pouco mais
apurada do desenvolvimento da RML na década de 1990, período em que houve um
arrefecimento na constante taxa de expansão das duas décadas anteriores, consolidando
o processo num estágio em que se passou a considerar o recorte regional norte
paranaense, polarizado por Londrina, como uma nova metrópole regional, adquirindo
um perfil que a diferencia dos demais municípios do interior do Paraná.
A RML tinha, em 1991, uma população de 580.409 habitantes e, crescendo a
uma taxa de 1,70% ao ano, na década de 1990, chegou a 678.032 habitantes, em 2000, o
que correspondeu a 7,1% do total verificado para o estado do Paraná que, por sua vez, 36 Para uma visualização da formação das cidades constituintes da RML, ver figura 01.
97
cresceu num ritmo menor, a 1,39% ao ano (ver tabela 15). A RML é praticamente toda
urbanizada, atingindo uma taxa de 94,5% em 2000, superior aos 81,4% do estado, o que
sustenta o dado de sua densidade demográfica, que marcou 158,1 habitantes por
quilômetro quadrado, bem acima da média paranaense, de 47,9 habitantes por
quilômetro quadrado, o que nos demonstra a considerável concentração populacional
existente na região.
Tabela 15 – População residente, taxa de urbanização e densidade demográfica em 2000 e *taxa de crescimento anual para o período 1991-2000.
Municípios, RML e Paraná População 1991
População 2000
% participação percentual2
Taxa de urbanização
2000
TCA* 1991-2000
Habitantes /
km2
Bela Vista do Paraíso 15.098 15.031 2,2 92,2% -0.05 60,9 Cambé 73.842 88.186 13,0 92,9% 1,99 177,8 Ibiporã 35.168 42.153 6,2 92,9% 2,03 141,5 Jataizinho 10.428 11.327 1,7 91,1% 0,92 67,4 Londrina 390.100 447.065 65,9 96,9% 1,53 259,2 Rolândia 43.776 49.410 7,3 90,4% 1,35 107,7 Sertanópolis 14.291 15.147 2,2 83,2% 0,65 29,58 Tamarana1 - 9.713 1,4 48,6% - 23,81 RML 582.703 678.032 7,1 94,5% 1,70 158,1
Paraná 8.448.713 9.958.454 100 81,4% 1,39 47,9
Fonte: Censos Demográficos 1991 e 2000, IBGE.
(1) O município de Tamarana foi instalado em 1997, como desmembramento de Londrina, não contendo, portanto, dados de crescimento populacional ainda. (2) Participação percentual dos municípios em relação a RML e da RML em relação ao estado do Paraná.
Das cinco faixas selecionadas para a composição dos grupos de idade da
população37, a RML tinha, em 2000, uma distribuição relativamente equilibrada, com
maior participação das pessoas da faixa dos 30 aos 59 anos, 36,9%, (ver na tabela 16),
um pouco acima do índice de 35,5% observado para o estado do Paraná. No grupo que
37 A saber: de 0 a 9 anos para infância, de 10 a 19 a juventude, de 20 a 29 anos as pessoas adultas em formação, ou seja, que à princípio estão ou faculdade ou entrando no mercado de trabalho; de 30 a 59 para adultos e acima de 60 anos a “terceira idade”.
98
compreende a infância e a adolescência, os índices são, respectivamente, 17,7% e
18,8% da população da região, números menores, mas bem próximos do estado. Na
faixa dos 20 aos 29 anos a proporção verificada nos dois foi igual, de 17,4%. Com
maior participação relativa ao total, a RML apresentou 9,2% de sua população com
mais de 60 anos, enquanto no Paraná a participação foi de 8,5%, faixa considerada
como a da ‘terceira idade’, corte escolhido para a legislação voltada para o idoso38.
Tabela 16 – Percentual da população residente por grupos de idade segundo os municípios da região metropolitana de Londrina e o estado do Paraná, 2000.
Grupos de Idade Municípios e RML
De 0 a 9 anos 10 a 19 anos 20 a 29 anos 30 a 59 anos Mais de 60 anos
Bela Vista do Paraíso 29,4% 15,6% 15,0% 27,9% 12,1%
Cambé 18,0% 19,1% 18,0% 36,5% 8,5%
Ibiporã 17,9% 19,2% 17,1% 36,2% 9,6%
Jataizinho 20,7% 19,5% 17,0% 33,9% 8,9%
Londrina 17,0% 18,7% 17,4% 37,5% 9,3%
Rolândia 17,0% 18,7% 17,5% 37,2% 9,7%
Sertanópolis 22,0% 18,6% 16,4% 30,8% 6,1%
Tamarana 21,9% 21,7% 16,8% 36,8% 8,8%
RML 17,7% 18,8% 17,4% 36,9% 9,2%
Paraná 19,1% 19,6% 17,4% 35,5% 8,5%
Fonte: IBGE - Censo Demográfico 2000.
Em questão de gênero e cor (vide tabela 17) a RML apresenta uma distribuição,
entre masculino e feminino e entre brancos, pretos e pardos e amarelos e indígenas,
muito próxima do que se verifica para o estado do Paraná. Enquanto esse tinha em 2000
uma população que se dividia a uma taxa de 49,5% de homens e 50,5% mulheres, a
RML apresentava, respectivamente, 48,7% e 51,3%, tendendo levemente para maior
participação do contingente feminino no total de pessoas residentes. Já no aspecto
raça/cor, a participação maior na RML é de negros e pardos, 23,0%, e amarelos e 38 Lei nº10.741, de 1º de outubro de 2003, conhecida como “estatuto do idoso”.
99
indígenas, 3,1%, comparativamente ao estado com 21,1% e 1,3%, respectivamente, fato
que, no caso dos índios, pode ser explicado pela existência da reserva indígena de
Apucaraninha, da tribo kaigangues, localizada no município de Tamarana, e seus
descendentes, somados aos de outras tribos que habitavam a região na época da
colonização, podem ser encontrados espalhados pelos demais municípios da RML,
exercendo assim, mesmo que em escala diminuta, certo peso relativo na distribuição por
cor da população.
Tabela 17 – Percentual da população residente, por gênero e cor segundo os municípios da região metropolitana de Londrina e estado do Paraná, 2000.
Gênero Cor
Municípios e RML Masculino Feminino Branco Preto e Pardo Amarelo e
Indígena
Bela Vista do Paraíso 49,2% 50,8% 68,5% 31,0% 0,4%
Cambé 49,4% 50,6% 72,8% 25,4% 1,0%
Ibiporã 49,1% 50,9% 72,4% 25,2% 2,2%
Jataizinho 49,9% 50,1% 67,6% 30,1% 2,2%
Londrina 48,3% 51,7% 74,2% 21,7% 3,9%
Rolândia 49,3% 50,7% 72,8% 25,7% 1,4%
Sertanópolis 49,7% 50,3% 76,4% 23,0% 0,3%
Tamarana 51,5% 48,5% 65,9% 17,8% 11,8%
RML 48,7% 51,3% 73,5% 23,0% 3,1%
Paraná 49,5% 50,5% 77,2% 21,1% 1,3%
Fontes: IBGE - Censo Demográfico 2000 - Resultados do Universo; IPPUR/UFRJ, Ministério das Cidades – Metrópoles: Desigualdades Sócio-Espaciais e Governança Urbana (CD-ROM).
Londrina – cidade pólo da RML
Em 2000 mais da metade da população da RML se concentrava em Londrina,
que, com 447.065 habitantes, representava 65,9% do total da região. Chegou-se a esse
total pelo acréscimo de 56.965 pessoas com relação ao total verificado em 1991,
marcando uma taxa de crescimento de 1,53% ao ano na década de 1990, um pouco
100
abaixo da média para a RML (1,70% a.a.) e acima da registrada para o estado do Paraná
de 1,39% ao ano. Londrina apresenta ainda a maior taxa de urbanização da região,
chegando a 96,9%, e também a maior densidade demográfica, com 259,2 habitantes por
quilômetro quadrado, índices que indicam a sua alta concentração populacional.
A população londrinense apresentou, em 2000, uma das menores proporções de
crianças e adolescentes – 17,0% e 18,7%, respectivamente – observadas na RML e
comparativamente ao estado do Paraná como um todo. Entre as demais faixas,
destacam-se a do grupo que vai dos 30 aos 59 anos, com 37,5%) e os de mais de 60
anos, com 9,3%, índices maiores que os registrados para o total da região, o que resulta
um perfil populacional mais maduro, contrariando a possível hipótese de que, por ser
uma cidade-pólo universitária e, por conseguinte, de atração da população que está na
faixa de 20 a 29 anos, tenderia a possuir um contingente maior de pessoas nessa idade –
o valor de 2000 ficou em 17,4%, igual ao da RML e também ao do estado paranaense.
A cidade é a que tem a maior participação de mulheres entre os demais
municípios, correspondendo a 51,7% do total da população residente em 2000, índice
um pouco superior tanto ao total da região, de 51,3%, como ao do estado, de 50,5%,
mas sem fugir muito à média. Já na variável cor/raça, no mesmo período recenseado,
Londrina caracteriza-se por um perfil de população majoritariamente branca, 74,2%,
sendo essa a maior taxa verificada entre os oito municípios da RML, fato que se repete
também, ao se destacar a maior proporção de índios e amarelos em sua população,
correspondente a 3,9%, fator que pode ser atribuído, por um lado, à história da presença
indígena da região e, de outro, à intensa migração japonesa que fincou raízes na cidade
durante o processo de colonização.
101
Bela Vista do Paraíso
Incluída na RML em 2000, por lei complementar estadual nº 86, o município
teve, durante a década 1990, um decréscimo populacional absoluto de 65 pessoas,
apresentando, portanto, taxa negativa de crescimento, em 0,05% ao ano. Com 15.031
habitantes, em 2000, representa apenas 2,2% do total da população da região. Sua taxa
de urbanização, apesar de menor do que a média verificada para a RML, é relativamente
alta, chegando a 92,2%, e a sua densidade demográfica é de 60,9 habitantes por
quilômetro quadrado, acima de média estadual, mas longe da verificada para a região.
Do total da população residente em 2000, o município é o que apresentou a
maior participação da faixa etária que corresponde à infância, com 29,4%, e também da
que engloba as pessoas com mais de 60 anos, com 12,1%, ambos os índices maiores do
que os verificados tanto para a RML como para o estado do Paraná. Como quase metade
da população é formada por crianças e idosos, em conseqüência, os demais grupos de
idade tiveram participação menor, inclusive registrando percentual abaixo dos demais
municípios da região.
Em termos de gênero, a distribuição ficou bastante equilibrada, com 49,2% de
mulheres e 50,8% de homens, bem próxima da média paranaense. Quanto à cor, Bela
Vista do Paraíso aparece em primeiro lugar na proporção de negros e pardos na
população total, com 31,2%, muito acima da média metropolitana e estadual. O fator
indígena aqui tem peso insignificante, ainda por cima lembrando que a variável conta
também os amarelos, chegando somente a 0,4% do total, segundo menor índice entre as
cidades da RML.
102
Cambé
Segundo maior município da RML, em 2000 contava com 88.186 habitantes, o
que correspondia a 13,0% do total da região. Em relação a 1991, teve um aumento
absoluto de 14.344 pessoas, o que correspondem a um taxa de crescimento de 1,99% ao
ano, a segunda maior verificada entre os oito municípios e acima das médias de
crescimento da própria região e do estado. Sua taxa de urbanização em 2000 era de
92,9% e acompanha a tendência da região. Já sua densidade demográfica é a segunda
maior, com 177,8 habitantes por quilômetro quadrado, apresentando uma dinâmica
concentradora, resultante do fenômeno da conurbação com Londrina.
Na distribuição etária da população, é o município com a menor participação do
grupo com mais de 60 anos, 8,5%, com índice igual ao verificado para o estado e abaixo
do anotado para a RML. Nas demais faixas, segue o padrão da região, com margem um
pouco superior nas faixas até 29 anos de idade, ficando abaixo somente no grupo das
pessoas de 30 a 59 anos, 6,5%, que mesmo assim é maior que a média paranaense com
35,5%.
