Post on 05-Feb-2020
NeideRezende
DoutoraemEducaçãoemestreemLetraspelaUniversidadedeSãoPauloProfessoradeMetodologiadeEnsinodeLínguaPortuguesadaFaculdadedeEducaçãodaUniversidadedeSãoPaulo
ASemanadeArteModerna
©NeideRezende
VersãoImpressa
DiretoreditorialadjuntoFernandoPaixãoCoordenadoraeditorialGabrielaDiasEditoradjuntoCarlosS.MendesRosaEditoraassistenteTatianaCorrêaPimentaRevisãoIvanyPicassoBatista(coord.)EstagiáriasAlineRezendeMotaeBiancaSantanaEdiçãodearteAntonioPaulosAssistenteClaudemirCamargoCapaeprojetográficoHomemdeMello&TroiaDesignEditoraçãoeletrônicaMoacirK.Matsusaki
VersãoePUB2.0.1
TecnologiadeEducaçãoeFormaçãodeEducadoresAnaTeresaRalstonGerênciadePesquisaeDesenvolvimentoRobertaCampaniniCoordenaçãogeralAntoniaBrandaoTeixeiraeRachelZaroniCoordenaçãodoprojetoEduardoAraujoRibeiroEstagiáriaOliviaDoRegoMonteiroFerraguttiRevisãoMorenaBorbaLopes
Aocomprarumlivro,vocêremuneraereconheceotrabalhodoautoredemuitosoutrosprofissionaisenvolvidosnaproduçãoecomercializaçãodasobras:editores,revisores,diagramadores,ilustradores,gráficos,divulgadores,distribuidores,livreiros,entreoutros.Ajude-nosacombateracópiailegal!Elageradesemprego,prejudicaadifusãodaculturaeencareceoslivrosquevocêcompra.
SINDICATONACIONALDOSEDITORESDELIVROS,RJ.R357s|1.ed.Rezende,Neide,1952-ASemanadeArteModerna/NeideRezende.–1.ed.–SãoPaulo:Ática,2011–(Princípios;226)Incluibibliografiacomentada:1.SemanadeArteModerna(1922:SãoPaulo,SP).2.Artemoderna–SéculoXX.3.Modernismo(Arte)–Brasil.4.Brasil–Vidaintelectual–SéculoXX.I.Título.II.Série.06-1265.|CDD709.81|CDU7.036(81)1ªEdição-Arquivocriadoem15/07/2011e-ISBN9788508149421
Sumário
1.Introdução
2.OsantecedentesdaSemanadeArteModernaUmpoucodefolcloreCritériodeantecedência“Osmodernistasdascavernas”AexposiçãodeAnitaNovoscompanheirosA“descoberta”deVictorBrecheretOs“avanguardistas”sefortalecemO“ManifestodoTrianon”Abatalhapelaimprensaem1921“Omeupoetafuturista”
3.AorganizaçãodaSemanaAopçãopeloTeatroMunicipalUmfestivalcomoosdeDeauvilleAburguesiailustradaOscompanheirosdoRioAajudafinanceira
4.NoTeatroMunicipalOprogramaTudocomeçaempazUmcampodebatalhaEstratégiasdavanguardaAsarmasfuturistasAimprensaeosmodernistas
5.AspropostaseasrealizaçõesdaSemanaAsidéiasdeGraçaAranhaeMenottiDelPicchiaOsartistasplásticosAmúsicaApoesiaAprosa
6.ConsideraçõesfinaisUmdesejodeatualizaçãoConstruçãoeestabilização
7.Vocabuláriocrítico8.Bibliografiacomentada
Quadrosinóptico
AlgunsfatosimportantesligadosàSemanadeArteModerna.
1909 —ManifestodeFundaçãodoFuturismo,publicadonojornalLeFigarodeParis.1911 —Fundaçãod'OPirralhoporOswalddeAndrade.
1912 —OswaldestánaEuropaporocasiãodapublicaçãodoManifestoTécnicodaLiteraturaFuturista.—PrimeirascolagensdeBraqueePicasso,possíveisorigensdoCubismo.
1913 —ExposiçãodeLasarSegallemSãoPaulo.—Apollinaire,“Surlapeinture”,espéciedemanifestocubista.
1914—IníciodaPrimeiraGuerraMundial.—Duchamplançaosready-mades,objetosdadaístas.—Primeirosensaiossobreomovimentoexpressionistanapintura.
1915 —RonalddeCarvalhoparticipanoRiodafundaçãodarevistaOrfeu,dirigidaemPortugalporFernandoPessoaeMáriodeSá-Carneiro.
1917
—OsurtoindustrialemSãoPauloseacentua.—GrevegeralemSãoPaulo—capitaleinterior.—VitóriadaRevoluçãoRussa.—ContatodeVilla-LoboscomocompositorfrancêsDariusMilhaudnoRiodeJaneiro.—EncontrodeOswaldeMáriodeAndrade.—SegundaexposiçãodeAnitaMalfatti.CríticadeMonteiroLobato.
1918—Manifestodadaísta.—Manifestodapoesiaexpressionista.—Fimdaguerra.
1919—CriaçãodoFascismonaItáliaeaadesãodeMarinetti.—BrecheretvoltadeRoma.—ManuelBandeira,Carnaval.
1920
—WashingtonLuísnapresidênciadoestadodeSãoPaulo.—BrecheretexpõemaquetesdoMonumentoàsBandeiras.—ExposiçãodeAnitaMaifattieJohnGraz.—OswaldeMenottifundamarevistaPapeleTinta.—GraçaAranha,Estéticadavida.—FreudcomeçaasermundialmentereconhecidocomoensaioAlémdoprincípiodoprazer.
1921
—ManifestodoTrianon.—OswalddeAndradepublica“Meupoetafuturista”,Máriorespondecom“Futurista?!”.—Máriopublicaoartigo“MestresdoPassado”.—MovimentoultraístanaArgentina,comGuillermodeLaTorreeJorgeLuisBorges.—VisitadeAndréBretonaFreud.
—Mussolininopoder.—RevoltadoFortedeCopacabana.
1922 —CriaçãodoPartidoComunistaBrasileiro.—SemanadeArteModerna.—MáriodeAndrade,Paulicéiadesvairada;OswalddeAndrade,Oscondenados.—FundaçãodarevistaKlaxon.
1Introdução
Em1922,nosdias13,15e17defevereirorealizou-senoTeatroMunicipaldeSãoPauloaprimeiramanifestaçãocoletivadeartemodernanopaís.Representantesdamúsica,daliteraturaeartesplásticasexpuseram seus trabalhos à apreciação pública. Ocuparam as escadarias, o saguão, o palco comagressividaderarasvezesvistanobeloeburguêscentrodacapitalpaulista.Demarcada historicamente a importância do evento, a cada dez anos — desde 1942 — ele é
comemoradoemváriascidadesdoBrasil,esobretudoemSãoPaulo.Noinício,cadacomemoraçãoeraenriquecidacomnovosdepoimentos,crônicasdoscontemporâneos
aoevento,intelectuaiseartistasquecontinuavamvivoseativosnavidaculturaldopaís.Ahistóriadomovimentosefazia,então,segundoseusprópriosparticipantes,tantoaquelesqueaeleaderiramquantoos que a ele se opuseram. E registrou-se uma história em grande parte subjetiva, de crônicas edepoimentosperpassadosporboadosedeemotividade.Nasúltimasdécadas,maisprecisamenteapartirdosanos70, comemoradacomaauradosgrandes
acontecimentos,aSemanavê-seanalisada,comentada,glosada,encenada.Amultiplicidadedeenfoquespela qual se busca compreendê-la parece supor que há algo nela que não se deixou ainda apreenderinteiramente—hásempreumtomdeinterrogação,seusentidoplenopareceescaparaocomentador.Demodo geral, está presente um tom polêmico, agressivo, como que a mimetizar o próprio espírito daSemana.Issoapenasrevelaqueodistanciamentoaindanãofoigrandeosuficienteparadecantar,parafazerque
opontodevistacríticosedestaquedasubstânciaqueoenforma,quedeixedeconfundir-secomelaporexcessodeafinidades.HáquemdigaquesequerrealizamosamelhorporçãodaspropostasdaSemana.ASemanadeArteModernase traduzhojeemtudooquesefez imediatamenteantesenosdezanos
seguintes a fevereiro de 1922, e exprime simbolicamente omovimentomodernista. A forma como serealizou a Semana, o espírito que a impulsionou, a paixão violenta com que se discutiam as idéias,confundem-se naturalmente com a idéia de movimento, que supõe rupturas e polêmica. Contudo, oModernismoenglobaomovimentoeaSemana,evaialémdeles.O Modernismo brasileiro, hoje devidamente reconhecido como um período de grande impulso e
responsávelpelaconquistadenossaemancipaçãoartística,conheceuváriosmomentos:umafaseinicial,de negação e destruição de cânones anteriores, que iria desde a exposição de Anita Malfatti, emdezembrode1917,à“festa”daSemanadeArteModerna;umafasedeexperimentaçãodaspropostas,deproduçãofebrileconstruçãodeumanovaestética,queiriade1922a1930,tambémchamadade“fase
heróica”;eumaterceirafase,dematuraçãoouestabilizaçãoquecomeçariaem1930eiriaatécercade1945,quandoentãoseconsiderasuplantadaafasedecombateaospadrõesacadêmicos,eoModernismoseerigeelepróprioemcânoneparaamelhorartedopaís.Deresto,éesseodestinodavanguarda:“Agenteserevolta,dizmuitodesaforo,abrecaminhoeseliberta.Estálivre.Eagora?Oraessa!Retomaocaminhodescendentedavida”,dizMário.ParachegarmaispertodoqueaSemanade fatosignificou,desvencilhando-adomitoeprocurando
decodificarosímbolo,éprecisovê-la,emprimeirolugar,comoaculminânciadeumprocessoiniciadocincoanosantes,equeabrecaminhoelançaasbasesparaaartedofuturo.Avitalidadedessasbasesedasexperiênciasestéticasquedelasbrotaramaolongodosanos20pôde
serverificadanadécadade1960quandoOswalddeAndrade,umdeseuslíderesaoladodeMáriodeAndrade, foi recuperadopelosmovimentos culturaisde então: “Precisava-sedeumpadroeiropara asrevoluçõesdaformaeasgrandesexplosõesdedesafogo,tipoTropicalismo—eeleencontrouoclimafavorável para 'funcionar' culturalmente, depois demorto”.Sãopalavras oportunasdo críticoAntonioCandidocujopensamentosecompletaressaltandoqueémuitopossívelqueemoutromomentonofuturoavulteafiguradeMário.Aliás,nosanosde1940e50,éprecisolembrar,acontribuiçãodeMárioeramuitomaisreconhecidadoqueadeOswald,entãoestigmatizadocomopiadistaeescritorfracassado.Naverdade, oque a saudável alternânciaMário/Oswald indica—senão implicar o “espíritoSão
PauloXCorinthians”, comomais umavezpontua comhumorAntonioCandido—é a vitalidadedomovimentoqueaindanãoseesgotou.
2OsantecedentesdaSemanadeArteModerna
AnaturezaestánointeriorCézanne
Umpoucodefolclore
Portersidoaolongodosanoscomentadacominsistênciaporafetosedesafetos,aSemanatemumahistória em grande parte episódica e anedótica; as versões sobre os acontecimentos daqueles anos“heróicos”costumaminsistirnopitoresco.Essasversõestêm,semdúvida,umsabortodoespecialparaquemseaventuranapesquisadaSemana,mastambémconfundemedesviamquandoseestáinteressadoemumacompreensãomaisprofundado fenômenomodernista.É impensáveldeixá-lasde lado,massetornamumproblemaetantosenãoasolharmoscomreservas.Sóparaseterumaidéia,atéMárioeOswalddeAndrade,osprotagonistasmaisfamososdaSemana,
apresentam (em textos decisivos, espécie de balanço) visões discrepantes sobre a primazia de certoespaçona“pré-história”domovimento.
Haviaareuniãodasterças,ànoite,naruaLopesChaves[casadeMáriodeAndrade].Primeiraemdata,essareuniãosemanal continha exclusivamente artistas e precedeu mesmo a Semana de Arte Moderna. Sob o ponto de vistaintelectualfoiomaisútildossalões,siéquesepodiachamarsalãoàquilo.
SãopalavrasdeMáriodeAndradepronunciadasem1942, trêsanosantesdesuamorte,espéciedebalançodesuaparticipaçãonomovimento.OswalddeAndrade,por suavez,poucoantesdemorrer, em1954, relatanumartigoparaa revista
Anhembi:
NagarçonnièredaPraçadaRepúblicacomeçouoModernismo.Arrasteipara láMáriodeAndrade.AliestiveramDiCavalcanti,Menotti delPicchia,RibeiroCouto [...]. Pode-se dizer que, depois da pobreza deminha garçonnière naPraçadaRepública,foiacasadePauloPradoocentroativoondeseelaborouoModernismo.
A própria participação do “comandante-chefe” da Semana, Graça Aranha, encontra várias versões
dentro e fora do círculomodernista.A irmã de Paulo Prado (o riquíssimomecenas desses primeirostempos da arte moderna no país), com quem o então famoso autor do romanceCanaã mantinha umsigilosoromance,reivindicaparasiahonradapresençadoescritoremSãoPauloemfevereirode1922.Segundoessasenhora,foicomopretextoparavê-laqueGraçaAranhaveiodoRioaSãoPauloeaceitouaconduçãodoevento.Háquemdiga,empólooposto,teremsidoosinteressescafeeiros(que,porsuavez,tambémpassavamporPauloPrado)aatraíremoescritoraSãoPaulo.MáriodeAndradecontaqueGraçachegoudaEuropajácélebreeveioaSãoPaulo“conhecerogrupoeagrupá-loemtornodasuafilosofia”. Mas Oswald afirma que sem a mediação de Paulo Prado “modéstia de fidalgo”, “duplapersonalidadedeescritorecomerciante[...]nadateriasidopossível.ElefoioativoagentedeligaçãoentreogrupoqueseformavaeomedalhãoGraçaAranha”.Quempodedarcontadasreaismotivaçõesíntimasdetãodisputadopersonagem?OfatoéqueGraça
AranhaestavaemSãoPauloemnovembrode1921e,segundocontaDiCavalcantiemsuasmemórias,odonodalivrariaeeditoraOLivro,ondeexpunha,“chamou-memisteriosamenteaumcantoeanunciou-meapresençadeGraçaAranhaemSãoPaulo,pedindo-mequeeufizesseopossívelparareunirgentenovano recintodeminhaexposição,porqueogloriosoacadêmicodesejavacontatos comamocidadeliteráriaeartísticadeSãoPaulo”.Aliás,comsuasmemóriasDiveiopôrfimaoutrolendáriodiz-que-diz:dequemfoia idéiadaSemana?Aseutempoveremos,pororaa intençãoerailustrarumpoucoaparcialidade — pelo grau de comprometimento pessoal — das versões que grassaram no circuitomodernista,easquais,comodissemos,éprecisoolharcomreserva.É preciso selecioná-las e interpretá-las desde uma perspectiva histórica.De resto, esta tem sido a
orientaçãodosprincipaisestudossetoriaissobreoModernismodosúltimosvinteanos,relacionadosnofinaldestevolume.
Critériodeantecedência
MáriodeAndradeinsistenanecessidadedeconsiderarcomoosreaisantecedentesdaSemanaaquelesfatos que contribuíram para a aglutinação dos descontentes com a arte praticada no país, e não asmanifestações isoladas, incapazes de provocar uma reação em cadeia. Assim, a mostra de pinturaexpressionista de Lasar Segall em 1913 ou a exposição de Anita Malfatti em 1914 não podem serconsideradas“antecedentes”porquenãofaziampartedeummovimentocoletivo.Nãoestavanoar,comoacontecerátrêsanosdepoisnasegundaexposiçãodeAnita,orechaço—sebemqueaindatímido—àsformasestéticasesclerosadasquejánãotraduziamasensibilidadedosnovostempos.Consideremosaquiosfatosenquanto“sintomas”deumorganismoemestadodemutação,nocasoo
país, cujas alterações físicas eramvisíveis emSãoPaulo e noRio de Janeiro que se transformavam:construíam-se edifícios, abriam-se avenidas, bondes elétricos e veículos motorizados imprimiammovimentoàvidaurbana;nacapitalpaulistanamultidõesderaçasdiversascirculavamnascalçadas.Jáasalteraçõespsíquicasseapresentavamcomomanifestaçõesaseremdecodificadas—esãoessas,emparte,quenoscompetem.Quemsabeaofinalsejapossívelumdiagnósticoadequado.
