Post on 27-Dec-2015
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
ESCOLA DE MÚSICA
CLARA FERNANDES ALBUQUERQUE
A FORMAÇÃO DO CRAVISTA NO BRASIL: UM
ESTUDO SOBRE HISTÓRIA, TÉCNICAS E
HABILIDADES
RIO DE JANEIRO
2008
CLARA FERNANDES ALBUQUERQUE
A FORMAÇÃO DO CRAVISTA NO BRASIL: UM ESTUDO SOBRE
HISTÓRIA, TÉCNICAS E HABILIDADES
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Música da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Música. Área de Concentração: Musicologia: História e Documentação da Música Brasileira e Hispano-Americana. Orientador: Prof. Doutor Marcelo Fagerlande
Rio de Janeiro
2008
iii
287 Albuquerque, Clara Fernandes.
A formação do cravista no Brasil: um estudo sobre história, técnicas e habilidades / Clara
Fernandes Albuquerque. Rio de Janeiro -- 2008.
xii, 231p.
Orientador: Professor Doutor Marcelo Fagerlande.
Dissertação (Mestrado em Música) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro de Letras e
Artes, Escola de Música. Mestrado em Música
Bibliografia: p.232 – 246
Anexos: p.247 – 300
1. Cravo. 2. História. 3. Formação. 4. Habilidades. 5. Técnica. 6. Conhecimento. 7. Brasil.
I. Fagerlande, Marcelo (Orient.) II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-
Graduação em Música. III. A formação do cravista no Brasil: um estudo sobre história, técnicas
e habilidades.
Autorizo a cópia da minha dissertação "A formação do cravista no Brasil: um estudo sobre
história, técnicas e habilidades", para fins didáticos.
v
Para Rodrigo, meu amor, alegria e sentido.
vi
Agradecimentos
A Deus, por todos os meus dias, por tantas vitórias. Por guiar o meu caminho, e me dar coragem,
ânimo e força para seguir adiante.
Ao meu orientador, Marcelo Fagerlande, pelas orientações, inspirações, e por todo o auxílio,
colaboração, seriedade, paciência, estímulo, cuidado e amizade. Obrigada por acreditar em mim,
não apenas neste trabalho, mas desde o primeiro dia em que nos conhecemos.
Aos músicos Álvaro Cabrera Barriola, Ailen Crisóstomo, Alessandro Santoro, Ana Cecília
Tavares, Antonio Carlos de Magalhães, Cláudio Ribeiro, Daniel Ivo, Ediná Pinheiro Strehler,
Edmundo Hora, Eduardo Antonello, Elisa Freixo, Estela Caldi, Guilherme de Morais,
Guilhermina de Carvalho, Helder Parente Pessoa, Helena Jank, Ingrid Seraphim, José Alberto
Salgado e Silva, Josinéia Godinho, Lucia Carpena, Luciana Câmara, Marcos Holler, Maria Aída
Barroso, Maria da Conceição Perrone, Maria Eugênia Sacco, Maria José Carrasqueira, Maria de
Lourdes Cutolo, Marina Stevaux, Mayra Pereira, Michele Lopes, Mônica Duarte, Paulo
Herculano, Patricia Gatti, Paulo Bottas, Pedro Persone, Regina Schlochauer, Ricardo Barros,
Roberto Rossbach, Rosana Lanzelotte, Rose Ana Carvalho, Samuel Kerr, Stella Almeida,
Terezinha Saghaard, Tiche Puntoni pela essencial colaboração, pelas valiosas informações e
documentos, pela gentileza, prontidão e vontade de acrescentar. Sem eles não só este estudo, mas
o cravo no Brasil não seria possível.
vii
A Roberto de Regina, grande mestre, pelo exemplo de vida, amor e envolvimento com a música e
toda a sua expressão. Por tudo o que representa para a história do cravo, no Brasil e em nossas
vidas.
Ao grande amigo Alexandre, e a minha tia Lucilena e prima Alessandra, por todo carinho e ajuda
na tradução e transcrição de documentos essenciais à minha pesquisa.
Aos colegas do Colégio Pedro II, Unidade Humaitá I, pela compreensão e auxílio, em especial a
Angélica Cardoso, Geraldo Leão e Maria Beatriz. Aos meus alunos, pela paciência e
encorajamento.
A Camila, João, Larissa, Lígia, Maria Cláudia e Neiva, amigos especiais que me fazem sentir
muito querida.
A meu pai Ricardo, avó Anália, e irmãs Juliana e Cecília, pelo amor, cuidado, e torcida, sempre.
A Beth, Vanilton e Deorides, pela abençoada e calorosa convivência de cada dia, por serem
minha segunda família.
A Rodrigo Affonso, meu parceiro e companheiro, minha luz e alegria. Por todo amor, carinho e
cumplicidade, em todos os momentos, e em qualquer distância.
viii
Resumo
O presente trabalho tem por objetivo categorizar e descrever as “técnicas”, ou habilidades e
conhecimentos envolvidos na formação do cravista brasileiro. Para isso, o conteúdo de uma
seleção de tratados europeus do século XVI ao XVIII e livros atuais sobre execução deste
instrumento foi analisado e comparado com o relato de trinta cravistas brasileiros. Realizamos
ainda uma contextualização da presença e ensino do cravo no Brasil a partir do século XX. Para o
tratamento dos dados, adotamos como referencial teórico a classificação de habilidades proposta
por Uszler, Gordon e Mach, e o estudo sobre técnica de José Alberto Salgado e Silva. A Técnica
“stricto sensu” compreende as habilidades motoras, e as Técnicas “lato sensu”, as habilidades
ligadas ao estilo e ao repertório, funcionais, de leitura e auxiliares. Nosso estudo comprovou que
há diversas especificidades nas habilidades adquiridas pelos cravistas em sua formação,
sobretudo em comparação à de outros instrumentistas de teclado, como os pianistas. Encontramos
grande semelhança entre a descrição das habilidades pelos cravistas brasileiros e as obras escritas
estudadas. Isto mostra que práticas e ensinamentos de pelo menos dois séculos atrás auxiliam este
músico a tornar-se mais competente e apto à sua atuação, frente às exigências do meio musical e
do mercado de trabalho na atualidade.
Palavras-chave: Cravo. História. Formação. Habilidades. Técnica. Conhecimento. Brasil.
ix
Abstract
The main purpose of this work is to categorize and describe the technique, knowledge and skills
related to the Brazilian harpsichordist educational process. To achieve this goal, the content of
several selected treatises from 16th
to 18th
century and actual books about playing this instrument
were analyzed and compared with the report of thirty Brazilian harpsichordists. A
contextualization of the harpsichord presence and teaching in Brazil since 20th
century has been
made. For the data compiling, the theoretic paradigm used was the skill classification proposed
by Uszler, Gordor and Mach, and the technical study by José Alberto Salgado e Silva. Technique,
“stricto sensu” speaking, is all about motor skills and “lato sensu” speaking, all about style and
repertoire, functional, reading and auxiliary skills. This work has attested that there are many
specific skills concerned to the harpsichordist educational process, specially compared to other
keyboard performers, like pianists. There is a great similarity between the skill descriptions
realized by the harpsichordists and the one found in written sources. This proves that the
practices and education of at least two centuries ago had helped this musician to be more
competent and apt for performance, facing the musical working market demands of today.
Keywords: Harpsichord. History. Education Process. Skills. Technique. Knowledge. Brazil.
x
Lista de Figuras
Figura 1 – Alunos do curso ministrado por Stanislav Heller em 17 de julho de 1961, nos
Seminários de Música Pro Arte, São Paulo. Página 154.
Figura 2 – Alunos do curso ministrado por Stanislav Heller em 17 de julho de 1961, nos
Seminários de Música Pro Arte, São Paulo. Página 155.
Figura 3 – Programa do recital final de cravo no curso ministrado por Stanislav Heller em 17 de
julho de 1961, nos Seminários de Música Pro Arte, São Paulo. Página 155.
Figura 4 – Audição de cravo no Departamento de Música do Instituto de Artes da Unicamp.
Campinas, São Paulo. Janeiro de 1976. Página 170.
Figura 5 – Programa do Concerto de Encerramento do Curso-Festival de Interpretação Cravística,
realizado em 24 de novembro de 1975 no MASP, São Paulo. Página 172.
.
Figura 6 – Concerto para 4 cravos. Sala Cecília Meireles, Rio de Janeiro, 1987. Página 186.
Figura 7 – Masterclass de cravo e baixo contínuo ministrado pelo prof. Marcelo Fagerlande em
novembro de 1997, no Instituto de Artes da UFRGS, Rio Grande do Sul. Página 191.
Figura 8 – IV Semana do Cravo – alunos e professores participantes. Outubro de 2007, Escola de
Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Página 195.
xi
Sumário
Introdução ...................................................................................................................
13
Parte 1 – A formação do cravista: categorização e descrição das habilidades nos registros escritos ...................................................................................................
31
Capitulo 1 – A técnica “stricto sensu”: habilidades motoras ................................
41
1.1 – Posição do corpo ...................................................................................... 42
1.2 – Posição da mão e dedos ........................................................................... 45
1.3 – Acionamento das teclas pelos dedos ........................................................ 48
1.4 – Articulação ............................................................................................... 56
1.5 – Acordes: articulação, style brisé, e arpejamento ...................................... 65
Capitulo 2 – A técnica “lato sensu”: habilidades relacionadas aos estilos e ao repertório .....................................................................................................................
70
2.1 – Gêneros na música de cravo .................................................................... 72
2.2 – Registração .............................................................................................. 81
2.3 – Dedilhado ................................................................................................. 87
2.4 – Ornamentos .............................................................................................. 96
2.5 – Questões rítmicas ..................................................................................... 106
Capitulo 3 – A técnica “lato sensu”: habilidades funcionais, de leitura, e auxiliares ......................................................................................................................
115
3.1 – Habilidades funcionais ............................................................................. 116
3.2 – Habilidades de leitura .............................................................................. 127
3.3 – Habilidades auxiliares .............................................................................. 129
Parte 2 – A formação do cravista no Brasil ..............................................................
136
Capitulo 4 – Uma prática em consolidação .............................................................. 137
4.1 – Introdução ................................................................................................
138
4.2 – Décadas de 40 a 60: pioneiros ................................................................. 145
xii
4.2.1 – Rio de Janeiro ............................................................................... 146
4.2.2 – São Paulo ...................................................................................... 153
4.2.3 – Bahia ............................................................................................. 159
4.3 – Década de 70: disseminação – construtores, conjuntos e festivais .......
161
4.3.1 – Rio de Janeiro .............................................................................. 162
4.3.2 – São Paulo ..................................................................................... 167
4.3.3 – Brasília ......................................................................................... 176
4.3.4 – Paraná .......................................................................................... 177
4.4 – Década de 80: formação no exterior .....................................................
179
4.5 – Década de 90 aos dias atuais: consolidação e formalização do ensino .. 193
Capitulo 5 – As habilidades segundo alunos, professores e intérpretes brasileiros .......................................................................................................................
199
5.1 – Introdução ................................................................................................. 200
5.2 – Habilidades motoras ................................................................................. 206
5.3 – Habilidades relacionadas aos estilos e ao repertório ................................ 209
5.4 – Habilidades de leitura, funcionais e auxiliares ......................................... 212
5.5 – Relação cravo x teclados .......................................................................... 218
Considerações Finais .....................................................................................................
221
Referências Bibliográficas ............................................................................................
232
Introdução ............................................................................................................ 233
Parte 1 .................................................................................................................. 235
Parte 2 .................................................................................................................. 237
Outras Fontes ....................................................................................................... 241
Anexos .............................................................................................................................
247
Anexo 1 ................................................................................................................ 248
Anexo 2 ................................................................................................................ 259
Anexo 3 ................................................................................................................ 268
Anexo 4 ................................................................................................................ 284
INTRODUÇÃO
14
O cravo é um instrumento de teclado com cordas pinçadas que surgiu na Europa,
provavelmente na Itália1, e foi utilizado com grande freqüência até o início do século XIX. Sua
presença pôde ser evidenciada também no Brasil, a partir do momento em que foi trazido pelos
padres jesuítas, no século XVI (FAGERLANDE, 1996; HOLLER, 2006). O pinçamento de suas
cordas é realizado através de saltarelos, finas tiras de madeira que se movem verticalmente
quando acionadas pelo executante por meio das teclas. Pequenas palhetas feitas de pena de aves,
ou de plástico, chamadas plectros, situadas em lingüetas localizadas nos saltarelos, pinçam a
corda quando estes sobem. Os saltarelos são organizados e alinhados por registros (SCHOTT,
1979). Muito se escreveu para o cravo, e seu papel era notável tanto como instrumento solista,
quanto nos grupos de câmera e orquestras, onde era utilizado para a realização do contínuo, isto
é, do acompanhamento harmônico (SADIE, 1994). De acordo com Schott, o repertório musical
composto para o instrumento é vasto, e desde o aparecimento das primeiras peças até 1750, ano
de morte de J. S. Bach, foram mais de quatro séculos de enorme produtividade (SCHOTT, 1979).
Mesmo com tanta importância, o cravo foi gradualmente perdendo sua hegemonia para o novo
instrumento criado em meados do século XVIII: o fortepiano. Com suas possibilidades dinâmicas
e sua potência sonora, adequada às grandes salas de concerto, o piano logo foi se popularizando.
Assim, formou-se um lapso de mais de 150 anos até que o repertório começasse novamente a se
expandir no século XX (SCHOTT, 1979). A prática em torno do cravo, mesmo experimentada de
forma intermitente devido aos esforços de alguns grupos e intérpretes ao longo do século XIX,
foi ofuscada pela imponência do novo instrumento e das realizações estilísticas do Romantismo.
Nos dias de hoje, sua presença foi restabelecida. O cravo, além de ser facilmente ouvido
em salas de concerto em todo o mundo, vem sendo ensinado e tocado em universidades,
1 A referência mais antiga que se conhece a um cravo é de 1397, em Pádua (‘clavicembalum’); um retábulo de 1425, em Minden é a primeira representação conhecida (SADIE, 1994).
15
conservatórios e outras instituições de ensino profissionalizante. Na verdade, isto tem acontecido
desde fins do século XIX, na Europa, e apenas recentemente no Brasil, fazendo parte do resgate
da prática de instrumentos históricos ligado ao movimento da chamada “Música Antiga”. Esta
expressão, de acordo com Stanley Sadie (1994), vem sendo utilizada predominantemente a partir
dos anos 1960, para se referir à música de uma época antiga, como a Idade Média, Renascimento
e Barroco. Mas passou a representar, sobretudo, uma atitude particular em relação a sua
execução, relacionando-se a conceitos como interpretação “autêntica” ou “historicamente
informada”. Vem abrangendo inclusive a execução da música de tempos mais recentes, com a
“utilização de instrumentos de época, bem como de técnicas e concepções, também de época,
sobre questões como notação, ritmo, andamento e articulação” (SADIE, 1994, p.632).
Como nos diz Lúcia Helena Vianna, na apresentação do livro de Kristina Augustin, “Um
olhar sobre a Música Antiga”, “Na Europa o resgate da Música Antiga se encontra incluído na
tradição musical das culturas de seus povos, [...] e há muito se tornou objeto de estudos em
universidades”. No Brasil, a Música Antiga, e particularmente a prática ao cravo novamente
começaram a despertar o interesse dos músicos a partir do século XX. Com o passar do tempo,
um grupo de praticantes do instrumento e seu repertório, com suas características,
especificidades, e estilos próprios vem se restabelecendo. Há alguns anos, o cravo passou a ser
ensinado institucionalmente em escolas técnico profissionalizantes e universidades, e uma
formação profissional pôde então ser viabilizada.
Acreditamos que o grupo de interessados na execução ao cravo compartilhe idéias sobre
música provavelmente particulares e veja sua prática como um meio de criar relações com o
mundo e com as pessoas, que possivelmente outros gêneros, estilos ou períodos musicais não
16
contemplam. O educador musical neozelandês Christopher Small2, diz que os membros de
distintos grupos sociais procuram estabelecer com o mundo relações através da música que
considerem ideais. Small considera a produção musical como uma ação, e utiliza a palavra
“musicar” com o significado de “tomar parte numa atuação musical”. Para ele, fazem parte do
“musicar” os atos de cantar, tocar, escutar, compor, preparar-se para atuar, praticar e ensaiar,
dançar, etc (SMALL, 1995, 1998). Desta forma, para criar suas relações, cada grupo social
“musica” de maneiras diferentes. Isto ocorre porque tais grupos possuem representações de
música diferenciadas. A “celebração de relações com o mundo como imaginamos que são”
através da música ilustra a idéia de que ela varia de acordo com a nossa visão de mundo, de
realidade, o nosso quadro referencial. Nosso grupo de representações não apenas regem o que
consideramos como prática musical, mas também a forma como nos relacionamos socialmente.
Maura Penna, pesquisadora brasileira na área de Educação Musical, também traz noções de
música socialmente contextualizada e culturalmente construída: “Se a arte, enquanto um
fenômeno humano e cultural, é universal, pois presente em todos os tempos e em todos os grupos
sociais, ela se realiza diferentemente, conforme o momento da história de cada grupo, de cada
povo” (PENNA, 1995c, p. 18).
Cada época na história da música nos mostra diferentes valorizações do que seria uma
música legítima, de qualidade. O próprio declínio do cravo no século XVIII pode ser explicado
por uma mudança no “musicar”, ou nas representações sociais de música, tendo tais mudanças de
valores e do conceito de boa música provocado alterações no ambiente sonoro de forma geral.
2 Christopher Small deu aulas na Universidade de Londres, foi palestrante no Ealing College of Higher Education in London até 1986. É o autor de importantes obras como “Music, Society, Education” (Wesleyan, 1996), “Music of the Common Tongue” (1987; Wesleyan, 1998), e “Musicking: the Meanings of Performing and Listening” (1998).
17
As diferentes representações sociais da música estão ligadas a variadas ideologias, e
acabam por gerar diferentes estilos musicais. Mônica Duarte define ideologia como “o conjunto
de símbolos, crenças, representações que, como idéias admitidas, asseguram a identidade de um
grupo”, e estilo como “um esquema de ação, um modo de fazer. [...] Os esquemas de estilo são a
forma pela qual alguém se expressa” (DUARTE, 2004). José Alberto Salgado e Silva fala de
diferentes estilos e a relação com o conhecimento presente, ideologia e técnica:
O conhecimento musical, incluindo a internalização de disposições de execução num determinado estilo, é construído socialmente e depende de registros e referências anteriores ao músico que atua hoje, como numa espécie de diálogo com eles – os “predecessores” que orientam a ação social no presente (Schutz, 1972; Berger e Luckman, 1966). [...] Na iniciativa de aprender um estilo musical, com referência em ícones de nacionalidade ou autenticidade, convivem, portanto, duas intenções: a primeira pode ser dita ideológica, atribuindo alto valor aos símbolos de uma tradição nacional ou “antiga”, e procurando identificar-se, interessadamente, com seus porta-vozes/mantenedores; a outra intenção seria mais especificamente técnica e tem a ver com a assimilação de saberes que constituem a realidade de certo estilo musical, do ponto de vista de seus praticantes (SALGADO E SILVA, 2005, p.86).
O autor também relaciona o estilo com a prática social e a formação de identidades:
Cultivar certa música normalmente leva a uma modelagem de identidade: o sujeito passa a se imaginar e a se apresentar socialmente como alguém que tem laços visíveis com tal tipo de música. Como prática social, esta já carrega um aparato cultural próprio, uma estética que indicará a seus praticantes e apreciadores, muitas vezes, um vestuário, um comportamento e certos hábitos (SALGADO E SILVA, 2005, p.84).
Laura Rónai (1993) acrescenta que o estilo é datado e definido de acordo com as características e
as limitações dos instrumentos que eram utilizados em cada período histórico.
Finalmente, Salgado e Silva (2005, p.21) defende que as formas de participação na prática
musical são construídas por agentes e seus “compromissos de carreira”. Segundo ele, o
compromisso com uma carreira é um processo de identificação com um instrumento, com um
gênero musical, e a escolha, dentre os mais variados caminhos, do aperfeiçoamento de
18
habilidades específicas deste instrumento, estilos e “escolas” de técnica e estética a ele
relacionadas.
Diante destas idéias, acreditamos que os cravistas “musicam”, isto é, tocam, escutam,
praticam e ensaiam de forma diferente de outros instrumentistas, tanto porque o que fazem está
determinado estilisticamente, quanto porque guardam entre si características socialmente
compartilhadas. Eles têm representações, crenças e idéias que asseguram sua identidade e os
identificam como um grupo, isto é uma ideologia, praticam sua música a partir de determinados
modos de fazer, segundo uma tradição, ou seja, segundo estilos, por meio de um instrumento que
tem características e limitações que definem as possibilidades composicionais e interpretativas
em torno dele. Ao escolher o cravo, eles fazem um compromisso de carreira, e durante sua
formação, aperfeiçoam habilidades relacionadas às limitações e características deste instrumento,
aos estilos e às escolas de técnica e estética.
A proposta de nosso trabalho é identificar, categorizar e descrever as habilidades que o
cravista brasileiro aperfeiçoa, segundo estilos, e a partir de ideologias transmitidas através dos
tempos, e compartilhadas por eles atualmente. Nosso objetivo central é, portanto, investigar e
documentar os aspectos relacionados à execução, que compõem a formação em cravo no Brasil,
categorizando-os em diferentes habilidades, técnicas e conhecimentos. Levando em consideração
que esta formação só tornou-se possível recentemente no país, temos interesse em compreender
de que maneira eles estão “musicando” hoje. Queremos investigar quais são as especificidades
em relação à aquisição de conteúdos necessários a sua prática e o que os diferencia dos demais
instrumentistas.
Antes de identificarmos e descrevermos o conjunto de habilidades, conhecimentos e
técnicas que estão presentes na formação do cravista, sentimos a necessidade de definir cada um
destes conceitos e determinar a pertinência de seu estudo. O primeiro deles seria o de habilidade.
19
Ele tem ligação com o termo competência, e ambos vêm sendo amplamente discutidos
atualmente no meio acadêmico. Competência é a capacidade do indivíduo de mobilizar recursos e
conhecimentos para enfrentar e resolver de forma adequada situações-problema. As competências
ajudam na elaboração de respostas inéditas, criativas e eficazes a problemas novos. Muitos
estudiosos têm procurado problematizar e definir o conceito de competência. Atualmente, um dos
mais importantes teóricos no assunto, o sociólogo suíço Philippe Perrenoud (1944), define
competência em educação como “a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos -
como saberes, habilidades e informações - para solucionar com pertinência e eficácia uma série
de situações. Estão ligadas a contextos culturais, profissionais e condições sociais”
(PERRENOUD apud BORDONI, 2005). Já as habilidades estão ligadas ao saber-fazer, são ações
que refletem domínio de conhecimento.
Cecília Cavalieri França observa que a performance instrumental normalmente exige o
recrutamento de uma série de habilidades, devido ao grande esforço de Acomodação: “ao tocar
uma peça composta por uma outra pessoa em outro tempo e lugar, o indivíduo tem que se ajustar
a uma série de elementos, o domínio de elementos técnicos tornando-se, freqüentemente, um
desafio, desde a leitura (se for o caso) até uma caracterização estilística específica” (FRANÇA,
2000, p.58). Scheilla Glaser e Marisa Fonterrada reforçam nossa crença de que muitas das
habilidades e conhecimentos do instrumentista profissional são adquiridas em seu curso de
formação: “O instrumentista musical precisa ter uma formação sólida em conhecimento de
repertório e técnica de execução, o que é oferecido pelos cursos de Bacharelado e por isso ele é o
profissional mais adequado para transmitir essas informações às gerações futuras” (GLASER &
FONTERRADA, 2007).
Além da definição de habilidades, é fundamental para nosso trabalho compreender o que
significa o termo técnica. De acordo com Salgado e Silva (2005), não há um verbete sobre este
20
termo em alguns dos dicionários de música mais importantes, como o “Grove Dictionary of
Music and Musicians” e o “Harvard Dictionary of Music”. Para Lucy Green (2001), técnica são
as habilidades psico-motoras envolvidas em tocar (apud SALGADO e SILVA, 2005, p.42).
Marcelo Almeida Sampaio nos diz que quando os pedagogos falam de técnica, referem-se
essencialmente à coordenação de movimentos. Pode-se entender técnica também no sentido de
“como executar” (SAMPAIO, 2001, p.41 e p.51). Segundo Uszler et al. (1991, p.55, tradução
nossa), “Embora técnica seja muito mais do que controle de movimentos, a palavra é comumente
usada à categoria geral de habilidades motoras”. Uszler também lembra que “Técnica, mais do
que tudo, é um meio para um fim, e não um fim em si. É adquirida com o propósito de fazer
música. Técnica não é só uma questão de velocidade e força. Ela demanda recursos da pessoa
inteira – a imaginação e o eu interior, aliados à postura e aos movimentos do corpo” (USZLER et
al., 1991, p.214, tradução nossa).
Para Salgado e Silva, a técnica é um domínio especializado da prática musical, constituído
por habilidades como "aprender a manipular o instrumento", conhecer sua "geografia" e "treinar
os dedos" (COOKE, 1986, apud SALGADO e SILVA, 2005, p.24). Ele afirma que “Professores,
instituições e publicações mediam ensinamentos e orientações sobre o domínio da técnica, e essa
mediação é capaz de moldar, pelo menos em parte, as noções e experiências de música e a
própria organização de oportunidades e restrições no campo profissional” (SALGADO e SILVA,
2005, p.24).
Ele acredita que o preparo técnico esteja mais concentrado, embora não exclusivamente,
nos estágios iniciais da formação, e esteja fortemente vinculado a aspectos físicos do
relacionamento estudante-instrumento como a resistência física, coordenação de movimentos
pela intenção musical, treinamento de padrões motores, qualidade sensorial-muscular que a
21
prática de uma música proporciona, atenção à coordenação motora (SALGADO e SILVA, 2005,
p.28 e p.31).
Além disso, Salgado e Silva lembra de uma definição bem restrita, chamada por ele de
“tradicional”, usada no modelo do conservatório, representada pelo desenvolvimento de
habilidades a partir de um treinamento pela repetição de certos padrões, não vinculado a uma
contextualização em peças musicais (SALGADO e SILVA, 2005). Ele também oferece um
significado mais amplo do termo, relacionado à organização social e estética da técnica, sua
relevância e validade em caráter contextual e situacional; e técnicas auxiliares, utilizadas como
meios de apoio ao trabalho do músico.
A técnica e conhecimento teórico-musical também não são facilmente separáveis. Estes
conhecimentos oferecem análises, explicações e algumas regras para se fazer música, e
determinam contextos. Eles podem ser vistos grosso modo como conhecimentos analíticos e
normativos, que colaboram para uma sistematização e codificação de técnicas, visando à sua
transmissão. Nos cursos de graduação, eles se interceptam a disciplinas históricas e pedagógicas
(SALGADO e SILVA, 2005).
Finalmente, a respeito da técnica, podemos dizer que, no processo de profissionalização,
ela vai pouco a pouco se estilizando e particularizando, passando a compor o próprio indivíduo,
"a própria identidade pessoal e social" (INGOLD, 1995 apud SALGADO E SILVA, 2005, p.51).
Ao lado disso, Salgado e Silva argumenta ainda que “não existe uma técnica musical, mas sim
múltiplas organizações dos saberes úteis à prática dos músicos”, mesmo em um meio cultural
aparentemente coeso como o curso universitário de Música (SALGADO e SILVA, 2005, p.27).
Diante da situação apresentada e dos critérios discutidos, é claro para nós que para se
tornar um cravista profissional é necessária a aquisição de competências e habilidades técnicas,
em sentido amplo e restrito, além de conhecimentos teórico-musicais, sendo portanto pertinente o
22
nosso estudo. Devido à existência de “múltiplas técnicas” no ambiente de formação musical, e da
técnica ter validade contextual, é bastante instigante identificar quais seriam os conhecimentos e
habilidades particulares à formação do grupo social e identitário dos cravistas no Brasil.
Lembramos que, por ser uma prática que necessita de grande acomodação, pois os estilos
relacionados a ela datam de séculos anteriores, imaginamos que as habilidades ligadas a estes
estilos sejam tão específicas quanto as motoras, ligadas às características físicas do instrumento.
Para compreendermos de que habilidades devemos dispor, quando tratamos do
aprendizado do cravo, elaboramos uma classificação a partir do somatório de dois referenciais. O
primeiro é a categorização proposta por Uszler, Gordon e Mach, autores do livro sobre pedagogia
do piano “The Well Tempered Keyboard” (1991). Esta obra é adotada como livro-texto em
disciplinas de pedagogia do piano em muitas universidades americanas. Os autores falam de
habilidades técnicas, ou motoras; mencionam habilidades de leitura, que envolvem o domínio dos
elementos de um código definido; e habilidades funcionais, ligadas ao envolvimento da
criatividade, como a transposição e improvisação. As habilidades motoras relacionam-se ao
aprendizado do controle e condução dos movimentos e, como visto anteriormente, geralmente
são referidas como “técnica” propriamente dita (USZLER, 1991, p.52 e 53). Já as habilidades
intelectuais ou de leitura devem ser consideradas independentes das habilidades motoras.
Segundo Uszler et al. (1991), o processo de se tornar um bom executante é diferente de ser um
bom leitor. Ler é um aprendizado conceitual, mesmo que a leitura de música no teclado resulte
em uma atividade motora.
O segundo referencial é a tese de Doutorado de José Alberto Salgado e Silva, cujo título é
“Construindo a profissão musical – uma etnografia entre estudantes universitários de Música”
(2005). Além das habilidades mencionadas por Uszler et al., ele traz também a necessidade de
compreender habilidades técnicas num sentido mais amplo, isto é, de forma contextualizada,
23
adquirindo sentido quando relacionadas a um estilo ou gênero musical determinado. Dentro deste
sentido amplo de técnica, Salgado e Silva vai abordar ainda habilidades auxiliares ou
complementares, que podem tomar parte na formação do músico, compondo sua capacidade de
atuar, mas não estão envolvidas necessariamente na relação corpo-instrumento.
Para a nossa pesquisa, partimos da investigação de registros escritos que pudessem
representar a execução em cravo no passado e no presente. Procuramos identificar nestes
registros, a partir da classificação de Uszler, Gordon e Mach, e Salgado e Silva, os elementos
relacionados às habilidades técnicas, em seu sentido restrito ou “stricto sensu”, e amplo, “lato
sensu”. Sabemos de antemão que a separação entre estes elementos é puramente didática, já que
eles são interdependentes.
Selecionamos alguns tratados e autores dos séculos XVI ao XVIII, onde pudéssemos
encontrar a descrição das habilidades necessárias à execução num período em que o instrumento
foi amplamente utilizado na música européia. Foram consultados também alguns guias escritos a
partir do século XX sobre o mesmo objeto, para uma referência a esta prática nos dias atuais. O
material bibliográfico selecionado para a análise foi composto pelas obras3: “Libro llamado Arte
de Tañer Fantasia” (1563), de Thomas de Sancta Maria (? – 1570); “L’Art de Toucher le
Clavecin” (1716, 1717), de François Couperin (1668 – 1773); “De la mecanique de doits sur le
clavier” (1724), de J.-Ph. Rameau (1683-1764); “Versuch über die wahre Art das Clavier zu
spielen” (1753-62), de Carl Philipp Emanuel Bach (1714-1788); e pelos livros: “Playing the
Harpsichord”, de Howard Schott (1923-2005), de 1971, “A guide to the Harpsichord”, de Ann
Bond, publicado em 1997, e “Playing the Harpsichord Expressively: A Practical and Historical
Guide”, de Mark Kroll, publicado em 2004.
3 Foram consultadas edições em facsimile dos tratados de Sancta Maria, Couperin e Rameau, com datas de edição respectivamente em 1972, 1996 e 1979; e uma edição traduzida para o português do tratado de C. P. E. Bach, publicada pela UNESP em 1996.
24
Salgado e Silva comenta a relação entre a técnica e as fontes que analisamos neste
trabalho: os tratados de época, manuais ou guias práticos atuais e a transmissão oral via relação
professor-aluno. Ele diz:
Em contextos urbanos de formação de músicos, a técnica musical – para cada instrumento e para especialidades do fazer musical – tem sido a própria razão de ser dos manuais práticos ou "métodos", desde publicações pioneiras, nos séculos XVII e XVIII. Mais recentemente, ocupa também páginas das revistas dirigidas a um público de instrumentistas (p. ex. Guitar Player, Keyboard, Modern Drummer) e, sendo ponto focal na relação professor-aluno, faz parte também dos modos correntes de transmissão oral das músicas (SALGADO e SILVA, 2005, p.26).
Os tratados escolhidos justificam-se em primeira instância pela importância e pelo
ineditismo que tiveram em sua época, tendo sido amplamente divulgados e utilizados. Para nós,
encerram um conteúdo valioso e são registros contundentes da prática ao teclado e suas
especificidades retratadas no momento em que foram criadas. O tratado de Sancta Maria é,
segundo Howell e Roig-Francoli (2008, tradução nossa), “o mais antigo e detalhado tratamento
de técnica de teclado”, na parte dedicada às “condições que se requerem para tocar com toda
perfeição e primor” (SANCTA MARIA, 1972, f. 36, tradução nossa). Os tratados de Couperin e
Rameau, escritos na França, na primeira metade do século XVIII, representam o momento de
maior idiomatismo da música para cravo. Kenneth Gilbert, no Prefácio da edição das “Pièces de
Clavecin” de Rameau, por ele editadas, declara que:
Nas poucas páginas do ‘Méthode’, impresso em 1724 (reproduzido aqui em facsimile) Rameau provê a mais clara e detalhada descrição da técnica de teclado do século XVIII. Lido em conjunção com ‘L’Art de Toucher le Clavecin, de Couperin, ele forma os fundamentos para a prática de todo o período (RAMEAU, 1979, p.ix, tradução nossa).
Finalmente, o tratado de Carl Philipp Emanuel Bach é uma obra da segunda metade do século
XVIII, período de transição do cravo para o pianoforte. Para Fernando Cazarini (1996), o tradutor
da obra para a língua portuguesa, e para John Caldwell (2008), um dos autores do verbete
25
“Keyboard Music” do Dicionário Grove de Música, este é o mais importante tratado sobre
teclado do século XVIII, na época de J. S. Bach.
Os ensinamentos destes tratados podem ser comparados entre si, e se referem
especificamente à maneira de tocar o instrumento. Levam em consideração seus aspectos
mecânicos, ao contrário de muitas obras que procuram decodificar uma partitura, ou seja,
explicar a tablatura. Isto era uma diferenciação importante e bem estabelecida na época. Podemos
ilustrá-la com o prefácio de 1717 do tratado de François Couperin, onde este afirma: “O método
que eu apresento aqui é único, e não tem conexão com a Tablatura, que não é nada além de uma
ciência de números. Aqui eu lido com todos os problemas (por princípios demonstrados) ao bom
toque do cravo”. Eles fazem parte do conjunto de tratados e textos fundamentais indicados no
livro “10 ans avec le clavecin”, publicado pelo “Centre de Ressources Musique et Danse da Cité
de la Musique”, em 1996. Esta obra é um catálogo elaborado pelas cravistas e pedagogas
Françoise Lengellé, Françoise Marmin, Laure Morabito e Aline Zylberajch, que visa organizar o
estudo do cravo em três ciclos, com duração total de dez anos, e tem uma grande relevância na
organização dos estudos do instrumento na França.
Por fim, sãos alguns dos tratados mais consultados e estudados hoje em dia, por
professores, alunos e intérpretes, em escolas de música, conservatórios e universidades do Brasil
e do mundo. Durante a consulta aos dezenove músicos que participaram do capítulo deste
trabalho sobre a presença e ensino do cravo no Brasil, seis declararam ter sido o tratado de Carl
Philipp Emanuel Bach o primeiro do qual tiveram conhecimento. Além deste, o outro tratado
citado foi “L’Art de Toucher le Clavecin”, de François Couperin, além do tratado de Johann
Joachim Quantz, que não é específico de teclado.
Dentre os guias atuais, procuramos obras de três momentos diferentes. O livro de Howard
Schott, com primeira edição em 1971, é considerado um dos primeiros sobre o assunto (NEW
26
ENGLAND CONSERVATORY, 2007). Já o de Mark Kroll, de 2004, é o mais recentemente
publicado. O livro de Ann Bond representa uma obra intermediária, escrita em 1997.
A partir daí, nos voltamos para um cenário específico: a formação em cravo no Brasil.
Procuramos compreender através da fala dos cravistas brasileiros quais e como estas habilidades
aparecem e são descritas. Neste momento, a categorização das habilidades encontradas em
registros escritos sobre execução de cravo torna-se o referencial para comparação e análise dos
relatos de professores, alunos e intérpretes brasileiros do instrumento. Para obter elementos do
discurso dos cravistas brasileiros, encaminhamos um pergunta ampla por meio eletrônico. O
mapeamento dos cravistas teve como ponto de partida entrevistas aos professores das instituições
de ensino profissionalizante de cravo atualmente. Após isso, foi realizado um levantamento pela
Internet, tanto para a busca de intérpretes, alunos e professores. Após o encaminhamento da
pergunta, obtivemos resposta de trinta cravistas, também enviadas por meio eletrônico.
Para contextualizar a formação em cravo no Brasil, após um breve apanhado histórico da
presença do cravo do século XVI ao XIX, procuramos traçar uma linha cronológica que vai desde
o seu retorno no século XX até o oferecimento dos primeiros cursos profissionalizantes do
instrumento neste país, a partir da biografia de personagens que construíram esta história. Demos
maior ênfase a indivíduos que influenciaram o desenvolvimento de novas carreiras, como
intérpretes pioneiros, grupos que utilizavam o cravo e, sobretudo, professores. Os dados para esta
contextualização foram coletados por meio de entrevistas, fundamentando-nos
metodologicamente pela História Oral. Assim como para o encaminhamento da pergunta
investigatória das habilidades e conhecimentos, partimos de entrevistas com os professores das
instituições de ensino profissionalizante. As personagens indicadas em seus discursos foram,
quando possível, consultadas e por sua vez indicavam outras. Mais uma vez afirmamos que nosso
intuito é o de contextualização da formação no Brasil, com ênfase em alguns dos personagens
27
mais significativos. Não tivemos a pretensão de esgotar o assunto, e sabemos que este é um dos
primeiros trabalhos sobre o objeto. Isto é, traremos nosso ponto de vista para a elaboração de um
capítulo inicial de construção da história do instrumento no Brasil, uma história recente, de
indivíduos vivos.
A História Oral, baseada em depoimentos e biografias, assim como a institucionalização
do cravo também é uma prática recente no país e no mundo. Difícil e controversa, está cercada de
críticos e diversos adeptos. Progressivamente, vem ganhando adesão e força no meio acadêmico,
e sendo um poderoso instrumento em áreas como as Ciências Sociais, a Antropologia, e a
Psicologia (FERREIRA & AMADO, 2006). Ela possui uma série de vantagens e desvantagens:
lidamos coma subjetividade, com os variados tipos de discurso, com os afetos que determinam o
processo de memorização, com as muitas imprecisões de datas, locais, personagens. Ao mesmo
tempo, a pesquisa através da História Oral permite a construção de diferentes visões do processo
histórico, não apenas aquela baseada em documentos escritos que muitas vezes são criados por
lideranças e personagens politicamente mais fortes. Ela nos dá a oportunidade de criar novas
fontes, e de acessar informações que nem sempre existem de forma documentada. Ela dá a
depoimentos orais de indivíduos “comuns” o status de documentos de valor científico
(FERREIRA & AMADO, 2006). Em nosso trabalho, os relatos passam a ser as fontes centrais, e
os registros escritos, no caso do cravo no Brasil, ainda escassos, as obras de interesse secundário.
Assim como os poucos artigos e o único livro publicado sobre a Música Antiga no século XX,
utilizaremos comunicações verbais e eletrônicas, documentos e currículos mandados por email,
sites oficiais e a base de dados da Plataforma Lattes, no site do CNPq, para complementar e
confirmar alguns dos dados colhidos.
Os procedimentos utilizados em nossa pesquisa foram a revisão da bibliografia sobre
cravo, além da análise e comparação de dados sobre execução, categorizados a partir das fontes
28
escritas e dos relatos de cravistas brasileiros. Para a contextualização do cravo no Brasil, foram
utilizadas entrevistas semi-estruturas realizadas a partir de um questionário localizado no anexo
3. As entrevistas foram presenciais, por telefone, e algumas das pessoas responderam ou
complementaram por email. Para melhor análise dos dados, todas as entrevistas foram transcritas
literalmente, pois segundo Chantal de Tourtier-Bonazzi: "Muitos historiadores e centros de
pesquisa, como o Instituto Histórico da Resistência na Toscana, realizam uma transcrição literal.
Numa segunda etapa, submetem-na à testemunha, que pode acrescentar, suprimir, corrigir,
complementar, resultando daí uma transcrição mais rica" (FERREIRA & AMADO, 2006, p.240).
De acordo ainda com Danièle Voldman, o pesquisador deve servir-se de elementos da psicologia,
psicossociologia e psicanálise, não para propor interpretações, mas para saber que “o não-dito, a
hesitação, o silêncio, a repetição desnecessária, o lapso, a divagação e a associação são elementos
integrantes e até estruturantes do discurso e do relato" (FERREIRA & AMADO, 2006, p.38).
Entretanto, para preservação da intimidade das testemunhas, apenas os questionários enviados
por email e autorizados por seus elaboradores foram publicados em anexo.
Nosso estudo se justifica por ser a prática do cravo uma atividade há pouco tempo
resgatada no Brasil, e, mais recentemente ainda, integrada ao meio acadêmico. Ainda não se
conhece bibliografia especializada que trate da história da presença e ensino deste instrumento no
país, a partir do século XX. Este trabalho vem acrescentar contribuições a esforços recentes na
produção brasileira de referências à Música Antiga, sobretudo no tocante ao cravo4. Além disso,
não foram encontrados trabalhos em Língua Portuguesa que contemplassem o estudo da
execução ao cravo, assim como a descrição e categorização de habilidades necessárias a esta
4 Desde a década de 1990 vários trabalhos, entre dissertações de mestrado e teses de doutorado foram produzidas na Universidade Estadual de Campinas, e em 2005 quatro dissertações em Música Antiga foram defendidas na Universidade Federal do Rio de Janeiro, três das quais frutos do Mestrado em Cravo.
29
prática. Acreditamos, portanto, que nosso trabalho constitui um estudo inédito nas duas áreas
abordadas.
A dissertação está organizada em duas partes, precedidas por uma Introdução. A primeira
parte é composta de três capítulos, e a segunda, de dois. No final segue a conclusão. A primeira
parte do trabalho trata da descrição e comparação dos conteúdos e habilidades encontrados nas
fontes selecionadas, a partir da classificação de Uszler et al. e de Salgado e Silva. O capítulo um
refere-se às habilidades motoras, ou seja, “stricto sensu”. Os capítulos dois e três dizem respeito
às habilidades no sentido amplo, “lato sensu”, e abordam, respectivamente, as habilidades
técnicas ligadas ao estilo e ao repertório, e as habilidades funcionais, de leitura e auxiliares. Na
segunda parte da dissertação, nos concentraremos na formação em cravo situada no Brasil. No
capítulo quatro, falamos sobre a progressiva formalização e institucionalização do ensino a partir
do século XX. Neste capítulo, procuramos definir o grupo de cravistas, através da menção a
intérpretes, professores, conjuntos e construtores que tiveram grande relevância na formação e
disseminação da prática deste instrumento. É descrito, de forma cronológica, de que modo a
formação foi se modificando e se ampliando, até os dias atuais. Além disso, são apresentados
muitos dos participantes que integrarão o último capítulo do trabalho. No capítulo cinco daremos
voz a este grupo sócio-musical para que falem sobre a sua própria prática, para que delimitem os
conhecimentos necessários a alguém que deseja integrar-se ao grupo ao qual fazem ou farão
parte, o grupo de cravistas profissionais. Ele traz as habilidades mencionadas por cravistas
brasileiros, sua classificação, e a comparação com as habilidades descritas nos capítulos
anteriores.
Logo em seguida, finalizamos com as conclusões. No primeiro e segundo anexos, podem
ser consultadas as perguntas e respostas ao questionário aplicado aos cravistas e músicos
brasileiros, assim como documentos e comunicações enviadas por meio eletrônico que nos
30
auxiliaram na construção do capítulo quatro. Os relatos dos trinta cravistas brasileiros, utilizados
na elaboração do capítulo cinco encontram-se no anexo 3, e finalmente as grades curriculares e
justificativas da implementação de cursos profissionalizantes do instrumento estão
disponibilizadas no anexo 4.
PARTE 1 - A FORMAÇÃO DO CRAVISTA: CATEGORIZAÇÃO E
DESCRIÇÃO DAS HABILIDADES NOS REGISTROS ESCRITOS
32
Nesta parte do trabalho, iremos analisar o conteúdo de tratados escritos entre os
séculos XVI e XVIII, e livros sobre a execução e o aprendizado de cravo, por nós
selecionados, a fim de descrevê-lo e categorizá-lo em habilidades físicas e mecânicas,
ligadas ao estilo e ao repertório, funcionais, de leitura e auxiliares. Isto é, enumeraremos e
compararemos entre as fontes, o conjunto de habilidades técnicas que, segundo seus
autores, são necessárias à formação e à capacitação profissional do cravista. Antes de dar
início à exposição dos conteúdos, faremos uma breve contextualização das fontes
escolhidas.
A primeira e a mais antiga fonte a compor nosso material é o tratado “Libro
Llamado Arte de Tañer Fantasia” (Valadolid, 1565), do irmão dominicano Thomas (?1515
– 1570), do monastério de Sancta Maria de Atocha em Madri. Escrita no século XVI, ela é
considerada a primeira obra a conter descrições sobre particularidades do toque, técnica e
sonoridade do teclado. Destinava-se ao clavicórdio, mas podemos afirmar que a técnica
descrita era praticamente a mesma empregada ao órgão e ao cravo, porque nesta época,
ainda não se faziam grandes distinções estilísticas entre estes instrumentos5 (CALDWELL,
2008; HOWELL & ROIG-FRANCOLI, 2008).
Como declarado na página do título e prólogo, o tratado foi examinado e aprovado
pelos organistas reais Antonio e Juan de Cabezón, amigos do autor. Além do fato de ter
sido organista em vários mosteiros dominicanos em Castilla, pouco é sabido sobre a vida de
5 O repertório específico para teclado estava começando a se definir, e até a segunda metade do século XVII, ainda era compartilhado pelo cravo, órgão e clavicórdio. Os intérpretes faziam uso do instrumento que estivesse disponível, ou o que melhor se adequasse à ocasião. Para que o uso compartilhado fosse possível, às vezes era necessária a adaptação de certas especificidades estilísticas ou mecânicas, como por exemplo, notas longamente sustentadas e partes pedais mais comuns ao órgão, e danças e composições de melodias populares mais adequadas ao cravo (CALDWELL, 2008).
33
Sancta Maria. Uma das informações que existem é que ele levou dezesseis anos para
escrever sua obra, tendo aproveitado apenas nos últimos anos de vida a fama que ela lhe
proporcionou (SANCTA MARIA, 1972, introduction).
O principal objetivo do autor, segundo Denis Stevens, era ensinar a tocar fantasias,
ou seja, a improvisar peças no estilo imitativo ao clavicórdio, o instrumento preferido para
o treino de organistas. A Parte 1 apresenta questões sobre a técnica de teclado, destreza
manual, uso de diferentes dedilhados para diferentes andamentos e modelos para
ornamentar e tocar com bom gosto; a parte 2 expõe a teoria, harmonia e contraponto e
como eles devem afetar e influenciar um músico cujo principal objetivo é improvisar
livremente baseando-se em regras pré-estabelecidas. A obra é concluída com conselhos aos
iniciantes, e instruções para afinar o clavicórdio e a vihuela. Os capítulos 13 ao 19, que
mais nos interessam neste momento, constituem, segundo Howell e Roig - Francoli “o mais
antigo tratamento detalhado de técnica de teclado, incluindo posição da mão, toque,
articulação, dedilhado, os dois ornamentos, redoble e quiebro, e o uso do estilo pontuado”
(HOWELL & ROIG- FRANCOLI, 2008; SANCTA MARIA, 1972, introduction). Nestes
capítulos, Sancta Maria estabelece oito condições que “determinam o bem tocar”, isto é,
que “adornam a música”. São elas:
tocar no compasso; colocar bem as mãos; ferir bem as teclas; tocar com limpeza e distinção; correr bem as mãos de uma parte a outra, isto é, subindo até a parte superior, e descendo até a parte inferior; tocar com os dedos convenientes [dedilhado]; tocar com bom ar [desigualdades rítmicas] e fazer bons redobles e
quiebros [ornamentos] (SANCTA MARIA, 1972, f.37, tradução nossa).
O autor do tratado é prolixo, e por isso, apesar de sua importância e dos elogios que
recebeu, foi criticado por teóricos atuais, como Almonte Howell e Miguel Roig-Francoli.
Segundo eles, embora a obra seja composta por um extenso conteúdo, seu texto é cheio de
repetições e elaborações do óbvio. No entanto, os mesmos elogiam sua organização e sua
34
originalidade. Segundo estes autores, teóricos posteriores raramente mencionam Santa
Maria, mas vários, incluindo Artufel, Cerone e Lorente, plagiaram extensivamente sua obra
(HOWELL & ROIG- FRANCOLI, 2008).
No século XVII as linguagens do cravo, órgão e clavicórdio vão se tornando
progressivamente mais específicas e diferenciadas. Esta situação se reflete particularmente
na escola francesa, e fica claramente registrada quando o grande cravista e compositor
François Couperin (1668-1733) publica “L’Art de Toucher le Clavecin”. Esta é a primeira
obra que se concentra no estudo da técnica específica do cravo, prescindindo da parte de
teoria musical, que constava habitualmente nos tratados da época, como por exemplo, em
“Les Principes du Clavecin” (1702), de Saint Lambert (RIUS, 2002; HIGGINBOTTOM,
2008). Ela constitui-se em uma série de reflexões de certos aspectos do ensino e da
execução das peças dos primeiros dois livros de cravo do compositor. Segundo Caldwell
(2008), o tratado é fascinante ao mostrar a visão de Couperin sobre ensino, interpretação, e
dedilhado, embora deixe perguntas que permanecem até hoje sem respostas. Para Edward
Higginbottom (2008), as observações contidas na obra não são ordenadas de forma muito
lógica, parecendo um tanto ao acaso. Em termos gerais, ela começa com comentários sobre
os estágios iniciais do treinamento do aluno; uma seção central faz referência a questões de
dedilhado, ornamentação e outras relacionadas a performance. Finalmente, sugere
dedilhados para passagens difíceis no primeiro e segundo livros de cravo. Oito prelúdios
foram incluídos, designados não somente como material de ensino, mas também como uma
introdução às Ordres6 de seu primeiro e segundo livros de “Pièces de Clavecin”.
6 Nome dado por François Couperin ao agrupamento de peças contidas em seus livros de “Pieces de Clavecin”, no lugar do termo Suíte, mais comum.
35
A terceira obra estudada também pertence a um francês, quase contemporâneo de
François Couperin. É o Prefácio do segundo livro de “Pièces de Clavecin”, intitulado
“Méthode de la mécanique des doigts ou l’on enseigne les moyens de se procurer une
parfaite exécution sur cette instrument”, do compositor, cravista e teórico J. Ph. Rameau
(1683-1764). Este livro contém vinte e uma peças, além do Prefácio, e foi publicado em
1724, ano em que Rameau escreveu vários motetos e cantatas seculares, além do “Traité de
l’Harmonie”. Mais tarde, o autor expandiu este Prefácio na obra “Dissertation sur les
différentes méthodes d’accompagner pour le clavecin ou l’orgue” (1732)
(GIRDLESTONE, 1969, p.26).
Rameau criou um método para “restituir aos dedos a liberdade que a natureza lhes
doou”, acreditando assim que não está desenvolvendo os dedos, mas que isso é uma
habilidade por eles “perdida”, cabendo ao método, portanto, restituí-la. Aconselha que seja
realizado um trabalho assíduo e bem conduzido para “reparar dedos menos favorecidos”
(RAMEAU, 1979, p.16, tradução nossa). Rameau admite que algumas pessoas têm mais
facilidade do que outras, no entanto, como isto não se pode explicar, acredita que o melhor
caminho para o sucesso é o trabalho. Ele aconselha que as regras de seu método sejam
seguidas por etapas, e afirma que “O exercício freqüente e bem entendido promove ao autor
uma infalível execução ao cravo” (RAMEAU, 1979, p.16, tradução nossa).
O último tratado escolhido foi “Versuch über die wahre Art das Clavier zu spielen”
(1753), escrito por Carl Philipp Emanuel Bach (1714-1788), um dos filhos de J. S. Bach.
Para Fernando Cazarini, o tradutor da obra para a língua portuguesa, este é o mais
importante tratado sobre teclado do século XVIII. Ele conta que “Haydn chamava o Ensaio
de ‘a escola de todas as escolas’ e Mozart, Beethoven, Clementi e Czerny recomendavam
seu estudo”. Ao lado de “Versuch einer Anweisung die FIute traversiere zu spielen” (1752),
36
de J.J. Quantz, e “Versuch einer gründlichen Violinschule” (1756), de L. Mozart,
compõem os três tratados notáveis publicados na Alemanha entre a morte de J.S. Bach
(1750) e o nascimento de W.A. Mozart (1756). Já Caldwell (2008) considera este o mais
importante tratado escrito na época, representada por um momento de transição, tanto de
estilos musicais, quanto de instrumentos, isto é, do cravo e do clavicórdio para o pianoforte.
Seu autor contribuiu para a criação de um novo estilo musical, chamado
"Empfindsamer Stil", ou “Estilo Sensível”, o correspondente alemão do estilo galante, e
obteve grande fama ao fundar uma escola através de suas obras musicais e de seu tratado.
Dentre seus alunos mais destacados, estão seu irmão mais novo Johann Christian Bach
(1735-1782) e Franz Xaver Dussek (1731-1799).
Cazarini diz que o método prepara o caminho para a aceitação do dedilhado
moderno, especialmente no tocante ao uso do polegar, além de oferecer detalhes sobre a
harmonia do teclado e se preocupar em fornecer instruções para a execução do
acompanhamento e da improvisação. O Ensaio foi editado em partes: a primeira em 1753,
em Berlim, pelo próprio autor, tendo havido uma segunda edição em 1759. A segunda parte
surgiu em 1762 também em Berlim, e posteriormente as duas partes foram novamente
reeditadas (BACH, 1996, I).
No prefácio de sua obra, C. P. E. Bach fala sobre a perfeição e extensão de
possibilidades do teclado em relação aos demais instrumentos, e das conseqüentes
exigências feitas aos tecladistas profissionais. Ele critica severamente a qualidade da
música, do número de mestres e de sua competência na sua época, e por isso dedica suas
considerações aos professores, para que melhorem seu ensino, e aos amadores, para que
consertem os possíveis estragos feitos por seus professores. Com seu tratado, Bach pretende
mostrar a maneira correta de tocar peças solo, de forma a “obter o aplauso de conhecedores
37
esclarecidos” (BACH, 1996, p.2). Ele afirma que a maneira correta de tocar teclado
depende, principalmente, do “dedilhado correto, de ornamentos precisos e da boa
execução” (BACH, 1996, p.3).
Dentre as obras atuais, foram escolhidas três que se assemelhavam entre si em
termos de conteúdo e objetivos. Todas têm a proposta de ser manuais práticos, como uma
espécie de livro de “auto-ajuda” ou de “faça você mesmo”. Elas compilam conteúdos
essenciais sobre o cravo, e estão direcionadas ao estudante curioso, disposto a aprender
sozinho, sobretudo àquele que já tem alguma experiência com teclado. No entanto, seus
autores reconhecem que o auxílio do professor é importante para que os problemas possam
ser mais bem observados. Nestas obras, todos os três autores fazem extensivas referências a
diversos teóricos e compositores dos séculos XVI ao XVIII, e apresentam uma rica
bibliografia, bem como indicações de edições confiáveis destas obras. Dois deles ainda
citam e indicam artigos e obras de outros autores contemporâneos seus, para maior
aprofundamento de certos conteúdos abordados.
O livro mais antigo dentre os que selecionamos, escritos nos dias de hoje, é
“Playing the Harpsichord” (1971, 1973, 1979), de Howard Schott (1923–2005). Ele é
considerado a primeira obra em inglês sobre o assunto em 200 anos, tendo sido editado
inúmeras vezes, desde sua publicação. A respeito do “leitor hipotético” a quem se dirige,
Schott comenta:
Ele está familiarizado com os rudimentos de música. Está preparado para olhar para uma palavra não familiar, que não é parte de seu vocabulário básico de termos musicais conhecidos. Ele tem alguma experiência em tocar algum instrumento de teclado – presumivelmente o piano. Se não, será bom que aprenda sobre teclado sob a orientação de um professor antes de tentar um curso de auto-instrução baseado apenas neste livro. Ele já tem um cravo disponível ou está disposto a adquirir um (SCHOTT, 1979, p.11, tradução nossa).
38
Seu livro é muito rico em conteúdo, além de também trazer conselhos e indicações
práticas. Schott parece estar relatando as experiências vividas em sua época, elementos da
prática que percebeu darem certo, e outros que não deram, e sua opinião sobre estas
questões. Dentre as atividades exercidas por seu autor, destacam-se o ensino no “New
England Conservatory”, de 1989 aos anos 1990, e a elaboração de dúzias de artigos no
“New Grove Dictionary of Music & Musicians” (NEW ENGLAND CONSERVATORY,
2007).
A segunda obra escolhida, “A Guide to Harpsichord” (1997), foi escrita por Ann
Bond. De acordo com Nicholas Williams (1998), a maior parte de seu livro está devotada
aos princípios do cravo para alunos iniciantes, mas também permite a profissionais
repensarem suas técnicas. Bond isola áreas onde os alunos mais encontram dificuldades,
mesmo quando orientados pelo professor. Ela dedica seu livro a executantes que desejam
aprofundar seus conhecimentos sobre o cravo, como pianistas e tecladistas em geral, assim
como a ouvintes que se interessam pelo instrumento. Devido a isto, a obra traz informações
com aplicações práticas, mas também apresenta capítulos teóricos, de conteúdo histórico,
por exemplo. A autora aponta seus objetivos: “Conduzir aqueles que são novos em música
antiga através de um entendimento de seus aspectos básicos, sem fundamentá-los através de
um argumento complexo. Este livro deve ser visto como um guia” (BOND, 1997, p.12).
A ação das mãos é minuciosamente analisada não apenas com base em evidências
históricas, mas em relação a modernos conceitos de relaxamento e atitude mental. Ela
também aborda questões de toque, articulação, com referências históricas e ligação aos
estilos, autenticidade, ornamentação, execução de contínuo, afinação e manutenção do
instrumento (WILLIAMS, 1998). Bond apresenta muitas informações, às vezes dispostas
39
em tópicos, além de indicações práticas e aconselhamentos, entremeados por alguns
exemplos musicais e ilustrações.
Ann Bond foi aluna de Thurston Dart na Universidade de Cambridge, e
posteriormente estudou cravo com Robert Wooley e David Roblou. Ela tocou com muitos
especialistas em Música Antiga notáveis, gravou com o “Consort of Twelve” e atualmente
exerce os cargos de Conferencista em música e Organista Universitária da Universidade de
Manchester (BOND, contracapa).
Mark Kroll é o autor da terceira obra escolhida, “Playing the Harpsichord
Expressivelly” (2004), a mais recentemente publicada sobre o assunto. Sua obra é a mais
curta das três, e a mais objetiva. O conteúdo foi reduzido para dar lugar a um formato
voltado para a prática ao instrumento, com muitos tópicos de aconselhamento, como um
verdadeiro manual: “faça assim”, “observe isto”, “cuidado com aquilo”, “depois de fazer
isto, faça aquilo”. Dentro de cada assunto, há muitos exemplos musicais ilustrativos,
acrescentados com o intuito de serem praticados e experimentados diretamente no
instrumento. Kroll afirma que, diferentemente de outros livros, o seu é dedicado a “ensinar
a arte do toque expressivo ao cravo àqueles que já tem experiência no instrumento, e
também a pianistas e organistas que amam o repertório e querem tocá-lo no instrumento de
teclado para o qual foi composto” (KROLL, 2004, p.xiii). O autor foi professor de cravo e
fortepiano por vinte e cinco anos e presidente do Departamento de Performance Histórica
na Universidade de Boston (KROLL, contracapa).
Tratemos, pois, de comparar o conteúdo dos tratados e guias atuais. Chamamos
atenção para a semelhança entre tratados e métodos no que se refere às questões iniciais do
aprendizado, discutidas nos três primeiros tópicos deste capítulo. Freqüentemente as fontes
se complementam nas opiniões e descrições de um determinado conteúdo, mas nem tudo é
40
abordado por todos os autores. Devido a isso, o resultado de nosso trabalho é um somatório
dos pontos de discussão por eles indicados. Nós os colocaremos em diálogo, independente
da época em que viveram, como se estivessem expondo suas idéias sobre um mesmo
momento e contexto de ensino e prática.
CAPITULO 1
A TÉCNICA “STRICTO SENSU”: HABILIDADES MOTORAS
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1.1 Posição do corpo
A primeira informação referente a habilidades motoras que costuma constar nas fontes é a
maneira de se colocar ao instrumento. Antes de qualquer menção às características do toque, fala-
se da postura, da distância entre o assento e o cravo, da altura e tipo de assento, bem como do
ângulo entre cotovelos, pulso e dedos. Podemos notar que alguns autores, como Couperin, por
exemplo, são mais detalhistas em certos aspectos do que outros. Para ele, “como a graciosidade é
necessária devemos começar pela posição do corpo” (COUPERIN, 1996, p.3, tradução nossa). Os
guias atuais são ainda mais específicos. Como veremos nas descrições, a boa relação entre o
corpo e o instrumento garante conforto, equilíbrio, liberdade de movimentos, mobilidade,
relaxamento e otimização do controle motor do teclado.
Os autores atuais preocupam-se em discutir o tipo de assento a ser utilizado em relação ao
seu estofamento, e à presença ou ausência de encosto, embora os tratadistas não definam isto.
