Post on 21-Mar-2016
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A c a s o
S u b v e r s i v o
Ricardo Mendes Mattos
Acaso Subversivo, Ricardo Mendes Mattos
ISBN: 978-85-913155-0-5
Criação: Flagrante Delito
São Paulo
2012
acaso-subversivo.blogspot.com
acasosubversivo@gmail.com
Somos nós os assassinos
Ribemont-Dessaignes
Tudo aquilo que vocês chamam de história não é senão o nosso
plano de fuga da civilização de vocês
Roberto Piva
Nós respeitamos os atributos e instrumentos da criminalidade:
agressão, provocação, subversão, corrupção. Queremos conhecer,
exercendo-nos dentro de poemas, até onde estamos radicalmente
contra o mundo
Herberto Helder
Certa noite surpreendi o acaso bulinando o Devir, expelindo o ligeiro líquido
da existência. Nadei nas cores de Labisse, cujas correntezas traficavam
vilezas visíveis apenas aos versados em sutis ironias.
Finalmente consegui contato telepático com o desacontecido polimorfo.
Seus vermelhos cegavam os horizontes do idioma. Andou com meus pés até
o tal viaduto, embaixo do qual adentramos nos audaciosos labirintos do
paradoxo.
Mal nossas tochas acenderam, pudemos ver aquelas escrituras rupestres
selvagens, cintilando suspiros, procuradas por séculos a fio pelos mais
fugazes rituais de ayahuasca.
do árduo trabalho de decifração, surgiram baionetas arredias que
dançavam sob o som de alívios.
Custou-me cerca de 97 vidas para desencontrar os significados imberbes
daquelas cifras, até que em uma irrupção incontrolável passei a vomitar
pequenas libélulas gosmentas aos milhões.
Lembro-me de estar caído, esgotado, em meio àquele revoar de esdrúxulos,
pouco antes de entrar em sono profundo.
Ao despertar, estupefato fiquei ao sentir um mar de poesias que
sussurravam palavrões a qualquer movimento.
Paralisado, pude apenas subornar aquele ancião embriagado, que tinha o
dom de adestrar sandices.
Do tumulto de palavras estapafúrdias, consegui trazer do abismo apenas
algumas em pergaminho.
Uma delas quis estuprar o orvalho...
outra chupou o Caos até este gozar em sua cara.
Uma terceira vibrou com tanta intensidade na aurora que ví a volúpia
correr aturdida.
Para domá-las tive que prometer menstruar natimortos nas primaveras,
além de limpar o rabo com gravatas toda terceira Lua de Saturno.
Transcrevo-as em transe com a sugestão de lê-las para além dos muros de
outrora.
Parte I – Punhais à revelia
Conspiração concupiscente
Se alicias a lua
lobos lambem suas fendas
eriçam os pêlos de seu sexo
e sua VulVa pari o múltiplo
Paira no mar seu olho incandescente
suas pálpebras assimilam a linha do horizonte
e se piscas amanhece o dia
no fluir de seus braços rajam coriscos
racham a terra
emergem enigmas
a cada suspiro os astros mudam de direção
e se soluças tormentas acariciam os acasos
seus passos dilatam dilúvios
e seu hálito inaugura a brisa que nos alisa a face
quando morde os lábios e circulas sua língua
a existência inflama e delira
sua voz arrepia o vento
e daí se cria a música ao sabor do seu encanto
Se sussurras segredos
sobrevém o silêncio: matéria de toda poesia
A pronúncia da queda
Perigo de letras caindo em outras mãos,
Entre assombros escritos em pleno vácuo.
Floriano Martins
Esfregue a maquinaria do sonho em seu ventre
e sente o elo dos astros
que rompe os espectros
quantos vê bailar nos espelhos incandescentes,
quando se esvai esparso seu ardil de fantoches?
É esse o uivo que descabela as janelas
em que lhe fitava a matinha de olhos ubuescos
esse mutirão de outros que criara para repousar mórbido no conforto do
consenso]
equipar sua morada com o mobiliário sóbrio do hábito
imaginar sua fuga no fantasioso hálito do longínquo
o verbo que sussurra seus assombros
fremi na mesma miríade do yage
quando acalanta a morte no rés-do-chão da relva
o que me diz da realidade,
no momento em que seus pés despencam nas flâmulas movediças da selva?
sorvem avessos seus contornos dispersos nas brisas do salto?
