Post on 15-Dec-2015
description
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
Escola e Violências
Miriam Abramovay 1
A escola é espaço de construção de saberes, de convivência e
socialização. Segundo Delors (2001), é uma via capaz de conduzir a um
desenvolvimento humano mais harmonioso, combater formas de pobreza,
exclusão social, intolerâncias e opressões.
No Brasil a partir dos anos 60 a escola inicia um processo de mudança,
o sistema se amplia e passa a receber uma parte da população que estava
longe das escolas. A escola se depara com uma grande dificuldade para se
adequar à nova população, apresentando-se como despreparada para receber
um público que não estava habituada, ou seja, ela não sofre um processo de
adaptação para poder se comunicar com novos códigos e novos valores, mais
relacionados com os novos atores que freqüentam o espaço escolar.
A massificação da escola não corresponde a um incremento de sua
qualidade, ela acolhe e reforça as desigualdades entre as classes sociais e
torna mais visível o bloqueio do sistema às crianças e jovens de classes
populares.
Quando falamos em massificação, que muitos chamam de
democratização, estamos nos referindo que a maior parte de nossas crianças
entram para a escola. Mas quantos a deixam antes de terminar a 4ª serie,
quantos abandonam e quantos nunca aparecem nesse espaço?
Mas quais são as obrigações da escola? Em princípio a educação tem
que ser uma obrigação do Estado. Ela deve atender a todas as crianças e
jovens e ser de boa qualidade. No entanto o que encontramos é uma escola
1 Miriam Abramovay é socióloga, pesquisadora, coordenadora da pesquisa Convivência Escolar e Violências nas
Escolas da RITLA (Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana) Consultora da CUFA/DF – Central Única das
Favelas do DF; Pesquisadora Colaboradora Plena do NEIJ (Núcleo de Estudos da Infância e Juventude) da UnB
(Universidade de Brasília) e Integrante do NPEJI (Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Juventudes, Identidades e
Cidadania da UCSAL (Universidade Católica de Salvador /BA).
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
que exclui os seus alunos, não respeita as diferenças, é elitista, baseada em
um modelo de escola que durante muitos anos atendeu a elite brasileira. Além
de ser excludente ela, muitas vezes, não respeita a criança e o jovem,
expulsando-os direta ou indiretamente do seu espaço.
O contexto de relações sociais ampliadas, assim como a estrutura sócio-
econômica, tem um lugar significativo nos tipos de relações que são
desenvolvidas nas escolas. As desigualdades sociais, econômicas e culturais
têm reflexos no universo escolar. E observa-se que a escola não só as reflete,
mas também as reproduz. A massificação do acesso à educação está
vinculada à idéia de exclusão escolar, que afirma uma igualdade de acesso e
uma desigualdade de desempenhos. Na atualidade, a escola integra mais,
porém, também exclui numa proporção maior. (Dubet;Martucelli, 1998)
No entanto, Charlot ressalta que a escola possui um papel central no
processo de aprendizagem. Ele lembra que, idealmente, a escola é encarada
pelos pais e estudantes como um espaço de aquisição do saber. No caso
específico das crianças e dos jovens brasileiros de baixa renda, a escola é
vista ainda como o único canal de mobilidade social e uma via para se
conseguir melhores oportunidades de trabalho (Abramovay; Rua, 2002: 201).
A escola tem que ser inclusiva, não pode ser discriminatória e tem que
criar mecanismos para que todos os alunos se interessem pelo que está
acontecendo no espaço escolar. A educação para Paulo Freire significa tanto a
necessidade de uma formação técnica, científica, profissional, como o
desenvolvimento de sonhos e utopias.
Os jovens buscam no sistema escolar desenvolver suas habilidades,
expandir relações sociais, realizar e construir desejos, impulsos, que colaboram
na formatação de suas respectivas identidades.
No entanto a escola é também locus de produção e reprodução de
violências nas suas mais variadas formas, na medida em que sua estrutura,
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
seu modo de organização, acaba impossibilitando que ela cumpra o seu papel,
que é o de formar, de maneira positiva, crianças e jovens.
Atualmente, verifica-se com maior nitidez uma tensão entre o sistema
escolar e as expectativas dos jovens. São vários os fatores que contribuem
para a singularidade dos conflitos e das violências no cotidiano escolar.
Charlot (1997) explica as dificuldades de analisar os diferentes aspectos
da violência escolar, onde nem sempre é fácil separar a análise dos
fenômenos, a referência às normas e a reflexão sobre as soluções.
Em primeiro lugar, há que se observar como é determinado o papel do
aluno na dinâmica escolar. A escola estabelece normas que visam organizar o
seu funcionamento, mas que, na maioria das vezes, não conseguem responder
aos seus objetivos, uma vez que formuladas e implementadas de forma
unilateral, sem se ponderar a palavra dos alunos e a de seus pais .
As regras e as normas são instrumentos que regulam e regem
procedimentos e atos, assumindo um caráter obrigatório acerca de uma
determinada forma de comportamento, sendo utilizadas para que se mantenha
a ordem escolar. Assim, valem-se de uma série de medidas formais, e até
mesmo informais, para lidar com os possíveis conflitos que possam emergir no
ambiente escolar, sendo pensadas para coibir ou minimizar ocorrências
violentas. Tais medidas, para que possam surtir o efeito desejado, devem ser
amplamente conhecidas, o que também não assegura que elas serão
respeitadas e cumpridas.
As regras são produzidas pelas instituições para que sejam cumpridas,
devem ser elaboradas “democraticamente e revisadas por todos os membros
da comunidade” (Ortega, 2003: 19). Na escola não se dá esse processo e os
estudantes não conhecem e não discutem os principais problemas que
acontecem no cotidiano, o que leva a um exercício de poder que “ao não ser
democrático, provoca disfunções no reconhecimento de identidades sociais dos
que dele participam” (idem:19). Assim os jovens não se sentem sujeitos do que
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
acontece na escola, mesmo que os assuntos tenham diretamente relação com
eles.
Algumas normas, em geral, são mal aceitas pelos alunos, seja porque
estes não as entendem ou porque as consideram sem sentido. As diferenças
entre a cultura escolar e a cultura juvenil aparecem constantemente nas
principais contradições presentes no cotidiano das escolas.
A manifestação da cultura juvenil no espaço escolar é um ponto de
tensão na relação entre alunos e docentes. Muitos adultos ainda vêem os
jovens como atores sociais sem identidade própria, não consideram a sua
diversidade e pensam a juventude por um dualismo “adultocrata” e maniqueísta
(Abramovay e Castro, 2006). A cultura escolar não tem demonstrado
receptividade à linguagem e às várias formas de expressão juvenil.
Assim, vemos na escola uma cultura adultocrata, baseada no não
diálogo e nas relações de poder entre estudantes e adultos da escola. A
relação é assimétrica e tensa, causada, muitas vezes, por adultos que partem
de posições conservadoras, rígidas, sendo desprovidos da capacidade de
diálogo. Vivemos, portanto, em uma sociedade adultocêntrica, com uma forma
de ver o mundo e uma ordem de valores que partem dos adultos.
O adultocentrismo, segundo Krauskopf (2002:124), é uma categoria que
mostra, na sociedade, uma relação assimétrica e de tensão entre adultos e
jovens. A representação dos adultos aparece, nessa concepção, como um
modelo acabado e está baseada em um universo simbólico e de valores que é
característico da sociedade patriarcal.
Segundo Fanfani as novas gerações são portadoras de diferentes
culturas, mais fragmentadas, abertas, flexíveis, e instáveis, onde o quadro
negro e o giz passam a não ter sentido e se contrapõem a agilidade dos
estímulos juvenis.
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
A questão das regras aparece como um dos motivos para o conflito,
como, por exemplo, quando a escola proíbe a entrada de certos itens e
vestimentas que são próprias da cultura juvenil. Segundo entrevistados de uma
escola de Brasília, é proibida a entrada de jovens com celular, boné, piercing,
touca. Não podem mascar chicletes, comer balinhas, usar bermuda - exceto
preta ou azul- e as meninas não podem entrar de saia.
O boné é tido como um símbolo de gangues. Segundo os depoimentos
dos alunos, para os adultos, o boné é associado a códigos que, segundo eles,
não são verídicos: Colocar o boné para trás é pegar um menino, para o lado, é
matar; Dentro do boné, da touca, pode botar droga, pó.
Assim as regras e normas se convertem em problemas que geram
conflitos e violência, já que são pouco compreendidas na medida em que não
se dialoga e se desconhece como se dão as relações sociais na escola tanto
entre os pares como com os adultos. Tais proibições causam mal-estar por
parte dos alunos, já que estes não conseguem entender a lógica, o porquê de
determinadas regras. A roupa, a forma de vestir é uma marca juvenil que os
diferencia dos adultos. É como se fosse um modelo de diferenciação. Usar
piercing não é provocativo: é ser jovem. E os adultos têm dificuldade de
“suportar” tais marcas de “ser diferente”. A escola não apenas questiona a
conduta, como quer padronizar as aparências.
Quando as relações sociais são rigidamente hierarquizadas, a violência
é um recurso sistemático para a superação dos problemas. Assim, ao invés de
funcionarem os mecanismos institucionais, o que se encontra é uma situação
de conflito permeando os espaços escolares.
As regras são fundamentais para uma boa convivência, são
indispensáveis; no entanto, são muitas vezes coercitivas, na medida em que
em nenhum momento são discutidas por todos. As regras são violadas
constantemente - não se pode ir com celular à escola, mas todos vão, não
podem usar piercings, mas vários usam. Trata-se de um ambiente de “faz de
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
conta”, os alunos fazem de conta que não sabem e a direção faz de conta que
não enxerga.
Durante observações e entrevistas com grupo focais realizados em
Brasília, a maioria dos alunos diz possuir celular, que mantém ligado nas aulas;
dos entrevistados, vários usavam boné e piercing, principalmente os meninos.
Segundo Devine (1996), o processo de controle das regras pode levar ao que
ele chama de “efeito marshmellow”. Ou seja, as vezes que os jovens forçam a
mudança de uma regra, esta acaba sendo permitida (idem: 109), em um
processo que está longe de ser democrático, já que não é discutido, e os
alunos passam a ter voz ativa sem uma permissão explícita.
A escola não tem um “olhar supervisionador”. Ao contrário, no ambiente
escolar, faz-se de conta que não se está vendo - ou não se quer ver - o que
está acontecendo no dia-a-dia. Há diferentes mensagens para um mesmo
comportamento. Um exemplo é dado por alguns alunos que foram
severamente chamados à atenção quando corriam no recreio, além de
ameaçados de suspensão. Quando perguntados se é proibido correr na escola,
disseram que não, mas que “podem correr”. Citaram também o caso de outros
alunos menores que corriam em uma outra ocasião e foram somente
chamados à atenção, enquanto eles foram ameaçados de suspensão.