Enquanto Schott (1979) não é tão categórico, dizendo que o assento pode ou não ter encosto,
Kroll (2004) defende a presença do encosto, a fim de permitir que os pés se posicionem
firmemente no chão numa posição natural. Ao nosso ver, o encosto tem uma vantagem e um
problema: ele permite um relaxamento diante da fadiga provocada pela manutenção da posição
sentada, mas limita a possibilidade de variações posturais necessárias à irrigação sanguínea dos
músculos. Além disso, uma boa divisão do peso do tronco sobre os ísquios, aliada a um bom
posicionamento das pernas, segundo Paul e Harrison7 (1997 apud COSTA, 2005, p.59) “é
fundamental para facilitar o equilíbrio postural”. Imaginamos que o músico que toca com um
encosto vai preferir apoiar-se no contato das costas com seu anteparo, ao invés dos ísquios sobre
7 Além dos autores citados, há uma série de trabalhos relacionando a ergonometria com a música, mostrando como é necessário dar grande atenção à postura, já que certas posições podem prejudicar a saúde dos instrumentistas e levar a lesões por esforço repetitivo.
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o assento. Pelos mesmos motivos mencionados, podemos compreender porque Schott (1979)
também aconselha a dar preferência a um assento firme em lugar do estofado de forma macia, e
evitar almofadas. Ele acrescenta que o assento deve proporcionar a sensação de sustentação, ao
mesmo tempo sólida e confortável.
Após isto, os autores discutem o posicionamento do executante em relação ao
instrumento. Couperin (1996) indica que uma pessoa adulta deve estar distante do teclado mais
ou menos nove polegadas (aproximadamente 22,5cm), a partir da cintura, sendo que as crianças
devem ficar proporcionalmente mais próximas. Schott (1979) segue a indicação de Couperin,
aconselhando o distanciamento de dez polegadas, além de chamar a atenção para as correções
que se fazem necessárias a pessoas corpulentas - como a retração do assento vários centímetros, e
longilíneas.
Couperin (1996) diz que as linhas do meio do corpo e do teclado devem coincidir. C. P.
E. Bach (1996) explica que ao sentar-se à frente do meio do teclado, é possível tocar com a
mesma facilidade tanto as notas mais agudas como as mais graves. Bond (1997) toma o dó
central como referência. Couperin (1996) acrescenta que os pés devem estar paralelos, nunca
suspensos no ar, para que possam dar equilíbrio ao corpo, e os joelhos não podem estar muito
fechados. Ele indica inclusive o uso de um apoio para os pés das crianças. Além disso,
provavelmente pensando na “graciosidade” da postura, mais do que em um bem estar físico, ele
também recomenda que se deve virar um ligeiramente o corpo para a direita e colocar o pé direito
bem a frente do esquerdo. Bond (1997) concorda sobre a disposição dos pés à frente do corpo, e
orienta que devemos checá-los periodicamente, devido à tendência de mudarmos sua posição.
Em relação à altura do assento e ao nivelamento entre os cotovelos e o teclado, os autores
apresentam opiniões ligeiramente diferentes. Para Couperin (1996), a boa altura do assento é
encontrada quando pode proporcionar o nivelamento entre punhos, cotovelos e dedos
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(COUPERIN, 1996). No início, Rameau (1979) aconselha que os cotovelos fiquem ligeiramente
acima do nível do teclado, mas não em demasiado para que a mão possa cair naturalmente sobre
ele. Quando a mão estiver formada, deve-se diminuir a altura do assento, de modo que os
cotovelos encontrem-se um pouco abaixo do nível do teclado e a mão fique colada a ele,
favorecendo desta maneira o legato (RAMEAU, 1979). C. P. E. Bach (1996) diz, sem maiores
detalhes, que os antebraços devem estar um pouco acima do teclado.
Os autores atuais descrevem o nivelamento entre cotovelos, punhos e dedos da forma
mais comumente usada atualmente, enfatizando ainda a consideração do posicionamento em
relação ao teclado superior. Schott (1979), por exemplo, descreve que a linha do cotovelo até a
articulação dos dedos deve ser quase reta, em acordo com Couperin, mas possivelmente com uma
leve inclinação descendente, assim como C. P. E. Bach. A combinação entre a altura do assento e
a distância ao teclado deve permitir que os cotovelos se movam livremente em direção ao agudo
e ao grave, conforme afirmou Carl Philipp anteriormente. Para Kroll (2004), esta combinação
deve criar um ângulo de noventa graus no cotovelo quando os dedos estiverem pousados sobre o
teclado. Schott (1979) lembra ainda que se deve levar em conta o teclado superior em
instrumentos de dois manuais, encontrando uma posição que não dificulte o movimento para
dentro ou fora do segundo manual, ou o toque sobre ele. A respeito desta última consideração,
Bond (1997) complementa que é necessário um assento ligeiramente mais alto, quando se trata de
um instrumento de dois manuais, para alcançar o manual superior sem tensão nos músculos do
pescoço e ombros. Kroll (2004) fala sobre as incorreções. Uma cadeira muito alta provocará a
tendência a utilizar ombros e antebraços ao tocar, causando tensão nestas partes do corpo. Já a
cadeira muito baixa obriga o executante a se esforçar para alcançar o instrumento, fazendo os
pulsos caírem e enrijecerem. O assento muito distante do instrumento gera perda do controle dos
dedos, má postura, e necessariamente tensão nos ombros.
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Ainda sobre os cotovelos, Rameau (1979) explica que devem cair inativos para os lados,
em sua situação natural. A posição será mais incômoda apenas quando movermos as mãos de
uma ponta à outra do teclado. Essa situação natural, aliada ao correto direcionamento do primeiro
e quinto dedos, servem como um ponto fixo para a disposição de qualquer pessoa ao cravo. Para
Sancta Maria (1972), os cotovelos devem ficar perto do corpo, sem uso de força, e quando tiver
de subir ou descer escalas rápidas de semicolcheias, podem afastar-se um pouco. Schott (1979)
também concorda que a posição normal só deve ser modificada substancialmente quando se está
tocando nos extremos do teclado.
1.2 Posição da mão e dedos
No tocante ao posicionamento das mãos, constatamos uma mudança ao longo do tempo
no emprego dos dedos, ligada ao tipo de dedilhado e articulação requeridos para a execução. No
entanto, todos os autores falam da importância de encurvá-los, e de posicioná-los na beira da das
teclas. Além disso, todos os tratadistas consultados registram da mesma maneira a numeração dos
dedos: do polegar ao mínimo, de um a cinco, para ambas as mãos. Através da comparação de
autores dos tratados, como Couperin e os autores atuais, percebemos que o posicionamento das
mãos ao cravo, embora seja uma recomendação muito ligada à iniciação a um instrumento de
teclado, é pertinente mesmo em situações de adaptação do pianista ao cravo. Isto é decorrente das
especificidades do teclado do cravo, como seu tamanho, a profundidade das teclas, e o
mecanismo de acionamento, que será discutido na próxima seção. O bom posicionamento das
mãos garantirá seu relaxamento, a aplicação adequada de peso, e um eficiente acionamento das
teclas, com maior controle e leveza.
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Sancta Maria afirma que há três coisas necessárias para colocar bem as mãos no teclado.
A primeira, é que os dedos estejam postos em arco, mais elevados que a mão, e bem
“encolhidos”. Ele explica esta posição provoca um maior ataque nas teclas, e as “vozes soam
mais inteiras” (SANCTA MARIA, 1972, f. 37, tradução nossa). C. P. E. Bach (1996) aconselha a
tocar com os dedos curvos, e com o polegar sempre o mais perto possível da mão. Todos os
autores atuais também recomendam esta posição. Para Bond (1997), manter os dedos levemente
curvados, com as pontas dispostas um pouco à frente da extremidade do polegar é uma
conseqüência da adaptação da mão ao tamanho das teclas do cravo, ligeiramente reduzidas em
relação às do piano. Kroll (2004) ensina que quando deixamos o braço e as mãos penderem ao
lado do corpo, e depois levantamos o braço sem mover os dedos, encontramos esta posição
naturalmente curvada e relaxada.
A segunda coisa para colocar bem as mãos, de acordo com Sancta Maria (1972), é manter
os quatro dedos muito unidos e o polegar caído, muito mais baixo que os outros quatro, dobrado
para dentro, debaixo da palma. Acrescenta que o dedo mínimo deve estar tão encolhido que quase
chega à palma. Sem isto, “não se pode bem tocar, porque se entorpecem as mãos, e ficam sem
força e virtude, como se estivessem atadas” (SANCTA MARIA, 1972, f.37, tradução nossa). A
terceira é que o segundo, terceiro e quarto dedos fiquem sempre apoiados sobre as teclas, como
se fossem tocá-las, podendo o segundo estar um pouco mais alto que os demais dedos.
A descrição da posição das mãos por Sancta Maria tem grande relação com questões das
quais trataremos posteriormente, como o dedilhado e a articulação no século XVI. Esta maneira
de tocar foi amplamente adotada até que, no século XVIII, começou a ser substituída pelo
emprego do polegar como dedo pivô para diversos movimentos, gerando conseqüentemente uma
mudança radical no dedilhado. C. P. E. Bach critica a posição defendida por Sancta Maria:
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Assim, quem usa o polegar apenas raramente, na maioria das vezes tocará de maneira rígida, enquanto aquele que usa corretamente o polegar não tocará de maneira rígida, mesmo que queira. [...] Quem não usa o polegar, deixa-o caído, para que não atrapalhe: nesta posição, mesmo uma extensão mediana é desconfortável e, conseqüentemente, os dedos têm que se estender e se enrijecer para executá-la. O que se pode executar bem desta maneira? O uso do polegar não só dá à mão mais um dedo, mas também a chave para todo uso possível dos dedos. Além disto, este dedo principal torna-se útil por manter os outros dedos flexíveis, já que eles têm que sempre estar curvos, quando o polegar se introduz depois de um ou de outro dedo. Sem o polegar, o que tinha que se saltar com nervos rígidos e tensos, com sua ajuda toca-se de forma redonda e clara, com extensões bem naturais e, portanto, fáceis (BACH, 1996, p.13).
Com o emprego do polegar, um novo posicionamento das mãos passou a ser adotado e
difundido, com base no eixo criado pelo contato dele e do dedo mínimo com as teclas. Rameau,
assim como Schott (1979), descrevem como este contato leva os outros três dedos interiores a
caírem naturalmente em seu lugar, de forma curvada: Rameau diz:
Com o 1 e 5 dedos encontrando-se na beira das teclas, comprometem os outros dedos a curvarem-se, para que possam encontrar-se igualmente sobre a beira das teclas: mas ao deixar cair a mão, como foi dito, os dedos se arredondam naturalmente da maneira que necessitam: e para tanto não deve-se nem alongá-los, nem favorecer seu arredondamento, exceto em alguns casos, onde não podemos fazer nada melhor (RAMEAU, 1979, p. 17, tradução nossa).
Finalmente, Sancta Maria (1972) afirma que tanto as teclas brancas quanto as negras
devem ser acionadas em sua extremidade. Para Rameau (1979), este posicionamento dos dedos
na beira das teclas, aliado ao uso de um teclado leve, auxiliam à doçura do toque. Schott (1979) e
Kroll (2004) aconselham o mesmo, e este último acrescenta que tal posição dá o máximo de
controle e leveza. Bond (1997) diz que tal posição dará brilho e definição às passagens rápidas.
Kroll (2004) fala que não se deve mover a mão para dentro e para fora para tocar bemóis e
sustenidos, mas alcançá-los com os dedos. Os objetivos disso, explica, são o aprimoramento e a
economia de movimentos. Ele recomenda que se evite colocar os dedos entre os acidentes pelas
mesmas razões, lembrando de que isto é fisicamente impossível em vários cravos antigos.
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1.3 Acionamento das teclas pelos dedos
O acionamento de teclas é um relevante ponto na execução ao cravo, discutido por todas
as fontes estudadas. É através do acionamento que a sonoridade é produzida, e uma boa
sonoridade estará condicionada à eficiência deste acionamento. Além disso, a eficiência do toque
está ligada ao aproveitamento máximo de cada movimento realizado para a produção do som
com todas as características que lhe são inerentes. O mau acionamento provocará ruídos
desnecessários, assim como excesso de movimentos levará à perda de tempo e energia.
Um conselho importante no momento de acionar as teclas, é que seja utilizada a ponta dos
dedos, e não a polpa, evitando-se ainda o contato com as unhas. O modo de “ferir” as teclas, ou
seja, de acioná-las, é a terceira das oito condições de Sancta Maria para “adornar a música”,
referidas no início desta parte. Ele explica que quando se toca com as unhas, “ouve-se mais a
madeira das teclas que as vozes”, que se tornam “desmaiadas e sem espírito”, e toca-se de forma
“suja”, já que os dedos deslizam para fora fazendo ruído. O autor acrescenta que “o encontro dos
ossos das teclas com as unhas, duas coisas duras, não podem soar com doçura e suavidade”
(SANCTA MARIA, 1972, f.37, tradução nossa). Para que isto não aconteça, Bond (1997)
aconselha a mantê-las curtas. Kroll (2004) recomenda exatamente o mesmo que Sancta Maria, e
afirma que se, do contrário, os estendermos demasiadamente, atacamos as teclas com a polpa dos
dedos, o que, segundo ele, é mais apropriado à técnica do piano.
Os autores também orientam a nunca atacar as teclas do alto, pois além de ser um
movimento desnecessário e uma perda de tempo, ele provoca ruído do mecanismo e um som duro
e seco. Para isso Sancta Maria aconselha a “trazer os dedos perto das teclas, e depois que cada
dedo tenha ferido a tecla, levantá-lo muito pouco”. O autor explica que eles devem cair
diretamente e retornar ao mesmo lugar e disposição que estavam anteriormente. Isto causa
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“grande doçura e suavidade na música, além de soar muito as vozes, e pouco ou quase nada as
teclas”. Também não se devem levantar as palmas das mãos, mas somente os dedos, e ainda
mantê-las paradas. Quando fala sobre tocar com limpeza, Sancta Maria novamente recomenda
que, com exceção à execução dos ornamentos, deve-se levantar ligeiramente cada dedo depois de
haver acionado a tecla, mas não tirá-lo de fora delas, nem encolhê-los, nem dobrá-los, o que
causaria grande ruído (SANCTA MARIA, 1972, f.38, tradução nossa). Couperin confirma o que
relata Sancta Maria: “É sensato acreditar (experiência à parte) que uma mão que cai do alto dá
um golpe mais seco do que se ela toca de perto, e que a pluma [plectro] tira um som mais seco da
corda” (COUPERIN, 1996, p.7, tradução nossa). Ele acrescenta que disto depende a doçura do
toque, além do uso de um teclado macio. Rameau concorda que a doçura depende dos dedos
caírem sobre as teclas, e não espancá-las. E acrescenta: “Lembre-se de fazer agir cada dedo por
seu movimento particular; e observar que o dedo que deixa uma tecla fique sempre tão próximo
dela, que parece tocá-la” (RAMEAU, 1979, p.17, tradução nossa). Kroll afirma que os dedos
devem sempre permanecer na superfície das teclas, “como se eles fossem colados nelas”
(KROLL, 2004, p.3, tradução nossa). Schott adverte que deve ser evitado “qualquer levantamento
do braço como o que provoca que a mão se lance sobre o teclado como a garra de um pássaro de
caça”. Além da ineficiência mecânica provocada pelo tempo gasto ao subir e baixar os braços,
isto vai resultar num som feio e barulhento, e um repugnante ruído de batida no fim do ataque
(SCHOTT, 1979, p.83, tradução nossa). Já Carl Philipp E. Bach explica que devido a uma certa
pressão necessária ao toque, tanto em situações de solo quanto no acompanhamento, as mãos
levantadas são necessárias e convenientes, para que os outros executantes percebam o
andamento, e para que as notas sejam emitidas claramente, desde que este movimento não
aconteça como “golpes de machado de um lenhador” (BACH, 1996, p.300).
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Outra questão relativa ao acionamento das teclas é o emprego da força e pressão
adequadas, bem como a restrição dos movimentos aos dedos apenas. A leveza do teclado do
cravo, condicionada pela sua regulagem e pelo tipo de registro demanda familiarização e prática.
.Percebemos a relevância deste aconselhamento por sua presença tanto nos tratados quanto nos
guias atuais. No entanto, para os autores atuais, a discussão sobre força e movimento prioritário
dos dedos tem maior destaque devido mais uma vez ao problema da adaptação do toque
pianístico para o cravístico. Denes Agay, autor do livro “The Art of Teaching Piano”, afirma que:
“A ação dos dedos, e do dedo apenas, provou-se inadequada para libertar e transmitir toda a
poesia e drama inerente ao som do piano moderno, e um envolvimento dos músculos mais
volumosos dos braços e ombros tornou-se necessário” (AGAY, 2004, p.12, tradução nossa). Ele
diz ainda que: “Uma rotação do braço completamente relaxada e livre ainda precisa agilizar os
dedos para tocar, e um som melodioso, cantante, sem a aplicação apropriada do peso do braço é
inconcebível” (AGAY, 2004, p.13, tradução nossa).
Explica Dechaume (1986, p.7, tradução nossa), autor do método francês “Le Langage du
Clavecin”, que os tratadistas se dirigiam a pessoas que ignoravam totalmente o que poderia ser
um dia um piano e sua técnica: “Como eles poderiam imaginar, por exemplo, a maneira pianística
de forçar e atacar as teclas, e em particular de levantar os dedos, e o modo de utilizar suas mãos,
pulsos e braços?” Schott ilustra bem esta preocupação com a adaptação do pianista ao cravo:
Se o que você sente quando toca e o que você ouve é satisfatório e de forma alguma dolorido, há chances de que a adaptação tenha sido bem sucedida. Se não, então é melhor parar imediatamente, e tentar então diagnosticar corretamente o erro. Tocar cravo requer bem menos força do que tocar piano. Focalize na facilidade do tocar. Evite tudo que vá inibir ou restringir sua liberdade de movimento. Permaneça mansamente equilibrado sem causar tensão nos músculos do pescoço e ombros descendo até a ponta dos dedos (SCHOTT, 1979, p.81, tradução nossa).
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Como dito anteriormente, os tratadistas também aconselhavam que a força fosse evitada.
Couperin, por exemplo, descreve a vantagem em termos de leveza que as mãos das mulheres têm
em relação à dos homens:
Os homens que querem chegar a um certo grau de perfeição não deveriam jamais fazer algum exercício penoso com suas mãos. As mãos das mulheres, pela razão contrária, são geralmente melhores. Eu já havia dito que a suavidade dos nervos contribui muito mais ao bom toque que a força; meu testemunho é tocante sobre a diferença da mão das mulheres à dos homens, e além disso, a mão esquerda dos homens, da qual normalmente se servem menos aos exercícios, é comumente a mais suave no cravo (COUPERIN, 1996, p.13, tradução nossa).
Tais autores também aconselhavam a utilização de teclados regulados de forma a ficarem
muito macios, com pouca resistência. Couperin fala ainda sobre a preocupação em evitar o uso da
força no movimento das teclas quando se tratava de crianças:
Na primeira infância deve-se usar inicialmente uma espineta ou somente um teclado do cravo e que um ou outro sejam emplumados8 muito suavemente, isto é de uma importância muito grande. A bela execução depende muito mais da leveza e da grande liberdade dos dedos, que da força, de modo que desde o início, se se deixa uma criança tocar em dois teclados [acoplado], é necessário que se treine suas pequenas mãos para fazer falar as teclas, e de lá vêem as mãos mal colocadas, e a dureza do toque (COUPERIN, 1996, p.6 e 7, tradução nossa).
Rameau mostra que o movimento apenas dos dedos não é fácil no início quando nos
deparamos com um teclado pesado. Isto pode ser comparado à necessidade do desenvolvimento
de uma nova técnica, com maior movimento corporal e aplicação de força, para controlar o peso
das teclas do piano. Além disso, o controle da tecla do cravo no exato momento do pinçamento
da corda pelo plectro, e a resistência que isso provoca é uma tarefa difícil para os iniciantes:
Mas como inicialmente, custamos movimentar cada dedo em particular, movimento que devemos ainda fazer para afundar as teclas, seremos capazes de destruir a perfeição que deve ser encontrada em seu movimento. É preciso logo tomar cuidado para que a resistência das teclas não se oponha aos movimentos dos dedos; e por conseqüência o teclado sobre o qual se exercita deverá ser bem macio: mas à medida que os dedos se fortificam em seus movimentos, podemos lhes apresentar um teclado menos macio, e
8 Trata-se da regulagem do plectro, de cujo material anteriormente era a pena de pássaros, e por isso, o emprego do verbo “emplumar”.
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chegar como que por graus a fazê-los tocar as teclas mais pesadas (RAMEAU, 1979, p.18, tradução nossa).
Couperin acrescenta que é necessário ter delicadeza com teclados e ter sempre um
instrumento bem regulado. O autor compreende, no entanto, que existem pessoas que são
indiferentes a este cuidado, pois tocam igualmente mal independentemente do instrumento
(COUPERIN, 1996, p.45). C. P. E. Bach (1996) afirma que alguns teclados só produzem um som
puro e perfeito quando tocados com força; outros pelo contrário, têm que ser poupados, para que
não se ultrapassem suas possibilidades.
Schott, assim como Couperin, aconselha a começar a estudar tocando com um único
registro9 do cravo, regulado tão leve quanto possível. Ele afirma que “é mais fácil desenvolver
um toque legato apropriado, o toque fundamental do cravo, quando a resistência do plectro para
com as cordas é mínima”. Quando se usa a ação de pinçamento mais delicada, obtêm-se todas as
nuances sonoras que o cravo pode oferecer (SCHOTT, 1979, p.83, tradução nossa).
Rameau também afirma que a articulação do pulso deve ser flexível. Ele explica que esta
flexibilidade do pulso se espalha pelos dedos e lhes dá liberdade e agilidade. Além disso, diz que
a mão deve estar “como morta”, isto é, imóvel, servindo apenas para sustentar os dedos nela
fixados e os conduzir a lugares do teclado que não podem atingir por seu próprio movimento. E
acrescenta: “Não sobrecarregue jamais o toque de seus dedos pelo esforço de suas mãos, que
aconteça o contrário: sua mão que sustente o esforço de seus dedos, tomando seu toque mais leve
e ágil: isto é de uma grande importância” (RAMEAU, 1979, p.17, tradução nossa). C. P. E. Bach
(1996) recomenda articulações relaxadas e dedos curvos, pois as mãos rígidas perdem a
capacidade de se estenderem e de se contraírem, o que é necessário a todo o momento. Para ele,
9 A registração será explicada em detalhes oportunamente.
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toda extensão, a omissão de certos dedos, a substituição de um dedo por outro na mesma tecla e
mesmo a indispensável passagem de dedos sobre ou sob outros, exigem elasticidade.
Dentre os autores atuais, Bond (1997) diz que o cravo é tocado essencialmente com os
dedos e as articulações interfalangeanas, e não pela atividade do pulso e o braço, embora estes
últimos devam também permanecer livres e relaxados. Ela fala que mãos suaves expressam um
som cantante e ressonante, enquanto que uma mão rígida produz um som beliscado e duro. Bond
percebe que o completo relaxamento vem somente se a pessoa está absolutamente familiarizada
com o que está fazendo. Ela aconselha a respirar profundamente nos momentos difíceis para
ajudar a liberar a tensão. Schott (1979) explica que a força inteira para tocar é proveniente em
princípio apenas dos dedos, com o resto do aparato corporal – antebraço, braço, ombros e tronco
– empregado unicamente para posicionar as mãos sobre as teclas e para ajudá-las a se mover de
uma posição para outra. Ele enfatiza que nenhuma aplicação de peso nas teclas deve acontecer,
pois isto prejudicaria a eficiência mecânica. Além disso, traria um efeito deletério na produção do
som, já que ocorrerá uma pancada embaixo da tecla. Kroll (2004) afirma que é essencial manter
as mãos tão quietas e relaxadas quanto possível para permitir que os dedos façam todo o trabalho.
Embora os dedos devam estar relaxados, os autores defendem que não podem ficar moles,
sem energia, nem rígidos e tensos. Deve-se procurar, ainda, pressionar as notas uniformemente.
Aconselha Sancta Maria:
[...] depois de feridas as teclas, não se apertem tanto os dedos sobre elas [...] nem tampouco se afrouxem os dedos, de maneira que as vozes desmaiem, mas que fiquem estendidos sobre elas, sem apertá-los demasiado, nem afrouxá-los, nem levantá-los, até o ponto que tenham que ferir outras teclas. De sorte que as vozes tenham sempre um mesmo som (SANCTA MARIA, 1972, f.38, tradução nossa).
Carl P. E. Bach recomenda a mesma coisa: “deve-se observar as disposições do
instrumento em que se toca, para não pressionar os dedos nem de mais, nem de menos. [...] Nas
passagens rápidas deve-se dar a cada nota a pressão conveniente, senão o toque fica desigual e
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indistinto” (BACH, 1996, p.103). Além disso, ele fala da necessidade de pressionar as teclas com
certa força, evitando-se assim um toque superficial, admitindo que é difícil não erguer as mãos
para fazer isso. Rameau (1979) também fala sobre a importância de uma grande igualdade de
movimentos entre cada dedo para que se obtenha leveza e velocidade.
Schott e Bond também chamam a atenção para momentos de firmeza de mãos e punhos.
Bond (1997) explica que o pulso e os dedos devem estar firmes no momento de afundar a tecla,
especialmente quando se está tocando acordes, mas tão cedo o plectro tenha pinçado deve-se
suavizar a posição. Ela diz que como o mecanismo do cravo é muito simples, ele reflete
imediatamente a atitude de quem toca. Se o executante consegue balancear gentileza e decisão ao
tocar, o instrumento responderá prontamente a seus desejos. Esta firmeza não é dolorida, observa
Schott, mas uma sensação de ter trabalhado as articulações que ligam as raízes dos dedos, uma
consciência do peso do tônus muscular, o resultado de ter alternadamente contraído e relaxado os
músculos de uma maneira controlada e consciente (SCHOTT, 1979; BOND, 1997).
A imobilidade das mãos e flexibilidade dos dedos leva a um assunto relacionado, a
questão da economia de movimentos. Sobre isso, Rameau diz que “o maior movimento só deve
ocorrer quando um menor não é suficiente: e ainda que um dedo possa atingir uma tecla sem
movimentar sua mão, mas somente estendendo-o ou abrindo-o, é preciso abster-se de gastar o
movimento além do necessário”. Desta forma, “cada dedo deve ter seu movimento próprio e
independente dos outros: de maneira que quando se é obrigado a deslocar a mão a um
determinado lugar do teclado, é preciso ainda que o dedo então se posicione nesse caso, para que
esta caia sobre a tecla por seu próprio movimento” (RAMEAU, 1979, p.18, tradução nossa).
Já C. P. E. Bach diz que “se um executante usa corretamente os dedos e não se acostumou
com gestos desnecessários, tocará as peças mais difíceis de maneira que quase não se verá o
movimento de suas mãos, e o ouvinte perceberá que tudo é fácil para ele”. Por outro lado, o
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tecladista que não domine estes princípios “tocará as peças mais fáceis de forma desajeitada e
com muito esforço e caretas” (BACH, 1996, p.12).
Schott resume bem tudo o que foi exposto até este momento, dizendo que se deve:
trabalhar visando uma mão naturalmente arqueada, mantendo a ponta dos dedos tão perto das teclas quanto possível, movendo os dedos desde a primeira junção das articulações e limitando a participação do braço desde o ombro até o pulso a um papel posicionado, balanceado e sem peso. Nós devemos sentir que estamos verdadeiramente tocando nas cordas ao invés das teclas. Todo aspecto do toque deve relacionar-se intimamente com a ligação do dedo - de fato ao corpo inteiro do músico - ao mecanismo da tecla, assim como favorecer esta sensação (SCHOTT, 1979, p.83, tradução nossa).
A economia de movimentos auxilia o executante a tocar com agilidade e destreza. Carl
Philipp acredita que uma das vantagens do teclado é que nele pode-se tocar com velocidade
maior do que em outros instrumentos. Ele considera a agilidade importante, mas orienta que se
deve reservá-la aos trechos em que for realmente necessária. Este é o caso de algumas peças que
devem ser tocadas o mais rápido possível, sem prejuízo da clareza. Aqueles que possuem as
“mãos rígidas e inertes”, que “pretendem fazer o instrumento cantar, mas nem sabem dar-lhe
vida”, e que tocam de maneira monótona, “merecem mais críticas do que os que tocam com
velocidade excessiva”. A estes, pode-se “abafar o fogo”, pedindo expressamente que toquem
mais lento (BACH, 1996, p.102). Schott (1979) acredita que o controle técnico da articulação,
tópico que detalharemos em seguida, é mais importante musicalmente que a velocidade adquirida
para tocar escalas e arpejos.
A respeito da destreza técnica necessária ao momento específico da execução, Bach
aconselha:
Seja qual for a destreza que se possa ter, não se deve empreender o que não se possa dominar, quando se toca em público; raramente se tem a tranqüilidade que conviria e nem sempre se está suficientemente preparado. Pode-se avaliar sua capacidade e disposição a partir das passagens mais rápidas e mais difíceis, para que não se exagere e depois pare. As escalas, que em casa dificilmente dão certo, devem ser omitidas quando se toca em público, pois exigem uma disposição especial. Pode-se experimentar o instrumento ensaiando-se trinados e outros pequenos ornamentos. Todas estas precauções são
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indispensáveis por duas razões: primeiro para que a execução seja leve e fluente, e depois, para que se possam evitar certos sentimentos de ansiedade, que ao invés de animar o ouvinte, contrariam-no (BACH, 1996, p.104).
1.4 Articulação
A articulação é um dos quesitos aos quais os autores atuais dão maior ênfase e
importância no aprendizado do cravo. Esta preocupação não é exagerada. É fundamentalmente
através do domínio da articulação que podemos criar efeitos musicais expressivos, relacionados a
fraseado, tempo, ou dinâmica. Ela deve ser empregada devido à característica que mais diferencia
este instrumento do piano, e provavelmente é motivo de grande dificuldade para os pianistas: o
controle dinâmico não se dá predominantemente pela intensidade da força com que a tecla é
atacada. Assim sendo, o significado de uma frase musical, bem como a nuance e expressividade
que se deseja dar a uma peça executada ao cravo partem de uma combinação consciente e
refinada dos diversos graus de separação e ligação entre as notas, bem como da soma entre som e
silêncio na composição de seu valor total. Para Dechaume, “fazer falar os sons cuja intensidade é
fixa, é o papel e o objetivo de um cravista. Esta linguagem é essencialmente baseada nas
durações dos sons” (DECHAUME, 1986, p.9, tradução nossa). Segundo Schott, alguns cravistas
ainda tocam como se o instrumento fosse um tipo de “pianoforte pinçado”, tentando através da
incessante manipulação de pedais dos registros, extrair do instrumento moderno uma variedade
de nuances artificiais (SCHOTT, 1979, p.90 e p.109, tradução nossa).
Os próprios tratadistas já falavam desta característica peculiar do cravo em relação a
outros instrumentos de sua época. Couperin, em uma célebre frase, define: “Os sons do cravo,
estando definidos, cada um em particular, por conseqüência não podem ser aumentados nem
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diminuídos: parece quase insustentável, até o presente, que se pudesse dar alma a este
instrumento” (COUPERIN, 1996, p.15,tradução nossa). Com esta frase, vangloria-se do fato de
ter conseguido através da sua arte “dar ao ouvido a impressão da coisa desejada”, isto é, a partir
da criação de dois ornamentos, a aspiration e a suspension - que serão explicados oportunamente
- conseguiu produzir a sensação auditiva de diminuendos. Pouco tempo depois, C. P. E. Bach
afirma: “No cravo não há possibilidade de se sustentar o som por muito tempo, ou de fazê-lo
crescer ou decrescer, o que se chama com razão exprimir pictoricamente a sombra e a luz10”
(BACH, 1996, p.103).
Entretanto, tais tratadistas não teorizaram muito a respeito deste assunto. Dechaume
(1986) diz que os tratados antigos seriam totalmente outros se o piano moderno fosse familiar aos
autores. Eles dariam instruções enfáticas sobre as diferenças fundamentais que existem entre os
dois instrumentos e entre suas técnicas respectivas: a do cravo, baseada na diversidade de duração
dos sons, a do piano, na diversidade de sua intensidade11. As informações existentes são
encontradas nas obras musicais de certos compositores, através de indicações gráficas como
ligaduras, ou mesmo podem-se inferir certos tipos de articulação através da análise dos
dedilhados prescritos, o que será demonstrado posteriormente.
O alicerce para a construção de uma boa articulação consiste na experimentação e
posterior controle da sensação tátil provocada pelo pressionamento e resvalo de apenas uma tecla
e o conseqüente resultado sonoro desta ação. Tal processo baseia-se nas características físicas da
produção do som no cravo, especificamente do seu início e fim. O início é o momento do ataque,
do pinçamento. O fim representa seu decaimento, que pode ser natural, mantendo-se o dedo
10 Chamamos a atenção para o fato de autores antigos e atuais falarem, como este exemplo de Carl Philipp, em “luz” e “sombra” ao se referirem à articulação. 11 É verdade que as possibilidades dinâmicas do clavicórdio eram conhecidas, mas a articulação era determinante mesmo para este instrumento.
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pressionado até que o som diminua de volume e cesse, ou interrompido pela retirada de pressão
da tecla e o conseqüente contato do abafador com a corda.
Explica-nos Bond (1997) que o pinçamento do plectro é a parte mais forte e proeminente
da nota. Seu efeito pode ser comparado ao de uma consoante explosiva no começo de uma
palavra. O abafamento é a interrupção ativa da nota através da retirada de pressão da tecla, o
resvalo, que ocasiona a descida do saltarelo e o contato do feltro com a corda. Schott (1979)
observa que durante este processo, deve-se atentar aos vários elementos do som, fundamentais e
parciais, e a como se extinguem.
Os autores atuais descrevem minuciosamente esta experiência. Schott (1979) diz que ao
baixar a tecla, primeiramente vamos sentir como seu peso é leve, e quão pequena deve ser a
pressão para afundá-la. Esta leve pressão irá baixá-la até o ponto onde o plectro encosta-se à
corda, e neste momento, uma pressão adicional provocará o pinçamento, e fará com que tecla e
saltarelo completem seu movimento. A duração da nota é assegurada pela leve pressão do dedo
na tecla, agindo individualmente pela própria força muscular controlada, sem nenhum descanso
na tecla com aplicação de peso. Os dedos devem por fim ser calmamente levantados,
ligeiramente acima da superfície da tecla, para que se voltem à posição inicial, apenas pela
retirada da pressão. Bond (1997) sugere que observemos o decaimento do som em duas situações:
tocar uma tecla e só liberá-la após o decaimento total e, após o toque, liberar a tecla antes deste
decaimento, com conseqüente abafamento e cessação do som.
Após a compreensão da produção do som ao pressionar uma única tecla, passa-se a
discutir a relação entre dois sons em sucessão, o ato principal e primordial da articulação ao
cravo. Isto é o resultado da combinação entre dois aspectos: o momento do abafamento do som,
relacionado ao pinçamento da nota seguinte; e a proporção entre o som e o silêncio na duração de
uma nota. Schott (1979) diz que nós podemos determinar que notas devem soar mais cedo ou
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mais tarde, mais longas ou mais curtas, quais devem ser conectadas, ou desligadas daquelas que
as precedem ou as sucedem. Este controle do tempo e do grau relativo de conexão entre as notas,
na opinião do autor, é mais importante musicalmente que a habilidade de tocar escalas, arpejos,
em qualquer velocidade. Deve-se notar, no entanto, que qualquer decisão a respeito de
articulação de uma nota deve ser tomada durante a execução da nota anterior a ela. Ou seja, o
efeito expressivo que se deseja criar dependerá de quanto tempo se segura, ou não, a nota
precedente. No instante em que se aciona uma tecla, explica Kroll (2004), é muito tarde para
fazer qualquer coisa sobre seu valor musical. Segundo Bond (1997), esta característica do cravo
pode soar estranha aos pianistas, uma vez que eles diferenciam o peso musical de uma nota
através da energia do dedo, durante o ataque. No cravo, deve-se pensar sempre à frente do que se
está tocando.
Bond (1997) define silence d’articulation como o pequeno silêncio entre o abafamento de
uma nota e o pinçamento de outra. Para Dechaume, toda nota tocada deve ser precedida e seguida
deste silêncio. Ele acrescenta: “Se a articulação da linguagem falada é feita de mini-silêncios
devido às consoantes, a articulação da música exige também estes mini-silêncios”
(DECHAUME, 1986, p.9, tradução nossa). Seu controle permite obter uma infinita variedade de
durações sonoras das notas.
Dechaume (1986) explica que cada nota se compõe de um par som-silêncio. Ele cita
Engramelle (1727 – 1805) 12, construtor francês de instrumentos mecânicos e autor do tratado
“La tonotechnie” ou “L’art de noter des cylindres” (Paris, 1775), que diz que “Todas as notas na
12 O tratado de Marie Dominique Joseph Engramelle menciona o uso de marcadores numerados na notação de rolos (“studded barrels”) em instrumentos mecânicos – máquinas onde se pudessem preservar execuções e repeti-las no teclado. Sua obra contém muita informação valiosa sobre a interpretação da música barroca francesa tardia, como o registro de grande liberdade nos andamentos e muitas gradações de articulação (SCHMITZ & ORD-HUME, 2008).
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execução são parte mantidas, parte silenciadas, o que significa que são uma extensão determinada
de som e uma extensão determinada de silêncio, os quais reunidos formam o valor inteiro da
nota” (ENGRAMELLE, 1775 apud DECHAUME, 1986, p.9, tradução nossa). Para Kroll (2004),
idealmente o espaço entre cada nota tocada deveria ser diferente de seu vizinho. Mesmo que isto
seja um exagero na prática, impossível de se alcançar ou medir, o autor considera ser um bom
ideal estético.
A combinação entre estes dois fatores provoca os mais variados e quase infinitos efeitos
expressivos. De acordo com Schott, “O tempo do ataque e resvalo de notas sucessivas produzirá
ilusões impossíveis acusticamente” (SCHOTT, 1979, p.85). Por exemplo, para destacar ou dar
ênfase a uma nota, a intervenção do silêncio antes de sua emissão expõe o pinçamento inicial.
Pode-se, além disso, prolongá-la até o pinçamento da próxima nota, alongá-la alterando um
pouco a métrica. Em contrapartida, para que uma nota soe muito fraca, seu pinçamento deve ser
ocultado o máximo possível pela nota anterior. Isto é conseguido com a sobreposição da nota
precedente, prolongada até que a segunda nota seja pinçada (BOND, 1997).
Os tipos de articulação também podem ser classificados, com base nestes mesmos fatores.
Kroll (2004) define três tipos gerais: o non-legato, ou detaché, para indicar uma separação entre
notas; o overlegato, para segurar notas mais tempo que seus valores escritos, e o legato. Para ele,
o legato é o toque padrão ao cravo. Para executá-lo, deve-se liberar a nota precedente ao mesmo
tempo que toca-se a próxima, sem nenhuma pausa entre as duas, mas também sem sobreposição.
As teclas não devem ser liberadas por esforço ativo do levantamento dos dedos, mas pelo balanço
natural provocado pelo peso do retorno do saltarelo na tecla, fazendo o dedo voltar à posição
inicial. Deve-se ter a sensação de estar removendo o peso de um dedo e transferindo para o
próximo (KROLL, 2004). Bond (1997) diz que entre o extremo da superposição de sons à
separação entre eles há muitas gradações, mas o movimento básico ordinário dos compositores
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do século XVIII consistia na coincidência entre o abafamento de uma nota e o pinçamento da
próxima.
De fato, os tratadistas descrevem este movimento. Segundo Rameau: “É necessário que
[os dedos] liguem, por assim dizer, de um a outro em sucessão”. E descreve esta articulação: “Do
dedo pelo qual começamos, passamos a seu vizinho, e assim de um ao outro, observando que
aquele que pressiona uma tecla, a deixa no mesmo instante que seu vizinho pressiona uma outra:
pois o levantar de um dedo e toque de um outro devem ser executados ao mesmo tempo”
(RAMEAU, 1979, p.17, tradução nossa). C. P. E. Bach também defende o legato em favor das
demais articulações:
Algumas pessoas tocam grudando, como se tivessem cola nos dedos. Seu toque é muito longo, pois sustentam as notas mais que o necessário. Outras quiseram melhorar e tocam curto demais, como se as teclas estivessem queimando. O efeito é igualmente deplorável. O meio termo é o melhor caminho. Falo de maneira geral, pois, todos os toques podem ser bons nos momentos apropriados (BACH, 1996, p.103).
Embora existam estes três tipos de articulação, Schott explica que mesmo onde há um
silêncio entre duas notas, deve-se sentir a conexão, a ligação que as une. Ele cita uma declaração
de Landowska: “Meu staccato é sempre legato”. A sensação de ligação de duas notas
consecutivas deve, primeiramente, ser desenvolvida com overlegato antes que possa ser estendida
mentalmente e fisicamente à conexão de sons verdadeiramente separados por um intervalo de
silêncio (SCHOTT, 1979, p.85, tradução nossa). Desta maneira, pode-se criar a impressão de uma
linha melódica fluida e conectada, mesmo que se esteja usando uma articulação desligada. Kroll
lembra ainda que a mão numa posição sossegada irá desempenhar um importante papel neste
processo (KROLL, 2004).
Bond confirma que por volta de 1715, tanto Couperin quanto Bach enfatizaram a
importância do toque legato. No entanto, diz Dechaume (1986), não se deve confundir esta
sensação com um toque uniforme, o legato concebido atualmente. Bond também observa que
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neste contexto não existe relação com o legato romântico do pianista moderno, que envolve
sobreposição e mais lembra o overlegato (BOND, 1997). Para Dechaume, este legato moderno
priva totalmente o cravo de sua linguagem verdadeira e natural. Resulta em uma “falta completa
de variedade expressiva e dinâmica e em um toque mecânico, isto é, através de articulações
idênticas obtidas por movimentos automáticos e estereotipados dos dedos, da mão, do pulso e do
braço” (DECHAUME, 1986, p.12 e 32, tradução nossa). Bond explica que mesmo parecendo
inicialmente paradoxal, quanto mais legato é necessário para a execução, mais se deve empregar
uma variedade de toques para dar vida às notas. Ela exemplifica que maneira cantabile de tocar
descrita por J. S. Bach em seu Prefácio nada mais é que uma variação de toques em legato
(BOND, 1997).
Há um largo espectro de durações de articulações que vai do legato ao staccato
(SCHOTT, 1979). Kroll fala que uma mesma articulação é raramente utilizada durante uma
passagem inteira, mas é ajustada e modificada de acordo com a mudança de natureza de figuras
musicais, o contexto harmônico, e o caráter. A variedade de articulações resulta em diferentes
sons e cores. Ele diz que se deve suavizar a transição entre as texturas, tornando-a quase
imperceptível. Kroll adverte que a mesma articulação é raramente usada em ambas as mãos. Isto
resultaria em monotonia, num som seco, e numa distinção insuficiente entre as duas mãos. Ao
empregar articulações diferentes, o executante pode balancear texturas musicais, salientar vozes
individuais numa composição, e ajustar a diferentes propriedades acústicas e sonoridades da
extensão grave, média e aguda do cravo (KROLL, 2004).
Uma linha musical pode ser fraseada, delineada e dotada de dinâmica com o uso
habilidoso da articulação. Por analogia com a música vocal, explica Schott (1979) que linhas de
graus conjuntos tendem a ser legato, levemente conectadas. Em contrapartida, linhas em graus
disjuntos, a menos que estejam em velocidade considerável, tendem a ser desligadas. Ou seja,
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quanto maior o intervalo, maior a probabilidade de ser desligado. No entanto, Schott lembra que
este desligamento não significa necessariamente staccato, na sua opinião inefetivo e inestilístico
ao cravo. Kroll (2004) ensina que uma impressão de chegada e clímax pode ser alcançada pela
intensificação do detaché, e uma sensação de suavização e decrescendo, através da do mesmo e
do acréscimo gradual de overlegato. As escolhas, feitas através da audição cuidadosa do efeito
musical criado, dependerão das técnicas individuais do músico, diferentes estéticas e estilos, do
caráter da melodia, das qualidades únicas de cada instrumento e do bon goût13.
Kroll (2004) aconselha que quando houver dúvida na articulação, deve-se a cantar a frase,
pois o guia é sempre o ouvido. Além da necessidade de ouvir, Bond lembra da relevância das
palavras e da voz no toque instrumental. Para dar estrutura e significados claros à música,
devemos cantá-la ou falá-la, a fim de usar inteligentemente as pausas de respiração (BOND,
1997). Schott diz que o segredo do fraseado e ritmo muitas vezes é encontrado pelo canto de um
ou dois compassos da peça que está sendo estudada (SCHOTT, 1979).
O estudo da articulação não é simples, e por isso, os autores aconselham que seja feito
com mãos separadas. Rameau menciona a dificuldade em controlar o toque com as duas mãos,
quando descreve o exercício para o movimento dos dedos:
Esta lição se pratica primeiramente com cada mão em particular, e quando nos sentirmos capazes de conduzir os dedos conforme a explicação precedente, exercitamos as duas mãos juntas; começamos com uma mão antes da outra com a quantidade de notas que queremos, ora mais, ora menos, enfim fazemos isso de todas as maneiras possíveis, até que reconheçamos que as mãos estejam em tão bom hábito que não se tema que elas se comprometam: o que não se adquire em um dia e o que, entretanto resume o estudo necessário para chegar a ponto da perfeição que se deseja (RAMEAU, 1979, p.18, tradução nossa).
13 A expressão faz referência às palavras goust (p.2 e 3), ou goût (p.15), utilizadas por François Couperin (1996), não apenas para indicar “bom gosto”, mas também significando o ato de tocar de acordo com o estilo no qual sua música está inserida.
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Kroll (2004) recomenda que se façam exercícios para praticar articulação, com as mãos
separadas, lentamente, mantendo a correta posição de dedos, mãos e corpo, e transpor para outros
tons. Bond argumenta que não é tão simples decidir por uma articulação. Ela aconselha a ser
guiado por um professor, e a observar o que é agradável na articulação de intérpretes experientes.
Conforme nos tornamos mais experientes, melhor damos vida e contraste à música (BOND,
1997).
Dois elementos específicos da execução ao cravo têm uma relação muito próxima à
articulação: as dissonâncias e as notas repetidas.
Para tocar uma dissonância expressivamente, Kroll (2004) orienta que ela deve ser mais
forte ou acentuada que a consonância precedente, e sua resolução deve ser mais leve. C. P. E.
Bach explica o motivo: “Pode-se, portanto, observar que no conjunto, as dissonâncias são tocadas
mais fortes que as consonâncias, pois aquelas evocam com insistência as paixões que estas
acalmam” (BACH, 1996, p.112). O efeito pode ser alcançado através do uso do detaché e do
overlegato. A consonância precedente parecerá ter menos volume se for encurtada pela
introdução de um silence d’articulation. Isto também criará um acento na nota dissonante, que
deverá continuar soando enquanto a resolução é tocada, a fim de diminuir seu ataque. Este
procedimento faz a resolução parecer mais suave. O tempo de prolongamento da nota dissonante
é variável, e dependerá do contexto musical, da força da dissonância, da suavidade que se quer
para a resolução e do gosto individual (KROLL, 2004). Schott (1979) acrescenta que o tipo de
instrumento e a acústica da sala também interferem neste tempo.
Em notas repetidas, deve-se tocar tão legato quanto possível, embora na prática uma
separação ocorrerá entre cada som sucessivo no momento em que a tecla é despressionada e o
abafador cai na corda. Contudo, devem-se manter os dedos na superfície da tecla e trocar os
dedos em cada nota para pegar o abafador antes que ele interrompa completamente o som
65
(KROLL, 2004). Bond diz que o efeito de overlegato em notas repetidas pode ser simulado. A
primeira nota deve ser tocada gentil, mas firmemente, até o fundo, e mantida longamente. Após o
resvalo, o dedo deve manter contato com a tecla, e segunda nota deve ser tocada com leve
pressão antes que retorne ao seu lugar. O resvalo da segunda nota rapidamente completa o efeito
(BOND, 1997).
Carl Philipp E. Bach recomenda que notas repetidas em andamento moderadamente
rápido sejam tocadas com o mesmo dedo, e em andamentos mais rápidos com dedos alternados.
Mas, em andamentos lentos, diz que é muito vantajoso quando se empregam dedos alternados,
pois “pode-se tocar a última nota repetida com o dedo que melhor convier para se passar às notas
seguintes” (BACH, 1996, p.39). Já Schott (1979), assim como C. P. E. Bach, diz que repetições
muito rápidas usualmente soam melhor com mudança de dedos, como aquelas empregadas para
provocar o efeito de tambores ou castanholas. Mas ao contrário dele, acredita que o uso mais
lento e expressivo de notas repetidas sugere uma articulação menos mecânica mantendo-se o
mesmo dedo. Sancta Maria (1972) recomenda que quando forem tocadas semínimas ou colcheias
em uma mesma nota ou tecla, não se deve nunca usar o mesmo dedo, mas preferencialmente dois.
Toca-se com os mesmos dedos exceto quando não se possa fazer outra coisa, sendo mais
rigorosos nisto com as colcheias do que as semínimas.
1.5 Acordes: Articulação, Style Brisé, e arpejamento
Os acordes são extremamente efetivos no cravo. Sua boa execução se reflete tanto na
atividade solística quanto numa eficiente prática do baixo contínuo. Dentre as fontes escolhidas,
Carl Phillip E. Bach, Rameau, Couperin e os autores atuais comentam e descrevem o uso de
66
acordes e arpejos. Eles podem ser articulados de diversas maneiras, e tocados arpejados ou
plaqué, isto é, fazendo com que as notas soem ao mesmo tempo (KROLL, 2004). Schott diz que
o arpejo é indicado como um ornamento na música de Rameau e Couperin. Porém, seu uso é
totalmente idiomático ao instrumento, não estando, portanto, restrito a esta figuração e aos
momentos em que é indicado na partitura.
Há situações específicas que pedem o emprego de determinados tipos de articulação.
Acordes em legato são usados nos momentos em que necessitamos aproveitar a ressonância do
instrumento, através da sustentação de determinadas notas dentro de uma harmonia. Para tocá-los
desta forma, deve-se usar substituição de dedos a fim de conectar algumas ou todas as notas do
acorde. A técnica tem analogia com o uso do pedal sustenuto no piano, com a vantagem de
escolhermos apenas alguns abafadores para deixar fora de contato com as teclas (BOND, 1997).
O Style Brisé é um exemplo de aplicação desta técnica de execução de acordes. Ele é uma
textura muito utilizada no estilo francês, e também em outras nacionalidades. Bond explica que a
substituição de dedos desenvolvida pelos franceses é útil nesta textura para assegurar um legato
ressonante (BOND, 1997). O Style Brisé ou Style Luthé não é exatamente um arpejamento. Uma
melodia aparentemente única ou um acorde é quebrada, isto é, brisé, como se estivesse sendo
tocados no alaúde, isto é, luthé. Segundo Bond, os acordes são fragmentados e sustentados
seletivamente, carregando o som de certas notas para a harmonia seguinte, sugerindo uma textura
contrapontística, e enriquecendo-a com suspensões dissonantes (BOND, 1997). Kroll diz que ela
resulta em uma rica sonoridade e cria uma polifonia a partir de uma ou duas vozes individuais
(KROLL, 2004).
Para situações em que queremos tocar acordes com uma articulação semilegato, devemos
mover rapidamente de um para o outro sem criar quebras excessivas no som. Para isso, é preciso
que os dedos estejam ao máximo na superfície das teclas, evitando assim um espaço de silêncio
67
entre os acordes (KROLL, 2004). A respeito da separação dos acordes tocados detaché, Kroll diz
que ela ocorre naturalmente no cravo, com pouco esforço e mesmo quando não a queremos,
devido em parte ao rápido decaimento do som, assim como ao movimento físico das mãos
(KROLL, 2004). Kroll diz que soltar todas as notas de um acorde ao mesmo tempo
freqüentemente resultará num som seco e uniforme. Por causa disso é quase sempre preferível
soltar algumas vozes antes das outras quando se está movendo de um acorde para outro, criando
uma sonoridade colorida e um senso de conexão entre acordes. Um resvalo não simultâneo
permite ao cravista destacar vozes individuais no acorde que são harmonicamente ou
melodicamente significantes. Isto é especialmente efetivo com acordes repetidos, tais como
aqueles freqüentemente encontrados nas sonatas de D. Scarlatti (KROLL, 2004).
Este tipo de execução de acordes é muito eficiente para marcar a métrica dos compassos
nas peças em estilo homofônico. Em geral, deve-se tocar o acorde no primeiro tempo e aumentar
o detaché em cada acorde subseqüente, reservando a maior separação entre o último tempo e o
primeiro do compasso seguinte. Bond afirma que nestas peças, é natural a presença destes
silences d’articulation proeminentes antes dos acordes mais importantes, provocando alternância
de peso musical entre os tempos fortes e fracos (BOND, 1997).
O arpejamento de acordes é totalmente idiomático ao cravo. Ele pode ser empregado para
criar ou evitar acentos, diminuir ou aumentar a sonoridade, e para muitos outros propósitos.
Schott diz que os diferentes arpejos adicionam interesse rítmico a uma progressão de acordes
convencional, ou mesmo banal. Os acordes podem ser arpejados devagar ou rapidamente, para
cima ou para baixo, em direções opostas, dependendo do contexto e do efeito musical desejado.
A combinação entre overlegato e detaché pode ser usada. De acordo com Schott, a palavra
arpeggio deriva da forma básica ornamental do estilo e técnica da harpa. Para ele, o arpejo, ou
quebra dos acordes é “mais do que um simples ornamento, mas uma parte vital da técnica do
68
cravo” (SCHOTT, 1979, p.120, tradução nossa). O arpejamento é um elemento integral do toque
sensível neste instrumento. Um acorde no cravo é raramente atacado como um bloco sonoro, pois
tecnicamente se todos os diferentes jogos de saltarelos pinçam as cordas no mesmo instante, o
som produzido é muito pesado. É mais comum que eles pincem a corda numa ordem previamente
determinada. Os acordes podem parecer mais ricos e cheios mesmo se arpejados suavemente
(SCHOTT, 1979).
Todos os acordes podem ser quebrados de muitas maneiras, segundo C. P. E. Bach, e ser
expressos em figuras rápidas e lentas. Bach diz que “as maneiras de quebrar um acorde, em que
tanto o intervalo principal quanto os intervalos secundários são repetidos, são muito agradáveis,
pois trazem mais variação do que um simples Harpeggio (sic), em que se tocam, uma depois da
outra, as vozes, conforme já se encontram nas duas mãos”. Ele acrescenta que “por elegância,
pode-se tocar uma segunda maior ou menor abaixo de cada nota da tríade quebrada ou de uma
relação baseada na tríade. Chama-se a isto de ‘quebrar com acciaccature’” (BACH, 1996, p.351).
Compositores, sobretudo franceses, como Couperin e Rameau, criaram notações precisas para
arpejos, assim como para a adição destas notas não harmônicas, as acciacature (SCHOTT, 1979).
No entanto, o arpejamento é tão natural ao instrumento que os cravistas devem sentir-se livres
para usá-lo como e quando quiserem, mesmo quando ele não é indicado pelo compositor. Um
rolamento suave do acorde é sempre útil para amaciar acentos, enquanto que um arpejar mais
enérgico vai criar um acento forte. Sonoridades ricas e poderosas podem ser produzidas por
arpejos tocados nos registros mais graves do teclado. A variedade de arpejos é quase infinita e
impossível de notar, e por isso Kroll em seu livro não dá exercícios ou exemplos (KROLL,
2004). Schott também fala sobre o amplo espectro de possibilidades de arpejos, indo do lento,
expressivo, da sucessão de notas individuais, a um acorde afiado, abrupto e forçadamente
acentuado com pouco arpejo. A combinação de arpejos com variadas velocidades, com notas
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interpoladas ou repetidas, e com figurações, são praticamente ilimitadas em sua variedade
potencial (SCHOTT, 1979). Bond diz arpejos leves amornam e amaciam um acorde, e produzem
um melhor som que um ataque seco. Permanecendo brevemente na nota mais grave, podemos
aumentar a expressão, sobretudo em movimentos lentos (BOND, 1997).
Schott (1979) lembra que é importante tentar realizar a maior parte do arpejo só com os
dedos, embora uma pequena rotação do pulso seja quase inevitável. Ele também enfatiza a
necessidade do aluno de aprender a tocar um acorde com pinçamento simultâneo absolutamente
preciso, pois há muitas ocasiões em que um som firme é musicalmente apropriado. Além disso, o
arpejamento não pode tornar-se um maneirismo.
Após termos discorrido sobre a execução de acordes, vamos falar, no capítulo referente às
habilidades funcionais, sobre sua realização e o que pode ser improvisado sobre eles.
CAPÍTULO 2
A TÉCNICA “LATO SENSU”: HABILIDADES RELACIONADAS AOS ESTILOS E AO REPERTÓRIO
71
No capítulo anterior, discorremos sobre aspectos essenciais ao cravista para o domínio do
toque e da expressividade no instrumento. Enumeramos aspectos relacionados às habilidades
motoras, que se ligam intimamente ao domínio do cravo pelo instrumentista, isto é, à relação
corpo-instrumento. Lidamos com técnicas ligadas à mecânica do cravo, pois compreendendo os
fundamentos da produção do som somos capazes de explorar todos os seus recursos, e de aplicá-
los de uma forma expressiva e adequada ao discurso musical. No presente capítulo, ainda
abordaremos habilidades motoras. No entanto, apesar delas relacionarem-se ao instrumento, são
extremamente contextualizadas, e por isso, muito ligadas também ao estilo e ao repertório nas
quais se inserem. Novamente queremos expressar a dificuldade que enfrentamos para estabelecer
tais divisões, já que dizem mais respeito à organização da teoria do que existem de fato na
prática. A leitura do conteúdo revela o quanto os elementos relacionados ao instrumento e ao
estilo estão conjugados e são quase indissociáveis. Ainda assim, os assuntos dos quais trataremos
aqui têm maior relação com as características estilísticas particulares a um período histórico, a
um determinado local ou mesmo a um compositor específico.
O estilo e o repertório na música de cravo tiveram muito peso e relevância nos guias
atuais. Nas obras de Schott e Bond, são dedicados capítulos a este assunto, estivessem eles
organizados por estilos nacionais, como no primeiro, ou em ordem cronológica, por séculos, no
segundo. Ao longo de suas obras, os autores também fazem muitas menções ao treinamento de
habilidades ligadas a estes estilos, dando atenção especial aos ornamentos, dedilhado, questões
rítmicas e registração, conforme será demonstrado a seguir. Kroll organiza seus ensinamentos em
duas seções distintas: “Técnicas” e “Tocando no Estilo”. Embora não haja um distanciamento
que permita grande detalhamento ao falar de estilo, por parte dos tratadistas, destacamos
Couperin e C. P. E. Bach. Sobretudo ao tratar das desigualdades rítmicas, Couperin distingue
72
com muita clareza o tipo de música que faziam em relação à prática dos italianos. Da mesma
maneira, C. P. E. Bach, além de comentar o próprio estilo de seu tempo, o estilo galante, ele
menciona outras escolas, como a francesa e italiana.
Iniciamos a primeira parte do capítulo definindo o repertório do qual vamos tratar em
relação aos seus diferentes gêneros. Embora a classificação mencionada não englobe o repertório
do século XX, sua discussão será incluída no início desta primeira seção.
2.1 Gêneros na música de cravo
O repertório escrito para o cravo está concentrado principalmente entre os séculos XVI e
XVIII, e a partir do século XX. Como foi dito anteriormente, até a primeira metade do século
XVIII, seu período de maior apogeu, o repertório foi progressivamente tornando-se específico e
ganhando mais características idiomáticas. No século XX, constatamos uma preocupação
crescente de cada vez maior número de compositores em explorar as propriedades acústicas do
instrumento. Isto tem trazido uma variedade de novas obras, que empregam o cravo de forma
muito diferente do que apenas uma alternativa timbrística e de colorido para uma escrita
aparentemente destinada ao piano.
Tocar o repertório de cravo do século XVII e XVIII, na opinião de Kroll (2004, p.51,
tradução nossa), “demanda o domínio de práticas interpretativas, tanto escritas quanto não
escritas; um conhecimento de diferentes gêneros e formas; e uma minuciosa familiaridade com as
distintas escolas nacionais de composição e execução”. Além disso, ele considera a importância
da experiência com outras formas de arte relacionadas, como a dança, pintura, e escultura.
73
Também merecem atenção o ambiente social, político, e econômico no qual os músicos viviam e
trabalhavam. Kroll recomenda a leitura e estudo da história social e cultural do período, “já que
performance histórica implica em uma total imersão em tudo que influenciou a composição e a
execução de uma peça de música” (KROLL, 2004, p.51, tradução nossa).
Ainda que até o barroco, gêneros de escrita distintos sejam facilmente reconhecíveis pela
maioria dos teóricos, professores e intérpretes, há poucas fontes que ofereçam uma classificação
formal dos mesmos. Uma das mais adotadas e conhecidas foi a realizada pelo estudioso jesuíta
austríaco Athanasius Kircher, que viveu em meados do século XVII. Baseando-se nela, o cravista
Davitt Moroney (1984) descreve três gêneros da música barroca para teclado. O primeiro destes
estilos derivou de certa forma do “estilo antigo” de Palestrina. Seu modelo de polifonia imitativa
perdurou mesmo após o estilo de origem ter se tornado antiquado. Ele é expresso desde o
ricercar para teclado do século XVII até as fugas de J. S. Bach. O segundo dos três gêneros de
Kircher era de dança, expresso pelas suítes. Elas foram consideradas possivelmente a principal
forma de música para cravo durante a época barroca, devido à enorme influência de Froberger e
dos cravistas franceses, que cultivaram o gênero até um alto grau de refinamento e
expressividade. O terceiro, diferentemente dos anteriores, era inerente ao instrumento. Segundo
Moroney, “ele não derivou nem do modelo de contraponto vocal estrito nem de uma analogia
com as suítes de dança instrumentais, mas da maneira pela qual os dez dedos podem se comportar
sobre um teclado”. Desta maneira, o número de vozes pode variar de apenas uma, como na
imitação a um recitativo de solista não acompanhado, até dez, quando se utilizam todos os dedos
num acorde. Moroney considera este estilo claramente advindo da livre improvisação, e por isso
era às vezes chamado “fantasia” ou estilo “fantástico”. Moroney explica que nele “Não há
nenhuma obrigação de introduzir um tema e desenvolvê-lo, como em uma fuga; nem de
74
permanecer nos limites da métrica tradicionalmente associada às danças particulares”. O terceiro
gênero abriga peças com títulos bem diversos, mas que tinham tradicionalmente em comum o
papel de introduzir fugas contrapontísticas para teclado (MORONEY, 1984, p.5, tradução nossa).