A voz que zumbi
no trovejar de atabaques silvando batuques selvagens
pálpebras trêmulas na torrente do transe
quantas máscaras abandonas
quando encaras a si na sombra da chama?
Naná em Roma
Sufrágio e quinquilharias
Flácidos talheres copulam nos pratos calvos da última ceia
Abortos açoitam janelas para melhor verem os obtusos ângulos da vida.
Era a hora da morte, sussurrando palidez nos ouvidos da noite.
Vira de soslaio as marcas do tempo no rosto do urro.
Ouvira os suores nas garras que esfacelam as fotos da infância?
Púberes árabes perdem digitais ao rodear os dedos violentamente em seus clitóris
As lágrimas dos muros produzem vis espingardas que disparam contra as
agonias]
Escarram volúpia as línguas que me alucinam o caralho?
Escárnio: saber de si nas sombras dos copos que suicidam-se das mesas de bar
No fino da agulha passou uma avarento que comprou deus para trepar com a
virgem. Pagaremos também pela morte do bastardo?
A culpa me chupa na alvoroçada suruba do Nada.
Lá se foram as fábulas que dançavam no meio fio da angústia.
Ninarei meus filhos com a asfixia do travesseiro?
Ecos ocos
O ser contraditório ambíguo incompreensível
A multiplicidade de ser o ser múltiplo: fragmentariamente esquizofrênico
o mistério-de-ser o ser-inominável
a subversão da classificação
a despalavração
o absurdo vivido no limiar do paradoxo
desencontrado lá mesmo onde se imaginava escondido
Infames embustes
Na consciência do despertar da embriaguez o dionisíaco
vê por toda a parte o horrível ou o absurdo
do ser humano: esse o repugna
Nietzsche
É náusea que navega no sarcasmo
ao ver o trânsito mastigando idiotas
cuspindo os restos de ruas poluídas
nas ruínas da cidade moribunda
Abortos hipnotizam vitrines ventríloquos tagarelam mesmices
suntuosos prédios encarceram horizontes
uniformes originais na vereda do óbvio
É nojo que incendeia a face do sátiro que encena a comédia
ensurdecedora gargalhada vergonha desesperada
de quem vê os espectros da vida prostrada diminuída
incisão com a faca de cozinha dada através da barriga de cerveja da última época cultural weimar alemã
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Os jogos eróticos desvendam um mundo inominável
que a linguagem noturna dos amantes revela.
Essa linguagem não se escreve.
Cochicha-se de noite, ao ouvido, com voz rouca.
De madrugada está esquecida
Jean Genet
Ainda os gemidos conspícuos
adestrando precipícios na soleira da aurora
luzes tingem a retina rubra com vertigens
sombras gesticulam orgias nos poros do vento
Ainda a saliva espumosa onde mergulham desejos
leve toque do punhal que trago em meu ventre
troveja violento nos despojos da noite
espólios do horizonte se riem satisfeitos
Condutores de Cadáveres
Letra em brasa rodopia no grito
ébrio urro
vibra qual estrondo
ecoa nos corpos
Cabeleiras incandescentes
giram convulsionadas
Rajadas de cotovelos acariciam bocas apaixonadas
coturnos feitos na medida para a bunda dos Karetas
Distorções arredias desfilam garras felinas
esfacelam a textura do tempo
jorram saturnais dionisíacas em cujas orgias foi concebida a vida subversiva
show de 30 anos do Cólera
Hotel du Pavot, quarto 202
Ó concubina dos delírios vorazes
Vadiemos à deriva nos becos
embebidos de delitos
vamos ninar ao murmúrio de estrondos
e girar na hemoptise etílica
os gritos do sapato encantado
que viveu abraçado ao adivinho do maravilhoso
Uma semana de bondade
O devir da vertigem incauto
no dorso do dragão bailarino
ao som de coriscos que esbravejam: “É preciso gargalhar em dobro para o
mundo virar de pernas para o ar”
Na fuligem da invenção
a noite é um pequeno delito do desejo
Emaranhado de ideais ajoelhado em prantos cortejo fúnebre das ilusões
t r e p i d a o corpo com o sussurro insaciável
era apenas uma alucinação na ponta dos meus olhos?