“Osmodernistasdascavernas”
O ano de 1917 é um ano-chave para a história do Modernismo. Além da exposição de Anita,consideradao“estopim”doModernismo,sobreaquallogomaisnosestenderemos,houveumoutrofato
crucial: a aproximação afetiva e intelectual dos dois escritores que deram forma, impulso e idéias àSemana—MárioeOswalddeAndrade.Oswald eMário quando ficaram amigos em1917 já se haviamvisto,mas consta que então não se
olharamdireito.OswaldforacolegadoirmãomaisvelhodeMário,Carlos,noColégiodoCarmo,ondeestudava.A união dessas duas personalidades tão distintas configurou uma das mais ricas e profícuas
colaboraçõesintelectuais.SegundoPauloMendesdeAlmeida,críticodearteeamigodosAndrades,
Essesdoistipostãodiversificadosdeintelectualcompletavam-seadmiravelmente.Márioeraruminante.Desconfiavadofáciledaprópriafacilidade.Erahomemdepensarerepensar.Aele,pois,seadequava,perfeitamente,opapeldeteorista documentado. Oswald, ao contrário, se entregava às primeiras idéias, quando ainda elas eram maispropriamentesensaçõesousentimentosdoqueidéias.Eraumainteligênciaajato,comadmirávelpoderdesíntese.[...]Opoderdasíntesepoiseopoderdaanáliseseconjugaram,nesseencontrodosAndradesdeSãoPaulo.[...]Eforameles,assim,oelementodecoesãodetodoogrupo,aoqualtransfundiamaudácia,segurançaeentusiasmo.Etantoistoécertoquesuaseparaçãomaistarde,produziusensíveltraumatismonavidaintelectualdeSãoPaulo.
Aseparaçãoocorreuem1929,quandodesdeentãonuncamaissefalaram.Houvequemsealinhasseaolado de um ou de outro, “de um ladoMário, Paulo Prado,Antônio deAlcântaraMachado; de outro,Oswald, Raul Bopp”, conta Antonio Candido, indistintamente amigo de ambos, mas que só veio aconhecê-los no início de 40.Por essa épocaAntonioCandidopresencia tentativas bem-humoradas deOswaldparasereconciliarcomoex-amigo,porémMáriosempresemanteveirredutível.Jamais revelarampublicamenteoqueos levoua tão irremediável ruptura, e se alguémalgumdiao
soube(excetuadasasanedotascominequívocoardeinvenção)guardouosegredoasetechaves.Parece,no entanto, que passado o “tempo da virulência” ambos semantiveram em respeitoso distanciamento.Oswald,mais ao final de sua vida não cansou de elogiar a importância deMário para omovimentomodernista (“Posso afirmar e já afirmo que sem a presença catalítica de Mário de Andrade, oModernismo teria sido, pelomenos, retardado”) e vice-versa: paraMário,Oswald foi “a figuramaiscaracterísticaedinâmicadomovimento”.Filhoúnicodefamíliamuitorica(seupaieradonodepraticamentetodososterrenosdavilaCerqueira
César, em São Paulo), Oswald fundara em 1911 um jornal, O Pirralho, quinzenário satírico,caricaturesco, estiloque se inseriabemnoespíritobelle-époque deentão.Emsua segunda fase,maisliterária, havia uma seção assinada por Juó Bananere— pseudônimo do engenheiro civil AlexandreMarcondes Machado —, que, na tentativa de reproduzir o falar popular dos imigrantes italianos,misturava de forma divertida, irônica e criativa o português e o italiano, e chegou a alcançar grandesucesso.Operiódicodurou até 1918 e teve trajetória atribulada, com lances rocambolescos,masnãoaportoumaiorescontribuiçõesàvidacultural,“nãoultrapassouodecorodeumapublicaçãoparagentebem-educada”, afirma Vera Chalmers, que estudou o jornalismo de Oswald de Andrade. Lancespitorescos, é bomdizer logo, não faltaramnavidadeOswald, seja porquede fatoo eramouporqueassimoescritorfaziacomqueelesparecessem,emparticularestratégiademarketing.QuandovoltoudesuaprimeiraviagemàEuropaem1912,Oswaldtraziacomosaldoumanamorada,
Kamiá,odescortinamentodomundo—experiênciaqueserepetiriamuitasvezesnofuturoemarcariasuas obrasmais inovadoras e também sua postura no quadro domovimento— e o conhecimento daprimeiradas“vanguardashistóricas”,oFuturismo,atravésdoManifestoTécnicodaLiteraturaFuturista,deMarinetti.Em1917,eleeraredatordaseçãopaulistanadocariocaJornaldoComércio.Enadaemsua linguagemfaria suporoprecursordeMiramareSerafim: seuestilonão sediferenciavamuitodaretóricaparnasianadaépoca.
Mário,porsuavez,com25anos,doisamenosdoqueOswald,eraumleitorinsaciável,sistemático,anotavatudo,comooprovaomaterialdoseuacervopertencentehojeaoInstitutodeEstudosBrasileiros,oIEB,daUSP.SeOswald tomara contato in loco (e assim seria pormuito tempo) com as vanguardas na Europa,
Mário, que jamais pisou foradoBrasil, as conhecia atravésdas revistas estrangeiras (emespecial asfrancesas Clarté e Esprit nouveau). Era então redator regular do jornal A Gazeta, mas tambémcolaboravaemoutraspublicações,eacabaradelançarumlivrodepoemas,Háumagotadesangueemcadapoema,sobopseudônimodeMárioSobral.Livropacifista(lembrem-seestávamosvivendoofimdaPrimeiraGuerraMundial),marcadoporvelhoscódigos,masjáinsinuandopequenasousadias.Embora o ramo materno de sua família fosse de grandes proprietários de terra, seu pai, sem tal
abastança,dequemMário,inclusive,herdouostraçosmulatos,imprimiuàfamíliarelativaausteridadeeconômica.Porisso,otrabalhoparaMário,àdiferençadeOswald,foiummeiodevida.EnsinavateoriamusicalnoConservatórioDramáticoeMusicaldeSãoPaulo,palco,aliás,doseuencontrocomOswald,numanoitede21denovembro,eternizadonabemdocumentadaobradeMáriodaSilvaBrito:
ElóiChaves,SecretáriodaJustiçadogovernodeSãoPaulo,empenhadonumacampanhapelaparticipaçãodoBrasilnaGuerra,pronunciavaumaconferênciapatrióticanoConservatórioDramáticoeMusical.Aoentregaraopolíticouma“corbeilie”deflores,oferecimentodasalunasdaquelacasadeensino,MáriodeAndradepronuncioucurtodiscursoquepareceuaOswaldarevelaçãodeumtalentoliterário.
OdiscursodeMário,“cheiodejuvenilentusiasmo”,"emocionalmenteexacerbado”agradouaOswalde,paraconseguiraslaudasoriginaisafimdepublicarcomexclusividadenoseujornalsaiu“atapacomumcolegadeoutrafolha”.Estavaformadaainvejávelparceria.
AexposiçãodeAnita
Emdezembrodessemesmoano,aexposiçãodeAnitaMalfattiacabouconfigurando-secomoepisódio-símboloparaomovimento.Amostrainauguradanodia12,numsalãodocentrodeSãoPaulo,reunia53trabalhos,seusedeoutros
artistascomquemcompartilharaaexperiêncianosEstadosUnidos,duranteosanosde1915e16.Nas telas dos artistas americanos havia uma marcada tendência cubista mas as de Anita eram
majoritariamente expressionistas devido ao seu primeiro aprendizado na Alemanha, berço doExpressionismo,em1913/14.Ao incluir telasdeoutrosartistas,apintora teriaa intenção—sugereamaiorestudiosadesuaobra,MartaRossetti—deseapresentarenquantopartedeumatendência,deummovimentocoletivo,enãoapenascomoexpressãoindividual.Osprimeirosdiasdaexposiçãoforambastanteconcorridos,eoitotrabalhosforamadquiridos.Tarsila
doAmaralquesóem22,depoisdaSemana,farápartedogrupomodernista,tambémvisitouaexposição“espantadaechocadadiantedosquadrosatrevidoserústicos”.Acríticadosjornais,quenaépocaaindaeramuitopessoalecostumavaidentificaraqualidadedeuma
obraaocaráterdosseusautores—exercitando,ademais,umarrogantepaternalismoquandosetratavadeartistasjovens—,achouosquadrosestranhos,distantesdos“métodosclássicos”,masfoi,nogeral,simpática à pintora.Assim como o fora em 1914, quando ela expôs quadrosmais propriamente pós-impressionistas.Mas,derepente,anotadissonante:MonteiroLobato,umnomeconhecidoporseusartigosincisivose
diretosn'OEstadodeS.PauloenaRevistadoBrasil,publicaumacríticaimplacáveledestruidora.
OataquedoescritordeTaubatévaiincidirjustamentenaquiloqueapinturadeAnitapossuidemaisvaliosoparanós,hoje,emaisinovadorparaaépoca:adeformaçãodoreal,ousodafiguraapenascomopretextoparaaexpressão,arupturacomaartedereproduçãodanaturezaexterior,istoé,anegaçãodaarteacadêmicaqueosbrasileirosconheciameapreciavam—enfim,Lobatoatacaopontocentraldoqueseconvencionouchamardeartemoderna.Naépoca,essaeraumaarte“anormal”,aliás,nãosóaqui,poistambémemoutraspartesdomundoprocurava-seidentificá-laàloucura.Lobato,representantedopensamentooficial,defensordonaturalismoedonacionalismoemartedizno
seuartigohaver “duasespéciesdeartistas.Umacompostadosquevêemnormalmenteas coisas e emconseqüência disso fazem arte pura, guardando os eternos ritmos da vida, e adotados para aconcretizaçãodasemoçõesestéticas,osprocessosclássicosdosgrandesmestres.[...]Aoutraespécieéformada pelos que vêem anormalmente a natureza, e interpretam-na à luz de teorias efêmeras, sob asugestãoestrábicadeescolasrebeldes,surgidascáelácomofurúnculosdaculturaexcessiva”.Oartigochegaasergrosseiroedemonstraumaraivadescabida.“Emboraelessedêemcomonovos,precursoresdumaarteavir,nadaémaisvelhodoqueaarteanormalouteratológica:nasceucomaparanóiaecomamistificação.”
Aboba,deAnitaMalfatti
A violência do ataque gerou posteriormente muitas conjecturas: Monteiro Lobato seria um pintorfrustrado; teria servido de porta-voz a Nestor Pestana, dono do Estadão, e à família de Anita,inconformados com a autonomia imprópria da artista, num país que se iniciava numa contradiçãoinsolúvel:umBrasilpré-burguês, rural,deestruturadepensamentorígidaearcaica,eamodernizaçãoimpostapelanovaeraindustrial,quepromoviaumarápidaalternânciadevaloresecomportamento.Lobato,noentanto,nãoeratão-somenteoconservadorempedernidoedestituídodesensibilidadeque
o seu comentário crítico faz supor: mesmo não se engajando no movimento modernista, sua prosa é
inovadoraemfacedaliteraturaregionalistadeentão(Urupêsépublicadoem1918),temograndeméritoderompercomaimagemfolclóricaemistificadoradohomemdointerior,seunacionalismosemostrariaprogressistaepolêmico,efoiconsideradoumeditoratéheróicoàfrentedasuaMonteiroLobato&Cia.Maselenãoentendiaenãoaceitavaasinovaçõesartísticasdasvanguardas.OfatoéqueseoartigodeLobatoconseguiudesautorizarotrabalhodaartistanomeiofútildosque
freqüentavam exposições para preencher o tempo— três quadros foram devolvidos e a pintora foiestigmatizadaportodaacidade—provocouasolidariedadedecertosjovensdeentão.
Com efeito, educados na plástica “histórica”, sabendo quando muito da existência dos impressionistas principais,ignorandoCézanne,oquenoslevouaaderirincondicionalmenteàexposiçãodeAnita,queemplenaguerravinhanosmostrarquadrosimpressionistasecubistas?Pareceabsurdo,masaquelesquadrosforamarevelação.Eilhadosnaenchentedeescândaloque tomaraacidade,nós, trêsouquatro,delirávamosdeêxtasediantedequadrosquesechamavamOhomemamarelo,Aestudanterussa,Mulherdecabelosverdes.EaesseHomemAmarelodeformastãoinéditasentão,eudedicavaumsonetodeformaparnasianíssima...Éramosassim.
Comessaspalavras,ditasemretrospectiva(eapontandocomocubistaoqueeramaispropriamenteexpressionista),Mário deAndrade ilustra bemcomonaquelemomento era possível perceber, sentir anovidade,masaindanãoseeracapazdecaptá-lanasuadimensãointelectual.AreferênciadeMárioaCézanne é muito importante porque o grande pintor francês foi um divisor de águas entre a pinturarealista tradicionaleapinturamoderna,historicamenteconsideradooprecursordoCubismo,primeiromovimento a desmontar a figura, a decompô-la em formas geométricas e em superfícies planas,oferecendo-asobdiversosângulosdeobservaçãoedenunciandooseuprocessodecomposição.Numcomentárioaumdosquadrosexpostos,Mulherdecabelosverdes,Márioperguntaseoscabelos
verdes não sugeririamo passar dos anos...Não podiam ainda entender que a arte traduzia na própriaforma o seu conteúdo, que a ruptura com a concepção do natural pressupunha uma ruptura como seucódigo.Nessecontexto,quempoderiafazerfrenteaoartigodeLobato?Aimprensasecalou.ApenasOswald
deAndrade—meio que escondido atrás de suas iniciais, O.A.— publicou um artigo no Jornal doComércio, que se bem tocasse no ponto nevrálgico da questão não teve fôlego suficiente— ou nãoencontrou terreno propício — para suscitar uma polarização no front estético. O.A. apontava compioneirismoaoriginalidadedo trabalhoda artista, o seu “temperamentonervoso”—própriodanovasensibilidadeurbana—eanegaçãodacópiafotográfica.Ocasovoltouàbailaem1919quandoMonteiroLobatorepublicouoartigonolivroIdéiasdeJeca
Tatu sob o título “Paranóia ou mistificação”, a partir do qual ficou conhecido.Mas ainda aí não seregistranenhumadefesapúblicadepeso.
Novoscompanheiros
OstrêsouquatroaqueMáriosereferenotrechoantescitadomuitoprovavelmentesetratedeOswalddeAndradeedeGuilhermedeAlmeida.Este,velhocompanheirodeOswald;haviamescritojuntos,em1916,duaspeçasde teatroMoncoeureLeurâme— issomesmo,em francês!Aogrupo, logo irá sejuntarMenottidelPicchia.Menotti era redator de uma coluna, a qual assinava com o pseudônimo de Hélios, no Correio
Paulistano,jornaldoPRP,partidodogoverno(mesesdepoissetornariaoprincipalredatorpolíticodojornaleporta-vozdoPRP).Acabaradepublicar três livrosdepoemas—JucaMulato,Moisés eAsmáscaras.JucaMulatovieraacrescentaralgumanovidadeaopanorama literáriocomseupersonagem
tão tipicamente brasileiro— omulato do título por si só já significava uma ruptura com os temaspoéticosvigentes,eeriçaraodesejodeOswalddecooptaroautorparaashostesmodernistas.Certo dia de 1919 Oswald foi procurá-lo no hotel em que se hospedava, na rua Libero Badaró.