Os homens compõe 49,4% da população residente no município em 2000, com
50,6% do sexo feminino, mostrando um equilíbrio que se repete nas outras cidades da
região e do estado. Na distribuição segundo a cor, 72,8% são brancos e 25,4% negros e
pardos, sendo essa última taxa maior que a verificada para a RML e o Paraná. Só 1,0%
em Cambé são classificados como indígenas e amarelos, segunda menor participação
dessa faixa entre os oito municípios em análise, ficando abaixo da média metropolitana
de 3,1%.
103
Ibiporã
Quarto em ordem de grandeza populacional em 2000, seus 42.153 habitantes
correspondem a 6,2% do total da população da região. A cidade obteve na década de
1990 um acréscimo de 6.985 pessoas, o que representou relativamente a maior taxa de
crescimento observada em toda RML, com 2,03% ao ano. Sua mancha urbana encontra-
se em processo de conurbação com a Londrina, processo que ajuda a entender o fato de,
em 2000, a densidade demográfica atingir o marco de 141,5 habitantes por quilômetro
quadrado, terceira maior da região, e também sua alta taxa de urbanização, em 92,9%.
Terceiro lugar no quesito maior participação do grupo de pessoas acima de 60
anos, com 9,6%, Ibiporã apresenta na faixa dos 30 aos 59 anos taxa inferior a da RML e
do Paraná, com 32,2%, fato que também ocorre com a faixa dos 20 aos 29 anos, 17,1%,
o que contribui para maior presença de crianças e adolescentes na composição de sua
população, apesar de suas taxas ficarem abaixo das registradas para o estado.
A taxa de participação das mulheres na população residente é a segunda maior
da região, com 50,9%, ficando os homens com 49,1%. Já na variável cor, Ibiporã repete
a maior participação dos negros e pardos, 25,2%, e indígenas e amarelos, 2,2%,
verificadas nos demais municípios, taxas menores só que as médias da RML.
Jataizinho
Segundo menor município em termos populacionais, o município em 2000
participava apenas em 1,7% do total da RML, contando apenas com 11.327 habitantes,
899 a mais do que em 1991, equivalentes à pequena taxa de 0,92% ao ano, bem menor
do que a verificada para a RML e a do próprio estado. Apesar da alta taxa de
104
urbanização, em 91,1%, sua densidade demográfica aponta para uma área esparsamente
povoada, com apenas 67,4 habitantes por quilômetro quadrado.
Nos grupos de idade, sobressai a participação da faixa dos 0 aos 9 anos no total
da população, com 20,7%, acima das médias regional e estadual. Nas demais faixas,
percebe-se também uma composição com menor participação da faixa das pessoas com
30 a 59 anos, com 33,9% de participação, o que por sua vez aumentou a contingente de
jovens e idosos, com taxas superiores às do Paraná.
O equilíbrio entre homens e mulheres na população residente é o maior da RML,
com 49,9% e 50,1%, respectivamente. Maior também é a participação de negros e
pardos em Jataizinho, chegando a uma taxa de 30,1%, segunda maior da região.
Brancos somam 62,6%, menor proporção entre os demais municípios, e indígenas e
amarelos compõe 2,2%, seguindo a tendência da participação dessa faixa verificado no
caso em análise.
Rolândia
Terceiro maior município da região, o mesmo faz parte da mancha urbana que
parte de Londrina, passa por Cambé e influencia sua área de ocupação urbana. Em
2000, contava-se 49.410 habitantes, o que correspondia a 7,3% do total da RML. Em
relação a 1991, Rolândia somou mais 5.634 pessoas e cresceu 1,35% ao ano, índice
abaixo do verificado para a região e o estado, resultado que acabou por não influir na
posição consolidada da cidade em termos da alta densidade demográfica, de 107,7
habitantes por quilômetro quadrado, e da igualmente alta taxa de urbanização, em
90,4%.
105
Com a segunda maior proporção de idosos em sua população (9,7%), e com o
contingente de crianças e adolescentes abaixo das médias registradas para a RML e o
Paraná, a cidade possui uma composição etária mais “madura”, concentrando-se nas
faixas que incluem pessoas de 20 a 29 anos, com 17,5%, e na de 30 a 59 anos, com
37,2%, sendo essa a segunda maior proporção verificada dentre os municípios da
região.
Com mais mulheres, 50,7%, o sexo masculino soma 49,3% da população
residente. Rolândia tem a segunda maior participação dos brancos da RML, 74,2%,
ficando assim as demais faixas com taxas abaixo da média metropolitana – negros e
pardos com 21,7% e indígenas e amarelos com 1,4% – mas acima da paranaense.
Sertanópolis
Incluída em 2002 por meio da lei complementar estadual nº 91, o município é
um dos menores da RML, em que seus 15.147 habitantes correspondem apenas a 2,2%
do total da população. De 1991 até 2000, houve um pequeno acréscimo de 856 pessoas,
o que correspondeu à ínfima taxa de crescimento de 0,65% ao ano. Apresenta a segunda
menor densidade demográfica da região, de 29,58 habitantes por quilômetro quadrado, e
também a segunda menor taxa de urbanização, em 83,2%, características típicas de
municípios em que ainda predominam as atividades voltadas para o campo.
É o segundo maior município com a participação da faixa que vai dos 0 aos 9
anos no total da população, chegando a expressivos 22,0%. Trata-se da cidade com a
menor proporção de idosos no conjunto de seus habitantes, marcando 6,1%, e também
registra a segunda menor taxa do grupos de pessoas dos 20 aos 29 anos, com 16,4%.
106
Repetindo o equilíbrio geral em questão do gênero dos municípios aqui
considerados, distribuem-se perto da igualdade homens e mulheres – com 49,3% e
50,3%, respectivamente. Com a menor participação de indígenas e amarelos na
população, 0,3%, em 2000 Sertanópolis anotou a maior proporção de brancos, com
76,4%, e a faixa de negros e pardos ficou equivalente ao anotado para a RML, em
23,0%.
Tamarana
Emancipado de Londrina pela Lei Estadual nº 11.224 em 1995, trata-se do
menor município da RML, com apenas 9.713 habitantes, ou 1,4% do total da região
verificado em 2000. Por ter sido criado após o Censo de 1991, não possui estatísticas de
crescimento consolidadas, mas sua baixíssima taxa de urbanização, em 48,6%, aliada à
igualmente baixa densidade demográfica, de 23,81 habitantes por quilômetro quadrado,
apontam para o caráter altamente rural da cidade, permitindo mesmo questionar os
motivos pelos quais foi requerida sua emancipação de Londrina, motivos esses além da
já permissão constitucional para que tais processos pudessem ser realizados.
Os habitantes do município se distribuem de maneira diferente da média
metropolitana. Crianças, 21,9%, e jovens, 21,7%, juntamente com os idosos, 8,8%,
compõem mais da metade da população, ficando a faixa dos 20 aos 29 anos com a
menor parcela na composição etária, 16,8%, abaixo das médias observadas para a RML
e o Paraná.
Destoando em vários detalhes do que é verificado nos demais municípios
metropolitanos, Tamarana inverte a relação de gênero, com maior proporção de homens,
com 51,5%, do que de mulheres, com 48,5%. Cidade que abriga parte da reserva
107
indígena existente na região, sua taxa de indígenas e amarelos chega a 11,8%, muito
acima das médias regionais. Em função disso, negros e pardos tem a menor participação
no total da população levantada para a RML, com apenas 17,8%, e a taxa de brancos é a
segunda menor, com 65,9%, ambas menores que as médias metropolitana e paranaense.
RML – Perfil sócio-econômico da população por municípios
Complementando o quadro descritivo da realidade social e econômica da RML,
fornecendo um panorama geral e também particular a cada município, somando-se os
dados demográficos acima analisados, selecionaram-se as seguintes variáveis sobre
educação e renda: grau de instrução, população economicamente ativa e renda nominal
mensal. Considerou-se para tanto a população residente na RML com dez ou mais de
idade, que no ano de 2000 era de 560.493 habitantes, ou seja, 82,7% do total da
população da região.
O grau de instrução é definido pelos anos de estudo que uma pessoa tenha por
ocasião do recenseamento feito pelo IBGE. As pessoas do domicílio pesquisado se
enquadram segundo os seguintes parâmetros: Ensino Fundamental, equivalente a
pessoas cursando a pré-escola ou da primeira até a oitava-série; pessoa matriculada em
umas das três séries do ensino médio e, por fim, os que têm onze anos de estudo, ou
mais, que se enquadram no ensino superior.
108
Tabela 18 – Totais absoluto e percentual da população residente com 10 anos ou mais de idade, por grau de instrução, segundo os municípios da RML, 2000
População residente de 10 anos ou mais de idade
Ensino Fundamental1 Ensino Médio2 Ensino Superior3 Municípios e RML
Total absoluto percentual absoluto percentual absoluto percentual
Bela Vista do Paraíso 12.396 8.667 69,9% 1.597 12,9% 2.085 16,8%
Cambé 72.323 44.534 61,6% 13.505 18,7% 13.441 18,6%
Ibiporã 34.618 21.919 63,3% 6.140 17,7% 6.321 18,3%
Jataizinho 8.981 1.346 69,6% 1.325 14,8% 1.346 15,0%
Londrina 371.058 188.096 50,7% 69.825 18,8% 110.082 29,7%
Rolândia 41.033 24.082 58,7% 7.560 18,4% 8.907 21,7%
Sertanópolis 12.495 7.975 63,8% 2.198 17,6% 2.289 18,3%
Tamarana 7.589 5.988 78,9% 830 10,9% 694 9,1%
RML 560.493 307.514 54,9% 102.980 18,4% 145.165 25,9%
Fonte: Censo Demográfico 2000 – IBGE. (1) Incluindo pessoas de 10 anos ou mais sem instrução e com menos de 1 ano de estudo. (2) Pessoas de 10 anos ou mais com 8 a 10 anos de estudo. (3) Pessoas de 10 anos ou mais com 11 anos ou mais de estudo.
Conforme apontam os dados demonstrados na tabela 18, a RML como um todo
apresentou, em 2000, uma forte participação das faixas mais escolarizadas da
população, inclusive com uma fatia maior de pessoas com ensino superior, 25,9%, do
que as que estão cursando ou só têm até o ensino médio, 18,4%. Mesmo assim, mais da
metade ainda dos habitantes da região estão cursando ou só concluíram o ensino
fundamental, 54,9%. Tanto a educação superior pública, oferecida pela Universidade
Estadual de Londrina–UEL, quanto pela participação considerável do ensino superior
privado – que só na cidade de Londrina somava, em 2003, quatorze entidades que
responderam por 16.867 das matrículas no mesmo período (Londrina, 2005) –
contribuíram sobremaneira na constituição de uma população metropolitana com maior
escolaridade.
109
Tabela 19 – Percentual da população economicamente ativa–PEA, segundo o total da população residente de 10 anos ou mais de idade para os municípios da RML e estado do Paraná, em 1991 e 2000.
População residente de 10 anos ou mais de idade
Total Economicamente Ativa (percentual) Municípios e RML
1991 2000 1991 2000
Bela Vista do Paraíso 12.010 12.396 58,1% 60,1%
Cambé 58.039 72.323 56,8% 61,5%
Ibiporã 27.800 34.618 54,9% 61,1%
Jataizinho 8.065 8.981 57,3% 56,9%
Londrina 310.506 371.058 57,9% 62,3%
Rolândia 34.916 41.033 57,8% 62,6%
Sertanópolis 11.428 12.495 56,3% 62,0%
Tamarana - 7.589 - 57,4%
RML 462.764 560.493 57,5% 61,9%
Paraná 6.580.428 7.753.440 54,9% 60,0%
Fonte: Censo Demográfico 2000 – IBGE.