Na classificação de Kircher, naturalmente, não é incluído um quarto gênero, o das peças de
caráter. Elas são típicas do repertório francês do século XVIII, constituem-se em formas binárias,
que muitas vezes são movimentos de dança, e assim como estas, compõem suítes, ou como
chamava François Couperin, Ordres.
O primeiro dos gêneros é a polifonia. De acordo com Kroll (2004, p.xix, tradução nossa),
“O cravo é capaz de incomparável clareza quando se toca música polifônica, devido a sua
habilidade idiomática de tornar distintas vozes individuais, dentro de texturas contrapontísticas
complexas”. Bond (1997) considera a genialidade do cravo para o desenho de linhas musicais
através do contraponto, dizendo ser este o aspecto mais óbvio de sua natureza.
As obras polifônicas apresentam desde texturas a duas vozes até a complexa textura da
fuga. Em relação a obras a duas vozes, Schott diz que possuem um valor singular para os
estudantes. Sua textura transparente permite que seja dada a maior atenção possível à articulação
e ao fraseado de cada parte. O autor as considera muito mais do que peças para iniciantes. Diz
que programas inteiros de recital podem ser construídos com grande gosto e sofisticação, com
peças a duas vozes de compositores renomados (SCHOTT, 1979). Peças contrapontísticas a três
ou mais vozes geralmente são compostas de uma variedade de sujeitos, contra-sujeitos, figuras de
acompanhamento e materiais de transição (KROLL, 2004). Bond diz que é importante frasear
distintamente e articular claramente o sujeito, assim como qualquer material imitativo. As vozes
intermediárias também devem ser suficientemente claras para que os detalhes sejam ouvidos. Não
se pode perder o senso de direção de cada voz (BOND, 1997).
75
Kroll (2004) lembra que as obras neste gênero seguem modelos vocais, daí o termo vozes
para as partes instrumentais. Assim como os solistas ou naipes de soprano, alto, tenor e baixo,
que ajustam suas dinâmicas, acentos, dicção e fraseado para delinear e balancear as linhas
individuais, o tecladista deve se esforçar para acomodar naturalmente essas inflexões. Ele
considera um desafio tocar música polifônica no cravo, pois se deve manter a articulação ou
fraseado em todas as vozes, fazendo pequenos ajustes quando duas ou mais partes são tocadas
simultaneamente. Desta forma, cada voz é ouvida distintamente, de acordo com sua função
musical individual e importância. Numa fuga a quatro vozes, muitas vezes é necessário usar
quatro ou mais tipos de articulação ao mesmo tempo, durante as entradas e sobreposições das
apresentações do sujeito. Diferentes articulações para o contra-sujeito, episódios e material de
transição podem também ser necessárias. Isso requer pensamento, planejamento e análise
minuciosa, e por isso, as fugas eram chamadas “estilo culto” (KROLL, 2004).
Em relação ao segundo gênero, a dança, Kroll (2004) explica que no período barroco
assumiu um importante papel na vida social, política e cultural européia. Assim como na música
para o cravo, estava muito presente em diversas formas artísticas, como a ópera, por exemplo.
Com o tempo, as danças tornaram-se estilizadas, seus aspectos distintos de ritmo e textura foram
exagerados, movimentos tornaram-se mais complexos e prolongados, e a música passou a ser
feita para ouvir, e não mais dançar. As danças eram agrupadas em suítes, de forma arbitrária,
mais em termos de tonalidade do que na noção de unidade artística, e o interprete não tinha a
obrigação de tocar todos os movimentos de uma única vez (BOND, 1997).
Segundo Bond, praticamente todos os movimentos de dança franceses estão em forma
binária, contendo uma barra dupla e sinal de repetição, ou a palavra reprise no meio da peça. Ela
comenta que é vantajoso mudar de manual nestas repetições (BOND, 1997). Muitas destas peças
76
estão escritas em textura de melodia acompanhada. Uma vez que as partes têm diferentes funções
musicais, sendo comum uma sobressair sobre a outra, o cravista precisa equilibrá-las
sonoramente. Isto é alcançado pelo uso de diferentes articulações em ambas as mãos (KROLL,
2004). Em geral, a parte de maior destaque é a melodia. Quando ela está na mão direita, deve-se
tomar especial cuidado. Como a região mais grave do cravo oferece maior resistência aos dedos e
tende a ser mais forte e mais sonora, se as duas mãos forem articuladas da mesma forma, a parte
de baixo naturalmente vai soar mais forte e menos clara, encobrindo a melodia no agudo. Kroll
recomenda usar mais detaché na mão esquerda, e mais overlegato na mão direita, e sempre
lembrar de variar o toque em cada mão independentemente da articulação empregada. Ele
acrescenta que as escolhas de articulação no fraseado de uma passagem devem ser feitas através
do canto de cada linha, da análise da harmonia, e da distinção entre material primário e
secundário (KROLL, 2004).
Ao tocar movimentos de dança, o melhor conselho para encontrar o andamento, caráter e
articulação é dançar, ou caminhar no ritmo apropriado cantando a linha melódica da composição.
Uma aproximação instintiva e puramente intelectual vai resultar numa execução genérica e
superficial. Isto também se aplica a pecas que não possuem títulos de dança, mas que são
claramente influenciadas por elas (KROLL, 2004). Schott também diz que para decifrar uma
passagem ritmicamente difícil é necessário dançá-la ou pelo menos mover o corpo de uma forma
relacionada ao fluxo da música (SCHOTT, 1979).
Para uma melhor execução, Kroll (2004) aconselha ainda que cravistas façam aulas de
dança histórica. Com isto, aprende-se a reproduzir verdadeiramente os passos e a estar ciente do
tempo e espaço envolvidos em sua execução. Se isto não for possível, devem-se observar as
danças para entender e sentir o andamento apropriado e o caráter de cada uma. Sua história deve
77
também ser considerada, pois ao longo de tanto tempo, passaram por mudanças de gostos, estilos,
e contextos sociais.
Prelúdios, Toccatas, Fantasias e outras obras neste estilo são considerados o terceiro
gênero na classificação de Kircher. Elas dão ao intérprete oportunidades para interpretação
rítmica livre. Os dois gêneros principais são aqueles representados pelo prelúdio non mesuré dos
compositores franceses, e pelas toccatas de Frescobaldi e Froberger (KROLL, 2004, p.57).
De acordo com Bond, os prelúdios proporcionam ao executante checar a afinação do
instrumento, e demarcar a tonalidade das peças que serão tocadas. As obras neste gênero vão
desde aquelas em que constam apenas as alturas das notas, como os prelúdios non-mésuré,
passando pelas que apresentam ritmo notado, mas são tocadas com flexibilidade, até os prelúdios
do “L’Art de Toucher le Clavecin”. Bond diz que o style brisé aparece nos prelúdios non
mesurés, onde ligaduras sugerem que notas devem ser agrupadas em frases melódicas ou
sustentadas em progressões harmônicas. Nestes prelúdios, o significado das ligaduras ainda não é
inteiramente claro (BOND, 1997). Kroll recomenda que se escrevam cifras abaixo das notas da
linha de baixo, para saber exatamente o que é harmonia, para onde se está indo, e de onde se está
vindo (KROLL, 2004).
Os prelúdios do “L’Art de Toucher le Clavecin” devem ser tocados neste estilo
improvisatório, a menos que esteja marcado mesuré (BOND, 1997). Couperin explica:
Prelúdio é uma composição livre onde a imaginação se deixa levar por tudo que se lhe apresenta a ela. Mas é muito raro encontrar gênios capazes de criar de improviso; é necessário que aqueles que recorrem a estes prelúdios não improvisados, devem executá-los de forma natural, sem se ater muito à precisão do ritmo; a menos que esteja indicado expressamente pela palavra Mesuré. Assim, pode-se dizer que, em muitas coisas, a música (por comparação à Poesia) tem sua prosa e seus versos (COUPERIN, 1996, p.60, tradução nossa).
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Ele diz que “uma das razões pelas quais estes Prelúdios foram escritos mesuré foi a
facilidade que se encontrará para os ensinar ou para aprendê-los” (COUPERIN, 1996, p.60,
tradução nossa). Ele explica que “Não somente os Prelúdios anunciam agradavelmente o tom das
peças que vão ser tocadas, mas servem para soltar os dedos e, freqüentemente, para experimentar
teclados que não se conhece” (COUPERIN, 1996, p.51, tradução nossa).
As toccatas pertencem a uma categoria diferente. A notação é precisa, mas a execução é
livre e expressiva. Kroll (2004) enfatiza a obrigatoriedade de ler os “Avertimenti” do compositor
italiano Frescobaldi (1583 - 1643), publicado em 1637, para executar este tipo de peça. Os
primeiros compassos devem ser tocados com acordes arpejados, estabelecendo a progressão
harmônica e salientando a melodia que é criada pela voz extrema. Deve-se também enfatizar as
dissonâncias e resoluções nas vozes intermediárias (KROLL, 2004). Kroll diz que formas livres e
seccionais como toccatas usualmente possuem seções contrastantes.
A respeito das fantasias, C. P. E. Bach recomenda: “É sobretudo através das fantasias, que
não são feitas de passagens decoradas ou idéias roubadas, mas que se originam de uma boa alma
musical, que o tecladista, melhor que qualquer outro instrumentista, pode exercer a eloqüência e a
arte de passar bruscamente de um afeto para outro” (BACH, 1996, p.105). Ele diz que as
fantasias sem compasso “são excelentes para a expressão dos afetos, pois cada tipo de compasso
traz em si uma certa restrição” (BACH, 1996, p.106).
Kroll (2004) ensina que as formas livres precisam ser aprendidas exatamente como foram
notadas. Deve-se fazer uma análise harmônica completa, pois o desenvolvimento de uma
interpretação coerente deve se basear na compreensão das progressões harmônicas e da estrutura,
incluindo notas consonantes e dissonantes.
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Finalmente, as peças de caráter são encontradas freqüentemente no repertório francês,
mas também foram escritas por muitos outros compositores barrocos. Kroll diz que a
interpretação destas peças, bem como a escolha de andamento, registração, articulação, podem
ser inferidas pelos títulos descritivos. Entretanto, tais títulos podem ser ambíguos, ou mesmo
misteriosos, já que seu significado definitivo se perdeu no tempo. As pesquisas musicais às vezes
trazem à tona informações surpreendentes, e por isso, Kroll aconselha a estar sempre atento à
novas informações (KROLL, 2004). Já as peças dedicadas a alguém não trazem tanta
ambigüidade ou mistério, e por isso deixam menos dúvida de interpretação. Kroll diz que se deve
evitar tentar decifrar algo no material musical sobre o caráter ou a personalidade da pessoa a
quem a peça é dedicada. Elas podem muitas vezes não passar de uma demonstração de honra,
amizade, ou mesmo interesse político (KROLL, 2004).
Em relação ao conteúdo geral de seus livros, os autores atuais devotam pouquíssimas
páginas ao repertório do século XX em diante. Tal repertório, segundo Kroll, é necessário para a
sobrevivência do instrumento em nossos dias. Ele diz que “um instrumento permanece viável em
uma cultura somente se ele continua a falar sua linguagem” (KROLL, 2004, p.99, tradução
nossa). Uma dificuldade enfrentada atualmente é que muitas peças escritas na primeira metade do
século XX destinavam-se aos cravos modernos, com indicações específicas para seus registros e
pedais. No entanto, a maioria delas pode ser adaptada ao cravo histórico, desde que as dinâmicas
e coloridos sejam derivados destas indicações, da forma mais próxima possível das intenções do
compositor. Para isso, deve-se empregar a mudança ágil dos registros e alternância entre
manuais. Algumas obras que não puderem ser adaptadas, na opinião de Kroll, tenderão a
desaparecer. Mas este problema está progressivamente tornando-se raro, uma vez que os novos
compositores têm explorado a sonoridade ricamente disponível nos cravos utilizados atualmente.
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Kroll enumera uma lista de obras as quais considera as mais idiomáticas, e que podem ser tocadas
no instrumento histórico.
Para Schott (1979), pode-se dizer que a música do século XX começou com Manuel de
Falla. O concerto escrito para Wanda Landowska, executado pela primeira vez em 1926, pode
ser considerado um marco. Schott explica que a escrita contemporânea para cravo é geralmente
mais bem sucedida na música de câmera do que no repertório solo, porque os compositores têm
dificuldade para libertarem da técnica instrumental e da estética do piano, usado pela maioria
deles em seu trabalho diário. Em sua opinião, “os compositores devem compreender que o
espectro dinâmico do cravo pode ser mais bem explorado por pensar primariamente em termos de
texturas e tessitura ao invés de registração” (SCHOTT, 1979, p.79, tradução nossa). Segundo
Bond (1997, p.245, tradução nossa), alguns compositores contemporâneos invocam em suas
obras “gêneros históricos, idiomas, ou texturas em maior ou menor grau, mesmo quando o idioma
harmônico é moderno”. Ultimamente ela considera que vem aumentando a preocupação com as
verdadeiras propriedades acústicas do instrumento. A quantidade de sons parciais do cravo
propicia a combinação com sons eletrônicos de muitos tipos, assim como com instrumentos
convencionais. No entanto, Bond acredita que seu potencial percussivo ainda está por ser
descoberto. Schott diz que é muito estimulante o aparecimento de música recente para cravo. Tais
peças adicionam interesse ao repertório e introduzem ritmos e sonoridades contemporâneas.
81
2.2 Registração
A registração, por um lado, é um recurso técnico ligado à mecânica do instrumento uma
vez que a maioria dos cravos14, mesmo os mais simples, estão equipados com pelo menos dois
registros, e o cravista precisa saber como manejá-los. Ao mesmo tempo, seu uso está intimamente
ligado a diferentes gêneros do repertório e, sobretudo, ao caráter e às variadas formas e texturas
das peças. Ela tem fundamental importância na determinação do efeito expressivo musical de
uma obra executada ao cravo. No entanto, é encarada nos dias de hoje como um recurso adicional
a outros de importância até maior, como a articulação e o fraseado.
Inicialmente, no século XX, muitos instrumentistas esforçavam-se para dar colorido
dinâmico às suas execuções pela mudança incessante de registros. Aos poucos, esta prática foi
perdendo a força, e sendo substituída. O peso que a registração já teve na interpretação do cravo
após sua prática novamente se propagar explica a ênfase marcante dada pelos autores atuais à
discussão sobre a mudança ou não de registros durante a execução. Eles enfatizam tudo o que
pode ser realizado sem esta preocupação.
Kroll, por exemplo, diz que a registração é uma fonte essencial para o cravista, mas ela é
freqüentemente mal compreendida e usada excessivamente. Ele afirma que “Os diferentes
registros de um cravo criam tais mudanças dramáticas e óbvias na dinâmica e cor que ouvintes
sem sofisticação e cravistas inexperientes geralmente acreditam que a registração é a única
maneira de tornar o instrumento expressivo e interessante”. Para este autor, o uso de diferentes
registros nunca será um substituto para a expressividade resultante de uma habilidosa articulação,
cabendo a ela apenas o papel de realçar o efeito geral (KROLL, 2004, p.37, tradução nossa).
Schott afirma o mesmo: “Para o iniciante, a tentação de experimentar toda a palheta de cores
14 Nas espinetas, em geral, há apenas um registro.
82
tonais disponíveis é irresistível. Somente aprendendo a explorar todos as fontes expressivas de
apenas um registro no cravo o aluno estará preparado para usar a registração com o melhor
efeito” (SCHOTT, 1997, p.180, tradução nossa).
As mudanças freqüentes de registros dentro de um movimento ou ao longo de uma obra,
na opinião de Kroll (2004), não são típicas do período barroco. Os registros da maioria dos
cravos do século XVII e XVIII eram operados por puxadores manuais. Para mudar uma
registração, a mão teria que ser levantada do teclado, interrompendo o som, e conseqüentemente
prejudicaria o fluxo de uma linha melódica ou progressão harmônica. Para Schott (1979), a
mudança de registros deve ser empregada quando contrastes de colorido são pedidos pela própria
música, como, por exemplo, mudanças de tessitura, ou o espessamento drástico ou afinamento de
texturas. A registração empregada deve prover um colorido básico, enquanto que o detalhamento
de sombreados, de sons, as sutilezas da linha melódica serão criadas pelo executante através de
nuances de toque.
Além disso, Kroll (2004) acredita que a registração não tinha uma importância primária
nas mentes dos compositores barrocos porque eles raramente a especificavam ou indicavam onde
os registros deveriam ser mudados em suas obras. Quanto a esta última afirmativa, Schott (1979)
diz que os poucos métodos de cravo antigos são surpreendentemente silenciosos. No entanto, ele
explica que a registração possivelmente não era indicada porque muitas obras não eram
publicadas e somente eram tocadas pelo compositor e seu círculo imediato de alunos. Assim, seu
emprego era conhecido por quem as tocava. Outra razão importante para a falta de indicações era
que, no caso da música publicada, os compositores não desejavam restringir o uso potencial e a
venda de suas partituras impressas, usualmente apresentando uma música que fosse ajustável para
todos os tipos de instrumentos de teclado. Schott aproveita para explicar que devemos escolher o
83
que fazer refletindo sobre qual era o tipo de instrumento para o qual o compositor escreveu, desde
que isto não seja encarado como uma limitação.
Kroll (2004) lembra que alguns cravos na última parte do século XVIII eram providos de
um aparato de dispositivos mecânicos complicados para mudar a registração mais facilmente e
permitir gradações na dinâmica sem se levantar as mãos. No entanto, a prática ao cravo já havia
entrado em declínio nesta época, e tais tentativas de competir com o piano provaram-se mal-
sucedidas, uma vez que eram estranhas à natureza básica do instrumento. Podemos citar algumas
obras compostas especialmente para este tipo instrumento, como as Pièces de Clavecin de
Armand-Louis Couperin, tocadas em cravos com alavancas de joelho ou joelheiras15 na França, e
sonatas de cravo de J. C. Bach e Haydn, que eram freqüentemente executadas em grandes cravos
ingleses.
Já os cravos construídos nos primeiros anos do século XX também possuíam um
esquadrão anacrônico de pedais. Na opinião de Kroll (2004), os construtores de tais instrumentos
pareciam ignorar os modelos históricos e, como o cravista Ralph Kirkpatrick uma vez observou,
pareciam pretender reinventar o piano. No entanto, sabe-se que tanto as firmas Érard quanto
Pleyel inspiraram-se num cravo francês do construtor Pascal Taskin, datado de 1769, para fazer
seus primeiros cravos (BOND, 2004). Kroll também acredita que os pedais eram usados para
mascarar as deficiências acústicas destes instrumentos, assim como a perda de habilidade dos
intérpretes. Schott explica que as cordas excessivamente tensas deste instrumento produzem um
som áspero, e por causa do plectro pesado e da força requerida para pinçá-las, exclui-se a
possibilidade do verdadeiro toque legato. Na sua opinião, um cravista que usa tal instrumento não
15 Adicionados por construtores franceses no final do século XVIII para operar mecanismos complicados que proporcionavam ao intérprete a mudança de registros mais suavemente e rapidamente, sem a necessidade de retirar as mãos do teclado (KROLL, 2004).
84
tem outra escolha a não ser mudar as cores sonoras com maior freqüência possível (SCHOTT,
1997).
Schott e Kroll explicam o emprego de cada um dos registros do cravo. Nós nos deteremos
nos registros mais usuais, ou seja, nos encontrados em instrumentos dos séculos XVII e XVIII.
Os dois registros de 8’, quando presentes no instrumento, oferecem uma larga possibilidade de
combinações sonoras. Eles são suficientes para executar a grande maioria de obras escritas para
cravo. Schott diz que a combinação destes registros num bom instrumento produz um efeito
sinérgico, resultando numa sonoridade aparentemente maior do que a soma de suas partes. O som
composto parece mais cheio e forte do que o esperado, provavelmente devido a certas
desarmonias resultantes do pinçamento dos dois conjuntos de cordas. Estes registros são
usualmente combinados quando se deseja obter um efeito de tutti. O registro de 4’, que soa uma
oitava acima, adicionado aos registros anteriores, não somente fortalece o volume do som, como
também realça seus harmônicos agudos. Dentre outras formas, ele pode ser usado como um leve
registro solo, também com um colorido nasal O buff stop, ou registro de “harpa” é muito
freqüente, e aparece mesmo nos instrumentos menores e menos complexos. Ele é chamado de
registro de alaúde, como as versões em francês registre de luth, em alemão Lautenzug e em
italiano, liuto. No entanto, como veremos a seguir, o termo em inglês lute stop refere-se a outro
registro (KOSTER & RIPIN, 2008). O seu principal emprego era no acompanhamento,
particularmente em configuração arpejada e lenta, à maneira do acompanhamento de alaúde. Este
registro raramente é combinado com outro (SCHOTT, 1979).
Dentre os registros menos utilizados, há o “registro de alaúde”, ou lute stop, muito
confundido com o registro de harpa. Ele possui seu próprio jogo de saltarelos que pinçam a corda
muito perto da ponte do cepo, produzindo um som nasal. Ele é acionado pelo manual de cima, e
segundo Schott, é empregado como solo mais do que combinado ao tutti. Já o registro peau de
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buffle, segundo Kroll, não é freqüentemente encontrado, pois começou a aparecer em cravos
franceses a partir da segunda metade do século XVIII, e admite-se que não tenha muita utilidade
para o repertório clássico de cravo. O registro de 16’, que soa uma oitava abaixo do 8’, é muito
controverso, e goza de menos popularidade hoje (SCHOTT, 1979; KROLL, 2004; KOSTER &
RIPIN, 2008).
Schott afirma que não podemos discutir registração do século XX porque, boa ou ruim, os
compositores a prescrevem. Todos oferecem excessivas indicações detalhadas de mudança de
registros, em sua opinião, baseados numa experiência limitada com instrumentos particulares. Ele
diz que há ainda artistas bem conhecidos que tocam mais como um exercício na virtuosidade dos
pedais de registração do que como um de destreza manual (SCHOTT, 1979). Em relação à
música anterior ao final do século XVIII, segundo Kroll, é impossível afirmar que uma certa
registração deve ser usada para uma peça específica, uma vez que não há virtualmente um padrão
a aplicar. Os mesmos registros de um instrumento podem soar completamente diferentes em um
outro, mesmo quando eles vêm da mesma oficina. A escolha da registração, portanto, depende do
tipo de cravo que se está tocando, bem como de outros fatores, como a acústica dos diferentes
ambientes (KROLL, 2004). Para Schott, em última instância, a questão deve ser resolvida pelo
bom gosto do intérprete.
A registração, assim como todos os elementos de uma interpretação convincente, deve
parecer ao ouvinte como orgânica, derivando diretamente da estrutura musical, e não ser
enxertada ou imposta a ela. Para isso, Kroll (2004) aconselha que levemos em conta o caráter da
peça. Uma música escrita num estilo lírico e introspectivo, ou peças ternas e cantabiles devem ser
tocadas com uma registração leve, usando de preferência apenas um registro. Ao contrário, peças
vigorosas e rítmicas pedem dois ou mais registros. Schott complementa que no caso de
movimentos curtos, especialmente em suítes de danças, mudam-se menos os registros do que
86
numa obra de muitos movimentos, onde uma variedade de colorido é necessária. Além disso,
pausas no curso da música, incluindo as relativamente pequenas, sugerem a possibilidade de
mudança de registração (SCHOTT, 1979). No caso de rondós, formas estróficas, e variações, é
necessário dar interesse e colorido, através de diferentes registrações. Se os ouvintes estiverem
contando as variações ou preocupados com quantas estrofes a peça contém, certamente o
executante não estará extraindo todos os recursos de seu instrumento. É efetivo usar a mesma
registração para cada retorno do material do rondó (KROLL, 2004). Bond destaca que em alguns
movimentos como passacailles, que têm repetições internas, especialmente do rondó, devem-se
tocar os couplets em um manual diferente do rondó (BOND, 1997).
Em texturas de fuga, uma registração similar pode ser estabelecida para tocar a exposição,
a contra-exposição, os stretti e a coda, em níveis mais altos de dinâmica, e os episódios em um
nível mais baixo (SCHOTT, 1979). Já em melodias acompanhadas, cada mão pode tocar em um
manual diferente, com registrações separadas. Desta forma, pode-se diferenciar melhor linhas
melódicas e seus acompanhamentos (KROLL, 2004). Schott (1979) acrescenta que em obras
mais abstratas, como toccatas e fantasias, devemos decidir que porções são mais sonoras e quais
são mais suaves. Ele afirma que é necessário mudar a registração de acordo com o que requer
cada seção, mas alerta que isto não deve ser feito muito freqüentemente, e somente depois de se
ter esgotado a variedade possível de articulações.
Os compositores ocasionalmente especificavam onde e como a registração poderia ser
usada. Os cravistas franceses freqüentemente indicavam pelas palavras pièce croisée, quando
queriam que cada parte de uma composição a duas vozes fosse tocada num manual separado com
registração igual. Bond explica que neste tipo de peça, as mãos tocam na mesma região do
teclado, geralmente a central, o que demanda o emprego e um instrumento de dois manuais e dos
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dois registros de 8’ desacoplados. Esta disposição, além de confortável para quem toca, é
agradável a quem ouve, devido ao diferente colorido sonoro dos dois registros (BOND, 1997). A
indicação de crescendos e decrescendos também obriga a mudanças de registração. É o caso de
muitas obras de C. P. E. Bach e outros compositores do fim do século XVIII, onde as peças eram
intercambiáveis entre o piano, clavicórdio e cravo. Em outros momentos também será necessário
fazer mudanças abruptas e dramáticas na cor e volume, por exemplo, no recitativo da “Fantasia
Cromática e Fuga” de J. S. Bach (KROLL, 2004).
Dentre os tratadistas por nós estudados, o único que menciona algo sobre registração é
Carl Philipp Emanuel Bach. Ele explica que quando suas Lições são tocadas em um cravo com
mais de um teclado, se ocorrerem notas isoladas em dinâmica forte e piano deve-se permanecer
no mesmo teclado. Ele diz: “Só se troca de teclado quando passagens inteiras se distinguem por
forte e piano”. E complementa que no caso do clavicórdio “não há este desconforto, pois nele
pode-se produzir todo tipo de forte e piano nítida e claramente, como quase em nenhum outro
instrumento” (BACH, 1996, p.113).
Finalizamos esta seção com a conclusão de Schott sobre registração:
Cada cravista, cada ambiente acústico, cada instrumento e cada obra interage em caminhos que não podem ser considerados em abstrato. A registração é um dos meios de que o cravista dispõe para dar vida à música. Mas a registração por si só não é suficiente. Ao contrário, mesmo em total ausência de mudanças de registração, a mais linda música pode ser feita no mais simples dos instrumentos (SCHOTT, 1979, p.192, tradução nossa).
2.3 Dedilhado
O estudo do dedilhado é um quesito de fundamental importância para o cravista. Além
das suas especificidades estilísticas, ele está intimamente relacionado à articulação. O dedilhado é
88
minuciosamente estudado por todas as fontes escolhidas, exceto por Rameau, pois sua obra
destina-se prioritariamente ao conteúdo do capítulo anterior de nosso trabalho, “a mecânica dos
dedos”. Ainda assim, Rameau menciona a passagem do polegar no estudo de escalas e arpejos,
uma mudança fundamental na época, como será discutido a seguir.
Kroll diz que a escolha do dedilhado é um elemento estrutural da técnica de teclado. Ela
tem um impacto direto na interpretação e no fraseado (KROLL, 2004). Schott (1979, p.93,
tradução nossa) cita uma das célebres frases de Landowska: “dedilhado é a estratégia das mãos”.
Segundo C. P. E. Bach, “O uso correto dos dedos tem uma relação inseparável com a maneira de
tocar. [...] Pode-se comprovar pela experiência, que um intérprete mediano com dedos bem
treinados sempre superará na execução o melhor músico, se este último, devido ao uso de um
dedilhado incorreto, for obrigado a fazer-se ouvir de maneira contrária a suas convicções”
(BACH, 1996, p.11). Schott enfatiza sua vital importância, explicando que o dedilhado ajuda o
cravista a obter uma inflexão apropriada da linha musical através da articulação e fraseado, e
prepara a mão para se mexer de uma posição a outra (SCHOTT, 1979).
As regras para a escolha do dedilhado ao cravo nem sempre foram as mesmas, e como
dito anteriormente, relacionam-se ao estilo da música de cada época. Daí falar-se em “dedilhados
históricos”, padrões que eram utilizados e que progressivamente foram se transformando a ponto
de atualmente serem considerados estranhos aos indivíduos não familiarizados. O emprego de
tais dedilhados na música escrita no período em que estavam em voga ainda é uma questão que
divide opiniões no meio acadêmico. Por um lado defende-se este uso, e por outro se acredita que,
respeitando o resultado musical esperado, pode-se substituí-los por opções mais recentemente
empregadas.
De uma forma geral, segundo Bond, os dedilhados proporcionavam uma integração
completa entre o instrumento e a música composta para ele. Mas, para ela, os cravistas foram
89
menos afortunados, pois os dedilhados históricos não parecem tão naturais hoje em dia, sobretudo
aos pianistas, ainda que o teclado continue sendo o mesmo. Devido a isso, muitos ainda preferem
utilizar o dedilhado do piano moderno, considerando-se que não é simples a adaptação, sobretudo
quando se trata de uma pessoa com longa experiência em tocar piano ou órgão. No entanto, ela
afirma que se jovens estudantes desejam se profissionalizar como cravistas, eles devem se tornar
proficientes nestes dedilhados históricos, mesmo que encontrem dificuldades (BOND, 1997).
Schott diz que duas características dos dedilhados antigos têm especial importância
prática para o cravista: a passagem de dedos longos, médio e anular, um sobre o outro, muito
característico da música do século XVI, e a substituição silenciosa de um dedo pelo outro para
permitir o reposicionamento da mão. O último dispositivo foi defendido por Couperin como sua
própria invenção, quando escreveu em seu método (SCHOTT, 1979). A seguir abordaremos estas
e outras particularidades.
Podemos obter informações sobre o dedilhado empregado no século XVI em livros
instrucionais e obras musicais escritas neste período. No entanto, Bond tem a opinião de que elas
nem sempre são claras, ou consistentes. A autora critica a tendência “irritante” dos tratadistas de
concentrar-se puramente em exemplos de escalas. Já as obras musicais são um pouco mais
informativas (BOND, 1997, p.92, tradução nossa). Diante destes registros, pode-se concluir que
em geral, os dedilhados usados antes do tempo de J. S. Bach e Couperin eram caracterizados por
procurar evitar o uso de dedos dos extremos da mão, o polegar e o mínimo – exceto em sextas e
oitavas, acordes grandes, e no começo e final de frases (SCHOTT, 1979).
Há registros que mostram que até o início do século XVIII tocavam-se passagens em
escala com dedilhado repetido de duas em duas notas, e raramente o polegar era usado. Tal
dedilhado propiciava uma linha musical muito expressiva, altamente articulada (SCHOTT, 1979).
90
O dedilhado 3434 era empregado para a mão direita subindo, 3232, mão direita descendo, ou
2121, mão esquerda subindo (BOND, 1997; KROLL, 2004). Isto está associado ao conceito de
“notas boas e ruins”, referendado por muitos tratadistas, como Girolamo Diruta, por exemplo. Em
sua obra intitulada “Il Transilvano, Dialogo sopra il vero modo di sonar organi, et stromenti di
penna”, publicado em 1593, ele aconselha o deslocamento de dedos alternados em escalas, que
ele nomeia como buono e cativo, ou bons e ruins (DIRUTA, 1563 apud RIUS, 2002, p.11,
tradução nossa). O objetivo do dedilhado seria, portanto, alocar dedos bons, ou fortes, em notas
boas. O tratado de Sancta Maria explica detalhadamente o uso dos dedilhados antigos. Em
passagens longas de semínimas ou colcheias sucessivas, empregava-se com mais freqüência o
primeiro, segundo, terceiro e quarto. Assim como foi explicitado anteriormente, Sancta Maria
também utilizava o dedilhado repetido de duas em duas notas, evitando assim o polegar. Ele
aconselhava a deixar o dedo forte mais alto que o fraco, e este último mais na beira da tecla. O
dedo ao lado do forte deveria ficar bem próximo a ele, para dar força à mão. Segundo o tratadista,
esta posição dá a impressão de que se está arrastando as mãos pelas teclas. Ele também orientava
a inclinar a mão para a direção em que se estiver tocando no caso de colcheias e semicolcheias
(SANCTA MARIA, 1972).
Sancta Maria recomendava que não se deviam tocar as teclas pretas com o polegar, exceto
em oitavas, ou em outra situação que houvesse necessidade e não se pudesse fazer outra coisa
(SANCTA MARIA, 1972). Rameau e C. P. E. Bach, muito tempo depois, ainda aconselham o
mesmo, e Bach ainda acrescenta que os dedos mais longos, segundo terceiro e quarto são os mais
indicados para tocar as alterações (RAMEAU, 1979; BACH, 1996).
Bond afirma que François Couperin teve um papel importante no desenvolvimento de um
estilo de tocar mais cantabile que ocorreu a partir do final do século XVII, e conseqüentemente
91
na criação de novas texturas para o cravo (BOND, 1997). Tal estilo tem relação com
especificidades em seu dedilhado, que na verdade, já teriam sido registrados anteriormente. Saint-
Arroman, o editor do facsimile do tratado de Couperin publicado pela Jean-Marc Fuzeau,
categoriza cinco gestos técnicos importantes na execução da música deste compositor: o
deslocamento lateral muito rápido e flexível da mão, permitindo a execução de duas notas
sucessivas com o mesmo dedo; a passagem de dedos uns por sobre os outros; escorregar com o
mesmo dedo de uma nota alterada para uma nota natural; o dedilhado de substituição e a
passagem de polegar (COUPERIN, 1996).
Com o primeiro gesto técnico, ao serem tocadas duas notas com o mesmo dedo, há a
criação inevitável de uma articulação desligada. Bond diz que o silence d’articulation provocado
pela mudança do mesmo dedo para uma tecla diferente torna a segunda proeminente. Às vezes
pode-se reforçar a transposição de um motivo com a articulação resultante do uso deste dedilhado
(BOND, 1997). Já C. P. E. Bach afirmava que o uso do mesmo dedo em notas adjacentes era tão
bom para a execução de notas destacadas quanto ligadas (BACH, 1996).
Dentre as novas texturas supostamente criadas por Couperin, Bond destaca a substituição
de dedos, isto é, a troca de dedos enquanto uma tecla está pressionada, considerado por Saint-
Arroman como o quarto gesto técnico. Saint-Arroman diz que o dedilhado de substituição é
constantemente usado por François Couperin por comodidade, isto é, a fim de liberar a mão para
tocar notas distantes. A substituição também é usada para se obter um perfeito legato melódico
(COUPERIN, 1996). Diz Couperin: “Conhecer-se-á pela prática, o quanto a mudança de um dedo
a outro sobre a mesma nota será útil, e que ligação isto dá ao toque” (COUPERIN, 1996, p.15,
tradução nossa). Bond (1997) explica que esta técnica é usada para enriquecer a ressonância do
instrumento, bem como para facilitar a execução de duas vozes na mesma mão. Schott (1979)
92
afirma ser impossível executar muito da música polifônica de teclado sem este recurso. Porém,
embora Bond considere que haja lugares onde isto é inevitável, aconselha a evitar fazê-lo
rotineiramente, mas como uma alternativa, pois se torna facilmente um mau hábito (BOND,
1997).
C. P. E. Bach também comenta a substituição de dedos. No entanto, ele indica o uso do
polegar, pois sua flexibilidade é particularmente vantajosa. Bach recomenda usar a substituição
apenas nas notas longas ou em casos de necessidade, dizendo que apesar de Couperin ser
geralmente muito meticuloso, ele utilizava este dedilhado freqüentemente e sem necessidade,
pois certamente, na sua época, o uso correto do polegar ainda não era bem conhecido (BACH,
1996). Saint-Arroman observa que Couperin evitava o uso do polegar em escalas para dar
suavidade ao toque, empregando, como os antigos, 12343434 na subida da mão direita e
54323232 na descida. Mesmo que isto fosse verdade, ele eventualmente o utilizava, inclusive nas
notas alteradas, para criar apoio na melodia (COUPERIN, 1996).
Bond diz que o movimento gradual em direção à igualdade dos dedos e ao moderno
método de passagem do polegar não foi sistematizado até a obra de Marpurg e C. P. E. Bach no
meio do século XVIII. O dedilhado do livro de Wilhelm Friedman também revela que J. S. Bach
já usava estes padrões (BOND, 1997). O uso do polegar como um multiplicador dos dedos, um
pivô sobre os quais eles passam ou como algo que se move sob eles para realocar a mão, foi
amplamente ignorado até esta época. .Já o dedilhado do piano moderno tornou-se próprio
somente no período que vai de Clementi a Chopin, e tem sido constantemente modificado
(SCHOTT, 1979). Ele visa a igualdade dos dedos e o legato em lugar da ligação com o fraseado e
a acentuação (BOND, 1997, p.97).
Rameau já falava sobre a passagem do polegar, explicando que
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Para continuar um roulement16 mais alongado que aquele da lição, é preciso somente se
acostumar a passar o primeiro (I) por sob o outro dedo que se queira, e passar um dos outros dedos por sobre o primeiro (I). Esta maneira é excelente, sobretudo quando se encontram sustenidos e bemóis; ela facilita ainda a prática de certas batteries. É preciso observar que o dedo que passa por sobre ou por sob um outro, chega por seu movimento particular à tecla onde se queira posicioná-lo então (RAMEAU, 1979, p.18, tradução nossa).
J. S. Bach contou a seu filho Carl Phlipp que na sua juventude ouviu grandes músicos que
não usavam o polegar, a não ser quando necessário, em grandes extensões. C. P. E. Bach defende
que o polegar, além de outras funções, é indispensável principalmente nas tonalidades difíceis -
que apareceram a partir do emprego das vinte e quatro tonalidades, devendo ser usado
“exatamente como a natureza quer”. Ele observa que o polegar foi elevado de sua anterior
inatividade para tornar-se o dedo principal, e que este novo dedilhado permite tocar tudo
facilmente e no tempo desejado (BACH, 1996, p.11 e 12). Ele continua dizendo que “A natureza
não dotou nenhum outro dedo, além do polegar, com a possibilidade de passar sob os outros.
Além disso, deve-se evitar “a passagem do polegar por baixo do dedo mínimo, a passagem do
segundo dedo por cima do terceiro, do terceiro por cima do segundo, do quarto por cima do dedo
mínimo e do mínimo por cima do polegar” (BACH, 1996, p.14).
Schott diz que uma atenção particular deve ser devotada à prática de uma passagem de
polegar graciosa e fácil, com o auxílio de uma leve rotação do pulso e do braço, sem aplicação de
peso, a fim de balancear a posição das mãos e dedos. O mecanismo não deve fazer barulho
durante o toque (SCHOTT, 1979).
Bond afirma que os dedilhados históricos afetam radicalmente a forma como a música é
articulada e conseqüentemente como soa. No entanto, em alguns casos a articulação
16 Rameau chama de roulement as passagens em escala, e de batteries as passagens arpejadas com efeito rítmico localizadas geralmente na mão esquerda. Para Couperin (1996, p.35) bateries é o mesmo que arpejos ou arpéjemens. Ele diz que são originados das Sonades, Sonatas Italianas para violino do século XVIII, e que deve-se limitar a quantidade que se toca no cravo.
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originalmente pretendida pode ser produzida com métodos de dedilhado mais familiares. Ela não
aconselha a manter os dedilhados antigos quando isto for feito às custas de muito esforço. Mas é
necessário ter em mente a ligação estreita entre dedilhado e fraseado. Mesmo que se decida não
usá-lo, há ocasiões onde é fisicamente útil. Em algumas passagens de escalas, as notas são
facilmente fraseadas em pares com o uso deste dedilhado (BOND, 1997). Kroll lembra que é
possível tocar legato mesmo que se decida pelo uso do dedilhado antigo. Também diz que não se
deve procurar de forma obsessiva a combinação correta e autêntica de dedos. Tanto ele quanto
Bond concordam que uma mesma passagem pode ser dedilhada de mais de uma maneira. O fim
último é o som que se cria, a despeito de que dedo se escolhe. Além disso, uma aplicação
excessiva e incorreta do dedilhado antigo pode ter um verdadeiro impacto negativo na habilidade
de tocar expressivamente (KROLL, 2004). Schott, de uma forma mais extremada, considera
tolice para o cravista moderno, particularmente aquele treinado no piano, o retorno dogmático aos
dedilhados antigos. Ele lembra que o dedilhado dos virginalistas, por exemplo, não é apropriado
à música do século XVIII, e acredita que dominar todos os sistemas criados está obviamente fora
de questão. Além disso, não temos informações significantes sobre dedilhados de muitos
compositores importantes, como Froberger, Handel e Scarlatti. Para Schott, o importante para o
executante moderno é reconhecer que os antigos tipos de dedilhado foram pretendidos para obter
e produzir os mesmo efeitos musicais com dedilhados mais modernos (SCHOTT, 1979).
Acreditamos que o conhecimento e domínio dos dedilhados antigos é parte fundamental da
formação de um cravista. No entanto, o dedilhado empregado numa peça, histórico ou não, deve
ser escolhido pela comodidade e por oferecer o melhor resultado sonoro. Se o dedilhado histórico
for o mais efetivo, deve ser empregado, senão, pode ser substituído, pois não será prejuízo para o
efeito que se deseja alcançar.
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Na opinião de Bond, o bom dedilhado ao cravo é o que capacita a mão a se mover
confortavelmente e fluentemente sobre o teclado, e o que oferece melhor posicionamento das
mãos, mesmo nos momentos em que necessitamos mudá-las de lugar (BOND, 1997). Devem-se
evitar pancadas indesejadas e intervalos de silêncio não intencionados que produzam acentos em
lugares errados; assim como produzir articulações desejadas em lugares corretos. Se se deseja
mudar a posição da mão retirando-a das teclas, isto deve coincidir com um lugar onde seja
necessário um intervalo, como por exemplo, entre frases, ou antes de acentos. Isto é
particularmente importante em passagens constituídas de acordes. No piano, pode-se usar o pedal
para encobrir a mudança de posição da mão, mas no cravo, é necessário o bom-senso (BOND,
1997). Schott fala o mesmo, afirmando que em nenhum evento a mão inteira deve ser deslocada
se o resultado for uma pancada desastrada ou a perda de continuidade rítmica. Nenhum dedilhado
deve ser selecionado apenas por motivo de conveniência, mas por ser o melhor adaptado à
realização de um objetivo musical (SCHOTT, 1979).
Na música polifônica, a execução de mais de uma voz em cada mão faz com que esta se
divida em duas partes separadas, uma composta pelo polegar e indicador, e a outra, pelos demais
dedos. Isto ocorre especialmente em vozes intermediárias que passam e voltam constantemente
de uma mão a outra, dividindo entre elas a conexão de notas individuais de uma única linha
melódica (SCHOTT, 1979; BOND, 1997). C. P. E. Bach diz que “Nas peças a três ou quatro
vozes em que cada voz conserva seu próprio canto, acontecem às vezes casos em que ambas as
mãos devem se alternar, para que se observe bem o valor das notas, ainda que, de acordo com a
notação, apenas uma das mãos devesse tocar” (BACH, 1996, p.40).
Outra situação de dedilhado particular é o cruzamento de mãos. Carl Philipp o classifica
como uma “artimanha natural”, dizendo, no entanto, que ele era cada vez menos usado em sua
96
época. Ele considera que embora freqüentemente encontrem-se peças com este tipo de exigência,
nem sempre há uma real necessidade, e por isso, pode-se optar pelo uso mais natural das mãos.
No entanto, na sua opinião, esta maneira de tocar tornava o instrumento mais completo ainda e
lhe permitia “exprimir boas idéias novas” (BACH, 1996, p.42).
Em relação ao estudo do dedilhado, Bach aconselha que se devem praticar alguns
exemplos lentamente no início, e ir aumentando a velocidade até que, com o tempo, “torne-se um
hábito e não se tenha mais que pensar nele” (BACH, 1996, p.9). Bond afirma que há muitas
diferenças entre os alunos neste quesito. Uns gostam de fazê-lo com mãos separadas, outros não.
Independentemente, Bond aconselha a sempre praticar pequenas seções primeiro, aumentando
progressivamente para trechos maiores. Não se deve voltar ao início diante de um erro, mas isolar
o compasso e olhá-lo cuidadosamente, repetindo-o lentamente e muitas vezes. Ela também sugere
que se escreva o dedilhado, e diz que isso economizará tempo, pois o dedilhado consistente ajuda
na construção da segurança (BOND, 1997).
Carl Philipp comenta que às vezes é necessário ao professor experimentar uma
determinada passagem para poder indicar com segurança o melhor dedilhado para seu aluno.
Podem ocorrer casos duvidosos, em que à primeira vista toca-se com o dedilhado correto, mas
que requerem reflexão quando se mostra este dedilhado a outra pessoa (BACH, 1996).
2.4 Ornamentos
Assim como o dedilhado, a ornamentação, essencial à execução do repertório cravístico, é
explicada detalhadamente em todas as fontes selecionadas, tanto as antigas, quanto as mais
recentes. A ornamentação é uma das habilidades às quais os tratadistas mais dirigem sua atenção
97
e dedicam suas explicações, em detrimento de outras que ficam até os dias de hoje sem
resoluções elucidativas. Além da explicação de cada tipo de ornamento individualmente, os
autores mencionam seus elementos individuais, aspectos de sua execução, dedilhados mais
convenientes e maneiras de estudá-los.
A ornamentação consiste na aplicação de símbolos ou pequenas notas numa partitura
pelo compositor, assim como em divisões ou variações adicionadas pelo intérprete à melodia. Os
símbolos, segundo Barroso, correspondem “a fórmulas mais ou menos breves e convencionais de
embelezamento que ocorrem dentro das tradições da livre ornamentação que proliferaram na
música européia do período barroco. Sua simbologia e significado vão depender de aspectos
regionais e temporais” (BARROSO, 2006, p.9).
O significado dos símbolos usados na ornamentação dependia da tradição em que estavam
inseridos. Quando passou a não haver mais uma ligação tão próxima entre compositores e
intérpretes ou quando o compositor desejava publicar sua música para uso além do seu círculo
imediato, as tabelas de ornamentos começaram a se fazer necessárias. Ainda assim, o problema
de interpretação dos símbolos intensificou-se com a passagem do tempo, através da mudança de
estilos e da quebra das tradições (BOND, 1997). C. P. E. Bach (1996) fala, por exemplo, que a
compreensão exata dos ornamentos na música francesa, indicados de maneira minuciosa, foi
sendo perdida.
Bach considera os ornamentos indispensáveis. Segundo ele:
Eles fazem a conexão entre as notas, dão-lhes vida: dão-lhes, quando necessário, um acento e um peso especial; tornam as notas agradáveis, despertando, assim, uma atenção especial; ajudam na expressão, seja em uma peça triste, alegre ou de qualquer outro tipo; em grande parte, é neles que consiste a oportunidade para uma boa execução: podem melhorar uma composição medíocre, enquanto, sem eles, a melhor melodia parecerá vazia e simples, e o conteúdo mais claro parecerá confuso (BACH, 1996, p.43).
98
Frederick Neumann, autor de importante obra sobre o assunto, “Ornamentation in
Baroque and Post-Baroque Music” (1978), concorda com Bach ao dizer que um ornamento é uma
adição à estrutura musical, a fim de realçar elementos considerados pouco artísticos ou pouco
expressivos, dando a eles mais “graça, elegância, leveza e variedade” (NEUMANN, 1978 apud
BARROSO, 2006, p.10).
Em sua obra, Neumann apresenta uma categorização dos ornamentos, não excluindo a
possibilidade de um mesmo ornamento ser inserido em mais de um grupo. O primeiro grupo diz
respeito à classificação quanto ao desenho melódico. Eles podem ser pequenos e grandes – em
relação à quantidade de notas; e repercussivos – onde as mesmas notas são repetidas, ou mélicos
– compostos por desenhos sem repercussão. Outro grupo traz a classificação quanto às relações
rítmicas. Neste, os ornamentos são distinguidos como aqueles tocados no tempo ou fora do tempo
– antes, depois, ou entre tempos. Um terceiro grupo, dividido em outros dois, os seleciona quanto
à função musical: há o grupo dos ornamentos conectivos – que fazem ligação entre notas
vizinhas, e os intensificadores – com função de realce ou ênfase; e outro grupo com os melódicos
– aparecendo numa frase de forma linear, e harmônicos – que modificam a consonância ou a
dissonância de um intervalo verticalmente durante seu ataque (NEUMANN, 1978 apud
BARROSO, 2006).
De modo semelhante a Neumann, Kroll explica que os ornamentos no cravo não são
meras decorações de uma linha melódica, mas têm uma função expressiva vital na criação de
acentos e dinâmicas no instrumento (KROLL, 2004). Na opinião de Schott, a ornamentação é
estilística em essência. Ele também acredita, erroneamente, que ela é especialmente importante
para a música de cravo devido às suas limitações dinâmicas e à crença da descontinuidade sonora
deste instrumento. Ele concorda com Kroll, dizendo que os ornamentos acentuam determinadas
99
notas, ritmicamente ou melodicamente, além de realçar e dar vida a uma linha musical. Eles
podem enfatizar um intervalo, ou preenchê-lo, podem sugerir suspiros, choros, exclamação,
exultação e raiva, ou serem usados de forma estilizada. Schott acrescenta que os ornamentos têm
importância particular nas cadências, e estão muito ligados ao uso artístico da dissonância na
música polifônica (SCHOTT, 1979).
Bond observa que um hábito enraizado em estudantes é tocar o ornamento antes do
tempo, excluindo-os completamente da estrutura rítmica (BOND, 1997). Schott (1979) é
categórico ao afirmar que todo ornamento deve ser tocado no tempo e não antes dele. Ele diz que
muito poucas exceções estão claramente notadas ou podem ser inferidas pelo contexto musical,
como o caso de algumas apojaturas, quando é necessário evitar quintas e oitavas paralelas. Ele
está de acordo com Carl Philipp, que explica que os ornamentos sempre pertencem à nota
seguinte, devendo-se diminuir o valor desta nota, e jamais da precedente. Assim, as pequenas
notas do ornamento, e não a nota principal, devem ser tocadas junto com o baixo ou outras vozes
(BACH, 1996). Couperin fala o mesmo: “É preciso que a pequena nota perdida de um port-de-
voix ou de um coulé seja tocada junto com a harmonia, ou seja, no tempo da nota principal que a
segue” (COUPERIN, 1996, p.22, tradução nossa). Kroll (2004) já tem a opinião de que a
colocação do ornamento antes ou depois do tempo depende do caráter e das harmonias da peça.
Além da classificação de Neumann, Kroll (2004) explica que os ornamentos barrocos
caem em duas categorias: os que começam com a nota superior, e usualmente assumem a função
de apojatura, e os que começam com a nota principal. Schott (1979) acrescenta que em tempos
antigos eles começavam com a nota real, mas após 1650 quase sem exceção passaram a ser
executados iniciando pela nota superior. Bond (1997) afirma que as tabelas não informam
100
particularmente como e quando o ornamento termina, mas Schott diz que eles podem acabar com
a nota principal, chamada pelos franceses de point d’arêt.
Couperin diz ainda que o ornamento marcado sobre a nota indica que se deve realizá-lo
um tom ou um semitom acima da mesma (COUPERIN, 1996). Devemos escolher a nota
acrescentada sabendo que todo ornamento confirma a tonalidade e não a enfraquece. Ele deve ser
composto de notas que pertençam à tonalidade do trecho em que aparece, mesmo que esta não
seja a principal do movimento. Em algumas ocasiões, são indicados acidentes abaixo ou acima do
ornamento (BOND, 1997; SCHOTT, 1979; KROLL, 2004).
Segundo Schott (1979) e Kroll (2004), para uma interpretação correta dos símbolos que
representam os ornamentos, deve-se compreender suas funções melódicas, harmônicas e rítmicas.
Carl Philipp diz que para empregá-los de forma inteligente, são necessários a audição constante
de boa música, e dominar a “ciência do baixo contínuo”. Sobre este assunto, o autor diz que
“aqueles que não entendem os fundamentos da harmonia, ao executar os ornamentos, tateiam no
escuro; quando são bem sucedidos, isto nunca se deve ao seu discernimento, mas puramente a
uma questão de sorte” (BACH, 1996 p.45).
Segundo Bond, a ação física requerida para tocar ornamentos é uma combinação de
delicadeza e força finamente focada. Muito cuidado deve ser empregado em resvalar a nota e
então a pressionar. Os dedos mais usados são o terceiro e segundo, ou quarto e terceiro na mão
direita, e o segundo e terceiro na esquerda. Ocasionalmente, na música polifônica ou em acordes
será necessário usar o quinto e quarto dedos na mão direita (BOND, 1997). Kroll ensina que eles
não devem perturbar o fluxo de uma melodia, e por isso precisam ser articulados
cuidadosamente. Ele diz que em geral, a melhor proposta é o overlegato. Recomenda usar todos
os recursos de detaché e overlegato, e a tocar com os dedos relaxados, para evitar acentos
101
(KROLL, 2004). O mais importante para Bond é que a ornamentação soe espontânea, como
improvisada, e flua organicamente com a música. Para executá-los com perfeição, segundo Kroll,
é necessário o absoluto controle de todas as suas notas, independentemente de sua duração e
complexidade. Os cravistas devem ser capazes de tocar ornamentos longos e curtos, rápidos e
lentos, trillos em velocidade constante ou com aceleração ou desaceleração (SCHOTT, 1979).
Schott (1979) aconselha que particularmente os trillos devem ser controlados pelo
executante em velocidade e nível dinâmico, tocados expressivamente e não como uma campainha
de telefone, uniformes ou mecânicos. Bond (1997) diz que não se deve tentar tocar trillos mais
rapidamente do que se consegue, mas permanecer relaxado e expirar, evitando assim rigidez ou
tensão. Ela fala que a velocidade em que são tocados tem relação com a velocidade da música, e
por isso nem sempre são tão rápidos. Kroll explica que muitas vezes esta rapidez na execução
deve-se à tendência de endurecermos a mão, dedos e antebraços em antecipação a um ornamento,
com conseqüente perda de controle. Como prevenção, devemos considerar cada nota individual
do ornamento como se tivesse sido escrita por extenso e não com um símbolo. Isto irá promover
uma sensação de relaxamento semelhante à experimentada ao tocar passagens não ornamentadas
e o ornamento se tornará um elemento integrado à linha melódica.
É necessário, de acordo com Kroll, ter controle total da velocidade dos ornamentos, a
ponto de sermos capazes de fazer graduações e mudanças quase imperceptíveis no tempo em
qualquer ponto de sua execução, ou mudar o número de notas que eles contém. Para isto, ele
aconselha a manter sempre os dedos nas teclas (KROLL, 2004). Da mesma forma, Couperin
adverte que mesmo que seus ornamentos sejam escritos com notas de valores iguais, devem
começar mais lentamente do que terminam, com gradação imperceptível (COUPERIN, 1996).
102
Embora Couperin indique dedilhados específicos, ele diz que seria vantajoso que se
praticasse os tremblements, ou trillos, com todos os dedos, apesar disto depender em parte da
aptidão natural e da facilidade e força que se tem em determinados dedos. A escolha caberia ao
professor (COUPERIN, 1996). Ele acrescenta:
Muitas pessoas têm menos disposição para fazer os tremblement e os port-de-voix com certos dedos: neste caso eu aconselho a não deixar de torná-los melhores exercitando-os muito. Mas, como ao mesmo tempo os melhores dedos se aperfeiçoam também, é necessário se servir deles preferencialmente do que dos menos dotados, sem nenhuma consideração a antiga maneira de digitar, que se deve abandonar, em favor do bom toque de hoje (COUPERIN, 1996, p.11, tradução nossa).
Carl Philipp E. Bach também aconselha que se estudem os ornamentos com afinco, e que
os alunos os exercitem até que possam ser tocados com a eficiência e habilidade apropriada. Ele
afirma que “os trinados são os ornamentos mais difíceis”. Seu toque igual e rápido deve ser
treinado desde a juventude. Para tocá-los não se deve levantar muito os dedos, iniciando-os
lentamente e progressivamente tornando-os mais rápidos, com músculos e articulações relaxadas.
A última nota do trinado deve ser resvalada escorregando pela tecla. Alem disso, devem-se
treinar todos os dedos, mesmo que alguns fiquem mais aptos, pois são mais empregados nas
peças (BACH, 1996, p.9 e 61).
Sobre este aspecto, Schott explica que pares de dedos com comprimento semelhante,
mesmo que não adjacentes, fazem trillos tecnicamente mais perfeitos. No entanto, devem-se
treinar outras possibilidades, pois nem sempre os ornamentos ocorrem na música em posições
convenientes. Pode-se ainda introduzir um movimento levemente rotacional para auxiliar na
execução de trillos com dedos não adjacentes. No entanto, todas as modalidades devem ser
treinadas mantendo a base no movimento exclusivo dos dedos (SCHOTT, 1979). Para praticar os
ornamentos, Rameau orienta: “Quando se exercitam os trêmulos ou cadências, é preciso levantar,
103
o máximo possível, os únicos dedos que se utiliza para tanto; mas à medida que o movimento
toma-se familiar, levanta-se menos esses dedos; e o grande movimento se toma no final um
movimento vivo e leve” (RAMEAU, 1979, p.19, tradução nossa).
Outra dificuldade encontrada é a de fazer batimentos regulares enquanto se está tocando
uma voz na outra mão, e identificar o ponto na voz que está se movendo no qual o batimento
deve cessar, coordenando as mãos apropriadamente. Kroll aconselha a praticar as peças
primeiramente sem os ornamentos, e depois acrescentá-los conservando no ouvido a melodia
básica. Ele compara à arquitetura de Versailles, que sem os ornatos, ouro, esculturas e decorações
de superfície, ainda são apenas paredes (KROLL, 2004).
Assim como no tratamento do dedilhado, a execução dos ornamentos tem especificidades
de acordo com o estilo, o período histórico, a escola nacional e em última instância os diferentes
compositores de uma mesma escola. Kroll afirma, por exemplo, que na música francesa, os
ornamentos não são opcionais, mas essenciais devido a seu poder expressivo. Ele chama a
atenção para a proliferação de ornamentos neste estilo, que chegou quase à aplicação de um
ornamento para cada nota, tornando difícil, se não impossível, a execução de uma melodia fluida
e legato. No entanto, ele explica que cada ornamento é cuidadosamente adicionado, criando
sombreados sutis de dinâmica e fraseado em melodias simples (KROLL, 2004). C. P. E. Bach
elogia a meticulosidade dos franceses na indicação dos ornamentos em suas obras, e mais ainda
“os maiores mestres” alemães que, além disso, não o utilizam em tanto excesso quanto os
primeiros. Segundo ele, os franceses podem ter aprendido posteriormente com tais mestres
alemães a “não mais sobrecarregar quase toda nota com um ornamento, o que obscurecia a
necessária clareza e a nobre simplicidade do canto” (BACH, 1996, p.43).
104
Dois ornamentos utilizados por Couperin que queremos destacar aqui são a aspiration e a
suspension. Quanto ao efeito da aspiração, é preciso destacar a nota, sobre a qual o símbolo está
colocado, mais sutilmente em peças ternas e lentas do que naquelas leves e rápidas (COUPERIN,
1996). Couperin diz que a suspension deve ser usada apenas em peças ternas e lentas. Este
ornamento significa um “silêncio que precede a nota sobre a qual está marcado”, e deve ser
regulado pelo gosto da pessoa que o executa (COUPERIN, 1996, p.18, tradução nossa). Kroll
associa ao efeito da suspension à execução em que as mãos não tocam exatamente juntas, mas a
mão direita usualmente soa um pouco depois que a esquerda, ou o contrário algumas ocasiões.
Bond explica que a mão esquerda é tocada a tempo, e a direita, atrasada. Ela diz que isto pode ser
compreendido como o equivalente musical a um “roubo de respiração”. Esta técnica é usada para
obter um grau especial de expressividade, tendo sido muito utilizada por Couperin e Rameau.
Segundo Kroll, esta tradição persistiu com o piano através do século XIX e nas primeiras décadas
do XX. Bond diz que isto é uma marca particular na música de Chopin (KROLL, 2004; BOND,
1997). O uso dos ornamentos nos demais países não foi tão sistematizado quanto na França,
sendo às vezes impossível determinar com eram tocados. Para executá-los, é necessária a análise
da obra e o gosto, além de nos embasarmos com princípios estéticos e técnicas expressivas
(KROLL, 2004).
Uma outra modalidade de ornamentação, o livre “embelezamento” ou a improvisação,
refere-se à prática de adicionar notas a uma composição preexistente, e liga-se essencialmente ao
estilo barroco. Segundo Kroll, o intérprete que é capaz de fazer isso alcançou um admirável nível
artístico (KROLL, 2004). Esta prática também tem grande relação com a livre improvisação
sobre um baixo cifrado, que trataremos com mais detalhes no próximo capítulo.
105
Para improvisar, é necessário conhecer a harmonia da peça, saber os acordes, que notas
são consonantes e dissonantes, e como modular para um tom diferente. A ornamentação é
acrescentada a uma melodia horizontal, mas as escolhas musicais são na verdade determinadas
por sonoridades verticais. Também é necessário conhecer o estilo, para que o embelezamento
adicionado soe como se tivesse sido escrito em um idioma nacional específico ou por um
compositor individual. De acordo com Kroll, dominar esta arte não é simples, mas é uma
oportunidade para a expressão individual e criatividade (KROLL, 2004).