Segundo o que a memória de Menotti em síntese guardou, ali na mesa do restaurante eles jáestabeleceram o pacto de botar por terra toda a arte passadista e acadêmica, em verdadeira fúriadestrutiva,comodiriaMário.Menottifoiumaconquistavitalparaadivulgaçãodomovimento,dadaasuaposiçãoreconhecidadeimportantejornalistaeescritor.Noentanto,issonãosignificaquetenhasidoo porta-voz também do Modernismo. Segundo depoimento recente de Rubens Borba de Moraes,“chegadosabidíssimodaEuropa”(Mário)em1919,ascrônicasdeHélios“lidashojeporhistoriadoressãoummaleumgrandeperigo”,pois:
Nãoeramosautoresqueelecitavadecambulhadaqueadmirávamos.Nãoeramessasasbasesdanovaliteraturaque pretendíamos implantar. Apelávamos para Mário, seu amigo, para que desse ao Menotti umas lições deModernismo.Eupropunhaemprestar-lhelivros,SérgioMillietensinar-lhefrancês.AslongasconversasqueMáriotinhacomeledevezemquandomelhoravamum instantesuascrônicas,masopoetadannunzianonão tinhamemória,esquecia-selogodetudoecontinuavaaembaralharMarinettieMarcelProust.[...]DevoravaMarinettiealgunspoetasitalianos,masnãoconheciasenãodeouvido,apoesiaeaprosafrancesacontemporânea,tãoimportantenagênesedoMovimentoModernistabrasileiro.
A“descoberta”deVictorBrecheret
Findo o ano de 1919, outros intelectuais e artistas já haviam se incorporado ao grupo de pregaçãoantiacadêmica.Alémdo escritorRubensBorba deMoraes e do jornalistaCândido deMotta Filho, opintor carioca Di Cavalcanti, desde 1917 estudando Direito em São Paulo ao mesmo tempo que sededicavaailustrarrevistasejornais,tambémseintegravaaogrupo.Poressaépocaentão,naprimeiraquinzenadoanode1920,outrofatoveiobotar lenhanafogueira:
“descobriu-se” o escultor Victor Brecheret isolado num dos cômodos do inacabado Palácio dasIndústrias. Di Cavalcanti, Helios Seelinger (pintor carioca e crítico de arte) e Oswald de AndradevisitavamcertodiaaexposiçãodemaquetesparaomonumentodaIndependência, instaladanosaguãoprincipal do edifício, quando são informados pelo porteiro de que “lá em cima anda um escultortrabalhando,umtipoesquisitão,depoucaprosaequefazumasestátuasenormeseestranhas”.Os depoimentos mostram o deslumbramento provocado pela obra de Brecheret naquele momento.
MenottidelPicchianoCorreioPaulistano,OswalddeAndrade,noJornaldoComércio,e, logomais,ambos,pelaspáginasdanovarevistaqueacabavamdefundar,PapeleTinta,erampródigosemelogiarotalentodoescultor.MáriodeAndradedescrevebemoentusiasmodogrupopelonovo“gênio”:
BrecheretnãoprovinhadaAlemanha,comoAnitaMalfatti,vinhadeRoma.Mastambémimportavaescurezasmenoslatinas,poisforaalunodeMaestrovic.Efazíamosverdadeirasrevêriesagalopeemfrentedasimbólicaexasperadaeestilizaçõesdecorativasdo“gênio”.PorqueVictorBrecheret,paranós,eranomínimoumgênio.Esteomínimocomquepodíamosnoscontentar,taisosentusiasmosaqueelenossacudia.
Tão grande foi o entusiasmoporBrecheret que até nos romances deOswald eMenotti concebidosnessaépocaelese tornaprotagonista:doprimeiro,EstreladeabsintoeAescada, segundo e terceirovolumesdatrilogiaOscondenados,eleaparecenapeledoescultorJorgeD'Alvelos;eemOhomemeamortedeMenottieleéoarquitetoCríton.Gênioemártir,oartistaexcepcionalescondidonosporõesdeumprédioemconstrução!Perfeitopara
oheroísmoromânticoqueanimaogrupo.
Brecheret fazia umas esculturas monumentais, em cujas figuras de músculos fortes e tensos os“mariscadoresdegênios”enxergavamaenergianervosadoséculoXX.Ocorpohumanoganhavanovoscontornos e formas, o que correspondia à alteração que a figura humana adquirira nas artesrepresentativasmodernas.Aoescultor foi reservadaa incumbênciadeplasmaramaquetedeummonumentoaosbandeirantes,
contribuiçãoqueopresidentedoEstadopretendiadaràscomemoraçõesdocentenáriodaIndependênciado Brasil. Brecheret fez a maquete e Menotti escreveu o memorial — pomposo, solene — que aacompanhava, exaltando o heroísmo dos “nossos” bandeirantes. “O monumento devia exprimir, naharmonia do seu conjunto, unificados em bloco, toda a audácia, o heroísmo, a abnegação, a forçaexpendidosemdesvendareintegralizaroarcabouçogeográficodaPátria.”ComaarrancadaeconômicadoEstado,obandeirantetransformava-seemsímbolodevultonoimagináriopaulista.Noentanto,apesardoufanismoinicial,aexecuçãodomonumentoteveumahistóriaconturbadaeotrabalhosófoiconcluídomuitosanosdepois,emfrenteaoParquedoIbirapuera.
Os“avanguardistas”sefortalecem
Tenazeperemptoriamenteiaconsolidando-seogrupoquepolarizavaadiscussãoentrepassadismoefuturismo. Jáestavanoar a idéiadeumeventodepesoemqueos“avanguardistas”aproveitariamascomemorações do Centenário. Em crônica de 16 demaio de 1920, no Jornal doComércio, Oswaldadverte:“Cuidado,senhoresdacamelote,averdadeiraculturaeaverdadeiraartevencemsempre.Umpugilopequeno,masforte,prepara-separafazervaleronossoCentenário”.A passagem da percepção à intelecção foi um processo rápido: os modernistas se atualizavam,
absorviamasinformaçõesquechegavamdaEuropa—tempomaiorexigiriaodomíniodatécnicaparaacriaçãopropriamentedita.Comaspublicaçõesestrangeiras,gentenovaquechegava,interlocutoresbeminstrumentalizados,aterceiraindividualdeAnita,em1920,encontrouumoutropanoramaintelectual,sóque...Anitarecuara.Oataqueàagressividadeeoriginalidadedesuaarte,afaltadeambienteadequadoparaoseudesenvolvimentointelectualeartísticonoacanhadouniversopaulistanoem17,levou-a,pararomperoisolamento,abuscarformasmenosousadasparaseexpressar.Nessaexposiçãoquasenadadarevolucionáriafasenorte-americanafoimostrado,preferiuobrasanterioreseposterioresàquelas(deum“nacionalismo caipira”, plasmado nos ateliês que passara a freqüentar), menos ousadas. Porém,curiosamente,foiaíquesedeusuaaproximaçãodefinitivadogrupodafuturaSemanade22.Fatos importantes vãomarcar o ano de 1921 em que se agudizam as hostilidades e as rupturas: o
discursodeOswalddeAndradenoTrianon;seuartigo“Omeupoetafuturista”,noJornaldoComércio,quedetonariaaréplicadeMáriodeAndrade“Futurista?!”e,posteriormente,atravésdasériedeartigos“Mestresdopassado";alémdeumaavalanchedeoutrostextosnaimprensasobreasnovasidéias.
O“ManifestodoTrianon”
Nos anos 20, o Trianon, um conjunto de pavilhões situado onde é hoje o MASP, era o ponto deencontroparaasatividadessociaisepolíticasdaelitepaulistana.A9dejaneirode1921organiza-seaíumbanqueteemhomenagemaMenottiporocasiãodolançamentodoseulivroAsmáscaras.Segundoaspesquisas deMário da Silva Brito, os presentes reunidos são “políticos, escritores da velha-guarda,gentedasfinançasedaaltasociedadeemeia'dúziadeartistasmoçosdeSãoPaulo'”.
“Meusamigos,osdonovogruporebeldeeosantigoscompanheiros,incumbiramBrecheretdeesculpirminhamáscara.NessafestaelameseriaoferecidaporOswalddeAndrade.Seriaaoportunidadepúblicadelançarmosnossogritoderenovação”,lembraMenotti.Não é de estranhar que a Menotti coubessem tantas honrarias. Redator político do Correio — e
mantendo sua coluna social — era, como ele diz, o maior cargo jornalístico do Estado, pois queresponsávelpelapalavraoficialdogoverno,econfidentedopróprioWashingtonLuís,atravésdequemconseguiu “paradoxalmente, colocar, desde o início da nossa insurreição, o grande matutinoultraconservadoraserviçodomovimentonitidamenterevolucionário”.OswalddeAndrade,tambémalinhadoentreosafiliadosdoPRP,fazentãoseudiscursomoldadonuma
eloqüênciaruibarbosiana,comcaracterísticasdemanifesto—aléguasdedistânciadoqueseriamseusmanifestos futuros. Por entre as rebarbas retóricas, o escritor se diz integrante de um “grupo deorgulhososcultoresdaextremadaartedenossotempo”,“perdidotropelnaurbeacampadaemterritórioirregularehostil”,sobreoqualrecaiaresponsabilidadede“combatesmaisvivos”nacidade.Algunsdiasmais tarde,oartigo“Marédasreformas”deMenottiexpunhaemlinguagemjornalística
maisdiretaaspropostasdonovogrupo,assimresumidasporMáriodaSilvaBrito:“a)o rompimentocomopassado,ouseja,arepulsaàsconcepçõesromânticas,parnasianaserealistas;b)aindependênciamentalbrasileiraatravésdoabandonodassugestõeseuropéias,mormenteaslusitanasegaulesas;c)umanova técnica para a representação da vida em vista de que os processos antigos ou conhecidos nãoapreendemmaisosproblemascontemporâneos;d)outraexpressãoverbalparaacriação literária,quenãoémaisamera transcriçãonaturalistamasrecriaçãoartística, transposiçãoparaoplanodaartedeumarealidadevital;e)e,porfim,areaçãoaostatusquo,querdizer,ocombateemfavordospostuladosqueapresentava,objetivodadesejadareforma.”
Abatalhapelaimprensaem1921
Aolongodoanode1921os“novos”seempenhamatravésdaimprensanumasistemáticaeinflamadacondenação da arte brasileira acadêmica, em nome da era do progresso e da máquina — tal qualpropugnavamos futuristas italianos.LambadasnoRomantismo“piegase sentimental”—nemAlencarnemCastroAlves—; rechaço à “pedanteria científica” doRealismo— sobretudo Eça deQueiroz eÉmileZola—;eàformacristalizadadaestéticaparnasiana.FicavapoupadooSimbolismo,sobretudopor sua ruptura comos esquemas parnasianos, pelo inusitado dos símbolos e pelo verso livre que osfrancesesexercitavam,masqueaqui—aindaconfundindo-seversolivrecomprosaemverso—apenaspoucosexploravam.Oswald depurava o seu estilo jornalístico em frases curtas, incisivas, livre das antiquadas e
grandiloqüentes metáforas. Passou com sua língua ferina a aterrorizar os adversários. A mudança doestilodeOswaldseoperaraemfunçãodeumatentativadecoloquializaçãoeabrasileiramentodalínguaportuguesaquevinhaseanunciando,uma“reacomodaçãonovadalinguagemescritaàfalada”,diráMáriomaistarde,responsávelcomcertezapeladiferençaquehojeseparaalinguagemverbalbrasileiradesuamatrizportuguesa.Tambémcolaboraram,nãorestadúvida,aspropostasestéticasdoFuturismo.
“Omeupoetafuturista”
Apolêmicavelhoversusnovocresceugraçasaoartigo“Omeupoetafuturista”queOswaldpublicou
em maio, onde reproduzia um poema, “Tu”, de um livro ainda inédito, Paulicéia desvairada. Teciaaltíssimoselogiosaoseuautor,cujonomenãorevelava.Tarefa,aliás,desnecessária,talaabundânciadereferênciasao“poetafuturista”,queeraMáriodeAndrade,oqualodiavaoepíteto.Dadoodesprestígioqueotermo“futurismo”—usadocomosinônimodemaluquice,frivolidades—
haviaadquiridonasuarecente incorporaçãoaovocabuláriopaulistano,oartigocaicomoumabomba.Mário de Andrade, até então conhecido apenas pela intelectualidade, “ganha uma popularidadeespantosa”,negativa,perdealunoseorespeito.Repete-sealgoparecidoaoqueaconteceucomAnitaem1917.Arma-seumnovoescândalo.Dez dias depois, pelas páginas do mesmo jornal, Mário deu sua resposta em artigo intitulado
“Futurista?!” E, igualmente não nomeando Oswald, nega ser futurista. Mas a polêmica, se não foipropositalmenteestratégica,refleteasituaçãodelicadaemqueseencontravamesses“futuristas”.Porumlado, sendo obrigados, para a própria credibilidade do movimento que defendiam, a se mostraremindependentes e originais, a negarem o vínculo com as correntes novas da Europa tão atacadas esatirizadaspela imprensaconservadora;poroutro,evidentementeservindo-sedaspropostas técnicaseestéticasdessasmesmascorrentes.Asaiaeramuitojusta!OpoemadivulgadoporOswaldnãoécertamenteomais futuristadospoemasdo livro,masnãose
podenegarseuparentescocomaestéticadefendidanosmanifestosdoescritoritalianoF.T.Marinetti,emespecial no segundo, oManifesto técnicoda literatura futurista, de 1912, queOswald conheceu emParis.Masacontecetambémquenessaépocaasváriascorrentesdevanguardajáhaviamsemisturado,incorporadoeavançadoosprocedimentosumasdasoutras.Por isso, tambémtemrazãoMárioquandodiz que reconhecer certos “benefícios” que o Futurismo trouxe, o abandono de “certos ritmosestereotipados”,de“certospragmatismossintáticos”,da“vulgaridadecheiadelazerdarima,inútilnumalínguavibrante,váriaesonoracomoanossa”,nãosignificaqueelepossaserdenominadounicamentefuturista.O Futurismo pregava: o verso livre, a destruição da sintaxe, o verbo no infinito, a abolição do
adjetivo,doadvérbio,dapontuação,ousodesubstantivosduplos,a“imaginaçãosemfios”,as“palavrasemliberdade”,ovínculoentreasimagensatravésdasanalogias.EmespecialasanalogiasserãotécnicadefendidacommuitaênfaseporMárioemAescravaquenãoéIsaura,escritoem22(massópublicadoem25).Uma das grandes identidades entre o Futurismo italiano e oModernismo brasileiro de então era a
condenação da arte do passado,mas também aíMário se indispõe com os futuristas deMarinetti. Averdadeéqueaidentidadecomaestéticapregadapeloitaliano,emboraexistisse,setornaraincômoda:pelo descrédito que provocava entre o público em geral e pelas posições demasiado agressivas deMarinetti, que já se aproximava do fascismo. Muito menos comprometedor era o vínculo com osfranceses,PaulDermée,Apollinaire,Cocteau,etc.,nãotãofanáticos,nemassociadosaumsóismo.Naseqüência,oautordofuturoMacunaímairápublicarainda,cercadedoismesesdepois,nomesmo
Jornal do Comércio, sete artigos denominados “Mestres do Passado”, em que analisa os poetasparnasianosFranciscaJúlia,RaimundoCorreia,AlbertodeOliveira,OlavoBilaceVicentedeCarvalho.Já deixando supor o grande teórico que viria a ser, embora ali o espírito polêmico se sobrepusesse,Máriorelegadefinitivaeirremediavelmenteosvates—aindareverenciadíssimospelopúblicoleitor—aopassado.
3AorganizaçãodaSemana
Umaintuiçãoprofundadosnossosproblemas,umajovialetemeráriacoragemparareclamararevisãogeraldosvalores[...]formarametreinaramobatalhãopaulistaescaladoparadesencadeara“Revoluçãosemsangue”.
Oscombatesdessa“Revoluçãosemsangue”,naexpressãodeMenotti,travadospelaimprensaem21,necessitavam de uma batalha decisiva, que acabou sendo a catártica Semana de fevereiro do anoseguinte.A idéia de aproveitar as comemorações da nossa independência política para proclamar a cultural,
tornando22umanosimbólico,sejáestavadecertomodoembutidanopensamentodeOswaldexpressodoisanosantes,concretiza-sefinalmenteemnovembrode21,porocasiãodaexposiçãodeDiCavalcantina livrariadeJacintoSilva,na rua15denovembro—pontodeencontrode intelectuaiseartistas—quandoGraçaAranhabuscaocontatocoma“mocidadeliteráriaeartísticadeSãoPaulo”.