De 1991 a 2000, houve um pequeno aumento na proporção da população
economicamente ativa da RML, que de 57,5% passou para 61,9%, índice que mostra o
mesmo resultado apresentado, no mesmo período, pelo estado do Paraná (tabela 19).
Quanto ao rendimento nominal mensal para o ano de 2000, a região distribui-se da
seguinte maneira: praticamente metade das pessoas (48,9%, no período do levantamento
censitário) estavam sem rendimento ou ganhavam até um salário mínimo. A segunda
maior faixa é a que engloba aqueles que registraram renda de mais de um até cinco
salários mínimos, com 36,6%, ficando os que ganham entre cinco e dez salários com
5,2% e os que auferem mais de dez salários com 3,3% (tabela 20).
110
Tabela 20 – Totais absoluto e percentual da população residente de 10 anos ou mais de idade segundo rendimento nominal mensal, para os municípios da RML, 2000.
População residente de 10 anos ou mais de idade
Sem rendimento e com rendimento até 01 Salário Mínimo
Mais de 01 a 05 Salários Mínimos
Mais de 05 a 10 Salários Mínimos
Mais de 10 Salários Mínimos Municípios e RML
absoluto percentual absoluto percentual absoluto percentual Absoluto percentual
Bela Vista do Paraíso 7.260 58,6% 4.071 32,8% 650 5,2% 413 3,3%
Cambé 36.729 50,8% 29.123 40,3% 4.326 6,0% 2.146 3,0%
Ibiporã 18.874 54,5% 12.505 36,1% 2.229 6,4% 1.009 2,9%
Jataizinho 5.435 60,5% 3.025 33,7% 387 4,3% 136 1,5%
Londrina 173.538 46,8% 133.438 36,0% 36.774 9,9% 27.307 7,4%
Rolândia 20.035 48,8% 16.489 40,2% 2.773 6,8% 1.736 4,2%
Sertanópolis 7.075 56,6% 4.342 34,7% 704 5,6% 373 3,0%
Tamarana 5.214 68,7% 1.969 25,9% 317 4,2% 89 1,2%
RML 274.160 48,9% 204.962 36,6% 48.160 8,6% 33.209 5,9%
Fonte: Censo Demográfico 2000 – IBGE.
Londrina – cidade pólo da RML
Cidade de caráter universitário, em que se encontra instalada a UEL, é a que
possuía em 2000 a maior participação de pessoas formadas ou que estavam cursando o
ensino superior, com 29,7%, ao mesmo tempo em que registrava a menor proporção de
habitantes que só tinham concluído ou estavam cursando o ensino fundamental, 50,7%,
mesmo assim, ainda correspondendo à metade da população com idade superior a dez
anos. Dos que se encontravam na faixa do ensino médio, somavam-se 18,8% do total,
valor próximo ao do verificado para a região, de 18,4%.
Em termos absolutos, a PEA londrinense aumentou em 60.552 pessoas na
década de 1990, passando de 57,9% para 62,3% do total da população com mais de dez
anos de idade, acompanhando o ritmo observado para a RML. Dentre as faixas de
rendimento nominal mensal, é a cidade que conta com maior número daqueles que
111
ganham entre cinco e dez salários, 9,9%, e dos que ganham mais de dez salários, 7,4%,
mas a maior faixa, seguindo a tendência regional, é a dos que não possuem rendimento
ou ganham até um salário mínimo, com 46,8% do total.
Bela Vista do Paraíso
Com a segunda maior taxa, 69,9%, de pessoas cursando ou que só tinham o
ensino primário, o município apresenta uma participação modesta nos demais níveis de
ensino – médio com 12,9% e superior com 16,8%.
A PEA municipal cresceu modestamente para 60,1% da população em 2000,
frente aos 58,1% registrados em 1991. Com algum grau de correlação possível, por ser a
população de maioria só com o nível fundamental de ensino, Bela Vista do Paraíso tem
58,6% da sua população, com 10 anos ou mais, sem rendimento ou com o mesmo até
um salário mínimo, segundo maior índice na RML.
Cambé
O município, em 2000, tinha 61,6% da população com somente ensino
fundamental, taxa acima da média regional, de 54,9%, ficando a faixa do ensino médio
com participação de 18,7% e a do ensino superior com 18,6%.
Sua PEA aumentou em valores absolutos, de 1991 a 2000, em 14.284 pessoas, a
segunda maior da região, marcando no final do período uma taxa de 61,5% de pessoas
economicamente ativas na cidade. Com desempenho pouco acima, comparando-se com
a RML, a participação de pessoas sem rendimentos ou que ganhavam até um salário
112
mínimo em 2000 chegou a 50,8%, ficando as demais pessoas concentradas na faixa dos
que ganhavam mais de um até cinco salários, com 40,3% dos habitantes nessa situação.
Ibiporã
O município possuía, em 2000, uma população da qual 63,3%, com mais de dez
anos de idade cursavam ou já haviam concluído o ensino fundamental, sendo a faixa do
ensino médio correspondente a 17,7% e a do ensino superior a 18,3%.
Em 1991, a PEA estava na faixa de 54,9%, chegando a 61,1% em 2000. Ibiporã
registrou a segunda menor proporção da população sem rendimento ou ganhando até um
salário mínimo, com 54,5%, e a segunda maior proporção na faixa dos que ganham
mais de uma até cinco salários, com 36,1%.
Jataizinho
Em 2000, 69,6% da população de Jataizinho com mais de dez anos de idade
cursava ou possuía apenas o ensino fundamental, índice bem maior do que o registrado
para toda RML, com exceção dos demais níveis de ensino, ficando o médio com 14,8%
e o superior com 15,0% do total.
Único município da região a apresentar queda na proporção da PEA, em 2000 a
mesma correspondia a 56,9%, abaixo dos 57,3% registrados para 1991. Das classes de
rendimento nominal mensal, o município apresentou a segunda maior proporção
daqueles que, do total da população com dez anos ou mais de idade, não tinha
113
rendimento ou ganhavam até um salário mínimo, com 60,5%, e a segunda menor
participação daqueles que ganhavam mais de dez salários, com 1,5%.
Rolândia
Município com a segunda maior taxa de pessoas que cursavam ou já haviam
concluído o ensino superior, com 21,7%, é também detentor da segunda menor taxa de
pessoas com ensino fundamental, ficando em 58,7%, ambos os índices que só ficam
atrás dos verificados para a cidade de Londrina.
Com maior participação da PEA em 2000, marcando 62,9% do total da
população com mais de dez anos, mostrou um resultado maior do que o obtido pela
média metropolitana, inclusive em 1991, de 57,8%. Das classes de rendimento nominal
mensal, menos da metade, 48,8%, estavam entre os sem rendimento e os que ganhavam
até um salário mínimo, enquanto que 40,2% se encontravam na faixa dos que ganhavam
mais de um até cinco salários.
Sertanópolis
Acompanhando a tendência em 2000 da alta participação dos municípios
menores da RML na proporção da população que cursava ou só tinha o ensino
fundamental, Sertanópolis marcou a taxa de 63,8% nessa faixa, ficando o ensino médio
com 17,6% e o superior com 18,3%.
A PEA em 1991 correspondia a 56,3% do total de sua população com mais de
10 anos de idade, passando a 62,0% em 2000. Os percentuais observados para o
114
rendimento nominal mensal ficaram mais equilibrados, com 56,6% dos habitantes sem
rendimento ou com até um salário de renda e uma taxa de 34,7% daqueles que
ganhavam mais de um até cinco salários mínimos, índices respectivamente acima e
abaixo das médias metropolitanas.
Tamarana
Repetindo os resultados díspares, ao ser comparado com o conjunto regional, o
município acaba fugindo totalmente ao padrão metropolitano, mais um sinal sobre a
discussão da sua inserção no recorte que instituiu a RML.
Mais de três quartos da população (78,9%) estavam, em 2000, cursando ou já
tinham concluído o ensino fundamental, contra apenas 10,9% no ensino médio e 9,1%
no superior.
Com a menor proporção da PEA na região, 57,4% – dado que só existe para
2000, uma vez que o município foi criado em 1995 – e com esse perfil de baixa
escolaridade, não seria diferente o resultado da distribuição entre as faixas de renda
nominal mensal: 68,7% da população com mais de dez anos de idade ou não tinha
nenhuma renda ou ganhavam até um salário mínimo. Trata-se da maior concentração de
pobreza observada na RML, dado que dentre as outras faixas, os que ganham mais de
um até cinco salários somam 25,9%.
115
O papel dos atores governamentais na RML
De posse do perfil da RML em seus aspectos social e econômico, segue-se agora
um estudo complementar, que abrange o aspecto político da região da atualidade. A
metodologia utilizada para o caso é baseada na aplicação de questionário (cujo modelo
se encontra no apêndice A) aos atores governamentais – poderes executivo e legislativo
municipais e estadual – que estavam em atividade no período da pesquisa, que foi
realizada durante o segundo semestre de 2005.
O objetivo é o de analisar, com base nas fontes consultadas na própria RML e
também no governo do estado do Paraná, elementos para se aferir o conhecimento por
parte dos atores governamentais sobre a questão metropolitana, qual o grau de
importância que lhe é atribuído e quais as prioridades, em termos de políticas públicas,
que deveriam ser tratadas por uma entidade metropolitana. A partir dos resultados da
pesquisa, espera-se indicar as possibilidades da RML enquanto instrumento institucional
válido para a realização os chamados serviços públicos de interesse comum, segundo os
próprios atores governamentais responsáveis pela ação concreta, no sentido de colocar
em prática ou não a RML que, desde sua criação, ainda não conseguiu sair do papel.
A respeito das características gerais dos entrevistados, destaca-se a participação
majoritária do poder legislativo, 73,3%, principalmente dos vereadores da cidade-pólo
da RML, Londrina, que se mostraram mais interessados em participar da pesquisa. Com
um perfil etário ‘maduro’, 53,3% estavam na faixa dos que tinham mais de cinqüenta e
um anos de idade, e nenhum entrevistado tinha menos de trinta anos. Somente uma
mulher respondeu ao questionário, mostrando maioria numérica masculina na
composição dos atores governamentais que, por sua vez, em termos de filiação
partidária, eram em maioria de partidos considerados de esquerda (PPS, PDT e PT).
116
O instrumento institucional da RM é reconhecido por todos, com exceção de
apenas um caso, embora também tivesse conhecimento da existência da RML. A
realidade metropolitana está de certa forma enraizada entre os atores governamentais já
que mais da metade deles participou, em sua vida pública, de votações em matérias que
envolviam a questão – no caso do Paraná, matérias que tratasse sobre as RMs de
Maringá, Londrina e Curitiba.
Sobre a responsabilidade de criar RMs, a carta magna de 1988 deixa claro que
são os estados que ficam facultados, por meio de suas constituições próprias e lei
complementar, a determinar em que e como irão compor as suas. Para mais da metade
dos entrevistados, no entanto, a responsabilidade deveria ser dividida entre estado e
município, o que, aliás, é previsto no caso da RML, uma vez que a lei complementar
que a instituiu prevê a participação das cidades envolvidas em conselhos de deliberação
e consulta. Interessante notar que um quinto dos questionários respondidos sugeriam
que a responsabilidade da gestão metropolitana também deveria ser partilhada não só
entre estado e município, mas também com a união e mesmo com a iniciativa privada.
Outro ponto importante, quando se trata a questão metropolitana, é definir qual o
grau de participação delegada à população, no caso das RMs. É consenso entre os
entrevistados que é imprescindível, ou pelo menos deva haver, alguma participação
popular como fonte democrática de deliberação, para o funcionamento do estatuto
metropolitano. E geral também é a crença de que a proposta da RM é o melhor caminho
a ser tomado para a solução dos problemas comuns que a lei dispõe que sejam tratados
pela entidade metropolitana.
Mas quando o questionário aborda a cooperação entre os diferentes níveis
governamentais, o quadro começa a ter outra feição. Cinqüenta e três por cento acham
117
que a possibilidade da cooperação ocorrer, considerando os quadros públicos compostos
em 2005, depende de negociação, ou seja, do acerto entre os atores envolvidos na
divisão dos ônus e dos bônus concernentes à atividade metropolitana institucionalizada.