Carl Philipp comenta sobre o acréscimo de ornamentos, dizendo: “As peças em que se
indicam todos os ornamentos não causam preocupação; entretanto nas peças em que há poucos
ornamentos indicados ou mesmo não há nenhuma indicação, o executante deverá utilizar os
ornamentos de acordo com a maneira convencional”. Ele aconselha ao intérprete habilidoso
acrescentar ornamentos mais elaborados aos já escritos pelo compositor. No entanto, deve-se
fazer isto “raramente, nos lugares apropriados, e sem jamais violentar o afeto da peça” (BACH,
1996, p.43). C. P. E. Bach afirma que os ornamentos são mais usados em andamentos lentos e
moderados, do que em andamentos rápidos, mais em notas longas. Eles são mais freqüentes nas
cadências perfeitas e imperfeitas, nas cesuras e nas fermatas. Segundo ele, a expressão de
simplicidade ou da tristeza pede menos ornamentos que outras paixões (BACH, 1996).
Bach diz que quando os ornamentos são mal escolhidos, mal tocados, tocados em lugares
não apropriados ou em número inconveniente, podem causar grande dano à música, tamanha a
sua importância. Deve-se evitar empregá-los em profusão, mas considerá-los como “adornos, que
em exagero estragam a melhor das construções, ou como especiarias, que também em exagero
estragam os melhores pratos” (BACH, 1996, p.43).
106
Para aprender esta arte, devem-se ler registros dos compositores e intérpretes da época
sobre suas improvisações, estudar exemplos de improvisações escritas, encontrados em tratados,
arranjos, obras contendo duas ou mais versões de ornamentações, e movimentos altamente
decorados e tentar imitá-los (KROLL, 2004). Segundo Schott (1979), os compositores deram
muitos exemplos para a livre ornamentação. Para começar, devemos tentar preencher lacunas
mais óbvias, como trillos cadenciais freqüentemente omitidos que devem obrigatoriamente ser
tocados.
2.5 Questões rítmicas
Dentro deste vasto assunto, inúmeros elementos relacionados ao ritmo e sua ligação com
os diversos estilos são apontados pelos autores. Os acentos agógicos são comentados apenas por
autores recentes, como Kroll, por exemplo. Já o rubato, além destes últimos, também é
mencionado por Couperin e C. P. E. Bach. O item sobre desigualdades rítmicas é sem dúvida o
que mais mereceu comentários e explicações. Ele está presente em todas as obras, inclusive na
mais antiga, o tratado de Sancta Maria. No entanto, segundo os autores recentes, ele provoca uma
das discussões mais polêmicas e controversas.
Na música para o cravo, o ritmo, caracterizado pelos grupos de tempos irregulares
resultantes da articulação e fraseado das linhas musicais, está dentro da moldura da métrica,
pulsação regular e recorrente na música. Schott explica que nem sempre a acentuação rítmica vai
corresponder à métrica, isto é, os tempos fortes e fracos podem não coincidir necessariamente
com os mesmo tempos do compasso (SCHOTT, 1979). A diferença entre métrica e ritmo exposta
107
por Schott parece associar-se muito bem à distinção entre Compasso, e Cadência, ou mouvement,
descrita por François Couperin (1996, p.40, tradução nossa). Ele diz que compasso é a quantidade
e a igualdade dos tempos, e cadência ou mouvement é “a inteligência e a alma que se deve
adicionar”. A cadência tem relação com o sentimento, ou segundo Donington (1963, p.386), o
autor da obra “The Interpretation of Early Music” (1963), o “clima” que uma peça expressa.
A velocidade com que estes e outros componentes da música são mais bem percebidos
uns em relação aos outros representam o andamento ideal de uma peça. Segundo Donington, o
andamento é uma conseqüência da cadência, ou mouvement. Schott afirma que não há autênticas
marcações metronômicas no repertório de cravo, pois os compositores não sentiam necessidade
para tal. Ele diz que uma solução para encontrar o melhor andamento de uma obra é cantá-la, ou
dançá-la, condicionando a velocidade ao pulso e à respiração (SCHOTT, 1979). Em relação ao
andamento, Bach afirma: “Pode-se deduzir o andamento de um movimento principalmente a
partir do caráter da peça” (BACH, 1996, p.104).
Dentro das questões relacionadas ao ritmo, há os acentos agógicos. De acordo com Kroll,
estes acentos criados pelo prolongamento rítmico de notas individuais são empregados
freqüentemente no cravo. No entanto, muitas vezes eles são utilizados como substitutos para a
articulação e mascaram a perda do controle tátil da ponta dos dedos. Por isso, devem ser
encarados apenas como um recurso técnico adicional (KROLL, 2004). Schott explica que os
cravistas acostumaram-se a contar com acentos agógicos para diferenciar tempos fortes e fracos.
Eles diminuem o tempo fraco, freqüentemente suspendendo as mãos do teclado, e compensam
esta perda de som pelo prolongamento do tempo forte, conseqüentemente atrasando a nota que se
segue. Este prolongamento tende a distorcer o ritmo e a perturbar a energia, condução e
regularidade básica do tempo. Cada tempo forte fica muito acentuado, e a performance soa como
108
se estivesse picotada em várias pequenas unidades, sem linearidade. Kroll aconselha a manter o
tempo fraco por quase toda a sua duração, apenas usando o detaché antes do tempo forte para dar
um acento natural, e não sustentar o tempo forte por muito mais tempo do que seu valor notado
(KROLL, 2004).
Outro aspecto rítmico importante é o emprego do rubato. Para Kroll (2004), o rubato é
essencial na performance de qualquer estilo musical, em qualquer instrumento. Bond afirma que
os músicos barrocos escreveram pouco sobre este tópico, mas os intérpretes o invocavam tanto
quanto em outros períodos. Ela exemplifica com o Prefácio das Toccatas de Frescobaldi, onde a
idéia de flexibilidade foi largamente desenvolvida (BOND, 1997). Schott também cita
Frescobaldi, que orienta em seu prefácio que toquemos sua música com considerável liberdade,
ou mesmo rubato, fazendo retardos em cadências (SCHOTT, 1979). François Couperin (1996,
p.60) disse: “A música tem sua prosa e seus versos”, falando sobre a liberdade no tocar.
Bond define rubato como uma elasticidade entre pontos fixos, uma fluidez na música,
uma naturalidade de métrica nas cadências, e cita a definição de Roger North, “quebrando, e
ainda mantendo o tempo”, tomada emprestada do cantor italiano Tosi (BOND, 1997, p.113,
tradução nossa). Ela diz que a liberdade rítmica diz respeito às pequenas elasticidades sobre uma
norma fixa que distinguem a sensibilidade humana de uma abordagem mecânica. Usado de forma
inteligente, ele é uma importante fonte de expressão no cravo, compensando a invariabilidade
dinâmica do instrumento (BOND, 1997). Carl Philipp E. Bach comenta: “A execução exata deste
tempo exige muito discernimento e grande sensibilidade. Quem dispõe de ambos não terá
dificuldade na sua execução, com toda a liberdade e sem a mínima restrição, e se for necessário,
poderá deformar assim todas as frases” (BACH, 1996, p.111). Ele explica que o correto é que
uma mão pareça tocar fora do compasso, enquanto que a outra coincide meticulosamente com
todas as suas divisões, sendo raro que as duas mãos toquem ao mesmo tempo. “Quem é mestre na
109
execução deste tempo não se prende aos números 5, 7, 11 etc. que estão marcados. Ele toca mais
ou menos as notas, de acordo com seu estado de espírito, mas sempre com a liberdade
conveniente” (BACH, 1996, p.112).
Kroll diz que nunca devemos tocar com a regularidade de um metrônomo, e o ritmo deve
ser flexível e plástico. No entanto, ele acredita que os cravistas tendem a contar muito com o
rubato, acelerando em passagens com escalas, e ralentando quando querem ser expressivos e
mudar o ritmo. Kroll aconselha a usá-lo com moderação, e somente quando a articulação por si
só não for suficiente. Lembra que rubato quer dizer roubar, e diz: “Seja um ladrão honesto!”,
mantendo um ritmo fixo (KROLL, 2004, p.47, tradução nossa). Bond diz que a partir do
estabelecimento num primeiro momento de um forte senso de ritmo regular, o rubato vem
posteriormente como uma parte natural da técnica. O gesto, a vivacidade e a flexibilidade
tornaram-se marcas registradas de qualquer performance histórica hoje (BOND, 1997).
Um quesito rítmico essencial a ser discutido quando tratamos de música para cravo são as
desigualdades rítmicas. Elas são convenções que foram originadas ainda no século XVI e
marcaram profundamente as composições do barroco, não apenas na França, onde sua presença
era fundamental, mas também em outros países da Europa. Embora seja controversa a sua
extensão temporal e geográfica, encontramos, por exemplo, observações importantes sobre esta
prática nos “Avertimenti” de Frescobaldi. De acordo com Bond, os compositores esperavam dos
intérpretes alterações nos ritmos escritos, mas raramente usavam notação para indicar como e
onde isto deveria ser feito (SCHOTT, 1979; BOND, 1997). Kroll acrescenta a realização de tais
desigualdades dependia destas tradições de interpretação não escritas e do bom gosto do
intérprete (KROLL, 2004).
Decifrar este complexo sistema de escrita, na opinião de Kroll, demanda dos
contemporâneos que passaram a tocar estas obras o dispêndio de grande esforço. Bond considera
110
que esta questão pode parecer complicada para o aluno iniciante. Schott diz que nenhum aspecto
da performance de música antiga é mais controverso e menos consensual do que este polêmico
tópico. Da mesma forma Kroll afirma que controvérsias continuam sobre esta prática, e “elevam
a pressão” de intérpretes e acadêmicos. No entanto, enquanto Kroll se diz francamente surpreso
com tais discussões, já que a sua aplicação é tão clara e a documentação tão abundante, Schott
reclama de uma escassez de informação substancial sobre o assunto proveniente do século XVIII.
Kroll explica que os franceses escreveram ostensivamente sobre o assunto porque eles
acreditavam que esta desigualdade era essencial à execução de suas composições e deveria ser
aplicada corretamente. E acrescenta que a desigualdade, chamada por eles inegalité, não deve ser
considerada opcional às “Pièces de Clavecin” (SCHOTT, 1979; BOND, 1997; KROLL, 2004).
O primeiro tipo de desigualdade, e na opinião de Schott, o mais difícil de entender em
teoria e aplicar na prática, é a execução de certas notas, escritas com valores iguais, mas com seu
comprimento e ênfase distribuídos como se estivessem notados de forma desigual (SCHOTT,
1979). A execução mais usual resultará num par longo-curto, onde a primeira nota é tocada
sutilmente mais longa que a segunda. Este padrão é chamado pelos franceses de lourer. Bond
explica que isto se aplica a pares de notas em graus conjuntos com duração de meia pulsação. A
primeira nota, a principal, é levemente prolongada, e a segunda, normalmente uma nota de
passagem, é encurtada, provocando um suave movimento ritmado (BOND, 1997). Kroll explica
que a desigualdade deve ser flexível, variada de acordo com o contexto musical, e usada com
sutileza. Ele afirma que não há como medi-la, e nem devemos tentar isto. De forma simplificada,
devemos apenas pegar emprestado um pouco do tempo da segunda nota e dar à primeira,
conforme ensinam autores contemporâneos. Ele ainda sugere pensar a desigualdade como a arte
do rubato levada ao grau último de sutileza, como uma espécie de hiper-rubato (KROLL, 2004).
111
Kroll aponta um erro comum nesta prática: tocar o inégal como um ritmo pontuado. Para
ele, há uma razão intuitiva óbvia: ritmos pontuados podem ser notados, e a desigualdade não. Há
exemplos na música francesa onde ritmos pontuados estão indicados na música lado a lado
àqueles que devem ser tocados inégal. Bond explica que a desigualdade não chega a resultar num
ritmo pontuado, lembrando mais uma tercina “preguiçosa”. Ela deve parecer ao ouvinte mais uma
alternância entre pesado e leve do que entre longo e curto. Kroll observa que há uma exceção ao
tocar peças rápidas ou de caráter vigoroso, já que nesse caso que uma sensação de pontuação
pode ocorrer (BOND, 1997; KROLL, 2004). Schott explica que pares longo-curto não devem ser
usados quando o outro tipo de desigualdade estiver indicado, ou quando estiver expresso um
comando para tocar as notas iguais (SCHOTT, 1979). Além disso, símbolos que indicam acentos,
a colocação de pontos sobre as notas, ligaduras em mais de duas notas, assim como indicações
italianas na música francesa, não sugerem o uso de inegalité. Se o movimento é arpejado ou
possui muitos saltos a desigualdade também não é indicada (KROLL, 2004; BOND, 1997;
SCHOTT, 1979).
Ocasionalmente, a inegalité invertida, que era chamada pelos franceses de couler, também
é usada. Os compositores não indicaram consistentemente ou claramente onde este tipo de
desigualdade deveria ser aplicado, mas notas pareadas em determinados contextos sugerem isto
(BOND, 1997). Kroll (2004) observa que este par curto-longo às vezes é apropriado, mas é bem
menos freqüente. Ele era indicado por uma ligadura simples sobre os pares de notas ou por uma
ligadura mais um ponto na segunda nota do par. Ocasionalmente um alongamento sutil da
primeira de quatro notas, como “longo-curto-curto-curto” é efetivo e mesmo recomendado por
algumas autoridades antigas. Além da descrição da desigualdade rítmica mais empregada, o
padrão longo-curto, Sancta Maria também registra no capítulo sobre “Tocar com bom ar” o
112
padrão curto-longo como sendo “muito mais elegante” que o anterior, e o padrão longo-curto-
curto-curto como “o mais elegante de todos”. Na música deste autor, a evidência de que a
desigualdade não era necessariamente uma pontuação não é tão evidente, já que ele afirma que se
devem tocar as semínimas detendo-se na primeira, como se tivesse um ponto, e “correr”
moderadamente a segunda, como se fosse colcheia, e assim sucessivamente (SANCTA MARIA,
1972, f.45 e 46, tradução nossa).
François Couperin também descreve em seu tratado a diferença no modo em que os
franceses tocam em relação aos italianos. Para ele, isto se deve a “defeitos” na maneira francesa
de escrever sua música, que corresponderiam à maneira de escrever sua língua. Ele fala: “Por
exemplo, nós pontuamos várias colcheias consecutivas por graus conjuntos, entretanto, são
escritas iguais. Este hábito tem dominado e assim continua”. Como eles escrevem de forma
diferente do que executam, os estrangeiros tocam pior a música francesa. Os italianos, ao
contrário, “escreveram suas músicas nos valores reais que pensaram” (COUPERIN, 1996, p.39,
tradução nossa).
Segundo Schott, a desigualdade é aplicável a obras francesas, a compositores italianos
que escreveram antes de 1650, como Merulo, os dois Gabrielis, Frescobaldi, e possivelmente
Michelangelo Rossi, limitando a formas livres como toccatas e prelúdios. Como dito
anteriormente, Frescobaldi é bem explícito sobre a execução de suas toccatas, através dos
Avertimenti publicados em 1637. Para os virginalistas, a articulação pareada, e não realmente
uma desigualdade é indicada. Entretanto, no tempo de Purcell, parece que se tocava comumente
com notas desiguais, devido à influência francesa após a Restauração. A desigualdade era
empregada na música da escola antiga espanhola, centrada em Cabezón, mas não parece ter
chegado ao século XVIII. Peças alemãs em estilo francês pedem a desigualdade, e pelo mesmo
113
motivo, suítes de J. S. Bach. Ligaduras em sua música sugerem igualdade, e obviamente obras de
tradição alemã como fugas e polifonias não pedem a desigualdade (SCHOTT, 1979). Já para
Kroll, ainda não se tem uma resposta definitiva sobre o uso nas obras de J. S. Bach, Handel e
outros compositores não franceses, embora a técnica tenha sido certamente usada em outros
países. Kroll recomenda seu uso em obras de compositores não franceses que escreveram
conscientemente em estilo francês. Isto inclui algumas obras de Bach e Handel, suítes de
Froberger, Muffat, Böhm, e outros (KROLL, 2004).
A desigualdade envolve uma articulação em dois. As articulações detaché e overlegato
podem ser usadas com inegalité, mas o fraseado legato é geralmente mais apropriado (SCHOTT,
1979; KROLL, 2004). A distribuição ideal de durações e pesos relativos em cada caso deve ser
decidida a partir do material de cada peça, levando em conta seu humor, andamento, padrão de
valores de notas e ritmos prevalecentes (SCHOTT, 1979).
Outra desigualdade rítmica, a superpontuação ou “dupla-pontuação”, se refere ao aumento
do prolongamento de semínimas ou colcheias pontuadas, em peças onde estas figuras são
predominantes. Bond explica que quando movimentos contêm muitos ritmos pontuados, eles
devem ser exagerados, como se as notas curtas se tornassem muito mais curtas, e fossem tocadas
no último momento possível, quase acrescentando um silêncio entre a nota longa e a curta que se
segue (BOND, 1997). Na visão de Kroll, é estilisticamente apropriado utilizar a superpontuação
em overtures do repertório francês escritas por compositores franceses. Para ele, a questão de seu
uso em peças não francesas continua em aberto, mas o autor aconselha que a dupla pontuação
deve ser usada para compositores que estejam intencionalmente escrevendo em estilo francês. Já
Schott afirma que além da França, outros países como Alemanha e Itália a usavam com
freqüência. No entanto, ele explica que nem sempre era muito simples distinguir esta super
114
pontuação, e raramente alguns compositores escreviam indicações como pointé ou piqué, por
exemplo, levando os intérpretes a decidirem pelo bom senso e sentido musical. Kroll acrescenta
que outros fatores determinantes na decisão de seu emprego são o caráter ou efeito desejado, as
preferências individuais do intérprete, e é claro, o bom gosto (SCHOTT, 1979; KROLL, 2004).
Kroll explica que como na inegalité, a pontuação deve ser variada. Não se pontua uniformemente
como uma máquina, e deve-se tomar cuidado para que o ritmo não seja distorcido
excessivamente, ou com o uso de detaché em demasia, uma vez que o som seco perturba o fluxo
natural da melodia (KROLL, 2004).
CAPÍTULO 3
A TÉCNICA “LATO SENSU”: HABILIDADES FUNCIONAIS, DE LEITURA, E AUXILIARES
116
No presente capítulo, continuaremos a lidar com as habilidades técnicas num sentido
amplo. Falaremos de modos de fazer, direcionados às habilidades funcionais, bem como a
técnicas de leitura e as que auxiliam o dia a dia do cravista.
3.1 Habilidades Funcionais
Conforme já foi explicado, as habilidades funcionais dizem respeito a tudo que envolve a
criatividade do músico. Podemos citar como exemplos as habilidades de composição,
improvisação, e transposição. Na prática cravística, elas são muito presentes, e geralmente estão
associadas ao acompanhamento através do baixo contínuo na música de câmera. Devido a isto,
esta prática será discutida em detalhes a seguir.
Entretanto, todas as habilidades que vinham sendo mencionadas até o presente momento
também se aplicam a tal prática. Isto é, para executar bem um acompanhamento de baixo
contínuo, é preciso ter uma boa sonoridade, conhecendo como o som é produzido, deve-se saber
articular, frasear, criar diferentes dinâmicas, explorar os diversos tipos de acordes, expressar o
caráter e o afeto das peças. Além disso, necessitamos aplicar a melhor registração, incluir
ornamentos, escolher o dedilhado mais adequado para evitar movimentos excessivos das mãos, e
ter apurado senso e controle rítmico, bem como dominar as desigualdades e liberdades requeridas
pelos estilos e repertório tocados.
Este é um dos assuntos em que mais percebemos a que público alvo destinava-se os livros
atuais que selecionamos. Dois dos autores, Schott e Bond, ao abordarem a prática do baixo
contínuo, oferecem ao aluno iniciante, sobretudo ao pianista, a possibilidade de utilizar partituras
117
já realizadas, ao mesmo tempo em que vai gradativamente aprendendo a realizar as cifras e a
improvisar a partir de partituras cifradas. Muitos conselhos são dados sobre como escolher uma
partitura realizada, e baseando-se nela, dar a impressão auditiva de uma improvisação fluida,
mesmo que o que se esteja tocando na realidade já venha escrito. Poderíamos dizer que tais
autores, nesta situação, estão dando maior ênfase a uma outra habilidade funcional, o arranjo, do
que propriamente à improvisação. Isto nos leva a acreditar que tais fontes atuais não seriam as
referências adequadas para embasar um estudante de cravo sobre a realização do baixo contínuo.
Autores como Williams e Ledbetter (2001), Christensen (1992), Bukofzer (1947), Arnold (1931),
dentre outros, seriam muito mais apropriados. No entanto, por questões metodológicas, traremos
alguns comentários coletados nas fontes escolhidas.
Dentre os tratados selecionados, o que mais menciona sobre a realização do baixo
contínuo e a prática em conjunto é o de autoria de Carl Philipp Emanuel Bach. Lembramos que a
segunda parte de sua obra destina-se inteiramente a este assunto. Há muitos tratados de época
sobre o baixo contínuo. No entanto, como nosso objeto definiu-se por tratados dirigidos
fundamentalmente à técnica e interpretação ao cravo, como exposto anteriormente, não
contemplamos todas as fontes específicas sobre cada aspecto descrito, pois isto demandaria um
trabalho de proporções muito maiores e fugiria ao nosso foco central.
A prática do baixo contínuo caracteriza-se pela realização de cifras - numerais e acidentes
- que, acrescentadas ao baixo, indicavam os intervalos sobre ele. A partir delas os cravistas
improvisavam e executavam as funções essenciais do acompanhamento: reforçar o fluxo rítmico
da música, e prover um preenchimento harmônico, ou mesmo contrapontístico da textura, dando
suporte ao conjunto (SCHOTT, 1979). Um rico material sobre baixo contínuo chegou até os dias
de hoje. Os tratadistas preocupavam-se com isto porque, segundo Schott, “o baixo contínuo era a
118
estrutura sobre a qual a educação dos músicos, tecladistas em sua maioria, era construída”
(SCHOTT, 1979, p.193, tradução nossa). Um dos tratados mais importantes, citado por Schott e
Bond (1997), é o ensaio de C. P. E. Bach.
Hoje em dia, a arte de realizar partes de teclado de uma linha de baixo cifrada começou a
ser cultivada novamente. O número de cravistas e organistas fazendo isto são enormes, mas na
opinião de Schott, é rara a união completa entre capacitação e bom gosto. Realizar um contínuo é
para ele muito mais do que uma mera facilidade técnica em traduzir notas e números (SCHOTT,
1979). Carl Philipp afirma que, devido às demandas do estilo de acompanhamento de sua época
“Não se contenta mais com um acompanhador que apenas lê e toca as cifras, e exige-se mais do
que memorizar todas as regras, e segui-las mecanicamente” (BACH, 1996, p.124).
Schott aconselha ao estudante iniciante a começar realizando harmonias simples e a ver
especificidades do acompanhamento em tratados práticos. Mas diz que desde o início, e mesmo
estudando sozinho, devem-se acompanhar colegas. Ele sugere inclusive o emprego de partes
realizadas (SCHOTT, 1979). Couperin e Carl Philipp Emanuel Bach recomendam que antes de
aprender a arte do contínuo, deve-se saber tocar “bons solos”. Bach os define como aqueles que
“têm uma melodia bem construída e uma harmonia correta, em que ambas as mãos são
suficientemente exercitadas” (BACH, 1996, p.124). Couperin orienta que se devem esperar dois
ou três anos antes de aprender a acompanhar, por três razões: os baixos que possuem uma
progressão melódica na mão esquerda devem ser executados com a mesma clareza e precisão das
peças solo, sendo necessário para isso que se toque muito bem; a mão direita, acompanhando
com acordes, fica sempre em uma mesma extensão, o que pode torná-la muito rígida; a
disposição e vivacidade que se deve ter para executar o contínuo podem levar a um
comprometimento do toque, deixando-o pesado (COUPERIN, 1996).
119
Para a realização, geralmente utiliza-se o acompanhamento tipo “hino” em quatro vozes,
movendo-se em bloco. Bond (1997) diz que os próprios tratados de contínuo estão baseados no
estudo deste tipo de textura, com uma nota na mão esquerda e três na direita, porque esta era a
norma e o mais conveniente para ensinar, mas nem sempre era a textura ideal ao
acompanhamento. Bach aconselha a “começar com acompanhamento a quatro vozes,
estabelecendo seus fundamentos. Quem aprende bem isto, se sai muito bem com os outros tipos”
(BACH, 1996, p.126). Segundo Schott (1979), a realização a quatro vozes pode ser melhorada
através de acordes quebrados, e pela utilização de alguns ornamentos.
Na realização a quatro partes, na opinião de Bond (1997), não se deve preocupar
excessivamente com a correta condução de vozes. Mesmo assim, deve-se tentar evitar quintas e
oitavas paralelas, particularmente entre as vozes extremas, o que pode ser feito pelo uso de
movimento contrário entre as duas mãos. Bach afirma: “As progressões ruins inevitáveis, as
quintas e oitavas ocultas, e algumas quintas permitidas em relação ao baixo, devem ser colocadas
nas vozes intermediárias; a voz superior deve ser sempre cantante e manter uma relação pura com
o baixo” (BACH, 1996, p.126). Deve-se preferencialmente manter a mão direita na extensão
média do teclado, e evitar uma concentração de notas graves na mão esquerda, e agudas na
direita. Dobramentos sonoros e o preenchimento de tríades em ambas as mãos são extremamente
efetivos em passagens grandiosas. Pode-se ainda dar ênfase a alguns acordes usando notas extras
não harmônicas, a fim de aumentar a sonoridade do instrumento, através da acciaccatura, por
exemplo. Preferencialmente, não se devem realizar os acordes numa tessitura mais aguda do que
a melodia do solista, com exceção ao caso de instrumentos ou vozes solistas de extensão grave,
como o violoncelo, por exemplo, onde isto não seria possível, já que os acordes soariam muito
próximos, ou abaixo da linha de baixo escrita no acompanhamento (BOND, 1997). Mesmo neste
120
último caso, Bach aconselha que os acordes não sejam tocados muito acima da voz principal, e
que se forem realizados no registro grave, o número de notas seja reduzido para que os acordes
não percam a clareza (BACH, 1996).
Bond (1997) considera bom que às vezes sejam adicionadas melodias complementares ou
de resposta, por exemplo, nas pausas da parte solista. Bach explica que:
A beleza de um acompanhamento não está em passagens muito elaboradas e volume exagerado, que se inventa sem que seja indicado. [...] O acompanhador será realçado e atrairá a atenção de ouvintes inteligentes fazendo com que ouçam a firmeza sem adornos e a simplicidade nobre que não interfere na execução brilhante do solista. [...] Quando a ocasião e o caráter de uma peça permitem, quando a voz principal faz uma pausa ou toca notas simples, o acompanhador pode, então, soltar seu fogo abafado. Exige-se, no entanto, que se tenha muita habilidade, respeitando-se o verdadeiro caráter da peça (BACH, 1996, p.291).
Nestes casos, Schott orienta a não hesitar em “falsear” o estilo do compositor, imitando
seu material e estilo musicais de todas as maneiras possíveis (SCHOTT, 1979, p.194, tradução
nossa). Já nas poucas partes existentes que foram originalmente realizadas, isto é, com cravo
obbligato, raramente algo deve ser adicionado pelo intérprete, a não ser ornamentos ocasionais.
Isto é aconselhado, pois em tais partes o compositor já incorporou linhas contrapontísticas
independentes e material temático (SCHOTT, 1979).
C. P. E. Bach explica que podem ser usadas uma, duas, três, quatro ou mais vozes na
improvisação do contínuo. O acompanhamento uniforme a quatro ou mais vozes é empregado em
músicas com muitos instrumentistas, peças elaboradas, contrapontos, fugas. Já o
acompanhamento a três ou menos vozes é “usado por delicadeza” (BACH, 1996, p.125). Bond
também aconselha variações na textura, ou seja, o número de notas em um acorde, e outros
detalhes, de acordo com o contexto. Acordes cheios e fortes pedem notas dobradas nas mãos
direita e esquerda, enquanto um efeito piano pede que a textura seja afinada com três ou mesmo
duas notas, e um pianíssimo não precisa de nada além do baixo, às vezes notado como tasto solo.
121
Uma boa realização deve incorporar uma combinação apropriada de texturas. Deve-se frasear a
parte de baixo com a mão esquerda, e tocar os acordes na mão direita (BOND, 1997).
Bond (1997) diz que tocar contínuo é divertido, e ser capaz de tomar parte em uma
música de conjunto já é um prazer por si só. Couperin concorda que não há nada mais divertido
para si mesmo e que aproxime mais as pessoas do que ser um bom acompanhador. Ele considera
o acompanhamento ao cravo como o alicerce de um edifício, que sustenta tudo. No entanto,
Couperin observa que, infelizmente, este é o último a ser elogiado nos concertos. Ele lamenta que
raramente se fale do acompanhador, ao contrário do solista, que se sobressai nas peças,
“desfrutando sozinho de toda atenção e aplausos dos ouvintes” (COUPERIN, 1996, p.44,
tradução nossa). Bach também observa que o acompanhador “tem que colaborar para realçar de
improviso toda a beleza que o solista preparou com tanto cuidado e por tanto tempo. Mesmo
assim, é o solista que ganha todos os bravos, não dando nenhum crédito para o acompanhador”
(BACH, 1996, p.291).
Segundo Bach, a expressão mais comum usada para descrever um bom acompanhador é a
descrição. Isto significa que ele sabe distinguir bem e realiza de acordo com o caráter da peça, o
número de vozes, os outros executantes – sobretudo o da voz principal, os instrumentos ou as
vozes, o lugar, os ouvintes, etc. “Com extrema modéstia, ele procura ajudar àqueles que
acompanha a receberem o aplauso desejado, ainda que às vezes o acompanhador seja melhor que
os outros instrumentistas”. Mesmo os amadores, ele deixa que se destaquem e não tenta encobri-
los. Ele procura estar sempre de acordo com as intenções do compositor e dos executantes,
“procurando melhorar e colaborar com estas intenções”. Ele não deve esquecer que está apenas
acompanhando, e não conduzindo. “Um acompanhador discreto tem que ter uma alma musical,
com muito entendimento e boa vontade”. Isto também quer dizer adaptar-se a certas liberdades
122
dos solistas, bem como ao erro dos outros e fazer concessões. Tais liberdades não devem,
entretanto ser originadas da incerteza, mas do domínio racional (BACH, 1996, p.307).
Bond (1997) diz que a formação para tocar trio sonatas é excelente para o aprendizado do
contínuo. O conjunto deve incluir sempre que possível um violoncelo ou viola da gamba, ou
mesmo um fagote, preferencialmente em formações com instrumentos de sopro. Segundo Carl
Philipp E. Bach, “O acompanhamento mais perfeito de um solo é um instrumento de teclado
juntamente com um violoncelo” (BACH, 1996, p.124). Para Bond, é uma grande
responsabilidade acompanhar obras corais com solistas; e não se deve fazer isso até ter adquirido
experiência. Em um conjunto grande, deve-se posicionar bem o instrumento, geralmente, perto
dos instrumentos graves (BOND, 1997). Sobre isso, Carl Philipp afirma: “quando o cravo é
colocado no lugar correto, isto é, no centro do conjunto, seu som pode ser ouvido claramente por
todos [...] Se o primeiro violinista ficar, como deve, perto do cravo, dificilmente a desordem se
instalará” (BACH, 1996, p.6).
A dificuldade fundamental em tocar música de câmera com cravo usualmente é o
equilíbrio de volume entre os instrumentos, que vai variar de acordo com sua quantidade e
características físico-acústicas. Bach diz que o cravo de um teclado “é o que mais causa
embaraços ao acompanhador, por causa do forte e do piano. Não lhe resta nada a fazer, para
superar a imperfeição do instrumento, a não ser diminuir ou aumentar o número de vozes nos
acordes” (BACH, 1996, p.292, grifos do tradutor). Na orquestra, todos os instrumentos usados no
contínuo, muitas vezes dobrados, se juntam para reforçar a linha de baixo. Uma outra dificuldade
é a coordenação entre os instrumentos. Bond (1997) diz que a mão esquerda deve espelhar o
fraseado do resto do grupo, sobretudo se o baixo está tomando parte no diálogo ou imitação do
material temático geral. Os princípios gerais de articulação devem ser aplicados à mão esquerda.
123
Bach explica que se deve estar atento para que “nenhuma nuance da música passe
desapercebida”. Deve-se observar “como os músicos geralmente ouvem-se uns aos outros e
adaptam sua execução para que, em conjunto, atinjam o objetivo desejado” (BACH, 1996,
p.124). Já algumas das vantagens de tocar em conjunto são que as cordas podem sustentar notas
longas que o cravo não consegue, ou ter um instrumento dobrando o baixo, permitindo ao
cravista exercer seu papel de assegurar a harmonia e o ritmo (SCHOTT, 1979).
O cravista precisa prover propulsão rítmica ao conjunto, além do necessário
preenchimento harmônico. Historicamente, muitos grupos eram regidos do cravo – um método
freqüentemente revivido hoje (BOND, 1997). Carl Philipp afirma que “o teclado é e tem que ser
sempre o guardião do compasso” (BACH, 1996, p.5). Ele observa que um acompanhamento
atrasado pode prejudicar bastante o conjunto. Bond aconselha que os allegros sejam tocados com
graça e animação, através da marcação do começo de cada compasso, e da suavização dos tempos
fracos. Os tempos fracos não devem ser ligados aos fortes. Devem-se variar os acordes de acordo
com o contexto. Acordes secos e incisivos ajudam o conjunto em passagens allegro, enquanto os
suaves e arpejados em diferentes proporções servem a passagens ternas. Não é necessário tocar
notas demais, preenchendo de acordes todos os tempos do compasso. Poucos ataques bem
escolhidos são mais elegantes e efetivos, principalmente em tempos fortes. Por outro lado,
acordes que devem ser sustentados precisam ser repetidos (BOND, 1997). Schott (1979) orienta
que o tecladista não deve repetir todas as do baixo que soariam melhor na gamba e no cello. Carl
Philipp E. Bach diz que quando os outros instrumentistas estão tocando notas sustentadas é
aconselhável que o tecladista repita acordes, para que possa indicar claramente a marcação do
compasso, e pela mesma razão, deve omitir notas quando necessário, considerando-se as
dificuldades e a impossibilidade de tocá-las todas. A maneira de tocar na mão esquerda com
124
notas repetidas rápidas, tão freqüentemente exigida nas composições de sua época, é a ocasião
mais propícia para que “as melhores mãos se estraguem e se enrijeçam”. C. P. E. Bach considera
óbvio que a mão direita não tenha que acompanhar todas as notas, principalmente as de passagem
(BACH, 1996, p.5).
É difícil dar sugestões específicas sobre registração na música de câmera. Raras
marcações de piano e forte sugerem o uso de instrumentos de dois manuais. Sem mudar a
registração, podemos ajustar a textura pelo número de partes e pela atividade rítmica. Reduzindo
uma textura a quatro partes para três, a harmonia pode ser preservada enquanto o nível de
dinâmica é suavizado. Aumentando o número de notas soando consecutiva ou simultaneamente, e
arpejando os acordes, mesmo repetidamente às vezes, podemos conseguir uma grande quantidade
de som com um único registro de 8’ (SCHOTT, 1979). Bach orienta que em um cravo de dois
teclados, o fortíssimo e o forte são tocados no manual mais forte, além de duplicar na mão direita
todas as notas consonantes, desde que a natureza do baixo permita, e que seja evitado o registro
grave. Na execução em mezzoforte, a mão esquerda toca o baixo no manual mais forte e a direita
realiza os acordes no mais fraco. O pianíssimo é executado nesse manual, em adição à redução de
notas do acorde (BACH, 1996).
Além de estudar o material teórico, deve-se experimentar, e acima de tudo ouvir
intérpretes experientes (BOND, 1997). Afirma Carl Philipp: “Recomenda-se especialmente a
audição de boa música e a observação cuidadosa de bons acompanhadores. Isto cultivará o
ouvido e acostuma-lo-á a ser atento” (BACH, 1996, p.124).
Outro tipo de improvisação ligado à realização de acordes sobre um baixo é a execução de
fantasias. Neste caso, entretanto, o baixo é criado no momento da performance, ou escrito
anteriormente pelo próprio executante. Lembramos que, dentre os tratadistas que estudamos, o
125
principal objetivo de Sancta Maria era trazer conhecimentos, regras estabelecidas para que o
executante fosse capaz de improvisar no estilo imitativo, ou seja, tocar fantasias.
As fantasias constam basicamente de uma improvisação sobre um baixo escrito a partir da
escala ascendente e descendente da tonalidade prescrita, mais pontos de órgão17 e modulações ao
longo. Uma fantasia consiste de progressões harmônicas variadas que podem ser executadas em
todas as figurações e disposições. Deve-se fixar uma tonalidade com a qual se começa e termina.
Pode-se modular para a tonalidade relativa, tonalidades próximas e distantes. Bach, em seu
tratado, oferece diversas possibilidades de cifragem dos graus das escalas ascendentes e
decendentes, maiores e menores, bem como diversos exemplos cifrados de modulações. Ele
explica que “Os pontos de órgão na prima são convenientes para se fixar a tonalidade escolhida,
no início e no fim” (BACH, 1996, p.344). Nas fantasias, além da utilização de acordes, deve-se
realizar variações. Carl Philipp (1996, p.350) diz que “o ouvido se cansa de passagens ou acordes
sustentados ou arpejados constantemente”.
Bach explica a utilização prática destas fantasias:
Há ocasiões em que um acompanhador tem necessidade de tocar algo de memória, antes da execução de uma peça. Este tipo de fantasia livre pode ser considerado um prelúdio que deve preparar os ouvintes quanto ao conteúdo da peça que será executada. O conteúdo ou afeto desta última deve ser a matéria do prelúdio. Ao contrário, em uma fantasia sem nenhuma outra intenção o tecladista tem toda liberdade possível (BACH, 1996, p.343).
Kroll aconselha a tentar improvisar todos os dias, e diz que através da prática regular e da
experimentação ao teclado as habilidades são refinadas e consegue-se “o domínio desta arte
perdida” (KROLL, 2004, p.81, tradução nossa).
Outra habilidade funcional, a transposição, é geralmente comentada pelos tratadistas e
autores de guias atuais como um exercício para fixação de habilidades motoras e para a
17 Os pontos de órgão são definidos quando ocorrem mudanças harmônicas sobre baixos longos e sustentados que permanecem na mesma nota (BACH, 1996).
126
realização de acordes e suas diferentes inversões. Schott (1979) diz que transformando o
fragmento de uma peça temporariamente em exercício pode-se transpor para outras partes do
teclado com várias combinações de notas naturais e acidentes. Bach fala que “o professor deve
transpor estes exemplos curtos para todas as posições em todas as tonalidades, menores e
maiores, para que o aluno se familiarize com elas e com sua notação. Em seguida, deixa-se que
eles próprios façam estas transposições” (BACH, 1996, p.127). Segundo Couperin:
Separadamente, os ornamentos (agrémens) usados, como os tremblemens, pincés, port-de-
voix, eu sempre faço com que meus alunos façam pequenas evoluções de dedos, sejam passagens, ou batteries diversificados, começando pelas mais simples, e sobre os tons mais naturais, e insensivelmente eu os levo até as mais rápidas e às mais transpostas. Estes pequenos exercícios que multiplicaremos bastante, são da mesma forma, materiais prontos para serem utilizados e podem servir em muitas ocasiões. Eu darei alguns modelos após falar dos ornamentos (agrémens) em breve, sobre os quais se poderão imaginar outros (COUPERIN, 1996, p.8 e 9, tradução nossa).
O conhecimento teórico relacionado às habilidades funcionais descrito por nossas fontes é
a harmonia. Carl Philipp comenta que o conhecimento correto e o uso corajoso da harmonia
levam a um domínio de todas as tonalidades, de forma que o compositor torna-se capaz de
inventar modulações que ainda não haviam ocorrido no repertório. Ele critica os compositores de
seu tempo, dizendo que muitos deles “não aprendem o suficiente, confiam em seu gênio.
Consideram a ciência da harmonia muito difícil, muito árida e muito restritiva. [...] Todas suas
modulações já ocorreram antes e a maioria em bons compositores antigos, que eles desprezam
tanto” (BACH, 1996, p.349).
127
3.2 Habilidades de Leitura
Alguns tratados anteriores ao escrito por Sancta Maria, e muitos posteriores, mesmo
contemporâneos ao de Couperin, eram dedicados ao ensino da tablatura, isto é, da notação
musical. No entanto, dentre os tratados que escolhemos para nosso estudo, apenas o de Sancta
Maria aprofunda-se em questões ligadas à notação e à leitura e decodificação simbólica.
Conforme já mencionado na página 25 deste trabalho, o tratado de François Couperin prescinde
de informações sobre teoria musical, sobretudo as mais básicas, como o nome das notas. Ele faz
uma ressalva no que chama de “última reflexão”: “Eu creio que não há dúvida na leitura até aqui,
que eu tenho suposto que se deve ensinar inicialmente às crianças, o nome das notas do teclado”
(COUPERIN, 1996, p.13, tradução nossa). Embora não tenham sido muito privilegiadas nas
obras dos tratadistas escolhidos, consideramos relevante o destaque a habilidades ligadas à
leitura.
Dentre estas habilidades, a prática de leitura à primeira vista foi mencionada por C. P. E.
Bach. Ele afirma que o bom tecladista deve “tocar à primeira vista qualquer que seja o número de
claves que se possa encontrar no decorrer da peça” (BACH, 1996, p.102). No entanto recomenda
que não se deve tocar apenas as notas. Bach explica que “raramente é possível tocar uma peça à
primeira vista, de acordo com o caráter e o afeto que lhe são próprios”. Os “tocadores” tocam
apenas as notas, prejudicando a relação e ligação da melodia e harmonia.
Bach também enfatiza o valor do estudo e do ensaio, dizendo que “Mesmo as orquestras
mais bem treinadas exigem freqüentemente mais de um ensaio para peças muito fáceis” (BACH,
1996, p.102). Quando se tem algum tempo para examinar a parte que será tocada, a primeira
coisa a observar é a armadura de clave, pois ela pode ser escrita de mais de uma maneira. Isto é,
128
ela pode conter todos os acidentes ou ter a última alteração acrescentada diretamente às notas.
Além disso, ele diz que os “ripienistas”18 deveriam estudar cuidadosamente todas as vozes
ripieno para garantirem uma boa execução, uma vez que a parte pode “conter erros do copista ou,
no mínimo, notas ilegíveis ou ambíguas, mudanças inesperadas de compasso, andamento, figuras,
tonalidades, etc., que exigiriam preparação mesmo dos executantes mais experientes” (BACH,
1996, p.127).
Outra habilidade, a memorização, é um dos recursos que auxiliam e podem fazer parte da
vida profissional de um cravista. Embora seja uma prática muito corrente entre os pianistas, não é
de fato comum para os intérpretes de cravo. No entanto, é um dos procedimentos recomendados
pelos autores dos tratados, ainda que muitas coisas não constem ou fiquem bem esclarecidas
nestas obras. Podemos dizer ao menos que a finalidade não é mesma: enquanto atualmente o
processo de memorização tem uma função de exibição, de demonstrar virtuosismo na execução
pública, anteriormente servia como um procedimento auxiliar ao estudo. Couperin, por exemplo,
acredita que a memorização auxilia a criança a manter a posição das mãos:
Não se deveria começar ensinando a Tablatura para as crianças até que elas tenham um certo número de peças em suas mãos. É quase impossível para elas, enquanto olham para seus livros, manterem seus dedos na posição correta, não fazer contorcionismo com eles e permitir que as seqüências não sejam alteradas: aliás, a memória se forma bem melhor quando se aprende de cor (COUPERIN, 1996, p.12, tradução nossa).
Carl Philipp E. Bach recomenda o recurso da memorização para aprender a localizar com
os dedos as notas desejadas, e não se atrapalhar com a leitura: “Para se aprender a achar as teclas
sem olhar, e para que a leitura das notas não se torne difícil, é aconselhável que se toque o que se
aprendeu, de cor e no escuro” (BACH, 1996, p.9).
18 Bach refere-se à parte do tutti no Concerto Grosso italiano (HUTCHINGS & TALBOT, 2008).
129
Nos dias de hoje, na opinião de Schott, muitos intérpretes, mas nem todos, têm uma
sensação de liberdade e confiança em suas execuções quando deixam de lado a partitura
impressa. Mas conforme dissemos anteriormente, ele relata que muitos cravistas apresentam-se
publicamente com suas partituras, particularmente os treinados ao órgão, pois este instrumento
em geral esconde o intérprete da visão do público. Para estes, é certamente pior abandonar esta
prática e fazer um esforço para ganhar a liberdade que a memorização proporcionaria (SCHOTT,
1979). Schott considera que qualquer um tem a capacidade de memorizar em algum nível, e
quanto mais o fazemos, cada vez mais nos tornamos aptos a fazer. O processo de memorização
torna-se simples quando é antecedido pela análise da peça que se está estudando, para a
eliminação antecipada de problemas (SCHOTT, 1979).
3.3 Habilidades Auxiliares
As primeiras habilidades auxiliares das quais passaremos a tratar estão diretamente
relacionadas ao estudo e à interpretação do repertório cravístico. Elas já foram mencionadas
anteriormente ligando-se a outros assuntos: a habilidade da escuta, do canto e da dança. Em
diversos momentos, sobretudo no tocante à articulação e ao fraseado, Schott, Bond e Kroll falam
da necessidade do estudante de prestar atenção através da audição ao resultado musical que está
sendo produzido. Eles aconselham inclusive o auxílio de um gravador, para que detalhes não
sejam perdidos. Bond diz que o estudante deve ouvir o que está realmente fazendo, e não o que
pensa estar fazendo. Ela dá o exemplo de pessoas que param de se ouvir quando não conquistam
o resultado desejado, e substituem o que estão ouvindo pela memória de gravações de intérpretes
130
famosos (BOND, 1997; SCHOTT, 1979). A audição é imprescindível para que o aluno tenha um
senso crítico e avaliador de seus progressos.
Além da audição de si mesmo, também é preciso ouvir bons intérpretes, não apenas
cravistas, mas outros instrumentistas e cantores. C. P. E. Bach aconselha: “Para adquirir um bom
conhecimento do verdadeiro caráter e do afeto de uma peça, [...] é bom que se procure ouvir
músicos solistas bem como conjuntos completos de musicistas” (BACH, 1996, p.104).
Outra habilidade a ser desenvolvida, se possível, é a de cantar. Carl Philipp menciona na
introdução de sua obra que “Havendo oportunidade, o estudo simultâneo do canto, bem como a
audição atenta de bons cantores, será muito útil e também facilitará o aprendizado do teclado”
(BACH, 1996, p.9). E exemplifica como o canto pode auxiliar este aprendizado: “É assim que se
aprende a pensar cantando, e é sempre bom começar cantando para si uma frase, para encontrar a
boa execução. Isto sempre será muito mais útil que procurar em livros e tratados volumosos, algo
que é questão de natureza, gosto, canto, melodia” (BACH, 1996, p.105).
Segundo Schott (1979, p.101, tradução nossa), “devemos entender a música que tocamos
em termos de canção e dança”. Em relação andamento de uma peça, como visto anteriormente, a
melhor solução para encontrá-lo é cantá-la, ou dançá-la (SCHOTT, 1979). Kroll também explica,
no prefácio de sua obra:
O cravo é um instrumento altamente expressivo, capaz de produzir uma bonita linha cantante que pode ser moldada e fraseada com grande sutileza. Os instrumentistas estão sempre sendo incitados a imitar a voz humana. O cravo chega mais perto disto do que outros instrumentos de teclado, devido ao seu ataque incisivo que capacita o executante a criar não apenas vogais, mas também as consoantes a toda linha melódica (KROLL, 2004, p.xix, tradução nossa).
Além disso, cantar ou dançar um trecho ou a totalidade da peça em estudo auxilia a
compreender sua expressão melódica e rítmica, assim como a esclarecer muitos detalhes
duvidosos, ou que poderiam passar desapercebidos.
131
Uma outra habilidade muito necessária aos que têm o cravo como instrumento é a de
saber conservá-lo e mantê-lo em condições apropriadas de utilização. Isto vai desde proporcionar
um ambiente com temperatura, umidade e luminosidade apropriadas, evitar constantes
deslocamentos, a afinar regularmente e ser capaz de realizar pequenos consertos e ajustes. Devido
à sua estrutura, predominantemente de madeira, e seu delicado mecanismo, o cravo é um
instrumento que não tem a mesma estabilidade dos pianos. Por outro lado, há muito mais técnicos
neste último do que no outro. Sendo assim, segundo Schott (1979, p.207, tradução nossa), a
aquisição de um cravo implica em “assumir a inescapável tarefa de fazer sua manutenção”.
A estrutura de madeira onde estão apoiadas as cordas está sujeita a muitas variações
ditadas pelas condições climáticas. Além disso, as cordas não são tão tensionadas quanto as do
piano. Devido a estes fatores, Schott diz que a afinação é o principal trabalho, e o mais
recorrente. Ao mesmo tempo em que, em temperatura e umidade estáveis, uma afinação pode
durar por semanas, ela é requerida em questão de horas se as condições climáticas mudarem
abruptamente (SCHOTT, 1979). De acordo com Fagerlande, horas que poderiam ser dedicadas
ao estudo do instrumento são redirecionadas às atividades de afinação e manutenção
(FAGERLANDE, comunicação verbal, maio de 2008). Também em situações como gravações e
concertos, é necessário que o cravista verifique a afinação repetidas vezes, e esteja pronto a
solucionar problemas mecânicos que surjam na última hora.
Ainda que o cravista precise fazer pequenos ajustes na regulagem do instrumento, ele
deve exigir do técnico ou construtor uma regulagem precisa e adequada dos plectros. C. P. E.
Bach firma que, além de terem boa sonoridade e extensão apropriada, os cravos devem ser
regulados uniformemente. Ele explica que um cravo estará regulado adequadamente se for
possível tocar pequenos ornamentos com facilidade e clareza, e se a resposta de todas as teclas
132
for igualmente rápida, quando tocadas, uma após a outra, com uma pressão pequena e uniforme
da unha do polegar. Bach acrescenta que “o toque de um cravo não deve ser muito leve e mole;
as teclas não devem ser muito profundas e os dedos devem encontrar alguma resistência e serem
levantados de novo pelos saltarelos. Por outro lado não devem ser difíceis de pressionar” (BACH,
1996, p.7). De uma maneira mais detalhada, Bond explica que a boa regulagem e uma execução
fácil dependem de um balanço complexo e preciso entre o comprimento do plectro e a tensão da
corda; a altura dos saltarelos e a distância entre o plectro e a corda; a profundidade e liberdade da
ação das teclas; o conjunto de abafadores; o intervalo de pinçamento entre os diferentes registros;
e assim por diante (BOND, 1997).
Segundo Schott, a estabilidade de uma regulagem varia com o instrumento e o clima.
Uma lista de ajustes pode ser feita: regular saltarelos que soam muito cedo ou muito tarde,
regular lingüetas e plectros para cada som, cortar e ajustar plectros novos e velhos, regular
registros inteiros para soar mais fortes ou mais fracos. Pode-se ainda ajustar ou substituir
abafadores e pedaços de couro, regular pedais, joelheiras e puxadores de mão. Ele diz que
construtores de cravo hoje em dia quase sempre adicionam um parafuso de ajuste em cima do
saltarelo para regular a posição do plectro, controlando, assim, a intensidade do pinçamento. Este
tipo de acréscimo, a despeito de idéias puristas, foi um grande facilitador para a harmonização
freqüente que os próprios cravistas precisam fazer em seus instrumentos. Um parafuso de ajuste
embaixo do saltarelo, no contato com a tecla, regula seu comprimento, controlando o tempo do
pinçamento. Anexados aos saltarelos encontram-se pequenas peças de feltro ou couro que servem
como abafadores. Eles também podem ser ajustados (SCHOTT, 1979). Já a quebra de uma corda
é felizmente uma ocorrência não tão freqüente, a não ser que o instrumento esteja encordoado de
forma errada. Uma lista do encordoamento deve ser pedida ao construtor. Ela mostrará o tipo de
133
metal e a espessura das cordas para cada altura. Se algo mais sério do que o que foi por ele
mencionado ocorrer, deve-se deixar o trabalho para um técnico ou o próprio construtor
(SCHOTT, 1979).
Os construtores também escolhem o diapasão, isto é, o padrão acústico adotado, que vão
estabelecer em seus instrumentos. O diapasão é definido no cravo pelo número de vezes por
segundo que uma corda faz uma vibração completa. Havia muitos padrões de diapasão no
passado, muitos deles mais baixos que a norma dos dias de hoje, o lá 440. Um consenso geral
atualmente é utilizar o diapasão em 415, pois segundo Bond, é o padrão adotado pela maior parte
das orquestras que usam instrumentos históricos. Os cravos também apresentam o recurso de
transpositores, que permitem que seja utilizado também o lá 440 e, mais raramente, o lá 392
(BOND, 1997).
O temperamento lida com as minúcias das relações matemáticas entre intervalos dentro de
uma oitava. Bond explica que em teoria, as relações podem ser ajustadas quase indefinidamente,
mesmo em uma oitava normal com doze semitons. Na prática, no entanto, há aproximadamente
vinte sistemas que se estabeleceram durante o desenvolvimento da música européia. Os sistemas
ganharam diferentes nomes, como o de seu inventor, por exemplo, ou de marcas particulares que
apresentam, como o temperamento igual (BOND, 1997). Em um temperamento desigual, as vinte
e quatro tonalidades possuem sutis diferenças na qualidade de seus intervalos e no caráter de seus
acordes. Embora não seja possível reconhecer estas diferenças ouvindo uma tonalidade isolada,
há em qualquer temperamento desigual uma mudança perceptível no caráter das tonalidades
simples até as mais remotas, com grande número de sustenidos e bemóis. Com uma afinação
adequada, podemos perceber efeitos melódicos e harmônicos intencionados pelo compositor
derivados do temperamento que ele ouvia em seu entorno (BOND, 1997). Fernando Cazarini, o
134
tradutor do “Ensaio” de C. P. E. Bach, explica que o temperamento precisa ser levado em
consideração quando vamos interpretar uma peça musical. No século XVIII diversos tipos de
temperamentos desiguais eram usados, favorecendo certas tonalidades em detrimento de outras
(BACH, 1996).
A partir do final do século XVIII, começou-se a empregar o temperamento igual. C. P. E.
Bach faz menção a este temperamento:
afinando-se das quintas e quartas, experimentando-se as terças maiores e menores e os acordes completos, tirando-se das quintas algo imperceptível de sua pureza, de maneira que se possam utilizar todas as vinte e quatro tonalidades [...]. No teclado, toca-se com a mesma pureza em todas as vinte e quatro tonalidades, inclusive acordes completos, ainda que estes, devido aos intervalos, revelem uma impureza mínima (BACH, 1996, p.8).
A vantagem de seu uso foi a liberdade de modulação para qualquer tonalidade. Mas a
pureza das tríades, e as expressivas tensões e relaxamentos criados tanto na melodia quanto na
harmonia por semitons de tamanhos diferentes desapareceu. O temperamento igual prejudica a
riqueza de harmônicos proveniente da vibração por simpatia de cordas vizinhas que
compartilham relações simples de freqüência. Se não há intervalos puros, este reforço não
acontece (BOND, 1997).
Nos dias de hoje, um cravo é usualmente afinado em um dos temperamentos desiguais. O
temperamento de Vallotti (1741) é popular e bem fácil de afinar: ele usa seis quintas puras e seis
temperadas. A música francesa do século XVIII é beneficiada pelo uso de temperamentos como
de Rousseau / d’Alembert, ou o temperament ordinaire de Rameau. Gravações com cravo
usualmente mencionam o temperamento usado, e isto é um bom caminho para observar as
características de diferentes sistemas, além de perceber a que música mais bem se ajustam
(BOND, 1997). Num estúdio, é mais fácil usar diferentes temperamentos em peças de
nacionalidades e períodos diversos do que em recitais (BOND, 1997).
135
Bond diz que o estudante deve gradualmente aprender a afinar seu próprio instrumento.
Além disso, o processo de afinação é fascinante e uma parte vital do fazer musical. Segundo ela,
é possível utilizar afinadores eletrônicos, mas ele não é um real substituto para afinar de ouvido
(BOND, 1997). No entanto, seu emprego está bem estabelecido. Para afinar o cravo de ouvido,
deve-se ter o auxílio de um diapasão, estabelecendo um temperamento para um registro,
geralmente o 8’ do manual de cima, e afinando os outros (SCHOTT, 1979).
PARTE 2 – A FORMAÇÃO DO CRAVISTA NO BRASIL
CAPITULO 4
UMA PRÁTICA EM CONSOLIDAÇÃO
138
4.1 Introdução
O foco principal de nosso estudo são as habilidades e conhecimentos que os cravistas
brasileiros consideram necessários em sua formação para tornarem-se profissionais. Tais saberes
são parte de um conjunto de elementos que compõem a identificação destes músicos com um
grupo identitário específico, com características próprias e singularidades. Na seção anterior,
procuramos categorizar e descrever tais habilidades, encontradas em livros atuais e tratados de
época. Agora, antes de entrarmos no objeto em questão, necessitamos entender, a título de
contextualização, de que maneira o cravo se instituiu na prática musical do Brasil, como tais
músicos puderam vir a ter contato com este instrumento. Como estamos tratando de formação,
procuramos identificar ainda como o cravo chegou nas universidades, desde o momento em que
novamente sua utilização se intensificou em nosso cenário musical. Procuramos descobrir os
principais motivadores desta prática, os acontecimentos que marcaram sua disseminação e o
aprofundamento e aprimoramento de seu estudo e execução, bem como as mudanças de
paradigmas.
Para traçar esta contextualização histórica, lançamos mão da História Oral. Recorremos a
esta metodologia porque estamos lidando com uma história recente, de personagens vivos, e suas
memórias, bem como as biografias de suas vidas e trajetórias. Estamos falando de uma área onde
ainda não é grande a documentação escrita, sobretudo em termos de história do cravo a partir do
século XX. Através de entrevistas e questionários sobre um mesmo roteiro de perguntas,
buscamos construir uma linha cronológica de fatos, acontecimentos e personagens marcantes
para o desenvolvimento da formação em cravo no Brasil.
139
Principiamos as nossas entrevistas com os professores de graduação e pós-graduação em
cravo das universidades públicas e de uma escola técnico profissionalizante. Estes professores
indicaram personagens importantes, como outros professores, intérpretes e grupos pioneiros que,
por sua vez, indicaram outros. O trabalho de construção desta história, se mais aprofundado,
poderia resultar em outra dissertação. No entanto, nosso objetivo no momento é apenas dar início
a este resgate, delineando os contornos desta trajetória, contextualizando e de certa forma
apresentando os personagens que compõem o grupo identitário cujos relatos sobre habilidades e
conhecimentos estamos pesquisando. Assim, os porta-vozes de nossa história foram: Ana Cecília
Tavares, professora de cravo do Centro de Educação Profissional - Escola de Música de Brasília
(CEP-EMB); Ediná Pinheiro Strehler, ex-aluna de cravo de Alda Hollnagel, cravista da
“Orquestra de Câmara de São Paulo”, já extinta; Edmundo Hora, professor de cravo da
UNICAMP; Helder Parente Pessoa, membro do “Quadro Cervantes”; Helena Jank, professora de
cravo da UNICAMP; Ingrid Seraphin, primeira cravista e fundadora do “Camerata Antiqua” de
Curitiba; Marcelo Fagerlande, professor de cravo da UFRJ; Maria da Conceição Perrone, cravista
e etnomusicóloga, ex-aluna da professora Maria Angélica Koellreuter, na Bahia; Maria José
Carrasqueira, pianista e cravista, uma das bolsistas do Curso-Festival de Interpretação Cravística
do MASP; Maria de Lourdes Cutolo, primeira professora de cravo do CEP-EMB; Paulo
Herculano, membro do conjunto “Musikantiga”, já extinto; Regina Schlochauer, professora de
cravo da faculdade FAAM; Roberto de Regina, primeiro cravista brasileiro a gravar discos solo e
a construir instrumentos; Rosana Lanzelotte, cravista atuante, ex-membro do “Quadro Cervantes”
e ex-professora de cravo da UNIRIO; Rose Ana Carvalho, professora e intérprete do instrumento
atuante no Paraná; Samuel Kerr, ex-aluno de cravo de Alda Hollnagel na Pro-Arte de São Paulo;
Terezinha Saghaard, professora de cravo da Escola Municipal de Música; Tiche Puntoni, ex-
aluna de cravo de Maria Helena Silveira, cravista do conjunto “Klepsidra”; Violeta Kundert,
140
cravista do Conjunto de Música Antiga da Rádio MEC, já extinto. Os depoimentos foram
gravados e transcritos literalmente, e alguns foram enviados pelos informantes por email. Eles
foram complementados por documentos, consultas a sites oficiais, currículos mandados por email
e consultados na Plataforma Lattes.
Ainda que nos concentremos nas atividades desenvolvidas em torno do cravo a partir do
século XX, sabemos que este instrumento é conhecido pelos brasileiros há muitos séculos. Os
primeiros exemplares chegaram ao país, trazidos da Europa, praticamente junto com seus
primeiros colonizadores, em meados do século XVI (FAGERLANDE, 1996; HOLLER, 2006).
Sua presença, utilização e ensino podem ser comprovados por um razoável número de citações
em textos produzidos desde o século XVI até o XIX. No entanto, a maioria delas é pouco precisa,
e nem sempre nos fornece detalhes de essencial relevância para que se possa traçar uma história
pregressa desta utilização e ensino. Além de não sabermos a data exata de sua chegada, também
não nos foram descritas as origens e tipos de instrumentos que aqui havia, o repertório tocado, ou
como se davam as aulas.
As informações mais antigas sobre sua presença são encontradas nos documentos dos
padres jesuítas. Os registros atestam que o cravo era tocado nas cerimônias religiosas,
acompanhando o coro ou em momentos incidentais, e nos estabelecimentos de ensino da
Companhia de Jesus, onde era ensinado aos meninos índios. Guilherme de Mello (1908) afirma
que “os jesuítas foram os primeiros fundadores da escola de música instrumentista no Brasil,
como seja, flauta, violino, cravo, órgão, por serem estes instrumentos os mais apropriados ao
acompanhamento das vozes nos cantares da igreja” (MELLO, apud HOLLER, 2006, vol 1, p.24).
Sua utilização foi pela primeira vez documentada no ano de 1565, na Bahia, em uma carta escrita
pelo Padre Antonio Blasques ao Provincial de Portugal (HOLLER, 2006, vol.2, p.140).