AopçãopeloTeatroMunicipal
Parecequea idéiaera realizaroeventodeartemodernanasdependênciasda livraria, comespaçosuficientepara tanto,mas aspretensões foramde talmaneira crescendoqueomínimoaque sepodiaaspirarparauma“manifestaçãoespetacularqueabalasse,peloseuvultoeviolência,opovobrasileiro”(Menotti) só poderia ser o mais importante teatro da cidade, não difícil de conseguir graças àcolaboraçãodericoseimportantessenhorescooptadosporGraçaAranha.
UmfestivalcomoosdeDeauville
Segundo ainda relembra Di Cavalcanti, a idéia de uma semana de agitação surgiu na faustosaresidênciadocasalPauloeMarinettePrado,nobairrodeHigienópolis,quandoMarinettesugeriuquese“fizesse algo como em Deauville, na temporada, quando festivais se realizavam, inclusive de moda,exposiçãodequadros,concertos,etc.”.O que é apontado como um aparente paradoxo, isto é, a colaboração entre a elite econômica e a
vanguardaculturaldomovimento,podesermaisbementendidoseolharmossemcertospreconceitosdehoje para a situação de uma cidade que, graças ao desenvolvimento proporcionado pelo café, e àincipiente industrialização, fazia finalmente sua entrada no século XX — passagem para a qual aatualizaçãodaculturaerapressentidacomofundamental.
Aburguesiailustrada
GentecomoPauloPrado,latifundiárioecomerciantedecafé,oriquíssimodeputadoeempresárioJoséFreitasValle,o“presidentedoEstado”WashingtonLuís,estavamentreosquederamapoiologísticoefinanceiroàSemana,atitudequenãodevecausarsurpresasesabemosque,desdeantesdaGuerra,tantoogovernoquantoparticularesconcediamaospintoresumabolsaparacursosnoexterior.(VictorBrechereteAnitaestarãoentreosbeneficiadoscomessasbolsasdepoisde22.)São Paulo se tornara um mercado propício para a arte acadêmica e de gosto burguês, artistas
estrangeirosecariocasvinhamvendersuasobras.De1911a1913tiveramlugarváriasmostrasdeartesplásticas individuais e coletivas organizadas pelos próprios artistas e por esses mecenas, sobretudoFreitasValle.LasarSegallquandoaquiexpôsem1913foielogiadopelacríticaporsuaperíciatécnica,emboranessaépocanenhumfuturomodernistaestivessepresente.Umaspecto reveladordessaburguesiapaulistanapode ser recortadodo retrato irônicoqueopoeta
suíçoBlaiseCendrars, umdosgrandesnomesdavanguarda européia, fezdo amigoPauloPrado, semdúvidaomaiseruditoeumdosmaisricosdeSãoPaulo:
[...]oeminentePauloPrado,homemdomundo,gentil,desenvolto,queseentediavaumpoucoquandoficavamuitotemposemdarumpuloemParisouLondres [...]homemgalanteecharmosoque fizeraseudébutnavidacomajuventudedouradadosclubesedossalões,dascorridasedosgarden-parties,dosteatrosedosbulevaresemParisedasestaçõeswagnerianasemLondres,naépocadopríncipedeGalles,ofuturoEduardoVII,edosgrão-duquesdaRússia[...]umpoucoemexílioemseupaís,osedutorPauloPrado[era]umbibliófilooque,assimcomocolecionarcrônicasantigas,éumaartedeadministrarotempo,quandoelecomeçaadurarmuito.
Pois,paraessaburguesiailustrada,detradiçãoruralecomumpénamodernidade,apossibilidadedeumEstadoricoemodernocomparávelàsgrandesmetrópolesnãosóéaceitacomodesejada,etambém— por que não?— como percebe Cendrars, e como confirmaDi Cavalcanti quando diz que “PauloPrado não suportava o caipirismo que o cercava” — uma forma de romper o tédio num lugar tãodesprovidodefrissons.Poisbem,contandocomaamizadeeadisponibilidadefinanceiradaelite,ecomaliderançadoautor
deCanaã—“livrotabu”,segundoOswalddeAndrade,“queninguémhavialidoetodosadmiravam”,membro da Academia Brasileira de Letras, com residência no Rio e recém-chegado da Europa —interessadoemformarjuntoaosrebeldes,a“Revoluçãosemsangue”sepõeemmarcha.“Eraevidenteque para nós, sobretudo o apoio oficial deGraçaAranha, representava umpresente do céu.Com seuendosso,seríamostomadosasério.Docontrário,eradifícil”,confessaaindaOswald.Exemplodecomoosfinsjustificamosmeios.
OscompanheirosdoRio
Pouco antes da exposição deDiCavalcanti e, portanto, da chegada deGraçaAranha a São Paulo,Mário,Oswald eArmandoPamplona, críticode cinema,partemparaoRiode Janeiro, em“bandeirafuturista”afimdeconquistarnovosadeptos.Lá,RibeiroCouto,ManuelBandeira,Villa-Lobos,Ronaldde Carvalho, Sérgio Buarque de Holanda, entre outros, semovimentavam em torno das novas idéiasestéticasmas não se encontravam organizados como em São Paulo.A participação desses artistas naSemanagarantiriaaelabrilhoeconsistênciacompresençasmarcantescomoadeVilla-Lobos,amaiorsensaçãodo festival, eRonald deCarvalho, trabalhador incansável naquelemomento emprol da artemoderna.OModernismopodenãoseteroriginadonoRio,mascomoRioelesefortaleceu.
Aajudafinanceira
DecididaaSemana,distribuíram-seastarefas.Garantidaaapresentaçãoartísticaeraprecisocuidardabaseeconômica.RenéThiollier,diretordoJornaldoComércioemSãoPaulo,ecomveleidadesdeescritor,incapazde
enfrentar os modernistas na arena intelectual (“por vezes humilhado, sentindo-me de uma sevandijaignorância”juntoaogrupomodernista),decidiuserapenaso“homemdaempresa”,o“sujeitodoteatro”;conseguiuoMunicipaldoamigoprefeitoeconseguiuainda“deoutroamigo”,WashingtonLuís,queogoverno custeasseumaparte dasdespesas comahospedagemdos artistas e escritoresquevinhamdoRio. Além disso, organizou um comitê patrocinador composto por ele próprio, Paulo Prado, AntonioPradoJr.,ArmandoPenteado,emaiscincoouseisricosdacidade.“Mário, Oswald, Ronald de Carvalho, Di Cavalcanti e eu junto de Graça Aranha delineávamos o
programa.CuidávamosjádadivulgaçãodasnoitadasqueserealizariamnaribaltadoTeatroMunicipalparaoqualeraindiscriminadamenteconvidadoopovo”,relataemtomapologéticoMenottidelPicchia.
TEATROMUNICIPALSEMANADEARTEMODERNA
PROGRAMADOPRIMEIROFESTIVAL2.a-FEIRA,13DEFEVEREIRO
1.aPARTE
ConferênciadeGraçaAranha:
Aemoçãoestéticanaartemoderna, ilustradacommúsicaexecutadaporErnâniBragaepoesiaporGuilhermedeAlmeidaeRonalddeCarvalho.
Músicadecâmera:
Villa-Lobos
1.SonataIIdeviolonceloepiano—(1916)
a)Allegromoderato;
b)Andante;
c)Scherzo;
d)AllegroVivacesostenutoefinale.
AlfredoGomeseLucíliaVilla-Lobos
2.TrioSegundo:violino,violonceloepiano—(1916)
a)Allegromoderato;
b)Andantinocalmo(Berceuse-Barcarola);
c)Scherzo-Spiritoso;
d)Moltoallegroefinale.
Paulinad'Ambrósio,AlfredoGomeseFructuosodeLimaVianna.
2.aPARTE
ConferênciadeRonalddeCarvalho:
ApinturaeaesculturamodernanoBrasil.
3.Solosdepiano:ErnaniBraga:
a)(1917):“Valsamística”(daSimplesColetânea);
b)(1919):Rodante(daSimplesColetânea);
c)(1921):Afiandeira.
4.Otteto—(Trêsdançasafricanas):
a)“Farrapos”—(“Dançasdosmoços”)—1914;
b)“Kankukus”—(“Dançasdosvelhos”)—1915;
c)“Kankikis”—(“Dançasdosmeninos”)—1916.
Violinos:Paulinad'Ambrósio,GeorgeMarinuzzi.Alto:OrlandoFrederico.Violoncelos:AlfredoGomes,Basso,AlfredoCarazza.Flauta:PedroVieira;Clarino:AntãoSoares.Piano:FructuosodeLimaVianna.
PROGRAMADOSEGUNDOFESTIVAL4.a-FEIRA,15DEFEVEREIRO
1.aPARTE
1.PalestradeMenottidelPicchiailustradacompoesiasetrechosdeprosaporOswalddeAndrade,LuizAranha,SérgioMilliet,Tácito
deAlmeida,RibeiroCouto,MáriodeAndrade,PlínioSalgado,AgenorBarbosaedançapelasenhorinhaYvonneDaumerie.
2.Solosdepiano:GuiomarNovaes:
a)E.R.Blanchet:AujardinduvieuxSerail(Andrinople).
b)H.Villa-Lobos:OGinêtedoPierrozinho.
c)C.Debussy:Lasoiréedansgranade.
d)C.Debussy:Minstrels.
INTERVALO
PalestradeMáriodeAndradenosaguãodoTeatro.
2.aPARTE
1.RenatoAlmeida
PerennisPoesia
2.CantoepianoFredericoNascimentoFilhoeLucíliaVilla-Lobos
1919—a)FestimPagão.
1920—b)Solidão.
1917—c)Cascavel.
3.QuartetoTerceiro(cordas1916)
a)Allegrogiusto.
b)Scherzosatirico(pipocasepatócas).
c)Adagio.
d)Allegroconfuocoefinale.
Violinos:Paulinad'Ambrósio—GeorgeMarinuzzi.Alto:OrlandoFrederico.Violoncelo:AlfredoGomes.
PROGRAMADOTERCEIROFESTIVAL6.a-FEIRA,17DEFEVEREIRO
1.aPARTE
Villa-Lobos:1.TrioTerceiro—violino,violonceloepiano—(1918)
a)Allegroconmoto;
b)Moderato;
c)Allegrettospiritoso;
d)Allegroanimato.
Paulinad'Ambrósio,AlfredoGomeseLucíliaVilla-Lobos.2.Cantoepiano:MarioEmmaeLucíliaVilla-LobosHistorietasdeRonalddeCarvalho(1920)
a)“Luned'octobre”;
b)“Voilàlavie”;
c)“Jouissansretard,carvites'ecoulelavie”.
3.SonataSegunda—violinoepiano—(1914)
a)Allegronontroppo;
b)Largo;
c)Allegrorondó—Prestissimofinale.
Paulinad'AmbrósioeFructuosoVianna
2.aPARTE
Villa-Lobos:4.Solosdepiano:ErnaniBraga:
a)“CamponesaCantadeira”—(daSuiteFloral)—1916.
b)“Numberçoencantado”—(daSimplesColetânea)—1919.
c)Dançainfernal—1920.
5.Quarteto Simbólico— (Impressões da vida mundana)— flauta, saxofônico, celesta e harpa oupiano.Comvozesfemininasemcorooculto—(1921)
a)Allegronontroppo;
b)Andatino;
c)Allegro,finale.
PedroVieira,AntãoSoares,ErnaniBragaeFructuosodeLimaVianna.
Tudocomeçaempaz
Ocatálogo concebido e realizadoporDiCavalcanti era simples emoderno, coma figurada capa,preto em fundobranco, desprovida de grandes preocupações de volumeoude composição, e grandesletrasemvermelhoepretoanunciandoaSemana.Oprograma,divulgadodiscretamentepelaimprensa,nãodeixavasuporoescândaloqueseseguiria.Oprimeirodiatranscorreucomcalma.AlongaeconfusaexposiçãofilosóficadeGraçaAranhanão
despertou,comoeradeesperarpelareverênciaaoacadêmico,nenhumamanifestaçãodedesagravoporpartedopúblico,presenteparavaiaros“futuristas”.QuantoàmúsicadeVilla-Lobos,areaçãofoiatémuito respeitosa uma vez que ali solava o virtuose ErnâniBraga e outros intérpretes que a princípiogarantiam a respeitabilidade da apresentação. Até mesmo uma peça de Erik Satie, que continha umacitação paródica da “Marcha Fúnebre” de Chopin (identificado pelos modernos aos velhos cânonesmusicais),nãochegouadespertarmaioresceleumas,portersidoexecutadapeloconhecidopianista.Éque,segundodistinçãofeitaporJoséMiguelWisnikemOcorodoscontrários,osvirtuosesdopiano,emespecialossolistasGuiomarNovaeseErnâni,setornaramospólosdeatração,aocontráriodosmúsicosdecâmara,nãoindividualizadoseapenasumaextensãodocompositorqueosselecionaraeconvidara.Ossolistaseram intérpretes já integradosaogostodominante, tantoqueaprópriaGuiomarNovaesseencarregoudeenviaraoEstadodeS.Pauloumacartareprovandonosseuscolegas“apúblicaexibição
depeçassatíricasàmúsicadeChopin”.
Umcampodebatalha
Aconfusãocomeçounosegundodia,quandoMenottidelPicchiadiscorreusobreasidéiasdogrupoeapresentouaopúblicoosnovosescritores,alinhadosnofundodopalco.AexposiçãodeMenottiprocuraserconciliatória:recusa,comojáofizeraMário,apechadefuturistas
(“Seuchefe[Marinetti]éparanósumprecursoriluminado[...].NoBrasilnãohá,porém,razãológicaesocialparaofuturismoortodoxo,porqueoprestígiodoseupassadonãoédemoldeatolheraliberdadedasuamaneiradeser futura”)emnomeda liberdadeedo individualismoestético,mas reivindica,detodomodo,aadequaçãoaoprogresso,bemàmodafuturista:
Queremos luz, ar, ventiladores, aeroplanos, reivindicações obreiras, idealismos, motores, chaminés de fábricas,sangue,velocidade,sonho,nanossaArte.Equeorufodeumautomóvel,nostrilhosdedoisversos,espantedapoesiaoúltimodeushomérico,queficou,anacronicamente,adormireasonhar,naerado jazz-bandedocinema,comafrautadospastoresdaArcádiaeosseiosdivinosdeHelena!
Era a luta do futurismo contra o parnasianismo, ou, genericamente, contra o passadismo.A platéiaficou em alerta,mas se conteve.O ataque começou logomais, quandoMenotti passou a apresentar a“documentaçãoautênticadoqueanunciava”.OprimeiroaserchamadofoiOswalddeAndrade,que,noseubalançode54,relataoepisódio:
Eulevaracomigoumaslaudas,contendoumapáginaevocativad'Oscondenados,quenadatinhadeexcessivamentemodernoourevolucionário.Masapoucagenteinteressavaoqueeuia1ereapresentar.Oqueinteressavaerapatear.ApenasMenotti se sentou e eume levantei e o Teatro estrugiu numa vaia irracional e infrene. Antesmesmo d'eupronunciarumasópalavra.Espereidepé,calmo,sorrindocomopude,queobarulhoserenasse.Depoisdealgunsminutos, issosedeu.Abriabocaentão, lacomeçara1er,masnovapateadaseelevou, imensa,proibitiva.Novaecalmaespera,novoapaziguamento.Entãopudecomeçar.Deviaterlidobaixoecomovido.Oquemeinteressavaerarepresentar o meu papel, acabar depressa, sair, se possível. No fim, quando me sentei e me sucedeu Mário deAndrade,avaiaestrondoudenovo.Mário,comaquelasantidadequeàsvezesomarcava,gritou:“Assimnãorecitomais!”Houvegrossasrisadas.[...]