Felinos labirintos
Rodoviárias e suas calvas mesmices
Milhares de solidões ruminando suas sombras
esclerose de bancos adormecem esperas
Mochileiros anestesiados da última dose pesada de qualquer miragem
Relógios palidecem inconformados
Na maré monótona irrompe ondas furiosas
Arrastam multidões obedientes em fila
ansiosas por repousar suas angústias em enigmáticas poltronas
Versos coçam meu cérebro e evaporam
tomo nota de seus avessos travestidos de inícios
a vagabundagem é meu fastio principal
deambulação incontrolável nos murmúrios do silêncio
estrondos à deriva nas infinitas estradas
Neal tremulando seu sexo a 500 por hora
perseguido por uma ninfomaníaca desesperada com suas calças no joelho
Ray Charles injeta o ritmo que convulsiona nosso corpo
Impassível, Nietzsche sacia aves de rapina no alto da colina
Paradas selvagens nos assaltam a cada curva
o imprevisível pulula sarcástico
Piva cataloga delírios que rastejam velozes na mata
os estilhaços de suas visões me acariciam as coxas
idílico Dylan nas veredas do absurdo
Velejo abismado nas tempestuosas correntezas do Acaso.
Vísceras a esmo
Estetas ruminam falácias
fantasiosas aventuras de gabinete
criativas caminhadas com o rabo preso na poltrona
Arte cerebral que balbucia seus medos ajoelhada no altar da vida
Temos muito mais o que fazer do que escrever poesia, satiriza Piva
A poética encarnada para além das obras de arte
a existência como fenômeno estético
Enquanto idéias matinais descortinam o dia
Apenas contemplo a Aurora
Banho meu corpo vagabundo exponho os vestígios da noite tatuados
Seduzo as palavras a voar envolvo suas asas
e a poesia pousa insinuante em minha pena
Tragos, trapos e anfetaminas
Crua verborragia alicia a cartilha
A nervura do ódio não colore as difusas peripécias do passaredo
Ainda era cedo quando a janela do vizinho se insinuava
Aflorava o ócio do tédio maior?
E todos repetiam as mesmas palavras depois da professora
Todos escreviam as mesmas frases do ditado
E ainda assim os cigarros, xingamentos e brigas
Desaprendíamos perfeitamente mal. Tanto melhor.
Lembro-me de torturar a monotonia em um infantil copo de cachaça
Pulando os muros da normalidade e matando aulas
Na fumaça que desfigura, as jaulas se envergonham na memória da
libertinagem.
Vestígios do salto
E quando vacilava a pupila
as vísceras palpitavam em sobressalto
Movia uma pequena nervura em mina asas
para sentir se ainda estava lá
mas me ausentara
Gotejam seus lábios e vibra em meu corpo suas ondas: “funciona?”, dizia.
Estranha forma do transe
a dança da lua se aloja em meu ombro
estrondo se ouve no mesmo momento em alguma trincheira qualquer do espaço
ainda a fenda em que enviava meus embaraços para ver-me do outro lado
as mesmas babas do labirinto
“Mas, serve?” – balbuciavas, novamente, um tanto irritada.
assimilava o ritmo de sua fala
entrava pelos poros feito gomos
um a um
se infiltrando em minhas entranhas
as múltiplas formas de meus desencontros:
deriva em busca dos odores das ruas
a foto do exato suspiro do vento
o momento íntimo em que me vejo
e não reconheço
as figuras de minhas fugas
reparei como seus olhos adormecem silêncios
enquanto gritava: “quanto mede?”
letras arredias despencavam de um vazio travestido em ruínas
malabarismos da memória
suores das saturnais inflamavam meu sexo
malicias chupavam o solo a cada folião que bailava
cabia todo naquela língua que se insinuava no abismo
me desfiz no orgasmo que dali irrompia
orgias que incendiavam as várias cores de nossas quedas
tom do terror
naquele desejo enfim era eu
desfeito
desfile de meus despojos
no parapeito dos estilhaços que caíam lentamente
daquela violenta porrada no muro
me chacoalhava com desespero dizendo: “se vende.....?”
finalmente estourava aquela úlcera supurada
que solapava meus lábios
sussurrei minha primeira palavra
longa disforme horrenda
corria alucinada para estraçalhar o silêncio
estuprei-me trêmulo
desfaleço?