Quanto aos professores, queixam-se, por exemplo, de que apesar de os
alunos não poderem falar no celular, há docentes que o fazem durante as
aulas. Na escola de hoje, o papel do professor está fragmentado e este se
sente inseguro e despreparado, não sabendo como lidar com aquela população
que traz a “cultura da rua” para dentro das escolas. Com a massificação do
ensino, a cultura da rua se faz presente no cotidiano escolar, o que se
exemplifica, entre outros aspectos, nas diferentes formas de falar, de dirigir-se
ao outro.
A escola funciona como um espaço fechado para os jovens, impedindo o
trânsito das identidades nas suas fronteiras. Formas de pensar e de agir
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
contraditórias, que se ignoram e se rejeitam, que não se aceitam. Assim, os
jovens possuem valores, idéias, conhecimentos que não têm coincidido
exatamente com o que se ensina na escola, sendo que as diferenças se
tornam ainda maiores quando a escola se fecha ao diálogo com eles.
A mistura do reconhecimento dos direitos do jovem e a massificação da
escolaridade da população pode ser uma das origens do clima de tensão
verificado nas escolas. O poder já não é mais monopólio dos professores, o
saber possui outro sentido e os jovens pedem uma outra escola, onde o
professor, diretor e demais adultos terão, obrigatoriamente, o trabalho de
construir sua legitimidade para se fazer respeitar.
Bibliografia
ABRAMOVAY, M; RUA, M. G. Violências nas Escolas. Brasília: Unesco, Banco Mundial, UNAIDS, USAID, Fundação Ford, CONSED, UNDIME, 2002.
ABRAMOVAY, M. e CASTRO, M.. Caleidoscópio das Violências nas Escolas.Série Mania de Educação. Missão Criança, União Européia, OXFAM. Brasília, 2006
CHARLOT, B. e ÉMIM, J. C. (coords.) Violences à l’école - état des savoirs. Paris, Masson & Armand Colin éditieurs, 1997.
DELORS, J. Educação: um tesouro a descobrir. 6ª ed. São Paulo: Cortez; Brasília: MEC, UNESCO, 2001
DEVINE, J. Maximum security: The Culture Of Violence In Inner-City Schools. Illinois: The University of Chicago Press, 1996.
DUBET, F. ; MARTUCELLI, D. En la Escuela: Sociologia de la Experiencia Escolar. Losada, Buenos Aires, 1998
KRAUSKOPF D. Dimensiones críticas en la participación social de las juventudes in La participación Social e Política de los Jóvenes en el Horizonte del nuevo siglo. Sergio BALARDINI (compilador). Colección grupos de trabajo CLACSO, Buenos Aires, Argentina, 2002
ORTEGA, R. Programas educacionais de prevenção da violência escolar na Espanha: o Modelo Sevilha Anti-Violência escolar. In: Desafios e Alternativas: violências nas escolas. Brasília: UNESCO, UNDP, 2003.
ORTEGA, R. E DEL REY R. La Violencia Escolar Estrategias de Prevención. Editorial GRAÓ, Barcelona, 2003.
TENDI FANFANI, E. Disponível em http://www.lanacion.com.ar/783721. Acesso
setembro, 2006.
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
EDUCAÇÃO COMO BASE DA SEGURANÇA
RESUMO
Educação como base da segurança. Na introdução são abordadas algumas das causas da insegurança de nossa sociedade. Em seguida se examina conceitualmente a violência em duas grandes categorias, a extrema e a material, apontando-se a situação do Brasil e Bahia em taxas de homicídios e de ocorrências por grupo de habitantes. Em seguida aborda-se o conceito de segurança cidadã e de educação para a cidadania como base para a segurança.
Palavras-chave: segurança cidadã; educação; violência extrema; violência material; Salvador-Bahia.
ABSTRACT
Education as base of the security. The introduction examines the Violence of our society. After she is examined in two conceptually great categories: extreme and material, pointing the situation on Brazil and Bahia in numbers of homicides and occurrences for group of 100.000 habitants. In followed the concept of citizen security and education for the citizenship is approached as base for the security.
Key works: citizen security; education; extreme violence; material violence; Salvador-Bahia.
INTRODUÇÃO
Falar sobre segurança implica em discorrer sobre a violência urbana no
Brasil, o que verdadeiramente dispensa uma introdução, todos nós a sentimos.
Resta-nos contextualizar: recordemos que a urbanização da América Latina foi
traumática, baseada mais na expulsão do homem do campo do que na sua
atração econômica para as cidades. Foram expulsos pela miséria, pela falta de
reforma agrária, falta de escolas, de assistência médica, etc. Em alguns países,
grupos armados órfãos do embate leste-oeste aderiram ao narcotráfico,
produzindo uma guerra mais violenta e insana do que todas as guerras já o
são, não só em seus países como em todos os outros nos quais a droga se alia
à pobreza e à educação precária.
Os índices de homicídios nas aglomerações urbanas Sul Americanas
são cem vezes superiores ao do Japão1, trinta vezes ao das cidades
Trabalho apresentado no Seminário Segurança Educação e Tecnologias Sociais, Salvador-BA, de 18 a
19 de setembro de 2008.
1 http://www.bookmice.net/darkchilde/japan/crime.html
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
européias2, dez a vinte vezes ao dos Estados Unidos3. É comum a todas as
grandes cidades da América do Sul a inexistência de serviços públicos
adequados, falta do aparato de defesa social eficiente, inexistência de
assistência social.
A principal vítima desta criminalidade endêmica é o jovem. Expostos à
violência desde a infância acabam por conhecer um mundo instável, com
condições difíceis e até impossíveis de vida onde a opção pela carreira
criminosa é uma opção real, próxima, factível, muito mais factível que a de ser
um simples operário. É assim no Brasil como um todo e mais ainda em nossa
Bahia.
A realidade do ensino de primeiro e segundo graus nas cidades
brasileiras está sob o impacto da violência urbana. As Escolas Estaduais e
Municipais4 enfrentam uma rotina caracterizada pela ameaça. Professores são
avisados do risco de determinados trajetos, de determinados horários, da
periculosidade de determinados grupos. É a realidade da criminalidade urbana
que ameaça toda a população, mas que especialmente afeta mais aos jovens,
presas fáceis da falácia comportamental ligada ao crime. Vive-se pouco, mas
com direito a tudo.
A violência urbana, principalmente a da delinqüência, considerando a
tipologia consagrada de Minayo (1994), tem inúmeros fatores geradores. O
leque vai de famílias desestruturadas, onde os pais que deveriam proteger são
agentes dos abusos, do convívio com criminosos em territórios de descoesão
social5, que formam a chamada condição de risco social, passando pela falta
de perspectiva de crescimento, de progressão, de sucesso, incluindo até a
modificação de valores sociais. A sociedade de consumo que enfatiza a posse,
o “ter” ao invés do “ser”. São inúmeras patogenias que terminam por criar as
2 http://www.angelfire.com/rnb//y/homicide.htm#intro
3 http://www.ojp.usdoj.gov/bjs/homicide/ageracesex.htm
4 Visita do IAT – SEC as escolas do bairro Tancredo Neves em Salvador, BA, e informações policiais.
5 Fragmentação social ou descoesão social resultante dos efeitos da disjunção entre
nação, economia e sociedade inerentes à nossa condição histórica de periferia da
expansão capitalista, acelerados pela subordinação à globalização hegemonizada pelo
capital financeiro.
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
condições do ato infracional, onde todos sofrem danos, tanto o criminoso como
a vítima.
Os mecanismos de contenção da criminalidade são falhos quando não
são verdadeiros instrumentos de proliferação e de estímulo à criminalidade. A
polícia encarregada do policiamento ostensivo, aquele que visa prevenir o
crime não atua. Não age. Não interage com a população. Largas áreas das
cidades são verdadeiramente abandonadas, nunca vêem um policial em
atividade de prevenção ao crime, só no encalço de algum criminoso, de arma
na mão, invadindo e agredindo por não saber diferençar. Usando o preconceito
como instrumento de investigação, pois não possui equipamentos e materiais
que lhe permitam outra conduta. A justiça segue autista, afastada de qualquer
lógica do cotidiano, da linguagem usual, enclausurada em um formalismo
exacerbado, produz a resposta teoricamente certa em hora errada, após a
solução dos problemas ou a consumação dos crimes. As administrações
públicas não atendem as necessidades mínimas do ordenamento do uso do
solo, preferindo agir de forma burocrática contra aqueles que estão na
formalidade e ignorando as inúmeras invasões e construções irregulares e
seguem-se muitos outros sintomas de uma imobilidade e incoerência do
Estado. A complexidade exige uma abordagem cuidadosa.
DESENVOLVIMENTO
Vamos examinar este tema:
Iniciamos por violência. É definida sumariamente como aquilo que é
contrário ao direito e a justiça, definição sintética que não traduz o real
problema. Minayo (1994), Arendt (1994), assim como Freud (l974), Habermas
(l980), Sartre (l980), entre outros abordam as diferentes concepções da
violência, da que se origina do poder, do Estado, da sociedade, do indivíduo.
De uma forma ampla podemos adotar a abordagem de Maria Cecília S.
Minayo, grupando em três blocos: a Estrutural; a de Resistência; a da
Delinqüência.
A Violência Estrutural é aquela decorrente tanto das estruturas
organizadas e institucionalizadas como a família, como dos sistemas
econômicos, dos costumes culturais e da estrutura política que terminam por
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
resultar na opressão de indivíduos. Violência por diferenciação de etnia,
religião, origem, classe econômica, orientação sexual6. Com bases em critérios
semelhantes aos aplicados ao indivíduo, perpetuam-se violência contra grupos,
classes e até nações. A estes indivíduos componentes destes conjuntos são
negadas conquistas da sociedade. Tornam-se vítimas desta situação,
influenciando profundamente as práticas do viver em sociedade, levando-os a
aceitarem ou a infligirem toda sorte de ações contrárias ao que é justo e ao que
é do direito, segundo o seu papel nesta estrutura e de forma aceita pelo
conjunto, de forma dita “naturalizada”.
Já a Violência de Resistência é a resposta dos grupos, classes, nações
e indivíduos oprimidos à violência estrutural, porém não é aceita pela estrutura,
não é percebida como natural, ao contrário é reprimida pela estrutura que a ela
está ligada pela violência estrutural – os detentores dos poderes político,
econômico e cultural. É uma explicação do fenômeno da violência que não é
pacificamente aceita pelo senso comum, por cientistas sociais, por políticos em
decorrência da questão implícita: é justo responder a violência com mais
violência? A justiça, onde se localiza neste contexto? Existe ai um dilema, uma
verdadeira dialética social que envolve a quebra da estrutura que violenta e
que estabelece ao mesmo tempo o que é “natural”.