Nessemomento, vendo queMário recuava “ao impacto estertóreo da platéia”,Menotti conta tê-loseguradopelopaletó—“Mário!Queéisso?”—eoartistavoltouaocentrodopalcoparadeclamaratéofimosversosdePaulicéiadesvairada.Defato,odepoimentodeMáriovinteanosdepoisparececonfirmarotitubeio:
[...] como tivecoragempradizer versosdiantedumavaia tãobulhentaqueeunãoescutavanopalcooquePauloPrado me gritava da primeira fila das poltronas?... Como pude fazer uma conferência sobre artes plásticas, naescadariadoTeatro,cercadodeanônimosquemecaçoavameofendiamavaler?...Omeuméritodeparticipanteéméritoalheio: fuiencorajado, fuienceguecidopeloentusiasmodosoutros. [...]Pormim, teriacedido.Digoque teriacedido,masapenasnessaapresentaçãoespetacularquefoiaSemanadeArteModerna.Comousemela,minhavidaintelectualseriaoquetemsido.
ConstaqueMáriodeclamouopoema“Inspiração”(SãoPaulo!comoçãodaminhavida...)—jáumanovaexperiênciaestética,emqueosprocedimentospoéticosconjugamdescobertasdasvanguardascomosrecursosdesenvolvidospeloprópriopoeta (explicadosno“Prefácio interessantíssimo”àPaulicéiadesvairada).Nessesegundodia,tudofoilevadoderoldão;aescutarespeitosadeulugaraojogoperversoquese
estabeleceraentrepalcoeplatéia.VoltemosaorelatodeOswald:
AmúsicanovapareciaestapafúrdiaàquelagenteeducadanasdoçuraslânguidasdePucciniedeVerdi.OpossantesoprodonossomaiorcompositorfoicompletamentedesencorajadonasnoitadasdoMunicipal.ObarulhoeratamanhoqueArmandoLealPamplonadecidiusubiraogalinheiroemeconvidouparasegui-lo.Lá,gritou: “Queméqueestávaiandoassim?”Umsujeitopôs-sedepéegritouviolentamente,batendonopeito:“Eu!Eu!”Retiramo-nos.Euria.
Opúblico,divididoemgrupos,posicionava-seestrategicamenteparaacirrarasvaias,desejadas,porsua vez, pelos artistas.Menotti confessa ter ele e seus companheiros se decepcionado com a falta dereação violenta na primeira noite.Aliás, por bom tempo comentou-se que os própriosmodernistas seencarregaramdeorganizarasvaias.Mas,segundoaconfiávelfontequeéMáriodaSilvaBrito,parecenãoteremchegadoatanto—emboranenhumescrúpuloosimpedissede“borraràspressasmaisalgumastelas”emisturá-lasàsverdadeiras,como“protestocontraomelosoejádecrépitoacademismo[...]dosnovosricos”,istoseconfiarmosnamemóriadeMenotti,vistoqueninguémmaismencionaofato.Falsasounão,édeimaginaroescândaloquecausaramasobrasexpostas,nomínimocoisadeloucos
ou brincadeira de jovens burgueses.Aliás, esta última versão encontrou e encontra ainda hojemuitosadeptos.Censura-seemespecialafaltadevisãosocialepolíticadosrapazesde22,oquedefatoelesnão tinhamsesepensarnumcorpocoerentede idéias,emconsciênciadeclasseedopaís.Massesepensarquearecusaradicaldeumalinguagempressupõearecusadopoderqueaviabiliza,àmedidaquenaquela se traduz o modo de percepção e de representação da realidade, e, em última análise, ainterpretação do mundo, então, mesmo formando ao lado de Prados, Penteados eWashington Luíses,mesmo não investindo contra o poder imediato, os modernistas da Semana estavam iniciando umarevoluçãoprofundaqueiriainclusiveseradicalizar,soboaspectoideológico,nosanosseguintes.Um dos episódios mais divertidos da apresentação noMunicipal é a aparição de Villa-Lobos, de
casaca,comomandavaofigurino,masde...chinelo.“Achava-seelenaocasiãoatacadodeácidoúriconospése tendoumdelesenfaixado,apoiadoemumguarda-chuva,entrouemcena”,contaaviolinistaPaulina d'Ambrósio. A platéia, supondo tratar-se de “futurismo” apresentar-se assim, aproveitou aoportunidadeparabagunçaroconcerto.Contudo,segundoamaioriadoscronistasdaSemana,amúsicadeVilla-Lobos,apesardasvaiasgeneralizadas,acabouseimpondo.Eramosartistasplásticos,escritoresepoetasoalvodeataquedopúblico:SérgioMilliet“falousobo
acompanhamentoderelinchosemiados”.Osartistasatacavameopúblicorevidavaàaltura,emperfeitasintonia. EnquantoRonald deCarvalho declamava o provocativo “Os sapos”, deManuelBandeira, aplatéiacoaxavaorefrão:“foinãofoi”.Opoemaopõeosapo-tanoeiro/Parnasianoaguado—versossatíricos—aoSapo-cururu/Dabeiradorio...que,longedaarrogânciaacadêmicadoprimeiro—“semglória,semfé,/Noperauprofundo/Esolitário”—,soluça,transidodefrio.Opoetapassadocômicoaodramático nesse curioso poema. Mas a platéia naquele momento não estava para sutilezas e seguiacoaxandoorefrãodosapo-tanoeiro.Noentanto,parecequeRonalddeCarvalhoconseguiu,acertaaltura,comsua“figuraaristocráticae
bela”emuitapresençadeespíritoaorevidarumgracejoendereçadopelopúblico,“dominaromonstrouivante”,sobretudoaplatéiafeminina—eanoitadaterminouemrelativatrégua.ComofrisaJoséMiguelWisnik“nãosóartistas'avanguardistas'escandalizamopúblicoemsuasapresentaçõesmascria-seumasituaçãoondeoprópriopúblicoseexibetambémeseassiste”.Comovimos,osmodernistas—nessemomentoaindaalcunhadosde“futuristas”ou“avanguardistas”
—nãoeraminocentesouvítimas;asvaias,osachincalhesestavamprevistoseerammesmodesejados,faziampartedoespetáculo.Significavamqueametaforaatingida.
Estratégiasdavanguarda
De resto, espetáculos artísticos dessa ordem já estavam inscritos na recentíssima tradição dasvanguardas.O campo semântico do termo “vanguarda” ampliou-se nas primeiras décadas do séculoXX, como
conseqüência direta da atuação do meio artístico. Não por acaso os nossos modernistas seautodenominavam “avanguardistas”, neologismo derivado do nome francês avant-garde— “parte doexército quemarcha na frente do grosso da tropa”, diz a primeira acepção do verbete no dicionáriofrancêsPetitRobert.Apartirdasúltimasdécadasdoséculopassado,otermoentroumetaforicamenteparaovocabulárioda
políticaedaarte,massóapartirdaSegundaGuerraMundialelepassaaserdicionarizadonoseunovosentido:“grupodeindivíduosque,porseusconhecimentosouporumatendêncianatural,exerceopapelde precursor ou pioneiro de determinadomovimento cultural, artístico, científico, etc.”, nos ensina oAurélio,citandoprecisamentecomoexemploaSemanadeArteModerna.Oqueestedicionárionãodiz,mas que faz parte do novo conceito de vanguarda, é que o termo supõe choque e ruptura, ataque eviolência,portanto,vinculadoàsuasemânticamilitaroriginal.Deresto,ametaforizaçãodapalavrasepopularizou justamente durante a Primeira Guerra, quando o vocabulário militar invadiu o cotidianocivil.
Asarmasfuturistas
Desde1909,quando lançouoseumanifestodeestréia,Marinetti colocouaoserviçode suas idéiasinstrumentosnuncaantesempregadosnaarteenaliteratura:“Senti,derepente,queosartigos,aspoesiaseaspolêmicasjánãoeramsuficientes.Eraprecisomudardemétodo,sairàsruas,tomarosteatrosdeassaltoeintroduzirosoconalutaartística”.Marinetti “inventou”, entre outras formasde ação, a serata futuristamais tarde imitada commaior
sofisticação pelos dadaístas. Esses “saraus”— termo tão prosaico em nossa língua— objetivavam“açõespolíticas” imediatas,atravésdaprovocaçãoedo insulto.Opúblico respondiacomviolênciaeeracomumaintervençãodapolícia,algumasvezesporcausadepancadariaentreopúblicoeosartistas.Vistas dentro dessa tradição moderníssima das vanguardas européias, as estripulias da Semana
pareciamatémuitotímidas.Emesmoassimcausaramtantobarulho.Masocontextoaqui,nãopodemosesquecer,erabemoutro:semnenhumatradiçãode“maucomportamento”dentrodasnormasedamoralburguesas,nossosvanguardistascertamentechegaramaomáximoqueaformaçãolhespermitia.Havia, sim, uma tradição do achincalhe, da farra, por uma parte do público do Municipal: os
estudantesdaFaculdadedeDireitodoLargoSãoFrancisco—que,deresto,mesmodiluídaaindahojepersiste. “Ora em consonância, ora em desacordo com os remanescentes da 'ordem doméstica' dacidade”, os estudantes sempre foram uma turma barulhenta, conta Richard Morse em sua excelente“biografia”deSãoPaulo.Éde imaginar, portanto, que a irreverênciadasbrincadeiras, osgritos e asvaiasdevemser imputados aos estudantes.Umdos “comandantesda assuada”, revelaMáriodaSilvaBrito, defendeu, em 1934, o pintor Flávio de Carvalho contra a polícia paulista, que ordenara ofechamentodeumaexposiçãodoartista;ooutro,CíceroMarques,foidepoisdiretordoMuseudeArtedeSãoPaulo.Oquenospermite—focalizandoumoutroângulodaquestão—deduzirque,afinal,obarulhonãoeraexatamenteumamanifestaçãodeconservadoresepassadistas.Estesestavamlá,claro,masconstaqueselimitavammaisàsironiaseaossorrisosdemofa.Certoéquenaquelemomentosóosmodernistasselevavamasério,e,mesmoassim,nemtodos,comoveremosainda.
Aimprensaeosmodernistas
Outra carga de ataques provinha da imprensa, conservadora, na sua totalidade, mas nem por issocompletamentefechadaaogrupomodernista.Foiatravésdela,afinal,quesedivulgouaSemana.Ojornalmaisimportante,OEstadodeS.Paulo,quehápoucomaisdequatroanosderaespaçopara
Monteiro Lobato arrasar com a exposição de Anita Malfatti, desta vez noticiou e cobriu comimparcialidade o evento, nos seus três dias, reproduzindo inclusive a conferência deGraçaAranha epublicando um longo artigo de Ronald de Carvalho sobre Villa-Lobos. Além do que, não devemosesquecer,amaioriadosescritoresdoModernismoescrevianosjornaiseneleshaviadivulgadoasidéiasquemobilizaramaSemana,mesmosendoosveículosdemodogeralcontráriosàsinovaçõesestéticas.DoladofrancamentefavorávelàsnovasidéiasestavaoCorreioPaulistano,etalapoiosedeviaúnica
eexclusivamenteàpresençadeMenottidelPicchia—“Odr.Washingtonestavaapareseacumpliciava,pormudoconsenso,comarevolta”.JávimosquefoipelaspáginasdoJornaldoComércioqueOswaldreplicouaLobato,emfavorde
AnitaMalfatti.TambémfoipelascolunasdestejornalquepegoufogoapolêmicaentreMárioeOswaldapropósito do epíteto “futurista”. Os artigos deOswald sobre a preparação da Semana, sempremuitoagressivos, eramprecedidosda advertência: "Escreve-nosonosso colaboradorOswalddeAndrade”.Segundo Mário da Silva Brito, “o jornal transformava as colaborações de Oswald, que erampersonalíssimas,emmeroscomunicadosdaprópriaSemanadeArteModerna”.Mário,porsuavez,polemizavaconsigomesmon'AGazeta:numacolunadenominada“Pró”defendia
oModernismo,emoutra,“Contra”,sobopseudônimodeCandido,criticava-o.Seusexcelentesartigosversandosobrereligião,pintura,música,folclore,apareciamininterruptamenteemrevistasejornais.Naspáginasd 'ACigarra,amaiorrevistadaépocaemSãoPaulo,aoladodosmedalhõesdotempo
(tais como:CoelhoNeto,OlavoBilac,MonteiroLobato,VicentedeCarvalho,OsórioDuqueEstrada,etc.), colaboravammuitos dos que vinhampreparando a Semana: SérgioBuarque deHolanda, SérgioMilliet,GuilhermedeAlmeida,OswalddeAndrade,RibeiroCoutoePauloPrado,entreoutros.AúnicarevistadiretamentevoltadaparaaartemodernafoiadeOswalddeAndrade,PapeleTinta,
que, embora se anunciasse quinzenal, conseguiu publicar apenas seis números de maio de 1920 afevereirode1921.Apesardaspropostasambiciosas,oujustamenteporelas,nãoconseguiusemanter.Durante todo esse tempo, a Revista do Brasil, fundada em 1916 e afirmando-se como um órgão
importante para a discussão do nacionalismo, ignorou por completo tanto os modernistas quanto aSemana.Sóapartirde1923 (Lobato foidiretorde1918a1920edurante todooanode22),quandoPauloPradoassumeadireção,équeaimportânciadomovimentovemfinalmentereconhecida(chegaareproduziroManifestoPau-BrasildeOswald).
5AspropostaseasrealizaçõesdaSemana
Havia grande variedade de estilos noTeatroMunicipal em fevereiro de 1922, assim comodiversotambémeraograudedesenvolvimentodosartistas.ÉcomumquenumamanifestaçãodanaturezadaSemana,quesepropõearompercomdeterminadas
concepçõespara instaurarnovas,osprojetos se apresentemeloqüentes,grandiosos, revolucionários e,porfim,utópicosnamaioriadasvezes.Arealizaçãoefetivacostumaficaraquémdaspropostas.No caso da Semana, as propostas apresentadas ficaram curiosamente aquém das realizações pelo
simplesfatodequenãosesabiaexatamenteoquesequeriaequemasexpunhanãoentendiabemoqueestavaacontecendo.Oumelhor,asrealizaçõesdaSemananãoencontraramquemasexpusesseàaltura.Eraummomentodepassagemdeumaestéticaaoutra,dedifícilinterpretação,pelafaltadeinstrumentosadequados.Aspropostasmodernistasdeveriamemprincípioestarcontidasnasquatropalestrasdo festival:“A
emoçãoestéticanaartemoderna”,deGraçaAranha,e“ApinturaeaesculturamodernanoBrasil”,porRonald de Carvalho no primeiro dia; no segundo, a palestra de Menotti no palco e a de Mário deAndradenosaguão.AotextodeGraçaAranhaeMenottitemosacessonaíntegra,porsuareproduçãonosjornaisdaépoca;
apalestradeRonalddeCarvalhofoicomentadapelojornalOEstadodeS.Paulo,masnãoserecuperouatéhojeotextocompleto;quantoàconferênciadeMário,“AescravaquenãoéIsaura”,sobreapoesia,lidanosaguão(espaçomenos“oficial”),emboranãotenhasidoreproduzidaposteriormenteémuitíssimoprovávelquetenhaderivadodotextohomônimopublicadoem1925.