141
A partir do século XVII, com o crescimento dos centros urbanos, a música deixou de ser
apenas um instrumento de conversão dos índios, praticada e ensinada exclusivamente nas aldeias
pelos jesuítas. O cravo continuou a ser utilizado como instrumento acompanhador nas igrejas, em
Congregações e Dioceses, e em Irmandades. Nos séculos XVIII e XIX, há grande número de
fontes que mencionam a utilização do cravo no âmbito familiar, sobretudo nos lares mais
abastados, e nos Salões da aristocracia. Documentos como relatos de viajantes, obras de literatura
brasileira ambientadas nesta época, descrevem o uso do instrumento pelas moças, nas aulas de
música e em momentos de lazer, como saraus: “Não faltaram viajantes estrangeiros que, em suas
memórias, mencionassem a graça e a habilidade com que as jovens brasileiras dedilhavam
harpas, violas ou cravos, cantando com inimitável expressão as modinhas, romances típicos da
terra” (CORREA DE AZEVEDO, 1956, p.18). Neste período, o cravo passa a ser tocado também
na Corte, nos Salões, e em teatros e casas de ópera.
Além disso, constam a aquisição de cravos em inventários e testamentos dos bandeirantes
paulistas, em registros de instrumentos musicais que entravam nos portos brasileiros e das
importações, além de documentos da alfândega (PEREIRA, 2005, p.80). O instrumento foi
leiloado e comercializado por muitas décadas do século XIX. Com a criação da Imprensa Régia
em 1808 e o surgimento do primeiro jornal publicado no Brasil, a Gazeta do Rio de Janeiro,
registros importantes sobre a utilização do cravo são encontrados nos anúncios de leilões e venda,
assim como o oferecimento de aulas particulares para aprender a tocá-lo (PEREIRA, 2005, p.86).
Apesar do cravo estar no século XIX progressivamente deixando de ser tocado e ensinado, ao
mesmo tempo em que seu valor comercial diminuía no mercado, não é de todo improvável que
ele tenha continuado a ser utilizado no decorrer do referido século. Em suas primeiras décadas
houve comprovadamente um período de transição, onde cravo e piano coexistiram. Muitas peças
142
do repertório corrente para teclado eram executadas, sem distinções, em um ou outro instrumento
(PEREIRA, 2005, p.26 e 27).
O único nome de professor e intérprete de cravo mencionado nos registros consultados foi
o do padre mulato José Maurício Nunes Garcia (1767-1830), que viveu no século XIX, no
período de transição do cravo para o piano. Em 1820, escreveu seu “Compêndio de Música e
Methodo de Pianoforte”, primeira obra brasileira escrita para teclado de que se tem notícia
(PEREIRA, 2005). O padre José Maurício “lecionava música nas casas das melhores famílias,
cantava nas igrejas e participava de pequenos conjuntos musicais organizados para ocasiões
festivas. Não tinha cravo em casa, que cravo era instrumento de luxo” (CORREA DE
AZEVEDO, 1956, p.32). Para dar suas lições de acompanhamento, utilizava a viola de arame,
embora tenha tido chance de posteriormente tocar cravo e órgão primorosamente. Dizia-se que
“tocava viola e cravo sem jamais ter aprendido” (ARAUJO PORTO ALEGRE, 1983 apud
FAGERLANDE, 1996, p.18). O padre mulato aproveitava o contato com o cravo quando ia dar
aulas nas casas de famílias abastadas para estudar seu mecanismo, e desenvolver uma execução
“magistral” (TAUNAY, 1983 apud FAGERLANDE, 1996).
O ensino de cravo nesta época era particular, privado e individual. Anteriormente, ele
ocorria nas instituições de ensino dos jesuítas. Mas o instrumento nunca entrou anteriormente
num conservatório, nos moldes que conhecemos atualmente. Não conhecemos o repertório nem a
metodologia empregada pelos jesuítas, e sabemos que o Pe. José Maurício utilizava repertório
europeu, como trechos de Haydn, e entoações e solfejos de seu compêndio de música para
lecionar (FAGERLANDE, 1996).
No século XX, começa-se a ouvir falar novamente do cravo. O movimento de
“renascimento” da Música Antiga na Europa chega aos ouvidos dos brasileiros. Mário de
143
Andrade, em um de seus escritos e críticas reunidos na obra “Música, Doce Música”, de 1933,
comenta
A maravilhosa obra prima de Bach foi certamente, como execução, o momento menos aceitável da noite. Principalmente a sonoridade do conjunto me pareceu um bocado áspera. e lamentável mais do que nunca a falta dum cravo em São Paulo. Francamente não sei o que fazem as nossas grandes emprêsas comerciais de música, que ainda não possuem um cravo para alugar como fazem com pianos. O cravo está hoje num verdadeiro renascimento, devido aos esforços duma mulher genial, Wanda Landowska. Falla, Poulenc e outros mais, têm escrito nestes últimos anos, peças importantes pra cravo e que ainda não podemos executar aqui unicamente por falta do instrumento, é o cúmulo. Apareça o cravo que garanto aparecerem cravistas (ANDRADE, 1963, p.227).
De fato parece que ocorreu como disse Mário de Andrade. Os cravos novamente
apareceram, e com eles os cravistas. E mais uma vez, isto se deveu à imigração de estrangeiros
para nosso país, trazendo consigo seus instrumentos. Relata Regina Schlochauer: “só posso
imaginar algumas famílias vindo da Europa e trazendo coisas inauditas por aqui”
(SCHLOCHAUER, 2007). Mas antes de serem vistos e notados, percebemos no relato de nossos
entrevistados a importância do pioneirismo de Wanda Landowska também aqui no país. Deve-se
a gravações suas transmitidas pelo rádio19ou em discos de vinil o primeiro contato de muitos
músicos brasileiros com o som do cravo (CARRASQUEIRA, 2008; HERCULANO, 2008;
KERR, 2008; PESSOA, 2008; DE REGINA, 2008). Além de Landowska, gravações de outros
cravistas da “velha geração” (DE REGINA, 2008) eram ouvidas, como de sua primeira aluna,
Alice Ehlers, Rafael Puyana, Ralph Kirkpatrick, George Malcolm, Robert Veyron-Lacroix,
Fernado Valente e Sylvia Marlowe (FAGERLANDE, 2007; DE REGINA, 2008; PESSOA,
2008).
Deve-se também a Landowska os tipos de cravos que começaram a ser trazidos,
encomendados e tocados no país. Até a década de setenta, os instrumentos que aqui havia eram
19 Gravações de Landowska eram transmitidas na Rádio Gazeta em São Paulo, em programa organizado por Vera Janacópolus pela década de 1940 (KERR, 2008).
144
todos importados, e em sua maioria eram os chamados cravos “industriais”, ou “modernos”.
Primeiramente elaborada por Erard, a fabricação deste instrumento apenas se concretizou com o
construtor de pianos Pleyel a pedido da cravista polonesa. Eram cravos de madeira com cepo de
metal, cordas espessas, vários registros - tais como o de 16’, pedais, e plectros de couro
(SCHOTT, 1979, p.13 e 26, tradução nossa). A partir de 1920, uma produção comercial destes
instrumentos começou a ser feita por um número de firmas, como Neupert, Wittmayer, Sperrhake
e outros (SCHOTT, 1979, p.28). Não só a estrutura e sua sonoridade eram diferentes dos cravos
históricos, como exigiam habilidades técnicas e motoras particulares, devido ao peso de seu
mecanismo. No Brasil, tais instrumentos vinham da Europa ou dos Estados Unidos, eram caros e
de difícil importação, não sendo simples sua aquisição (HORA, 2007; CUTOLO, 2008c;
HERCULANO, 2008; PESSOA, 2008). Posteriormente, fabricantes passaram a exportar “do-it-
yourself kits”, como Adolph Zuckermann, europeu radicado nos Estados Unidos. Alguns destes
kits foram encomendados e montados no país, como veremos adiante (KERR, 2008b; DE
REGINA, 2008).
Na década de 70 começaram a surgir construtores brasileiros, que passaram a fabricar
cópias de instrumentos históricos20. A construção de cópias no Brasil também teve influência do
movimento que estava ocorrendo na Europa. Neste local, na década de 1960, primeiramente um
grande número de instrumentos históricos foi restaurado e colocado em uso, especialmente
cravos franceses dos séculos XVII e XVIII. Logo em seguida, começou-se a fabricar cópias
destes instrumentos, feitas de acordo com os mesmos parâmetros, medidas, e materiais. A partir
daí tais cópias têm sido os instrumentos mais utilizados (SCHOTT, 1979). No Brasil, a aquisição
de cópias tem sido possível graças a construtores como Roberto de Regina, e mais tarde,
20 Os instrumentos “históricos”, segundo Haynes (2007, p.15, tradução nossa), são aqueles construídos no mesmo período da música composta para eles.
145
Hidetoshi Arakawa, Abel Vargas e William Takahashi, ainda que seu custo permaneça alto.
Cutolo relata que “a partir dos anos 70 os alunos de cravo passaram a interessar-se por
instrumentos ‘réplicas’ e muitos cravistas hoje tiveram como 1º instrumento um modelo Taskin
do Roberto de Regina” (CUTOLO, 2008c).
4.2 Décadas de 40 a 60: pioneiros
Não temos registros do primeiro concerto de cravo realizado no Brasil no século XX.
Acredita-se que Hans-Joachim Koellreutter (1915-2005), flautista, compositor, professor e
musicólogo alemão, tenha sido um dos pioneiros a levar a música dos séculos XVII e XVIII às
salas de concerto. Ele chegou ao Brasil em 1937 e no início da carreira, dedicou-se ao repertório
barroco para flauta doce, acompanhado por uma harpista e uma cravista italianas (AUGUSTIN,
1999). Mesmo que não tenhamos certeza de seu pioneirismo, uma notável contribuição ao início
da prática e ensino da Música Antiga e especificamente do cravo foi dada através da liderança de
Koellreutter na criação dos Seminários de Música Pro-Arte. A partir da ProArte Sociedade de
Artes, Letras e Ciências, fundados em 1931 por Theodoro Heuberger, Frei Pedro Sinzig, e Maria
Amélia de Rezende Martins, foi feito o convite para que, em 1952, Koellreuter dirigisse a Pro-
Arte Escola Livre de Música, em São Paulo. Posteriormente, sua presença na Bahia originou os
Seminários da Bahia, em 1954, em convênio com a Universidade da Bahia, e finalmente em 1957
a escola foi criada também no Rio de Janeiro. Atualmente, apenas a Pro-Arte do Rio de Janeiro
ainda encontra-se em funcionamento. Em torno deste novo modelo de escola de música, que
tinha por objetivo opor-se ao sistema padrão de ensino acadêmico, floresceram atividades ligadas
à execução e ao ensino de cravo, como veremos detalhadamente adiante quando falarmos de cada
estado. Koellreutter também foi convidado em 1950 por Theodor Heuberger para ser o diretor
146
artístico do primeiro curso internacional de férias brasileiro, o Curso Internacional de Férias de
Teresópolis. Este curso foi modelo para outros festivais que o sucederam, como os de Ouro Preto,
de Porto Alegre, Curitiba, Campos do Jordão. Tais festivais foram e continuam sendo muitas
vezes o primeiro contato de estudantes com o cravo, e o estímulo para o despertar de novas
vocações (PROARTE, 2008).
É efetivamente na década de 50 que o cravo finalmente passa a ser tocado em concertos, e
na década de 60 começam a ser dadas aulas do instrumento, ainda de forma periódica, não
regular. Temos apresentações de Alda Hollnagel, o surgimento de grupos como o “Musikantiga”
e o “Paraphernália”, em São Paulo, e no Rio de Janeiro, o “Conjunto de Música Antiga da Rádio
MEC” e o “Collegium Musicum da Rádio MEC”, assim como o “Conjunto Roberto de Regina”.
Neste período, o ensino girava em torno da Pro-Arte de São Paulo e do Rio de Janeiro, e nos
Festivais de Teresópolis, a ela ligados. Em 1961, um fato marcante ocorre: a vinda de Stanislav
Heller, para dar aulas de cravo na Pro-Arte de São Paulo por um mês. Após isso, passam a dar
aulas na mesma instituição Alda Hollnagel e posteriormente, Maria Helena Silveira. Segundo
Helder Parente Pessoa, no início o “sucesso que o cravo fazia era devido ao inusitado do som que
ninguém conhecia”, “a revelação de um novo som” (PESSOA, 2008).
4.2.1 Rio de Janeiro
Em 1949 chegaram ao Brasil o violinista e violista Borislav Tschorbov, a pianista
ucraniana Violetta Kundert, tendo como segundo instrumento o cravo, e seu marido, o
violoncelista Eugen Ranevesky. Violeta Kundert e Borislav Tschorbov conheceram-se na
Academia de Música de Munique, onde realizaram sua formação. Com outros músicos europeus,
vieram para o país a convite do maestro José Siqueira para integrar a Orquestra Sinfônica do Rio
147
de Janeiro. Tschorbov, que dirigia um conjunto de câmera na rádio de Munique, trouxe consigo
uma viola d’amore e uma espineta, e tinha muito interesse em criar um grupo de Música Antiga.
Assim, com Violetta Kundert e o contrabaixista russo Wasilij Jeremejev formaram um trio, que
se apresentou pela primeira vez em 1949, na rádio Globo (KUNDERT, 2007; PESSOA, 2008).
Embora a orquestra do Rio de Janeiro tenha se dissolvido na década de 50, os músicos
decidiram continuar no país e exercer outras atividades. Tschorbov foi para São Paulo, onde por
quatro anos se apresentou com a organista e cravista Alda Hollnagel. Depois deste período, ele
voltou ao Rio de Janeiro e retomou seu grupo, que veio a se tornar em 1957 o “Conjunto de
Música Antiga da Rádio MEC”.
Já na primeira década de 60, Frederico e Helle Tirler, que tocavam respectivamente viola
da gamba e flauta doce, o violinista Rudolpho Leye, a soprano Dircéia de Amorim, e os flautistas
Helder Parente Pessoa e Ruy Wanderley juntaram-se ao grupo. Ao longo de quarenta anos de
existência, chegaram a fazer dois concertos por mês, trinta ao ano, em museus, escolas, sempre
lotados, que despertavam muito interesse e curiosidade. Embora enfrentassem a dificuldade do
transporte dos instrumentos e dos músicos, conseguiram viajar para o interior do Rio de Janeiro,
São Paulo e Minas Gerais. Como eram todos solistas de carreira, o repertório do grupo alternava-
se entre obras de câmera e peças solo. As partituras vinham em sua maioria da Europa, e as
primeiras obras executadas eram de J. S. Bach. Kundert tocava na espineta de Tschorbov, do
construtor Neupert, primeiro instrumento no Brasil do qual Roberto de Regina, de quem
falaremos adiante, tomou conhecimento (KUNDERT, 2007; DE REGINA, 2008). Com o auxílio
da Embaixada Alemã, conseguiram mais dois instrumentos: um cravo de um teclado e outro
maior, de dois teclados, todos de Wittmayer, ficando este último no Museu de Belas Artes, lugar
onde faziam muitos concertos, e o outro, na casa de Tschorbov (HORA, 2007; HERCULANO,
148
2008; LANZELOTTE, 2008; PESSOA, 2008). Atualmente, dois dos três cravos estão na casa de
Violeta Kundert.
Na Escola de Música da UFRJ havia um projeto de oferecimento de um curso de cravo
orientado pela cravista, e o Conservatório Brasileiro de Música muito se esforçou para integrá-la
no corpo de professores. No entanto, a empreitada não foi adiante, pois como os instrumentos, na
época dos convites, não estavam em sua casa, Kundert ficava impossibilitada de aceitá-los. No
entanto, desenvolveu uma longa carreira como professora de piano. Além das atividades de
cravista no “Conjunto de Música Antiga da Rádio MEC”, em 76, apresentou-se como solista na
inauguração do primeiro cravo construído pelo japonês Hidetoshi Arakawa na Universidade
Estadual de Campinas, tendo ido também à Bahia. Helder Parente relata que ela teria sido a
primeira cravista que ouviu tocar pessoalmente (PESSOA, 2008). Violeta Kundert e o “Conjunto
de Música Antiga da Rádio MEC” são lembrados como um dos primeiros contatos com o cravo
por quatro de nossos entrevistados, assim como a qualidade de som dos cravos do Conjunto, que
na época já não era a idealizada pelos futuros cravistas (HORA, 2007; FAGERLANDE, 2008;
LANZELOTTE, 2008; PESSOA, 2008).
Precisamos destacar no Rio de Janeiro o importante papel de Ophélia do Nascimento. Ela
foi, segundo Paulo Herculano (2008) e Marcelo Fagerlande (2007), professora de piano do
cravista Roberto de Regina, embora este a considerasse uma grande amiga, com quem
conversava bastante e trocava idéias (DE REGINA, 2008). Ophélia do Nascimento era uma
entusiasta à prática do repertório barroco, sobretudo de J. S. Bach. Além de pianista de renome
internacional, e segundo Roberto de Regina, “uma das maiores pianistas brasileiras”, tendo
estudado em Leipzig com Peter Parier, e muito aclamada como intérprete de Villa-Lobos, deu
grande número de concertos ao cravo, na época em que lecionava no famoso Conservatório de
149
Paris. Chegou a ter um cravo Pleyel em sua casa. Era chamada “la prêtresse de Bach”21 (DE
REGINA, 2007). Alguns ainda diziam que sua registração era mais refinada do que a de Wanda
Landowska. No Brasil, ela não possuía um cravo, e por isso nunca se apresentou como cravista.
Roberto de Regina também lamenta que ela não tenha deixado gravações (DE REGINA, 2008).
Apesar da impossibilidade de contato com este instrumento, continuou uma apaixonada por ele.
Roberto de Regina, quando ainda era orientado por ela, inventou o “piano encravado”, colocando
colchetes de pressão na “flanela de surdina” do instrumento. Quando ele acionava o pedal do
abafador, o martelo batia nas tachinhas e estas nas cordas, obtendo uma sonoridade parecida
àquela resultante do mecanismo de um cravo, segundo de Regina, “um som prateado” (DE
REGINA, 2007; PESSOA, 2008). Paulo Herculano e Samuel Kerr relatam que Ophélia do
Nascimento teria sido uma das primeiras cravistas de quem teriam ouvido falar (KERR, 2008;
HERCULANO, 2008).
Um dos maiores nomes da presença e disseminação da prática do cravo no Brasil é
Roberto de Regina. O cravista foi um pioneiro em diversos sentidos. Um dos primeiros
intérpretes a dar recitais solo ao cravo (HORA, 2007; SCHLOCHAUER, 2007; CUTOLO,
2008b; KERR, 2008; LANZELOTTE, 2008; PESSOA, 2008; SAGHAARD, 2008), gravou o
primeiro LP de cravo solo no Brasil, “Concerto de Cravo”, na década de 60 (DE REGINA, 2007;
LANZELOTTE, 2008). Foi o primeiro construtor de cravos, e o primeiro professor do
instrumento no Rio de Janeiro. Cravistas renomados com ele iniciaram seus estudos. Edmundo
Hora afirmou que “o que significou Wanda Landowska para o mundo, significou Roberto de
Regina para o Brasil e para a América Latina”. Mas Marcelo Fagerlande completou: “Roberto de
Regina teve um diferencial em relação a Wanda Landowska: ele construiu instrumentos” (DE
21 “a sacerdotisa de Bach”
150
REGINA, 2007). Seu papel foi tão marcante e decisivo para a história do cravo no Brasil que ele
foi citado, seja como intérprete, professor ou construtor por todos os entrevistados.
Roberto de Regina, assim como a amiga Ophélia do Nascimento, tinha um grande
fascínio por Música Antiga. Ao ouvir uma gravação de uma cantata de J. S. Bach num disco de
78 rotações, ficou estarrecido, e decidiu que queria montar esta obra. Procurou Paschoal Carlos
Magno, no Teatro do Estudante, e criou o “Coral Bach” em 1947. Levou um ano para montar sua
cantata, que foi apresentada num concerto inteiro com obras do compositor alemão, com sonata
para flauta e piano, orquestra e balé. De Regina relata: “Era aquela história: eu não sabia reger, os
cantores não sabiam cantar – nós aprendemos juntos”. Ele achava que os cantores cantavam com
“muitos melismas”. Então ele dizia: “vocês tem que cantar como se fossem instrumentos”. E
dizia aos instrumentistas: “vocês tem que tocar como se fossem cantores” (DE REGINA, 2007,
2008).
Exercendo a Medicina desde 1947, com ela de Regina conciliava sua carreira musical,
inicialmente como regente coral. Devido a dificuldades de organizar uma orquestra, ele acabou
por extinguir o coro, e fundou o “Madrigal Ars Antiqua”, com menos integrantes, repertório
renascentista, cujo nome mudou mais tarde para “Coro Dante Martinez” (LANZELOTTE, 2008).
O coro foi convidado para cantar na inauguração de Brasília e Roberto de Regina conseguiu com
isso através do gerente da CBS gravar o primeiro de três LPS de mesmo nome, “Cantos e Danças
da Renascença”. Este contato possibilitou a gravação de praticamente metade de sua discografia,
os LPs "Concerto de cravo", “Cantigas e Cancioneiros da Espanha”, “Chansons de Janequin”,
“25 anos do Conjunto Roberto de Regina”, e “Música Barroca Francesa” (AUGUSTIN, 1999,
p.49).
Roberto de Regina ouviu cravo pela primeira vez através de gravações e pelo rádio. Ele
escutava peças executadas por cravistas como Wanda Landowska e sua primeira aluna, Alice
151
Ehlers. Roberto de Regina relata que foi chamado à casa de Helle Tirller, que morava em Santa
Teresa, dizendo que seu “sogro” (Borislav Tschorbov) tinha um “cembalo”. Ele ficou muito
entusiasmado, pois ouvia Landowska e estava ansioso para ver um cravo. A princípio, o cravista
ficou decepcionado, pois era um cravo pequeno, de plectros de couro, fabricado por Neupert de
Bamberg, da “velha geração”. Borislav Tschorbov fez uma gravação das Invenções a duas vozes
de J. S. Bach tocadas por Roberto de Regina neste instrumento. O cravista considera o registro
um embrião da sua discografia (DE REGINA, 2007, 2008).
Até então, Roberto de Regina não tinha um cravo, instrumento caro de difícil importação.
Foi na década de 60 que o então maestro pôde viabilizar sua carreira como cravista. Conseguiu
importar um do-it-yourself kit, contendo “um esqueleto de teclado, peças, peças e peças e um
tampo harmônico dentro de uma caixa estreitinha” (DE REGINA, 2007), de Adolph
Zuckermann, e assim montou e decorou seu primeiro cravo. Ele acrescentou ao instrumento dois
pedais “apenas”, já que normalmente os cravos modernos tinham sete pedais. Um deles, se
acionado lentamente, movia os plectros, que eram de couro, em direção às cordas, o que resultava
em um efeito de crescendo. O outro pedal era para acionar o efeito de alaúde, apenas na metade
mais grave do teclado. O pedal alternava os registros. Segundo de Regina, este era um cravo que
despertava grande curiosidade, pois fazia crescendos e parecia ter dois teclados, mas só tinha um.
Com este instrumento gravou seu primeiro disco solo – “Concerto de Cravo”. No entanto, o
cravista se refere a esta primeira experiência em construção dizendo que “não sabia nada de cravo
nesta época”, pois se tratava de um modelo “moderno” (DE REGINA, 2007).
Tempos depois a cravista americana Silvia Marlowe veio ao Brasil e deu um concerto na
Escola de Música da UFRJ. Roberto de Regina informou-se com o técnico trazido por ela para
afinar e cuidar de seu instrumento de que em Boston havia fábricas em que se podiam
encomendar kits de cravos grandes de dois teclados, idéia que ficou em sua cabeça. Pouco depois
152
veio ao país do conjunto americano “New York Pro Musica”. Roberto de Regina fez amizade
com diretor do grupo, Noah Greenberg. Encantado com o coro do brasileiro, Greenberg
recomendou-o ao Departamento do Estado do Norte Americano. Isto gerou o convite para um
curso e festival em Michigan em 1966. Assim, de Regina estudou Música Antiga com membros
do “New York Pro Musica” e regência coral com Robert Shaw. Ele aproveitou a oportunidade e
foi até Boston conhecer o ateliê de um dos maiores fabricantes de cravos históricos da época,
Frank Hubbard. O construtor se interessou pelo trabalho do cravista brasileiro ao ouvir seu
primeiro disco gravado com o cravo Zuckermann, e o convidou para trabalhar no ateliê. Em
troca, o músico juntou peças para construir seu cravo (DE REGINA, 2007). No ateliê de
Hubbard, Roberto de Regina conheceu o cravista e construtor Hubert Bédard, com quem trocou
muitas idéias. Posteriormente Bédard veio ao Brasil e ficou hospedado no sítio de de Regina
(LANZELOTTE, 2008; DE REGINA, 2008).
Ao longo de sua carreira, Roberto de Regina se apresentou em vários concertos de cravo
pelo Brasil. Chamamos a atenção para o fato do músico não ter tido formação como cravista. Ele
foi um autodidata no instrumento, e diz que seu “grande professor foi o próprio cravo”. De
Regina desenvolveu sua técnica e sonoridade com forte intuição musical. Dizia que se a pessoa
entendesse a música, o estilo viria naturalmente. E em muitos aspectos acertou. De acordo com o
cravista, as pessoas comentavam que o toque do cravo era um pouco seco, então ele percebeu que
deveria segurar mais as notas. Ele preocupava-se em desenvolver um bom toque, e ter uma boa
sonoridade (DE REGINA, 2007).
153
4.2.2 São Paulo
Em meados de 1952, Koellreutter foi convidado para participar da fundação da Escola
Livre de Música, que mais tarde, teve seu nome mudado para Seminários de Música Pró-Arte. A
escola incentivava a prática de diversos repertórios musicais e culturais. Segundo Júlio Medaglia,
“Os alunos assistiam a palestras e dialogavam com filósofos, cineastas, coreógrafos, atores e
diretores de teatro, jazzistas, artistas plásticos, poetas concretistas e compositores da vanguarda”
(MEDAGLIA, 2002). Na década de 60, o cravista tcheco Stanislav Heller22 veio ministrar um
curso de cravo no então Seminário de Música Pro-Arte, de São Paulo, organizado por Theodor
Heuberger (HORA, 2007; JANK, 2007; SCHLOCHAUER, 2007; HERCULANO, 2008; KERR,
2008; SAGHAARD, 2008; STREHLER, 2008). Este foi o primeiro contato de alguns futuros
professores de cravo com o instrumento, como Regina Schlochauer e Maria Helena Silveira, que
estudavam na instituição. Schlochauer relata:
O primeiro professor e, também, o primeiro recital de cravo a que assisti, foi com o Stanislav Heller. Tinha trazido consigo um cravo, grande, de registros de pedal. Não era um Neupert. Heller veio por conta da Pró Arte, ou seja, do Sr. Theodor Heuberger. Deu recitais e aulas de cravo, sobretudo. [...] Falava-se de técnica no sentido de evitar o excesso de peso característico da escola de piano que se usava no Brasil. Os alunos eram pianistas interessados em aprender mais sobre o instrumento que se associava à música de Bach (SCHLOCHAUER, 2007).
O curso ocorreu em 1961, e o professor deu aulas de piano e cravo, tendo trazido seu
próprio instrumento (SCHLOCHAUER, 2008). Após a vinda de Heller, na mesma época em que
a Pro-Arte o trouxe ao Rio de Janeiro, o cravo Neupert que se encontrava neste estado foi
22 Stanislav Heller, após os estudos de piano e órgão no Conservatório de Praga, na década de 40, mudou-se em 1947 para Londres. Seu primeiro contato com o cravo se deu por intermédio de Tom Goff, um aristocrata cuja casa era o centro da atividade de música antiga para teclado deste período na Inglaterra. Heller teve algumas aulas com Aimée van der Wiele e Ralph Kirkpatrick, e iniciou sua carreira na década de 50. Ele devotava-se ao repertório francês, bem como à música do século XX. Posteriormente, o cravista começou a fazer turnês na Europa e América do Sul, “onde foi um dos primeiros a introduzir o cravo como um instrumento de concerto”. A partir de 1968, ele tornou-se professor de cravo e Música de Câmera da Hochschule de Freiburg (LEDBETTER, 2008).
154
transferido para São Paulo. De acordo com Samuel Kerr (2008), “A Pro-Arte só trouxe o Neupert
que estava no Rio, depois do sucesso cravístico que o Heller provocou em SP”. Terezinha
Saghaard, Herculano, Regina Schlochauer e Maria José Carrasqueira também se lembram da
existência de um Neupert na Pro-Arte (JANK, 2007; SCHLOCHAUER, 2007;
CARRASQUEIRA, 2008; HERCULANO, 2008; KERR, 2008; SAGHAARD, 2008).
Segundo Jank, Heller foi um marco para o cravo no Brasil. Ela diz: “Ele teve uma
importância muito grande aqui porque era um grande músico, muito bom cravista, e ele tinha
uma abordagem muito, muito profunda. Ele não só tocava, não era apenas um digitador, ele tinha
muitas informações importantíssimas” (JANK, 2007).
Figura 1 – Alunos do curso ministrado por Stanislav Heller em 17 de julho de 1961, nos Seminários de Música Pro-Arte, São Paulo (KERR, 2008).
155
Figura 2 – Alunos do curso ministrado por Stanislav Heller em 17 de julho de 1961, nos Seminários de Música Pro-Arte, São Paulo (KERR, 2008).
Figura 3 – Programa do recital final de cravo no curso ministrado por Stanislav Heller em 17 de julho de 1961, nos Seminários de Música Pro-Arte, São Paulo (KERR, 2008).
Também na Pro-Arte de São Paulo, a pioneira Alda Hollnagel, uma das primeiras
professoras de cravo do Brasil no século XX, passou a dar aulas do instrumento nos momentos
156
em que estava no país, pois devido à sua carreira, fazia muitas viagens. Samuel Kerr (2008) foi
um de seus alunos, e relata ter aprendido com ela as Variações sobre “Mein lungen Leben hat ein
End”, de Sweelinck. Kerr foi incentivado por Mr. Rabson e sua esposa, a flautista Carolyn
Rabson, e estudava com um kit montado em São Paulo, emprestado por eles (KERR, 2008).
Foram ainda alunos de Hollnagel Maria Helena Silveira, Ediná Pinheiro Strehler (2008) - cravista
da Orquestra de Câmara de São Paulo, de quem falaremos mais tarde, e Eduardo Duffles de
Andrade, hoje professor da UNICAMP na área de história da gravação sonora e música
industrializada (JANK, 2008; KERR, 2008; INSTITUTO DAS ARTES – UNICAMP, 2008).
Pianista de formação, Alda Hollnagel foi aconselhada pelo marido a deixar de lado a
carreira para se dedicar integralmente ao órgão. Ele a presenteou com um órgão da marca italiana
G. Tamburini, construído em 1951, época em que era aluna de Fúrio Franceschini, “um dos
principais responsáveis pelo desenvolvimento da atividade organística no Brasil a partir da
primeira década do século XX” (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, 2008; JANK, 2007). O
instrumento foi construído especialmente para a instalação na casa dos Hollnagel, e seu projeto
foi elaborado pelo organista titular da Basílica de São Pedro e professor da Academia Santa
Cecília de Roma, Fernando Germani, que segundo Herculano também foi professor de Hollnagel.
O órgão ficou em sua fazenda em São Carlos, e em 2005 foi doado por sua irmã, Thereza
Hollnagel à ECA da USP (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, 2008; JANK, 2007;
HERCULANO, 2008).
Na década de 50, após aquisição de um cravo Neupert, Alda Hollnagel passou a realizar
concertos e a dar aulas deste instrumento (HORA, 2007; JANK, 2007; SCHLOCHAUER, 2007;
CARRASQUEIRA, 2008; HERCULANO, 2008; KERR, 2008; SAGHAARD, 2008). O cravo foi
adquirido em 1955 por ocasião da vinda de Günter Ramin, o kantor da igreja de Leipzig, para
realização da Paixão de São João de J. S. Bach através da Pro-Arte de São Paulo e do Mozarteum
157
de Buenos Aires (JANK, 2007). Como no país não se encontrava um cravo com facilidade,
trouxeram o instrumento da Alemanha, que acabou não retornando. Charlotte Ramim, esposa do
kantor, relata em 1958:
Um círculo de amadores alemães, que vivem na América do Sul, desenvolveram com muito sacrifício, [...] e grande idealismo um movimentado ambiente musical. Também os músicos, em sua maioria, eram alemães e para Ramin foi uma grande alegria fazer música com essas pessoas tão comunicativas e dispostas a colaborar . Nos ensaios, regendo do cravo, ele transmitia suas intenções interpretativas com grande vivacidade, fazendo com que esses momentos se tornassem prazerosos, tanto para eles mesmos, quanto para os ouvintes que por lá estivessem. O cravo, que na verdade havia sido emprestado pela firma [Neupert], não voltou [para a Alemanha], mas foi comprado por particulares (RAMIN, 1958 apud JANK, 2008. Grifos e acréscimos de Jank).
Neste mesmo período, Alda Hollnagel realizou concertos acompanhando o violinista
Borislav Tschorbov, a mezzosoprano Susana Naidich, o flautista Peter Lukas Graf. Na década de
50, Herculano (2008) relata ter assistido Hollnagel tocando o concerto de Poulenc no Municipal.
Em 1966, com João Dias Carrasqueira, empreendeu uma turnê por São Paulo, interpretando o
ciclo integral das sonatas de Bach, trabalho que rendeu em 1966 o prêmio da Associação Paulista
de Críticos de Arte – APCA (ESCOBAR, s.d.; CARRASQUEIRA, 2008). Em fins de 60
transferiu-se definitivamente de São Paulo para sua fazenda em São Carlos, onde passou a
realizar e promover vários cursos, concertos ao cravo e ao órgão, numa antiga tulha de café, os
quais foram chamados “Concertos na Tulha” (JANK, 2007; MOZARTEUM ARGENTINO,
2007; ESCOBAR, s.d.; CARRASQUEIRA, 2008).
Na ocasião da vinda de Stanislav Heller, a então diretora da Pro-Arte de São Paulo, Maria
Helena Silveira também teve aulas de cravo, e a partir disso começou a lecionar o instrumento
nesta instituição (PUNTONI, 2008). Por seus ensinamentos passaram Tiche Puntoni
(HERCULANO, 2008; KERR, 2008), cravista do conjunto “Klepsidra”, criado em 1992, e os
intérpretes e professores Maria José Carrasqueira, Nicolau de Figueiredo e Ilton Wjuniski, dentre
158
outros. A cravista exerceu a docência até a década de 70, quando foi acometida por uma
enfermidade que a impediu de continuar suas atividades musicais (BARRIOLA, 2008;
CARRASQUEIRA, 2008; CUTOLO, 2008; HERCULANO, 2008; KERR, 2008; PUNTONI,
2008; SAGHAARD, 2008; SCHLOCHAUER, 2008b).
A história de Paulo Herculano também está ligada a esta instituição (CUTOLO, 2008).
Ele começou a tocar o instrumento pela necessidade de realizar baixo contínuo ao fazer música
de câmera. Graduado em piano pela UFMG, Herculano considera-se autodidata no cravo, embora
tenha tido algumas aulas em Paris com Huguette Dreyfus e Aimée Van de Wiele. Ele realizou
durante um ano com Samuel Kerr, uma série de concertos de cravo no auditório da Pro-Arte de
São Paulo, com diferentes temas (HERCULANO, 2008). Herculano formou em 1966, junto com
o gambista Dalton de Luca e os flautistas Milton e Ricardo Kanji o conjunto “Musikantiga”, onde
tocava órgão e cravo. O “Musikantiga” foi um dos grupos que mais sucesso fez nesta época,
tendo sido citado por vários de nossos entrevistados (SCHLOCHAUER, 2007; JANK, 2007;
CARRASQUEIRA, 2008; HERCULANO, 2008; KERR, 2008; LANZELOTTE, 2008; PESSOA,
2008; SAGHAARD, 2008). Tiveram uma grande aclamação popular, tendo vendido discos por
todo o Brasil. Ficaram famosas as interpretações da Pavane de Byrd, tocado por Paulo Herculano,
e de “Greensleaves” (KERR, 2008; LANZELOTTE, 2008). Rosana Lanzelotte afirma que muitas
pessoas começaram a tocar flauta doce por causa do “Musikantiga”. Ela também diz que os
grupos “Quadro Cervantes” e o “Pro-Arte Antiqua” foram uma conseqüência deste conjunto
(KERR, 2008; HERCULANO, 2008; LANZELOTTE, 2008). Por bastante tempo o
“Musikantiga” precisou tocar com cravos emprestados. No concerto de estréia do conjunto foi
utilizado um instrumento “moderno” que pertencia à cantora Ula Wolff (SCHLOCHAUER,
2007; HERCULANO, 2008; STREHLER, 2008).
159
Pouco tempo depois, Paulo Herculano formou em São Paulo o quarteto “Mestres
Cantores” com Samuel Kerr, Diogo Pacheco e Henrique Gregori. Em 1968 acompanhou-os no
Teatro Municipal de São Paulo um grupo formado por alunos de Herculano na Pro-Arte: Abel
Santos Vargas, Bernardo Toledo Piza, Mechthild Weier Vargas e José Carlos de Azevedo Morais
Leme, que segundo o crítico José da Veiga Oliveira era uma “parafernália de instrumentos mal
ajambrados”. Daí veio o nome do conjunto, “Paraphernália” (HERCULANO, 2008). O grupo
também participou do Festival de Música Francesa, em 1969, e do Festival de Inverno de Ouro
Preto, em 1970 (CARRASQUEIRA, 2008; HERCULANO, 2008; KERR, 2008; SAGHAARD,
2008). Apresentou-se em numerosos concertos, tais como aqueles promovidos pela Sociedade
Nova Difusão Musical no âmbito do "Festival de Outono", em praças públicas de São Paulo, em
1970, ou em cidades do interior de São Paulo e de outros estados, tais como Niterói, Ouro Preto e
Mariana, assim como em programas de televisão, destacando-se a TV Cultura de São Paulo
(BISPO, 1970; HERCULANO, 2008). No mesmo período de atuação do “Musikantiga” e do
“Paraphernália”, em fins da década de 60, início de 70, Maria de Lourdes Cutolo lembra-se de ter
ouvido pela primeira vez Ricardo Kanji e Maria Beatriz Ferreira Leite, ao cravo, no auditório da
Pro-Arte, onde se faziam concertos aos sábados à tarde (HORA, 2007; CUTOLO, 2008;
LANZELOTTE, 2008).
4.3.3 Bahia
Koellreutter foi um dos primeiros nomes ligados à prática de Música Antiga no Brasil, e
os reflexos deste pioneirismo também puderam ser encontrados na Bahia. Neste estado, em 1954,
o músico fundou e dirigiu os Seminários Internacionais de Música, patrocinados pela Reitoria da
Universidade Federal da Bahia (UFBa), criada em 1946, em colaboração com a Pró-Arte de São
160
Paulo (AUGUSTIN, 1999; HORA, 2008b, 2008c; PERRONE, 2008). Estes seminários deram
origem à Escola de Música da UFBa, e às primeiras vocações para a interpretação e o ensino de
cravo. Segundo Hora: “A Escola de Música da UFBa foi uma das mais importantes, senão a mais
importante da época, formando a maioria dos músicos e regentes atuantes da velha geração”
(HORA, 2008b). Além de Koellreutter, Roberto de Regina foi uma figura muito importante para
o cravo na Bahia. Seus instrumentos foram adquiridos pelas duas instituições que ofereceram o
ensino de cravo em Salvador, a Escola de Música da UFBa e o Instituto de Música da
Universidade Católica, e seus concertos ficaram marcados na história do instrumento no estado,
como aqueles realizados no Museu de Arte Sacra da UFBA (PERRONE, 2008).
A primeira cravista e professora do instrumento a atuar na Bahia foi Maria Angélica
Bahia Koellreutter (HORA, 2008b; PERRONE, 2008; PESSOA, 2008). Após os estudos de
piano, partiu no fim da década de 50 para a Alemanha, onde estudou cravo. Quando voltou,
trouxe um instrumento de dois manuais. O instrumento pertence ao acervo da atual Escola de
Música da UFBa, apesar de não estar em funcionamento desde 1975 (HORA, 2008b; PERRONE,
2008). Nos anos 90, a Escola adquiriu um cravo de dois manuais do construtor Abel Vargas, de
quem falaremos posteriormente (HORA, 2008b; PERRONE, 2008), e outro construído por José
Maurício Brandão. Na década de 70, Maria Angélica Koellreutter também comprou um cravo do
Roberto de Regina. Até 1975 ela deu aulas de cravo na UFBa, assim como de piano. Lecionou
cravo na Universidade Católica de Salvador (UCSAL), para onde foi comprado um Neupert de
dois teclados e pedais, “modelo Bach”, inaugurado pela cravista Helena Jank, e um cravo
pequeno do Roberto de Regina, por incentivo de Maria do Carmo Correa (HORA, 2007; HORA,
2008; PERRONE, 2008; PESSOA, 2008).
A mineira Maria do Carmo Correa foi para Bahia estudar regência com Koellreutter, mas
aprendeu muitos instrumentos, dentre eles, o cravo. Dois cravos de Roberto de Regina foram
161
comprados por ela, um pequeno, de um manual, e outro com dois, no qual Hora ajudou a colocar
as cordas para o concerto de inauguração (HORA, 2008b; PERRONE, 2008). Maria do Carmo
Correa dirigia o conjunto de flautas “Musika Bahia”. Ela lecionou na UFBa e na Universidade
Católica de Salvador (HORA, 2007; PESSOA, 2008). Posteriormente, alunas suas criaram o
“Anticália”. Este grupo gravou o disco “Modinha e Lundu: Bahia Musical” em 1984. Hora relata
que Heller também esteve em Salvador (HORA, 2007). Maria da Conceição Perrone foi
convidada por Correa em 1975 para integrar o “Musika Bahia”. Estudou cravo com Maria
Angélica Koellreutter, e de 1984 a 1986 teve aulas de cravo e fortepiano com Jacques Ogg na
Holanda como bolsista da CAPES. Atualmente é pesquisadora (PERRONE, 2008). Ela relata que
os alunos de cravo eram todos oficialmente graduados em piano na UFBa ou na UCSAL.
4.3 Década de 70: disseminação – construtores, conjuntos e festivais
Os anos 70 foram marcados por vários acontecimentos muito importantes. É neste período
que ocorre o retorno para o Brasil da cravista Helena Jank, que estava estudando na Alemanha.
Ela é a primeira professora brasileira com formação superior específica em cravo. Desde sua
chegada, Jank passou a dar aulas particulares em São Paulo, o que foi um incentivo para que
Regina Schlochauer, Rosana Lanzelotte e Terezinha Saghaard começassem a estudar o
instrumento (SCHLOCHAUER, 2007; LANZELOTTE, 2008; SAGHAARD, 2008). Em fins de
60, Roberto de Regina começou a construir pioneiramente cravos que se espalharam por todo o
Brasil. Helena Jank e Roberto de Regina passaram a dar aulas de cravo em festivais, e deram
início a uma geração de novos cravistas. Ocorreu a criação de um curso de extensão na ECA da
USP por Felipe Nabuco Silvestre. A vinda da cravista Huguette Dreyfus no MASP, em São
Paulo, em 1975, trouxe muitas informações novas e gerou possibilidades de formação no
162
exterior. A partir do mesmo evento, também Hidetoshi Arakawa deu início à construção de
cravos. Surgiram grupos como o “Quadro Cervantes”, o “Ars Barroca” e o “Camerata Antiqua”
de Curitiba.
4.3.1 Rio de Janeiro
Na década de setenta, no Rio de Janeiro, Roberto de Regina desenvolvia sua carreira
como regente, cravista, e médico paralelamente. Ele apresentava-se com seu conjunto, que desde
a volta para o Brasil de seu estágio com Frank Hubbard, em Boston, tornou-se o Conjunto
Roberto de Regina (SCHLOCHAUER, 2007; HERCULANO, 2008; LANZELOTTE, 2008;
SAGHAARD, 2008). Apresentar-se como solista ao cravo era um diferencial, e dificilmente
acompanhava seu coro. A cravista responsável por acompanhar o “Coro Dante Martinez” era
Clélia Ognibene. A instrumentista participava do “Collegium Musicum da Rádio MEC” sob a
direção de George Kiszely, e gravou com o coro, “Cantos e danças da renascença, Vol. III”. Eles
utilizavam um virginal inglês construído por Roberto de Regina (DE REGINA, 2007b; PESSOA,
2008). Ognibene também atuou intensamente em São Paulo, tendo sido cravista da Sociedade
Bach de São Paulo e da Orquestra de Câmera da USP (STREHLER, 2008).
Além de cravista concertista, Roberto de Regina foi durante muito tempo o mais
importante construtor de cravos brasileiro, tanto por seu pioneirismo quanto pela enorme
quantidade de instrumentos que construiu (DE REGINA, 2007; KUNDERT, 2007;
CARRASQUEIRA, 2008; CUTOLO, 2008b; SAGHAARD, 2008; LANZELOTTE, 2208;
HORA, 2007; PERRONE, 2008; PESSOA, 2008). Após o retorno da viagem aos Estados
Unidos, ele construiu seu primeiro cravo, e a notícia se espalhou. Segundo de Regina, “E foi
assim, um acontecimento. Isso virou noticia, milhões de pessoas atraídas por essa divulgação. E
163
eu comecei a fazer cravos, muitas pessoas queriam” (DE REGINA, 2008). Ele era um inventor,
pois pôde experimentar o uso de diversos materiais alternativos em seus instrumentos. A garagem
seu sítio, a atual “Capela Magdalena”, era sua oficina, e nela construiu uma centena de cravos
com um e dois teclados que estão espalhados por todo o país, e alguns até pelo exterior. Sua
iniciativa viabilizou o estudo do instrumento e o aparecimento de uma enorme geração de
cravistas e professores que puderam dar continuidade à história do cravo no país (DE REGINA,
2007; PESSOA, 2008). Marcelo Fagerlande diz que, além dessa viabilização do estudo devido ao
acesso ao instrumento, Roberto de Regina os estimulava musicalmente, inspirava. Os cravos e os
concertos de Roberto de Regina incentivaram a carreira de muitos músicos brasileiros.
No Rio de Janeiro, nos anos 70, Marcelo Fagerlande (2007), então aluno de piano, tendo
uma família muito interessada na prática da Música Antiga, adquiriu um cravo, mais ou menos no
mesmo período que Rosana Lanzelotte (2008), pianista de formação e engenheira, adquiria o seu.
Em 1974, Maria de Lourdes Cutolo fez o segundo festival com Roberto de Regina, em Curitiba, e
“entrou na fila de espera para comprar seu modelo Taskin”, do construtor (CUTOLO, 2008b).
Ana Cecília Tavares, em Brasília, ao assistir a um concerto de Roberto de Regina, se encantou
pela sonoridade do instrumento e decidiu trocar definitivamente o piano pelo cravo. A escola de
Música de Brasília, em 1977, adquiriu um cravo de dois teclados, que é utilizado até hoje
(TAVARES, 2007; CUTOLO, 2007b). Em 1976 ou 77, dois cravos foram encomendados em
Salvador, e atraíram a atenção e a curiosidade do baiano Edmundo Hora, que para lá foi
acompanhar a chegada dos instrumentos. No Museu de Arte Sacra, Edmundo ajudou Roberto a
colocar as cordas no instrumento que o próprio construtor iria inaugurar no mesmo dia (HORA,
2008b; PERRONE, 2008). Outros proprietários foram Maria José Carrasqueira e Regina
Schlochauer (HORA, 2007; CARRASQUEIRA, 2008; SCHLOCHAUER, 2008b), e o
Conservatório de Tatuí.
164
Destacamos finalmente a atuação de Roberto de Regina como professor. No encarte de
um concerto de 1973 em que o cravista acompanhou Aurele Nicolet na flauta, na Sala Cecília
Meireles, dizia “Como professor, Roberto de Regina está formando uma geração de executantes
do cravo, revivendo a interpretação e a técnica de história do cravo, sua construção e
manutenção” (SALA CECILIA MEIRELES, 1973). O cravista deu aulas em muitos festivais,
como os de Campos de Jordão e Curitiba, além de aulas particulares, ou “encontros-aula”, como
chamava Maria de Lourdes Cutolo (FAGERLANDE, 2007; CUTOLO, 2008b; LANZELOTTE,
2008; DE REGINA, 2008). O Festival de Campos de Jordão teve início em 1970, e estava ligado
à reforma do Palácio Boa Vista. Para a direção musical, foram convidados os maestros Camargo
Guarnieri e João de Souza Lima que permaneceram até 1973. Na primeira edição apresentaram-
se personagens importantes na história do cravo no Brasil, como o grupo “Ars Barroca” e a
cravista Helena Jank, na época, Hollnagel. Em 1977, o Festival passou a ter a coordenação dos
maestros Eleazar de Carvalho e Walter Lourenção. De Regina (2008) relata que chegou a ter 140
alunos nestes Festivais, na maioria pianistas. Ele foi o primeiro mestre de Maria de Lourdes
Cutolo, na edição de 1973. Graças ao cravista, Cutolo apaixonou-se pelo instrumento enquanto
recebia suas primeiras noções sobre a sonoridade do Concerto em Fá Menor de J. S. Bach
(CUTOLO, 2008b; DE REGINA, 2008). Cutolo (2008b) relata sua experiência:
R. de Regina [...] pediu-me para que me sentasse e tocasse a obra. Não sei se você pode imaginar a minha sensação, tratando de tocar nesse teclado pequeno, incomodo, esbarrando a cada 8ª, enfim, uma total “execução”!...Quando terminei, Roberto me disse: "bem, o concerto você sabe, agora, o que precisa, é aprender a tocar cravo!” [...] Primeiro, conhecer o instrumento "por dentro", para em seguida iniciar o aprendizado do “toucher”. Devo dizer que Regina foi extremamente dedicado, todas as manhãs, durante pelo menos 2 horas, se sentava a meu lado, estudando comigo e corrigindo as torpezas. Muitas vezes, tocava para que eu o ouvisse e também observasse suas mãos. Comento que o meu estudo com Regina, deu-se de uma maneira muito livre, a metodologia resumia-se às “necessidades do momento”. Dentro de uma semana de trabalho, eu comecei a “sentir” o instrumento e aí, o grande mestre me iniciou na Arte de Tocar Cravo, ensinando-me peças de F. Couperin e do livro de Anna Magdalena. Esses 20 dias de curso foram responsáveis pela total mudança na minha carreira e também em minha vida.
165
Além de Cutolo, Regina Schlochauer teve aulas neste festival, ocasião em que
encomendou um cravo pequeno. Também foram seus alunos importantes músicos como Marcelo
Fagerlande, Pedro Persone, que teve sua primeira aula no Festival do Centro de Cultura Musical
da USP, em 1974, e Rosana Lanzelotte, que freqüentou as Oficinas de Curitiba. Fagerlande e
Persone fizeram também aulas particulares no Rio de Janeiro, e Schlochauer e Cutolo, encontros-
aula em São Paulo (CUTOLO, 2008b; SAGHAARD, 2008). Lanzelotte comenta que as aulas nos
Festivais com Roberto de Regina eram mais intuitivas, e que o repertório principal era a Música
Francesa, sobretudo Rameau e Couperin, além de Scarlatti (LANZELOTTE, 2008). Lanzelotte
não se recorda de Roberto de Regina mencionar tratados, o que o cravista confirma, dizendo que
seu professor foi o próprio cravo (LANZELOTTE, 2008; DE REGINA, 2008).
Neste período, destacamos as atividades em torno dos Seminários de Música Pro-Arte do
Rio de Janeiro. Assim como a Pro-Arte de São Paulo, a escola recebeu o professor Stanislav
Heller por duas vezes, embora seu impacto não tenha sido sentido da mesma maneira. Ficaram
marcadas as aulas de afinação ministradas por ele, que eram uma novidade, sobretudo para
pianistas que nunca tinham vivenciado esta abordagem (CALDI, 2008; LANZELOTTE, 2008) A
escola possuía, assim como o primeiro cravo de Roberto de Regina, um kit Zuckermann
(LANZELOTTE, 2008).
A Pro-Arte do Rio de Janeiro foi celeiro de importantes grupos neste período. O
“Conjunto Pro-Arte Antiqua”, dedicado à música barroca, foi fundado em 1971 e formado por
alguns de seus professores e alunos sob a direção de Marcello Madeira e Homero Magalhães
Filho. A cravista do grupo era Marisa Gandelman. O “Pro-Arte Antiqua” não chegou a ter
gravações, mas Lanzelotte (2008) atesta que faziam concertos com o Teatro Casa Grande lotados.
Pouco tempo depois, em 1974, formou-se um grupo menor com alguns integrantes do Pro-Arte
Antiqua, inicialmente chamado “Trio Barroco”: Homero de Magalhães Filho, Myrna Herzog e
166
Rosana Lanzelotte, que na época era aluna de piano de Homero de Magalhães. Posteriormente
Helder Parente Pessoa, recém chegado da Alemanha, foi convidado para completar o “Quadro
Cervantes”. Logo após, Clarice Szanbrum substituiu Homero de Magalhães Filho, que foi estudar
na Europa. Mais adiante, a cravista Rosana Lanzelotte deixou o grupo para aprofundar seus
estudos e dedicar-se à carreira de solista, repercutindo numa mudança de repertório do barroco
para a renascença (LANZELOTTE, 2008; PESSOA, 2008). O “Quadro Cervantes” foi inspiração
para muitos músicos desde sua criação até os dias de hoje. Marcelo Fagerlande relata ter ido a
vários concertos do grupo durante sua infância, o que serviu como grande incentivo à sua carreira
como cravista (FAGERLANDE, 2007).
Outro importante grupo que iniciou suas atividades na década de setenta foi o “Conjunto
Ars Barroca” (HERCULANO, 2008). Ele era formado inicialmente pelo pianista Heitor
Alimonda, pelo flautista Celso Woltzenlogel, pelo violoncelista Antônio Guerra Vicente e pelo
oboísta Paolo Nardi, e alguns anos depois os dois últimos foram substituídos pelo oboísta Kleber
Veiga e o violoncelista Watson Clis, e somou-se a eles o fagotista Noel Devos. Nos anos setenta,
segundo Woltzenlogel, o “período áureo”, o Conjunto realizou mais de duzentos concertos, duas
gravações pela CBS e mais quatro sem caráter comercial compiladas por Frank Justo Acker. Os
integrantes apenas desfizeram a sociedade em 2002, no mesmo ano do falecimento de Heitor
Alimonda, que tocava cravo no Conjunto (PESSOA, 2008; SERAPHIM, 2008;
WOLTZENLOGEL, 2008). Também desenvolveu atividade como cravista a pianista Jeanette
Alimonda, esposa de Heitor Alimonda. Eles possuíam uma cópia de um cravo histórico
comprado nos Estados Unidos (LANZELOTTE, 2008; PESSOA, 2008).
Precisamos destacar ainda a presença de Karl Richter no Brasil. No final dos anos 60 e
durante a década de setenta, Richter veio inúmeras vezes ao país dando muitos concertos,
tocando cravo, órgão e regendo, muitos os quais fazendo parte dos Ciclos Bach, que tiveram
167
início em 1967. Era uma série de apresentações consecutivas, onde tocava obras como concertos
de Brandenburgo, Paixões, Cantatas de Natal, em sua maioria realizadas na Sala Cecilia Meireles.
Os concertos de órgão eram na Escola de Música da UFRJ. Com ele tocaram músicos
consagrados como os flautistas Aurele Nicolet e Jean-Pierre Rampal, e o violinista russo Leonid
Kogan (FAGERLANDE, 2007). Até onde sabemos, ele não chegou a dar aulas no Rio de Janeiro.
O cravo Neupert que se encontra na Sala Cecilia Meireles até hoje, foi trazido por intermédio de
Mirian Dauelsberg e de Karl Richter (FAGERLANDE, 2007; HORA, 2007). Jank e Fagerlande
comentam que Richter tinha uma personalidade muito intensa, e por isso tocava o cravo de forma
agressiva, com as mãos vindo de cima, o que achavam um tanto inapropriado (JANK, 2007;
FAGERLANDE, 2007). Por outro lado, Fagerlande (2007), Jank (2007) e Lanzelotte (2008)
enfatizam que Richter era o maior especialista de Bach na época, e como veremos em breve,
muito contribuiu para a formação de Jank e seus alunos. Hora relata que Richter esteve em São
Paulo, como professor (HORA, 2007).
4.3.2 São Paulo
Em 1970 volta da Alemanha a cravista Helena Jank (HORA, 2007; SCHLOCHAUER,
2007; CUTOLO, 2008; LANZELOTTE, 2008; SAGHAARD, 2008;), filha de Alda Hollnagel.
Jank talvez tenha sido uma das figuras mais importantes para a consolidação do ensino
formalizado de cravo no Brasil. Embora desde muito pequena fizesse aulas de piano, e ouvisse a
mãe ao órgão e ao cravo, nunca havia se interessado por este último. Por vontade dos pais, Jank
partiu para a Alemanha para graduar-se em órgão com Karl Richter, aluno de Günter Ramim,
conhecido da família. Na Escola Superior de Munique, no ano de 1959, ela conheceu o cravo
como instrumento complementar ao curso, e passou a fazer aulas com a professora Li
168
Stadelmann. Enquanto se sentia oprimida pela grandiosidade do órgão, mais se encantava com as
nuances e sutilezas do cravo, considerando-o mais adequado a sua personalidade (JANK, 2007).
Assim, ela afastou-se do estudo de órgão e concluiu seu bacharelado em cravo. Devido à
aposentadoria de Li Stadelmann, Jank concluiu sua pós-graduação com seu antigo professor, Karl
Richer, em cujo coro cantava regularmente. Jank (2007) enfatiza a importância que Richter teve
em sua formação, reforçando que era “especialistíssimo em Bach”. Já com a música francesa teve
contato através de Stadelmann. No entanto, Jank sentia ser ainda muito pouco, e lamentava não
ter tido naquele momento acesso aos tratados, e o peso inadequado dos instrumentos para o tipo
de repertório, fato que Lanzelotte (2008) também comenta em relação àqueles do Festival de
Ouro Preto. Jank permaneceu na Alemanha como continuista da Orquestra Bach a convite do
regente e professor até 1970, quando voltou ao Brasil.
Helena Jank trouxe para o Brasil um cravo do construtor Wittmayer, “tratado para os
trópicos”, um de seus últimos cravos “industriais”, pois a partir de então passou a construir cópias
de instrumentos históricos (JANK, 2007; SAGHAARD, 2008). Ela resistiu o quanto pôde às
cópias. Acionar os pedais para mudar a registração era um virtuosismo à parte, seria muito difícil
para ela descartar tudo o que havia aprendido. Ela precisaria reformular sua formação
solidamente construída: “E só aquela idéia de tocar num cravo que não tivesse os pedais para
trocar os registros me assustava muito, era isso que eu tinha aprendido. E, então de certa maneira
estava claro pra mim que se eu fosse tocar numa cópia eu teria que mudar muita coisa na minha
concepção” (JANK, 2007). No mesmo ano, Jank foi tocar as Variações Goldberg de J. S. Bach na
Alemanha, num cravo de Neupert, cópia de um cravo francês modelo Taskin. Ela teve de se
adaptar ao instrumento e percebeu as diferenças de sonoridade. Ainda nos anos 70, Jank
conheceu o construtor Hidetoshi Arakawa, que defendia as cópias. Assim, acabou por vender seu
cravo e comprou um deste construtor (JANK, 2007; SAGHAARD, 2008).
169
No Brasil, a cravista logo passou a dar recitais como solista e camerista, e deu início a
uma frutífera atividade pedagógica (JANK, 2007). Seus primeiros alunos tornaram-se
importantes cravistas e professores, como Maria Lúcia Nogueira, Terezinha Saghaard, Edmundo
Hora, Regina Schlochauer, Nicolau de Figueiredo, Rosana Lanzelotte. Helena Jank também
lecionou em todos os Festivais de Ouro Preto, a partir de 1973, onde deu aulas para Lanzelotte,
Saghaard e Yara Caznok, além de muitos pianistas, bem como nos Festivais de Blumenau
(LANZELOTTE, 2008; SAGHAARD, 2008). Saghaard, Lanzelotte relatam que o repertório dos
festivais era predominantemente o alemão, e enfatizam a bagagem trazida pela professora do
estudo com Karl Richter. Schlochauer (2007) também se recorda da predominância do repertório
alemão, sobretudo Bach e Handel, mas acrescenta Rameau, Couperin e Scarlatti, que como já
vimos, era o repertório preferido por Roberto de Regina. Lanzelotte (2008) se recorda que teve
com Jank suas primeiras aulas de baixo contínuo. Jank relata que na Alemanha ouviu falar dos
tratados de Carl Philipp Emanuel Bach e de Quantz. Aproveitamos para observar que o tratado
para teclado do filho de Bach foi um dos primeiros a ser conhecido por outros cinco de nossos
entrevistados: Regina Schlochauer (2007), Ingrid Seraphim (2008), Terezinha Saghaard (2008),
Helder Parente Pessoa (2008) e Maria da Conceição Perrone (2008). Helena Jank foi contratada
em 1976 pela UNICAMP, e após um afastamento de dois anos, retornou em 1982 em funções
administrativas, e finalmente em 1984 para o Departamento de Música. Obteve o título de
Doutora em Música na década de oitenta nesta mesma instituição.
170
Figura 4 – Audição de cravo no Departamento de Música do Instituto de Artes da UNICAMP. Campinas, São Paulo. Janeiro de 1976 (UNICAMP, 2008).
Ainda em São Paulo, destacamos a presença de Felipe Nabuco Silvestre. O cravista de
Belo Horizonte desenvolveu sua formação na Alemanha, tendo estudado com Edith Picht-
Axenfeld (HERCULANO, 2008), e feito seu mestrado com Fritz Neumeyer, em Freiburg. Lá ele
participou do “Freiburguer Kammer Trio”. Posteriormente estabeleceu-se em Portugal, onde
permaneceu por vinte anos (HORA, 2007). Ao voltar da Alemanha, Silvestre trouxe consigo um
cravo (SAGHAARD, 2008). Edmundo Hora e Terezinha Saghaard relatam que Felipe Silvestre
trabalhou nos anos 70 com um curso na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São
Paulo, tendo sido professor de Cravo e Música de Câmera (HORA, 2007; SAGHAARD, 2008).