A Violência da Delinqüência, que é a que mais de perto está relacionada
com as questões atuais de segurança é aquela que se revela nas ações contra
a lei e sem um arcabouço moral. Ela é realizada única e exclusivamente com o
fim de vantagens pessoais. É lógico que está intimamente ligada aos demais
grupos ou categorias de violência, compreendendo-se a implicação da
violência estrutural, que provoca, degrada, corrompe e apresenta o crime como
uma saída para a desigualdade. A falta de trabalho, a falta de resolução de
conflitos, a justiça que não atua. Também são causas: a reação social como
uma espécie de forma de menosprezo aos valores e normas da “estrutura”; a
lógica em função do lucro sem risco – devido à incapacidade do aparato de
segurança; o culto ao consumo; o culto à força e o culto ao machismo. Esta
tipologia tem de ter maior prioridade para erradicação devido à imoralidade dos
atos geradores e os efeitos danosos sobre a vítima. A verdade é que tanto
6 Inclusão do autor, diferente do texto original, porém de acordo com o conceito da autora.
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
aquele que foi vítima como os que perpetram os atos delituosos são vítimas de
nossa incapacidade em prevenir.
Outro aspecto formal ligado à violência é sua característica universal,
não está limitada a locais ou classes sociais ou condicionada a acesso a
determinados bens ou serviços, ela é peculiar à sociedade, porém é inegável
que existe com maior freqüência em espaços onde a desigualdade é
predominante, onde predomina a descoesão social.
A forma extrema da violência
No Brasil, no período 1996/2006, o número total de homicídios
registrados pelo Sistema de Informações Médicas - SIM passou de 38.888 para
46.660. Representa um incremento de 20%, Número 4,7% superior ao
crescimento da população no mesmo período (16,3%), portanto, passamos a
assassinar mais. Mas estas informações extraídas do Mapa da Violência da
Rede de Informação Tecnológica Latino Americana – RITLA - é um “valor”
nominal, não contextualizado. Poderíamos apresentar qualquer fato sob este
prisma sem indicar o absurdo que ele é de fato: em 1996, 38888 homicídios
significaram 26/27 homicídios por grupo de 100.000 habitantes e em 2006
significaram 25/26, uma década com 25/27 por cem mil, ou mais de 440.000
mortos por homicídio.
No mundo todo, em 2002, com todas as guerras e catástrofes,
ocorreram 460000 mortes consideradas “homicídios”. Levando-se em conta
uma população de 6 bilhões, estes números produzem uma taxa de 7,6
homicídios por cem mil habitantes no mundo. Isto significa que tínhamos em
2002 uma taxa de homicídios de aproximadamente três vezes a taxa mundial,
ou seja, superior em 328% à taxa mundo. Retiramos a máscara da sociedade
brasileira: Somos a sociedade em que a vida vem valendo cada vez menos.
Vejamos o que acontece na nossa Bahia. O número de homicídios no
Brasil manteve-se em crescimento até 2003, ano em que as ações de controle
da criminalidade através de investimentos em pessoal e material resultaram na
inflexão da razão de crescimento. O número de homicídios vem caindo,
considerando o número total, em praticamente todo o Brasil a partir de 2004.
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
Este dado é bastante significativo e evidencia que as medidas adotadas
vêm apresentando um resultado positivo, de reverter a tendência de
crescimento iniciada em 1980 e que possuía uma razão constante de
crescimento. É necessário, por razão de lógica, alertar que a tendência de
queda dos homicídios no Brasil ainda é extremamente pequena e menor que a
taxa de crescimento em período igual de tempo anterior, e, o que é mais
relevante, muito longe do que poderia ser considerado como taxas normais de
homicídios em uma população de um estado legalmente constituído.
Na verdade as taxas brasileiras só encontram paralelo em países em
guerra, aliás, são superiores a muitas das taxas de mortalidade em guerra,
como, por exemplo, o violento conflito de Angola. Estes números são médios,
encontramos regiões onde esta situação ainda é pior, como é o caso da Região
Metropolitana de Salvador. A taxa de homicídios vem crescendo, em razão
muito superior a nacional, levando região metropolitana da 17ª posição entre as
mais violentas na década de 90, para a quinta em 2005 e hoje, em números
absolutos, passou a ser a segunda onde mais se morre por homicídios no
país7. Outro fato assustador é o aumento do número de mortes em confronto
com a polícia. Só no Estado de São Paulo, no dizer do ex-secretário nacional
de Segurança Pública, a polícia mata mais que a soma de todas as polícias
dos 50(cinqüenta) estados dos Estados Unidos da América. E mais, lá ocorre a
condenação de mais da metade dos policiais que matam. Aqui, no Brasil, em
São Paulo não sabemos do número de condenados (é insignificante). Na Bahia
nem sequer existe informação disponível.
Mas os Homicídios constituem uma variável com comportamento em
grande parte previsível, por incrível que pareça, senão vejamos: observa-se
que nos dados de pesquisas anteriores que na região metropolitana de
Salvador surgiram concentrações em determinadas faixas etárias, profissões e
locais, por outro lado estas indicações espacializadas recaem sobre as regiões
mais pobres da cidade, onde existe carência generalizada por falta de políticas
públicas adequadas. Os indivíduos residentes nesses espaços pobres ainda
são as principais vítimas da criminalidade e da violência. A cidade, repartida
em seus diversos territórios, segregados, que reproduzem a vida social das
7 “Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros 2008”, disponível em www.observatorioseguranca.org
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
classes de acordo com seu poder econômico, contabiliza, sem cessar, taxas
criminais cada vez mais elevadas (GOMES. 2005). Nestes espaços, em um
movimento assíncrono com a evolução social e do entendimento de questões
relacionadas à cidadania e ao direito, existem motivações comuns ou temas
relacionados aos homicídios, como a classificação apresentada por Corrêa
(1983) sobre a região de Campinas, São Paulo: Infidelidade feminina;
abandono ou separação; briga ou agressão e, finalmente, a negação8.
Além desta recorrência temática, surge também a semelhança entre
vítima e agressor, demográfica e socialmente, considerando-se ainda que a
maior parte dos agressores seja masculina e os homicídios correm entre
pessoas cujas relações sociais podem ser consideradas próximas, envolvendo
o uso de drogas, álcool e ambientes públicos. Ainda se destaca a juventude
das vítimas e o baixo status social (PASTORE E VALLE SILVA, 2000;
CORREA, 1983; FAUSTO, 1984; dentre vários outros autores) – o homicídio
ocorre entre conhecidos, raras vezes entre pessoas totalmente desconhecidas,
neste caso estaremos lidando com psicopatas ou algum tipo de “serial Killer”
etc. Até mesmo as mortes perpetradas pelos “esquadrões da morte” obedecem
esta lógica, as vítimas são pessoas conhecidas destes assassinos ou dos
contratantes, os quais por viverem entre a legalidade e a ilegalidade são os
verdadeiros psicopatas.
A importância da compreensão do comportamento da variável homicídio
é oferecer uma possibilidade de planejamento urbano do serviço regional de
segurança pública com base na alteração do comportamento temporal da
variável. Esses tipos de análises, iniciadas por Wolfgang e Sellin (1969) e
também usadas por Cano e Santos (2001), nos ajudam a identificar possíveis
explicações causais e, também e principalmente, como evita-las. É ai que a
escola tem seu papel, veremos adiante.
A forma material da violência
A forma material da violência da delinqüência é explicitada pelo furto ou
roubo. Se as taxas referentes aos homicídios são elevadas as referentes aos
delitos de posse são enormes, mas ainda nem de longe representam a
8 Negar o direito a vida ao desafeto, ao diferente, ao que tenta mudar as regras. O observatório inclui
neste conceito ampliado as questões de gênero, homofóbicas e comportamentais desviantes.
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
realidade. A lógica que predomina a perda material é do valor relativo da perda.
Ao ser furtado um telefone se considera a possibilidade do mesmo vir a ser
empregado em um ato criminoso e daí a imediata comunicação para a
delegacia e registro, feito por se pensar que se poderia vir a ocorrer um dano
maior. Mas quando temos um vale transporte furtado ou $10,00 ou $20,00
reais, imagina-se logo o tempo dedicado ao registro, à inexistência de
providências posteriores por parte da polícia e o valor perdido em relação a
mais outro prejuízo decorrente das horas ou dia de trabalho perdidos, gerando-
se uma sub-notificação.
Hoje se estima que a sub-notificação esteja na casa de 70%9 ou menos,
ou de 100 são informados apenas 30. Observemos que em Salvador
encontramos: 3397 ocorrências ou 1447,6 por grupo de 100000, ou seja,
incidem sobre a população em uma proporção de 49 vezes a de homicídios, ou
4825% superior a incidência dos homicídios.
Neste caso também teremos a ocorrência obedecendo a determinados
padrões: esta modalidade de crime, o roubo, se dá com o cidadão nos locais,
momentos e horários nos quais os criminosos esperam obter sucesso
(BAYLEY, 2001.p 112). Nos dias de pagamento do INSS, funcionários públicos
e empresas de grande e médio porte que contratam pessoas de baixo poder
aquisitivo que não possuem contas bancárias ou não as usam e necessitam
manusear dinheiro vivo. Nos locais de maior trânsito e nas suas áreas
próximas, como logradouros em que se costumam pagar tributos e taxas
municipais que necessitam ser recolhidas em espécie, escolas nos dias de
pagamento da mensalidade ou da cantina, empresas de transporte urbano ou
intermunicipal, alunos em seus percursos de ida e vinda das escolas, etc.
As discriminações de raça, credo, renda, orientação sexual, localização
no espaço urbano são importantes, uma vez que a segurança atinge de forma
diferenciada estes diferentes grupos. Assassinam-se mais negros e pobres que
brancos e ricos (CANO, 1999); Quando uma criança branca e rica morre
assassinada vemos a imprensa, a polícia e a sociedade como um todo se
9 Valor empregado pela SENASP. O IPEA trabalha com 90% para pequenos valores, 60 a 65% para
relativos valores – Texto para discussão 957 – de Waldir Lobão e Daniel Cerqueira. www.ipea.gov.br.
12 jan. 2004.
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
mobilizar, quando morre uma criança pobre nas mesmas e até piores
condições, parece que era esperado, não existe dor, sentimento, reportagens,
apenas o abandono.
Segurança cidadã
A moderna gestão pública aponta para a transparência das ações
decorrentes das políticas públicas como forma de garantir o apoio e a pro
atividade da sociedade civil a consecução dos seus objetivos. O termo
accountability10 surge na moderna gestão pública, enfocando o procedimento
do administrador público em veicular informação de sua gestão para a
coletividade, bem como no sentido de prestação de contas acerca das
despesas e resultados.
O Estado da Bahia vem apresentando dados de toda a gestão pública,
porém na área de segurança pública, o faz de forma centralizada e negociada.