AsidéiasdeGraçaAranhaeMenottidelPicchia
GraçaAranhaeMenottidelPicchia foramnoMunicipalosapresentadoresoficiaisdaSemana,masnemporissoseuslegítimosrepresentantes.AposiçãodeGraçaAranhajásabemosqualfoinaSemana,apenasestratégica.Menottitampoucoera
um intérprete à altura das premissas “revolucionárias”modernistas.Ambos cumpriama difícil função
naquelemomento—daíemparteaimpressãodefragilidadedesuasexposições—delegitimaranovaartefrenteaopúblicoe,aomesmotempo,mostrarasuarupturacomatradição.OdiscursodeapresentaçãodoqueseriaanovaartenopalcodoTeatroMunicipalrepeteaquiloquejá
foraditoporOswaldno“ManifestodoTrianon”eincansavelmentedefendidoporMenottinaspáginasdoCorreio: a querela passadistas X modernistas e a rejeição a escolas. O pior é que ao tentar —diplomaticamente—desvincular-sedoFuturismo,Menottiutilizavaumrepertóriomodernoso,cheiodesignosdaeradamáquina,queopúblicojáacostumaraavercomoíndicesfuturistas.Emqualquerdostrechos a que nos remetemos, deparamo-nos com amesma base antitética que opõe o velho ao novo,mecanicamente:“Àsprincesasdebaladasdoscastelosroqueiros,preferimosadatilógrafagarota.Nãoqueremosfantasmas!Estamosnumtempoderealidadeseviolências”.(Oadjetivo“roqueiros”sereferearochas,éclaro.)AspropostasdeGraçaAranhaapresentadasnasuaconferênciamostram-sevelhasdenomínimotrês
décadas, se tomarmos como critério as novas correntes do início do século a que efetivamente osmodernistas se vinculavam.Trata-se de uma reflexão filosofante, integra aspectos do positivismo, dasestéticas impressionistaesimbolista,aomesmo tempoquedesconfiadasvanguardas“espéciede jogodivertidoeperigoso,eporissosedutor,daartequezombadaprópriaarte”.Aambigüidadedessafraserefleteaambigüidadede todooparágrafoemqueGraçacomentaaartemoderna,uma“moda,queatécertopontoéumaprivaçãodaliberdade”.As novas técnicas e os procedimentos das novas tendências—Cubismo, Futurismo, Dadaísmo—
exigiamdoindivíduoumaidentidadecomoseutempo.TantoMenottiquantoGraçaAranhaeramhomensformados e identificados à sensibilidade do século XIX, ainda forte o suficiente para resistir àatualizaçãoqueaSemanavinhapropor.Oqueambosexpressamemcomumequepodeserconsideradoefetivamenteumaprerrogativadetoda
artemodernaéaliberdadedecriaçãoeaexpressãopessoal,cujafonteseencontra,defato,naatitudeimpressionistadoséculoXIX,comobemidentificaGraçaAranha.OproblemaéqueGraçapermanecenas origens, não leva em conta os avanços para essa livre expressão; para ele, a arte apresentada noMunicipal são: “pinturas extravagantes”, “esculturas absurdas”, “música alucinada”, “poesia aérea edesarticulada”.Emborarecebendovalorpositivo,osepítetosmostramcomoeleachaessaarteanormal,aberrante,aexemplodeMonteiroLobatofrenteàobradeAnita.
ARCHITECTURA
ANTONIOMOYA
1—EntradadeTemplo.2—Templo.3—”4—Monumento.5—Pantheon.6—Templo.7—Casadopoeta.8—Residencia(plantaefachada).9—””””10—””””11—””””12—””””13—Volumearchitectonico.14—Entrada.15—Cariathyde.16—Fonte.17—Tumulo.18—Tumulo.
GEORGPRSIREMBEL
19—Taperinhanapraiagrande(Maquetteeplantas).
ESCULPTURA
VICTORIOBRECHERET
1—Genio.2—Angelus.3—Sorordolorosa.4—Idolo.5—Oregresso.
6—Pietá.7—Cabeçademulher.8—CabeçadeChristo.9—Sapho10—Torso.11—Baixorelevo.12—Victoria.
W.HAERBERG
13—NossaSenhora(madeira).14—Mãeefilho(madeira).15—”””(”).16—Grupo(madeira).17—Pequenasesculpturasdecorativas.
PINTURA
ANNITAMALFATTI
1—AEstudantarussa.2—OHomemamarello.3—OFauno.4—Ojaponez.5—Amulherdecabellosverdes.6—Aonda.7—Aventania.8—Rochedos.9—Casadechá.10—Pedraspreciosas.11—Penhascos.12—Floresamarellas.13—Impressãodivisionista.14—OHomemdassetecores.15—Arvoresjaponezas.16—Bahianas.17—Capadelivro.18—Christo.
19—S.Sebastião.20—Moêmas.
DICAVALCANTI
21—Aopédacruz—painelparacapella.22—OHomemdoMar—1920.23—Caféturco—1917.24—””—192125—Retrato.26—ADuvida.27—Intimidade.28—”29—Illustraçõesparaumlivro.30—Coqueteria.31—Bohemios.32—Apiedadedainerte.
J.GRAZ
33—Missanotumulo.34—S.Franciscofallandoaopassaros.35—RetratodoMinistroG.36—Naturezamorta.37—””38—PaysagemSuissa.39—PaysagemdeEspanha.40—”””
MARTINSRIBEIRO
41—Tedio.42—”43—Desenho.44—”
ZINAAITA
45—Asombra.46—Estudodecabeça.47—Paysagemdecorativa48—MascarasSianezas.49—Aquarium.50—Figura.51—Paineldecorativo.52—25impressões.
J.F.DEALMEIDAPRADO
53—Doisdesenhos.
FERRIGNAC
54—Naturezadadaista.
VICENTEREGOMONTEIRO
55—RetratodeRonalddeCarvalho.56—Retrato.57—Retrato.58—CabeçasdeNegras.59—CabeçaVerde.60—BailenoAssyrio.61—LendaBrasileira.62—LendaBrasileira.63—Cubismo.64—Cubismo.
Aolongodosanos,osmodernistastentaramselivrardaincômodapaternidadedeGraçaAranha,quenão se “mancava”, chegandoa exigirdosmodernistas—e foi,muito a contragosto, satisfeito—umahomenagem,em1923,noúltimonúmerodarevistaKlaxon.RubensBorbadeMoraessugeretersidoessefatoconstrangedordahistóriadoModernismo,registradonaspáginasdeKlaxon,adeterminarofimdapublicação.Antesdetudo,oepisódiosugereaquecompromissoseramobrigadososmodernistasparasefazeremaceitos;aindanãotinhamnoçãoplenadaforçaedajustezadesuasproposições.Setivessem,dispensariam os arautos oficiais, pois se dependesse destes o Modernismo se apresentava muitomalparado.
Felizmente,oMunicipalfoiumamostraheterogêneaematricialdamelhorartequedaípordiantesefarianopaís,mesmonãoapresentandosoluçõesestéticasradicais.Asartesplásticas, por exemplo, já se encontravammaismadurasdoqueasoutras.Foramelas, em
especial a pintura, as responsáveis pelomaior impulso de renovação, e levaram consigo de roldão apoesiaedepoisaprosa.
Osartistasplásticos
SegundoesboçodeYandeAlmeidaPradoparaAracydoAmaralem1969,asobrasestavamassimdistribuídasnoMunicipal:àdireita(dequemseposicionadefrenteparaasescadariasdosaguão),dasescadasemdireçãoàporta,osbaixos-relevosdeBrecheret,osprojetosdeAntonioMoya,asobrasdeZinaAita e, bem diante das escadas, os trabalhos de AnitaMalfatti; à esquerda, encontravam-se (namesmaposiçãoqueosdaaladireita)asobrasdeFerrignac,YandeAlmeidaPrado,VicentedoRegoMonteiro,DiCavalcanti(doladoesquerdodeZinaAita)e,aoladodeAnita,umpoucomaisàesquerda,JohnGrazeReginaGraz;bemnopédaescada,osprojetosdoarquitetoGeorgPrzyrembel.Noaltodaescada, provavelmente com intuito de gozação, Yan posiciona Mário de Andrade, como obra emexposição.Cercadeumanodepois daSemana, a revistaKlaxon publica, em francês, no seu n° 1 o artigo do
crítico belga Roger Avermaete “Les tendences actuelles de la peinture” que sistematiza de formaoperativa para nós a situação em que se encontrava naquele momento a arte pictórica. Coexistiriam,segundo o crítico, três tendências principais: o realismo (fiel ao aspecto exterior dos objetos e dosseres);ainterpretação(rupturadasformasplásticas;temosaspectosexteriorescomopontodepartida,mas sua simples reprodução já não é suficiente); e aabstraçãopura (a obra não representa nenhumaimagem,nenhumaspectodomundopalpável).Essa diferenciação pode nos ajudar.O realismo representaria a arte acadêmica que osmodernistas
combatiam; a terceira tendência iria se desenvolver nas décadas seguintes, mas em 22 ainda nãoencontraranenhumadeptoentrenós.Asegundatendênciaéaqueseexerciaousebuscava.FoiatravésdelaqueseefetuouarupturacomoRealismo/NaturalismoeénelaqueseincluiAnitaMalfattieemquebuscavamseintegrarosoutrospintores.AnitaMalfattiparticipoudaexposiçãonahonrosacategoriademusadoModernismoecomoprimeiro
nome do catálogo na seção de pintura, além de apresentar o maior número de obras. Três das telasexpostashaviamconstadodaexposiçãode1917:Aestudanterussa,OhomemamareloeOjaponês.Nogeral,jáépossívelperceberqueaAnitade1922nãoéamesmadecincoanosantes,quandodetonaraomovimentomodernista.Éque,paraencontrarinterlocutoreseparaadequarmaisseuestiloaogostodopúblicodaqui,passouafreqüentaremSãoPauloateliêsdeartistascomoPedroAlexandrino,umvirtuosedapintura,adeptodatécnicadotrompe-l'oeil,eoimpressionistaalemãoElpons(dessasaulastambémparticipava Tarsila doAmaral, que, logomais, incentivada porOswald, completará sua formação naEuropa).Nosanosefervescentes,plenosdeexperimentaçõesegrandesrealizaçõesqueseseguirãoàSemana,
Anita perderá para Tarsila o primeiro plano que lhe coube no Modernismo inicial. No futuro, iriaencontrarnumcertoimpressionismosuaformadeexpressãodefinitiva.Outrograndenomedapinturaem22foiDiCavalcanti.Trabalhavacomoilustradorecaricaturistaem
algumasrevistasdeSãoPaulo.NaquelemomentoMárioafirmajáexistirnomeiodosseuspastéisdeum
“simbolismo lânguido, meio de importação”, de “tons velados”, a valorização de “certos caracteresdepreciativos do corpo feminino, [que] denunciava nos seus tipos uma psicologia mais propriamentesafada que extravagante, com uma admirável acuidade crítica de desenho”, aspectos mais tardeenriquecidosnocontatocomoCubismoecomoExpressionismoalemão.Deste,incorporaráatécnicadoaproveitamentodoespaçoedadeformaçãodafigura,que,emboravalorizesobremaneirasuaobrafutura,nãootornoucertamenteumpintorexpressionista.DiCavalcantifoiumbomexemplodarevisãodetemaspropostapeloModernismona seqüênciadaSemana, introduzindooprosaico,o samba, asmulatas,osnegros e o carnaval na pintura brasileira. Ao contrário de muitos de seus colegas pintorescontemporâneos,Dinãoefetuousuaformaçãonosateliêseuropeus,masélá,de1923a1925,queeleseaprimora.Vicente do Rego Monteiro, ao invés, vai ainda adolescente estudar em Paris, e, no entanto, seus
trabalhosapresentadosnaSemana,dacoleçãodeRonalddeCarvalho—Cabeçasdenegras,Cabeçaverde,BailenoAssírio,doisLendabrasileiraedoisCubismo—mostramointeressedoartistapelostemaspopularesefolclóricosdoBrasil,e,aomesmotempo,ovínculocomasnovastendênciasdaarte.1923a1925serãoanos-chaveparaadefiniçãode suapersonalidadeartística.Naseqüência, trabalhacom a estilização de linhas em figuras que lembram a arte egípcia e assíria, fugindo ao greco-latinovigentenatradiçãoclássica.DamineiraZinaAita,quemoravanoRioeestudaraemFlorença,AracyAmaralpôderastrearapenas
umaobra:“Numatécnicapós-impressionista,acomposiçãoconstantedemanchascoloridasjustapostasàVuillard,essapequenaobraparece-nosumadasmaisavançadasdaspresentesnaSemana”.Em1924,por motivos familiares Zina muda-se para Nápoles, onde, produzindo intensamente, permanece atéfalecer,em1967.SeoModernismoperdeamineiraparaaItália,ganha,porsuavez,umsuíço,JohnGraz,que,casado
com a brasileira Regina Gomide, também artista plástica (ela participou de toda a movimentaçãomodernistamasnãoexpôsnoMunicipalem22,aocontráriodoqueafirmaYandeAlmeidaPrado),veioparaoBrasil em1920.Nessemesmoanoparticipoudeumaexposição, fazendode imediatopartedogrupomodernista.Oswaldjáchegaacitá-lonodiscursodoTrianonem1921.Todos os seus quadros apresentados no Municipal haviam sido feitos na Europa e mostravam
tendência pós-impressionista; dedicou-se no futuromais a “realizações como projetista de interiores,afrescosepainéis”.PintoresqueparticiparamdaSemanamasposteriormentenãofizeramcarreiraforamosilustradorese
caricaturistas Ferrignac (Inácio da Costa Ferreira) e Antonio Paim Vieira. Yan (João Fernando) deAlmeida Prado diz que ele e Paim participaram da Semana por pura gozação. Assinaram juntos ostrabalhos expostos. Paim era conhecido ilustrador de livros e revistas. Terão sido aqueles querabiscaramobrasmodernasparaprovocarosobservadores,segundocontaMenotti?Doisúnicosescultoresestiverampresentesnamostraedeumdeles,WilhelmHaarberg,poucoficou.
ChegouaoBrasilem1920,ondepareceterpermanecidoaté1930voltandoemseguidaparaaAlemanha.No IEB da USP, na coleção Mário de Andrade, encontra-se a escultura em madeira (Mãe e filho,presente namostra) e um desenho seu. Participou levado porMário, seu admirador entusiasta, que ofiliavaàtendênciaexpressionistadeMunique.Quanto aVictorBrecheret, foi, junto comAnita, a grandeparticipaçãode22nas artes plásticas.O
escultorestavaemParisnaépocadaSemana,masdeixaraparaseremexpostasnoMunicipal12peças,entreelasofamosobustodeDaisy,anamoradadeOswald,falecidaem1919.Aesculturajogacomaluznocontornosimultaneamentetensoesuavedosmúsculos,revelandoanervosidadedocorpo.
AracyAmaralfalade“suaveexpressionismo”deBrecheretaté1920;depoisdisso,impulsionadopeloentusiasmodosmodernistasemSãoPaulo,mostrariaumaestilizaçãocadavezmaisacentuada.Quantoàarquitetura,tambémrepresentadanoMunicipal,lembremosqueSãoPauloviviaaeraRamos
deAzevedo,cujoescritórioforaresponsávelpelasmaisimportantesconstruçõesdaépocanacidade:oColégioCaetanodeCampos, oTeatroMunicipal, aPinacoteca doEstado, todas emacadêmico estiloneoclássico.DosdoisarquitetosqueexpuseramseusprojetosnoMunicipal,opolonêsGeorgPrzyrembeleAntonio
GarciaMoya,oúltimofoiomaisinventivo.FormadopeloLiceudeArteseOfíciosdeSãoPaulo,Moyaeraummestrenodesenho,enostrabalhosapresentadoshaviaumaltograudeimaginação,porémjamaisforamrealizadosporquenão“correspondiamàrealidade”;segundooseusócioGuilhermeMalfatti(tiodeAnita),foi“indubitavelmenteoelementodestruidornaseçãodeArquitetura,comseusprojetosplenosde atmosfera, revolucionários como concepção por seu caráter de rompimento com a convenção”,comentaAracyAmaral. Sua atividade posterior não segue, no entanto, essa linha ascendente, passa aobservarmodismoseaintegrarváriosestilosnosprojetosquerealiza.Przyrembel,porsuavez,desdesuachegadaaoBrasilem1912-13,foiautordeprojetosatéinovadores
dentro do movimento neocolonial anterior à Semana. Entretanto, após o evento, pouca ou nenhumarelaçãooarquitetomanteriacomogrupomodernista.Naverdade,ograndeeemblemáticoarquitetodoModernismoseriaofestejadíssimorusso,formado
emRoma,GregoriWarchavchik,quesóchegaaoBrasilem1924,eaquidesenvolvemuitosprojetos.Suaresidência,construídaemSãoPaulonaruaSantaCruz,em1928,hojeumCentroCultural,éconhecidacomoaCasaModernista.