meus pés não cabiam no chão
irradiavam trôpegos sem nenhuma fronteira dos elementos
podia agora pisar o tempo
decerto aliciei a ilusão
vento-me
deliro-te
E urravas, já muito senhora de si: “É real???”
regurgitei sabe-se lá quantos espelhos
que pendiam imóveis em nossas sombras
desvanecido? será? Rarefeito nas fúteis sobras dos sonhos?
inventei-me assim desiludido de minha última imagem
mesmo quando salto na imensa miragem
ainda eu estava lá..... sempre eu
Asa de âncora infame limite
Eu.............. até ali?
turbulento vórtice do real delito: eu
surrado
negado
eclipsado
ainda ele.
Assassinar-me-ia?
acaricio escombros
escândalos me anunciam
alicio estrondos
espanto alívios
alucino enigmas
escarro anarquia
Parte II – Truculentos espasmos, nossos anfitriões
03 contos e alguns centauros... quis dizer centavos ou centelhas?!?!?!
De sorte que jamais podemos perder de vista o fato e erguer sinuosas
sandices que despontam nos penhascos do inusitado. Contudo, descia
dançante algumas alamedas trôpegas em encostas que beliscavam nossas
bundas a qualquer devaneio... mascando alguns precipícios que se
insinuavam com belas coxas na margem oposta da loucura, ainda que
lindos lábios de um rubro estridente balbuciassem glossolalias em uma
melodia tão terna que tremia o solo a cada som.
Aliás, diga-se de passagem, uma fumaça cintilante e azulada serpenteava
daquele olhar vidrado em algum ponto de meu corpo... o que fazia expelir
um líquido onírico incandescente, deixando um rastro ou sombras em
poças de luxúrias em que nadavam alguns duendes nus de cuja suruba se
formou a noite e suas consternações ou mesmo constelações... e até
constrições.
Sabe-se lá que zumbido ecoava em repetido ritmo que me fazia entrever algo
que jamais havia buscado, mas parecia que não vivia atrás de outra coisa.
Logo me esqueci, em meio a tal chuva de sapos e revoada de pequenas
casas de pedra com suas janelas ventilando com um odor a rosnar tão
delicadamente que nossos pêlos eriçavam nesse prelúdio de edifícios se
abraçando sensualmente à revelia de dois pequenos ternos que controlavam
o tráfego com excepcionais malabarismos usando uma espécie bem comum
de cócoras que erguiam horizontes.
Logo, duas poesias gargalhavam em bruscos gestos e tapinhas nas costas.
O que tinham a ver com as peripécias da verdade, objetiva ou subjetiva, ou
qualquer eloqüente teoria sobre a expressão humana? É antes a veleidade
que sorviam em longos tragos salpicados com velhacarias e algumas vilezas
como tira gosto. Sobretudo saltos exalavam de seus gestos; e quando uma
palavra procurava tomar tento era logo suprimida por inebriantes sussurros
do silêncio. Se olhavam para alhures surgia desajeitado rapsodo possuído
sabe-se lá por qual sátiro barbudo e bêbado. Mas quando voltavam a ver já
era o crepúsculo masturbando a infâmia com voracidade tamanha que até a
orgia se surpreendeu aturdida. Ora... toda essa fluidez da fantasia não
cabia no alfabeto, ele próprio bastante metafórico e imagético para poder
conter todos os seus movimentos. A abstração da letra, ou do número, é
das criações mais inusitadas e abjetas que as tais poesias tateavam, mesmo
quando centopéias paparicam sacrifícios apenas para abraçarem grandes
fatos desacontecidos.
Do rufar de urros e demais badulaques alguns algozes meios-fios se fizeram
deitar por pesados coriscos calibrando aliases e até uns malucos no
entantos fizeram chacoalhar os livres guizos do devaneio. Pois felinas
almofadas rasgavam nossa carne em acalantos maternais e víamos nos
transformar em jorros purpúreos que tingiam a realidade com aquelas
virulentas cores de cólera.
A Montanha Sagrada, Jodorowsky
Gargarejos sonâmbulos
Foi ainda esse poeta búlgaro quem definiu a poesia como a tempestade de
punhais que faz cócegas em névoas de cócoras. Vivia, ao que tudo indica,
sob uma ponte do Sena, em um ano impreciso entre 432 e 2049, segundo a
fonte de Diógenes Laércio. Eram dias circulares, na proximidade do vórtice.