Houve quem respondesse que tal cooperação seria pouco provável, ou mesmo
impossível, de se concretizar, sendo somente um a responder que é bastante provável
que diferentes níveis de governo se acertem quando forem tratar das RMs. Entre as
justificativas para que a maioria dos entrevistados ficasse descrente da possibilidade de
cooperação, ficaram empatados, de uma lado, a explicação calcada na indefinição de
competências entre os entes federados, questão já abordada que nos lembra o quanto
ainda falta para haver alguma harmonia entre os mesmos, e do outro, o conflito de
interesses entre estado e município como impeditivo de que se unam esforços na
conclusão de um projeto metropolitano, de soluções comuns a realidades urbanas que
extrapolam os limites legais instituídos das cidades.
Dentre as prioridades para as RMs, levantadas no questionário, em termos de
políticas públicas, a saúde ficou na dianteira como a mais própria para ser focada pela
ação pública (ver quadro 03). Como visto anteriormente, a RML concentra em sua
cidade-pólo grande número de hospitais e leitos, o que pode acarretar problemas na
gestão dessa área pelo município que pode, por exemplo, não ter recursos para aturar
toda a possível demanda gerada pelas demais cidades metropolitanas, que porventura
recorram a Londrina para utilização desse serviço público.
118
Quadro 03 - Nível de prioridade para as políticas públicas a serem adotadas por uma entidade metropolitana, segundo os atores governamentais paranaenses que participaram da pesquisa, 2005.
Nível de Prioridade1
Alta Média Baixa
Políticas Públicas para as RMs
Saúde
Transportes
Emprego e Renda
Educação
Habitação e Saneamento
Meio Ambiente
Segurança
Fonte: relacionada aos resultados do questionário de pesquisa para dissertação de mestrado. (1) colocação no ranking obtido segundo a pesquisa.
Quanto a prioridades, atribuídas pelos entrevistados, que não poderiam passar
em branco foi possível observar: a grande preocupação com a questão dos transportes
nas RMs, talvez pela idéia que se tem da metrópole como lugar problemático quanto a
esse item; a apenas média importância dada à educação que, com a saúde, já foi
bandeira reivindicatória por melhorias nos serviços públicos; e a baixa importância
conferida ao meio ambiente, questão importante, quando se trata das RMs, por causa do
problema da contaminação dos cursos d’água que abastecem suas populações.
Como maior desafio que uma RM teria de enfrentar, os dados dos questionários
apontam para maior preocupação com solucionar a deficiência no atendimento dos
serviços públicos básicos, e, em menor escala, indicam o desemprego metropolitano.
Situações como a mostrada na tabela 13, no início deste capítulo, em que há, por
exemplo, uma alta carência na área de saneamento para a RML, podem explicar a
preocupação dos entrevistados em apontar a necessidade e a prioridade de se
aprimorarem os serviços públicos para o atendimento da população.
Por fim, há unanimidade por parte dos entrevistados de que a RM sozinha não
seja a solução institucional viável para a solução dos problemas comuns aos municípios
metropolitanos, devendo, para obter sucesso em suas atividades constitucionalmente
119
definidas, conjugar suas ações com o poder público federal. Supõe-se que tal
posicionamento, sem opinião contrária entre os entrevistados, seja fundamentado na
idéia de que são necessários incentivos da mais alta esfera governamental para que as
políticas públicas, principalmente as de maior porte financeiro, sejam postas em prática
pela entidade metropolitana. Ou seja, podemos considerar como válida a hipótese de
que os atores governamentais, no caso do Paraná, pensem ser inviável que somente o
estado e os municípios da RM sejam capazes de levar à frente políticas públicas para a
região, devendo, para tanto, contar com verbas federais para fomentar as ações
necessárias no trato dos problemas comuns às áreas metropolitanas.
A RML: desencontros nas políticas de planejamento locais
O levantamento de dados junto aos atores governamentais ligados à questão
metropolitana permitiu conhecer a opinião daqueles que efetivamente tornam a ação
pública viável, seja por meio do poder executivo ou do poder legislativo. A importância
dos resultados do questionário, aliado ao perfil traçado para a RML, se encontra no
objetivo de encontrar possíveis convergências e/ou obstáculos que possam contribuir,
ou dificultar, a construção de uma entidade metropolitana funcional, passo que vai além
da simples institucionalização por força de lei.
Se no discurso os atores governamentais exaltam a importância da RM, na sua
função institucional de buscar soluções para os problemas comuns aos seus municípios
constituintes, na prática não têm demonstrado a mesma opinião quanto à possível
condução da gestão metropolitana. A RML, desde 1998, ano de sua criação, ainda não
logrou, conforme a lei complementar estadual nº81 estabelece, formar seus conselhos
120
deliberativo e consultivo, instâncias de caráter intergovernamental que deveriam
conduzir a política metropolitana. Forma-se então uma lacuna institucional (Moura,
2002), até então não preenchida, cujas causas propõe-se analisar a seguir, a partir das
diferentes abordagens que trataram da região norte paranaense, feitas tanto pelo poder
público como pela sociedade civil organizada39, com vistas ao planejamento para o
desenvolvimento da área em questão.
Os ‘desencontros’ do planejamento regional começam no próprio ente federado
responsável pela instituição da RML, o estado do Paraná. Considerando somente a
administração que se iniciou em 2002 e que segue até 2006, está marcada tanto na
Secretaria Estadual de Planejamento–SEPL quanto no plano de governo paranaense, a
ausência de qualquer ação oficial sobre a RML, apesar de existir, no caso da RM de
Curitiba, uma secretaria especial para assuntos voltados para a sua coordenação.
O governo paranaense reconhece os problemas que acometem as suas principais
aglomerações urbanas, mas não cita em nenhum momento as RMs do interior do estado
como recorte territorial válido para as análises levadas a cabo. O governo, por meio da
SEPL, adota como unidade territorial, para uso objetivo as chamadas regiões de gestão e
planejamento-RGP, áreas de recorte mesorregional que abrangem vários municípios.
Mesmo reconhecendo as dinâmicas de sua rede urbana, indicando os respectivos pólos
e, mais importante, seus problemas socioespaciais, as RMs instituídas não encontram
uso no planejamento estadual.
39 Formalização de associações e congêneres que, dentre outras funções, delimitam sua área de atuação no norte paranaense, sempre reconhecendo na cidade de Londrina o grande pólo centralizador da região, mas nem por isso tomando o recorte metropolitano oficial como parâmetro de planejamento.
121
A rede urbana, que vem se consolidando ao longo dos anos, adquire uma complexa
feição, já que passa a se articular a partir de aglomerações, que têm como pólo Curitiba,
Londrina, Maringá, Cascavel e Foz do Iguaçu. Esses pólos, embora com crescimento
intenso, perdem em ritmo para os seus municípios periféricos. Além de manchas
contínuas com intenso dinamismo de crescimento da população, essas áreas agregam
municípios com elevadas bases populacionais, agravando os efeitos socioespaciais do
crescimento e compondo faixas de alta densidade. É nessas áreas que as demandas
sociais não só aumentam, como se tornam mais complexas, exigentes de maior
qualificação e especialização. (Paraná, 2003:5)
A região polarizada por Londrina, conhecida como a RGP III, conta com setenta
e oito municípios, muito acima dos oito municípios que compõem atualmente a RM
instituída pelo estado. Mas vale notar que, dos 1.575.447 habitantes da RGP III em
2000, segundo o IBGE, 43,0% estavam na RML, ou seja, ainda que com peso
significativo na composição populacional da região em questão, nem por isso seu
recorte socioespacial foi levado em consideração no plano de governo paranaense, que
mesmo reconhecendo as demandas regionais, compõe um enfoque de planejamento
diverso àquele proposto para as RMs.
No plano plurianual paranaense (2004-2007), apesar de não constar na versão
original, houve uma alteração por emenda que estabeleceu a inclusão da RML e da RM
de Maringá RMM no programa de coordenação que antes só atingia a RM de Curitiba–
RMC, região privilegiada pela administração estadual paranaense. A finalidade descrita
para tal programa seria o de estabelecer diretrizes para ações nas três RMs, nas áreas de
uso e controle do parcelamento do solo regional, sistema viário, habitação, infra-
estrutura, meio ambiente, socioeconômico e institucional, cujo financiamento ficaria a
cargo das leis orçamentárias anuais.
122
Apesar de reconhecida, mesmo que por força de emenda ao plano original, a
RML não conheceu desde sua criação nenhuma verba no orçamento e igualmente
nenhuma ação concreta no plano plurianual, prevalecendo os mecanismos de
planejamento já consolidados – as RGP e a secretaria que cuida exclusivamente da
RMC. Como a Constituição Estadual do Paraná em seu artigo nº. 24 determina que,
para a execução das funções públicas de interesse comum, alma da estrutura de gestão
da uma RM, deva haver previsão orçamentária para investimentos dos municípios
participantes e do estado, a ausência de tal previsão, tanto por parte do estado como
também dos municípios, no caso da RML, pode ser apontada como uma das principais
causas da não consolidação de uma entidade metropolitana funcional, exercendo
plenamente sua função constitucionalmente prevista.
Figura 06 – Localização das aglomerações urbanas paranaenses, 2000.
Fonte: IPARDES; IPEA-IBGE-UNICAMP. Base Cartográfica: IAP, 1997.
123
O Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social–Ipardes, órgão
ligado ao governo do estado, apesar de produzir dados para a RML, enquadra-a não
como uma realidade metropolitana complexa, como a de Curitiba, mas como um
aglomerado urbano. Como pode ser observado na figura 06, o recorte espacial da
aglomeração urbana identificada para a região de Londrina extravasa as linhas que
demarcam a RML, incluindo municípios dentro e fora de sua mesorregião que, segundo
critérios de centralidade utilizados pelo instituto40, têm maior integração funcional com
a cidade de Londrina do que alguns municípios que compõe o conjunto metropolitano
oficial.
Nessa mesorregião estão dois dos maiores pólos regionais do estado – Londrina e
Maringá – ambos com centralidade muito forte, urbanos e de grande dimensão [...]
Deve-se ressaltar a importância regional de Londrina, por possuir grande número de
municípios na área de abrangência de sua polaridade – praticamente o dobro de
Maringá, que também é polarizado por Londrina – e por oferecer uma gama de funções
que se aproxima da de Curitiba no atendimento a demandas de alta complexidade.
(IPEA, 2000:99)
Conforme o estudo realizado pelo Ipardes em parceria com o IPEA, IBGE e
UNICAMP, a cidade de Londrina exerce forte centralidade em relação ao seu poder de
concentração, populacional e econômica, e oferta de serviços urbanos, colocando sob
sua área de influência diversos municípios, inclusive os pertencentes à RMM, no norte
paranaense. Se trabalhos como esse, realizados por institutos de alto gabarito e do 40 Da ausência na constituição federal de uma definição legal de parâmetros para identificar uma área metropolitana, não só o IPARDES como todo órgão que pretenda classificar o fato metropolitano acaba por definir seus próprios critérios, o que até explica, em parte, a diversidade e heterogeneidade dos mecanismos metropolitanos existentes que cuidam as RMs instituídas. Para conferir resumidamente um dos principais critérios utilizados pelos autores que se ocupam dos estudos metropolitanos, ver Moura et al., 2003.
124
próprio Ipardes, apontam para outras dinâmicas dos arranjos urbanos paranaenses, é de
se estranhar que a gestão governamental responsável pela implementação das RMs do
interior, no ano de 1998, não tenha contemplado a real dimensão da aglomeração, indo
de encontro aos diagnósticos que apontavam a região de Londrina como um centro
regional importante, embora sem as características necessárias para ser considerada uma
RM.