Tornam-se, apesar do esforço inegável dos órgãos policiais e da própria
Secretaria de Segurança Pública, dados dispersos e de difícil compreensão,
possibilitando a interpretação ou análise equivocada, quando não a própria
perda de credibilidade junto à população. Não se deseja a informação que a
polícia usa, mas a que já foi usada e terá valor para avaliar, compreender,
julgar os fatos e a ação da polícia para, em última na análise, ajudar a própria
polícia. A sociedade tende a exigir o cumprimento das políticas públicas11 e a
regularidade dos atos e fatos da administração (ZIFCAK, 2005).
Além disso, informações difíceis podem construir opiniões concernentes
à eficiência ou ineficiências, a eficácia ou erro do Estado à consecução do
Princípio Universal dos Direitos e da Dignidade do Homem a partir de indícios
10 O termo accountability, ainda não possui um similar na língua portuguesa. É muito abrangente e vai além da prestação de contas, pura e simples, pelos gestores da coisa pública. Diz respeito à sensibilidade das autoridades públicas em relação ao que os cidadãos pensam, à existência de mecanismos institucionais efetivos, que permitam interagir com o governo quando este não consegue resolver um problema.
11 O termo Política Pública (PP) deriva do inglês "public policy". Neste idioma, existem palavras distintas para
designar o que entendemos por política. A palavra "policy" se relaciona com iniciativas governamentais, diretrizes, ações, planos e interesses sociais, enquanto a palavra "politics" refere-se à política partidária, políticos, interesses partidários e interesses particulares. Pode-se exemplificar a diferenciação acima com o governo de Juscelino Kubitschek que estabeleceu entre sua grandes prioridades (diretrizes) a industrialização do país, o que se associa ao termo "politics", enquanto a formação de grupos executivos para dar um significado real às prioridades, é o que se denomina "policy". A expressão política pública possui conotações das mais diversas possíveis. É comumente associada: a um rótulo de campo ou atividade (política industrial, política econômica); a uma proposta geral (política progressista); a um meio (política de um sindicato); como sinônimo de decisão do governo (invadir o Iraque como política externa do governo norte americano); como diretrizes (gastos em determinado setor); como um conjunto de programas (programa de concessão de créditos) e a vários outros termos. Luiz Fernando Ballin http://www.pr.gov.br/capturado em 10 setembro de 2005.
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
fragmentados. Estas opiniões veiculadas através dos meios de comunicação
podem gerar uma opinião pública construída a partir dos fragmentos e terminar
por ser prejudicial ao próprio objetivo do serviço. É neste ponto que a
informação correta pode e, de fato, coopera em muito com a administração
pública de serviços, em especial com o de segurança pública – garantindo que
estas opiniões sejam construídas sobre dados reais e conquistando o apoio da
população. Afinal como cooperar com o que não conhece ou não sabe, apenas
imagina-se?
O modelo da chamada segurança cidadã nada mais é que a segurança
que deveria existir e que passa pelo envolvimento da cidadania, da
cooperação, do conhecer, do aproximar as forças policiais da população, da
sociedade organizada, da modernização, da adequação ao papel de
preservadora da vida. Passou a ser usado com o objetivo de diferenciar-se da
segurança pública que não funciona, portanto não existe.
E quando e onde, de que forma a segurança, no sentido de evitar que se
venha a correr perigo poderá existir? A esperança e o apoio das pesquisas
indicam que existirá a partir da escola.
Segurança e educação
Muito se tem falado de segurança e de educação. A definição mais
simples de educação é: “Processo de desenvolvimento da capacidade física,
intelectual e moral do ser humano”. O que fazemos? Educar ou desenvolver a
capacidade física, intelectual, moral não significa preparar para a cidadania
plena? Pois bem, até onde se pode avaliar e de acordo com nossas leis, todo o
cidadão, ao concluir a educação básica (o fundamental I e II mais o ensino
médio) deveria estar pronto para participar de todos os atos e deveres da
sociedade, pois bem, quantos sabem executar as medidas básicas de socorro?
Quantos sabem matemática financeira básica? O cálculo de juros para viver
em um mundo cuja base de trocas e remuneração é o dinheiro? Quantos
conhecem as leis básicas de seu país e o espírito destas leis, o que estas leis
devem proteger? Quantos conhecem a base da vida saudável, dos meios
preventivos em relação às epidemias que grassam em nossa sociedade, como
a tuberculose, lepra, HPV, HIV e outras? Quantos estão aptos para o trabalho?
E quantos têm a convicção nos princípios morais de nossa nação? Quantos
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
estão preparados para enfrentar os perigos do assédio sexual e moral?
Quantos são preparados para viver na realidade do dia a dia da criminalidade,
com suas tentações e assédio? Quantos são preparados para o exercício da
cidadania? Quantos estão preparados para aceitar a diversidade de cor / raça /
orientação sexual / política / comportamental / cultural etc.? Explicitando ainda
mais, procurando chocar para evidenciar, nós criamos um sistema que não
educa para vida e queremos que estes jovens saibam viver em sociedade!
Só nestas simples perguntas já se identificam uma profunda relação
entre violência, educação e criminalidade: não educamos ninguém para ser
criminoso, mas, também, não educamos para ser cidadão pleno.
CONCLUSÃO
A escola na realidade é decisiva para a redução da criminalidade.
Espera-se que a escola seja o centro, a base da sociedade, da cidadania, da
eliminação da discriminação, do respeito à vida, da justiça, enfim da civilidade.
Lembrando o Prof. Gey Espinheira, sabemos que a população
distribuída pelos espaços da cidade não constituem comunidades, pois uma
comunidade pressupõe a existência de um "objetivo comunal", um objetivo
comum, o que não é o caso para a maioria da população de nossa cidade. Na
urbe que criamos cada morador está preocupado com a sua própria
sobrevivência, com seu trabalho, com seus próprios objetivos. Só existe um
local nestes aglomerados urbanos onde a população se transforma em
comunidade: em torno da escola.
A escola é um espaço sagrado. É o espaço que as famílias tradicionais
ou modernas e de qualquer origem ou religião vêem como o local onde seus
filhos irão aprender, crescer, evoluir, adquirir capacidades para enfrentar a
vida. A maioria diz claramente que esperam que seus filhos tenham melhores
condições que eles tiveram.
Na prática, a escola pode se articular com as redes de assistência
social, Conselho Tutelar (se for eficiente e se não o for deve articular para que
seja), com a Polícia Militar e Civil para prevenir, para impedir que um jovem
venha a se transformar em um criminoso e para evitar que um jovem venha a
ser vitimizado. A ação da escola na socialização e no acompanhamento dos
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
jovens em situação de risco é a principal forma de prevenção da criminalidade
e para isso ela deve ser efetiva, real, presente.
Sei que algumas das proposições podem parecer distantes de
professores que vão a um prédio em condições precárias, sitiado por
quadrilhas ou gangues, em uma favela, enfrentar uma turma de alunos com
inúmeras deficiências, muita das vezes com a própria turma desatenciosa,
desestimulada e desiludida, mas este é o verdadeiro desafio que se impõe à
sociedade brasileira: o desafio da civilidade, educar para proteger, educar para
a segurança, educar para a cidadania.
REFERÊNCIAS
ARENDT, Hannah. Sobre a Violência. Rio de Janeiro: Ed. Relume Dumará, 1994.
BAYLEY, David H. Padrões de Policiamento: Uma Análise Internacional Comparativa. Tradução de René Alexandre Belmonte. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001 – (Polícia e Sociedade n.1).
CANO, Ignácio, SANTOS, Nilton. Violência letal, renda e desigualdade social no Brasil. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2001.
CORRÊA, M. Morte em Família: representações jurídicas de papeis sexuais. Edições Graal.Rio de Janeiro. 1983.
FAUSTO, B. Crime e Cotidiano: a criminalidade violenta em São Paulo (1880-1924). Editora Brasiliense. São Paulo. 1984.
FREUD, S., 1974. Reflexões para os tempos de guerra e morte. In: Obras Completas de Sigmund Freud, pp. 311-339, Rio de Janeiro: Imago.
GOMES, Carlos Alberto da Costa. Espaço Urbano e Criminalidade: uma breve visão do problema. Revista de Desenvolvimento Econômico. Nr 11, p 57-68.UNIFACS.2005.
HABERMAS, J., 1980. O conceito de poder de Hannah Arendt. In: Habermas (B. Freitag & S. P. Rouanet, org.), pp. 100-118, São Paulo: Ática.
MINAYO, Maria Cecília de S. A Violência Social sob a Perspectiva da Saúde Pública. Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro, 10 (supl. 1): 07-18, 1994.
PASTORE, J e VALLE SILVA, N. Mobilidade Social no Brasil. São Paulo.Macron Books.2000.
SARTRE, J. P., 1980. A questão do método. In: Sartre, pp. 70-92. São Paulo: Abril Cultural. (Coleção Pensadores)
WOLFANG, M. e SELLIN, T. Delinquency: selected studies. John Wiley & Sons, Inc.University of Pensilvãnia.United States of América.1969.
ZIFCAK. Spencer Globalization and the Rule of Law, Rutledge, 2005.
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
SOCIOLOGIA DA DELINQÜÊNCIA: A INICIAÇÃO DO JOVEM
Gey Espinheira13
Le crime se propose aux sprits comme une sorte de plus court chemin qui va du désir à as fin sans égard au désir d’autri. Il ne considere pas les sentiments d’autri comme obstâcles – mais Il ne connaît que les obstacles matériels.
Il en resulte que presque tous nos désirs sont criminels par essence.
VALÉRY, Paul. Oeuvres I Bibliotheque de la Pléiade. In Mêlange – Instants. Paris: Galimmard, 1997.
1. INTRODUÇÃO
Recupero algumas análises que fizemos em nossa prática de
intervenção social em que mesclamos pesquisa com ação social de arte
educação com jovens e disciplinas acadêmicas do programa ACC – ações
curriculares em comunidades, experiência da UFBA que demonstrou grande
eficácia no contato direto da Universidade com as comunidades. A nossa
experiência, de longa data, nos autoriza a fazer as considerações que logo
desenvolveremos neste seminário que ocupa um importante espaço de
discussão de um dos temas mais controversos, precisamente por se encontrar
ou em uma encruzilhada de diversas passagens, ou em um redemunho a puxar
para o fundo as impressões e sensações que o fenômeno da violência
proporciona.
13 Carlos Geraldo D’Andrea Espinheira, Doutor em Sociologia, Professor do Departamento
de Sociologia nos programas de Graduação e de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia; Pesquisador associado ao Centro de Recursos Humanos – CRH/UFBA; líder do Grupo de Pesquisa “Cultura, cidade e democracia: representações e movimentos sociais”. geyespin@ufba.br ; gey.e@terra.com.br
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
Por que usamos estas imagens? Porque é um assunto em que todo
mundo se acha entendedor; diríamos: de domínio público. Isso, por um lado;
por outro, o fechamento do campo da Segurança que se considera detentor do
monopólio do conhecimento e não se abre para o diálogo, o que nos levou, em
seminário anterior, a acusar – e o termo é este – de autista em relação à
sociedade. Esta é, portanto, uma atividade que amplia a discussão e a
aprofunda, convocando, cada vez mais, outros atores e agentes que têm a
violência e a segurança como preocupações maiores.