O atual professor da USP é Sérgio de Carvalho (SAGHAARD, 2008). Silvestre também lecionou
na Escola de Música de Brasília, e no Conservatório Calouste Gulbenkian, em Portugal. Além
disso, ele deu muitas aulas em Festivais, como o Festival de Música de Vila Nova de Gaia
(SAGHAARD, 2008). Selecionou alunos brasileiros através de curso oferecido na UFMG para
171
participar como bolsistas dos “Encontros com o Barroco” (1987-2002), na cidade do Porto
(MUSEU DO ORATÓRIO, 2006; CUTOLO, 2007; HORA, 2007). Através do cravista a Escola
de Música da UFMG adquiriu um cravo alemão.
Em 1975, foi promovido um evento de alta relevância para a história do cravo no Brasil.
A presença da francesa Huguette Dreyfus23 no “Curso-Festival de Interpretação Cravística”,
realizado no Museu de Arte de São Paulo – MASP24, possibilitou a formação de um grande
número de cravistas, atualmente professores e intérpretes consagrados (FAGERLANDE, 2007;
CUTOLO, 2008c; HERCULANO, 2008; LANZELOTTE, 2008; SAGHAARD, 2008;
SCHLOCHAUER, 2008b; STREHLER, 2008). Foi um curso de grande impacto em São Paulo.
Cutolo considera-o “um marco muito importante no desenvolvimento do ensino em nosso país”
(CUTOLO, 2008c).
O Curso-Festival, que ocorreu nos meses de julho a novembro, foi patrocinado pela
Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia do Governo do Estado de São Paulo. O maestro
Walter Lourenção foi seu coordenador-geral, a professora Helena Jank Hollnagel, a
coordenadora-artística, e Carlos Alberto Monteiro de Aguiar o coordenador-executivo25(JANK,
2008b). De acordo com Helena Jank (2008b), a professora Huguette Dreyfus foi convidada por
Dalmo Nogueira e Maria Lúcia Nogueira, esta última, aluna da cravista francesa anteriormente na
Europa. O maestro Walter Lourenção, segundo José da Veiga (apud SCHLOCHAUER, 2008b),
“a mola propulsora do referido Curso-Festival”, também regeu a Orquestra de Câmara “Solistas
23 Inicialmente pianista, Dreyfus estudou cravo em Siena com o cravista italiano Ruggero Gerlin, um ex-aluno de Wanda Landowska. Ela deu aulas na Schola Cantorum de Paris e no Instituto de Musicologia na Sorbonne, bem como em outros conservatórios franceses. Além do Brasil, ela também deu cursos de verão e master classes na França, Inglaterra, Canadá, Alemanha e Japão (SCHOTT, 2008 e SCHOTT, 2008b). 24 Destacamos ainda o papel do Masp como um local onde muitos concertos com cravistas foram realizados, dentre os quais o primeiro da carreira de Marcelo Fagerlande, e vários realizados pelo “Conjunto de Música Antiga da Rádio MEC” (FAGERLANDE, 2007; KUNDERT, 2007). 25 A ficha técnica do Curso-Festival de Interpretação Cravística pode ser consultada no Anexo 2.
172
de São Paulo”, formada especialmente para o curso, nos concertos para dois, três e quatro cravos
de J. S. Bach. Maria de Lourdes Cutolo, Regina Schlochauer, Helena Jank, Maria Helena
Silveira, Felipe Silvestre, Ediná Pinheiro Strehler e Ilton Wjuniski foram os cravistas
participantes dos concertos (CALDEIRA FILHO apud SCHLOCHAUER, 2008b).
Figura 5 – Programa do Concerto de Encerramento do Curso-Festival de Interpretação Cravística,
realizado em 24 de novembro de 1975 no MASP, São Paulo (SCHLOCHAUER, 2008b).
Nos primeiros meses, ocorreu uma fase preparatória, na qual Helena Jank, Felipe Silvestre
e Maria Helena Silveira, os professores atuantes em São Paulo na época, dirigiram as atividades
pedagógicas, teóricas e práticas. Além destes, Telmo Locatelli preparou os alunos participantes
vindos do Sul do país. Os quatro professores compunham a comissão técnica do evento. Durante
173
o mês de outubro, as aulas foram ministradas pela professora francesa (SAGHAARD, 2008;
STREHLER, 2008). Muitas novidades foram trazidas, como a importância de boas edições, sem
ornamentos realizados, o desenvolvimento do touché através de um estudo técnico, o contato com
o repertório francês, a importância de se tocar em cópias (SAGHAARD, 2008). Helena Jank se
recorda que Dreyfus recomendou a procura de edições facsimile, que estavam começando a ser
produzidas. Sobre os tratados, Jank revela: “a primeira coisa que ela falou é que se precisava ter o
‘L’Art de Toucher le Clavecin’, com a Introdução. Porque até então, ninguém se interessava pela
introdução”. A cravista também fala de como Dreyfus trouxe a informação de que havia
ornamentos diferentes para diferentes autores (JANK, 2007). Após o acontecimento de 1975,
muitos brasileiros interessados no aprendizado do instrumento foram fazer com Huguette Dreyfus
estágios de verão ou mesmo graduação e aperfeiçoamento na Europa. Este foi o caso de Maria de
Lourdes Cutolo, Helena Jank, Regina Schlochauer, Ilton Wjuniski, Maria José Carrasqueira,
Terezinha Saghaard. Cutolo, Wjuniski, que na época tinha 15 anos, e Carrasqueira ganharam
bolsas de estudo durante o curso (CUTOLO, 2008c; SAGHAARD, 2008; DE REGINA, 2008). A
cravista Maria Lúcia Nogueira havia estudado com ela anteriormente (SAGHAARD, 2008), e
anos depois do acontecimento Ana Cecília Tavares, professora do CEP – EMB também a
procurou para desenvolver sua formação.
Para este encontro foram encomendadas pelo MASP obras dos compositores brasileiros
Almeida Prado, Souza Lima e Osvaldo Lacerda. Elas foram executadas juntamente com outras de
Lourival Silvestre, Willy Corrêa de Oliveira e Clarice Leite num recital inédito com os alunos do
festival. Tiveram sua primeira audição as peças “Suíte Barroca”, de Clarice Leite, tocada por
Ediná Pinheiro Strehler; “Monema 1” e “Monema 2”, de Lourival Silvestre, com o cravista
Felipe Silvestre; “Suíte à Antiga” (Prelúdio, Siciliana, Rigaudon), de Souza Lima, tocada por
Maria de Lourdes Cutolo (CUTOLO, 2008c); a “Sonata para Cravo” (Allegro Giusto, Andantino
174
com moto, Allegro Vivo), de Osvaldo Lacerda, com Maria Lúcia Nogueira (LACERDA, 1979);
“Mapa Rítmico” (Pesante, Sonoro; Rapidissimo; Livre, recitativo), de Almeida Prado, tocada por
Helena Jank; e finalmente “Claviharpsicravocembalocord”, de Willy Corrêa de Oliveira,
interpretada por Felipe Silvestre (STREHLER, 2008). Cutolo (2008c) foi convidada para estrear
a peça de Souza Lima em sua casa, onde havia um cravo original, comprado na Europa durante
seus estudos em Paris.
Hidetoshi Arakawa construiu dois cravos para a ocasião, cópias de instrumentos
históricos. Dreyfus deu conselhos para que alguns ajustes fossem realizados (SAGHAARD,
2008). Arakawa foi convidado na década de setenta pelos físicos Marcelo Damy de Souza Santos
e Rogério César Cerqueira Leite para trabalhar no projeto do Laboratório Acústico Musical,
instalado no Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Esta
parceria resultou na construção de diversos cravos que se espalharam pelo país, e até hoje estão
em uso. A produção teve início com a montagem de um kit proveniente dos Estados Unidos, e
baseou-se em intensa pesquisa sobre as etapas de montagem, regulagem, afinação, materiais, os
tipos de madeira brasileira apropriados a cada componente do instrumento, e no desenvolvimento
do processo de construção de saltarelos, pontes, teclas, cepo, tábua de ressonância etc. (SOARES,
2001; HORA, 2007). Quatro deles permanecem na Faculdade de Música da UNICAMP. Outro
está no Teatro de Ópera de Manaus (AM). Há ainda alguns com proprietários particulares, como
o músico e compositor Calimério Soares, de Uberlândia (MG), a professora Helena Jank, Ediná
Pinheiro Strehler e Regina Schlochauer, que também tinha um cravo Sabathil & Son, do Canadá,
posteriormente vendido para a Faculdade Santa Marcelina (HORA, 2007; SAGHAARD, 2008).
Segundo Hora, Saghaard e Jank, seus cravos tinham uma qualidade muito boa (HORA, 2007;
JANK, 2007; SAGHAARD, 2008). Anos depois, o laboratório foi extinto, mas Arakawa
continuou produzindo cravos na oficina instalada em sua casa em Campinas. Sua produção, que
175
vai aproximadamente de 1970 a 1985, foi encerrada por ocasião da elaboração do livro “Afinação
e Temperamento - Teoria e Prática”, lançado em 1995 (GUAIAME, 2005).
Antes de Arakawa, o artesão italiano José Masano, radicado no Brasil desde 1928,
também construiu cravos nos anos 70, em São Paulo. Dedicado à fabricação de móveis, ele
começou a reparar instrumentos como passatempo. Masano foi orientado pelo maestro Olivier
Toni26 na montagem um kit americano de um cravo para a Orquestra de Câmara de São Paulo,
fundada em 1956, instrumento que atraiu a atenção do cravista Felipe Silvestre e do oboísta
Henry Schumann. A partir desta experiência, passou a construir cravos para alguns artistas de
São Paulo. Eram cravos pequenos, de mecânica simples, em sua maioria de um registro e um
teclado. Posteriormente, também construiu cravos de dois teclados. Alguns proprietários foram
Luis Roberto Borges, regente e fundador do Coral e Sociedade Pro Musica Sacra de São Paulo, o
conjunto Musikantiga, Tiche Puntoni, Terezinha Saghaard. Todos enfatizam que eram
instrumentos para tocar continuo, inadequados para o repertório solístico (SOARES, 2001;
CUTOLO, 2008c; HERCULANO, 2008; KERR, 2008; SAGHAARD, 2008; SCHLOCHAUER,
2008; STREHLER, 2008).
Além dos três professores atuantes nesta década em São Paulo, também precisamos
mencionar o nome da organista Gertrud Mersiovsky, que deu aulas de cravo a Marcelo
Fagerlande e Regina Schlochauer. Ela graduou-se em 1958 em Órgão com Walter Kraft, Cravo e
Baixo Contínuo com Fritz Neumeyer, e Piano na Escola Superior de Música de Freiburg,
Alemanha. A partir de 1971, deu vários master classes, Cursos de Extensão, Especialização e
26 Maestro e compositor, Olivier Toni participou da formação de diversos intérpretes, musicólogos e compositores brasileiros. Foi o fundador da Orquestra Sinfônica Jovem Municipal em 1968, da Escola Municipal de Música em 1969, o Departamento de Música da ECA-USP, onde é professor titular desde 1970, tendo recebido em 2001 o título de Professor Emérito. Fundou, ainda, a Orquestra de Câmara de São Paulo em 1956, a Orquestra Sinfônica da Universidade de São Paulo em 1972 e a Orquestra de Câmara da Universidade de São Paulo - OCAM em 1995 (JARDIM, 2008)
176
Conferências nas Universidades Federais no Brasil, São Paulo, São Carlos, Salvador, Belém e
Curitiba. De 1986 a 2002 foi professora adjunta da Universidade Federal de Rio de Janeiro.
Mersiovsky atuou intensamente tanto como intérprete quanto na área acadêmica
(MERSIOVSKY, 2008).
4.3.3 Brasília
O movimento em torno do cravo em Brasília teve início literalmente como dizia Mário de
Andrade: primeiro veio o cravo, depois os cravistas. A chegada do instrumento viabilizou a
realização de aulas e concertos na cidade. O instrumento de dois teclados, encomendado a
Roberto de Regina pela Escola de Música de Brasília, foi entregue no ano de 1977. Em 1978, a
professora Maria de Lourdes Cutolo, aluna de Roberto de Regina desde 1973 e recém chegada de
Paris, foi convidada, por indicação de seu professor, para dar aulas de cravo no III Curso
Internacional de Verão de Brasília. Incentivada pela Escola de Música, decidiu radicar-se na
cidade, e no mesmo ano prestou concurso público para esta instituição (CUTOLO, 2008). No
entanto, até 1995, data em que o Núcleo de Música Antiga foi criado, o ensino não era regular.
Tempos depois da admissão de Maria de Lourdes Cutolo, o cravo passou por problemas técnicos
e ficou longo período sem ser tocado até que fosse restaurado, em Curitiba. Quando voltou, por
falta de sala, teve que ficar no núcleo de piano, e por isso as aulas só podiam acontecer quando
ninguém estivesse ocupando o espaço. Apenas com o regresso da segunda professora da Escola,
Ana Cecilia Tavares, que estava na França, e com a criação do Núcleo, finalmente, o cravo
ganhou uma sala exclusiva e as aulas passaram a ser freqüentes (TAVARES, 2007; CUTOLO,
2008; PESSOA, 2008).
177
4.3.4 Paraná
Assim como os cursos de Férias de Teresópolis e os Festivais de Ouro Preto e Campos de
Jordão, outros festivais vieram a caracterizar-se como o celeiro para novas vocações musicais.
Tais encontros, além de proporcionar o contato entre estudantes vindos de diversas partes do país,
fomentando entre eles a troca de experiências e a formação de novos grupos, diversas vezes
trouxeram do exterior instrumentistas renomados que marcaram fortemente o destino de muitas
carreiras brasileiras, e com isso, o rumo da Música Antiga no Brasil.
Este foi o caso de Ingrid Muller Seraphim (HORA, 2008; PESSOA, 2008). Após graduar-
se em piano no Rio de Janeiro com Guilherme Fontainha, freqüentou aulas de cravo com
professores dos Estados Unidos e da Inglaterra nos Cursos e Festivais Internacionais de Música
em Curitiba. De 1965 a 71, os festivais tiveram como diretor artístico o regente Roberto
Schnorrenberg, e foram idealizados e organizados pela Pro Música de Curitiba, fundada em 1962.
Em 1974 foi reeditado e dirigido pelo maestro Isaac Karabtchevsky, mas nos três últimos anos,
1975 a 1977, voltou a ser organizado pela Pro Musica, totalizando onze edições desde a sua
criação. Segundo Aramis Millarch, o evento alcançou prestígio internacional devido ao alto nível
dos professores e concertistas (MILLARCH, 1988; REIS, 2004; SERAPHIM, 2008).
Após isso, Seraphim foi convidada para lecionar cravo na Escola de Música e Belas Artes
do Paraná, onde já era professora de piano. A instituição havia adquirido um cravo com auxílio
do Consulado Alemão, a pedido do diretor Fernando Correia Azevedo, que era dividido com a
SCABI, Sociedade de Cultura Artística Brasílio Itiberê. A cravista aceitou o convite, e
reivindicou a aquisição de mais um instrumento, além de muitas partituras (HORA, 2007; REIS,
2004; SERAPHIM, 2008). Na mesma época, foi comprado também um cravo de Roberto de
Regina. Pianista e cravista, Ingrid Seraphim desenvolve sua carreira até hoje, apresentando-se em
178
inúmeros recitais solísticos e em grupos de câmara com renomados músicos brasileiros e
estrangeiros (SERAPHIM, 2008; HORA, 2008; REIS, 2004). Destacamos o duo com sua filha,
Elisabeth Prosser, atualmente professora de flauta e pesquisadora, que também tocou cravo.
Prosser trouxe do Canadá um instrumento, que até hoje é dos melhores de Curitiba (PESSOA,
2008; SERAPHIM, 2008).
No Festival Internacional de 1974, Ingrid Seraphim e Roberto de Regina reuniram um
grupo de professores e alunos para realizar dois concertos de Música Antiga. Assim surgiu a
“Camerata Antiqua” de Curitiba, com dezesseis componentes, dentre coro e orquestra. Os
componentes animaram-se para continuar o trabalho, e obtiveram o apoio da Fundação Cultural
de Curitiba, órgão da Prefeitura, que proporcionava inclusive as vindas do regente, Roberto de
Regina. Até 2000, Seraphim foi a coordenadora e cravista da Camerata. Ao longo dos anos, o
grupo cresceu para trinta e duas pessoas. De acordo com de Regina, com a Camerata conseguiu
fazer “as grandes obras, as maiores obras da humanidade”, “todo o repertório grandioso de
Bach”, como a Paixão Segundo São Mateus, e a Missa em Si Menor, o Oratório de Natal, os seis
Motetos, várias Cantatas. De Regina declara: “Nas minhas mãos, [a Camerata] voou para as mais
altas alturas da música, eu fiz com eles coisas que eles nem achavam que eram capazes, mas
fizeram”. Seraphim (2008) recorda-se com entusiasmo das mesmas obras “maravilhosas”, que
foram registradas em dezessete gravações. Lanzelotte (2008) também comenta que a Camerata
“foi o primeiro conjunto que podia fazer então um repertório orquestral e coral”. Além de regente
da “Camerata Antiqua” e professor de cravo das Oficinas de Música de Curitiba, Roberto de
Regina também construiu muitos cravos nesta cidade (HORA, 2008; SERAPHIM, 2008).
Segundo Seraphim (2008), as idéias do regente eram cheias de criatividade e de bom gosto.
179
4.4 Década de 80: formação no exterior
Com uma grande quantidade de cravos sendo construída, uma ampliação do Movimento
de Música Antiga, associada ao início da atividade pedagógica no Brasil, pouco regular e ainda
não formalizada, criou-se na década de oitenta um quadro peculiar: muitos pianistas de formação
estavam fortemente interessados pela prática do instrumento, porém desprovidos de uma
orientação regular e profissionalizante. Diante disso, a nova geração de cravistas e professores
buscou auxílio no exterior, onde o instrumento há tempos estava sendo ensinado, em
conservatórios e escolas superiores. Muitos destes pianistas brasileiros iniciaram seus estudos de
cravo com Roberto de Regina, no Rio de Janeiro, e Helena Jank, em São Paulo.
A vinda de professores estrangeiros para o Brasil em cursos e Festivais proporcionou o
contato com os alunos interessados, assim como a possibilidade de bolsas de estudo. A francesa
Huguette Dreyfus, após o Curso-Festival de 1975 no MASP, foi bastante procurada. Na década
de oitenta foram seus alunos: Ana Cecília Tavares, Ilton Wjuniski, Maria José Carrasqueira,
Maria Lúcia Nogueira, Pedro Persone, Regina Schlochauer e Terezinha Saghaard. Seus cursos de
verão em Villecroze atraíram a vinda de gerações de estudantes brasileiros.
Outro professor que recebeu e recebe até hoje grande quantidade de alunos brasileiros é o
holandês Jacques Ogg27. Veio pela primeira vez ao Brasil por intermédio de Ricardo Kanji, para
o Festival de Londrina em 1984, e fizeram seu curso músicos como Rosana Lanzelotte, Pedro
Persone e Edmundo Hora (HORA, 2007; LANZELOTTE, 2008). A partir daí, Lanzelotte passou
a promover vindas de Ogg ao Rio de Janeiro, nos Studio de Música Antiga da Universidade Santa
Úrsula. Desde então, Ogg tem vindo ao Brasil para dar muitos master classes, como na
27 Jacques Ogg estudou cravo em Maastricht, cidade onde nasceu, com Anneke Uittenbosch, e em 1970 foi para o Conservatório de Amsterdam estudar com Gustav Leonhardt, onde se graduou em 1974 (OGG, 2008).
180
Sociedade Pró Música Antiga de São Paulo, SPMASP, e os Festivais de Inverno de Juiz de Fora.
Estudaram com ele Rosana Lanzelotte, Edmundo Hora, Pedro Persone, Alexandra d’Todaro,
Rose Ana de Carvalho, Sula Kossatz, Cristiano Holtz, Alessandro Santoro, Cláudio Barduco
Ribeiro, e mais recentemente Mayra Pereira, Daniel Ivo e João Rival (LANZELOTTE, 2008b). O
canadense Kenneth Gilbert28 também foi um professor importante na formação de cravistas
brasileiros, como Marcelo Fagerlande, Ilton Wjuniski e Nicolau de Figueiredo (FAGERLANDE,
2007).
Embora não tenha recebido alunos regulares, destacamos a vinda do cravista francês
Christophe Rousset. Ele esteve pela primeira vez em 1983 no Rio de Janeiro para tocar na Sala
Cecília Meireles com o conjunto Chapelle Royale, de Herreweghe, ainda jovem, tendo ganhado
recentemente o festival de Bruges. Lanzelotte (2008) organizou seu retorno para dar aulas no II
Studio de Música Antiga da Universidade Santa Úrsula em 87, e a partir daí passou a vir ao país
com certa freqüência. O cravista foi convidado para o primeiro Encontro de Cravistas em Paraty,
em 1992. Jank (2007) também organizou um curso de Rousset na UNICAMP em 1994.
Participaram de seus master classes Pedro Persone, Maria Eugênia Sacco, Marcus Holler, assim
como os de Kenneth Gilbert, que veio para o II Encontro de Cravistas de Paraty em 1993.
A partir de 1986, foi criada uma colaboração entre a França e o Brasil realizada através da
A.F.A.A. – Association Française pour l'Action Artistique. Tal colaboração proporcionou tanto o
oferecimento de cursos por professores franceses no país, quanto a concessão de bolsas de estudo
para que jovens brasileiros pudessem fazer seus estudos na França. Os estágios de Música Antiga
que ocorreram na Universidade Santa Úrsula foram considerados o lugar apropriado para por em
28 Gilbert estudou órgão com Gaston Litaize, composição com Nadia Boulanger e cravo com Ruggero Gerlin. Após desenvolver sua carreira no Canadá e Estados Unidos de 1955 a 1967, desde 1968 passou a apresentar-se extensivamente pela Europa, tendo ocupado vários cargos de professor em universidades e conservatórios europeus e canadenses (SCHOTT, 2008c).
181
prática a colaboração entre os dois países, que começou a acontecer a partir de 1987. Esta
primeira iniciativa deu estimulo aos dois principais festivais brasileiros na época, o de Curitiba e
de Juiz de Fora, para que começassem a integrar regularmente músicos franceses ao corpo de
professores (LANZELOTTE, s.d.; PESSOA, 2008).
Os músicos brasileiros que então buscaram formação no exterior, ao voltarem ao país
começaram a desenvolver uma intensa carreira como professores. Godinho afirma:
Creio que a presença do cravo no Brasil tem crescido consideravelmente através do trabalho de diversos músicos, que após um período de formação fora retornaram para desenvolver o seu trabalho aqui. Temos aqui também as influências dos movimentos de música antiga iniciados na Europa e, da mesma forma que estes contribuíram para a revitalização do cravo lá, temos visto aqui a mesma coisa (GODINHO, 2008).
Marcelo Fagerlande, Maria de Lourdes Cutolo, Ana Cecilia Tavares, Rosana Lanzelotte,
Pedro Persone e Edmundo Hora tiveram suas primeiras orientações, ou diria, “inspirações” ao
cravo com Roberto de Regina. Enquanto que os dois primeiros partiram diretamente para uma
formação no exterior, Tavares teve ainda aulas com Cutolo e os outros três professores seguiram
seus estudos com a professora Helena Jank antes de se especializarem fora do país.
Marcelo Fagerlande (HORA, 2007; PESSOA, 2008; DE REGINA, 2008; SERAPHIM,
2008) iniciou seus estudos de piano com Magda Tagliaferro. Desde jovem, tinha o hábito
cultivado pelo pai de ir a concertos, como os de Karl Richter, do “Conjunto de Música Antiga da
Rádio MEC”, do “Quadro Cervantes”, e de Roberto de Regina. Conforme já mencionado, ouvir o
cravista Roberto de Regina foi um grande estímulo musical ao seu estudo. Seu pai, sempre
amante da música, havia começado a ter aulas de flauta doce com Ruy Wanderley e logo sua
família estava toda envolvida na prática de Música Antiga em casa. Ele procurou Roberto de
Regina e encomendou um cravo, que foi entregue em 1973. Aos poucos, Fagerlande foi se
interessando pelo instrumento, e foi para Ruy Wanderley, em sua casa, que tocou pela primeira
182
vez. Tempos depois ele começou a ter orientações de Roberto de Regina, Gertrud Mersiovsky e
Regina Schlochauer. Procurando maior aprofundamento em sua formação, aconselhado por
Felipe Silvestre, Fagerlande foi estudar com Kenneth Gilbert em Stuttgart, Alemanha. Lá o
cravista permaneceu de 1982 a 1986. Ao retornar, ele cursou o mestrado em Musicologia no
Conservatório Brasileiro de Música, diplomando-se em 1993, e em 2002 defendeu sua tese de
doutorado na mesma área, na UNIRIO. Fagerlande apresenta-se como camerista e solista desde
1979, e desde 1997 como regente ao cravo, principalmente de óperas barrocas (FAGERLANDE,
2007).
Maria de Lourdes Cutolo, tendo iniciado sua formação com Roberto de Regina, como
anteriormente mencionado, partiu pela primeira vez para a Europa em 1976. Através de uma
bolsa de estudos, ela foi ter aulas com a professora Huguette Dreyfus, com quem teve o primeiro
contato no curso promovido pelo MASP. De 1979 a 1984 ela foi complementar sua formação na
Alemanha com Hugo Ruf. Durante o período em que esteve ausente de suas atividades na Escola
de Música de Brasília, desde 1981, Felipe Silvestre, que havia se radicado na cidade, passou a
trabalhar na Escola de Música como professor de música de câmera, utilizando seu próprio cravo
(CUTOLO, 2008). Em 1984, Cutolo reassumiu seu cargo, mas devido à ausência do instrumento,
passou a dar aulas de interpretação de J. S. Bach para professores e alunos avançados de piano.
No ano de 1985, devido às comemorações dos 300 anos de nascimento de J. S. Bach, Handel e D.
Scarlatti, foram organizadas várias “semanas” e “encontros”, na Escola de Música e na
Universidade, o que proporcionou a Cutolo a realização de vários recitais solo, de música de
câmera – com instrumentos modernos, e duos, como o que fez com Felipe Silvestre (CUTOLO,
2008).
Ana Cecilia Tavares (FAGERLANDE, 2007; PESSOA, 2008) iniciou seus estudos de
cravo quando ainda fazia seu Bacharelado em piano, na UNB. Já havia o cravo em Brasília, e
183
Maria de Lourdes Cutolo dava aulas. Ao assistir, na própria Escola, a um concerto de Roberto de
Regina, Tavares ficou fascinada pelo instrumento, tendo procurado o cravista para então ter
aulas. Anteriormente ela havia ouvido gravações, mas nunca havia se encantado com elas, o som
não lhe despertava interesse. Depois passou a ter aulas com Maria de Lourdes Cutolo. Tavares
praticamente parou de estudar piano para se dedicar integralmente ao novo instrumento, o que
continuou fazendo após concluir sua graduação. De 1986 a 1988, foi para Paris estudar com
Huguette Dreyfus e baixo contínuo com Olivier Baumont. Já no exterior entrou em contato com
gravações e tratados, pois relata que no Brasil este acesso era mais difícil (TAVARES, 2007).
Rosana Lanzelotte, a antiga cravista do “Quadro Cervantes”, aproximou-se do cravo
devido ao contexto vivido na Pro-Arte:
[Meu primeiro contato com o cravo] foi no Rio de Janeiro, nos Seminários de Música Pro-Arte, onde havia um kit Zuckermann bastante razoável, e um conjunto, o “Pro-Arte Antiqua”, atuante desde os anos 70, com uma cravista Marisa Gandelman, e tinha 40 alunos de flauta doce, todos precisando de cravista. Então, o Denis [Borges] Barbosa me perguntou se eu não queria acompanhar um aluno dele num recital de fim de ano na Pro-Arte. Eu me aproximei do cravo e me pareceu muito desafiador como fazer aquele instrumento soar minimamente convincente. Eu já gostava de Bach e de Scarlatti no piano e fiquei curiosa de ver como é que, enfim, se tocava cravo (LANZELOTTE, 2008, acréscimos nossos).
Lanzelotte passou a fazer aulas nos Festivais de Ouro Preto, com Helena Jank, e nos de
Curitiba com Roberto de Regina. Com ele encomendou seu primeiro cravo. Após algum tempo
de atividade camerística, ela conheceu na década de 80 o cravista Jacques Ogg, e com ele foi
estudar na Holanda. Lanzelotte adquiriu em 1987 um novo instrumento, construído pro Abel
Vargas, e mais ou menos na mesma época acompanhou o gambista Wieland Kuijken em um
recital, o que, para ela, foi um momento decisivo para que escolhesse a carreira solística
profissional. Posteriormente também se especializou em baixo contínuo com J. B. Christensen, na
Basiléia (LANZELOTTE, 2008). Além da notável formação acadêmica, atividade docente, e
184
frutífera carreira, inclusive mais recentemente como fortepianista, Lanzelotte tem fomentado um
intenso intercâmbio entre França e Brasil no tocante a Música Antiga, e tem trazido importantes
cravistas para dar recitais e cursos, como Jacques Ogg, Christophe Rousset e Olivier Baumont
(LANZELOTTE, 2008; PESSOA, 2008).
Dos alunos de Helena Jank, praticamente todos começaram com o piano, e formaram-se
neste instrumento em cursos técnicos ou mesmo superiores. Sua primeira aluna de cravo foi
Maria Lúcia Nogueira. Menina prodígio, Nogueira deu seu primeiro concerto de piano aos cinco
anos. Iniciou seus estudos de cravo no Brasil, e posteriormente estudou durante cinco anos com
Huguette Dreyfus. Nos anos 70, passou a dar muitos recitais, dentre eles em duo com Helena
Jank. Também deu aulas particulares (SAMPAIO, 2007; JANK, 2007).
A cravista Regina Schlochauer também estudou por algum tempo com Jank. Ela entrou
em contato com o cravo em 1961, em curso com Stanislav Heller, com quem estudou piano
posteriormente na Inglaterra (SCHLOCHAUER, 2007). Fundou o grupo “Confraria” na década
de 70, e nesta época a flautista Thais Veiga Borges lhe falou que Helena Hollnagel tinha voltado
da Alemanha. Após algumas aulas com Jank, e depois com Gertrud Mersiovsky, aprofundou seus
estudos com Huguette Dreyfus (HORA, 2007; HERCULANO, 2008; KERR, 2008;
SCHLOCHAUER, 2008b). Conhecendo-a em 1975, em 1983 e 1986, Schlochauer participou de
seus estágios na Abbaye de Sylvanès e Fundation Les Treilles, respectivamente, na França.
Possuía um cravo de Roberto de Regina, depois do canadense Sabathil & Son, e posteriormente
adquiriu um do William Takahashi.
Outra aluna, Terezinha Saghaard, após a graduação de piano na UFMG, começou a
interessar-se pela Música Antiga. Primeiramente fez um curso de canto gregoriano, depois flauta
doce, e quando já trabalhava com este instrumento começou a procurar o cravo. Participou do
Festival de Ouro Preto, onde teve aulas com Helena Jank, assim como Rosana Lanzelotte e Yara
185
Caznok, e depois passou a fazer aulas com ela em São Paulo (SAGHAARD, 2008). Teve como
primeiro instrumento um cravo pequeno de José Masano, posteriormente comprou um cravo
Wittmayer de dois teclados de Renata Braunwieser, de propriedade de seu pai, Martin
Braunwieser, fundador da Sociedade Bach de São Paulo (KUNDERT, 2007; CARRASQUEIRA,
2008). Há alguns anos atrás, ela comprou um cravo de Abel Vargas e o Wittmayer foi vendido
para a FAAM (SAGHAARD, 2008). Assim como Maria Lúcia Nogueira, Saghaard conheceu
Huguette Dreyfus em 1975, tendo participado de seu curso, e posteriormente estudou com ela na
França (HORA, 2007; HERCULANO, 2008). Saghaard tem atuado como flautista e cravista em
programações barrocas de várias orquestras de São Paulo, e participou desde 1975 do grupo
“Confraria”. Em 1983 viajaram para Portugal e tiveram como diretor Paulo Herculano
(SCHLOCHAUER, 2007; SAGHAARD, 2008). Desde 1989 integra o grupo “Carmina”, tendo
gravado seu primeiro CD em 2004 (SAGHAARD, 2008b).
Pedro Persone teve aulas com Jank e também com Roberto de Regina. Estudou em 1977
com Huguette Dreyfus na École Nationale de Musique de Bobigny, França. Já em 1988
aprofundou-se em cravo e fortepiano com Jacques Ogg, na Academie voor Oude Muziek,
Amsterdam. Estudou na UNICAMP com Helena Jank, obtendo o diploma de graduação em cravo
em 1991, e mestrado em 1996 na mesma área. Concluiu seu doutorado em Performance Histórica
em 2006, na Universidade de Boston, sob orientação de Joel Sheveloff (PLATAFORMA
LATTES, 2007; PERSONE, 2008).
Edmundo Hora, além de aluno, tem sido colega da professora Helena Jank desde 1984 no
Instituto das Artes, na UNICAMP. Hora teve seu primeiro contato com o cravo em 1973, em
Salvador, através do grupo “Anticália”. No entanto, ele foi estudar órgão em São Paulo, e lá se
reaproximou do cravo devido às suas similaridades técnicas. Hora teve aulas com Roberto de
Regina, Helena Jank e Felipe Sivestre. Ao participar como cravista da Orquestra de Câmara da
186
Pro-Arte de Piracicaba - instituição fundada por Koellreutter em 1953 - onde estudava órgão
desde 1977, ele sentiu a necessidade de se aprimorar na técnica cravística. Em 1980 conheceu
Jacques Ogg, que o indicou para um curso em 1982 em El Escorial na Espanha. Neste mesmo
ano foi para o Holland Festival Oude Muziek29. Em 1984, Hora transferiu-se para Amsterdam e
finalizou o curso de “Solista em Cravo” com Jacques Ogg. Ele ingressou em seguida no
Sweelinck Conservatorium de Amsterdam na classe de Anneke Uittembosch, ex-discípula de
Gustav Leonhardt. Hora retornou ao Brasil em 1993 para reassumir os seus trabalhos no
Departamento de Música do Instituto de Artes da UNICAMP. Além de atuar intensamente como
professor de festivais, Hora também se apresenta como concertista em teclados antigos, regente
coral e de óperas barrocas (HORA, 2007; PLATAFORMA LATTES, 2007).
Figura 6 – Concerto para 4 cravos. Sala Cecília Meireles, Rio de Janeiro, 1987. Cravistas: Jacques Ogg, Marcelo Fagerlande, Edmundo Hora e Rosana Lanzelotte. Regência de Homero de Magalhães Filho.
29 Festival Holandês de Música Antiga
187
O cravista Marcos Holler fez o bacharelado em cravo com Helena Jank, entre 1986 e
1990, e posteriormente passou a estudar com Edmundo Hora do início dos anos 90 até 1995, ano
em que defendeu sua dissertação de mestrado na UNICAMP. A partir do doutorado, cursado na
mesma instituição, passou a fazer pesquisa documental em musicologia histórica. Holler dá
concertos como solista e como camerista em grupos e orquestras (HOLLER, 2008).
Há ainda alguns cravistas importantes de serem mencionados, que não fizeram aulas com
Helena Jank, mas tiveram contato com Huguette Dreyfus. A pianista Maria José Carrasqueira,
nascida em uma família de artistas, desenvolveu sua formação com professores como Camargo
Guarnieri, Roberto Schnorremberg, e Magda Tagliaferro. Ela começou a tocar sonatas barrocas
ao piano acompanhando o pai, o flautista João Dias Carrasqueira. Ao freqüentar seus ensaios com
conjuntos como a Orquestra de Câmara Vivaldi, e a Orquestra da Sociedade Bach de São Paulo,
foi convidada a fazer baixo contínuo, inicialmente no piano (CARRASQUEIRA, 2008). Seu
primeiro contato com o cravo se deu nos ensaios de João Dias Carrasqueira com Alda Hollnagel,
para a execução do ciclo integral das Sonatas para Flauta e Cravo de J.S.Bach. Após isto, ela fez
algumas aulas do instrumento na Pro-Arte de São Paulo com Maria Helena Silveira. Participou,
ainda na Pro-Arte, da “Orquestra de Câmara Jovem de São Paulo”, dirigida pela violista suíça,
Beatriz Dietzius (CARRASQUEIRA, 2008; STREHLER, 2008). Segundo Carrasqueira (2008),
“meu aprendizado deu-se de forma experimental, imediata, a partir de elementos musicais
concretos, mas sempre voltados para a realização do Baixo Contínuo, e de concertos barrocos,
além da observação contínua de cravistas que começavam a se apresentar em São Paulo”.
Recebeu ainda orientações de Tatiana e Martin Braunwieser, por ocasião da compra do cravo
Wittmayer para a Sociedade Bach de São Paulo, onde passou a tocar também obras para cravo
solo. Comprou seu primeiro cravo de Roberto de Regina, posteriormente adquiriu um Sabathil &
Son, modelo Bach, e afinal, um instrumento construído por Abel Vargas. Carrasqueira (2008) diz
188
que concilia e se adequa bem à execução nos dois instrumentos, cravo e piano, e isto “trouxe uma
ampliação da possibilidade na execução dos diversos repertórios, observando suas características
interpretativas, a partir dos instrumentos para os quais foram originalmente escritos”.
Ela estudou na Suíça na década de 70 com Marinette Extermann, tendo se apresentado ao
cravo em concertos com o irmão flautista Antonio Carlos Carrasqueira pela Europa. De volta ao
Brasil, Carrasqueira participou do Curso-Festival do MASP e foi uma das bolsistas, tendo ido
estudar na Europa com a francesa (SAGHAARD, 2008). Ela atualmente é professora de piano e
música de câmera da UNICAMP, e destacamos ainda o “Duo Carrasqueira”, com seu irmão
(HORA, 2007; SCHLOCHAUER, 2008b).
Ediná Pinheiro Strehler teve suas primeiras orientações com Alda Hollangel e Stanislav
Heller, na Pro-Arte de São Paulo. Também frequentou o Curso do MASP com Dreyfus.
Desenvolveu a carreira de cravista por muitos anos, tendo dado muitos concertos como solista e
camerista. Strehler tocou com a Orquestra de Câmara de São Paulo, e fundou em 1981 o grupo
“L’Estro Armonico”, mas atualmente não exerce mais atividades ao cravo (CUTOLO, 2008c;
SAGHAARD, 2008; STREHLER, 2008).
Mencionamos ainda os músicos Elisa Freixo, organista de formação, que em 1982
estudou com Huguette Dreyfus na Schola Cantorum de Paris e Patricia Gatti, que estudou de
1989 a 1995 com Helena Jank na UNICAMP, e anteriormente teve aulas com Roberto de Regina,
Edmundo Hora, Christophe Rousset (França), Augusta Campagne (Suiça), e Maria José
Carrasqueira. Já na década de 80, Gatti passou a dar aulas de cravo, como em 1987 no
Conservatório Dramático e Musical Carlos Campos de Tatuí, e de 1979 a 1982 no Conservatório
Musical Carlos Gomes de Campinas Ela vem se destacando por trazer o cravo para novos estilos,
como no Grupo “Anima”, no seu duo de rabeca e cravo com José Eduardo Gramani, tradição oral
e popular brasileira e execuções de jazz (GATTI, 2008; PLATAFORMA LATTES, 2007).
189
Além dos brasileiros que se formaram no exterior e retornaram para seu país, há também
aqueles que partiram definitivamente, tendo lá estabelecido suas carreiras e residências. Este foi o
caso de cravistas como Ilton Wjuniski, Nicolau de Figueiredo e Maria Lúcia Barros. Os dois
primeiros estudaram em São Paulo com a professora Maria Helena Silveira (BARRIOLA, 2008;
PUNTONI, 2008; STREHLER, 2008), e nos anos oitenta, especializaram-se com o cravista
Kenneth Gilbert. Além deste professor, Wjuniski teve aulas com Huguette Dreyfus, após a bolsa
concedida durante sua participação no Curso-Festival do MASP, e radicou-se na França
(SAGHAARD, 2008). Ele vem exercendo suas atividades profissionais neste país e atualmente é
professor do Conservatório Claude Debussy e de festivais como o da Académie Musicale de
Villecroze (WJUNISKI, 2003). Alguns alunos e professores brasileiros têm se especializado em
seus cursos e estágios, como a professora Maria Eugênia Sacco, e os intérpretes Stella Almeida,
Luciane Beduschi, Antônio Carlos Magalhães, Fabio Martino e Robson Bessa.
Nicolau de Figueiredo iniciou seus estudos de piano, cravo, órgão e música de câmera em
São Paulo, graduou-se em cravo com Christiane Jaccottet e em órgão com Lionel Rogg no
Conservatório Superior de Música de Genebra. Especializou-se com Kenneth Gilbert, Gustav
Leonhardt e Scott Ross. Ele já foi diretor musical da classe de Ópera da Schola Cantorum
Basiliensis, na Suíça, e é professor de Canto Barroco no Conservatório Nacional Superior de
Música de Paris. Nicolau de Figueiredo é um professor muito requisitado em festivais brasileiros
até os dias atuais, como as Oficinas de Curitiba (ART INVEST, 2008). Maria Lúcia Barros
estudou com Marcelo Fagerlande, e foi para a França com bolsa concedida pela A.F.A.A, onde
continuou sua formação com Elisabeth Joyé e Pierre Hantaï. Assim como Wjuniski e Figueiredo,
Barros radicou-se neste país, e é professora do Conservatório Erik Satie. Também deu aulas nos
Festivais de Olinda (FAGERLANDE, 2008).
190
No estado do Paraná, na década de oitenta, a “Camerata Antiqua” de Curitiba vinha
desenvolvendo suas atividades. Para o aperfeiçoamento dos músicos, foram criadas as Oficinas
de Música de Curitiba, com o apoio da Secretaria Municipal de Cultura. O evento fez tanto
sucesso que já na primeira edição, em 1983, com a direção de Paulo Bosísio, contou com
duzentos alunos para apenas sete professores (MILLACH, 1988; SERAPHIM, 2008). Ingrid
Seraphim seguiu coordenando e dirigindo as Oficinas de Música até 2001, sempre buscando
trazer grandes professores brasileiros e europeus. Os cravistas Roberto de Regina, Jacques Ogg,
Edmudo Hora, Marcelo Fagerlande e Nicolau de Figueiredo e os flautistas Helder Parente e
Ricardo Kanji foram alguns dos professores convidados para as Oficinas. Estes encontros
serviram de incentivo para muitos estudantes buscarem formação, e tantos grupos serem criados.
Além das Oficinas, Seraphim criou e coordenou as Oficinas de Música da Fundação
Cultural de Curitiba, coordenou Festivais de Música da Câmera da Araucária Produções
Artísticas e Festivais de Música de Cascavel, bem como o coro “Collegium Cantorum”. Após as
Oficinas de Música, surgiram outros importantes festivais na região Sul, como o de Londrina,
Paraná, em 1981, onde Edmundo Hora foi o professor de cravo em diversas edições, e o de
Blumenau, em Santa Catarina, em 1983, do qual Helena Jank foi professora.
Em 1986 surgiu o “Conjunto de Musicantiga de Porto Alegre”, com as flautistas Lucia
Carpena, Renate Sudhausm Cristina Domenech, Marília Sein, Sofia Renner no cravo, e Berno
Sudhaus no violoncelo. O grupo participava das Oficinas de Música de Curitiba, mas acabou
porque seus integrantes foram estudar no exterior. Desde sua volta, em 1995, Lucia Carpena é
professora de flauta doce da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Através de seus
esforços, foi criada a graduação em flauta doce e seu departamento adquiriu um cravo, que foi
191
inaugurado por Marcelo Fagerlande30, e hoje faz parte do Núcleo de Música Antiga, e é tocado
por Fernando Cordella (AUGUSTIN, 1999; UFRGS, 2008).
Figura 7 – Masterclass de cravo e baixo contínuo ministrado pelo prof. Marcelo Fagerlande em novembro de 1997, no Instituto de Artes da UFRGS, Rio Grande do Sul (CARPENA, 2008).
Destacamos ainda a atuação de Rose Ana Carvalho. Ela passou a dedicar-se ao cravo em
1984, após sua graduação em piano. Após freqüentar entre 1980 e 1986 os Festivais de Londrina,
os Encontros de Música Antiga de Curitiba, os Festivais de Brasília, além de cursos de curta
duração com Ingrid Seraphim, Roberto de Regina, Helena Jank, Terezinha Saghaard, Felipe
Silvestre, Ilton Wjuniski, Rosana Lanzelotte, Jaques Ogg, e principalmente Edmundo Hora, com
quem teve mais contato, especializou-se por dois anos e meio como bolsista do CNPq com
Jacques Ogg, na Holanda. Como solista apresentou-se em São Paulo e Londrina, e atualmente
dedica-se à música de câmara. Atuou em conjuntos como o duo com o flautista Helcio Muller
30 Além deste, Fagerlande também inaugurou outros dois cravos na região sul: o da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da Universidade Luterana do Brasil (FAGERLANDE, 2008).
192
desde 1984, e em orquestras, como a Orquestra da Sociedade Pró-Música Antiga de São Paulo e
a Orquestra Sinfônica da Universidade Estadual de Londrina. Criou em 2007 com o flautista
David Castelo, o violinista Daniel Stein e o fagotista Elimar Machado o conjunto “La Fontegara”
(CARVALHO, 2008; CASTELO, 2008).
Nesta década surgem em São Paulo dois construtores importantes, cujos instrumentos
vem se espalhando até os dias de hoje. Desde 1984 até 2000, Abel Vargas (HORA, 2007;
HERCULANO; LANZELOTTE, 2008) produziu mais de 50 cravos e espinetas. Atualmente,
trabalha numa oficina onde, de 1978 a 1995, funcionava a Sociedade Pró-Música Antiga, criada
por ele. O arquiteto formado pela USP estudou flauta doce, regência orquestral e matérias
teóricas na Proarte de São Paulo. Na Holanda, ele aprendeu com Ricardo Kanji construção de
flautas, dando início a esta atividade quando voltou ao Brasil. Também foi autodidata em viola da
gamba, e participou dos grupos “Musikantiga”, “Paraphernália”, “Conjunto Ars Musike”, e da
Orquestra Barroca da Sociedade Pró-Música Antiga de São Paulo. Dentre proprietários de seus
cravos, destacamos Rosana Lanzelotte, Maria José Carrasqueira, Patrícia Gatti, a Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, muitos cravos em Belo Horizonte, a Escola de
Música da UFBa, e o Teatro da Orquestra Sinfônica, em Aracaju, Fortaleza (SOARES, 2001;
HORA, 2007; CARRASQUEIRA, 2008; LANZELOTTE, 2008; PESSOA, 2008). Também em
parceria com William Takahashi, construiu em 2002 o cravo da Escola Municipal de Música,
com apoio da Fundação Vitae (SAGHAARD, 2008).
O segundo construtor é William Takahashi (LANZELOTTE, 2008; PESSOA, 2008;
HORA, 2007). Ele entrou em contato com a Música Antiga através da flauta-doce e, ao assistir
um concerto da cravista Helena Jank, encantou-se com o som do cravo. Takahashi iniciou sua
pesquisa sobre a construção do instrumento no Brasil, e aliou seus conhecimentos de física á
aquisição de livros e plantas. Posteriormente ele foi para o Japão, tendo visitado construtores
193
conhecidos internacionalmente, como Eizo Hori de Tokyo. Aliando estes conhecimentos e
técnicas adquiridas, ele desenvolveu com outros artistas uma nova tecnologia para construção de
instrumentos musicais, e deu início nos anos 80 a sua produção em São Paulo. Seu trabalho vem
sendo cada vez mais reconhecido, e seus instrumentos, além de adquiridos por renomados
cravistas da atualidade, encontram-se em importantes salas de concerto e escolas de música no
Brasil e no exterior, como a Escola de Música da UFRJ, o Conservatório Pernambucano de
Música, Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, Conservatório de Pouso Alegre, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, entre outras. Em 1990, Takahashi foi o responsável pela
restauração, manutenção e afinação da espineta construída em 1785 pelo português Mathias
Bostem, que se encontra no Museu Imperial de Petrópolis, Rio de Janeiro, por ocasião da
gravação de um CD de Marcelo Fagerlande (FAGERLANDE, 1990; HORA, 2007; PESSOA,
2008; TAKAHASHI, 2008).
4.5 Década de 90 aos dias atuais: consolidação e formalização do ensino
A partir do retorno dos estudantes que fizeram sua formação no exterior, a oferta de
professores tornou-se bem maior. Com eles, vieram partituras, gravações, livros sobre o assunto,
tratados, métodos modernos, enfim, formou-se uma nova visão do ensino do instrumento. Além
disso, alguns trouxeram da Europa outras cópias de instrumentos históricos.
A princípio, muitos eram convidados para dar cursos de férias em festivais, ao lado de
professores estrangeiros, que continuavam atraindo curiosos e alunos verdadeiramente
interessados. Edmundo Hora é um destes professores. Desde seu retorno da Holanda, ele vem
dando aulas nos maiores e mais antigos festivais brasileiros: Curitiba, Juiz de Fora, Londrina,
Brasília (SERAPHIM, 2008; HORA, 2007). Dentre os professores estrangeiros convidados neste
194
período, destacamos ainda a vinda dos franceses Pierre Hantaï e Elisabeth Joyé, em 1995 e
Olivier Baumont, em 1998 que vieram dar cursos na UNIRIO. A partir de então, regressaram
algumas vezes, e Baumont deu aulas inclusive no Festival de Brasília (TAVARES, 2007;
LANZELOTTE, 2008). Lanzelotte relata que Olivier Baumont e Kenneth Gilbert falaram sobre a
importância das boas edições, e do conhecimento dos manuscritos dos compositores, informação
que, segundo Jank, também havia sido trazida em 1975 por Huguette Dreyfus.
Posteriormente, começaram a surgir para os professores regressos convites e concursos
para cursos regulares em conservatórios e universidades. Além destes, outros professores que
iniciaram sua formação já na década de 90, rapidamente foram requisitados em festivais, ou para
lecionarem em cursos livres e conservatórios. Como dito anteriormente, Helena Jank foi a
primeira professora a dar aulas institucionais de cravo. Foi personagem essencial na história da
oficialização de seu ensino. Em 1975 tornou-se professora do Instituto das Artes da UNICAMP,
onde passou a dar aulas de extensão em baixo cifrado e música de câmera. Ela fundou o primeiro
bacharelado em cravo do Brasil em 1986. Na década de 90 passa a assumir a direção do Instituto.
Jank tem formado gerações e gerações de cravistas (UNICAMP, 2007; JANK, 2007).
Edmundo Hora, além de professor de festivais, é professor de cravo do Instituto com
Helena Jank desde 1982 (HORA, 2007). Terezinha Saghaard (2008) começou a dar aulas de
cravo na Escola Municipal de Música de São Paulo a partir da chegada do instrumento, em 2002.
No entanto, é professora de flauta doce e música de câmera da instituição desde 1971. Pedro
Persone (HORA, 2007) passou a lecionar cravo, além de baixo continuo e música de câmera, no
Conservatório Dramático e Musical "Dr. Carlos de Campos" em Tatuí, de 1985 a 2000, e no
Conservatório Musical Brooklyn Paulista, em 1993. Ele também deu aulas em muitos festivais,
como o Festival de Londrina, Oficina de Música de Curitiba e, mais recentemente, dos Festivais
de Artes de Itu (PERSONE, 2008). Regina Schlochauer, além de dar aulas particulares a partir da
195
década e 80, e ter participado como professora em cursos e festivais, desde 1995 é professora de
cravo da FIAM – FAAM – Faculdades Integradas Alcântara Machado. Leciona cravo há vinte
anos, e está na FAAM há 13, deu aulas em cursos e festivais, além de aulas particulares. Já
lecionou no Mackenzie e no Coralusp (SCHLOCHAUER, 2007 e 2008).
No Rio de Janeiro, Marcelo Fagerlande em 1995 prestou concurso para a Escola de
Música da UFRJ. Passou a oferecer as disciplinas Prática de Baixo Contínuo e Cravo B31. Em
2003, criou o Mestrado em cravo, e em 2005, o Bacharelado, o primeiro curso deste nível em
uma universidade federal brasileira. Além disso, desde 1996 são organizadas pelo professor
óperas barrocas, recitais de alunos, encontros, seminários, e “Semanas do Cravo” (desde 2004)
nesta instituição, como pode ser verificado no Anexo 4 (FAGERLANDE, 2005). O curso da
UFRJ tem formado a quase totalidade dos cravistas profissionais do Rio de Janeiro, como Rita
Cabus, Maria Lúcia Barros, Luciana Câmara, João Rival, Maria Aída Barroso, entre outros
(FAGERLANDE, 2008; PESSOA, 2008).
31 O mesmo que Cravo Complementar
196
Figura 8 – IV Semana do Cravo: Fernando Brigante, Maria Aída Barroso, João Rival, Ana Cecília Tavares, Roberto de Regina, Christine Daxelhofer, Marcelo Fagerlande, Rosana Lanzelotte, Helena Jank, Edmundo Hora, Michele Lopes, Eduardo Antonello, Clara Albuquerque, Guilhermina de Carvalho, Marina Stevaux, Osny Fonseca. Outubro de 2007, Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
Em 1997, Rosana Lanzelotte prestou concurso para a UNIRIO, onde deu aulas de cravo e baixo
contínuo até 2003. Já em Minas Gerais, Elisa Freixo deu aulas de cravo na UFMG em 1995 e
1996. De 1994 a 2001, criou um curso livre de cravo na Fundação de Educação Artística de Belo
Horizonte, FEA.
Em Brasília, até o ano de 1995, Maria de Lourdes Cutolo e Ana Cecília Tavares seguiam
trabalhando em outros setores da Escola de Música. Em 1995, finalmente o cravo retornou e elas
puderam começar a lecionar, realizar recitais de alunos e organizar festivais de Música Antiga.
Neste mesmo ano o Núcleo de Música Antiga foi formado, passando a oferecer aulas regulares de
cravo, viola da gamba, alaúde, flauta doce e traverso barroco. O ensino de cravo, que agora
passava a ter um local próprio e restrito, ficou aos cuidados de Maria de Lourdes Cutolo até 1997,
ano em que a cravista se aposentou e em seguida se estabeleceu em Buenos Aires. Desde então
Ana Cecília Tavares assumiu o cargo de professora de cravo da Escola (CUTOLO, 2008). Em
2003, o Núcleo foi transformado em curso profissionalizante, e mais um instrumento, um modelo
Taskin construído por William Takahashi, foi adquirido (TAVARES, 2007). Em 2007, Maria de
Lourdes Cutolo lançou o primeiro método brasileiro de iniciação ao cravo (CUTOLO, 2007b).
Em Santa Catarina, Marcos Holler leciona cravo como instrumento eletivo, baixo
contínuo e música de câmera desde 1995 na UDESC (HOLLER, 2008). No Paraná, Rose Ana
Carvalho ministrou cursos de cravo e iniciação ao cravo nos Festivais de Música de Londrina e
de Cascavel. Entre 1991 e 2000 foi professora de Música no Departamento de Arte da
197
Universidade Estadual de Londrina e de 2001 a 2004 na Faculdade de Artes do Paraná, em
Curitiba (CASTELO, 2008; CARVALHO, 2008).
Os professores que iniciaram seus estudos na década de 90 foram, dentre outros,
Alessandro Santoro, Maria Eugênia Sacco e Rita Cabus. Alessandro Santoro teve sua graduação
em piano realizada na Rússia, em 1994, obteve o diploma de cravo e fortepiano em Leipzig,
Alemanha, e em 1998 ingressou no Koninklijk Conservatorium de Haia, para estudar com
Jacques Ogg. Ele passou a vir regularmente ao Brasil a partir de 2001, para os festivais de Juiz de
Fora e Brasília. Em 2007, Santoro começou a dar aulas na Universidade Livre de Música, em São
Paulo. Rita Cabus fez graduação em piano na UFRJ, e foi aluna de Marcelo Fagerlande nesta
instituição. Ela dá aulas de Baixo Contínuo na Escola de Música Villa-Lobos. Maria Eugênia
Sacco (2008) graduou-se em cravo na UNICAMP, especializou-se com Anneke Uittenbosch no
Conservatorium Sweelinck (1994-1995), e com Patrick Ayrton na Academie voor Oude Muziek
(1995-1996). No Brasil, ela participou de master classes com Kenneth Gilbert, Christophe
Rousset e Jacques Ogg. Sacco trabalhou, como cravista acompanhadora, em diversos festivais de
música ministrados no Brasil Durante os anos de 2000 a 2004, ela foi assistente do professor Ilton
Wjuniski na Fundação Magda Tagliaferro, em São Paulo, no projeto pedagógico apoiado pela
Fundação Vitae. Wjuniski ministrava aulas durante duas semanas, duas vezes ao ano. Sacco
preparava os alunos do Conservatório de Tatuí e da Fundação Magda Tagliaferro para as aulas.
Neste mesmo período, ela teve aulas com Wjuniski de cravo, baixo contínuo e música de câmara,
além de ter realizado um estágio de observação com ele em aulas para alunos de variados níveis.
Em 2001 e 2003, a cravista realizou estágios com este professor na França e na Espanha. Sacco é
professora de cravo e baixo contínuo no Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de
Campos” em Tatuí desde 1998 e na Fundação Magda Tagliaferro.
198
Atualmente, há um número expressivo de alunos de cravo, baixo contínuo, e música de
câmera nas escolas de música, conservatórios e universidades, em diversos estados brasileiros.
Igualmente notável é o crescimento do número de cravistas profissionais formados no país. Com
a presença de professores que defendem um ensino de excelência, que prepare consistentemente
para o mercado de trabalho, tem sido possível o desenvolvimento de uma sólida formação sem
que haja necessidade real de complementação no exterior, ainda que o intercâmbio e a busca por
novas informações sejam sempre bem vindos.
CAPITULO 5
AS HABILIDADES SEGUNDO ALUNOS, PROFESSORES E INTÉRPRETES BRASILEIROS
200
5.1 Introdução
Após categorizarmos e descrevermos as habilidades e conhecimentos necessários à
formação do cravista com base no diálogo entre os autores de livros atuais e tratados de época,
chegou o momento de darmos voz aos alunos, intérpretes e professores brasileiros deste
instrumento. Neste capítulo, procuraremos enumerar estas mesmas habilidades a partir de seus
relatos.
Através do conceito de “musicar”, entendemos que toda manifestação musical é
socialmente contextualizada e culturalmente construída, e portanto dinâmica, e dotada de máximo
frescor no momento em que é praticada. Por isso, reviver e re-experimentar elementos de outros
períodos históricos é apenas parte do processo, uma vez que a visão e a reconstituição desta arte
será sempre renovada e terá aspectos particulares. A comparação dos depoimentos a seguir com o
conteúdo discutido anteriormente é uma ilustração destas afirmativas. Procuramos investigar
quão específica é a relação do cravo com o brasileiro do século XXI. Como se dá a prática deste
cravista, diante das informações do mundo globalizado, das diversas possibilidades de formação
disponíveis, das exigências e críticas do público e dos músicos, das negociações e regras do
mercado, da versatilidade e pluralidade de atuações profissionais?
O conteúdo do capítulo é constituído pelo material enviado por trinta cravistas, estudantes
e profissionais, e dentre estes últimos, professores e intérpretes, em resposta à questão: "Que
habilidades devem ser adquiridas por alguém que deseja se tornar um cravista profissional?"
Procuramos formular uma sentença que propiciasse respostas amplas, não direcionadas,
espontâneas e diversificadas. Isso nos permitiu compilar uma quantidade bastante variada de
informações. Com esta pergunta procuramos compreender que conjunto de ações e
conhecimentos, isto é, habilidades, devem ser adquiridas por um cravista durante sua formação,
201
que o torne competente, no sentido de o capacitar a conseguir mobilizar tais recursos adquiridos
em resposta às diversas situações de sua atuação e prática profissional. Tanto a pergunta quanto
as respostas foram enviadas por correio eletrônico. Consultamos cravistas dos estados do Rio de
Janeiro, São Paulo, Brasília, Santa Catarina, e Minas Gerais. Dentre os que atuam como
professores e intérpretes, nos responderam32: Alessandro Santoro (SP), Ana Cecília Tavares
(DF), Edmundo Hora (SP), Helena Jank (SP), Marcos Holler (SC), Maria Eugênia Sacco (SP),
Maria de Lourdes Cutolo (AR/DF), Patricia Gatti (SP), Pedro Persone (SP), Regina Schlochauer
(SP), Rosana Lanzelotte (RJ) e Terezinha Saghaard (SP). Contamos também com a participação
dos intérpretes Antonio Carlos de Magalhães (MG), Cláudio Ribeiro (NL/SP), Elisa Freixo
(MG), Josinéia Godinho (MG), Ricardo Barros (US) e Stella Almeida (SP). Participaram ainda
alunos e ex-alunos em início de atividade profissional no instrumento, que cursam ou cursaram
Cravo Complementar, Bacharelado e Mestrado em cravo, dentre eles: Ailen Crisóstomo (DF),
Daniel Ivo (NL/SP), Eduardo Antonello (RJ), Guilherme de Morais (SP), Guilhermina de
Carvalho (SP), Luciana Câmara (DE/RJ), Maria Aída Barroso (RJ), Marina Stevaux (SP), Mayra
Pereira (NL/MG), Michele Lopes (RJ), Paulo Bottas (SP) e Roberto Rossbach (SC). Suas
respostas não serão identificadas, para que haja maior neutralidade na comparação dos dados
obtidos. Utilizamos para isso, a sigla P para professor, I para intérprete e A para aluno, somada a
uma numeração que segue a ordem cronológica em que as respostas foram recebidas dentro de
cada um destes grupos. Estas respostas podem ser consultadas na íntegra, com a omissão apenas
de frases de saudação e despedida, além de algumas correções ortográficas, ou de erros de
digitação, no Anexo 3.
32 A indicação dos estados ao lado direito dos nomes significa a área de atuação profissional ou a localização do curso de formação realizado, não a naturalidade dos participantes.