Ainda sobre a região norte paranaense, o estudo citado, um dos mais utilizados
sobre a rede urbana brasileira pelos autores que se ocupam da questão, diz o seguinte:
Essa aglomeração, que compõe um fenômeno espacial único, foi objeto de
institucionalização, por lei estadual, de duas regiões metropolitanas: a de Londrina e a
de Maringá. Tal institucionalização traduz a concorrência entre os dois pólos,
oficializando uma ruptura da complementaridade e comprometendo uma integração
funcional histórica, o que poderá dificultar a solução de problemas comuns entre
municípios e de âmbito regional. Além disso, não incorpora a totalidade dos municípios
que conformam a aglomeração, ignorando até mesmo os municípios limítrofes a esses
dois pólos e que com eles estabelecem forte processo de comutação diária. Por último,
faz uma leitura parcial de conceitos ao instituir unidades metropolitanas em espaços nos
quais, isoladamente, ainda não confirmam características que o tipifiquem nessa
categoria. (IPEA, 2000:103).
É patente a existência de um descompasso entre o que foi criado (RML) e o que
de fato se processa no complexo urbano referido. O governo estadual desconsiderou
parâmetros adotados por uma entidade de pesquisa a ele vinculada, que utiliza as mais
aceitas metodologias de descrição de áreas urbanas no caso brasileiro, e, longe de
constituir uma prática de planejamento metropolitana, tão somente instituiu algo que,
125
sem a participação do próprio estado e dos municípios envolvidos – o que ainda ocorre
– não tem qualquer funcionalidade.
Observam-se mais alguns exemplos em nível regional, e cada qual com sua
especificidade, que podem ser acrescentados aos casos que demonstram a falta de
consenso quanto à questão metropolitana do norte paranaense. Um deles diz respeito à
Associação dos Municípios do Médio Paranapanema–Amepar, criada nos anos 1990,
que congrega dezenove municípios em outro recorte espacial. A associação tem como
um de seus objetivos o planejamento regional, além de também propor assessorar seus
membros na elaboração de políticas urbanas. A Amepar pode ser considerada um
exemplo de organização institucional que concorre diretamente com as funções
previstas para a RML, sem, no entanto, considerar a mesma em seus planos de atuação.
Por parte da iniciativa privada, destaca-se a ação da associação para o
desenvolvimento Tecnológico de Londrina–Adetec, que tem a missão de ser um agente
de integração para o desenvolvimento e social do norte do Paraná, alicerçado no
desenvolvimento tecnológico (Adetec, 2004). A Associação elaborou um projeto
intitulado ‘Londrina Tecnópolis’, cujo objetivo é o de estruturar um pólo de inovação
tecnológica no norte paranaense, num eixo que vai do município de Cornélio Procópio
ao de Apucarana. A opção por esse recorte espacial considera a linearidade da
disposição das cidades seguindo a área de ocupação pioneira, disposta pela CTNP, ou
seja, leva mais em consideração o fator histórico do que a disposição metropolitana
escolhida para a região.
Outras experiências de planejamento regional historicamente inscritas, as quais
escolheram a região do norte do Paraná como objeto de sua ação, merecem destaque: de
um lado, a proposta governamental na década de 1980 de elaboração de um plano
126
diretor, conhecido como metrópole linear do norte paranaense–Metronor, para o eixo
Londrina-Maringá. Sem contar com a devida participação do próprio estado e dos
municípios envolvidos, a Metronor limitou-se a fazer estudos sobre a região, sem, no
entanto, produzir algo de concreto em sua gestão. Já entre 1989 e 1990, outra proposta
digna de nota teve lugar, agora partindo do legislativo municipal de Londrina em
parceria com a iniciativa privada, ficando conhecida como ‘projeto rumos do norte’,
cuja meta era reunir e mobilizar a comunidade regional em torno de um novo projeto de
desenvolvimento que superasse o modelo fomentado pela CMNP, até então voltado
exclusivamente para o setor agrícola e de loteamentos urbanos. Mais uma vez o
resultado, quando muito, foi o de criar na região maior conscientização quanto ao seu
papel no conjunto paranaense, sem, contudo, levar a uma proposta concreta de
instituição de unidades metropolitanas.41
No final dos anos 1990, finalmente chega a termo a instituição da RML, e da
RMM, na porção norte do território paranaense. Como até a época da sua criação não
havia sido instituída nenhuma sistemática para a gestão metropolitana, ancorada em
preceitos aceitos e praticados pelos níveis de governo locais, supõe-se que a motivação
para criar as regiões citadas residia em interesses que, no momento da aprovação da lei,
estavam em jogo. Independentemente disso, mesmo com a aprovação da lei e com
quaisquer que fossem os interesses envolvidos – muito provavelmente regionais – não
houve a concretização da lei por meio do funcionamento, conforme a mesma estabelece,
dos conselhos deliberativo e consultivo, que deveriam ser formados, primeiro, por
dotação orçamentária - que nunca foi dada – e, segundo, com a escolha – nunca feita –
41 Embora sem um maior detalhamento, o que não era objetivo aqui proposto, as informações sobre o caso da Metronor, como também do projeto “Rumos do Norte”, foram ambas levantadas em ADETEC, 2004.
127
de representantes do governo do estado e dos municípios envolvidos, bem como da
sociedade civil, para sua composição.
Além dos exemplos acima levantados, uma hipótese que surge, e é alimentada
por fatos ligados à região, diz respeito ao prognóstico realizado pelos atores
governamentais em torno da RML. Como visto no resultado da pesquisa analisada
anteriormente neste capítulo, há um consenso sobre a necessidade da RM enquanto
proposta de gestão regional, mas, ao mesmo tempo, os pesquisados levantam a
dificuldade de estabelecer um consenso sobre a cooperação possível para que a RM saia
do papel. Tal posicionamento talvez reflita a opinião de que o embate político, em que
diferentes interesses – da região norte versus a RMC, e mesmo entre os municípios que
compõe as RMs do interior – entram em cena e acabam por produzir tensões que
impedem qualquer ação no sentido de operacionalizar a RML.
Alguns exemplos do município de Londrina podem dar uma ilustração de quanto
os diferentes modos de ver a região se processam e se misturam, sem, no entanto, focar
a questão metropolitana. A cidade produz anualmente um perfil, elaborado por sua
secretaria de planejamento, que inclui informações sobre a RML, mas ao analisar a
mesma, considerando sua composição, conclui o seguinte:
São municípios econômica e socialmente integrados no cotidiano das suas relações,
porém ainda limitados na efetivação dessa união, por falta de uma estrutura concreta
para a sua gestão, para a identificação das necessidades e do potencial socioeconômico
da região. (Londrina, 2005)
A própria prefeitura acentua a falta de uma gestão apropriada para a região, no
entanto, a administração municipal, em exercício desde 2000, – o prefeito Nedson
128
Micheleti, do partido dos trabalhadores–PT, foi reeleito em 2004 – age
contraditoriamente ao assumir, em um momento, a necessidade da RML (Região, 2003)
e, noutro, ao propor uma nova abordagem sobre a questão regional, apresentando o
projeto arco-norte de desenvolvimento integrado (Projeto, 2005). Se, no espaço de dois
anos, entre duas fases de sua administração, a prefeitura assume posições diferentes,
isso leva a crer válida a idéia de que, como levantado na pesquisa, até possa haver uma
avaliação positiva sobre a RML, mas não há decerto na região um consenso sobre sua
funcionalidade.
Ainda no rol de fatos que podem ser apresentados como exemplos dos
desencontros do planejamento regional42, é importante destacar o resultado da RML no
perfil dos municípios brasileiros, realizado pelo IBGE, com o ano base de 2002. Dentre
o levantamento de diversos tipos de informações, destacaram-se, no quadro 04, aqueles
que diretamente estão vinculados à questão do planejamento e desenvolvimento urbano.
Ao avaliar a existência ou não de plano diretor – PD no município, instrumento-base
indispensável para a composição de políticas públicas de interesse metropolitano, e que
por lei são obrigatórios, verifica-se que dos oito municípios da RML, apenas quatro –
Cambé, Ibiporã, Londrina e Rolândia, não por acaso os municípios que compõe a
mancha urbana metropolitana – contavam com um PD.
42 Apesar de não ter sido feito um levantamento mais abrangente, limitou-se a análise àqueles casos considerados mais pertinentes ao debate em questão.
129
Quadro 04 – Municípios da RM de Londrina, segundo a existência ou não de dispositivos de planejamento e desenvolvimento urbano, 2002.
Área de Desenvolvimento Urbano
Municípios da RML Com Plano
Diretor Com existência de conselho
Com existência de ação integrada com
outro(s) município(s)
Bela Vista do Paraíso Não Não Não
Cambé Sim Não Não
Ibiporã Sim Sim Não
Jataizinho Não Não Não
Londrina Sim Sim Não
Rolândia Sim Não Não
Sertanópolis Não Não Não
Tamarana Não Não Não
Fonte: IBGE, Perfil dos municípios brasileiros – gestão pública 2002
Já na área de desenvolvimento urbano, o quadro mostra uma situação
problemática quanto ao planejamento em nível metropolitano. Até o ano de 2002,
apenas dois municípios da RML – Ibiporã e Londrina – tinham um conselho nessa área,
o que indica a falta de espaço público para a discussão dos assuntos metropolitanos, ou
mesmo o desinteresse por uma organização nesse sentido. O pior cenário está na
possibilidade da existência de políticas públicas municipais em ações integradas:
nenhuma das cidades da RML desenvolvia qualquer atividade nesse sentido, o que só
reforça o argumento de que não há um consenso que possibilite, ainda, a construção da
sistemática do seu funcionamento.
130
Os problemas a cargo do governo municipal muitas vezes exigem soluções que
extrapolam o alcance da capacidade de ação da prefeitura em termos de investimentos,
recursos humanos e financeiros para o custeio e atuação política. Além disto, grande
parte dessas soluções exigem ações conjuntas, pois dizem respeito a problemas que
afetam, simultaneamente, mais de um município (Vaz, 1997:1)
Sem a devida formalização e funcionamento da gestão metropolitana, os
municípios, destacadamente os de menor capacidade de investimento, ficam
desprovidos dos meios institucionais de lidarem com problemas que extrapolam sua
alçada de atuação. Ao não criarem o ambiente necessário para a construção do
consenso, só fazem assim aumentar a distância que os separa da situação ideal de
atuação conjunta e planejada que devem realizar, sem a qual ficam impedidos de lidar
com as dificuldades que fogem ao seu controle, tomando proporções que só fazem
agravar o quadro de desigualdades econômicas e sociais existentes.
Resumidamente, os exemplos aqui descritos, selecionados segundo as
peculiaridades que apresentavam, demonstraram o quanto a falta ou a desconexão entre
as experiências de planejamento regional concorreram para o não estabelecimento de
bases sólidas que sustentassem uma dinâmica ativa de gestão na RML. Como salientou
Rosa Moura (2002:54), as superposições de leis e decretos e multiplicação de
estruturas de planejamento e gestão apenas têm dificultado, se não inviabilizado a
eficácia do planejamento e da gestão metropolitanos.
Enfim, o estatuto da RM, no caso de Londrina, não saiu do papel e acabou por
ficar sem aplicabilidade, deixando de tornar-se um instrumento de incentivo ao
desenvolvimento de políticas públicas de abrangência regional para a solução de
problemas que, dada a dinâmica urbana e sua influência sobre o meio ambiente, são
131
cada vez mais comuns a instâncias administrativas diferentes, cuja busca de soluções
não pode ficar restrita a elas devendo, necessariamente, ser integrada. Essa integração
só tem chances de sucesso no caso da RML, adequando-se a construção de uma
estrutura institucional que leve em consideração os estudos pertinentes ao tema,
enfatizando a correta apreensão do fato metropolitano para, concretamente, serem
desenvolvidas alternativas de gestão que contemplem todas as dimensões dos desafios
colocados atualmente pelas desigualdades socioespaciais, solidificadas e em
crescimento no tecido urbano brasileiro.
132
Considerações finais
As instituições são mecanismos para alcançar propósitos, não apenas para alcançar acordo. (Robert Putnam, 1996).