Devemos reconhecer os esforços que o professor Carlos Alberto da
Costa Gomes e sua equipe têm desenvolvido para criar um fórum de discussão
e monitorar, com o Observatório Interdisciplinar da Segurança Pública esta
dimensão da vida humana que tanto compromete a sociedade brasileira. Neste
momento, saímos juntos de mais uma experiência comunitária, a finalização do
projeto Convivência, Arte & Criação, que realizamos no bairro da Mata Escura,
com o apoio logístico da Escola Estadual Márcia Méccia, da Secretaria
Estadual de Educação, conjugando ações de três Universidades: a Federal da
Bahia, através do Centro de Recursos Humanos – CRH; e as parceiras
UNIFACS e UNEB. Tivemos a autorga do edital: Novas tecnologias de
prevenção do crime e violência, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
da Bahia – FAPESB (2007/2008), que contou, também, com recursos da
Secretaria da Segurança Pública, mas antes podemos contabilizar a nossa
ação ao longo de um ano no Subúrbio Ferroviário, com financiamento do
Ministério da Justiça e em parceria Universidade Federal da Bahia e Ministério
Público do Estado da Bahia, 2001/2002, resultando em 2004 na publicação do
livro: “Sociabilidade e Violência: criminalidade no cotidiano de vida dos
moradores do Subúrbio Ferroviário de Salvador”. Agora, publicamos:
“Sociedade do Medo: teoria e método da análise sociológica em bairros
populares de Salvador: juventude, pobreza e violência” e “Metodologia e prática
do trabalho em comunidade”, ambos pela EDUFBA, 2008.
Anteriormente tivemos outros trabalhos de grande envergadura
comunitária, mas não é o caso aqui de levantarmos o nosso currículo, mas
apenas algumas informações que ajudam a nos apresentar e a legitimar as
nossas reflexões, sobretudo diante de criaturas de pouca fé, que são muitas, e
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
estão sempre dispostas a torcer o nariz diante de palestrantes, e o nosso
tempo na mesa é sempre curto para a sedução, pois toda a nossa gente está
contaminada pelo marketing e o logos perde espaço porque exige mais algum
sacrifício.
Faço estas colocações como quem requer “habeas corpus preventivo”,
porque sabemos o quanto a nossa forma franca de falar tem irritado certos
segmentos que nos encaram como estranhos, quando o que queremos é
trabalhar em conjunto para o bem comum. Assim, na encruzilhada, fazemos o
Padê, abrimos os caminhos e por eles vamos adiante.
2. GENEALOGIA DA VIOLÊNCIA EM BAIRROS POPULARES
A violência não é algo em si mesma, isto é, alguma coisa, ou que tem
forma. É um fenômeno social que só pode ser capturado em suas
conseqüências. Essa natureza fugidia de algo que não é concreto, mas que se
realiza como ação em um dado momento e se realiza, isto é, se concretiza,
mas que também tem continuidade – não em si mesma – mas em
representações sociais que constituem um campo cultural que pode ser
concebido como comportamento ou habitus violento, qual seja a internação de
disposições para agir contra o outro, no ato contínuo, preventivamente ou a
posteriori, como vingança, toda vez que este outro venha a se constituir em
obstáculo, ou desafiar um ou vários códigos de preservação de arranjos de
convivência e de identidades em jogo.
Estes códigos estão ligados à construção de uma imagem necessária à
sobrevivência em um determinado meio social, a exemplo de liderança ou
comando, o que implica em desafio à honra, à coragem etc., além de exigir
atos heróicos (ou anti-heróicos) em busca de reconhecimento, da fama que
alimenta o imaginário de poder e liderança.
A cultura da violência está associada a um estado constante de anomia
em relação à sociedade envolvente, mas no conjunto anômico novas regras se
impõem e dão coerência a um modo especial de ser, e esta situação leva ao
estabelecimento de uma ambigüidade do viver em dois mundos que se
imbricam ao mesmo tempo em que se chocam.
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
Diante das dificuldades de inserção no mundo formal e abrangente da
sociedade envolvente, as pessoas moradoras em bairros pobres criam,
recriam, inventam formas de obtenção de renda em uma ampla variedade de
jogos e negócios. São “jogos-de-cintura”, “agenciamento da malandragem”
(Lemos-Nelson, 2002), tráfico de drogas, roubo, assalto, seqüestro, furto e
assassinato, por um lado, quando as saídas são encontradas no campo da
transgressão.
Uma parcela da população, ainda que diminuta em termos proporcionais
orienta-se para a transgressão das leis para a realização de suas
possibilidades de ganho, muitas vezes como dedicação exclusiva; ou em uma
combinação de trabalho formal com operações criminosas. No imaginário
social – e com comprovação empírica – a sociedade é vista como corrompida e
corruptora, e a corrupção como uma expectativa a envolver altos escalões da
administração pública e conivência com empresários.
O crime compensa, e a prova disso é o fato de que menos de dez por
cento dos registros de crimes se transformam em processo legal. E esta
proporção, entre zero e dez por cento é variável no tempo e representa a
instituição da impunidade como um referencial estimulante para a preservação
das práticas criminosas e para novos contingentes que chegam para renovar e
aumentar o exército dos que se dedicam a atividades criminosas nas mais
diversas modalidades.
3. HERDEIROS E REPRODUTORES DA VIOLÊNCIA
Criminosos autônomos ou associados (gangues, quadrilhas, galeras)
sentem-se seguros em bairros em que o tecido social está dilacerado e,
portanto, sem coesão para resistir à presença de pessoas que agem
criminosamente e que se impõem pela intimidação dos outros através do
recurso à violência: ameaça de iminente agressão, agressão preventiva e
eliminação de todo aquele que esboçar reação ou ameaça ao domínio
estabelecido, e nisso inclui a testemunha que se obriga a obedecer e se calar.
O domínio pelo medo exige a prática de ações que mantenham a razão
do medo sempre atualizada. O medo, para ser constante e não apenas um
surto, exige a realização de rituais de renovação do sentimento. Assim, com
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
uma freqüência cada vez mais assídua, exemplos são dados de reafirmação do
domínio criminoso sobre a sociedade normal, que deve se acumpliciar pela
passividade, no que se convencionou chamar de “lei do silêncio”.
Esse estado de espírito e essa convivência entre criminosos e não
criminosos constituem a subcultura marginal ou submundo do crime, onde nem
todos são criminosos, assim como nem todos são não-criminosos, mas que os
não-criminosos podem se tornar criminosos passivos. Essa condição de vida
favorece a opção pela transgressão e pelo crime porque há obstáculos que se
interpõem entre os indivíduos e o modo formalizado de obtenção de renda, ou
seja, o trabalho, enquanto que, por outro lado, o crime torna-se compensador e
sedutor em uma sociedade de impunidade.
Comportamento violento é também uma forma de afirmação social de
muitos indivíduos que se recusam à diluição de sua personalidade no conjunto
social desvalorizado de consumidores falhos (BAUMAN, 1998). Há coisas que
só se conseguem “na raça”, e aquele que não tem “raça” sucumbe no cotidiano
altamente competitivo. Sucumbe em dimensões múltiplas: da experiência
erótica e afetual à realização de projetos pessoais de afirmação social pela
obtenção dos bens materiais de existência.
Não se pode entender as motivações para a violência sem entender que
a violência é um recurso social de sobrevivência, ou de um modo de viver
possível, entre outros, mas que se constitui para alguns como a orientação a
ser seguida como a mais vantajosa. O transcurso da vida cotidiana é mediado
pelo cálculo em relação às possibilidades, um jogo de “perde-ganha”, ou na
linguagem contábil, de cálculo de custo/benefício. Nesse jogo de racionalização
está também o não racional, sobretudo quando se leva em conta o uso de
drogas que provoca a alteração do estado de consciência e produz
comportamentos imprevisíveis, tanto para quem age, como para os que sofrem
a ação do indivíduo sob o efeito de substâncias psicoativas.
4. SOCIEDADE DO PRAZER E DO SOFRIMENTO: A PULSÃO
DO PRAZER
O jogo societal – para usar a terminologia tanto ao gosto de Maffesoli
(1985) – tem sempre múltiplas dimensões e uma das mais importantes é a
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
erótica, a fruição do prazer ligado ao erotismo; esta dimensão exige
compartilhamento, associação e a “necessidade de expressar sentimentos por
meio de atos exteriores” (1985, p. 28). A circulação do afeto submete a
circulação econômica ao mesmo tempo em que esta realiza aquela. No circuito
afetivo-econômico de representação da identidade e da realização das
animações da vida dos indivíduos, a violência torna-se um dos meios de
viabilização da existência nessa configuração social descontínua para os seus
membros, mas continua como condição para todos em conjunto.
A sociedade de consumo impõe a identidade de consumidor e o
reconhecimento dela de acordo com a capacidade aquisitiva de cada indivíduo.
Um conjunto de consumidores falhos reunidos em determinados lugares da
cidade constitui bairros pobres e pobreza; estruturas frágeis em que habitam
pessoas socialmente fracas, incapazes de resistência política eficaz e de quase
nenhuma iniciativa, também eficaz.
Não se pode viver – viver e existir – em uma cidade sem dinheiro. A
desvalorização de uma pessoa como consumidor falho a faz desvalorizar outra
nas mesmas condições e em condições superiores, ou seja, de consumidor
válido. Há, para usar a expressão de Sennett (2001), uma “corrosão do caráter”
que justifica o desprezo e a ação contra o outro. Essa corrosão advém da
deterioração social da pessoa e do conjunto social em que ela se insere; o
reconhecimento da falência social e a construção do ódio como alimento da
alma dilacerada.
O meio ambiente humano não é apenas o que o contém, a forma que
recebe o conteúdo, mas também o conteúdo mais sutil, o estado de espírito,
que se transforma em meio ambiente no qual os indivíduos experimentam
sentimentos e os manifestam em atos exteriores. Ódio, medo, desconfiança,
desespero, consumição, inveja, vingança, humilhação, frustração são exemplos
de sentimentos negativos que emergem nas pessoas que vivem em meio
ambiente socialmente deteriorado, deixando de ser estado psicológico
individual para ser uma forma social de sentir e existir, em suma, modo de
estar-no-mundo.
Todo este quadro descrito explica, de certo modo, a freqüência da
violência nos bairros populares, sobretudo em suas expressões mais radicais:
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
as agressões físicas e os assassinatos. Assim, a associação entre pobreza e
violência pode ser estabelecida.