202
Devido à pergunta proposta ter propositadamente dado margem a diversas interpretações,
onze dos trinta músicos que participaram de nossa pesquisa não só falaram das habilidades
necessárias à formação do cravista, como também as relacionaram a diferentes modalidades de
atuação profissional. Embora este não tenha sido o foco de nosso trabalho, consideramos
relevante registrar o que foi mencionado. Nas respostas, dentre as funções de um cravista, quatro
músicos mencionaram exclusivamente a execução instrumental, seja através do repertório solo ou
da música de câmera (A1, A10, P6 e A11), tendo P9 e P4 comentado sobre um dos
desdobramentos da execução, a gravação. Cinco (A5, P4, A7, I1 e P9) falaram sobre a docência;
quatro (A5, A7, A6 e A12 ) acrescentaram a regência; sete (P4, P10, A5, P1, P11, P12, A12), a
pesquisa, e quatro (P4, A6, I1 e A11), a produção cultural. Assim como entre os séculos XVI e
XVIII, nos dias de hoje as funções do cravista não se restringem às do instrumentista. Além de
regente e professor, tarefas há muito tempo desempenhadas pelos cravistas, as funções de
pesquisador e produtor foram ainda acrescentadas pelos músicos consultados.
A respeito da execução de música de câmera, A5 diz que o cravista não terá uma carreira
profissional completa se não tiver conhecimentos sobre baixo contínuo, a base do
acompanhamento. A11 concorda dizendo que “sem isso é praticamente impossível de se
desenvolver uma carreira” A11, assim como A4 afirmam que o baixo contínuo é “a base do
mercado de trabalho de um cravista” (A4), “representando 60% dos trabalhos” (A11). A partir
destas respostas, a atividade camerística parece ser bastante presente na atuação dos cravistas.
Enquanto isso, de acordo com diversos autores, no estudo formal de outros instrumentos de
teclado, como o piano, é priorizado o desenvolvimento de habilidades técnicas e o estudo do
repertório em detrimento de práticas criativas como improvisação, composição, arranjo e tocar
“de ouvido”. Diferente de outros instrumentistas, como os de cordas e sopros, os pianistas não
203
são desde cedo preparados para a prática em conjunto (SANTIAGO, 2006; GLASER &
FONTERRADA, 2007).
Em relação à docência, Scheilla Glaser e Marisa Fonterrada afirmam que “Todo
instrumentista musical é potencialmente um professor de seu instrumento” (GLASER &
FONTERRADA, 2007, p.31). Uma enquete realizada por estas autoras com instrumentistas de
quatro grandes conjuntos profissionais de São Paulo, perfazendo um total de 330 participantes,
obteve o resultado de que 73,3% do total entrevistado têm experiência como professor. P4 diz
que a área pedagógica “é quase certa na carreira de todo músico”. A7 acrescenta que os
bacharelados no Brasil deveriam ter mais preocupação com a formação do professor de
instrumento, e oferecer mais disciplinas da área de didática e educação musical. Ele diz que
“nenhum instrumentista no Brasil, com poucas exceções, pode viver de recitais e concertos. É
necessário dar aula para sobreviver”.
A regência, conforme dissemos, tem uma relação histórica com a prática cravística.
Apenas em fins do século XVIII começou a aparecer a figura do regente em frente à orquestra tal
como conhecemos hoje. Por volta de 1790 Haydn “ainda regia suas sinfonias em Londres ao
cravo” (FAGERLANDE, 1995, p.19). A12 afirma: “Dirigir conjuntos instrumentais deve estar
entre as habilidades de um cravista, não só porque no passado cravistas eram compositores e
regentes, mas pela realidade profissional moderna. Dificilmente vive-se só de tocar cravo solo”.
Fagerlande, na justificativa para a implementação do Bacharelado em Cravo na UFRJ,
afirma que além da atividade principal de instrumentista, o curso viabiliza a formação para a
docência e a pesquisa, tanto na área da musicologia quanto das práticas interpretativas
(FAGERLANDE, 2005). P4, P10, A5 comentam a importância da capacidade investigativa
através do estudo e pesquisa de textos de época para adquirir conhecimentos históricos e
musicológicos que ampliam os atributos interpretativos. P1 diz que sem a pesquisa “não se pode
204
tocar o repertório barroco adequadamente”. P11 acredita que a pesquisa em tratados de época e
estudos mais recentes, como é o caso deste trabalho, auxilia a “busca de fundamentos para
compreensão dos diferentes estilos e técnicas de execução”. P12 também menciona a necessidade
de atualização através de novas publicações.
Para atuar como produtor cultural, de acordo com I1, é necessário conhecer o mercado de
trabalho. Tal função é desenvolvida quando o indivíduo vende um produto, uma imagem, faz
uma espécie de “marketing pessoal”. De acordo com P4, “fazer concertos e ganhar dinheiro com
isso no Brasil depende de estratégias executivas”, e como muitas vezes o artista não conta com
um agente ou produtor profissional, ele mesmo precisa escrever e vender projetos de espetáculos.
A6 diz que o cravista, além de “técnico instrumentista”, deve ser um “educador de cultura”, ter
uma visão de administrador, e oferecer seu produto mais como empresário do que como
empregado.
Além da atuação profissional, alguns participantes tocaram em questões que dizem
respeito ao relacionamento profissional. Percebemos, através dos relatos, que este é um grupo
que procura manter boas relações entre si, visando a colaboração tanto para o enriquecimento de
experiências, quanto para o fortalecimento como categoria de trabalho. Isto se faz necessário pela
consideração feita por alguns a respeito da expressão quantitativamente pequena do conjunto.
Quatro músicos mencionaram atitudes como responsabilidade, ética, respeito, colaboração mútua
e honestidade (A3, P3, P9, P10). P4 e P9 também falaram sobre a interação com outros colegas, e
a troca de vivências e atualização através da participação em cursos, festivais, simpósios, uma
espécie de formação continuada. P10 enfatiza a importância da união entre cravistas, e da defesa
de sua categoria, avaliando que esta classe profissional é muito pequena e sofisticada, e tem
poucos interessados, principalmente entre produtores e patrocinadores.
205
Ao pensar em formação, os músicos participantes não apenas descreveram habilidades,
mas chamaram a atenção para a qualidade do ensino, as disposições pessoais empregadas pelos
alunos durante o estudo, e as condições ambientais necessárias ao bom desenvolvimento desta
formação. Em relação ao ensino, três falaram sobre a importância do estabelecimento de uma
base sólida (A9, P5, P12). P12 acrescenta que se deve estudar com “mestres sérios”. Nossos
entrevistados aconselharam a diversidade de professores e de variados tipos de ensino, como em
instituições, festivais, master classes. P4 recomenda o contato com professores diferentes, para
conhecer diversas linguagens e abordagens. Sobre este assunto, P2 opina:
procuro fazer com que ouçam, por sua conta e risco, as mais diferentes opiniões e interpretações, louváveis ou estapafúrdias. Acho que devo dar todas as informações que possuo e chamar a atenção para todas as direções, independente da confusão gerada, para que o aluno tome conhecimento do maior número de variáveis. Creio ser importantíssimo, indispensável, participar de eventos, festivais, aulas com diferentes professores, tocar para outras pessoas. E depois ele escolhe seu caminho.
P9 fala tanto da necessidade de uma formação regular, com professor particular ou em um
conservatório, antes de ingressar na Universidade, assim como a participação em master classes.
Sobre as disposições pessoais, foram mencionadas a disciplina (A2, A3, P12), a paciência
(A3), concentração (P1), dedicação (P1, P7), perseverança (P5), determinação (P7), estudar muito
e constantemente (P9, P12), segurança (A10, P6), criatividade (P6). Outras características, além
de disposições pessoais, parecem ter relação com habilidades inatas, como talento (P5, P12) e
musicalidade (A10, P6).
No tocante às condições ambientais, foi citada a necessidade de um ambiente favorável
(P5), e de ter um bom instrumento musical (P4). Bond (1997) recomenda que professor e aluno
tenham instrumento próprio, e explica que “Se existe um desejo de tocar cravo apropriadamente,
é essencial ter acesso a um instrumento razoável para prática regular” (BOND, 1997, p.51,
206
tradução nossa). Entretanto, ainda é difícil a aquisição de um instrumento, por serem muito caros,
o que prejudica a continuidade do estudo.
Finalmente, antes de entrarmos na descrição das habilidades propriamente ditas,
ressaltamos um dado estatístico importante na observação dos relatos: a freqüente associação do
termo habilidades referido na pergunta, aos termos técnica e conhecimento, nas respostas, duas
palavras-chave de nossa pesquisa. O primeiro termo foi empregado extensivamente por 21 dos 30
cravistas, em diversos sentidos. Eles falaram sobre técnica como habilidade motora, específica ao
instrumento (P2, P3, P6, P8, P11, I1, I2, I5, I6, A1, A4, A5, A6, A7, A9, A10, A11); para tocar o
repertório (I3), de execução (P10, P11), de interpretação (P11); ligada a habilidades funcionais,
como a técnica de baixo contínuo (I6, A3), de análise (A3) e a habilidades auxiliares, como
reparos (P4), técnica de relaxamento (P4). Já o segundo termo foi mencionado por 14
participantes, quase a metade da amostra. Eles descreveram a importância de conhecimentos de
estilo (P2, P10, A1, A5, A12), de baixo contínuo (P3, P11, I1, A5), do contexto histórico (I6, A3,
A6), do instrumento, ou organologia (P11, I6, A12), de técnica instrumental (P11, A1), de
bibliografia, como tratados (P11, A5), de manifestações artísticas (I4, A3), de harmonia (A3,
A8), de contraponto (A8), de interpretação (P11), do corpo e da mão (P2), temperamentos (P3),
musical no sentido amplo (P3), de repertório (I1), de órgão (I6), pedagógico (A5). Isto prova o
reconhecimento por parte dos músicos questionados de que a formação do cravista é composta
por um conjunto de específicos modos de fazer e conhecimentos que os norteiam.
5.2 Habilidades motoras
Como foi visto, dezoito participantes mencionaram a técnica com o sentido de domínio
mecânico do instrumento como uma habilidade necessária a sua profissão. De uma forma geral,
207
eles afirmam que é necessário preparo (A1, A6), desenvolvimento (A5, A7, P11), e domínio
técnico (P4, A4, P10) para executar o repertório. Deve-se ter uma técnica “sólida e funcional”,
sem restrições (I1, I5, I6), condizente com o repertório para o instrumento (I3). Ou seja, o
cravista precisa exercitar um conjunto de habilidades motoras relativas às características do
instrumento (A9, P11, A2, A7), que o permitirá executar as peças sem dificuldades. Enquanto uns
acreditam que esta técnica deve ser “para um instrumento de teclado” de um modo geral (P11),
outros acham que deve ser diferente e independente do piano (A2, A7). A2 chega a considerar
que deve-se “começar do zero”. Quanto maior o preparo técnico, maior a intimidade, o
desempenho, o conhecimento e o domínio sobre o cravo (P8, A2, A10), e mais segura será a
relação entre ele e o corpo do instrumentista (A6). Além disso, com uma técnica sem
dificuldades, é permitido ao cravista uma maior liberdade de expressão. I5 diz que “a técnica é
apenas a forma de dar condições aos pensamentos e idéias se expressarem. Nessa medida, quanto
melhor e mais desenvolvida for a técnica, mais condições a pessoa terá de ser expressiva em
muitas direções”.
Em relação às habilidades motoras, os cravistas brasileiros falam, sem detalhar, sobre
muitos dos aspectos descritos nas fontes escritas que estudamos nos capítulos anteriores: um bom
posicionamento em relação ao instrumento, conhecimento do corpo e da mão, a aquisição de boa
sonoridade ligada ao toque, ou toucher33, sutilezas timbrísticas, articulação, desenvolvimento do
legato, do cantabile, a agilidade, a flexibilidade, “adquirir bons dedos” e o fraseado (P2, P6, P11,
I2, I5, I6, A2, A3, A4, A5, A7, A12).
Sobre as particularidades do toque, P2 fala sobre a importância de conhecer o corpo e a
mão para a construção da sonoridade. P6 e I6 mencionam a agilidade, leveza e clareza. I6
acrescenta que a técnica deve permitir “a execução de passagens rápidas, clareza de toque e
33 Termo em francês utilizado em lugar de “toque”.
208
sutileza de articulação, além de sensibilidade para responder aos toques e respostas de diferentes
instrumentos” (I6). O toucher, citado por P6, P11, I2 e A7, pode ser entendido como o exercício
do acionamento das teclas na busca da melhor sonoridade.
Na verdade, as habilidades motoras estão relacionadas entre si. I2 associa o toque, a
sonoridade e a articulação:
[...] acho que a primeira habilidade e mais importante a ser adquirida é a do toucher do instrumento. Para mim, esta habilidade seria 80% de tudo que você precisa para tocar bem o instrumento, mas, para isto, te exige praticar muitos exercícios de técnica para desenvolver o legato, o staccato e o over legato. [...] a sonoridade do instrumento está diretamente ligada à qualidade do toucher do cravista! Já vi muito cravista que tecnicamente é perfeito, mas tira uma sonoridade feia e agressiva no instrumento!
Além disso, I2 e P6 associam as habilidades aos afetos e à retórica. P6 diz que o afeto de
uma peça deve ser analisado e transmitido através do toque, de forma consciente e musical, e I2
acredita que isto se dá com articulações bem feitas.
Anteriormente, durante a descrição das habilidades motoras pelos autores de tratados e
guias, chamamos a atenção para a ênfase dada a atitudes de relaxamento e liberação de tensão.
Da mesma forma, os cravistas brasileiros tocaram neste assunto. P4 incentiva a prática de
técnicas de relaxamento e P6 destaca a “flexibilidade na maneira de tocar”.
Os conhecimentos teóricos diretamente associados às habilidades motoras e à relação
indivíduo-instrumento foram a aquisição de informação sobre a mecânica do instrumento (I3), o
conhecimento de diversos tipos de cravos e de suas diferentes sonoridades (I6).
209
5.3 Habilidades relacionadas aos estilos e ao repertório
Praticamente metade do grupo de cravistas brasileiros (P2, P4, P5, P6, P10, P11, I1, I6,
A3, A4, A5, A6, A7, A12) se refere à palavra estilo em seus depoimentos. O estilo é uma
característica “respeitável e imprescindível da música que está sendo tocada” (P2). Para P8, os
estilos favorecerão “uma atuação dinâmica e expressiva”.
Segundo P6, os estilos têm características próprias, mudam de um país a outro e
expressam-se por diferentes maneira de tocar. Devido a isso, a técnica utilizada na execução está
condicionada às particularidades apresentadas pelas obras dos diferentes compositores, nos vários
países e períodos. Já dizia isto Salgado e Silva, conforme mencionamos na introdução deste
trabalho. Esta afirmativa também pode ser explicitada com o relato de P10:
Um cravista profissional precisa dominar a técnica de maneira a ser capaz de tocar o repertório de vários períodos do barroco, desde Monteverdi, Frescobaldi, etc. até Bach, Händel, pré-clássicos e também música contemporânea. Digo que precisa ter técnica para isso, não que necessariamente tenha que tocar todo esse repertório. Mas acho que não tocar um certo repertório deve ser por uma opção pessoal e não por deficiência técnica.
Os estilos essenciais para a execução do repertório cravístico, na opinião dos músicos
participantes seriam o francês, italiano, alemão, inglês e outros, relativos ao período barroco e
clássico, existentes entre os séculos XVI e XVIII (A1, A4, A5, P6). Para compreendê-los, é
necessário adquirir conhecimentos sobre o contexto histórico, cultural, e social das diferentes
nações nos vários períodos, assim como das demais manifestações artísticas relacionadas (A3,
A4, I3, I4).
No entanto, A7 lembra que devemos entrar em contato com outros estilos importantes na
música de cravo, inclusive os brasileiros, populares e eruditos, da atualidade:
Conhecer [...] não somente o que diz respeito aos estilos tradicionalmente relacionados ao barroco, ou até o clássico, mas também novas tendências, como por exemplo, a inclusão
210
do cravo no repertório não tradicional para este instrumento e também para a inclusão do cravo na música brasileira. Não somente aquela que conhecemos como erudita, mas também a música popular, como o choro, por exemplo. Além disso, mostrar o cravo com suas diversas facetas é interessante, pois poderá incentivar a produção contemporânea para o instrumento.
Neste sentido, P9 e I5 concordam com A7, dizendo respectivamente que devemos ter “a
mente aberta”, “uma visão longa e ampla”. Além disso, P10 fala da existência de muitas escolas
de interpretação, e da importância de se cultivar um estilo pessoal, em concordância com as
idéias de Salgado e Silva sobre técnicas particulares, registradas em nossa Introdução:
[O cravista precisa] ter a cabeça aberta para novas propostas de técnica e interpretação, mas também não desprezar os ensinamentos mais “antigos”. As informações se alternam com tanta velocidade, que não dá mais para ficar agarrado a uma única “escola” – acho que os melhores cravistas que apareceram recentemente são aqueles que não ficaram presos a certos conceitos, mas fizeram uma síntese de tudo o que foi experimentado para desenvolver um estilo próprio e original. Nesta mesma linha, acho importante não desprezar as propostas dos mestres “antigos”. Os conceitos mudam, mas a música (original) permanece, independentemente da interpretação que cada artista pode dar a ela (P10, grifos nossos).
Dentre as questões estilísticas apontadas pelos entrevistados, as diferentes possibilidades
de ornamentação (P2, P6, I6, A3, A4, A12) foram as mais freqüentemente abordadas. P2
considera os ornamentos a “taquigrafia do instrumento”, “característica de um povo ou uma
época”, associando-os ao tipo de escrita rápida e abreviada que consiste a taquigrafia34, que
depende da compreensão de um código para ser decifrada. Além dos ornamentos, também falou-
se sobre a execução de formas livres como toccatas e prelúdios non mesurés (P6), o dedilhado
(P11), segurança rítmica (P6, A10), a agógica (A4), e a inegalité (P6). Nada foi mencionado nas
respostas sobre registração. Isto nos faz imaginar que, em acordo com o que foi anteriormente
discutido pelos autores atuais, esta não é uma habilidade à qual os cravistas atribuem maior valor.
34 A taquigrafia é uma técnica de escrita rápida e abreviada, que utiliza signos especiais para o “registro de palavras com a mesma rapidez com que são pronunciadas” (CASTRO, 2008). Cada sílaba é representada por taquigramas, ou traços taquigráficos, como por exemplo, ñ para escrever a palavra não.
211
Em contrapartida, como visto no item sobre habilidades motoras, a ênfase à boa sonoridade e à
articulação é notória nos relatos.
P6 especifica questões técnicas e as relaciona a determinados estilos e tipos de repertório:
Uma boa abertura de dedos é importante principalmente nos prelúdios Non Mesurés e outras peças francesas, assim como certas fugas de Bach, dentre outras peças [...]. O Bon
gout deve ser procurado e aprimorado em todos os momentos da vida de um cravista. Um aspecto interessante seria, por exemplo, o da interpretação de uma Toccata italiana ou também o uso da inegalité nas peças francesas.
Os conhecimentos teóricos associados à interpretação dos estilos são a história da música
(A6, A7, A9, P6) e a leitura de livros, métodos, prefácios de partituras, tratados que abordem a
maneira de tocar da época (P6, I5, P9, I5).
Em relação ao conhecimento do repertório, A3, I5, P3 expõem a necessidade de que seja
“o mais vasto e diversificado possível”, e não apenas o relativo ao cravo nos séculos XVII, XVIII
e XX. A3 fala do contato por meio da escuta: “Isso parece óbvio, mas, no Brasil, constata-se que
os músicos e estudantes de música vão a concertos e ouvem gravações com uma freqüência muito
menor do que o que seria deles esperado”. P4, além de recomendar a audição de grande
quantidade de música disponível, para além dos limites estéticos do instrumentista, assim como
novas tendências, criando uma “discoteca”, aconselha também a elaboração de um acervo de
partituras, ou em suas palavras, de uma “partiteca”. I1 fala que este conhecimento é importante se
levarmos em consideração o ato de lecionar.
Sobre a execução do repertório, A1, P9 acreditam que se deve tocar e trabalhar diferentes
tipos, tanto para solo quanto para música de câmera. P4 recomenda que se toque muito, sem
preconceito musical. Além disso, A1 e A11 acham que este repertório deve ser adequado ao
mercado de trabalho brasileiro. P5 afirma ainda que nenhuma restrição deve ser feita ao aluno
212
iniciante que começa diretamente no cravo. Sobre isso, C. P. E. Bach também opinava, séculos
atrás:
É prejudicial retardar os alunos com peças muito fáceis; assim eles não progridem; [...] Portanto, para um professor hábil melhor será habituar seus alunos pouco a pouco com peças mais difíceis. [...] Meu finado pai fez muitas destas experiências com sucesso. Logo no início, ele apresentava suas peças, que não eram muito fáceis, a seus alunos (BACH, 1996, p.10).
Já A1 e A11 acreditam que o intérprete profissional deve ter noção de suas limitações, isto
é, o que pode ser tocado com o conhecimento adquirido (A1), de acordo com a sua capacidade
técnica (A11). P10 diz que se deve “estar preparado para tocar sempre com a melhor qualidade
possível, dando o melhor de si”.
5.4 Habilidades de leitura, funcionais e auxiliares
As habilidades de leitura estão presentes no relato dos cravistas. P6 e A6 mencionam a
importância da leitura à primeira vista em diversas claves, estilos e formas. P11 cita a
necessidade de ter uma boa leitura e P8, A8 fala sobre a importância do solfejo, A4 e A10
relacionam a fluência da leitura à primeira vista com a execução do baixo contínuo. A5 diz que
ela é importante, mas em nível menor que o “amplo conhecimento e o bom gosto”. Lembramos
que C. P. E. Bach acredita que a leitura a primeira vista seja uma habilidade técnica menos
importante se comparada ao estudo para a melhor caracterização do caráter e dos afetos de uma
peça35. Dentre os trinta cravistas, nenhum teceu comentários sobre a memorização. Assim como
diz Schott (1979), e como pudemos perceber entre os tratadistas no capitulo 3 deste trabalho,
35 Ver página 127.
213
podemos inferir que nos dias de hoje no Brasil este também não é um recurso muito empregado e
valorizado nas execuções ao cravo.
Sobre as habilidades funcionais, dois terços dos participantes (P3, P5, P6, P8, P9, P10,
P11, I1, I2, I3, I6, A3, A4, A5, A6, A7, A9, A10, A11, A12), ou seja, 20 dentre os 30 cravistas
brasileiros fazem menção ao termo baixo contínuo ou baixo cifrado em suas respostas. Diante
desta porcentagem, e a partir do que foi anteriormente discutido, podemos dizer que a prática do
baixo contínuo possui grande relevância para os participantes, e está relacionada a uma das
atuações profissionais principais do cravista, o acompanhamento na música de câmera. Tal
atividade envolve o emprego de habilidades motoras e ligadas ao estilo, tanto quanto na execução
solística. Entretanto, ela demanda, mais que em outras áreas, a aplicação de habilidades onde a
criatividade está amplamente presente. Por isso, a prática de baixo contínuo, a música de câmera,
e suas respectivas habilidades funcionais serão abordadas a seguir.
Uma das habilidades que envolvem aspectos criativos é a realização de acordes, ou a
harmonização a partir de uma linha de baixo, cifrado ou não, presente em grande parte das obras
para acompanhamento de cravo. P6, P11 e A12 afirmam que é importante a prática e o domínio
da realização de baixo cifrado, bem como o conhecimento de suas regras e características. I3
afirma que “a habilidade mais constantemente requerida de um cravista é a realização de baixo
contínuo”, sendo esta uma atividade fundamental a sua carreira (I1, P11).
Os cravistas mencionam a importância do conhecimento dos estilos e de exemplos de
época para a realização do baixo contínuo (A5, I1, A10, A3). Para A5, adquirir tal conhecimento
“é muito importante antes de sentar-se em meio a uma orquestra e tocar a sua parte apenas
pensando na beleza da harmonia”. Isto nos lembra o comentário de C. P. E. Bach, registrado na
página 118 deste trabalho. A5 explica que os diferentes exemplos e exercícios encontrados nos
tratados auxiliam a uma boa harmonização e condução melódica. A10 acredita que, mesmo que
214
seja importante realizar seguindo as orientações de tratados, não se deve deixar de lado a
criatividade e o bom gosto. Além da realização de acordes, outras habilidades funcionais são o
acréscimo, por improvisação, de ornamentos, as transposições (P6) e improvisações (P6, A3, P3,
A12). Segundo A3, a liberdade e a criatividade na ornamentação só são alcançadas quando a
harmonização praticada a partir dos exercícios dos tratados estiver segura:
Quanto mais exercícios (encadeamentos de acordes, seqüências, transposições, leituras...) são feitos, mais se fica familiarizado com a harmonia (e até mesmo com a própria ‘linguagem’ do baixo contínuo se é que se pode dizer dessa forma), dando espaço à criatividade, por meio da ornamentação. Em poucas palavras: só quando se sabe ‘para onde se vai’ é que se pode ornamentar (A3).
O baixo contínuo é realizado pelos cravistas na prática de conjunto, “seja com grupos
pequenos, ou orquestras maiores” (P10), para o acompanhamento de cantores ou instrumentistas
(P9). Os cravistas brasileiros comentam os aspectos envolvidos nesta relação entre
“acompanhadores e acompanhados”, e muitas das suas observações podem ser comparadas
àquelas mencionadas pelos autores de tratados e guias atuais, estudadas no capítulo 3 desta
dissertação. Os participantes relatam que se deve conhecer as características dos instrumentos e
vozes que serão acompanhadas (A6), assim como da instrumentação responsável pelo contínuo
(I1), ter uma percepção da obra como um todo, e de cada uma das partes dos instrumentos (P11),
ter bom ouvido (I1) “para estar em diálogo com os outros instrumentos e não se concentrar
apenas em sua própria parte” (A10), e ter grande segurança rítmica (I3, P6), musicalidade,
agilidade e leveza (P6). P5 explica que é necessário ter reflexos rápidos para “ler cifras, realizar a
harmonia, acompanhar e ainda fazer música”.
Para P11, o cravista deve “atuar como elemento de união, no sentido harmônico e
rítmico”. Da mesma forma que C. P. E. Bach aponta a descrição e modéstia necessárias ao
acompanhador, P6 diz que “o cravista deve submeter-se à parte do solista com criatividade,
215
flexibilidade e segurança, procurando enriquecer (sem exageros) e valorizar a música escrita pelo
compositor abordado, assim como a interpretação do instrumentista ao qual acompanha”, e
“adequar-se ao ritmo, interpretação, idéias, valores, estilos das pessoas” (P4). A10 mencionou as
particularidades no toque de partes de cravo obligatto. Elas demandam do executante mais
atenção e cuidado, e proporcionam menos liberdade, sobretudo rítmica, do que peças solo, para
estar em harmonia com os outros instrumentos. Assim como Bond e Bach aconselham a audição
de acompanhadores e intérpretes experientes, P5 enfatiza a importância de acompanhar músicos
de nível musical elevado.
Os conhecimentos teóricos relacionados à improvisação de temas e realização
de harmonizações foram a harmonia (A5, A8, I1) e o contraponto (A8, A5). Dentre os autores
consultados, C. P. E. Bach também defende o estudo da harmonia, no tocante às improvisações
livres, para a obtenção de maior criatividade nas modulações, como foi citado na página 126. No
entanto, considerando a harmonia tradicional como a “língua materna” do estudante, A3 faz uma
ressalva:
Ainda em relação ao contínuo, constata-se que a maioria dos estudantes que começa a aprender a técnica já possui um conhecimento razoável de harmonia, o que, em certa medida, é muito bom, principalmente no que se refere à visão geral da peça. Todavia, deve-se encorajar o estudante a pensar os acordes como intervalos subordinados a um baixo, evitando fazer relações o tempo todo com outras técnicas de análise harmônica, o que pode prejudicar (diria mesmo complicar) a familiaridade com a linguagem e o desempenho da realização (por exemplo, o estudante pode não desenvolver satisfatoriamente a capacidade de detectar paralelismos, etc.). É como aprender um novo idioma. Deve-se procurar pensar de acordo com os parâmetros da língua em questão, evitando fazer constantes relações com a língua materna (A3).
Diferentemente de A3, Schott afirma que “para começar, algum conhecimento de harmonia é
indispensável” (SCHOTT, 1979, p.194, tradução nossa). Concordamos com A3, e observamos
que a importância do estudo de harmonia para a realização do baixo contínuo é questionável, uma
216
vez que este conhecimento é posterior ao baixo contínuo, e está baseado em um outro paradigma
de pensamento a respeito da construção da estrutura harmônica de uma peça.
P11 acredita que as habilidades motoras, ligadas aos estilos, e funcionais, descritas até
este momento, devem ser monitoradas auditivamente através do “desenvolvimento de uma
apurada acuidade auditiva na percepção e apreciação”. Explica-nos Salgado e Silva (2005, p.42),
que este monitoramento é realizado a partir de um “conjunto de critérios ou parâmetros para fazer
escolhas e julgar resultados”. Isto também nos faz lembrar Bond, que recomenda sempre que o
estudante seja capaz de ouvir o que está tocando, como dissemos na página 129.
Finalmente, os cravistas mencionaram habilidades que auxiliam a sua prática, e não
necessariamente estão ligadas a ações motoras, de estilo ou funcionais empregadas na execução
de uma obra musical. São elas o conhecimento e utilização de diversos temperamentos, o
conhecimento de organologia e lutheria, o aprendizado de línguas estrangeiras, a pesquisa, e o
estudo e prática de danças históricas e o desenvolvimento de uma escuta refinada através do
estudo da percepção (A3).
O cravo é um instrumento que requer permanente afinação (P4, I3, P11). Além disso,
como eram utilizados diversos temperamentos nos vários países e períodos históricos, é
importante conhecê-los bem para que se possa escolher o mais adequado a cada repertório (P3).
Noções de luheria e organologia são úteis para que se possa fazer e ensinar a manutenção e
pequenos reparos no instrumento (P4, P8, I3, P11, A12). A respeito da manutenção e afinação,
A12 relata:
Certas habilidades não são enfocadas em cursos regulares, mas são tão importantes quanto as enumeradas acima. Conhecimento em organologia em geral, com experiência prática em manutenção e reparo do instrumento é muito útil. Cravistas hoje em dia comumente vêm do piano, que é um instrumento que, por suas dimensões e pela forma como o mercado se desenvolveu, normalmente não é mantido pelo próprio instrumentista. No caso do cravo muitas vezes não dá pra esperar pela revisão de um construtor, principalmente quando o assunto é voicing. Outra habilidade importante é saber afinar o instrumento e
217
saber lidar de maneira flexível com temperamentos, se possível afinando o instrumento de acordo com o repertório e com os outros instrumentistas com que for tocar (A12).
Os cravistas também abordam (A3, P9, I5) o estudo de línguas estrangeiras, habilidade
não comentada pelas fontes escritas. Embora eles não tenham especificado a finalidade,
lembramos do permanente contato do cravista com material teórico em outras línguas, como
tratados, métodos e guias, artigos e revistas. Além disso, a relação com professores e colegas de
outras nacionalidades é bem comum na formação do cravista brasileiro, seja através de viagens,
seja pelo contato em festivais, concertos e master classes em seu próprio país.
Uma atividade ligada à formação, mas que pode ser encarada como uma atuação
profissional, é a pesquisa. Pela análise das menções a este assunto, relacionamos esta atividade à
interpretação historicamente informada, já que a finalidade era sempre a aplicação prática, com a
obtenção de melhores resultados na execução. P1 diz que sem a pesquisa “não se pode tocar o
repertório barroco adequadamente”. Portanto, os cravistas recomendam que a capacidade
investigativa seja desenvolvida, e o material recomendado são os tratados de época, assim como
estudos e publicações mais recentes (P4, P10, P11, P12, A5) A12 complementa dizendo que
“Experiência em pesquisa é essencial para poder usar de maneira crítica e criativa tudo o que já
foi escrito e ainda vai se escrever sobre performance de música do passado”.
I4 e I2 falam sobre a relevância do estudo e da prática de danças históricas, “já que várias
formas de dança são inerentes ao repertório cravístico dos séculos XVII e XVIII” (I4). Outra
habilidade mencionada que classificamos como auxiliar à execução diz respeito a questões de
controle emocional. C. P. E. Bach, conforme citado na página 55 da dissertação, mostra que a
ansiedade atrapalha o resultado final mesmo que o executante possua destreza técnica e agilidade.
Para contornar esta situação, P4 aconselha a realização de atividades técnicas de relaxamento
corporal e P6 acredita na necessidade do desenvolvimento de domínio próprio diante do público.
218
5.5 Relação cravo X teclados
Este item foi aqui introduzido, pois em algumas respostas surgiu a discussão sobre a
relação entre o estudo e a prática de cravo e a sua concomitância com a de outros instrumentos de
teclado, assim como as particularidades da adaptação do pianista durante a aprendizagem deste
instrumento. Lembramos que esta concomitância já se verificou anteriormente, no estudo dos
tratados consultados. A obra de Sancta Maria (1972), por exemplo, foi escrita para o clavicórdio,
que segundo, Denis Stevens, “era o instrumento por excelência para o treino de organistas”
(SANCTA MARIA, 1972, introduction). Em sua época as técnicas dos instrumentos não haviam
se diferenciado substancialmente. Assim, presume-se que o intérprete tocasse o clavicórdio, o
órgão e o cravo. Já Rameau (1979) e Couperin (1996) referem-se especificamente ao cravo, o que
é facilmente compreensível devido ao alto grau de idiomatismo a que chegou a música francesa
deste período. Finalmente, C. P. E. Bach (1996) não só refere-se, como recomenda em seu tratado
a prática simultânea de, pelo menos, o cravo e o clavicórdio. Além disso, a questão da adaptação
do pianista foi constantemente abordada pelos autores dos guias atuais, já que este era um dos
principais leitores aos quais tais autores dedicaram seus livros.
Observamos, através da análise do relato dos cravistas, que a prática do cravo
concomitante a de outros instrumentos históricos vai tornando-se mais segura e até aconselhável
à medida que o executante adquire maior domínio técnico e conhecimento específico sobre este
instrumento. A12 considera a concomitância útil, pois “não só a performance em cravo se
solidifica, mas também se abre a possibilidade de outros campos de atuação profissional” (A12).
I5 mostra que há situações em que o contínuo precisa ser tocado ao órgão, por exemplo. I5 e A12
falam sobre a importância de ter experiência com outros instrumentos históricos justificando que
219
um cravista barroco na verdade era um tecladista, e tocava órgão, clavicórdio, e posteriormente
fortepiano.
No entanto, o estudo do cravo juntamente com o de piano ainda é uma questão
controversa. De qualquer forma, acreditamos que na fase inicial da formação, o reconhecimento
de que as técnicas dos diferentes instrumentos de teclado são diferentes é necessária. Como
muitos cravistas estudaram predominantemente o piano anteriormente, é preciso que ocorra uma
adaptação36. A2 e A7, por exemplo, que estão iniciando seus estudos, afirmam ter dificuldade em
conciliar a prática do piano com a do cravo. A2 enfatiza que se deve começar o estudo do ponto
“zero”, reconhecendo que suas técnicas são diferentes. Para A7, o cravista deve abdicar
completamente da prática pianística: “Pessoalmente não acredito que os dois instrumentos, apesar
de serem similares, possam ser levados simultaneamente. Falo isso pela dificuldade que ainda é a
minha adaptação ao cravo, vindo de uma formação de piano”.
P4 acredita que esta dificuldade de adaptação é resultado da formação acadêmica muito
rígida dos pianistas, faltando a eles o desenvolvimento de flexibilidade para improvisar e rapidez
na leitura de cifras. Ele deixa em aberto a questão da inclusão na formação intermediária de piano
um estudo paralelo de cravo e baixo contínuo para preencher tais lacunas. I5 também lamenta que
não existam no Brasil cursos mais abrangentes. Como mostrado na Introdução de nossa pesquisa,
Glaser e Fonterrada já criticavam a formação do pianista, que carece de habilidades funcionais,
36 P4 observa que dentro do grupo de pessoas que tocam algum tipo de teclado e que resolvem se especializar no cravo, o contingente maior, em sua opinião 95%, vêm do piano. Ele acredita que esta opção é estética. P11 concorda com ele, e acrescenta:
Tenho observado nos alunos que escolhem o cravo um gosto especial pela sonoridade do instrumento, pelo repertório (com algumas preferências de época, naturalmente), pelas combinações com outros instrumentos barrocos, pela música vocal dos períodos abrangidos. São em geral pacientes no trabalho minucioso dos diferentes dedilhados, articulações, fraseados. Alguns, entretanto, embora gostem do instrumento, não conseguem ser tão perseverantes.
220
tão presentes e essenciais à atuação do cravista. Encerramos este capítulo com o depoimento de
Fagerlande (2005):
Por algum tempo acreditou-se, erroneamente, que tecladistas em geral pudessem tocar o cravo, mas as exigências específicas do instrumento – em relação à técnica de execução, repertório, realização de baixo cifrado, manutenção e afinação – demonstraram o contrário. Assim, cravistas têm sido requisitados, e esta nova carreira tem atraído tanto aqueles originalmente interessados no instrumento como também outrora pianistas ou organistas, que vêem na sua prática uma expansão do mercado de trabalho para tecladistas, muitas vezes bastante concorrido.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
222
Iniciamos nosso trabalho diante do conhecimento de que o cravo foi um instrumento
utilizado no país até meados do século XIX, e teve seu ensino progressivamente
formalizado e institucionalizado recentemente, no século XX. Discutimos algumas idéias
sobre o conceito “Musicar”, de Christopher Small, sobre ideologia, estilo e sobre
compromissos de carreira. Elaboramos a hipótese de que os cravistas formam um grupo
social e cultural com características próprias, que “musicam” de forma diferenciada de
outros grupos de músicos, que têm sua identidade assegurada pelo compartilhamento de
uma ideologia configurada por símbolos, representações e crenças sobre sua prática
musical. Tal prática se compõe de modos de fazer, ou estilos que guardam relação com uma
tradição, e geram caminhos para o aperfeiçoamento de habilidades técnicas também ligadas
às características e limitações do instrumento.
A partir disso, procuramos identificar, categorizar e descrever o conjunto de
habilidades, técnicas e conhecimentos adquiridos durante a formação do cravista brasileiro,
que os individualiza como grupo sócio-cultural. Partimos da análise do conteúdo de
registros escritos sobre execução e aprendizado de cravo: quatro tratados europeus do
século XVI ao XVIII e três obras de autores dos séculos XX e XXI. A seguir, após uma
contextualização da presença do cravo no Brasil, sobretudo a partir de seu reaparecimento
no século XX, com base em entrevistas, e fundamentos da História Oral, apresentamos os
resultados da análise do relato de trinta cravistas brasileiros enviados por meio eletrônico
em resposta a uma pergunta exploratória.
Para a análise do material escolhido, utilizamos dois referenciais teóricos: a
categorização de Uszler, Gordon e Mach, e a definição de técnica por José Alberto Salgado
e Silva. O paradigma adotado nos permitiu classificar o conteúdo em habilidades técnicas
no sentido estrito, associado ao desenvolvimento motor, “stricto sensu”, e num sentido mais
223
amplo, “lato sensu”, isto é, a técnica ligada a um contexto estilístico, e a habilidades de
leitura, funcionais e auxiliares.
Com esta análise, identificamos uma série de habilidades específicas à formação e
ao cotidiano profissional de um cravista. Sobre as habilidades motoras, que se ligam a
características físicas do instrumento, percebemos a especificidade de gestos e movimentos
coordenados relacionados à mecânica, à produção do som e ao desenvolvimento da
sonoridade e do cantabile. Devido à leveza do mecanismo e da ação do plectro na corda, é
fundamental adquirir um controle tátil em relação ao teclado e ao momento do pinçamento.
Também devido à ressonância do instrumento e do mecanismo de abafamento, definem-se
particularidades importantes de articulação e fraseado. O domínio dos mais variados tipos
de acordes e gradações de arpejos é uma habilidade necessária, pois estes se revelaram
como um dos elementos mais idiomáticos do instrumento. Em relação à posição do corpo,
devem-se levar em conta aspectos como a inexistência de pedais, e a comodidade no
posicionamento dos braços ao tocar e ao fazer mudanças entre os dois manuais. A maior
mudança consiste na eliminação de aplicação do peso dos ombros e braços, bem como de
sua movimentação excessiva, assim como dos pulsos. Para tocar cravo, é essencial o
controle digital, e tanto mais eficiente este será quanto as articulações estejam relaxadas e
flexíveis. A posição da mão não apresenta tantas diferenças com a posição para o toque do
piano, exceto quando consideramos o período anterior à mudança de dedilhado para o
emprego da passagem do polegar em escalas.
No tocante ao estilo, partimos do fato de que o repertório para o instrumento, afora
o contemporâneo, foi composto antes do escrito para o piano. Apontamos a existência de
ornamentos e tabelas específicas para cada compositor, os diversos tipos de dedilhados
antigos e os dedilhados expressivos de François Couperin, a necessidade de compreender
224
estilisticamente o emprego dos registros, que devem ser utilizados com parcimônia e bom
senso, e as diversas questões rítmicas, como as diferenças entre música de dança e estilo
livre, as desigualdades como inegalité e dupla pontuação.
Uma das particularidades mais marcantes diz respeito às habilidades funcionais.
Percebemos que enorme peso tem a criatividade, a capacidade improvisatória e de
acompanhamento na formação e na vida musical do cravista. O repertório camerístico é
quase tão importantes quanto o solístico, e muitas vezes é o mais tocado profissionalmente.
A aquisição destas habilidades dá ao cravista uma flexibilidade e uma adaptabilidade que
muitas vezes não faz parte da formação “tradicional”. Notamos mais uma diferença com a
formação de outros instrumentistas de teclado, como pianistas, por exemplo, onde a ênfase
maior é dada à carreira solo, e ao desenvolvimento de habilidades técnicas e “repertoriais”,
em detrimento ao estímulo à criatividade e ao conhecimento musical, como afirmam Glaser
e Fonterrada37. O cravista também é um intérprete que está muito mais próximo do papel de
compositor, e além da interpretação, que sempre é pessoal, contribui efetivamente na
criação musical através da improvisação e da ornamentação.
Dentre as habilidades de leitura, enquanto a memorização nem sempre é tão
cultivada e valorizada pelos cravistas como é para os pianistas, por exemplo, a leitura à
primeira vista é bastante requisitada na atuação como camerista. Habilidades auxiliares,
como a importância do aprendizado do canto e da dança, embora estejam muito ligadas a
uma melhor compreensão estilística dos gêneros de música de cravo, podem também ser
indicadas para outros instrumentos. Mas outras habilidades como a manutenção e a
afinação não são habituais em se tratando de instrumentos de teclado, e citamos mais uma
vez o piano. O cravo requer que o intérprete conheça diferentes temperamentos e saiba
37
Ver Introdução, página 19.
225
afinar, além de ter um contato mais estreito com sua organologia, para poder compreender
sua mecânica e saber fazer pequenos reparos, ou exigir do técnico melhores resultados de
sonoridade. Tais habilidades ocupam boa parte do tempo de dedicação do cravista, mas são
responsáveis por estreitar a relação do intérprete com seu instrumento, e colaborar para o
seu completo domínio, tanto no sentido mecânico, quanto no musical.
Nas fontes escritas que foram analisadas, as habilidades motoras são muito
descritas, de forma semelhante em todos os tempos. A maneira como o som é produzido, a
partir das características físico - mecânicas do instrumento, não sofreu grandes alterações
com o passar dos anos. Elas são citadas extensivamente por todas as fontes consultadas. Já
as habilidades relacionadas ao estilo variam de tratado para tratado em sua definição, e
assemelham-se entre si e com os guias atuais no sentido do “modo de fazer”, como por
exemplo, ao interpretar uma desigualdade rítmica, ou ao estudar um ornamento. Entretanto,
como os autores mais recentes propõem-se a explicar ao aluno passo a passo como devem
proceder, eles naturalmente são mais detalhados e falam de elementos que os tratadistas não
observam. Além disso, eles oferecem um olhar à distância sobre o conteúdo abordado, e
certos aspectos da execução eram tão óbvios na prática que não mereciam ser registrados
pelos tratadistas.
Antes de apresentarmos as considerações sobre os relatos dos cravistas brasileiros,
como estamos procurando definir as particularidades de sua produção e atuação com foco
na formação, sentimos necessidade de descrever como esta formação tornou-se possível no
país, traçando uma linha cronológica dos acontecimentos mais importantes desde que o
cravo voltou a ser reconhecidamente tocado. Embora a data deste reflorescimento ainda não
seja precisa, a vinda do instrumento foi novamente uma iniciativa de estrangeiros
imigrantes, influenciados pelo movimento que estava em alta efervescência na Europa. Até
226
onde sabemos, a presença do cravo no Brasil do século XVI ao XIX não tem nenhuma
relação ou interferência no seu reaparecimento. Da mesma forma, no Brasil, o que suscitou
o interesse pelo seu resgate foi a possibilidade de tocar o repertório europeu, como Bach,
Haendel e Scarlatti no instrumento para o qual estes compositores haviam escrito. Além
disso, apesar de já ser viável no país, a formação dos professores das principais instituições
profissionalizantes foi européia; e segundo eles, apesar de já contemplarem o estudo da
música brasileira para o instrumento, os currículos e o repertório ainda privilegiam os
repertório europeu e são baseados nestes modelos38
.
A vinda dos primeiros intérpretes a princípio não foi acompanhada pela
possibilidade de aprendizado no país. Progressivamente, começaram a aparecer professores,
que passaram a dar aulas em festivais e cursos de forma intermitente, não regular. Os
primeiros cravistas e professores de cravo brasileiros ou eram autodidatas, ou tinham
formação ampla, em outros instrumentos de teclado, e muitas vezes sua carreira principal
não era o cravo, ou era desenvolvida paralelamente ao piano e ao órgão.
Acredita-se que Hans-Joachim Koellreutter tenha sido um dos primeiros a se
apresentar com um cravo no Brasil. Seu nome está ligado à criação das Pro Artes em São
Paulo, Rio de Janeiro e Bahia na década de 50. Estas instituições foram fundamentais para
que o cravo começasse a ser tocado e ensinado de forma pioneira nestes estados, ainda que
não regularmente. Independentemente e anteriormente à Pro Arte surgiram no Rio de
Janeiro nomes como o da intérprete ucraniana Violeta Kundert, uma das primeiras cravistas
a ser ouvida no país, que tocava no “Conjunto de Música Antiga da Rádio MEC”, sob a
direção de Borislav Tchorbov, Clélia Ognibene Kizsely e Ophélia do Nascimento, não
38
O currículo do curso de Bacharelado em Cravo na Unicamp, gentilmente disponibilizado por Jank, assim
como a justificativa para a implementação do curso de Bacharelado em Cravo na UFRJ, podem ser
consultados no Anexo 4.
227
tendo esta última se apresentado no Brasil. Em São Paulo, Alda Hollnagel e Maria Helena
Silveira foram as primeiras professoras da Pro Arte, e Maria Angélica B. Koellreuter, na
Bahia.
Em fins da década de 60, ainda ligados à Pro Arte, são criados em São Paulo por
alunos e professores os primeiros conjuntos que utilizavam o cravo, como o “Musikantiga”
e o “Paraphernália”. No Rio de Janeiro ocorre o mesmo no início da década de 70, com o
“Pro-Arte Antiqua” e o “Quadro Cervantes”, e na Bahia, com o “Musika Bahia” e o
“Anticália”.
Na década de 60 aparece uma das figuras mais importantes para o cravo no Brasil:
Roberto de Regina. Iniciando a carreira na Música Antiga como regente, após voltar de um
estágio de construção nos Estados Unidos, ele constrói um cravo e começa a dar concertos
de cravo solo. Também dá início à fabricação de instrumentos que começam a se espalhar
pelo país. Roberto de Regina foi o primeiro a gravar um disco solo de cravo. Seus concertos
e instrumentos foram imprescindíveis para que o cravo surgisse em outros estados na
década de 70, como no Paraná e em Brasília, e para o início do estudo de vários dos atuais
professores de cravo hoje.
Na década de 70, Roberto de Regina e também a cravista Helena Jank, de volta de
seus estudos da Alemanha, passam a dar aulas particulares e sobretudo em festivais. Este é
o período em que o cravo passa a ser ensinado em Festivais de várias regiões do país, e até
os dias de hoje este tipo de evento tem se mostrado fundamental como estímulo ao
desenvolvimento de novas vocações.
Apenas após o retorno de professores que foram especializar-se na década de oitenta
no exterior, o ensino passou a ser oferecido em instituições, como conservatórios, escolas
de música, e universidades, e vem sendo ampliado dia após dia. Além disso, os professores
228
passaram a exercer a prática deste instrumento como sua carreira principal. Entretanto, é
possível dizer que o ensino institucionalizado de cravo ainda encontra-se polarizado nos
estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal. Nos dois primeiros, além de
conservatórios e escolas de música, localizam-se as principais universidades que oferecem
o cravo como habilitação em suas graduações e pós-graduações. No terceiro, encontra-se
uma escola de ensino técnico-profissionalizante39
. O estado do Paraná até os dias de hoje
abriga as Oficinas de Música de Curitiba, com cursos de cravo, todos os anos. A presença
do cravo em festivais, desde o início do aparecimento do instrumento, em diversos estados
brasileiros, praticamente nunca cessou. Mesmo que alguns não sejam mais realizados,
sempre há outros sendo criados. Em outros estados, o ensino está presente, mas em
dimensões menores.
Pudemos observar no relato dos cravistas que participaram de nosso trabalho uma
grande proximidade com o conteúdo dos tratados estudados. Isto pode ser explicado pela
valorização dada à “performance historicamente informada”. Eles acreditam que a pesquisa
e o estudo de prefácios e tratados é essencial para uma boa execução e abordagem do
repertório. Devido à grande relação encontrada entre as respostas das entrevistas e o
conteúdo de tratados e livros, acreditamos que estas obras podem ser consideradas um
material de apoio de grande relevância para esta formação, mesmo que possamos inferir
que muitos conhecimentos estejam sendo novamente transmitidos oralmente, e tenham
características da prática atual recontextualizada.
Pudemos constatar que a parte mais expressiva do repertório e dos estilos abordados
pelos autores das obras, e citados pelos cravistas participantes, localiza-se entre os séculos
XVI e XVIII. Embora uma das motivações em estudar registros escritos atuais tenha sido a
39
A grade de disciplinas principais dos cursos de cravo destas instituições pode ser consultada no Anexo 4.
229
de observar se algo sobre a prática e a composição musical atual teria influenciado e sido
acrescentada à execução do cravo, constatamos que estes autores dedicaram pouco espaço
de suas obras a tal assunto. Sobre isso, eles limitaram-se a comentar alguns usos do cravo,
características do instrumento moderno, e a listar um grupo de compositores e obras.
Mesmo que, supostamente, o repertório composto mais recentemente exija outros tipos de
habilidades técnicas, estilísticas, ou até funcionais e auxiliares, há pouca menção nos
registros estudados a este contexto específico.
As habilidades de leitura, funcionais e auxiliares apontadas pelos cravistas
participantes, como seria esperado, relacionam-se bastante às descritas pelos autores dos
guias atuais livros atuais. Mas em algumas situações, elas são encontradas no tratado de C.
P. E. Bach e não nestas fontes, como por exemplo, questões ligadas à leitura a primeira
vista, à destreza técnica para momentos de performance, dentre outras. Isto nos mostra que
a execução atual mantém diálogo com demandas do fim do século XVIII, período em que o
pianoforte já estava começando a ser tocado, e que o cravo era empregado em
apresentações públicas de caráter artístico.
Os principais conhecimentos teóricos mencionados pelos cravistas brasileiros estão
ligados aos estilos, como história da música, e à garantia de um bom desempenho de
habilidades funcionais, como o estudo da harmonia e do contraponto. A formação em cravo
é muito complementada pela leitura, a pesquisa e a relação com outras artes como as artes
plásticas e a dança, para questões estilísticas. Isto acaba proporcionando maior contato dos
cravistas com estas áreas e habilidades do que outros instrumentistas.
A prática de cravo concomitante a outros instrumentos históricos, comum no século
XVI ao XVIII, não é considerada prejudicial e é recomendada pelos participantes na
atuação profissional do cravista, tanto para o aperfeiçoamento técnico, quanto pelas
230
exigências do mercado de trabalho. Por outro lado, alguns acreditam que se deva começar
um estudo de cravo do “ponto zero”, excluindo o contato principalmente com o piano, o
que pode ser explicado pela necessidade de adaptação e do estabelecimento de um domínio
técnico específico nos anos iniciais da formação.
A formação do cravista brasileiro nos dias de hoje, embora recontextualizada,
aponta para uma preservação de habilidades adquiridas há séculos atrás. Tais habilidades
acabam por satisfazer a necessidades importantíssimas e pouco presentes na formação do
instrumentista erudito nos dias de hoje, como por exemplo, o desenvolvimento da
criatividade. Podemos dizer que práticas anteriormente realizadas, que com o tempo,
deixaram de ser ensinadas e valorizadas, acabam por amparar o cravista no aprimoramento
de competências e aptidões exigidas em sua atuação, tanto pelo meio musical em está
inserido, quanto pelo mercado de trabalho.
Embora não tenha sido um foco principal, acreditamos que nosso estudo é um
primeiro passo em direção à documentação da história recente do reaparecimento e ensino
do cravo no país, bem como da inserção de sua formação nas instituições de caráter
profissionalizante. Mais uma vez, enfatizamos a importância de maiores esforços no resgate
da música brasileira, de suas origens e antigas práticas, para o desenvolvimento de
paralelos com a realidade atual. Além disso, no tocante à aquisição das habilidades
levantadas e analisadas, pesquisas futuras podem ser produzidas no sentido de compreender
sua viabilização, presença e organização dentro dos currículos dos principais cursos, assim
como para entender a maneira como elas são ensinadas na prática, através do estudo e da
observação da relação professor-aluno em diversos contextos. Discussões sobre a iniciação
ao cravo e a elaboração de novos métodos e materiais didáticos, apoiados nas necessidades
231
reais do aprendizado também devem ser levados em consideração na escolha de novos
caminhos de investigação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
233
Introdução
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ANEXOS
ANEXO 1
PERGUNTAS E RESPOSTAS REFERENTES AO CAPITULO 4
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PERGUNTAS:
1. Como o cravo chegou ao Brasil no século XX? Que professor, intérprete ou evento foi de
especial importância para a história/renascimento do cravo? Como foi seu primeiro
contato com o cravo?
2. Como se adquiria um cravo nesta época? Que instrumentos havia? Quem foram os
primeiros proprietários? Construíam-se cravos no Brasil?
3. Quem foram os primeiros intérpretes brasileiros? Que conjuntos musicais utilizaram o
cravo em seus ensaios, apresentações no início de seu reaparecimento?
4. Quem foram os primeiros professores? Onde foram realizadas as primeiras aulas de
cravo? Como elas eram? Algum aspecto da aprendizagem ou performance ao cravo era
especialmente discutido? Como eram os alunos?
5. Divulgavam-se métodos e tratados? Quais? Com que finalidade? Que repertório era mais
recorrente nas aulas?
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RESPOSTAS:
Edmundo Hora – outubro de 2007
1. Recorda-se ou tem conhecimento de como o cravo chegou ao Brasil no século XX? Salvador = Maria Angélica, Curitiba = Ingrid Serafim e Rio de Janeiro = esta senhora que você. conhece! Em seguida: Alda Hollnagel (mãe da Helena que era organista), Helena Jank (na época Hollnagel) e Felipe Silvestre que trabalhou nos anos 70 com um curso na ECA da USP. Ele deu muitas aulas em Festivais...Também vieram alguns professores alemães como Stanislav Heller, em Salvador e Karl Richter em SP, por exemplo.
2. Recorda-se de algum professor, intérprete ou evento de especial importância para a história/renascimento do cravo? Como foi seu primeiro contato com o cravo? A primeira parte desta pergunta está já respondida na primeira! O meu primeiro contato com o Cravo foi em Salvador nos anos 70 e precisamente em 73 com o Grupo Anticália. Já em São Paulo em 77 iniciei pela similaridade técnica com o órgão, instrumento que estava me dedicando. Tive aulas com Roberto, Helena e Felipe. Entrei para uma orquestra de Câmara e senti a necessidade de estudar mais a técnica específica! Antes de 80 encontrei os integrantes do Musica Antiqua Koln que estiveram em São Paulo. Em 1980 conheci o Jacques Ogg que me indicou para um curso em 1982 em El Escorial na Espanha. Lá encontrei todos os importantes da Holanda, Brüggen, Leonhardt e tive aulas todo o mês com o Jacques. Neste mesmo ano fui para o Holland Festival Oude Muziek (Festival Holandês de Música Antiga), um deslumbramento! Em 1984, a convite do Jacques transferi-me para Amsterdam. Ingressei em sua Akademie, em seguida Groningem Conservatorium, Amsterdamse Hogeschool voor de Kunsten finalizando o curso de “Solista em Cravo”. Ingressei em seguida no SWEELINCK Conservatorium de Amsterdam na classe de Anneke Uittembosch a primeira aluna de Leonhardt nos anos 54. Nesta escola lecionava ainda o próprio Leonhardt, que foi Presidente na minha Banca de Pós-Graduação além de Bob van Asperen. Retornei ao Brasil em 1993 para reassumir os meus trabalhos no Departamento de Música do Instituto de Artes da Unicamp.
3. Como se adquiria um cravo nesta época? Em geral encomendava-se ao Roberto. Um ou outro importava da Europa ou mesmo USA. Já trabalhava em SP Maria José Carrasqueira que tinha Sabathil & Son (Canadá?) e Regina Schlochauer além de Ediná Pinheiro Strehler que tinha um cravo construído por Hidetoshi Arakawa que foi professor do Instituto de Física da Unicamp. Aqui ele fez muitos Cravos de 1 e 2 manuais e que custavam caros na época – o preço era relativo aos da Europa no momento. Que instrumentos havia? Acrescento o instrumento de BH que está no Palácio das Artes. Um modelo Ruckers com dois manuais do mesmo construtor que o do Marcelo Fagerlande. Também da Escola de Música da UFMG tem um cravo parecido com o do Marcelo. (mesmo construtor?) devido ao contato com o Felipe Silvestre que viveu na Alemanha. Quem foram os primeiros proprietários? Escola de Música. UFBa, Escola de Música do Paraná, Rádio MEC? Sala Cecília Meirelles? USP, Unicamp e alguns particulares já mencionados.Construíam-se cravos no Brasil? Roberto, depois Hidetoshi de Campinas final do anos 70 início dos 80. Abel Vargas 1983 ou 84? Em São Paulo e em seguida
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William Takahashi. Tinha um moço em BH que construiu um cravo também há 10 anos atrás.
4. Quem foram os primeiros intérpretes? Violeta Kundert, Roberto de Regina, Alda Hollnagel, Ingrid Seraphim de Curitiba, Helena Hollnagel – hoje Jank, em seguida a primeira mulher do Kanji, Terezinha Saghaard, Regina Schlochauer, Maria José Carrasqueira, em São Paulo; Rosana Lanzelotte, Ilton Wjuniski, de SP Pedro Persone, Edmundo Hora, Marcelo Fagerlande.
5. Que conjuntos musicais utilizaram o cravo em seus ensaios, apresentações no início de seu reaparecimento? Já mencionei as orquestras nos anos 60 em Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo - Sociedade Bach com a família BENDA. Sinfônica de São Paulo com Eleazar de Carvalho.
6. Quem foram os primeiros professores? Roberto, Felipe e Helena. Antes da Helena esteve aqui a Huguete Dreyfus em São Paulo no Masp.Onde foram realizadas as primeiras aulas de cravo? Sociedade Pró-Música Sacra de São Paulo e Sociedade Pró-Música Antiga de São Paulo. MASP, USP Bienal de Música, Festival de Música de Curitiba, 1975. 76 e 77 Como elas eram? Festival de Música de Londrina em 1984. Havia em torno de 5 professores de Cravo. Jacques, Ingrid, Edmundo e outros. Algum aspecto da aprendizagem ou performance ao cravo era especialmente discutido? No meu caso como professor de 84 a 90 em Londrina falávamos sempre da adaptação técnica que sempre vinha do piano. Tentávamos recuperar a técnica específica devido à diferença entre os instrumentos mencionados. A partir de 84 fui e voltei para a Europa por 10 anos, realizando aqui inúmeros cursos: nos Festivais de Londrina, Curitiba e em seguida Juiz de Fora que já estava em sua segunda edição. Basicamente trabalhávamos o L´Art de toucher
le Clavecin de Couperin, as Invenções e Sinfonias de Bach e os Prelúdios Non mesuré de Louis Couperin. Em seguida buscou-se as Partitas de Froberger e muito Scarlatti.
7. Como eram os alunos? Eles vinham do Piano e alguns do Órgão. Muito até regentes. Discutia-se construção e afinações desiguais. Convém ressaltar a primeira vez que utilizamos a afinação lá 415 foi em Campos do Jordão com o incentivo de Helder Parente que trouxe uma flauta réplica de Bressan? (Eu ainda não tinha começado a atuar como Professor de Cravo nos Festivais!) Eu tomei a iniciativa de descer o Cravo em meio tom e afinar em temperamento desigual. Me lembro de tanta resistência que tivemos dos que não sabiam disso, foi uma época difícil de se encontrar informações e maiores conhecimentos técnicos. Afinava-se em 440 e em temperamento igual! Contamos com a participação fundamental de Eunice Brandão na Viola da Gamba, se não me engano era 1983. Montamos um Consort de violas da Gamba também. Estivemos também em Brasília, que já tinha um Cravo do Roberto de 2 teclados e ali fizemos muita Música Antiga sob a orientação de Helder. Em 82 Partimos Eu, Eunice e Flávio Stein para El Escorial. Depois do Curso a Eunice ficou por lá a convite do Jordi Savall com quem tivemos muitas aulas. Nesta época eu tocava Viola da Gamba também!
8. Divulgavam-se métodos e tratados? Quais? Com que finalidade? Que repertório era mais recorrente nas aulas? Acho que já respondi anteriormente!