Antes de finalizar a dissertação, cabe recordar os temas abordados nos capítulos
anteriores, avaliando a contribuição de cada um deles para o entendimento do impacto
do sistema federalista – entendido nos seus dois principais aspectos, que são o seu
desenho constitucional pós-1988 e a dinâmica das relações intergovernamentais
resultantes dessa mesma configuração – e da urbanização brasileira – fenômeno da
metropolização e da crise urbana – sobre o estatuto das RMs e sua possibilidade de
gerar uma sistemática legitimamente democrática de gestão territorial de poder, apoiada
em um planejamento adequado de mecanismos eficientes que, por sua vez, requerem
um desenho institucional mais responsivo às demandas sociais, fomentado por um
alargamento da participação popular na política (Przeworski, 1996).
Retomando a problemática do federalismo
Sobre a forma de governo reafirmada para o Brasil em 1988, o federalismo do
período de redemocratização é marcado por três dimensões básicas: em primeiro lugar,
e pautando as demais, está a necessidade de superação do regime autoritário anterior,
com suas instituições centralizadoras. Em segundo, vem a questão sobre a
descentralização do poder, conferindo maior autonomia a estados e municípios, o que
133
nos leva à terceira dimensão, isto é, o aumento dos atores políticos com poder decisório
em cena e as conseqüências que isso acarreta para as relações intergovernamentais.
A complexa distribuição territorial de poder, traduzida nos recursos políticos,
autonomia, e financeiros, questão tributária, além da cultura local historicamente
constituída, que de acordo com cada região traz elementos que pesam na relação entre
os entes federados, está no centro do debate sobre governabilidade no caso brasileiro. O
federalismo é, por definição, marcado por uma tensão constante entre os atores
governamentais dos entes distintos e a sua engenharia institucional é justamente a base
que procura sustentar o jogo de competição e conflitos, equilibrando as
heterogeneidades internas que marcam casos como o do Brasil, fortemente
caracterizado por desigualdades regionais, nos aspectos político-econômicos, culturais e
também na sua geografia física. A fórmula para o funcionamento desse sistema de
governo é a consagrada expressão self rule plus shared rule (Elazar, 1986 apud
Abrucio, 2005), ou seja, a combinação da idéia de ‘autogoverno’ com a de ‘governo
compartilhado’, que estaria de acordo com os fundamentos do constitucionalismo
moderno, que se resumem no compromisso com a diversificação dos detentores do
poder, a defesa dos direitos e os limites sobre o exercício do poder (Pessanha,
2002:145). O sucesso de um sistema federalista estaria, então, intimamente ligado à
manutenção de um equilíbrio entre ‘desiguais’, no qual os mesmos, independentemente
do grau de exercício de poder a cada qual delegado, estabelecem um controle mútuo43,
em que o poder de interferência, que poderia ferir tanto a autonomia dos entes federados
como dos próprios poderes constituídos, é constitucionalmente definido.
43 Expresso na teoria dos “check and balances”, consagrada por Montesquieu no século XVIII e amplamente utilizada nos estudos contemporâneos de ciência política.
134
É nesse intenso e complicado quadro de relações institucionais que se inscreve a
experiência das RMs como proposta de estabelecimento da gestão e planejamentos
territoriais. Conforme abordado no primeiro capítulo, o federalismo brasileiro,
historicamente, desde a sua adoção na primeira constituição republicana, e mesmo após
1988, é constitutivamente fonte de impasses para o estabelecimento do principal fator
que dá vida à questão metropolitana: a cooperação entre os entes federados.
Primeiramente, por causa da distância entre as fórmulas adotadas ‘de fora’ e a realidade
do cotidiano do país, que não fornecia substrato político-cultural para a implementação
de um sistema exógeno às suas aspirações.
É curioso notar-se que os movimentos aparentemente reformadores no Brasil, partiram
quase sempre de cima para baixo: foram de inspiração intelectual, se assim se pode
dizer, tanto quanto sentimental. [...] Não emanavam de uma predisposição espiritual e
emotiva particular, de uma concepção de vida bem definida e específica, que tivesse
chegado à maturidade plena. (Holanda, 1995:160)
A falta de legitimidade de um sistema que desconsidera a população e a forma
como ela se organiza em sociedade, em seus aspectos políticos, culturais e ideológicos,
pode ser tomada como um fator histórico de dificuldade do funcionamento do
federalismo brasileiro, cujas bases foram formadas pela opção das elites dirigentes de
uma determinada época em detrimento de um movimento surgido da realidade social e
seus costumes.
Outro marco que comprometeu sobremaneira o estatuto das RMs, no momento
de sua ‘refundação’, durante a assembléia constituinte do final dos anos 1980, seria o
seu vazio institucional, por fazer parte das instituições criadas pelo regime militar e ser,
135
por isso, uma fonte de centralização44, princípio amplamente rebatido pelos deputados
constituintes, e, com a promulgação da nova carta, a falta de clareza conceitual e
definição de maiores parâmetros que subsidiassem as RMs como instrumento de
planejamento e gestão metropolitanos que, sem a força de um suporte político para lhes
dar visibilidade e prioridade na agenda pública, acabaram ficando no ostracismo.
Finalmente, constata-se que as desigualdades inter e intra-regionais brasileiras,
geradoras de conflitos históricos nos três níveis de poder territorial, foram e continuam
sendo obstáculos à construção de uma prática institucional cooperativa. Dados
analisados em nível municipal como, por exemplo, em relação à questão tributária –
quanto à distribuição de recursos entre os três entes federados – ao meio ambiente e
mesmo à questão do desenvolvimento urbano, deixaram clara a multiplicidade de
variáveis que podem influir negativamente na tentativa de estabelecimento de uma
gestão integrada. Para se montar uma rota viável para a solução desse dilema seria
necessária, prioritariamente, a negociação do conflito que marca as relações
intergovernamentais específicas do caso brasileiro, acrescida do estabelecimento de um
sistema de incentivos que melhor equilibrasse essas relações, dando oportunidade para
que, levando em consideração as diferentes realidades inscritas em cada região
estudada, haja uma mudança na escala territorial de planejamento e gestão que
satisfaçam os arranjos produzidos pelas RMs (Souza, 2001).
Mas o desafio de reengenharia institucional não seria assim tão fácil, pois
44 Na teoria sobre a ‘rota dependente’ (Souza, 2001), a identificação do estatuto das RMs com o período autoritário, aliado ao crescente poder do municipalismo, foram os grandes inibidores da sua inserção na agenda política, ficando em segundo plano frente a outras demandas.
136
O objetivo do federalismo cooperativo está longe de ser alcançado por duas razões
principais. A primeira está nas diferentes capacidades dos governos subnacionais de
implementarem políticas públicas, dadas as enormes dificuldades financeiras, técnicas e
de gestão existentes. A segunda está na ausência de mecanismos constitucionais ou
institucionais que estimulem a cooperação, tornando o sistema altamente competitivo.
(Souza, 2005:111)
Estariam, portanto, seriamente limitadas – embora não inviabilizadas, resultado
que só a história poderá nos fornecer – as possibilidades de construção de um ‘novo
pacto’ federalista, de que deveriam emanar propostas para o estabelecimento de regras
de incentivos e arenas de negociação inclusivas, fontes indubitavelmente seguras para
uma ação cooperativa entre entidades constitutivamente assimétricas, nos aspectos
institucional e político-cultural, se considerados seus recursos de poder.
Os dilemas da crise urbana
O papel histórico que desempenha a urbanização em todo o mundo define o
modo de vida da sociedade contemporânea, marcada por uma profunda transformação
social que se insere no fenômeno atual conhecido como globalização. A forma como o
ser humano compreende o mundo e participa do seu grupo social é condicionada pelos
parâmetros criados pelo modo de produção capitalista que, por estar em constante
reformatação, alimentada pelas incessantes inovações tecnológicas, acaba por também
realinhar as relações sociais, cada vez mais conectadas a uma rede mundial de fluxos de
pessoas, mercadorias e, fundamentalmente, informação.
137
A mesma urbanização que sustenta a modernidade, via industrialização e hoje
pela tecnologia de informação, não se propagou de forma homogênea sobre o globo. As
desigualdades sócio-culturais que desde sempre se estabeleceram entre as nações, de
acordo com os mais variados fatores históricos, tornaram-se uma variável significativa
no tipo de inserção que cada sociedade teria diante da globalização. As políticas
hegemônicas de estabelecimento das diretrizes para uma ‘democracia de mercado’,
levantadas pela bandeira neoliberal, foram o símbolo do estabelecimento de uma nova
fase do capitalismo altamente contraditória, em que um lado usufrui as vantagens
alocativas dos processos de acumulação, enquanto o outro, constituído pelas camadas
mais pobres das populações que estão fora da ‘nova ordem mundial’, sofre com
exacerbada exclusão social.
A crise urbana, que tem diferentes faces, dada a sua penetrabilidade inter e
inclusive intra-nacional, é o reflexo da globalização neoliberal que priorizou os aspectos
econômicos, supostamente distributivos – mas na verdade especulativos – em
detrimento da questão social histórica cada país. Com o crescimento sem limites da
população mundial, principalmente nos países mais pobres, a urbanização,
sistemicamente excludente, não conseguiu atender ao crescimento da demanda dos
serviços públicos mais simples, para garantir a subsistência das camadas mais carentes
da sociedade, revelando a grave crise que se instala nas grandes metrópoles mundiais,
centros concentradores de capitais e de pessoas, e o grande desafio à sua
governabilidade.
No caso do Brasil, a crise urbana se reflete de forma mais contundente. A
pobreza e a miséria que, neste início de século, são cada vez mais identificadas e
concentradas e no meio urbano, marcam enormemente as grandes cidades que, dadas
138
suas dinâmicas históricas próprias de crescimento e colocação na rede urbana do país,
vêm enfrentando os problemas decorrentes das desigualdades sociais que se avolumam
por conta da exclusão de parte considerável da população das políticas de welfare state.
Com o aparato estatal mais comprometido com as garantias institucionais da formação e
sustento da acumulação capitalista do que com as políticas públicas de atendimento às
mazelas sociais45, não seria surpresa que os problemas, que se acumulavam, ano após
ano, chegassem ao ponto em que todos os níveis de governo se vissem incapazes de dar
respostas satisfatórias às demandas que a urbanização ia suscitando.
Posto dessa forma, os dilemas que surgem da crise urbana, em especial da sua
configuração dentro do sistema federalista brasileiro, dizem respeito diretamente à
questão da governabilidade que, no caso brasileiro, se apresenta para o governo federal
– supostamente mais capacitado para enfrentá-los – tanto quanto para os entes
subnacionais – mais dependentes dos recursos da união para conseguirem no seu raio de
ação estabelecerem políticas públicas que respondam aos desafios lançados. Mas é na
metrópole, mais exatamente no caso das RMs, que a possibilidade de gestão se
apresenta mais complexa, uma vez que envolve o princípio cooperativo dos diferentes
níveis de governo na solução de problemas que extrapolam os limites formais político-
administrativos.
45 Um exemplo é a noção de ‘empresariamento urbano’, desenvolvida por David Harvey (1996), em que o foco dado pelo poder público, visto como ‘parceiro’ do setor privado, na produção habitacional estaria muito mais ligado à ‘lógica do mercado’, por meio de empreendimentos imobiliários especulativos, do que o aspecto social de cobertura do déficit de moradias existente.