De qualquer forma, esqueceu-se de dizer que jorram lírios das línguas que
esfacelam o óbvio, ao que se pode certamente acrescentar os tais rapsodos
colhendo delitos nos becos embevecidos a que nos referimos.
Seja qual for a sorte desse velhaco poderia-se bem imputá-lo ao menos 43%
das lascívias sombras que vimos bailar nas orlas do crepúsculo, para não
dizer de outras tantas lástimas que aliciam alaridos na revoada de idiotas
pendurados em suas respectivas gravatas. Não há como não fazer uma
precisa relação com o milhão de botinas amontoadas no fatídico dia em que
a polícia invadiu com suas subalternas mesmices o show punk.
Dito isso, conclui-se que, de fato, malgrado as disposições em contrário e,
ainda, considerando as possíveis objeções que se acumulariam com a
revelação da verdadeira identidade de Rrose Sélavy, além dos adendos que
poderão ser acrescentados em plenário, bem como quaisquer ressalvas ou
mesmo ressacas, e até ausências devidamente justificadas por motivos de
força maior (a tal infalível chuva de sapos ou acasos congêneres), incluindo
aqui os velozes dedos do poeta português ou os dilúvios rarefeitos da
feiticeira – em suma, conclui-se que fantoches balbuciam antigos sambas
da época da Tia Ciata e foi mesmo ali que a orgia dos tambores sagrados
teve seu triste fim quando Donga registrou na oficialidade a quizumba
indecifrável que agia no murmúrio de singelos cataclismas. “Pelo Telefone”
não marca o início do samba, mas precisamente seu fim. Quanto ao tema
que discorríamos, antes da pena correr para seus levianos devaneios que
redundam em centenas de espelhos que cintilam outras centelhas de
absurdos (lembram-se sempre que “as palavras fazem o amor”), a definição
mesma definha em destroços de ínfimas gotas do infinito que empoçam no
bocejar dos espantos.
Ipseidade do lapso
Preparava-se então para descrever murmúrios, sobretudo cifrar alguns
silêncios que aliciavam passantes com leves tropeços sedutores, já que
verdades dissolutas sofriam dissimulações ainda quando a invenção e a
invencionice são mesmo comparsas nas ligeiras farsas da fabulação, muito
provavelmente oriunda das mesmas prestidigitações daquele conluio de
letras a falsear fantasias em meio a falcatruas que desfalcavam o idioma
colérico com tratantes que traficavam mentiras sussurradas na soleira da
infâmia por um Welles impostor a estuprar com embustes o sublime
cotidiano grávido de enganos e velhacarias que violam a realidade com o
torpor da fraude de gatunos nas vias mais arredias da noite em que o poeta
- de súbito – assalta a escrita.
Tateando o Tártaro
Dá náusea essa pretensão da peripécia com palavras. Se joga o corpo
bailarino a serpentear insinuante nas ruas; olhos felinos vertem dilúvios ao
cruzarem com outros comparsas da mesma conspiração; se equilibra
gueixas no queixo em malabarismos febris de pernas emaranhadas; se
escarra escândalos na hora da madrugada mais propícia para a segurança
pública, em homenagem à lei do Psiu. No leve toque dos lábios se incendeia
a revoada de revoltas. E ainda querem poemas? A substância estática da
experiência extática? E a virulência dos des-encontros que empestamos
pela cidade? Não é possível que essas solitárias palavras impressas
seduzam mais que o sangue incandescente que vagabundeia nas veias da
cidade. Revoltada, até a tal realidade foge em crises. Há crimes muito mais
salutares do que o poema. O que se congela na obra é uma feia faísca do
incêndio que propagamos nos corpos.
cena final de The Last of England, Jarman
Declaração
A respeito da matéria intitulada “Ruidosos rugidos em ruínas”, de autoria
de Urbano Furtado, que causou forte comoção pública, tendo surgido no
diário oficioso desse município, gostaria de me manifestar veementemente
contra as argumentações de que vestígios indubitáveis do corpo da Poesia,
sobretudo alguns músculos, foram encontrados nas escavações do
mencionado sítio arqueológico de San Francisco Zoo, exatamente na jaula
dos leões. Tal rufar de rosnares já tinha se manifestado em melodia tão
selvagem no conhecido improviso jazzístico de Corso ao prestar uma
grandiosa homenagem aos hipsters estilhaçando os discos favoritos de seu
comparsa Ginsberg. Ora porque não procuraram outros tantos vestígios da
tal Poesia na Naropa?