A recordação de uma frase ouvida na rua, e que foi utilizada como
epígrafe do livro Divergência e prostituição (ESPINHEIRA, 1984) sintetizava o
ethos dos moradores de uma comunidade marginal: “Quem vive no Maciel tem
que tratar ladrão e maconheiro como irmão”, leva à reflexão sobre a existência
compartilhada com diferentes valores e práticas de conduta social. O
significado desta sentença é o do imperativo da convivência com o que não se
aceita sem se incomodar, isto é, quando se é obrigado a partilhar um mesmo
espaço, uma vizinhança heterogênea, e de valores discordantes sem agir
contra o que, ou de quem, se discorda. Eis o verdadeiro sentido do viver na
ambigüidade de dois mundos e o estado anômico que essa vivência acarreta,
quando não se pode conjugar as identidades em um e no outro mundo, na
medida em que o indivíduo não se bifurca em formal e informal, mas mantém
uma só identidade, e isso o obriga a submeter-se, em silêncio, à ordem
dominante da proximidade.
Viver nas comunidades populares significa ser tolerante, não como
consentimento, mas como estratégia. Os bairros populares – leia-se, pobres –
são os micro universos de uma sociedade (cidade) hierárquica. Os seus
problemas são, ao mesmo tempo, seus e da sociedade como um todo. Elias e
Scotson (2000, p. 16) observaram que:
Os problemas em pequena escala do desenvolvimento de uma comunidade e os problemas em larga escala do desenvolvimento de um país são inseparáveis. Não faz muito sentido estudar fenômenos comunitários como se eles ocorressem num vazio sociológico.
O mosaico urbano da área do Subúrbio é produto do modelo de
desenvolvimento do país; uma das conseqüências da concentração da renda
que se reflete na forma de urbanização das grandes cidades. Assim, as
condições para a emergência e reprodução da cultura de violência são efeitos
do modelo econômico, social e cultural que enfatiza a exclusão social e, por
isso, colhe como resposta a rejeição da exclusão pela via do uso da violência
como recurso social de inserção na sociedade.
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
É importante afirmar que as condições macro-econômicas são
responsáveis pelas configurações micro-sociais, mas seria um grande
equívoco entender estas como meras conseqüências daquelas, como se neste
micro-universo não houvesse a geração própria de situações e condições que
dão à sua configuração um caráter particular. Vale a pena recorrer a Octavio
Paz (1992 p. 68):
Nossa atitude vital – que é um fator que jamais conheceremos totalmente, pois mudanças e indeterminação são as únicas constantes de seu ser – também é história. Quer dizer, os fatos históricos não são simplesmente fatos, mas estão embebidos de humanidade, isto é, de problematicidade. Tampouco são o simples resultado de outros fatos que os tenham causado, mas de uma vontade singular, capaz de reger sua fatalidade dentro de certos limites . A história não é um mecanismo e as influências entre os diversos componentes de um fato histórico são recíprocas, como tantas vezes já foi dito. O que distingue um fato histórico não é o produto dos chamados fatores da história, mas uma realidade indissolúvel. As circunstâncias históricas explicam o nosso caráter na medida em que nosso caráter também as explica. Ambos são o mesmo. Por isso toda explicação puramente histórica é insuficiente, o que vale a dizer que seja falsa.
Aqui a história é sinônima das condições macro-econômicas, ou seja, os
condicionantes externos, estruturantes, das realidades próximas das
comunidades, dos bairros no conjunto de uma cidade, por exemplo. O fazer da
vida cotidiana e o modo pelo qual ela se faz, se reproduz, tem a ver com as
forças e as estratégias com as quais o micro-social responde às pressões que
lhes são externas, envolventes. A vida social jamais se processa a revelia dos
indivíduos; são as relações que produzem as realidades e a realidade como
configuração de um lugar, de uma sociedade ou mesmo de uma época. Assim
se pode, na relação entre pobreza e violência, compreender , nas palavras de
Octávio Paz “o emprego da violência como recurso dialético, os abusos de
autoridade dos poderosos”.
Os que reagem, os que rompem a crosta da intimidação, precisam usar
meios adequados à ruptura da crosta que os envolve. A violência “urbana” não
é revolucionária ou política, mas responde à violência política que se exprime
na conformação da urbanização da cidade, na organização da economia, na
afirmação política do poder. A transgressão e o crime são formas alternativas
de obtenção de algum poder, do mesmo poder que oprime a quem transgride,
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
uma luta por igualdade de possibilidades dentro de um mesmo modelo social
de diferenciação social. Eis o vazio político da violência, mas também a sua
reciprocidade em relação à sociedade que a produz.
5. AGENTES E ATORES DA VIOLÊNCIA: UMA CONVIVÊNCIA
CONFLITUOSA
Como a violência só pode ser captada como conseqüência,
precisamente por não ter uma essência, a percepção da violência se associa a
formas de conduta e a ações que configuram um modo de ser ou de agir –
constante, ou efêmero e eventual – de modo que quando se fala em cultura da
violência ou da delinqüência, ou mesmo de lugar marginal, deve-se levar em
conta que essa imagem se preserva enquanto se reproduzem os fatores que a
fazem pulsar, mas que se desfaz quando esses fatores são alterados. Essa
“cultura”, portanto, não é algo duradouro, mas uma resposta à verdadeira
cultura de exclusão que o modelo econômico, político, social e cultural produz,
vácuo da ação política.
As pessoas não são – como muitos supõem – joguetes manipulados por
forças poderosas e externas; elas têm a capacidade de reagir e de criar um
mundo alternativo que permita alcançar estados de legitimidade adequados – e
na medida do possível – às suas personalidades e às expectativas que criam
como desejos desejados de realização de projetos que as animam. Goffman
(1974) observou que os indivíduos, mesmo quando submetido a instituições
totais, a exemplo de prisões, manicômios e conventos, são capazes de
subverter a ordem da organização não apenas no sentido de desobedecê-la,
mas de criar um modelo paralelo e independente de regras, normas e
significados que dão sentido a vida, preservando o caráter e a personalidade
desses indivíduos em um quadro apropriado de satisfação de desejos e
vontades.
No Brasil, nos últimos anos, o crime organizado entrincheirou-se nos
presídios e os transformaram em matrizes de suas organizações. O “lá fora”, a
família e os amigos, movem a liderança a manter uma ligação efetiva entre os
dois mundos, disseminando a força daqueles condenados sobre todos os
demais que devem lealdade, fazendo do mundo do crime uma organização
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
ampla e responsável pelos livres, assim como estes pelos aprisionados. Operar
o sistema atinge, nesses casos, o clímax, com a ajuda, sobretudo, do celular e
com ele a simulação de seqüestros e o comando de ações articuladas em todo
o país.
Estar de acordo, dissimular ou ir frontalmente contra a ordem depende
dos jogos das circunstâncias e dos objetivos postos em questão propostos
pelos indivíduos. Em outras palavras, o recurso à transgressão e à
criminalidade depende do cálculo de custo/benefício, mas também do capital
de valores sociais dos indivíduos. Assim, a sedução da formalidade legal
quando se associa à capilaridade econômica de mobilidade social oferece
recompensa aos que cumprem a ordem; em situação inversa, estimula a
transgressão e o crime, na medida em que a sociedade põe ênfase no êxito do
consumo sem peso equivalente nos meios para alcançar a condição de
consumidor válido. Ou nas palavras de Merton (1970 p. 207) “Uma sociedade
em que há ênfase excepcionalmente forte sobre objetivos específicos, sem
uma correspondente ênfase sobre os procedimentos institucionais”.
A racionalidade da vida cotidiana é acompanhada de uma não-
racionalidade da fruição da vida. Há um padrão de reprodução da vida social
que é o da família. A expectativa é a de que os filhos, à medida que cheguem à
vida adulta, façam o mesmo percurso que fizeram os pais: trabalhem, casem e
vão constituir família morando em um imóvel em algum lugar. Emprego,
moradia e família. Esse percurso, entretanto, é tumultuado por uma série de
fatores que se relacionam com pré-requisitos, a exemplo de: capital
educacional, capacitação profissional e articulação social. Baixo capital
educacional e baixa capacitação e falta de articulação limitam em muito as
possibilidades de realização de projetos. Há, para as pessoas que se
ressentem desses pré-requisitos, dificuldades em ter uma vida normal, e isso
inclui em sair da adolescência e tornar-se um adulto reprodutor da vida social
familial. Cada vez mais um número maior de jovens não consegue inserir-se no
mundo adulto familial e reproduzir o modelo social, provocando um desvio pela
incapacidade de auto-sustentação.
O fenômeno da gravidez na adolescência e de famílias cujos lares são
regidos por mulheres sem a presença masculina de cônjuge, denota uma
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
mudança no padrão social decorrente da impossibilidade de assegurar a
continuidade do modelo social tradicional. As jovens mães geralmente
abandonam os estudos, interrompem o processo de socialização moderno, se
distanciam mais ainda das possibilidades de trabalho e da cidadania. O tecido
social está se dilacerando a ponto de apresentar no pano de fundo da
sociedade empobrecida amplas esgarçaduras.
São essas carências sociais que contribuem para a construção da
violência como uma forma de ser na sociedade. As falhas institucionais
repercutem diretamente nas condutas individuais. São as instituições que
orientam os indivíduos, de tal forma que a vida social impõe, necessariamente,
a lógica do social sobre o individual, mas quando as instituições não são
capazes de orientar, acolher e condicionar a vida social, os indivíduos se
sentem mais aptos a escolher entre seguir as normas e as leis ou menosprezá-
las e mesmo transgredi-las. Em outros termos, quando o indivíduo não é
marcado por um papel social definido – porque todo papel social prescreve
normas de conduta e objetivos a realizar – ou seja, quando não se sabe quem
é e o que faz, ou ainda, não é reconhecido socialmente como um agente social
válido, esse “ninguém” é desvalorizado e sua visibilidade social é de
vagabundo: aquele que leva uma vida errante, vadio, mundeiro, leviano, entre
outras acepções.
O não reconhecimento implica em desconstruir o outro, desvalorizá-lo. O
ser desvalorizado, por sua vez, desvaloriza os outros, desqualifica-os e os vê
com o sentimento da frustração e da humilhação e vinga-se sempre que a
oportunidade se apresenta. A identidade é socialmente construída, socialmente
representada, socialmente sustentada e transformada socialmente. O indivíduo
está subordinado ao social e age sempre socialmente. Para Berger (1972 p.
113) a “identidade não é preexistente; é atribuída em atos de reconhecimento
social. Somos aquilo que os outros crêem que sejamos”. De modo mais
enfático, o mesmo autor concluiu: “Uma pessoa não pode ser humana sozinha
e, aparentemente, não pode apegar-se a qualquer identidade sem o amparo da
sociedade”. (p. 114).
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
6. A VIOLÊNCIA DA CIDADE: A URBANIZAÇÃO DA POBREZA
“Amparo da sociedade” e o seu oposto o desamparo a produzir
desamparados da sociedade. Em grande medida se está falando precisamente
de lugares da cidade onde está concentrado um grande número de
desafortunados. E essa concentração não é casual, mas uma determinação da
sociedade de classe que estratifica as pessoas segundo seu capital financeiro,
econômico, social e cultural, determinando seus lugares na sociedade e no
espaço urbano.