139
Num sentido amplo, a governabilidade é, muito mais que a governança, uma questão
social, quanto às suas causas e quanto aos seus efeitos, não se restringindo a um
problema institucional [...] A preocupação com a ingovernabilidade, deve-se postular,
precisa ir muito além de um interesse por reengenharias institucionais e reformas que
garantam a mera sobrevivência otimizada da ordem vigente. (Souza, 2000:223)
Frente à ordem social atual, o principal desafio da gestão metropolitana passa
necessariamente pelo enfrentamento dos problemas relativos à dificuldade de acesso a
serviços básicos por amplas camadas da população e à péssima distribuição de renda
(Souza, 2000:245). Desconsiderar tais aspectos como prioritários em uma estrutura
institucional que se proponha a construir um projeto eficaz de gestão levaria à
inocuidade da mesma. O impacto da segmentação social nas metrópoles, onde
proliferam todos os tipos de exclusão e de desigualdades, exige uma resposta
satisfatória por parte do poder público, sob pena de se ter um agravamento da crise
urbana, que já vem sendo observada em levantamentos de dados como, por exemplo, o
aumento do déficit habitacional em todo país. É preciso ainda destacar
A importância de se repensar a gestão metropolitana, adotando-se uma arquitetura
institucional adaptada a cada situação, em que a efetividade técnica a propósito da
prestação de serviços de interesse comum e elaboração de diagnósticos, prognósticos e
estudos de planejamento se dê no marco de uma institucionalidade propiciadora de
maiores descentralização e participação popular. (Souza, 2000:319)
A crise urbana, e mais especificadamente, a dimensão que a mesma adquire na
metrópole, demandam a construção de um novo espaço institucional, em que a gestão
possa ir além da cooperação técnica e estabelecer, entre os níveis de governo e a
140
sociedade civil, uma cooperação também nos âmbitos político, econômico, tecnológico
e cultural (Pacheco, 1995). O sistema federalista brasileiro, conflitivo e competitivo por
natureza, demanda uma negociação de interesses para que seja alcançado o equilíbrio
necessário, garantindo assim algum grau de sustentabilidade de modelos mais
igualitários e democráticos de governabilidade, embasados no princípio da cooperação.
RML como exemplo de não-consolidação institucional da gestão integrada
No estudo do caso escolhido para análise, a RML, procurou-se a conexão entre
dois assuntos principais em debate – federalismo e gestão metropolitana – de forma a
identificar no âmbito das relações intergovernamentais, do caso paranaense, assim como
nas formas de gestão e planejamento da porção norte do estado, elementos empíricos
para sustentar a hipótese de que é no aspecto institucional, cujo desenho se baseia na
constituição de 1988, somado à cultura política brasileira, que se encontram os
principais entraves para a consolidação da gestão metropolitana por meio da figura
constitucional das RMs.
Pode-se até questionar a validade da RM como instrumento para lidar com a
gestão territorial de poder, quanto à sua funcionalidade e ao estabelecimento de um
clima de cooperação entre governos para a execução das funções públicas de interesse
comum. O ponto em questão, todavia, não é rebater a RM, mas demonstrar que, apesar
das sérias limitações, diante de tudo que aqui foi analisado, ela ainda continua sendo a
melhor opção como ‘ponto de partida’ para promover a governabilidade das metrópoles
brasileiras.
141
Como visto no capítulo sobre a RML, algumas pesquisas apontam, segundo os
parâmetros adotados, a região polarizada por Londrina como um ente que não configura
de fato a dimensão metropolitana, mas como uma aglomeração urbana de menor
envergadura – prognóstico que acaba por criticar, mesmo que indiretamente, a criação
da RM para a região em destaque. Apesar disso, a dinâmica de sua peculiar
configuração sócio-espacial regional bem como as características que cercam a criação
da RML fornecem um material qualitativamente relevante para pesquisa, ao mesmo
tempo em que demonstram que a região demanda atenção especial na formulação de
políticas públicas. A RM, mesmo que nominalmente possa ser considerado errôneo,
normativamente pode suscitar práticas de planejamento e gestão que dêem conta do seu
desenvolvimento, dependendo em grande parte da vontade política dos atores locais
com poder decisório.
Como ressalta Moura (2002) no artigo em que faz a análise de modelos de
gestão postos em prática na região sul, a instituição legal das RMs
Cria apenas um recorte que, nem sempre reflete uma configuração espacial ou induz ao
estreitamento de relações entre segmentos que consolidam uma dimensão política com
efetivo poder regional – possível apenas se legitimamente articulada entre as forças que
produzem o espaço, corporificando uma unidade de gestão. (Moura, 2002:44).
No caso das RMs criadas no interior do Paraná em 1998 – Londrina e Maringá –
o processo desenvolveu-se igualmente de forma limitada. Sem que tenham sido
originadas de movimentos autênticos e representativos da região, mas pelo simples uso
da faculdade constitucional do estado, efetivando projetos políticos de alguns
142
parlamentares, as disposições da lei apenas repetem formatos antigos e ineficazes
(Moura, 2002:58).
Não foi constituída, no caso analisado da RML, uma ‘consciência do fato
metropolitano’ por parte dos agentes políticos e da sociedade local, ficando a RM
‘esvaziada’ em sua institucionalidade, ao não instituir, principalmente pela falta de ação
do poder público, políticas que tenham por gênese um planejamento genuinamente
metropolitano. A mobilização no final dos anos 1990, para a criação da RML, era
eivada de interesses pontuais e momentâneos, o que acabou por fazer com que não
fincasse raízes nas estruturas governamentais municipal e estadual, comprometendo
então qualquer sucesso possível – pelo menos a curto prazo – da iniciativa.
Os resultados da pesquisa realizada com os atores governamentais paranaenses
são esclarecedores no que se refere à percepção da importância da RM na agenda
pública daquele estado. Apesar de haver consenso quanto à qualidade do instrumento
citado, também há uma visão realista da possibilidade de sua aplicabilidade, uma vez
que os respondentes apontaram a necessidade de se estabelecerem negociações entre os
diferentes níveis de governo – tendo, no caso, o governo federal o papel indutor – para
que se estabeleça a cooperação intergovernamental. Sabemos o quão difícil é chegar a
esse resultado no sistema federalista brasileiro, pelas causas já arroladas, incluindo
também, como fator impeditivo, certos problemas de ordem local, como o clientelismo
e as disputas políticas, que comprometem seriamente qualquer passo adiante no sentido
da cooperação, ainda mais quando a questão fiscal, por exemplo, gera maior
dependência das próprias RMs e cidades de médio porte para com a União e os estados
(Rezende, 1999).
143
O cenário pode ainda complicar-se um pouco mais. Ao se analisarem as práticas
de planejamento regional do caso paranaense, desde a criação da RML em 1998, o que
se observa são os diversos ‘desencontros’ entre municípios e estado e mesmo de
algumas iniciativas de empresas privadas que, ao abarcarem a questão regional do norte
paranaense, adotam diferentes recortes regionais, todos destoando dos limites criados
pela RML. De sua parte, o governo estadual ignora as suas RMs interioranas,
concentrando esforços na RMC, enquanto a cidade-pólo Londrina, apresenta ora
iniciativas de levantar o debate da RML, ora projetos com outros recortes, mas a mesma
prioridade: trazer recursos financeiros para investimentos diretos na região. Acrescenta-
se a isso iniciativas de grupos privados, inclusive inscritos historicamente na formação
das cidades do norte paranaense, de promover o desenvolvimento por meio do
estabelecimento de uma agenda de ações próprias, porém com incentivos públicos, em
que os recortes variam de acordo com o interesse de se incluir esta ou aquela cidade na
cobertura das políticas que se pretende lançar.
Pode ser considerada válida, para o caso em estudo, a hipótese de que exista uma
consciência regional; o que parece estar distante do consenso é o que realmente
priorizar. Decerto o instrumento constitucional da RM não se mostra a forma preferida
dos atores políticos regionais para o planejamento territorial, ao menos desde que a
RML existe no papel. Ocorre que a não adoção de projeto algum, a continuidade dos
‘desencontros’, em que tudo se propõe, mas nada se leva adiante, nos indicam, no caso
em estudo, o quanto persiste um distanciamento entre o arcabouço jurídico das RMs do
caso paranaense e a realidade social local. O ‘fosso’ entre as idéias da prática em termos
de planejamento urbano no caso brasileiro (Maricato, 2000) é indicativo do tamanho do
problema, que aqui quer se ressaltar, de que, com o tempo e a passividade do poder
144
público em tomar medidas afirmativas de incentivo à cooperação, a RM vai perdendo a
possibilidade de se tornar um instrumento legítimo de gestão e resolução dos problemas
metropolitanos.
Desafios à gestão metropolitana: alguns pontos para o debate
Desde a criação do estatuto das RMs, no final dos anos 1960, dois grandes
dilemas se colocaram diante da gestão territorial dos espaços concentradores da rede
urbana: primeiro, a falta de sustentação de um projeto contínuo de estímulo à legislação
criada que, pelo caráter excludente da participação dos entes envolvidos, em função da
política autoritária e concentradora praticada pela ditadura, fez com que não se
estabelecesse uma consciência metropolitana nas próprias regiões em que as RMs eram
implementadas. Em segundo, vem o aprofundamento das desigualdades sociais com a
crise urbana, em que a metrópole assume sua configuração problemática, ao não ter, por
contrapartida, um modelo de gestão e planejamento unificado e, principalmente,
representativo para tratar da questão regional. O resultado da conjunção desses fatores,
aliado ao fato de que o sistema federalista brasileiro contribui com elementos
desestabilizadores, por ser intrinsecamente conflitivo e assimétrico, é que, ainda hoje, a
RM não se configura na prática como um instrumento válido para cuidar das urgentes
demandas das metrópoles cada vez mais socialmente fragmentadas.
Alguns caminhos podem ser apontados para a superação do dilema da gestão
metropolitana, no caso brasileiro, na figura das RMs. Uma via possível, embora ainda
encontre vários obstáculos de natureza político-institucional, seria a construção de um
145
‘pacto territorial e social’ em torno da RM, a fim de que haja um redesenho de sua
funcionalidade por conta de uma ‘repactuação’ da federação para criar mecanismos de
cooperação intergovernamental, aliada a uma política nacional metropolitana e à
garantia de fontes de recursos para a mesma (Moura et al., 2003). Trata-se de uma
agenda positiva e ideal, mas que encontra, na ausência de prioridade política, no que diz
respeito à gestão metropolitana, um forte inibidor de sua implementação. Não se
agregam os interesses, no âmbito local e nacional, quanto à questão, o que torna a
situação ainda mais problemática diante dos desafios que, uma demanda sempre
crescente de serviços públicos, para atender às carências sociais, aumentam em número
e intensidade.
[...] a nova disposição constitucional repassou aos estados uma competência carente de
clareza conceitual e administrativa, impondo um exercício inadiável de construção
social e política para absorção do significado do fato metropolitano e da necessidade de
ação conjunta – entre os poderes, esferas de governo e sociedade – para a execução das
funções públicas de interesse comum. (Moura et al., 2003:51)
Uma reengenharia institucional para a gestão metropolitana, frente ao quadro de
agravamento da crise urbana num federalismo assimétrico e seus desafios impostos à
governabilidade, passa pela formação de uma nova cultura política, de um ‘pacto’ que
envolva participação cidadã e universalização dos direitos sociais e do acesso aos
serviços básicos de infra-estrutura (Santos Junior, 2001). Para concretizar essa proposta,
é preciso, no entanto, construir um modelo de gestão calcado em arranjos políticos
possíveis, em que a base de sustentação seria a cidadania metropolitana (Negreiros,
2001). Mesmo tendo conhecimento de caminhos, como os sugeridos anteriormente,
superar a problemática institucional permanece uma questão complexa. Reformar o
146
estado consiste essencialmente numa tarefa de redesenho das estruturas de incentivos
com que os atores se deparam, de forma a assegurar a prevalecência de padrões de
cooperação e de racionalidade coletiva sobre interesses setoriais (Melo, 1996:74). No
caso das RMs, a estrutura de incentivos necessários para que haja, por parte dos atores
políticos regionais, espaço para sua implementação, pelo menos no caso analisado da
RML46, deveria incluir dois aspectos básicos: um de ordem normativa, quanto à clareza
conceitual e administrativa da legislação, e outro, de ordem financeira, com a liberação
de recursos, federais e estaduais, para o suporte às estruturas de gestão.