Amúsica
ComoafirmaJoséMiguelWisniknoseuestudosobreamúsicaemtornodaSemanade22:“amúsicaerudita no Brasil acompanha, junto com as demais artes, a movimentação geral da cultura européia,incluindo-se,dealgumaforma,nocírculodealternativasaberto,napassagemdoséculo,pelacrisedosistematonal”.EmborasemjamaisaindateremsaídodoBrasil,Villa-LoboseLucianoGallet(quenãoparticipoudaSemana)eramaquinaquelemomentooscompositoresmaispróximosdessamodernidade,embora sem efetuarem rupturas radicais. Villa-Lobos “já se apresentava em concertos desde 1915,deixando 'ousadias' harmônicas, rítmicas ou timbrísticas invadirem o campo do seu aprendizadotradicional”.NoMunicipal,apresentoucomposiçõesde1914a1921,matrizesdesuaevoluçãoposterior,queofariamumcompositorapreciadoemtodoomundo.Seu repertório continha elementos damúsica romântica e damúsicamoderna.Amúsica romântica,
descritiva, temática, patriótica, tinha como eixo Carlos Gomes, que Oswald, ao classificar como“horrível”, detona uma polêmica interestadual entre Oscar Guanabarino (defensor do autor de Oguarani), crítico carioca, eMenotti delPicchia.Amúsicamoderna, ao contrário, já desde o final doséculovinhasendo identificadaàmúsicapura, ou “artedepensar, semconceitos, pormeiode sons”,segundoMáriodeAndrade.Dentre os compositores estrangeiros que se encontrariam na fonte da música moderna (Debussy,
BlancheteVallon),“Debussyéummúsicodamaiorimportância,osoutrosdois,compositoresmenoresenãorepresentativos,emnadacontribuíramparaoadventodamúsicamoderna”,dizWisnik.Noentanto,na confusão de conceitos e preconceitos que reinava naquelemomento, os críticos ainda não sabiam
como classificar o compositor:GraçaAranha faz comentários “antidebussystas” em sua conferência eOscar Guanabarino, o crítico conservador, o elogia. Também o Grupo dos Seis, de compositores,liderado por JeanCocteau e Satie, promovia naFrança uma revisão damúsica erudita e repensava acontribuiçãodeDebussyàmúsicamoderna.NoGrupo dos Seis e em Stravinski, osmodernistas brasileiros, informados pelaRevue Musicale,
encontravamoseupontodereferência.Entretanto,nãoéestenecessariamenteovínculodeVilla-Lobos,quedosmodernosaceitaadissonânciae,àtécnicaestrangeira(graças,possivelmente,aocontatocomofrancês Darius Milhaud, que esteve no Rio em 19-20), vai submeter material do repertório popularbrasileiro. Procedimento comuma todas as formas de arte após aSemana,mas pode-se dizer que foiVilla-Lobosumdosprimeirosarealizarcomsucessotalexperiência.Narealidade,adissonânciamúsicadescritiva/músicapuravalecomoeixoparadigmáticotambémpara
aliteraturaeasartesplásticas.Trata-se,emresumo,deumaquestãovisceralparaaarte:aquestãodarepresentação.Até então a realidade exterior havia sido o modelo para essa representação e dela se partia para
expressarsentimentosinteriores.Agora,alinguagem,entendidacomoaformaespecíficademanifestaçãode cada arte, precisa sevirar do avessopara expressar a realidade interior do sujeito.Oque levariaMário de Andrade a falar em “realismo psicológico”, ou o estabelecimento da ordem do“subconsciente”.Querdizer,deslocava-seoconceitoderealidade,omundointeriorpassaapredominarenquantoconceitoderealidade.Oumelhor,serárealoquevemos,oquetocamos,ourealéamaneiracomopercebemosoquevemos, tocamos,ouvimos?Todoummundoexteriorse transformaemcontatocomanossa subjetividade.Significativamente,poressaépocaanoçãode inconsciente, elaboradaporFreud,extrapolavaos limitesdocampopsicanalítico,evinhadarcredibilidadeà idéiadosartistasdequeomundointerioreramuitomaisvastodoqueseimaginava,eeraprecisovasculhá-lo.
Apoesia
Portanto,semudaoobjetodarepresentaçãoéprecisomudarevidentementeomododerepresentá-lo.Assim, por exemplo, não é possível livre expressãoda subjetividade comas amarras da forma a queobrigavaoversoparnasiano.EmA escrava que não é IsauraMário sistematiza os procedimentos poéticos exercitados naquele
momento pelos poetas brasileiros e estrangeiros, esclarecendo melhor alguns aspectos do polêmico,espéciedemanifesto,“Prefáciointeressantíssimo”,que,aocontráriodaEscrava,viráàluzlogoapósaSemanaporserpartedolivroPaulicéiadesvairada.EmAescrava,seupontodepartidaéRimbaud,queseriaoresponsávelpelodesnudamentodapoesia,
aolivrá-ladaspesadasroupasornamentais(emespecialamétricaearimaprefixadas)queocultariamasuaessência.Assimdesnuda,apoesiamanifestariamaislivrementeo“euprofundo”dopoeta,atravésdoverso livre, da rima livre, das imagens simultâneas— a associação de idéias, a simultaneidade, aanalogia—conseguidasmedianteinterferêncianasintaxeedriblandoa“ordemintelectual”.Opoemaestaria,assim,vinculadoàspercepçõescotidianaseàsemoçõesimediatasdopoeta.Éverdadequeospoetassimbolistasjáhaviamsentidoanecessidadedecriarnovosinstrumentospara
exprimir novas idéias; foram eles, aliás, que “inventaram” o verso livre, e neles Mário reconhecepaternidadequandoerigeRimbaudoiniciadordetodaapoesiamoderna.Porém,comojádissemos,aquioSimbolismonãoencontrouterrenopropícioparasedesenvolvereoParnasianismocontinuousendoo
modelopoéticodominante.FoiManuelBandeiraoprimeiroadesenvolveraspotencialidadesdoversolivreentrenós.“Bandeira,
poeta ponte na passagem da poesia brasileira para a modernidade, foi quem primeiro assimilouorganicamente a inovação técnica à sua linguagem pessoal, buscando novos rumos mediante novosinstrumentos.Emsuasmãosoversolivresefezomeioexatodeexpressãoedescobertadeumapoesiaqueerapossíveldesentranhardomaishumildecotidiano”—dizocríticoDaviArrigucciJr.emlivrofundamentalsobreaobradeBandeira.Podemosobservarque“Ossapos”,emboranãosendoconstruídoemversos livres, jápressupunha talhumildadenaanalogiaentreopoetaeosapo-cururu,nasestrofesfinaisdopoemaqueRonalddeCarvalholeunoMunicipal:
Lá,fugidoaomundo,Semglória,semfé,NoperauprofundoEsolitário,éQuesoluçastu,Transidodefrio,Sapo-cururuDabeiradorio.
Estepoema fazpartedo segundo livrodeBandeira,Carnaval, publicado em1919, e antecipa umatemáticaquesóumpouquinhomaistardeseráamplamentedebatidaequetraránovofôlegoàdiscussãoestética: a pesquisa dos elementos nacionais, vislumbrado no sapo-cururu, ainda encolhido diante dopoetaparnasiano.DePaulicéiadesvairada,opoemaqueMáriorecitounoMunicipalsechama“Inspiração”eéassim:
SãoPaulo!comoçãodeminhavida...Osmeusamoressãofloresfeitasdeoriginal...Arlequina!!...Trajedelosangos...Cinzaeouro...Luzebruma...Fornoeinvernomorno...Elegânciassutissemescândalos,semciúmes...PerfumesdeParis...Arys!BofetadaslíricasnoTrianon...Algodoal!...SãoPaulo!comoçãodeminhavida...GalicismoaberrarnosdesertosdaAmérica!
PodemosaproveitaropoemadeMárioparainsistirnumaquestãoquevemaflorandononossotextomasdaqualaindanãonosocupamosdefato:acidade.SãoPauloématériadopoema.Nessemomento,asgrandescidadescomparecemliricamentetranspostas,oqueficafácildeentenderseprocedermosaoseguinte raciocínio: para as mudanças de sensibilidade ocorridas nos últimos tempos concorria odesenvolvimentodatécnica;tudosetornamaisrápido,maisfugaz,maisfluido.Ora,éomundourbanoquepromoveessasmudanças,eosnossos“modernistasdascavernas”—expressãodeMário—,nasuaapologiadosnovostempos,elevamacidadeàcategoriademusa,aproveitandoqueasnovastécnicas(asimultaneidade,particularmente)permitemaadequadamodulaçãodessematerial.OspoetasdaSemana—comdestaquepara,alémdeMário,LuizAranha,SérgioMilliet,Ronaldde
Carvalho,RibeiroCouto,GuilhermedeAlmeida—estãoàsvoltascomessasquestõesdeordemtécnicaeestéticadiscutidasnolivrodeMário,queconfiguramapoesiade22.GuilhermedeAlmeidaatéhojetemseusadmiradoresmasnãoseenquadramuitobemnasteoriasde
Mário.Suamarca: um intimismo sensível herdadomais das tendências de final do séculodoquedosprocedimentos encampados pela poesiamoderna, marca que o fez inclusive aceito e admirado pelos
modernistas.Seuslivrosmaispróximosdestes(Raça,Meu)eleosrealizariasóem1925,afinadocomonacionalismoe comalgumas conquistas formais comooverso livre que, no entanto, se alterna comotradicional,refinadometrificadorqueera.LuizAranhalogodepoisdaSemana“mandouaarteàfavaesefezburguêsdemansinho”,dizMário
num longo artigo de 1932 dedicado à sua poesia.Mário via em LuizAranha possibilidades que nãoforamplenamenterealizadas.Éumdospoetasbrasileirosmaiscitadosn'Aescrava—aoladodosmuitositalianosefranceses,comoAragon,Cendrars,Claudel,MaxJacob,Papini,Folgore(este,“omaioreomaismodernodosfuturistas”).UmdosgrandestrunfosdeLuizAranhaéatécnicaanalógica,reconheceMário,queofezvê-lonoiníciocomograndepromessa.SérgioMilliettambémfoipoetamodernodequalidade,masacaboumesmoficandoconhecidocomo
crítico de poesia e de pintura dos mais brilhantes. Junto com Sérgio Buarque de Holanda serão osgrandes renovadores do ensaio crítico. O seuDiário crítico, com dez volumes, cobre vinte anos decultura(1940-60).QuantoaRonalddeCarvalhoeRibeiroCouto,tiveramumaproduçãoqueincluigênerosquevãodo
ensaiohistóricoaoromance,masquantoàpoesianãolograramvôosdemaioramplitudenodecorrerdafasemaisdinâmicadoModernismo.Como diz Mário da Silva Brito, é difícil determinar, no grupo de escritores e poetas, quais os
participantes da Semana deArteModerna, pois nem todos enfrentaram o palco. Estamos comentandoaqueles que, dentre eles, mantiveram o seu lugar na história; isto não significa que a relação sejasatisfatóriaecompleta.Sóumestudodetidoecompletodasobrasedospoetasdaépocaseriacapazderevelaracontribuiçãodecadaumedoconjuntoparaaliteraturabrasileira,etalestudosóaospoucosvemsendorealizado.
Aprosa
Mas e a prosa de ficção?Oswald deAndrade parece ter sido o único que no palco doMunicipalrecitoutrechosderomance:Oscondenados(depoisintituladoAlma)éaprimeirapartedeumatrilogiacujosvolumesrestantesapareceriamem1927e1934,sóem1942sendolançadosemvolumeúnico.Assim como as artes plásticas, amúsica e a poesia, que passavam de um registro objetivo para o
subjetivo, buscando recursos capazes de expressar essa nova realidade,Oswald vislumbra na técnicacinematográfica uma possibilidade de captação simultânea do real, através da composição em cenas;mododenarrarqueabandonaotradicionalequilíbriocena/sumário.Alinguagemseapresentaexagerada,grotesca,estereotipada,porvezesexercitandoumaespéciedeexpressionismoeaproximando-sedaviaparódica,aserdesenvolvidafuturamenteemseusdoisgrandeslivrosdeprosa:MemóriassentimentaisdeJoãoMiramareSerafimPonteGrande.Consideradanogeralumaobra“fracassada”,assimcomooutrastentativasdeficçãonoperíodo(contosdeMáriodeAndrade,porexemplo),trata-se,nãoobstante,deexperiênciavaliosaaobuscarnovosrumosparaanarrativamoderna.Ocinema—“criaçãoartísticamais representativadenossaépoca”,segundoKlaxon—emprestava
sua técnica ao romance de Oswald, mas aqui no Brasil ele praticamente inexistia e as poucasexperiências não têm nenhum valor artístico. É evidente que o modelo cinematográfico dos nossosmodernistasestavanaEuropa.Aexemplodoteatro,ocinemanãosefezrepresentarnoMunicipal.QuantoàdançanãoseencontrammaioresreferênciasaYvonneDaumerie,oquenoslevaacrerque
nãochegouaseinstituiremtendênciaouemespetáculodeimportânciaparaaépoca.
6Consideraçõesfinais
Umdesejodeatualização
Podemosagoraarriscarumdiagnósticoapartirdosdadosselecionadosaolongodonossotexto.Comovimos,aformaçãoestéticaeuropéiafoiumfatorcomumentreamaioriadosartistasbrasileiros,
sejaatravésdocontatodireto,sejaatravésdepublicaçõesestrangeirase informaçõesde terceiros.Ascorrentes surgidasno iníciodo séculoXXnaEuropa, chamadasde“vanguardashistóricas”,deramasdiretrizes aoModernismo paulistano. Delas ele se nutriu. Com tais premissas, é de se formular umaperguntajátantasvezesenunciadaaolongodasdécadasqueseseguiramàSemana:querdizerentãoqueos modernistas queriam combater as fórmulas importadas das artes acadêmicas com as fórmulasigualmenteimportadasdasnovascorrentesestéticas?Vimosqueissoéverdadesim,comaressalva—decisiva, neste caso — de que essas fórmulas importadas incidiam primordialmente na técnica dalinguagemepermitiamumacessolivreecriativoàmatériaqueaconsubstanciava,propiciandoaoartistaumaexpressãoindividualeautônoma.Opropagadonacionalismodosmodernistaspós-22seráauniãofelizdatécnicaeuropéiaedamatériabrasileira.
Lutadeíndios,deVictorBrecheret.Esculturapertencenteàúltimafasedoartista.