A estratificação urbana é nítida e as palavras “periferia” e “popular”,
estão a indicar descentralização, afastamento e isso que dizer: urbanização
precária (serviços e infra-estrutura deficientes ou inexistentes), moradia exígua
e desconfortável e muitas vezes insegura; feiúra, insalubridade e outras
deficiências que atormentam os moradores. Uma cidade é múltipla em sua
configuração, como vimos na análise da cidade do Salvador (ESPINHEIRA,
2002):
A complexidade social do espaço urbano está precisamente no fato de que a cidade e seus espaços são lugares e não-lugares: de pertença, ou de estar; de passagem, transitórios; muitas vezes esses lugares traduzem conforto, segurança e são propiciadores de realizações, de sensações que dão significado à existência; em outro pólo, podem ser lugares do desconforto, da insegurança, inibidores de realizações e, por isso, frustrantes. A busca de adaptação ao meio constrói um modo específico de vida nesses lugares e na cidade como um todo.
No mesmo estudo sobre o Subúrbio Ferroviário traçamos, em linhas
gerais, uma descrição da área pesquisada, sobretudo as suas formas de
convivência:
No Subúrbio a convivência com o feio, com o sujo, com a deterioração ambiental e com a violência gera uma autodesvalorização e, conseqüentemente, uma baixa solidariedade social, como se ali estivessem todos a cumprir um destino inexorável de sobrevivência competitiva nas mínimas coisas, sobretudo na ocupação de terrenos exíguos em lugares impróprios para a moradia, como se não houvesse nenhuma outra alternativa a não ser lutar por esse mínimo, pelo imediato, disputando palmo a palmo encostas, mangues e até mesmo a
superfície do mar.
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
Não são opções dos indivíduos essa forma de morar e de viver. Não são eles os construtores do modo de vida que têm, mas a sociedade que os constrange, limita e impõe obstáculos que não podem transpor. O reconhecimento dessa forma de ser na trama urbana, leva à compreensão da complexidade do ser humano e da vida social, foca a sociedade em seu conjunto como uma força que pode brutalizar e “desumanizar” pessoas, levando-as a conflitos intensos e contínuos que constroem a violência como um recurso ao processo adaptativo para a sobrevivência.
Violência e crime, como visto, não decorrem de desvios pessoais, mas
são construções sociais quando a própria sociedade não oferta meios para que
as pessoas possam sobreviver e existir dignamente. Por sobrevivência se está
falando aqui do básico: alimentação, moradia, vestuário, acesso à saúde e à
educação; por existência: moradia, saúde, segurança, lazer, educação, fruição
do conforto, da higiene, da beleza e, sobretudo, da realização do que
denominamos animações da vida, tudo isso aliado a uma capacidade razoável
de consumo e de devaneio, que liberta de todas as “prisões da vida real”14.
São, portanto, as carências sociais da existência que produzem a
violência como recurso e a consolidam como um modo de vida, como uma
“cultura”. Quando se reconhece que “a gente vale alguma coisa quando tem
alguma coisa; quando não se tem nada, a gente não vale nada”. É um
pensamento corrente da sabedoria popular. Os “consumidores falhos” são
nada na vida social, mas eles não aceitam essa redução, reagem, querem
pertencer ao mundo e lutam ferozmente para isso, de tal modo que para eles
os fins justificam os meios.
Voltamos, novamente, ao estudo acima referido para melhor
compreender o sentido da construção social da violência ao proporcionar as
condições de desigualdade social com a imposição de carências e da exclusão:
A seleção de lugares e sua qualificação geram expectativas diferenciadas no que se refere à ordem/desordem, lugares “normais” e lugares “desviantes”. A pobreza contemporânea já não traduz qualquer dimensão moral da velha pobreza, que em certo sentido tornava-se sinônimo de ingenuidade, de pureza e de virtude, na acepção de “pobreza franciscana”. A pobreza urbana periférica é necessariamente constrangedora, excluída e,
14 Cf. BACHELARD, Gaston. A Poética do devaneio. Trad. Antonio de Pádua Donesi.
São Paulo: Martins Fontes, 1988.
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
por isso mesmo, jamais aceita passivamente a exclusão e reage com todos os meios para se articular com o centro, ainda que seja na esfera da criminalidade e da transgressão. Há, assim, uma violência necessária que emerge como reação e que assume diversas formas, tanto nas relações interpessoais, como nas transgressões frente ao normativo, ao legal; e a organização do crime numa rede, ainda que esgarçada, que engloba indivíduos e grupos. A urbanização da pobreza não é, paradoxalmente, uma construção da pobreza, mas sim da
riqueza; assim como a periferia é um produto do centro.
Salvador, em seu conjunto, é uma cidade das desigualdades. Há uma
Salvador rica e bonita, que vê o mar; há uma outra, feia e desumana, ora
escondida do mar, fora da visão da cidade bonita; ora sobre o mar, sem terra
firme para erguer moradias, em palafitas. Nos morros íngremes, nas encostas
e nas cumeadas barracos e casas de alvenaria descarnadas revelando a
pobreza de seus moradores.
O mapa da violência em Salvador faz coincidir na cidade feia os maiores
índices de criminalidade, sobretudo assassinatos. “Impossível fugir a essa dura
realidade” – como disse o poeta Vinicius de Moraes diante do inexorável
sábado15 – pobreza urbana constrói a violência e a consolida como modo
cotidiano de ser. Casas gradeadas, estabelecimentos gradeados, bairros
inteiros com grades de ferro. Medo de sair de casa e ter os bens roubados, do
botijão de gás a eletrodomésticos; em alguns lugares medo de retornar e
encontrar a moradia ocupada por outros que dela se apossaram; medo de ficar
em casa; medo de viver; medo da espera de alguém que saiu e não sabe se
volta.
Enfocando o medo pressentido em Bate-Coração, (Espinheira, 1990), no
capítulo denominado “Os medos”, o sentimento é assim descrito:
Não dormir como dormem as crianças. Não descansar nunca. Saber-se espreitada e possível vítima de um assalto, estupro. Medo de ter os filhos tocados poro gente ruim. Medo dos outros, da escuridão, da noite, dos lugares ermos. Medo da chuva, do corrimento de terra que desaba e sufoca. Medo da morte, da dor, da solidão, da fome, da doença, do futuro. Medo dos mais fortes. Medo do ladrão, do criminoso, da polícia. Medo pelos filhos, de que sejam tragados pelo lado ruim do mundo. Medo de si mesmo, da ruindade e da brutalidade involuntárias. Medo do companheiro, da bebida do companheiro, de sua esquisitice, de
15 Referência ao poema de Vinícius de Moraes: O dia da criação.
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
sua fala e de seu silêncio. Medo da companheira, de sua generosidade aparentemente excessiva, ou da secura, do que anda aprontando. Medo do pai, da mãe, dos irmãos, dos mais velhos, da turma. Medo do amor e do ódio. Medo do vizinho, da piada, do falar sério, da cachaça que desce errada, da exigência da mulher. Medo do patrão, da falta de patrão. Medo de notícia ruim, de chegar em casa, de sair de casa. Medo da vida, do
consolo da morte.
Sentimentos extremos e generalizados de desamparo. Naquele
passado, como agora, a condição de vida de muitos milhares de pessoas é
dramática. Vida de consumição, de desassossego, condição que pode se bem
entendida nos versos do poeta José Régio, em seu poema “Fértil desespero”:
Vida!, vida sarcasta,
Brutal, terrível madrasta
Dos filhos que mais te querem!:
Que fizeste daquele pobre herói
Que sonhava os reptos de Hércules,
E sorria com olhos de veludo?
Que fizeste daquele pobre herói?
- Fi-lo herói a valer... : tirei-lhe tudo.
E foi assim que a realidade de jovens, muitos jovens, “madrastamente” levou tudo o que poderia ser vontade de realização, de desejo, de possibilidade de uma vida diferente. O último verso é simplesmente terrível: “Fi-lo herói a valer... : tirei-lhe tudo”. E, por acaso, não foi isso que a sociedade fez com todos e todos que sorriam e tinham olhares de veludo? Crianças e adolescentes para suas mães, transformados em bandidos pela polícia?
7.VIOLÊNCIA NA VIDA COTIDIANA: O LUGAR EM SE MORA
A região da cidade do Salvador do Subúrbio é uma das que apresentam
os maiores índices de registros policiais de assassinatos ao longo dos anos. É
importante salientar que a violência pode estar associada a determinadas
pessoas ou grupos que durante algum tempo inquietam um bairro ou uma área
da cidade e isso é visto como um “caso de polícia”, ou seja, desde que aquelas
pessoas ou grupos sejam reprimidos a violência por eles desencadeada cede
lugar à tranqüilidade, à vida normal, como se supõe que assim deva ser a vida
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
em comunidade. Em outros lugares, entretanto, a violência tem uma duração
longa e parece não poder ser relacionada com identidades pessoais, mas com
condições sociais, ou seja, é despersonalizada, anônima e difusa. Os atores da
violência se sucedem, são os filhos da vida madrasta, feitos heróis a valer,
destituídos de tudo!
“Eu chego por volta das onze e meia da noite, escolho a rua mais movimentada, mas todas elas estão desertas a esta hora. Vou por uma que menos corra risco, mas todas são perigosas. É assim de segunda a sexta-feira” (depoimento de uma estudante).
Quando a violência se torna modo de ser, um ethos, ela é transmitida às
novas gerações e assim, como um fluxo constante, marca o cotidiano de vida
de uma comunidade. No mosaico do projeto Subúrbio há diferenças entre as
diversas configurações que o compõem, de modo que não se pode falar
genericamente, mas, por outro lado, deve-se reconhecer que a violência pode
ocorrer em surtos nos lugares considerados mais tranqüilos. O que importa
ressaltar é que a sociedade seleciona pessoas, umas são incluídas das mais
diversas maneiras, outras excluídas e outras tantas eliminadas por não
cumprirem os papéis que a sociedade exige delas, ou porque transpõem os
limites da tolerabilidade institucionalizada.
Quando se fala na inclusão ou exclusão, também há que se falar em
meios para que a inclusão se dê, por exemplo, o capital familial que vai permitir
às novas gerações posições bem definidas no contexto social. A educação é
um meio e ao mesmo tempo prática constante de socialização que permite aos
indivíduos ingressarem na ordem social hierarquizada. A escola, como ressalta
Bourdieu (1996), não apenas transmite conhecimentos, como também
credencia as pessoas com o diploma, dá status e passaporte para diversas
posições sociais e papéis que dependem de um determinado título.