A gestão metropolitana, conceitualmente, pode ser identificada como um dilema
da ação coletiva, uma vez que, no caso brasileiro, a RM é um instrumento constitucional
caracteristicamente conflitivo entre as partes que respondem por ela. A cooperação é
inibida pela forma federalista, resultante da constituição de 1988, assim como pelas
diferentes práticas políticas locais, que criam outros tantos empecilhos para que se
alcance qualquer ação cooperativa entre os atores políticos envolvidos. Obstáculos à
ação coletiva e de integração institucional são problemas comuns a todas as sociedades
modernas, mas que ganham dimensão maior no caso brasileiro, pela existência de uma
cultura cívica predatória e de cidadania não-poliárquica no país (Santos, W. G. 1993),
em que a desordem, gerada por uma transição social acelerada no atual contexto
histórico, reduz o espaço público ao conflito ou à indiferença. Tal cenário, tomado como
de ‘caráter nacional’, concorre diretamente para diminuir as chances de instituições,
como as RMs, de chegarem a um consenso em torno de projetos de desenvolvimento.
46 Cada RM se insere em contextos regionais político-culturais diferentes, em que pode haver, ou não, elementos de indução à prática da gestão metropolitana. Um forte indicativo, não trabalhado aqui por motivos de limitação da pesquisa, mas que guarda certa relevância quanto ao assunto, trata da falta de tradição em promover arranjos cooperativos intergovernamentais, principalmente quando se está em período de competição política pluripartidária. Correntes adversárias que simultaneamente se encontrem no governo estadual e nos municípios que aspiram á organização metropolitana dificultam, a princípio, uma negociação em torno dos acertos necessários para possibilitar o funcionamento de uma RM.
147
Cabe, por fim, fazer uma breve tentativa de contribuir com o debate sobre gestão
metropolitana brasileira, destacando possíveis caminhos a serem trilhados. Antes,
porém, é preciso lembrar que não se pretendeu generalizar o estudo do caso da RML,
mas tão somente – uma vez levantada a hipótese de que o federalismo brasileiro e sua
configuração urbana criam interferências substantivas ao estatuto metropolitano –
demonstrar a existência empírica dessas supostas interferências, no caso específico da
RM estudada. Seria ainda necessário, embora tal proposta não coubesse na presente
dissertação, fazer levantamentos para as demais RMs brasileiras, em estudo
comparativo, para se levantarem alguns pontos, que talvez existam, convergentes ou
conflitivos com os resultados aqui alcançados, com o objetivo de enriquecer o debate
que se tentou propor. Fica lançado o desafio para uma tarefa que, ainda que não seja
nada fácil, parece muito instigante.
Importante conceito teórico para dar suporte à análise das RMs pode ser
encontrado em Putnam (1996), sobre a questão do ‘capital social’. O estudo que o autor
faz do caso italiano fornece um bom exemplo comparativo. Almeida e Carneiro (2003)
também destacam a importância desse conceito, pois consideram necessário levar em
conta o capital social local existente – e não só o arranjo institucional de determinada
estrutura, como por exemplo, a da RM – para se avaliar o desempenho das instituições
públicas e sua capacidade de atender às demandas sociais. São dados e fatos locais, de
ordem política, econômica e cultural, que interferem como variáveis determinantes nas
possibilidades de o dispositivo metropolitano funcionar.
A existência de um ‘jogo de soma zero’ entre municípios e estados no Brasil, na
questão de gestão e planejamento metropolitano, acaba por criar seu vazio institucional,
o que ocorre pela falta de um ‘compromisso mútuo confiável’, em que seja gerada uma
148
‘cooperação espontânea’, possível somente com um estoque de capital social, que, por
definição, [...] diz respeito a características da organização social, como confiança,
normas e sistemas, que contribuem para aumentar a eficiência da sociedade,
facilitando as ações coordenadas (Putnam, 1996:175), um bem público que, quanto
mais ‘consumido’, maior seria a sua ‘oferta’. Esse é o caso, analisado por Putnam, da
reforma institucional na Itália, nos vinte últimos anos do século XX, em que se
formaram e firmaram a autonomia e identidade regionais, superando restrições que a
história e o contexto social impunham ao êxito institucional. Mas, se no caso italiano
houve ‘sucesso’, o mesmo não se processou no caso da RML até hoje, como se
procurou demonstrar ao longo deste trabalho.
A debilidade institucional brasileira – fruto da não consolidação democrática no
país – demanda uma ‘refundação’ do Estado e da sociedade, que tenha como base novas
estratégias de desenvolvimento, em que as possibilidades de inovação passam pela
política (Diniz, 2002). A governabilidade, e aqui está inserida a questão metropolitana,
só poderá ser atingida com a formação de um capital social regional sólido, caminho
único para que haja democratização do poder decisório, levando para a arena política
todos os atores relevantes e que efetivamente podem criar uma sistemática legítima de
gestão impondo, assim, uma nova ordem metropolitana (Lacerda et al., 2000), com
maior equidade social e poder de intervir, por meio das políticas públicas, nas
desigualdades criadas pela crise urbana contemporânea47.
O enfrentamento dos dilemas da gestão metropolitana, conforme visto até agora,
em um país de sistema federalista como o Brasil, pode ser considerado, enfim, o grande
desafio atual na tentativa de se alargar o processo democrático no país, trazendo a
47 Que cada vez é mais visível e afeta mais as cidades médias, como foi constatado na 3ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia (Cidades, 2005).
149
questão sobre sua governabilidade para a agenda pública e para o campo da negociação
intergovernamental, a fim de que se faça, dentro do jogo político, um pacto para uma
reengenharia institucional que privilegie a criação de mecanismos de incentivos a
cooperação e a participação da sociedade no estatuto das RMs. Vale lembrar que criar
capital social não é fácil, mas é fundamental para fazer a democracia funcionar
(Putnam 1996:194), ou seja, no Brasil se faz necessário superar os ainda persistentes
fatores de sua cultura política cuja existência inibe a formação de uma verdadeira
comunidade cívica, de elevada percepção democrática, e capaz, dentre suas imensas
possibilidades, de consolidar uma gestão metropolitana, que reverta o cenário de crise
urbana e diminua as desigualdades sociais.
150
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UFRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO IFCS – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais | PPGCP – Programa de Pós-Graduação em Ciência Política
QUESTIONÁRIO DE PESQUISA
1. Dados do Entrevistado Nome: Sexo: |_| masculino |_| feminino
Data de Nascimento: ____ / ____ / ____ Cargo que ocupa atualmente:
Filiação Partidária: Profissão:
2. Questionário Observação: marcar somente com um X a opção escolhida.
1. O(A) Sr.(a) tem conhecimento da existência do dispositivo constitucional que trata das Regiões Metropolitanas? |_| SIM |_| NÃO
(1.1) Em caso afirmativo, o(a) Sr(a). tem ciência da existência da Região metropolitana de Londrina ? |_| SIM |_| NÃO
2. O objetivo das Regiões Metropolitanas é o de integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum aos municípios que a compõe. Quem deveria ser responsável por essa tarefa?
|_| União |_| Estado |_| Município |_| Estado E Município |_| Iniciativa Privada |_| Todo o poder público |_| Todos citados
(2.1) Qual a importância que o(a) Sr.(a) atribui à participação da sociedade civil na administração da Região metropolitana?
|_| Imprescindível e obrigatório |_| Importante haver alguma representação |_| Indiferente |_| Não deve participar
(2.2) A Região metropolitana é o melhor instrumento para a resolução do se propõe a tratar? |_| SIM |_| NÃO
Se não for, qual tipo de política o(a) Sr.(a) acha mais adequada?
_________________________________________________________________________________________________________
(2.3) O(A) Sr(a). já votou/participou matéria no processo legislativo ou executivo relativo a Região metropolitana? |_| SIM |_| NÃO Sobre qual RM se tratava? |_| Curitiba |_| Londrina |_| Maringá (se for mais de uma, marcar todas em que a resposta for positiva)
3. Para que seja possível o funcionamento da Região metropolitana, deve haver um necessário ambiente de cooperação entre todos os níveis de governo envolvidos, de modo que se possam cumprir as funções públicas de interesse comum e assim resolver os problemas metropolitanos. Na sua opinião, qual a possibilidade dessa cooperação existir atualmente entre os níveis de governo?
|_| muito provável que se realize |_| depende de negociação |_| pouco provável |_| impossível de se concretizar
(3.1) Qual o principal fator que poderia dificultar a existência de cooperação intergovernamental? |_| Indefinição de competências
|_| Conflito de interesses locais |_| Disputas em nível partidário |_| Outra ( especifique: ________________________________ )
(3.2) Classifique por ordem de prioridade (1 a 7) a área sobre a qual a Região metropolitana deve agir.
|_| educação |_| saúde |_| emprego e renda |_| habitação e saneamento |_| meio ambiente |_| transportes |_| segurança
(3.3) Qual o principal problema atual a ser enfrentado por uma entidade metropolitana?
|_| deficiência no atendimento a serviços públicos básicos |_| desemprego |_| poluição |_| violência |_| corrupção
(3.4) Na sua opinião, a Região metropolitana por si só é uma saída institucional viável ou seriam necessárias outras intervenções para promover as funções públicas de interesse comum?
|_| A RM já bastaria |_| RM conjugada com políticas públicas federais |_| A RM não é necessária
161
LEI COMPLEMENTAR Nº 81 - 17/06/1998
Publicado no Diário Oficial Nº 5272 de 17/06/1998
Institui a Região metropolitana de
Londrina, constituída pelos municípios que
especifica.
A Assembléia Legislativa do Estado do Paraná decretou e eu
sanciono a seguinte lei:
Art. 1º. Fica instituída, na forma do art. 25, § 3º, da Constituição federal e art. 21 da
Constituição Estadual, a Região metropolitana de Londrina, constituída pelos
municípios de Londrina, Cambé, Jataizinho, Ibiporã, Rolândia e Tamarana.
Art. 2º. A Região metropolitana de Londrina terá um Conselho Deliberativo e um
Conselho Consultivo.
§ 1º. O Conselho Deliberativo constituir-se-á de 5 (cinco) membros de reconhecida
capacidade técnica ou administrativa, nomeados pelo Governador do Estado, sendo um
deles dentre os nomes que figurem em lista tríplice feita pelo Prefeito de Londrina e
outro mediante indicação dos demais municípios integrantes da Região metropolitana.
§ 2º. O Conselho Consultivo compor-se-á de um representante de cada município
integrante da Região metropolitana e de 3 (três) representantes da sociedade civil sob a
direção do Presidente do Conselho Deliberativo.
§ 3º Incumbe ao Estado prover, mediante recursos orçamentários, as despesas de
manutenção do Conselho Deliberativo e do Conselho Consultivo.
162
Art. 3º Compete ao Conselho Deliberativo:
I - promover a elaboração do Plano de Desenvolvimento Integrado da Região
metropolitana e a programação dos serviços comuns;
II - coordenar a execução de programas e projetos de interesse da Região metropolitana,
objetivando-lhes, sempre que possível, a unificação quanto aos serviços comuns.
Art. 4º Compete ao Conselho Consultivo:
I - opinar, por solicitação do Conselho Deliberativo, sobre questões de interesse da
Região metropolitana;
II - sugerir ao Conselho Deliberativo a elaboração de planos regionais e a adoção de
providências relativas à execução dos serviços comuns.
Art. 5º. Reputam-se de interesse metropolitano os seguintes serviços comuns aos
municípios que integram a Região:
I - planejamento integrado do desenvolvimento econômico e social;
II - saneamento básico, notadamente abastecimento de água, rede de esgoto e serviço de
limpeza pública;
III - uso do solo metropolitano;
IV - transportes e sistema viário;
V - aproveitamento dos recursos hídricos e controle da poluição ambiental.
Art. 6º. Esta Lei Complementar entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas
as disposições em contrário.
PALÁCIO DO GOVERNO EM CURITIBA, em 17 de junho de 1998.
Jaime Lerner
Governador do Estado
Miguel Salomão
Secretário de Estado do Planejamento e Coordenação Geral