Osmodernistas vislumbravam— sem clareza, por isso sem condições de exporem o problema damaneiradiretacomqueotemponospermiteagorafazê-lo—queaarteeraantesdetudoumproblemadeforma,nãonosentidoqueaelacomumentesedeu,dealgodistintoeopostoaoconteúdo.Aformaéosentido.A emoção e o prazer, por exemplo, que a arte nos proporciona se devem à forma como sãoexpressados.Claro,paraquetenhamosessareação“estética”énecessáriotambémqueaquiloquesediz,a mensagem, encontre em nós ressonância. Por sua vez, mesmo o assunto mais próximo aos nossosinteressesnãoiránostocarsenãoforexpressodedeterminadamaneira—eassimnovamentevoltamosao problema da forma. A polêmica passadistas versus modernistas não era, pois, uma mera questãoestratégica,elamostravaindivíduosidentificadosarealidadessensíveisdiferentes.Vimos,nocasodeAnita,queafiguradeformada,arupturaparcialcomaperspectiva,ascoresestãoa
serviçodaexpressãodainterioridadedoartista.Ouentãocomoas técnicasempregadasparaopoemaprocurammimetizaraprópriaatitudedopoetafrenteaomundoemquevive:numséculodevidamaiságil,depadrõesmenosrígidos,dosomedomovimentoincorporadosàimagem,recorreu-seàliberdadedoritmoedoverso,àsimultaneidadedapercepção,àsimagensanalógicas.Poisbem,conquistadotaldomíniodelinguagematravésdastécnicas,épossíveldizertudooquese
quiser dizer, sem necessidade de prefixação de temas. E os modernistas vão falar de tudo o que osrodeia; no desejo de atualização, voltam-se para o cotidiano, conservando assim uma relação designificaçãocomarealidadepresente—aomesmotempo,configurandoumanovaestética.A grande inovação dos moços de 22 é a possibilidade de falar do mundo em que vivem com
instrumentosadequadosecorrelatos.Evidentementenemtodospuderamrealizar taispossibilidadesno
palco doMunicipal, mas o que importa é que abriram o caminho para isso. Logomais, em 1924, oManifesto Pau-Brasil de Oswald de Andrade vai insistir na apropriação de técnicas avançadas domundocivilizadoparaavalorizaçãodoelementoprimitivobrasileiro.Essaapropriaçãojáfoichamadadecópiaoudeimitação,mashojeatéotermo“influência”temsido
questionado.Os estudos comparados propõem substituí-lo por “intercomunicação”, pois as distâncias,encurtadas devido ao avanço dos meios de comunicação após a Primeira Guerra, propiciaram osurgimento quase simultâneo demanifestações de ruptura com a arte tradicional em vários cantos domundoocidental:naAmérica,naRússia,enamaioriadospaísesdaEuropa.Embora a ruptura com a linguagemda tradição fosse um fenômeno comumdessasmanifestações (é
inegável,sóparadarumexemplo,ograudesemelhançadareflexãoestéticasobrealinguagemverbalentreosvanguardistasrussoseosbrasileiros),elasestãocondicionadasàscondiçõeshistóricasdecadapaís.Eaípodemosprecisarumpoucomaisonossodiagnóstico.O leitor decerto percebeu que não nos aventuramos até agora em análises mais aprofundadas do
contextoparasituareexplicarosurgimentodoModernismoentrenós.Issonãoquerdizerqueelenãotenha a sua importância — na verdade determina essas manifestações —, mas foi preciso, comodissemos,avaliarossintomas,descrevê-losdaformacomosederamemSãoPaulo,paracompreendê-losdentrodocontextobrasileiroedastransformaçõesdomundoocidentalnesteiníciodeséculo.Ora,SãoPaulopassavanessemomentoporumincríveldesenvolvimento.Empoucasdécadasacidade
havia se transformado num dos mais importantes centros econômicos do país, impulsionado pelaeconomia do café e pela indústria nascente que vinha se afirmando desde a Guerra. Os imigrantes,italianosejaponeses,e,emmenorescala,tambémoslibaneses,sírios,poloneses,armênios,espanhóis,além,claro,dosportuguesesdavamnovaconfiguraçãoétnicaàcidadedeseiscentosmilhabitantes.EssaPaulicéia cosmopolita se verticalizava, ganhava novas construções, ornamentava-se de séculoXX—levavajeitodemetrópole.Os nossosmodernistas em 22 compartilhavam de uma ingênua crença no progresso, entusiasmados
pelodesenvolvimentodeSãoPaulo.Poresseânguloépossívelexplicarempartea identificaçãoque,negadaporMárioeexaltadaporOswald,persistiaentremodernistasbrasileirose futuristas italianos,igualmentepreocupadosem introduzir seuspaísesnascoordenadasdoséculoXX.Asoutrascorrenteseuropéias, embora incorporassem os recursos e as técnicas da civilização industrial, tematicamente anegavam,esuasarmasdestruidorasnãovisavamapenasaopassado,denunciavamtambémasarmadilhasdo “progresso”. O Expressionismo alemão é um bom exemplo, satirizou com virulência, mediante adeformaçãoeogrotesco,certosvaloresdegradadosdasociedadeburguesaalemã,eprocuroutraduzirohorror daGuerra.ODadaísmo, por seu lado, procurava interferir no condicionado olhar burguês quetransformava a obra de arte em alienante objeto de contemplação; os dadaístas construíam suas obrascom“detritos”dalinguagemoudocotidianoeinvestiamcontraasociedadedeconsumo.Sóqueosnossosmodernistasaindaerammesmomuitodascavernas,encantadoscomotalprogresso,
emborahouvesseumRubensBorbadeMoraescapazde,em22, reproduziremKlaxon esta fantástica“profecia”:
Umalemãocujonomeesqueci,dizqueoséculoXIXfoiaépocadometalpesado.Anossaseráadosmetaisleves;aseguinte,secontinuaramesmaprogressão,cadavezmaisleve,seráadosgases,talvezasfixiantes.
QuempoderiasuporqueumdiaessaspalavraspareceriamproféticasaténoBrasil?Naquelaépoca,aestruturaagráriadopaísapenascomeçavaasechocarcomoprocessodeindustrializaçãodeSãoPaulo;os problemas característicos dos grandes centros urbanos começavam a se fazer visíveis, greves
operáriasmobilizavammilharesdetrabalhadores,reivindicaçõespartiamdeváriasáreas.1922éumanodemuitosacontecimentosimportantes:éfundadooPartidoComunistanaesteiradaRevoluçãoRussaeda agitação operária aqui comandada basicamente pelos imigrantes anarquistas italianos; tem lugar achamada“RevoluçãodosTenentes”,reivindicandoamodernizaçãodasestruturasdepoder.ARevoluçãode 30 será uma resposta aos conflitos desse Brasil de contrastes, e também a tentativa de efetivarfinalmenteapassagemdaRepúblicaVelhaaoBrasilcontemporâneo.No entanto, em 22, mesmo sofrendo as conseqüências de tal situação do país, os modernistas não
estabelecem conscientemente vínculos mais explícitos ou orgânicos com esses outros setores domovimento social, o que irá de certa forma ocorrer no final da década, quando a unidade estética doModernismojásefragmentaraeasposturasideológicassedestacamesefazeminconciliáveis.
Construçãoeestabilização
OperíodoefetivamenteconstrutivodomovimentomodernistacomeçadepoisdaSemana,quandosepassamasistematizaraspropostaseaexperimentá-las.SegundoMáriodeAndrade,“arealidadequeomovimentomodernistaimpôs”eracaracterizadapela
“fusão de três princípios fundamentais: o direito permanente à pesquisa estética; a atualização dainteligênciaartísticabrasileira;eaestabilizaçãodeumaconsciênciacriadoranacional”.Esses três princípios vãode fato conformar a produção estética e a discussão intelectual de toda a
década de 20. Nesses anos houve um furor de produção entre os modernistas, são obras hojeconsideradasfundamentaisparaarenovaçãoentãopropostapelaSemana.EéessaseqüênciavitoriosaedinâmicaqueconcedeulegitimidadeàSemanadeArteModernaemfevereirode1922.MáriodeAndraderelembranasuaconferênciade1942comumluxodeexpressividade:
Numafaseemqueelanãotinhamaisnenhumarealidadevital,comocertosreisdeagora,anobrezaruralpaulistasópodianostransmitirasuagratuidade.Principiou-seomovimentodossalões.Evivemosunsoitoanos,atépertode1930,namaiororgiaintelectualqueahistóriaartísticadopaísregistra.
Também se processa uma campanha intensa de divulgação das novas idéias através de revistas—KlaxonsurgelogoapósaSemanaemmaiodomesmoanoe,comnovenúmeros,chegaatéjaneirodoanoseguinte. A campanha se estende por todo o país. Alguns quixotes se aventuram, comoGuilherme deAlmeidaeRaulBopp,levandoaoutrosestadosapalavramodernista.SurgemBrasilaforagruposquesecomunicamcomospaulistas.AlémdoRiodeJaneiro,presentenaSemana,MinasGeraisePernambucologo apresentarão suas contribuições aomovimento. E oModernismo foi se tornando aos poucos umfenômenonacional.QuandooMovimentoPau-Brasil,capitaneadoporOswaldetendonalinhadefrentetambémMárioe
TarsiladoAmaral,propõeavoltaàsorigenseàscaracterísticasbrasileiras,efetivamentetomafôlegoafasenacionalistadomovimento.Noentanto,àmedidaqueessasidéiasvãoganhandocontornosmaisdefinidos,surgemasdivergências,
e a segundametade da década vai encontrar abalada a unidademodernista.Menotti, Plínio Salgado,CassianoRicardoseorganizamemtornodomovimentodoVerde-Amarelismo,mais tardedenominadoAnta;OswalddeAndradeeRaulBopp,noManifestoAntropófago;Mário pula fora dos grupos.E acomplexidade,noiníciocamufladanapolarizaçãopassadistas/modernistas,agoraseinstalanoseiodomovimentoeoenriquece.
Adécadade30vemdarênfaseaoideológico,aproveitandoedepurandoasconquistasdelinguagemdadécadaanterior.Novastendênciassesucedemaolongodasdécadaseamelhorartebrasileirairásemanteratualizadaemrelaçãoaomundoeàsuarealidade,confirmandoos trêsprincípiosfundamentaisformuladosporMáriodeAndrade.Em finais da década de 60, oModernismo de 20 ressurge com força na corrente tropicalista, que
recuperasobretudooOswalddafaseantropofágica,maiscríticoemenoseufóricocomoprogresso.OTropicalismolidaalegoricamentecomascontradiçõesdopaísnovoversusopaísvelho,oburguêseocolonizado;lidacomopassado,sempretenderdestruí-lo,poiseleéanossacultura,daqualnãodáparaescapar,ojeitoédeglutiressacultura,levá-lamenosasério,nosentidodeexacerbaraironia,okitsch,aquiloque“pós-modernamente”arevelecomoartifício.
7Vocabuláriocrítico
Escola:otermoéusadoquandooscódigosdeumadeterminadacorrenteestéticasetornamregrasaseremreproduzidaseensinadas;erigemumatradiçãoàqualosdiscípulosdarãocontinuidade.
Estética:termoligadoàconcepçãodobelonatradiçãofilosófica,poisàartecabiaamanifestaçãodabeleza, cujo modelo se localizava na natureza. Modernamente, desde que entrou em crise essanoção,o termose refereàconcepçãodacriaçãoartísticaeenglobao repertório, técnicas,estilo,enfim,oconjuntodoselementosqueconferemunidadeàobra.
Modernismo: enquanto moderno supõe um estado (embora sujeito a contínuas mudanças), oModernismoestámaisligadoànoçãodemovimentoorganizado.OModernismoseriaomovimentomoderno e pode englobar várias correntes estéticas ou se referir a uma delas em especial.Comorigensdiversas,manifestou-sediferentementeemváriospaísesdomundoocidentaldesdeofinaldo século passado, permanecendo pouco tempo e desaparecendo, ou erigindo-se em tradição:investindocontraelaoucontinuando-a.Hoje,anoçãoquemaissefixouéaqueidentificasobretudoosmovimentosliteráriosdasprimeirasdécadasdoséculoXX,quandooModernismosetornouummovimentointernacionaleumcânonedaartenoocidente.
Moderno:inúmerasenemsemprecoincidentessãoassuasconcepções.Simplificandomuito,podemosentendê-loprimeironumsentidoatemporal,istoé,aolongodostempos,omodernosevinculouaoscódigosemoposiçãoouemrupturacomoscódigosantigos,mantendoumarelaçãodesignificaçãocom o presente. Também corresponde a uma noção histórica: refere-se à artemoderna, que sedesenvolveunasúltimasdécadasdo séculopassado, sendoo Impressionismoapontadocomosuafontemais segura. Floresceu no séculoXXe caracteriza-se pela diversidade das suas formas deexpressão.
Movimento: supõe ruptura da tradição e polêmica; representa uma ameaça à ordemexistente.Éummomentodeproclamaçãodepropostas,debuscas,detransição,quandonadaaindaédefinitivoeseimpôs.
8Bibliografiacomentada
AMARAL,Aracy.ArtesplásticasnaSemanade22.SãoPaulo,EditoraPerspectiva,1979.DentreosestudossetoriaisdoModernismo,olivrodeAracyAmaraléomaiscompletosobreasartesplásticasnocontextodaSemana.Traçaumpanoramaondeincluibiografiasbrevesdosartistasparticipantes.Reproduzos textos lidosporGraçaAranhaeMenottiDelPicchiaeentrevistasquefezcomremanescentesdaSemana,comoRubensBorbadeMoraes.
ANDRADE,Máriode.Omovimentomodernista.In:—.Aspectosda literaturabrasileira.SãoPaulo,Martins, 1974. Este texto, de 1942, conferência pronunciada frente a uma platéia de estudantesuniversitáriosporocasiãodascomemoraçõesdaSemananoRiodeJaneiro,seapresentacomoumaespéciedebalançodoModernismo.
———.A escrava que não é Isaura. In:—.Obra imatura. São Paulo,Martins;BeloHorizonte, Ed.Itatiaia, 1980. Este ensaio constitui uma verdadeira poética para a poesia modernista de 22.Exemplo do “realismo psicológico” pregado porMário e executado pelos poetas do seu tempo.Mário cita inúmeros poetas europeus (incluindo já os russos da revolução bolchevique) e seuscoetâneos brasileiros que buscando novos rumos muitas vezes alcançavam soluções estéticassemelhantes.
ANDRADE,Oswaldde.OModernismo.Anhembi,17(49),dez.1954.Fazendoparao“Movimentomodernista”deMário,estetextodeOswaldtambéméumaespéciedebalanço, só quemuitomenos problematizado, doModernismo;mostra uma crença inabalável naimportânciadoMovimento.
ANTONIOCANDIDO&CASTELLO, J. Aderaldo.Presença da literaturabrasileira. III.Modernismo.SãoPaulo,Difel,1981.Volumedidáticodepanoramahistórico;contémuma'breveintroduçãoquecolocadeformasintéticaosprincipaispontosdaliteraturadoModernismo.Emseguida,reproduztrechosdenarrativaepoemasdosseusprincipaisautores,combrevebiografiacomentada.
BATISTA,MartaRossetti.AnitaMalfattinotempoenoespaço.SãoPaulo,IBMBrasil,1985.Obracomreproduçõesdosquadros,biografiaecomentárioanalíticodapintora.
BRITO, Mário da Silva. História do Modernismo brasileiro: antecedentes da Semana de ArteModerna.5.ed.RiodeJaneiro,CivilizaçãoBrasileira,1978.Indubitavelmente,aobradeMáriodaSilvaBritonoseuconjunto—incluindoartigosdejornais,
textosesparsosemrevistaselivros—éimportantíssima,dadaasuafartadocumentação.Estelivro,em princípio apenas o primeiro de uma série dedicada a historiar o Modernismo, não tevecontinuidade.EncontramosnovolumeorganizadoporAfrânioCoutinho,LiteraturanoBrasil, umcapítulodedicadoà“RevoluçãoModernista”,assinadoporMáriodaS.Brito,queprovavelmenteresumeoquedeveriaseropróximovolumedesuacoleçãoquenãosaiu.
DICAVALCANTI,Emiliano.Viagemdaminhavida.RiodeJaneiro,CivilizaçãoBrasileira,1955.Nesteseulivrodememórias,DidescreveecomentaironicamenteaSemana,apresentando-acomoumacontecimentomundano.
HELENA,Lúcia.Modernismobrasileiroevanguarda.2.ed.SãoPaulo,Ática,1989.LivrodedivulgaçãodosmanifestosepontosprincipaisdasvanguardaseuropéiasedoModernismobrasileiro.
MARTINS,Wilson.OModernismo(1916-1945).Vol.VIdeAliteraturabrasileira.SãoPaulo,Cultrix,1969.Éumlivrobemdocumentado,maisinterpretativodoqueodeMáriodaSilvaBrito,porissoambossecomplementambem.
MENOTTIDELPICCHIA.Alongamarcha.2.aetapa:DaRevoluçãoModernistaàRevoluçãode30.SãoPaulo,Martins/Cons.Est.deCultura,1972.Menotti, aocontráriodeDiCavalcanti,neste seu livrodememórias,apresentaaSemanadeumaperspectivaheróica.
TELES,GilbertoMendonça.VanguardaeuropéiaeModernismobrasileiro.Petrópolis,Vozes,1986.“Apresentaçãodosprincipaispoemas,manifestos,prefácioseconferênciasvanguardistas,de1857a1972.”Ao reunireapresentarcomcomentáriocríticoosprincipaismanifestosdevanguarda,oAutorpossibilitaumavisadacomparativaentreastendênciasdaartemoderna.
WISNIK, José Miguel.O coro dos contrários: a música em torno da Semana de 22. São Paulo,LivrariaDuasCidades,1983.Certamente a obramais importante sobre a situaçãodamúsica erudita brasileira no contextodastransformaçõeserupturasefetuadaspelamúsicamoderna.
Alémdabibliografia,sugere-setambémavisitaaoInstitutodeEstudosBrasileiros(IEB),daUSP,queguardaoacervodeMáriodeAndrade;outra sugestão levaaoMuseudeArteContemporânea (MAC),sobretudoaoMAC-USP,ondeseencontramesculturasepinturasdoMovimento.