Os pré-requisitos sociais são importantes para o itinerário de vida das
pessoas. O não preenchimento de um conjunto de condições previamente
exigidas para que outras, de hierarquia superior, possam ser alcançadas
desqualificam os indivíduos não possuidores desses antecedentes. Em
desvantagem social, esses indivíduos se vêem desfalcados e com dificuldades
de competir socialmente. É o caso dos jovens pobres, sem formação
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
educacional suficiente, sobretudo porque a sociedade não oferece a eles uma
educação capaz de ajudá-los em suas dificuldades pessoais e familiares, mas
um simulacro de aprendizagem que preenche a função social da socialização
externa à família, mas com baixo nível de aprendizagem e formação para a
vida social.
O tempo nos limita, a vida é homeopática e esta é uma dose inicial. Os que
tiverem boa-fé continuem a refletir, mais logo e sempre, exercício permanente
de construir o mundo tal como o desejamos, para a nossa sede, o nosso
apetite, para o nosso tempo, para a nossa vida, e assimilemos o que nos diz o
poeta T.S.Eliot: “e tudo é sempre agora”. Que o nosso país nos seja o país do
presente e para cada um de nós um presente Brasil para a nossa satisfação.
REFERÊNCIAS
ADORNO, Sérgio. A criminalidade urbana violenta no Brasil: um recorte temático. In Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, Nº 35.
ANDRADE, Cristovaldo envergonhado mata filho viciado a tiros. Salvador, A TARDE, Polícia, p. 8. Salvador, 15/2/2003.
ANDRADE, Cristovaldo. Dois homens morrem em confronto com a polícia. Salvador, A TARDE, Polícia, p. 14. 8/12/2002.
ANDRADE, Cristovaldo. Mãe perde dois filhos por causa de drogas. Salvador, A TARDE, Polícia, p. 6. 7/3/2003.
ARENDT, Hannah. Sobre a violência. Trad. André Duarte.Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.
ATAÍDE, Yara Dulce Bandeira de. Clamor do presente: história oral de famílias em busca de cidadania. São Paulo: Loyola, 2002.
BAUMAN, Zygmunt. O Mal-estar da pós modernidade. Trad. Mauro Gama e Cláudia Martinelli Gama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
_________________. Ética pós-moderna. Trad. João Rezende Costa. São Paulo: Paulus, 1997.
BECKER, Howard S. Uma Teoria da ação coletiva. Trad. Márcia Bandeira de Mello Leite Nunes. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.
CASTRO, José Sem segurança o subúrbio fica ao deus-dará. Salvador, A TARDE, Local, p. 4. 10/4/2002.
CHATELAIN, Graciela. Reconstituição e análise da história de vida de onze casos exemplares de crianças e adolescentes vítimas de violência, através da visão da comunidade. Salvador: CEDECA, 1994.
ELIAS, Norbert, SCOTSON, John L. Os Estabelecidos e os outsiders. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
ESPINHEIRA, Gey. Os tempos e os espaços do crime. In A Outra face da moeda – violência na Bahia/Nelson de Oliveira, Lutz Mulert S. Ribeiro, José Carlso Zanetti (orgs.). Salvador: Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Salvador, 2000.
________________. A Cidade das desigualdades: raízes da violência. In Paz só com justiça social/Álvaro Gomes (organizador) et al. São Paulo: Anita Garibaldi, 2002.
________________. Violência policial. Salvador, A TARDE, Espaço do leitor, p. 2, 21/4/2002.
________________. Bate-coração: um estudo sociológico da urbanização periférica de Salvador. Salvador. Centro de apoio e Desenvolvimento de Organizações e Empresas – CADES, P&C – Consultoria e Negócios, 1990, 135 p. (Síntese publicada em Veracidade – Revista do Centro do Planejamento Municipal. Salvador-Bahia, ano 2, nº3, setembro 1992.)
________________. Crianças e adolescentes saídos de casa na paisagem das ruas. In Formação de educadores sociais: coletânea de textos/Fernanda Almeida Gonçalves (Org.). Salvador: Universidade Federal da Bahia/Secretaria do Trabalho e Ação Social – SETRAS, 2001.
________________. Crime sem castigo: impunidade na Bahia. Salvador: CEDECA, 2003.
________________. Desaparecimento e desaparecidos: um estudo da violência urbana. Salvador: Tribunal de Justiça do Estado da Bahia/CEFIJ, 1999.
________________. Proximidade e intolerância In Sociabilidade e violência: criminalidade no cotidiano de vida dos moradores do Subúrbio Ferroviário de Salvador. Salvador: Ministério Público do Estado da Bahia/Universidade Federal da Bahia/CRH, 2003.
________________. Sociabilidade e violência na vida cotidiana em Salvador. In Bahia Análise & Dados/Violência/ Salvador – v. 11 - nº 01 – junho, 2001.
___________________. Divergência e prostituição: uma análise sociológica da comunidade prostitucional do Maciel. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1984.
FERREIRA, Adailton B. G. A Sociabilidade ameaçada: a forma, o conteúdo e a violência cotidiana na Soterópolis. In ESPINHEIRA, Gey (org.) Sociabilidade e violência: criminalidade no cotidiano de vida dos moradores do Subúrbio Ferroviário de Salvador. Salvador: Ministério Público do Estado da Bahia/Universidade Federal da Bahia/CRH, 2003
GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. Trad. Dante Moreira Leite. São Paulo: Perspectiva, 1974.
GOULDNER, Alvin W. The Coming crisis of western sociology. London: Heinemann, 1977.
KUMAR, Krishan. Da sociedade pós-industrial à sociedade pós-moderna. Trad. Ruy Jungman. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
LEMOS-NELSON, Ana Tereza. Criminalidade policial, cidadania e Estado de direito. In Cadernos do CEAS, n. 197, janeiro/fevereiro, 2002. Salvador: Centro de Estudos e Ação Social.
LIMA NETO, Fernando Cardoso. Limiares da sociabilidade suburbana. In Sociabilidade e violência: criminalidade no cotidiano de vida dos moradores do Subúrbio Ferroviário de Salvador. Salvador: Ministério Público do Estado da Bahia/Universidade Federal da Bahia/CRH, 2003.
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
LIPOVETSKY, Gilles. Le Crépuscule du devoir. Paris: Gallimard, 1992.
LOPES, Regina. Considerações sobre ações voltadas para a desconstrução da violência no bairro de Escada: um novo olhar sobre o Subúrbio.
MAFFESOLI, Michel. Dinâmica da violência. Trad. Cristina M. V. França. São Paulo: Revista dos Tribunais, Edições Vértice, 1987.
__________________. A Sombra de Dionísio: contribuição para uma sociologia da orgia. Trad. Aloísio Ramos Trinta. Rio de Janeiro: Graal, 1985.
A Voz dos adolescentes. UNICEF, 2002.
MERTON, Robert K. Sociologia – teoria e estrutura. Trad. Miguel Maillet. São Paulo, Mestre Jou, 1979.
NORONHA, Ceci Vilar. Violência, etnia e cor: um estudo dos diferenciais na região metropolitana de Salvador, Bahia, Brasil/Ceci Vilar Noronha et al. In Ver. Panam Salud Publica 5(4/5), 1999.
O Rastro da violência em Salvador – mortes violentas de residentes em Salvador, 1997. Fórum Comunitário de Combate à Violência/Projeto UNI. Salvador: UFBA/UNICEF.
O Rastro da violência em Salvador – mortes violentas de residentes em Salvador, de 1997 a 2001. Fórum Comunitário de Combate à Violência/Instituto Médico Legal Nina Rodrigues. Salvador: UFBA/UNICEF.
OLIVEIRA, Flávio. Violência esconde a história do subúrbio. Salvador, A TARDE, Local, p 4. 21/8/2002.
PAZ, Octávio. O Labirinto da solidão e Post Scriptum. Trad. Eliane Zagury. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
PINHEIRO, Paulo Sérgio e ALMEIDA, Guilherme Assis de. Violência urbana. São Paulo: Publifolha, 2003.
PINHEIRO, Paulo Sérgio. Pobreza, violência e direitos humanos/Paulo Sérgio Pinheiro, Malak El-Chichini Popovic, Túlio Kan. In Novos Estudos Nº 39, julho 1994. São Paulo.
RAMALHO NETO, Jaime Pinto. Capuz, ferro & extermínio: cerimônia privada de morte na Região Metropolitana de Salvador.(Monografia de graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2002.
REIS, Dyane Brito. A Marca de Caim: as características que identificam o suspeito segundo relatos de policiais militares. In Caderno CRH, nº 36, jan./jun. 2002. Salvador: CRH/UFBA.
SANTOS, José Raimundo de Jesus. Lugar marginal. In Sociabilidade e violência: criminalidade no cotidiano de vida dos moradores do Subúrbio Ferroviário de Salvador. Salvador: Ministério Público do Estado da Bahia/Universidade Federal da Bahia/CRH, 2003.
SENNETT, Richard. A Corrosão do caráter – conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo. 5a. ed. Trad. Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Record, 2001.
________________. Autoridade. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro.São Paulo: Record, 2001.
SERPA, Ângelo. Fala periferia! Uma reflexão sobre a produção do espaço periférico metropolitano/Ângelo Serpa, organizador. Salvador: UFBA, 2001.
Revista Observare. A revista do Observatório Interdisciplinar de Segurança Pública do Território.
Volume 4. Outubro de 2008. www.observatorioseguranca.org ISSN 1981-1780
SIMMEL, Georg. Filosofia do amor. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
______________. Filosofia del dinero. Trad. Ramon Garcia Cotarelo. Madrid: LAEL, 1977.
SOARES, Antonio Mateus de Carvalho. Violência, crime e jovens empobrecidos. In Sociabilidade e violência: criminalidade no cotidiano de vida dos moradores do Subúrbio Ferroviário de Salvador. Salvador: Ministério Público do Estado da Bahia/Universidade Federal da Bahia/CRH, 2003.
SOARES, Luiz Eduardo. Uma radiografia da violência no Rio de Janeiro/Luiz Eduardo Soares et al. In Violência, crime e castigo/Maria Clara Luchetti Bingemer, Roberto dos Santos Bertholo Jr (Org.). São Paulo: Loyola, 1996.
SOREL, Georges. Reflexões sobre a violência. Trad. Orlando Reis. Petrópolis, RJ: Vozes, 1993.
VAZ, Andréia. População de Salvador tem medo da polícia. Salvador, A TARDE, Local, 24/4/2002.
WAISELFISZ, Jacobo. Mapa da violência: os jovens do Brasil. Rio de Janeiro: Garamond, 1998.
WALZER, Michael.. Traité sur la tolérence. Trad. Chaïm Hutner. Paris: Gallimard, 1997.
ZALUAR, Alba. Violence, easy money, and justice in Brazil: 1980-1995. UNESCO, 2001. Blackwell Publiher, UK.
_____________. Crime e castigo vistos por uma antropóloga. In Violência, crime e castigo/Maria Clara Luchetti Bingemer, Roberto dos Santos Batholo Jr (Org.). São Paulo: Loyola, 1996.