Basta lembrar das libertárias performances do cínico cão. Não estaria a
Poesia em meio aos farrapos de seu barril?
Algumas imaginações sobressaltadas teriam visto mesmo súbitas aparições
da poesia nos famosos planos seqüenciais do delírio, em Satyricon (Boch
que o diga!) – com seus anjos incandescentes francamente aliciados pelo
ácido. Diga-se de passagem, a reprodução da cena por Greenaway, em seu
Propero’s Book (com referência clara a Jarman, não?), deixou escapar a
poesia em sua forma mais dançante, especialmente em seu personagem
Caliban.
Certamente alguns de seus líquidos mais escorregadios e inflamados podem
ser encontrados nos lençóis de Piva, essa túnica da orgia, em cujas
ejaculações blasfematórias certamente a poesia estapeia a face junto à
alvorada.
Poderia multiplicar os exemplos aos milhões somente para corroborar a
inverossimilhança de se ter encontrado qualquer evidência irrefutável da
Poesia. Permanece ela sempre desencontrada, ali mesmo onde seus traços
assumiram a feições mais vivenciais.
Ricardo Mattos, 09 de janeiro de 1964.
Alaridos alados
A poesia assalta. A sombra e o susto. O toque gatuno no beco labiríntico
que nos despe, tingindo a face rubra com o tom do desespero.
A poesia assombra. O salto e o surto num parapeito movediço, num lapso
qualquer no espaço e tempo.
Movimento. O tremor de tudo o que é sedento. Corpo em transe.
Dissolução de toda fronteira, limite. O tal “eu”, trôpego, disperso no
universo dos tropeços. Corpo elétrico no curto-circuito, escuridão e choque.
Há quem escreva, quem pinte.. que importa? O que exprimiria o êxtase?
Apenas esboços, lampejos, destroços. A experiência mesma passa ao largo e
se ri dos ledos esforços de fixar residência naquelas paradas selvagens.
o corpo em cataclisma de Wellington Duarte durante Dobras
Incestos, incêndios & demais provas de amor
Há o leitor. Alguns o pedem confiança, outros um laço de cumplicidade; há
até quem o trate com intimidade contando fofocas de chás das cinco em
qualquer penhasco de enxofre. Alicio para ser comparsa. Audácia da
formação de quadrilha; vilezas das mais satíricas. Como assaltar o absurdo
num salto de capoeira. Neste conluio incito-o ao asco, desespero e traição.
Aquele que contradiz, contraria e cospe no verso – me apraz. Há de surgir
um Cassady para jogar o poema no chão com a provocação: “pisa-me”.
Hermeto em Montreaux
Fendas
Era de brincar Dada. Dados revoando no estômago até cintilar em
voluptuosos escarros. O incerto momento quando incestuoso movimento
despia nosso cérebro de todos conceitos: banho anti-séptico em que bóiam
nossas faces lúcidas em fotografias supuradas no ácido.
Dada transava com qualquer aposta. seis pernas entrelaçando cócoras com
iscas de sabre: Dada. família reunida na fraterna comunhão do almoço de
domingo: Dada... televisões masturbando espectadores com enigmáticos
eletrochoques: Dada. Se fôssemos acompanhar as saturnais dionisíacas na
condição de discretos estrondos ou esticássemos algumas telas de Matisse
para caber a cabeça de um idiota, Dada lá estava. Dada é o elemento da
farsa que a tudo disfarça.
No obituário da palavra inscrevia obscenidades disformes. Não de certo a
cor das vogais no verbo poético acessível a todos os sentidos: a soleira do
silêncio; Dada dardejava sonoros gritos em poesias simultâneas como sua
ação mais discreta. Nem tampouco a destruição da velha sintaxe nesse
conluio do substantivo com grafismos e ruídos, das palavras em liberdade;
Dada se conjuga na capitulação do idioma, na conjuração do sentido.
Mesmo a nova forma verbal das palavras como tal, inventadas na
intensidade da experiência individual.
Dada dúvida... o vão entre sim e não... isto e aquilo. Ser e não ser
ininterrupto é parte de seu jogo lúdico de se metamorfosear
incessantemente em cores sempre distintas. Aí o cárcere do conceito que
bem significa e comunica se prostra frustrado diante do verbo em estado de
desejo. É o que se quer. Dada é divertido.
Não compreendem Dada por falta de afeição; em sua intimidade, Dada é
logo desconhecido.
Estava lá no Cabaret Voltaire na noite em que Dada seduziu Marinetti com
deliciosas coxas insinuantes. Se houvesse apenas uma boa trepada não
ficariam trocando injúrias típicas de um tesão recíproco incontrolável – e
sempre negado.
Decerto Dada bateu a carteira de Khliébnikov em uma de suas ágeis
trapaças.
Mas Dada assalta a palavra de toda sua funcionalidade. Dada nada
significa. Dada nada comunica. Dada nada elucida. Anti-palavra, anti-arte.
Não viste o vocábulo exposto junto ao urinol? Dada nada.
Em nosso último encontro, Dada fornicou umas quatro aves naquele
enorme bocejo da alvorada. Uma pôs-se logo poema; outra voou fora das
asas; houve a que começou a mordiscar a bunda de qualquer idiota que
passasse. A última gritava em surto: Dada não tem princípios, apenas
principia.
Parte III – Acaso Subversivo
Acaso Suversivo
Durante anos engoli a seco as regras, preceitos e modelos
Vertigens recalcadas no sóbrio caldeirão da Razão
Masturbação puritana e culpas refletidas nos azulejos
O enrubescer imberbe a qualquer falha nas boas maneiras
Na soleira do destino, inscrevia as linhas dos caminhos corretos
Incerto, num dia qualquer o nó da gravata trouxe asfixia
Minhas vísceras fervilhavam irrupções de um infinito encolerizado
Olhos vibrados no Acaso, suores exalando o Subversivo
Num cataclismo explosivo, vomitei delírios aos milhões
Velozes traços coloridos em uma miríade estonteante
Dizem-me algo sobre a loucura, mas ouço apenas barbitúricos arredios
Fui tomado por palavras alucinadas que me chupam o pescoço
Gozo com o odor súbito do coito de letras libertinas
Senti uma São Paulo de Piva na orgia das calçadas
A Vida Dada, vadia, à toa & Poesia
* miríade de cores: lê-se Brakhage
Acaso nº 4049
Num daqueles becos em que ruminam atrocidades
senti o Azul de Labisse escorrer dos meus lábios
incontáveis seios se esfregando em meu corpo
o gozo torpe genitais incandescestes
nem vi quando o Inusitado bateu minha carteira
virtuose aliciador de Destinos
Acaso nº 692 a.p.
Nas tortuosas trilhas do urbano
pés descalços demoliam avenidas
multidões de meio-fios revoavam a esmo
e desciam em vôos rasantes para fornicar nossas fantasias
distraído vi meu futuro serpentear para um bueiro
esvair-se todo nos vãos de minhas mãos
ao fundo o Inesperado gargalhava irônico
acompanhado de descabelados com gestos de bailarinos.
Acaso nº 1045
Pânico na segunda-feira!
Cartões de ponto assassinam funcionários
com alfinetadas de ponteiros em suas virtudes mais temidas
no mesmo horário na China
incongestão econômica fez operários vomitarem suas
fábricas ao soar a sirene da surpresa.
Acaso nº 2079 d.n.
Depois que a rebelião romântica tornou banal os ponteiros ventilando e
surrealidades verteram relógios derretendo
despertadores desesperados continuam acordando idiotas
nas previsíveis paragens dos horários cumpridos.
Ricardo Mattos deambula em clarinetes entorpecidos,
vomitando palavras sem sentido, sopradas em seu ouvido pelo
Desatino travestido em alhures. já menstruou raízes de peiote e
provocou aborto de 4 destinos abandonados no meio-fio.
Interessa-se por suicídios malogrados e Orgias de acasos
subversivos. Desencontra-se quase sempre, além de masturbar
o equilíbrio de angústias no parapeito do Gozo. Admira-se por
ser lido nas lúgubres alamedas do Abismo.