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Regina Schlochauer – outubro de 2007
1. Recorda-se ou tem conhecimento de como o cravo chegou ao Brasil no século XX? Recorda-se de algum professor, intérprete ou evento de especial importância para a história/renascimento do cravo? Como foi seu primeiro contato com o cravo? Só posso imaginar algumas famílias vindo da Europa e trazendo coisas inauditas por aqui. Cada vez que vou pesquisar alguma coisa, como no caso da Pró-Arte de S. Paulo, onde estudei, vejo que aconteceram tantas coisas, sem tomarem dimensão pública, que acho tudo é possível. Como o mundo era anti-“CARAS”, a revista, isto é, o privado, o discreto, eram a regra e o que se valorizava, pouco se sabia das intimidades. Teria D. Olívia Guedes Penteado, a matrona que muito ajudou Villa-Lobos, algum cravo numa das n salas da mansão, que depois virou, apenas... a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo? Não sei. Sei que em 1960, mais ou menos, quando cheguei a S.Paulo, a cantora Ula Wolf tinha um cravo, acho que um Sperrhake ou Wittmayer, pequeno, na casa dela. Sei que na fazenda onde D.Alda, mãe da Helena, morava, no interior do estado de S. Paulo, havia um órgão, porque meu marido, Hans, foi assistir a um concerto lá e, imagino que houvesse um cravo, também. Basta perguntar para a Helena Jank.
O primeiro professor e, também, o primeiro recital de cravo a que assisti, foi com o Stanislav Heller. Era checo, nascido em Brno, tinha 34 ou 35 anos. Tocava piano e cravo. Tinha trazido consigo um cravo, grande, de registros de pedal. Não era um Neupert. Heller veio por conta da Pró-Arte, ou seja, do Sr. Theodor Heuberger. Deu recitais e aulas de cravo, sobretudo. Imagino que tocasse bem. Tenho um LP dele de Suítes Ingleses, se não me engano. Estudei piano com ele na Inglaterra, como aluna particular. Não saberia dizer de características pedagógicas. Lembro-me de, em Londres, tê-lo acompanhado para fazer gravações de sonatas de Scarlatti. Acho que o cravo que havia na Pró-Arte era um Neupert.
2. Como se adquiria um cravo nesta época? Que instrumentos havia? Quem foram os
primeiros proprietários? Construíam-se cravos no Brasil?
Acho que já está respondido na outra pergunta. Sei que o Masano, pai do oboísta Salvador Masano, fazia umas espinetas, ou antes, uns cravinhos de um só set de cordas, que maldosamente chamavam de “masanetas”, de construção precária. O Salvador, filho dele, hoje um senhor de idade, vive e pode responder melhor. Volto a dizer, tenho certeza de que haveria famílias de estrangeiros que possuiriam instrumentos, mas dos quais nunca tive conhecimento. Talvez possa generalizar, não sei se “se teve” conhecimento. E mais que todos, Roberto de Regina.
3. Quem foram os primeiros intérpretes? Que conjuntos musicais utilizaram o cravo em seus
ensaios, apresentações no início de seu reaparecimento? Roberto de Regina. Lembro-me do Musikantiga, que tinha o Paulo Herculano, organista e cravista e do conjunto do Roberto de Regina. Não me lembro de óperas barrocas e creio que contínuos de cantatas e Paixões fossem feitos no órgão. Creio, não afirmo.
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4. Quem foram os primeiros professores? Onde foram realizadas as primeiras aulas de cravo? Como elas eram? Algum aspecto da aprendizagem ou performance ao cravo era especialmente discutido? Como eram os alunos?
Acho que D. Alda Hollnagel. Não sei onde foram realizadas as primeiras aulas. Aquilo de que me lembro é das aulas do Stanislav Heller em 1960 ou 61. Falava-se de técnica no sentido de evitar o excesso de peso característico da escola de piano que se usava no Brasil. Os alunos eram pianistas interessados em aprender mais sobre o instrumento que se associava à música de Bach. Li, em publicações do século XIX, que o professor Luigi Chiafarelli que foi professor da Magda Tagliaferro, fazia “concertos históricos” com alunas, dos quais vi programas, em que se tocava William Byrd, Daquin, e outros antigos. . Mas isto, cinqüenta anos antes de eu nascer.
5. Divulgavam-se métodos e tratados? Quais? Com que finalidade? Que repertório era mais
recorrente nas aulas? Falava-se de (como ainda hoje) mais do que se liam ou estudavam os tratados. Falava-se do tratado de Carl Philipp. O repertório das aulas a que assisti e das quais participei, era mais que tudo, alemão. Bach, Handel, e também, Rameau, Couperin, Scarlatti. Na época não tocava Sweelinck, Scheidt, ou os Duphly, Pancrace Royer, Forqueray. Estes, mesmo os virginalistas fora Byrd, só conheci na década de 80.
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Samuel Kerr – 26 de agosto de 2008
1. Como o cravo chegou ao Brasil no século XX? Que professor, intérprete ou evento foi de
especial importância para a história/renascimento do cravo? Como foi seu primeiro contato com o cravo? Meu primeiro contacto com o som do cravo foi através de gravações da Wanda Landowska que a Vera Janacopolus programava na Rádio Gazeta em São Paulo, isso lá pela década de 1940. Depois, na década de 1960 comecei a tocar cravo em um “kit” montado em São Paulo. Era de propriedade do Mr. Rabson, professor do ITA em SJ Campos, casado com Carolyn Rabson, flautista, musicista que estimulou bastante a prática da chamada música antiga em SP. Nessa mesma época a Orquestra de Câmara de São Paulo também havia encomendado nos EEUU, um “kit” e o Maestro Olivier Toni orientou o marceneiro José Masano (pai do oboísta Salvador Masano) na montagem do instrumento que serviu à orquestra durante muitos anos e hoje está em Campos (MG). Não podemos esquecer que Alda Hollnagel tinha um cravo com pedaleira, na mesma sala de sua casa onde estava instalado um órgão Tamburini. A Pro Arte, em SP, tinha um Neupert. Sabíamos do trabalho no Rio de Ofélia Nascimento e do Roberto de Regina
2. Como se adquiria um cravo nesta época? Que instrumentos havia? Quem foram os primeiros proprietários? Construíam-se cravos no Brasil? A aquisição era por importação ou pelo sistema “kit” de montagem encomendado nos Estados Unidos. Os primeiros proprietários, em São Paulo: Alda Hollnagel, o casal Rabson. Orquestra de Câmara de São Paulo, Seminários de Música da Pro Arte. A partir da experiência com a montagem de um “kit” americano, José Masano começou a construir cravos em SP. Não posso afirmar se alguém, em SP havia comprado um cravo construído pelo Roberto de Regina, mas sabíamos das suas experiências no Rio de Janeiro.
3. Quem foram os primeiros intérpretes brasileiros? Que conjuntos musicais utilizaram o cravo em seus ensaios, apresentações no início de seu reaparecimento? Os primeiros intérpretes brasileiros que eu possa citar: Ofélia Nascimento, Roberto de Regina, Alda Hollnagel, Paulo Herculano, (eu próprio, Samuel Kerr), Marilena Silveira, Regina Schlochauer. Conjuntos: Orquestra de Câmara de São Paulo e Conjunto Musikantiga.
4. Quem foram os primeiros professores? Onde foram realizadas as primeiras aulas de cravo? Como elas eram? Algum aspecto da aprendizagem ou performance ao cravo era especialmente discutido? Como eram os alunos? Alda Hollnagel nos Seminários de Música da Pro Arte, além da presença histórica de Stanislav Heller, despertando o interesse pelo instrumento em SP na década de 1960.
5. Divulgavam-se métodos e tratados? Quais? Com que finalidade? Que repertório era mais recorrente nas aulas? Eu me lembro de estudar, sob a orientação de Alda Hollnagel, as variações de Sweelinck sobre “Minha jovem alma tem um fim”. E, sob a orientação do Heller um Concerto Vivaldi Bach. Ficaram famosas as interpretações do Paulo Herculano da Pavane do Byrd e da canção “Greensleaves” nas apresentações do Conjunto Musikantiga.
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Maria de Lourdes Cutolo – setembro de 2008
Tuas perguntas me fazem retroceder no tempo e me trazem lembranças, como a do pianista, compositor e regente Souza Lima, que possuía, em seu lindo apartamento do tradicional bairro de Higienópolis, (SP) um cravo “Ruckers” – autêntico -, instrumento que ele havia comprado na Europa, na época de seus estudos em Paris, creio que nos anos 40-50 e que ninguém tocava. Em 1975, quando Huguette Dreyfus esteve em São Paulo, alguns compositores escreveram obras cravo e os alunos do curso as estrearam em concerto. Eu fui escolhida para apresentar a “Suíte Antiga” para cravo (ou piano) de Souza Lima. Alguns dias antes do concerto fui tocar para o compositor, em sua casa. Não me lembro bem em que condições se encontrava o lindo Ruckers - eu estava um pouco assustada, tocar num instrumento original, sem ser cravista ainda, eu estava apenas me iniciando... Foi preciso que você fizesse essas perguntas para que eu me lembrasse desse fato, já bastante esquecido. A pessoa mais indicada para contar sobre esse instrumento, que fim levou, se ainda se encontra no Brasil, etc. deve ser Amaral Vieira, aluno de Souza Lima desde 1950, creio. Ele vive em São Paulo, mas viaja muito, você poderá contatá-lo através de Internet.
O nome de maior importância para o renascimento do cravo no Brasil todos sabemos, é Roberto de Regina. Meu 1º contato com o cravo já foi enviado em outro documento, você sabe. Comprar um cravo nos anos 60 era assunto de importação da Europa, especialmente da Alemanha. As marcas mais conhecidas eram Neupert, Sperrhake e Wittmayer. Seguramente esses instrumentos ainda estão em uso em algumas cidades brasileiras do norte, nordeste, centro-oeste, no interior ou até mesmo em capitais. Além de Roberto de Regina, existiu em S. Paulo, um marceneiro, pai do oboísta Salvador Masano, que havia construído alguns cravos de um manual, que eram muito lindos como trabalho de carpintaria, mas muito ruins na mecânica. Um desses instrumentos pertenceu a Luis Roberto Borges, que foi regente e fundador do Coral e Sociedade “Pro Musica Sacra” de S. Paulo.
A 1ª intérprete de cravo em S. Paulo foi Helena Jank. Creio que a 1ª escola em S. Paulo a possuir um cravo foi a Escola Livre “Pró-Arte” na rua Sergipe e Maria Helena Silveira era a professora. Algumas vezes, nos concertos de sábados à tarde se apresentavam obras com cravo. Foi nesse auditório que ouvi pela 1ª vez Ricardo Kanji e Beatriz Ferreira Leite ao cravo.(ao redor de 69-71) Outro nome que também costumava apresentar-se ao cravo era Paulo Herculano. A antiga orquestra de câmera de São Paulo sob a regência de Olivier Toni tocou muito repertorio barroco, tendo ao cravo, Ediná Pinheiro. A partir dos anos 70, os alunos de cravo passaram a interessar-se por instrumentos “réplicas” e muitos cravistas de hoje tiveram como 1º instrumento, um cravo modelo Taskin de Roberto de Regina. O Curso de Huguette Dreyfus em São Paulo em 1975 foi um marco muito importante no desenvolvimento do ensino em nosso país e iniciou vários futuros profissionais, como Maria Lucia Nogueira, Ilton Wjuniski, Terezinha Saghaard, Regina Schlochauer, e esta que te escreve.
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Rose Ana Carvalho – outubro de 2008
1. Como o cravo chegou ao Brasil no século XX?
Em Londrina, na Faculdade Música Mãe de Deus, havia um cravo Neupert com plectros de couro. Ele foi trazido da Alemanha em meados do séc. XX pelas irmãs da Congregação de Schoenstat. Não havia quem soubesse tocar e ele não foi utilizado até os anos 70 quando Janete El Haouli e eu começamos nos aventurar. No início dos anos 80 a faculdade já citada promoveu um curso com a Helena Jank. Ainda na década de 70 o maestro do coral da Universidade Estadual de Londrina, Othonio Benvenuto, comprou um cravo construído pelo Roberto de Regina que esteve na cidade ministrando um curso de introdução ao cravo. No início da década de 80 com o primeiro Festival de Música de Londrina já houve o curso de cravo com Roberto de Regina e Ingrid Seraphim. Que professor, intérprete ou evento foi de especial importância para a história/renascimento do cravo? Professor, intérprete e construtor foi Roberto de Regina. Quanto a eventos os Encontros de Musica Antiga em Curitiba e creio que os Festivais de Música de Londrina contribuíram não só para a região, mas também para o Paraná e Brasil.
Como foi seu primeiro contato com o cravo? Através de cursos de curta duração. O restante do tempo foi de muito trabalho, experimento e ouvindo gravações.
2. Como se adquiria um cravo nesta época? Adquiri meu primeiro cravo em 1984, usado no Rio de Janeiro. Era um Roberto de Regina pequeno. Que instrumentos havia? Quem foram os primeiros proprietários? Construíam-se cravos no Brasil? Na época que comprei quem construía no Brasil era Abel Vargas, Hidetoshi e Roberto de Regina.
3. Quem foram os primeiros intérpretes brasileiros? Roberto de Regina, Helena Jank, Edmundo Hora. Que conjuntos musicais utilizaram o cravo em seus ensaios, apresentações no início de seu reaparecimento?
4. Quem foram os primeiros professores? Onde foram realizadas as primeiras aulas de cravo? Como elas eram? Algum aspecto da aprendizagem ou performance ao cravo era especialmente discutido? Com Edmundo Hora, na década de 80 nos Festivais de Música de Londrina. Como eram os alunos? Havia muito interesse por tudo.
5. Divulgavam-se métodos e tratados? Com Edmundo Hora, na década de 80 nos Festivais de Música de Londrina. Quais? Com que finalidade? Que repertório era mais recorrente nas aulas? Bach, Rameau, Scarlatti e Couperin.
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Maria da Conceição Perrone – outubro de 2008
1. Como o cravo chegou ao Brasil no século XX? Aqui na Bahia na década de 50 quando foi criado o Seminários Livres de Música, na Universidade Federal da Bahia. Que professor, intérprete ou evento foi de especial importância para a história/renascimento do cravo? Quando H. Koellreutter veio para Salvador com o intuito de criar um curso de música na então Universidade da Bahia (criada em 1946), após casamento com Maria Angélica Koellreutter, aluna de piano e primeira cravista que tenho conhecimento que viveu e vive em Salvador. O primeiro cravo que tenho conhecimento, ainda encontra-se em Salvador na Escola de Música da UFBA, de procedência alemã. Posteriormente veio um cravo Neupert (Instituto de Música da Universidade Católica do Salvador), dois cravos de Roberto de Regina (Escola de Música da Universidade Federal da Bahia e Instituto de Música da Universidade Católica do Salvador) e o último, construído por Abel Vargas pertencente a EMUFBA. Lembro-me dos concertos de Roberto de Regina no Museu de Arte Sacra da UFBA; de Helena Jank inaugurando o cravo do Instituto de Música da UCSAL e audições de música de câmera realizadas na Reitoria da UFBA. Como foi seu primeiro contato com o cravo? Através de Maria do Carmo Correa, professora de flauta da UFBA que me convidou para participar do seu conjunto Música Bahia. Em 1975 conclui meu curso de graduação em Piano e então comecei a estudar cravo com Maria Angélica e depois, como bolsista da CAPES (1984-1986) fui para Holanda estudar cravo e fortepiano com Jacques Ogg.
2. Como se adquiria um cravo nesta época? De encomenda, como ainda hoje é feito. Que instrumentos havia? (Já foi respondido acima) Quem foram os primeiros proprietários? De propriedade particular lembro que Maria do Carmo Correa possuía dois cravos (um pequeno e um grande de dois teclados) construídos por Roberto de Regina; Celina Lopes possuía um cravo pequeno também construído por Roberto de Regina. Pierre Klose possuía um cravo pequeno de fabricação alemã. Construíam-se cravos no Brasil? Sim. Que eu saiba o primeiro construtor de cravo no Brasil naquela época era Roberto de Regina. Outros vieram posteriormente e penso que você deve conhecê-los bem mais do que eu.
3. Qual foi o primeiro intérprete brasileiro conhecido? Nos anos 60-70, Roberto de Regina, que eu me lembre, salvo os que antes disso supostamente atuaram junto a Capela Real. Embora se saiba da atuação dos Jesuítas com sua escola de “tanger, cantar e contar”, não há informações históricas de intérpretes, mas da possível existência de instrumentos semelhantes ao cravo e ao órgão positivo. Que conjuntos musicais utilizaram o cravo em seus ensaios, apresentações no início de seu reaparecimento? Aqui em Salvador, os conjuntos “Viva a Música”, o “Música Bahia” e o “Anticália”.
4. Quem foram os primeiros professores? Em Salvador, a primeira professora foi Maria Angélica Koellreutter. Onde foram realizadas as primeiras aulas de cravo? EMUFBA (Escola de Música da Universidade Federal da Bahia) e IMUCSAL (Instituto de Música da Universidade Católica do Salvador). Como elas eram? Aula de técnica e interpretação. Em outro momento aulas de baixo cifrado, que sempre fez parte do nosso programa do curso. Algum aspecto da aprendizagem ou performance ao cravo era especialmente discutido? Sim a depender do programa e das peças estudadas. Referentes as diferentes
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escolas de ornamentação e interpretação (francesa, italiana, inglesa e alemã). Como eram os alunos? Todos eles já haviam concluído o curso oficial (UFBA ou UCSAL) de graduação em piano.
5. Divulgavam-se métodos e tratados? Sim. Quais? Couperin em especial. Tratados de Glosas (D. Ortiz), S. Ganassi, C. P. Bach, F. T. Arnold (vol I e II), dentre outros. Com que finalidade? Desenvolvimento técnico (articulação) e ampliação da arte de bem tocar o cravo. Que repertório era mais recorrente nas aulas? Os prelúdios e as suítes de Couperin; o Cravo bem Temperado (I e II); compositores portugueses dentre outros. Para música de câmera. Telemann, Bach, Haendel, Vivaldi, Hotteterre, dentre os demais.
Ana Cecília Tavares – novembro de 2008
1. Penso que devemos muito ao Roberto de Regina, pois foi o principal responsável pela
divulgação do cravo no Brasil. Meu primeiro contato com o cravo foi em um concerto do Roberto de Regina aqui em Brasília, na inauguração do cravo da escola de música que por sinal havia sido construído por ele mesmo.
2. Em geral os instrumentos eram feitos pelo Roberto de Regina, mas não sei ao certo quem
foram os primeiros proprietários. Não fiz parte do movimento inicial do cravo no Brasil. Meu contato com o instrumento veio um pouco depois.
3. Imagino que os nomes dos primeiros intérpretes sejam do conhecimento de todos nós
cravistas, mas eu não ousaria citar nomes pois poderia esquecer alguns.
4. Participei do curso de inverno de Campos de Jordão em 1982 onde trabalhei com o Roberto de Regina e do curso de verão de Brasília, tendo aulas com a Maria de Lourdes Cutolo que foi minha professora, embora morasse no exterior. Quanto aos primeiros Festivais aqui no Brasil, não fiz parte, pois nem pensava em cravo na época. Sei que a Huguette veio ao Brasil e deu um curso em São Paulo que foi muito importante para a formação de cravistas. Esse curso teve a colaboração da nossa querida Maria Lúcia Nogueira, cravista maravilhosa, que ajudou a organizar o evento. Falava-se bastante do toucher, a articulação e a souplesse.
5. Divulgava-se os métodos e tratados, principalmente o L’Art de toucher le clavecin, e o repertório recorrente era Rameau, Louis Couperin, François Couperin, Bach e Scarlatti. Quando fui estudar na França com a Huguette, tive a oportunidade de me aprofundar mais no repertório, pois o número de alunos cravistas era bem maior. Outro aspecto muito interessante deste período que passei lá, foi a grande oportunidade de tocar em instrumentos maravilhosos, alguns originais. Tocar em um instrumento bem regulado e original é um marco nas nossas vidas, você não acha? Para concluir, acho que o Brasil andou até bem rápido na área do cravo. Fomos todos beneficiados por uma pessoa como o Roberto de Regina que, apaixonado pelo cravo, fez com que o instrumento chegasse mais cedo ao Brasil.
ANEXO 2
COMUNICAÇÕES E DOCUMENTOS DIVERSOS MANDADOS POR MEIO ELETRÔNICO REFERENTES AO CAPITULO 4
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Documento enviado por correio eletrônico por Maria de Lourdes Cutolo em 3 de junho de 2008.
História do ensino do cravo em Brasília de 1978 a 1997-98
1978 a 1984
A Escola de Musica de Brasília, fundada por Levino Alcântara, encomendou um cravo a Roberto de Regina, instrumento o qual foi entregue no 2º semestre de 1977. Em janeiro de 1978, estando recém chegada de Paris, fui chamada ao III Curso Internacional de Verão (Na verdade, o professor convidado era Roberto de Regina, que encontrando-se enfermo, recomendou-me para o cargo). Naquela época, os cursos de férias tinham a duração de 30 dias e tive muitas oportunidades de apresentar-me em concertos (recital solo, recitais de música de câmara com Odette E. Dias, Noel Devos entre outros e concertos com orquestra). Terminado o curso e incentivada pela direção da Escola, decidi radicar-me em Brasília, para trabalhar nessa escola, (que me pareceu ter propósitos muito sérios e um potencial muito grande). Em seguida prestei concurso público e fui a fundadora da cátedra de cravo da Escola de Música de Brasília em 1978. Entre meus primeiros alunos encontrava-se Ana Cecilia Tavares, que estava terminando seus estudos de piano na UNB. De março a setembro (1978) realizaram-se muitos concertos não somente na Escola de Música, como também no departamento de Música da Universidade, visando ampla divulgação ao cravo e seu repertório. Em outubro 1978 retornei a Europa (bolsista do CROUS-Paris e DAAD-Alemanha). Em janeiro 1979, de volta a Brasília para o IV Curso Internacional de Verão, desta vez com maior número de alunos (destacando-se Ana Cecília Tavares). Entre fevereiro 1979 e março 1984 (período de meus estudos em Paris e Colônia, Alemanha) a Escola de Música passou por grandes mudanças e permaneceu sem professor de cravo. A partir de 1981, Felipe Silvestre se radicou em Brasília e passou a trabalhar na Escola de Música como professor de música de câmara, tendo levado à Escola seu próprio instrumento, uma vez que o original de Roberto de Regina estava avariado e não havia verba disponível para sua reforma. Retornei a Brasília em março de 1984 para assumir meu posto de professora de cravo e encontrei-me em uma situação difícil: sem instrumento para trabalhar e a Escola passando por problemas que culminaram com uma grande mudança em 1985 – a nova República e a nova direção da Escola de Música (Levino Alcântara afastado e Carlos Galvão como novo diretor).
1985 a 1997 1985 foi um ano muito importante no calendário dos músicos “barrocos”, com os 300 anos de J.S.Bach, Händel e D. Scarlatti. Foram organizadas várias “semanas” e “encontros”, tanto na Escola de Música como no Departamento de Música da Universidade e no auditório da Caixa Econômica Federal. Participei de vários “integrais”, por ex., sonatas para violino e cravo com Nicolas Merat, sonatas para flauta e cravo com Odette E. Dias, Nivaldo de Souza e Sidnei Maia, sonatas para gamba e cravo interpretadas ao cello por Guerra Vicente, as 15 invenções a 2 vozes e as 15 sinfonias, os concertos de cravo ( ré menor, fá menor, Ré Maior) o brandenburguês nº 5,
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o brandenburguês nº 4 com 2 flautas, o concerto tríplice em lá menor e também o concerto em do menor para 2 cravos com Felipe Silvestre. Nessa época ainda não dispúnhamos de instrumentistas “especializados” e toda a produção era realizada com instrumentos modernos. Durante o ano de 1986, devido à falta do cravo, meu trabalho se enfocou na interpretação das obras de J.S.Bach para professores de piano e alunos adiantados. Em janeiro de 1987, o 12º Curso Internacional de Verão não ofereceu curso de cravo, apenas interpretação da música barroca para instrumentistas em geral e, sobretudo, Bach para pianistas. Em 1988, juntamente com um grupo de professores da EMB, realizamos um Festival de Musica Antiga, com vários concertos, contando com a participação de professores e alunos, desta feita, recém chegada de Paris, Ana Cecilia Tavares interpretou, entre outras obras, o concerto em dó menor para 2 cravos de J.S.Bach (comigo). Nessa ocasião usamos nossos próprios cravos e espineta, pois a escola continuava sem instrumento. Em 1989, projetei o II Festival de Musica Antiga da EMB, para homenagear a Roberto de Regina, cujo programa incluía música francesa, alemã e inglesa, a participação de muitos professores e alunos da EMB e a presença de Roberto de Regina. A falta de verba e minha inexperiência fizeram com que este projeto não se realizasse. O Curso de Verão de 1990 ainda não pode oferecer curso de cravo, o instrumento ainda se encontrava no RJ para reforma. Nesse mesmo ano, Ana Cecilia Tavares e eu formamos um duo de cravos e nos apresentamos na EMB e no Teatro Nacional. Em novembro 1991 realizei com o flautista Sidnei Maia o integral das sonatas de flauta e cravo de J.S.Bach. Nos anos seguintes, 92, 93, 94, seguimos sem curso de cravo. Tanto Ana Cecilia Tavares como eu, seguimos trabalhando em outros setores da Escola, enquanto não podíamos recuperar o cravo. Em 1995 finalmente pudemos receber de volta o “nosso” cravo e pudemos começar a trabalhar em “ nossa área” e realizar recitais de alunos. Em 1996 o curso de cravo da EMB era oferecido apenas a alunos que já tinham conhecimentos musicais e nesse ano formei a “Camerata Antiqua”, grupo de cordas que trabalhava interpretação histórica com instrumentos modernos.Realizamos também uma Semana da Música Antiga. Em 1997, alunos iniciantes começaram a interessar-se pelo cravo e dada a falta de material didático específico disponível em Brasília, terminei por escrever um “Método de Cravo para Iniciantes” (aqui você já conhece os dois volumes editados). Nesse mesmo ano, organizamos um programa para o Curso de Cravo e mais uma “Semana da Música Antiga” com a participação de vários grupos então existentes: “Camerata Antiqua EMB”, “Duo Affetto”, Madrigal de Brasília, Tabula, e outros. Em final de 1997 pedi minha aposentadoria e deixei o trabalho da EMB nas boas mãos de Ana Cecília Tavares. Em janeiro 1998, antes de minha mudança a Buenos Aires, participei do XX Curso Internacional de Verão.
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Comunicação Eletrônica enviada por Maria de Lourdes Cutolo em 17 de junho de 2008
Meus estudos com Roberto de Regina
Em julho 1973 fui ao Curso-Festival de Inverno de Campos do Jordão para freqüentar os cursos de regência coral e de música de câmara, como pianista. Como o nível dos alunos de musica de câmara era muito baixo, nosso professor Henry Schuman (USA) me recomendou à direção para participar do concerto final dos alunos e Eleazar de Carvalho (diretor), escolheu (dentro de meu repertório), o concerto em fá menor de J.S.Bach. Aos dois dias desta escolha, fui chamada à direção, porque, o maestro "pensou" que seria muito mais apropriado um concerto de Bach ser tocado ao cravo e como Roberto de Regina estava trabalhando no Festival, o melhor seria que eu fosse "experimentar" o cravo e tratar de poder tocar nesse instrumento, que , a seu entender, (E.Carvalho), era o mesmo que o piano . . . . . ! ? ! R. de Regina me recebeu com muito carinho e depois de saber que eu deveria tocar o concerto em 20 dias, pediu-me para que me sentasse e tocasse a obra. Não sei se você pode imaginar a minha sensação, tratando de tocar nesse teclado pequeno, incômodo, esbarrando a cada 8ª, enfim, uma total “execução”!... Quando terminei, Roberto me disse: “bem, o concerto você sabe, agora, o que precisa, é aprender a tocar cravo”! A partir daquele momento, comecei a receber instruções. Primeiro, conhecer o instrumento "por dentro", para em seguida iniciar o aprendizado do “toucher”. Devo dizer que Regina foi extremamente dedicado, todas as manhãs, durante pelo menos 2 horas, se sentava a meu lado, estudando comigo e corrigindo as torpezas. Muitas vezes, tocava para que eu o ouvisse e também observasse suas mãos. Comento que o meu estudo com Regina, deu-se de uma maneira muito livre, a metodologia resumia-se às “necessidades do momento”. Dentro de uma semana de trabalho, eu comecei a "sentir" o instrumento e aí, o grande mestre me iniciou na Arte de Tocar Cravo, ensinando-me peças de F. Couperin e do livro de Anna Magdalena. Esses 20 dias de curso foram responsáveis pela total mudança na minha carreira e também em minha vida. Meu 2º encontro com nosso grande mestre deu-se em janeiro 1974, no Curso de Curitiba. Aí, durante um mês, pude estudar e aprender. Volto a dizer que comigo, não havia metodologia propriamente dita, a escolha do repertório se fundava sempre na música francesa: muito trabalho de toucher, ornamentação, estilo, sobre as próprias obras a aprender. A partir desse momento, entrei na fila de espera para comprar meu cravo modelo Taskin de R. de Regina. Durante 1974 até setembro 1975 eu fazia leituras de Couperin, Rameau, Scarlatti, Bach em meu piano e nunca fui ao Rio para tomar aulas, porque naquele momento, Roberto estava sem instrumento. Tivemos alguns encontros-aula em São Paulo, quando ele passava pela cidade e em setembro 1975 realizou-se o Curso de Huguette Dreyfus em São Paulo. Roberto incentivou-me a participar desse curso porque acreditava que eu seria escolhida para uma bolsa de estudos oferecida pelo governo de São Paulo, e assim aconteceu... Resumindo, gostaria de dizer que Roberto de Regina foi o mestre que me ensinou, entre tantas outras coisas, a amar o cravo e trabalhar com amor e dedicação, dessa maneira como ele sabe tão bem!
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Comunicação Eletrônica enviada por Edmundo Hora em 24 de outubro de 2007 O movimento do Cravo na Bahia se iniciou creio, nos anos 60 quando da fundação dos chamados Seminários de Música por Koellreutter. Há uma pianista e cravista da Escola de Música da UFBa que ainda vive e é dessa época. Chama-se MARIA ANGÉLICA BAHIA KOELLREUTER que foi para a Alemanha estudar cravo e voltou trabalhando em seguida por lá! A Escola de Música da UFBa foi uma das mais importantes, senão a mais importante à época, formando a maioria dos músicos e regentes atuantes da velha geração. Na Escola ainda tem um cravo de 2 manuais construído creio na Suíça e na cor verde. Posso me informar. Este instrumento está parado já faz muitos anos. Talvez mais de 30, pois quando eu lá estudei, já não tocava mais! (1975) Esta senhora (Maria Angélica) comprou um cravo pequeno do Roberto! Também uma outra professora chamada Celina tinha um cravo pequeno dele. Por causa das atividades do conjunto Anticália dirigido por Maria do Carmo Corrêa, foi comprado dois cravos (os que eu falei na mesa do Roberto) Um grande de 2 teclados e um pequeno. Eu imagino que estes instrumentos hoje estejam em Minas e BH, pois Maria do Carmo voltou para lá e creio, já faleceu! Também o Instituto de Música da Universidade Católica do Salvador, comprou um cravo pequeno do Roberto. Lá tem ainda um Cravo Grande Neupert modelo Bach, se não me engano e que toca quase nada! Hoje (a partir de 1989/90), tem mais dois cravos um de 2 manuais da Escola de Música da UFBa feito por Abel Vargas e um outro igual de um ex-aluno e hoje professor da mesma: José Maurício Brandão, que está fazendo Doutorado nos USA em regência! Este é mais ou menos o panorama de Salvador! Não se esqueça da Ingrid Müller Serafim, professora da Escola de Música de Curitiba. Nos anos 70, ela também já dava aulas de Cravo por lá e ainda vive pra contar a história! O Roberto fez muitos Cravos em Curitiba! Em BH há muitos cravos a maioria feitos por Abel. Ema Aracajú tem um cravo lindo no Teatro da Orquestra Sinfônica. Em Recife tem dois grandes do William e são bem bonitos! Em Fortaleza tem um do Abel! Na Paraíba deve ter também, pois lá está uma ex-aluna que já fez Doutorado. Heloisa Muller casada com um tiorbista e são professores lá! Belém, Manaus, e por ai vai!
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Comunicação Eletrônica enviada por Edmundo Hora em outubro de 2008 Quanto às informações: Maria Angélica foi esposa de Koellreutter quando este esteve implantando os famosos "Seminários de Música" da UFBa. (Final dos anos 50 início dos 60?). Ela estudou na Alemanha e posteriormente trouxe um Cravo com dois manuais - quase uma réplica histórica para aquele momento! Imagine que ele tem pátina esverdeada como os cravos dos anos oitenta. Este instrumento faz parte do acervo da atual Escola de Música da Universidade - apesar de não soar desde o tempo em que eu ingressei na mesma, 1975. Uma pena! A atividade ali (com ele) foi muito frutífera com muita música de Câmara. Ao que parece, havia um curso de Cravo que ficou sob sua responsabilidade por anos. Posteriormente, comprou-se um instrumento com um manual do R. de Regina - (não toca mais - deu cupim!). Anterior ao ano de 75, Maria Angélica lecionou também (além de Piano até hoje na UFBa!) Cravo no Instituto de Música da Universidade Católica de Salvador que comprou por incentivo da Maria do Carmo Correa - um Cravo Neupert com muitos pedais e dois teclados, o modelo padrão - que na época foi importado pela famosa loja de Departamentos "Mesbla". Maria do Carmo comprou também para ela própria, 74? dois cravos - com um e dois manuais do Roberto que eu me lembro de ter ajudado a colocar as cordas para o Concerto de inauguração. Deste curso e movimento ex-colega chamada CELINA, também comprou um Cravo do Roberto e se não me engano, fizeram o Concerto a 3 Cravos em ré menor de Bach. Sim, foi isso mesmo! O Anticália só tinha mulheres! 7. Uma colega: SELMA ALBAN (pianista, hoje médica formada e também professora de História da Música no Instituto de Música - estudou com Maria Angélica e tocou algumas vezes no conjunto), inclusive Organetto. Antes de elas terem acesso a um cravo (de verdade) elas bolaram uma saída para assemelhar a sonoridade adequada - colocando tachinhas de metal nos pequenos martelos de um (lindo) piano para criança, feito por uma Fábrica Brasileira de Pianos. Me lembro de ter ficado fascinado com esta possibilidade e efeito. Tocavam: Bárbara Maria Araújo - flautas doce, (Krummhorn) [...] - saltério de arco. (falecida). Conceição Perrone (o mesmo que a anterior), Maria do Carmo Correa - (o mesmo, porém não tocava saltério!), que dirigia os trabalhos. Cristina Tourinho - Violão tradicional, (mais tarde alaúde?), Cândida Lobão - cello e canto. Renata Becker - canto (meio soprano). Selma Alban - cravo, flautas e Organetto Neste período elas tocaram também música contemporânea e me lembro (foi quando tudo começou na minha vida musical!), que a compositora baiana Alda de Oliveira, mulher de Jamary Oliveira, ambos Doutores em Música pelos USA, lecionaram na Escola da UFBa. Hoje aposentados, atuando eventualmente na Pós e ABEM. Ela - ALDA OLIVEIRA, compôs uma peça incluindo PRATOS DE PORCELANA - que tocou eu e o futuro marido da SELMA - a cravista MANOEL JERÔNIMO (pianista, geólogo - professor da UFBA e Doutorado em Paris). Elas gravaram um LP com Modinhas Brasileiras no qual participou o Helder Parente ao canto e que teve a curadoria musical do Prof. Dr. MANUEL VEIGA - que hoje dirige o NEMUS - Núcleo de Música da UFBa.
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Comunicação Eletrônica de Samuel Kerr enviada em 17 de junho de 2008. Estou emocionado com as suas solicitações. Será uma maravilha que tudo isso, fotos e programa de 17 de julho de 1961na Pro Arte em SP, e alguns depoimentos meus, possam fazer parte da sua dissertação. Entretanto não estou dando conta de levantar tudo que eu considero importante. Veja lá: Carolyn e Gustav Rabson precisam ser citados. Gustav era professor de matemática no ITA lá em São José dos Campos e o casal tinha um cravo tipo "kit" que n'algum ano da década de 1960 ficou na minha casa durante uma viagem longa do casal, o que foi um privilégio e um grande impulso pro meu interesse pelo instrumento. Tocavam flauta doce, especialmente a Carolyn e ela agitou muito o meio musical em SP enquanto aqui esteve e, no 1º Festival Internacional de Curitiba, em 1965, sob a direção de Roberto Schnorrenberg ela foi professora e solista de flauta doce. Outra citação importante é o nome de José Masano, pai do oboista Salvador Masano que, a partir dos "kit" começou a construir cravos em São Paulo e chegou a fazer, no final de sua vida um cravo de 2 teclados. O Masano filho me disse que um cravista de Uberlândia escreveu um texto sobre o José Masano, pai. As fotos do Heller que estou anexando, tiradas no mesmo dia do programa de encerramento do seu primeiro curso em SP, em 1961, traz na foto 01, agachados na primeira fila, da esquerda pra direita, David Machado, Regina Schlochauer e Flavio Campos; na 1ª fila em pé, sempre da esquerda pra direita, Marilena Emmerich, cantora que só assistiu o concerto final, eu, Maria Helena Silveira que se tornou grande aluna do Heller, um barbudo que não me lembro o nome, Helga Schlunk de Röhn e uma senhora de branco que não sei quem seja. De pé no alto do grupo, sempre feliz, o Heller! Na foto 02, o Heller ao cravo rodeado dos alunos Regina Schlochauer, David Machado, eu, Helga, e a que não sei ainda, a de branco, Flavio Campos e atrás está o Eduardo Andrade. Na foto 03 está o Heller tocando. O cravo, eu não me lembro se era dele. A Pro Arte só trouxe o Neupert que estava no Rio, depois do sucesso cravistico que o Heller provocou em SP. Depois tem o programa daquele dia, Divirta-se. Tiche Punttoni está disposta a conversar com você. Ela é cravista do grupo Klepsidra e sempre que foi à Europa teve aulas com o Heller. Em SP ela estudava com a Maria Helena Silveira. Dona Alda foi ser professora na Pro Arte em SP depois do curso do Heller. Que saudades de "Mein lungen Leben hat ein End" do Sweelinck que estudei com ela.
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Comunicação Eletrônica de Helena Jank enviada em 16 de junho de 2008. 1 - Minha mãe: a principal dúvida foi quanto à data da vinda do primeiro cravo, não é? Pois encontrei aqui em casa um livro que fala sobre isso. A autora é Charlotte Ramin, esposa de Günther Ramin, o Kantor da Igreja de S. Tomas (aquela em que Bach trabalhava), que veio ao Brasil com o coro dos meninos. Ela relata a viagem à América do Sul que fizeram com os meninos cantores. Foi em 1955. Eles vieram com o coro. As partes de solistas foram cantadas por pessoas do próprio coro e a orquestra foi montada com músicos locais. Charlotte relata: "... Um círculo de amadores alemães, que vivem na América do Sul, desenvolveram com muito
sacrifício, [...] e grande idealismo um movimentado ambiente musical. Também os músicos, em
sua maioria, eram alemães e para Ramin foi uma grande alegria fazer música com essas
pessoas tão comunicativas e dispostas a colaborar . Nos ensaios, regendo do cravo, ele
transmitia suas intenções interpretativas com grande vivacidade, fazendo com que esses
momentos se tornassem prazerosos, tanto para eles mesmos, quanto para os ouvintes que por lá
estivessem. O cravo, que na verdade havia sido emprestado pela firma (Neupert), não voltou (para a Alemanha), mas foi comprado por particulares. (RAMIN, Charlotte. Günther Ramin:
ein Lebensbericht. Freiburg, Atlantis, 1958) Bem, o que tenho é isso. A viagem deles (com o cravo) começou na Argentina. Vieram para o Brasil trazendo o cravo. O livro não diz, mas quem comprou o cravo foi minha mãe. Günther Ramin morreu logo no ano seguinte a essa viagem. O livro foi publicado em homenagem ao seu aniversário de 60 anos (1958) e foi baseado em anotações que Charlotte fez durante a vida toda (ela escrevia muito bem). Não sei a partir de que data o Roberto de Regina já construía cravos, de maneira que não sei quem veio antes: o cravo da minha mãe ou algum já construído pelo Roberto - mas acho que isso você já deve saber. De resto, infelizmente não tenho nenhuma informação documentada - tudo vai por conta da minha memória, ou de pessoas que conviveram com a minha mãe. [...] Estou tentando criar coragem e começar uma série de entrevistas com pessoas que conviveram com ela, para tentar resgatar um pouco dessa história. 2 - UNICAMP – o curso de cravo na UNICAMP existe desde a criação do curso de música (1979). Antes, já oferecíamos cursos de extensão, em música de câmara e baixo contínuo. Hoje, a música tem graduação em cravo, (música de câmara e baixo contínuo fazem parte obrigatória do currículo. Na Pós-Graduação, tem mestrado e doutorado - vou mandar o programa da graduação em anexo do e-mail).
Campinas, 15 de junho de 2008.
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Comunicação eletrônica de Helena Jank enviada em novembro de 2008
Mando a ficha técnica do Festival. Como você vê, a Maria Lúcia Nogueira não aparece como coordenadora, mas na verdade foi ela e o marido dela - Dalmo Nogueira - que idealizaram o festival. Ela fez os contatos com a Profa. Huguette.
ANEXO 3
PERGUNTAS E RESPOSTAS REFERENTES AO CAPITULO 5
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Pergunta: Que habilidades devem ser adquiridas por alguém que deseja se tornar um cravista profissional?
Respostas (via correio eletrônico):
Professores
P1) 03/06/2008 Acho que as habilidades devem incluir: - grande concentração e dedicação nos estudos - necessários para qualquer profissão; - interesse pela pesquisa, sem a qual não se pode tocar o repertório barroco adequadamente; nada é por acaso, cada acorde tem um significado"; é preciso levar isso em conta. P2) 03/06/2008 Técnica específica, conhecimento e tentativa de conhecer seu corpo e sua mão, para construir um som bonito, com uma articulação de pensamento clara, para ele e para quem o vai ouvir; conhecimento de estilo, como uma característica respeitável e imprescindível da música que está sendo tocada. Falo do “ornamento”, taquigrafia do instrumento, e do que ele pode significar, como característica de um povo ou uma época; procuro fazer com que ouçam, por sua conta e risco, as mais diferentes opiniões e interpretações, louváveis ou estapafúrdias. Acho que devo dar todas as informações que possua e chamar a atenção para todas as direções, independente da confusão gerada, para que o aluno tome conhecimento do maior número de variáveis. Creio ser importantíssimo, indispensável, participar de eventos, festivais, aulas com diferentes professores, tocar para outras pessoas. E depois ele escolhe seu caminho. P3) 07/06/2008 Alguns quesitos são óbvios, como técnica, conhecimento de baixo-contínuo, capacidade de improvisação, conhecimento e prática de diversos temperamentos (que o permita escolher o mais adequado a cada repertório) e alguma musculatura para carregar o cravo (o que sempre acabamos fazendo...), imagino que tenham sido citados por todos. Considero ainda que um cravista não deva conhecer somente o repertório que normalmente é executado no instrumento (basicamente sécs. XVII e XVIII e alguma coisa do séc. XX), mas que seja antes de mais nada um músico profissional, e que possua um conhecimento amplo sobre música. Para um profissional, considero a ética também fundamental, no relacionamento com os colegas, com o público, e com a música.
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P4) 08/06/2008
� Domínio técnico do instrumento. Para isso passar pelo desafio de praticar e vivenciar o repertório disponível para cravo visitando as várias escolas e estilos. Se permitir conhecer as várias linguagens e abordagens de professores diferenciados.
� Capacidade investigativa para adquirir conhecimentos históricos e musicológicos que proporcionam uma ampliação dos atributos interpretativos.
� Ter um bom instrumento musical. � Buscar conhecimentos técnicos para o manuseio de pequenos reparos do instrumento. � Mesmo que não goste tem que se preparar com o desafio permanente da afinação do
instrumento. � Formar uma “partiteca” composta de amplo material musical e “Discoteca” variada,
procurar ouvir o que tem disponível e as novas tendências. � Como grande parte do repertório é camerístico ter disponibilidade de trabalhar em
conjunto, buscando adequar-se ao ritmo, interpretação, idéias, valores, estilos das pessoas, etc..
� Tem que vencer o desafio do registro musical em CD ou DVD do próprio trabalho, na carreira profissional.
� Organizar os materiais didaticamente, porque a área pedagógica é quase certa na carreira de todo músico, e com certeza todo cravista profissional será professor.
� O músico profissional de forma geral tem que tocar muito, seja, sozinho, em dupla, trio, ou em muitos...sempre! Sem medo e com prazer! E não ter preconceito musical! Deve procurar ouvir muita música, além dos seus limites estéticos...
� Trocar vivências com outros cravistas procurando se atualizar sempre participando dos festivais, cursos, simpósios, etc.
� Ter conhecimentos básicos de produção cultural porque para fazer um concerto e ganhar dinheiro com isso no Brasil depende de estratégias executivas, que, na maioria das vezes, não temos agentes nem produtoras profissionais, e dependerá do próprio músico escrever e vender projetos de espetáculos.
� Procurar atividades ou técnicas de relaxamento corporal para enfrentar o palco. P5) 14/06/2008 Devo responder a pergunta: "Que habilidades devem ser adquiridas por alguém que deseja se tornar um cravista profissional" com uma abordagem um pouco diferente. Se o caso fosse de alguém que começaria seu estudo de musica diretamente no cravo, diria que bastariam, talento, perseverança, um excelente mestre e um ambiente favorável para desenvolver suas habilidades (por ex: já que para realizar bem o baixo continuo é necessário também ter a oportunidade de poder acompanhar músicos excelentes, já que a essência da música antiga está na música de câmara.). Gostaria de acrescentar que acredito que nenhuma restrição de repertório deveria ser feita para quem inicia um instrumento, algo que acaba acontecendo se iniciamos nossa formação diretamente no cravo. Analisando o grupo de pessoas que tocam algum tipo de teclado e que resolvem especializar no cravo, percebemos que o contingente maior (diria 95%) vem do piano. Assim sendo talvez a pergunta poderia ser por ex.: "Como alguém que vêm do piano pode se tornar um cravista"
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("professional" ou "amador" entraria assim em um outro tipo de discussão). Essa pergunta eu posso responder não só como professor mais também como cravista, já que minha experiência anterior ao cravo vêm do piano e minha opção pelo cravo foi estética. Para tentar aprender a tocar o cravo vindo do piano, deveria ser simples, bastaria ser um bom pianista. Claramente isto acaba não sendo suficiente. Por questão da formação acadêmica e muito rígida dos pianistas acaba sendo muito difícil adquirir estas faculdades, tão necessárias para o cravista, e que o pianista normalmente não desenvolve: flexibilidade e rapidez. Flexibilidade: por causa da linguagem (interpretação excessivamente rígida do texto, dificuldade na improvisação) Rapidez: (essencial para o baixo continuo: ler cifras, realizar a harmonia, acompanhar e ainda fazer musica requerem reflexos rápidos). Deixo no final uma pergunta em aberto: será que a formação pianística deveria ser diferente, incluindo um estudo paralelo de cravo com o aprendizado do baixo continuo em uma fase intermediária do estudo? P6) 14/06/2008 A flexibilidade na maneira de tocar é algo muito importante na performance de um cravista, pois além de propiciar um melhor desempenho técnico, auxilia muito a realização dos ornamentos, presentes em quase todo o repertório escrito para este instrumento. -- O cravista deve se preparar para uma carreira dupla pois seu desempenho deverá ser bom tanto como cravista quanto como camerista. Como solista, o músico deverá dominar bem o instrumento no sentido da musicalidade, agilidade, técnica, criatividade, toucher, segurança rítmica, fraseado e domínio próprio diante do público. Como camerista, o cravista deverá ter, além da musicalidade, segurança rítmica, agilidade e leveza, a prática e o domínio na realização do baixo cifrado, conhecendo bem suas regras e características, pois a maior parte do repertório camerístico que envolve o cravo foi escrito para diferentes instrumentos e Baixo contínuo. O cravista deve submeter-se à parte do solista com criatividade, flexibilidade e segurança, procurando enriquecer (sem exageros) e valorizar a música escrita pelo compositor abordado, assim como a interpretação do instrumentista ao qual acompanha. Também a prática da leitura em diferentes claves é imprescindível para uma boa formação. -A técnica é muito importante e deverá proporcionar agilidade, leveza de toque e clareza nos ornamentos. Uma boa abertura de dedos é importante principalmente nos prelúdios Non Mesurés
e outras peças francesas, assim como certas fugas de Bach, dentre outras peças. -- A leitura de livros e tratados que abordem a maneira de tocar da época, assim como a História musical dos períodos abordados e suas características, são muito importantes. -- O cravista deve conhecer bem os diferentes estilos da época como, por exemplo, os estilos francês, italiano, alemão, inglês e outros, guardando sempre a consciência de suas características, mudanças e maneira de tocar. O "Bon gout"deve ser procurado e aprimorado em todos os momentos da vida de um cravista. Um aspecto interessante seria, por exemplo, o da interpretação de uma Toccata italiana ou também o uso da inegalité nas peças francesas. -- O cravista deve analisar a peça abordada, transmitindo sempre o afeto nela contido e seu toque deve ser direcionado para a este sentimento, idéia, com total consciência e musicalidade.
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15/06/2008 O cravista deve... meu Deus quanta coisa, quanto deve. Isso sem falar das transposições, improvisações etc. P7) 15/06/2008
Para se tornar um cravista profissional, há que se ter muita determinação e dedicação. Entretanto, há um aspecto que considero essencial, não só a cravistas, mas a todos os músicos, há que se definir em qual dos dois aspectos seguintes se quer estar: do lado dos que servem à música ou dos que se servem da música. Ao se definir isto um grande passo é dado. Não acredito que haja um lado melhor ou pior, nem penso que seja "pecado" se servir da música, só que a resultante final vai ser diferente para cada um dos lados. Esse trabalho quase missionário a que dedicamos a vida requer uma postura de guardiões de uma arte que pode se perder.
Resgatamos, ou pensamos que resgatamos essa arte e mesmo como cegos tomamos posições defendendo cores e formas que, como no mito da caverna de Platão, apenas supomos. E assim se formam as escolas, e assim se formam as "autoridades" (tenho verdadeiro horror dessas autoridades!!!) que se acham donos da verdade. Ora, tal verdade é o reflexo do entendimento de um código deixado muitas vezes em forma de tratado. Devemos saber que num período de comunicação lenta, cada região tinha seus próprios valores estéticos. Devemos saber, também, que o entendimento de tal código depende da profundidade intelectual de quem o lê. Muitas vezes nossas mais "famosas autoridades" não tem um alcance intelectual profundo, ou por interesses pessoais fazem aqui e ali uma pequena maquiagem nos códigos ou simplesmente lêem errado mesmo...
P8)16/06/2008 A formação técnica básica é imprescindível na medida em que ela possibilita o desempenho sobre o instrumento. A facilidade na leitura à primeira vista favorecerá a atividade do acompanhador na execução do Baixo contínuo e sua atividade diária. Os conhecimentos estilísticos e o discernimento estético favorecerão a busca por uma atuação dinâmica e "expressiva", contribuindo sobremaneira para a diferença no resultado final do trabalho. Deve-se sempre pensar a música fazendo música - o que envolve todos os seus atributos! P9) 16/06/2008 Eu comecei a escrever pontos importantes para os alunos e também para os professores. Acredito que estudar muito é a base para as pessoas que querem se tornar bons profissionais. A honestidade e a ética são muito importantes também. Cada pessoa tem uma realidade de vida diferente, portanto vai construir o seu caminho de acordo com as possibilidades que surgirem.
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*Leia a lista abaixo e escreva, caso tenha mais alguma dúvida ou queira fazer alguma observação. 1. ALUNO - Acompanhar cantores e instrumentistas (música de câmara ajuda muito no desenvolvimento musical!); - Aprender línguas (inglês, francês, etc.); - Estudar cravo em um Conservatório ou com prof. particular antes de ingressar na Universidade; - Estudar sempre repertório solo e baixo contínuo; - Ler: livros, métodos, prefácios de partituras, tratados; - Participar de master classes; - Anotar tudo que já estudou (isso ajuda a ter uma idéia do que precisa ser estudado). 2. PROFESSOR - Estudar - parte teórica e prática; - Interagir com outros profissionais; - Ter a mente aberta; - Atividades: aulas, cursos, concertos, acompanhamentos, palestras, gravações. P10) 16/06/2008 (o documento data de 15/06)
� Um cravista profissional precisa dominar a técnica de maneira a ser capaz de tocar o repertório de vários períodos do barroco, desde Monteverdi, Frescobaldi, etc. até Bach, Händel , pré-clássicos e também música contemporânea. Digo que precisa ter técnica para isso, não que necessariamente tenha que tocar todo esse repertório. Mas acho que não tocar um certo repertório deve ser por uma opção pessoal e não por deficiência técnica.
� Saber fazer razoavelmente bem um acompanhamento de baixo continuo, com ou sem cifras, com conhecimento do estilo correto para cada tipo de repertório.
� Fazer muita música de câmara, exercitar a música em conjunto, seja com grupos pequenos, ou orquestras maiores.
� Gostar de pesquisar – estudar os textos de época hoje em dia é essencial para conseguir uma interpretação correta e interessante.
� Ter a cabeça aberta para novas propostas de técnica e interpretação, mas também não desprezar os ensinamentos mais “antigos”. As informações se alternam com tanta velocidade, que não dá mais para ficar agarrado a uma única “escola” – acho que os melhores cravistas que apareceram recentemente são aqueles que não ficaram presos a certos conceitos, mas fizeram uma síntese de tudo o que foi experimentado para desenvolver um estilo próprio e original. Nesta mesma linha, acho importante não desprezar as propostas dos mestres “antigos”. Os conceitos mudam, mas a música (original) permanece, independentemente da interpretação que cada artista pode dar a ela.
� Respeito: lembrar sempre que a música é infinitamente maior e mais importante do que os seus intérpretes. Estar preparado para tocar sempre com a melhor qualidade possível, dando o melhor de si – preparar cada concerto, cada ensaio, cada apresentação como se fosse o momento profissional mais importante da sua vida.
� Principalmente aos cravistas: colaboração mútua e respeito pelos colegas. Nossa classe profissional é muito pequena e tão sofisticada que já por definição tem poucos interessados, principalmente entre produtores e patrocinadores. Para sobreviver, os
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cravistas tem que estar muito unidos, colaborar muito uns com os outros, trabalhar com espírito positivo – nunca contra os outros colegas – para defender a “categoria”. Aproveitar as poucas oportunidades para si, mas também para os colegas.
P11) 02/07/2008 - Habilidades necessárias ao conhecimento e uso da técnica instrumental para uma boa execução musical – no caso do cravo, habilidades específicas para um instrumento de teclado. - Desenvolvimento de uma apurada acuidade auditiva na percepção e apreciação de variadas sonoridades, diferentes articulações e técnicas do “touché”, sutilezas timbrísticas. Esse desenvolvimento deve ser aliado a um trabalho técnico que possibilite ao instrumentista a obtenção desses diversos modos de execução. -Boa leitura, bom senso rítmico. - Conhecimento de baixo-contínuo - Compreensão musical – capacidade de análise(como para qualquer outro músico), percepção da obra como um todo, e de cada uma de suas partes(diferentes instrumentos) no caso das peças para conjuntos. -Interesse em pesquisas – conhecimento da bibliografia específica, tratados de época, estudos mais recentes, em busca de fundamentos para compreensão dos diferentes estilos e técnicas de execução. - Desenvolvimento de uma boa técnica e do conhecimento dos fundamentos para uma boa interpretação. Nas atuações em conjunto, em pequenos grupos de câmara ou como contínuo de orquestra, o cravista deve ter também as habilidades necessárias para atuar como elemento de união, no sentido harmônico e rítmico. -Bom conhecimento do instrumento – funcionamento, manutenção simples, afinações. Tenho observado nos alunos que escolhem o cravo um gosto especial pela sonoridade do instrumento, pelo repertório (com algumas preferências de época, naturalmente), pelas combinações com outros instrumentos barrocos, pela música vocal dos períodos abrangidos. São em geral pacientes no trabalho minucioso dos diferentes dedilhados, articulações, fraseados. Alguns, entretanto, embora gostem do instrumento, não conseguem ser tão perseverantes. P12) 09/07/2008
1º : ter talento e haver estudado com mestres sérios
2º : ser disciplinado
3º : trabalhar constantemente
4º : estar sempre atualizado com as novas publicações
E acima de tudo VIVER SEMPRE COM OTIMISMO E AMAR A CARREIRA ESCOLHIDA.
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Intérpretes I1) 11/06/2008 Bom, nunca pensei conscientemente sobre o que eu acho necessário pra ser um cravista profissional, mas vou tentar fazer uma listinha: - bom entendimento de música, tanto da parte técnica quanto da parte intuitiva, mas acho q isso vale pra qualquer músico... - boa técnica, sólida e funcional; - conhecimento razoável de repertório, especialmente se levarmos em consideração que dar aula pode ser uma parte importante do nosso trabalho; - ótimo conhecimento de baixo contínuo, harmonia, realização de cifras, estilo, instrumentação etc, já que isso é o que a gente mais faz; - ter bom ouvido e estar bem preparado para tocar música de câmara (saber como ensaiar em conjunto, como tocar em conjunto); - e uma coisa muito importante, mas que pouca gente tem (como eu por exemplo...) é saber fazer um bom marketing pessoal, pra conseguir concertos. É isso que eu consigo me lembrar agora. Devem ter mais pontos que a gente só percebe em determinadas situações na vida prática, mas acho q isso é o essencial.
I2) 12/06/2008
Quanto a sua pergunta, acho que a primeira habilidade e mais importante a ser adquirida é a do toucher do instrumento. Para mim, esta habilidade seria 80% de tudo que você precisa para tocar bem o instrumento, mas, para isto, te exige praticar muitos exercícios de técnica para desenvolver o legato, o staccato e o over legato.
Minha cara Clara, tenha em mente que a sonoridade do instrumento está diretamente ligada à qualidade do toucher do cravista! Já vi muito cravista que tecnicamente é perfeito, mas tira uma sonoridade feia e agressiva no instrumento!
Outro ponto importante seria o estudo da retórica e da teoria dos afetos! Pois este instrumento nos exige articulações muito bem feitas para conseguirmos uma melhor compreensão de nossa intenções interpretativas!
Outro aspecto necessário, não só para cravista, mas para todos os instrumentistas de música antiga seria o estudo e prática das danças antigas.
Já para a prática de música de câmara, é fundamental o estudo do baixo contínuo.
I3) 14/06/2008 Acredito que as habilidades principais são as comuns aos intérpretes de qualquer instrumento musical que deseje se profissionalizar, ou seja, atingir um nível técnico condizente com o
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repertório do instrumento, ter uma boa e ampla formação musical e cultura geral que possam embasar o trabalho prático propriamente dito. Mais especificamente, o cravista necessita de boa informação a respeito da história e da mecânica do instrumento, sua inserção nos contextos histórico e social do período no qual se criou a maior parte do repertório, e certa habilidade para lidar com imprevistos do instrumento, tais como problemas de afinação, fragilidade de componentes, etc. Musicalmente, a habilidade mais constantemente requerida de um cravista é a realização de baixo contínuo, portanto essa parte deve ser bastante valorizada. Saber tocar em conjunto e ter uma grande segurança rítmica são qualidades essenciais ao camerista, que acredito seja a função mais constante de um cravista. I4) 15/06/2008 Tendo em vista o desenvolvimento de minha carreira, o que tenho a sugerir e' que cravistas procurem ter um conhecimento global das artes em cada período e nacionalidade do grande repertório cravístico. Mais precisamente, que procurem informar-se a respeito de danças históricas, principalmente as do período barroco, já que as varias formas de dança são inerentes ao repertorio cravístico dos séculos XVII e XVIII. Ousem deixar a 'pratica ritualística dos dedos' por alguns momentos e ponham-se a dançar, pesquisar tratados de dança, informar-se a respeito das notações de tempo originais marcadas para 'Chronometre', etc...Meu tocar mudou fundamentalmente no momento em que passei a pesquisar e praticar as danças antigas. I5)16/06/2008 As habilidades que um cravista tem que adquirir são muitas como eu oriento minha atividade profissional como um todo a partir do ponto de vista do órgão, o cravo para mim é um segundo instrumento que eu utilizo parcialmente, visto que não sou continuista e acabo fazendo pouca música de câmera não posso deixar de fazer comparações o órgão é aquele objeto imóvel, sisudo, que pertence a outrem, que está em um espaço público e que eu posso, de quando em quando visitar, tocar, utilizar o cravo é aquele objeto do uso individual, da casa, da intimidade, da flexibilidade, da negociação... o que se adquire nessa experiência é a possibilidade de agir de forma diferenciada... Comecei meus estudos com o piano, passei para o órgão e só depois fui para o cravo e mais tarde ainda para o fortepiano e o clavicórdio hoje tenho todos os instrumentos, portanto é difícil me ater a um deles, pois fora o piano que acabei abandonando, toco todos os outros vejo a carreira, o estudo e a técnica de forma muito comum a todos os teclados lamento não termos no Brasil cursos mais abrangentes enfim, um cravista barroco tocava no mínimo um pouco de órgão e bastante de clavicórdio, você não acha?? Tecladista era tecladista, não cravista!! Nossos cursos são tão especializados que os cravistas sequer conhecem o repertório que os cravistas/ organistas escreveram para outros instrumentos de teclas. As habilidades a serem adquiridas são, na minha opinião de um caráter amplo - é preciso ter uma visão longa e ampla, é preciso ter uma técnica sem restrições, é preciso aprender algumas línguas, é preciso tocar diferentes instrumentos, é preciso ler muito, é preciso conviver com culturas diferentes.
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Se formos nos prender à técnica pura, é preciso estudar métodos antigos de todos os tipos... adquirir bons dedos, conhecer um vasto repertório No entanto a técnica é apenas a forma de dar condições aos pensamentos e idéias se expressarem nessa medida quanto melhor e mais desenvolvida for a técnica, mais condições a pessoa terá de ser expressiva em muitas direções. Gostaria de falar mais, mas estou no limite do meu tempo. 17/06/2008 Me ocorre uma coisa: Acho que essa questão da exclusividade dos teclados é o maior erro em que podemos incorrer se quisermos entender música antiga de forma mais próxima do original. Os cravistas não eram cravistas - eram músicos veja Bach - todos seus alunos eram tecladistas em primeiro lugar todos tocavam teclados - todos eles o único método de aprendizado que Bach desenvolveu foi dedicado aos teclados!! Violino se estuda depois do teclado, canto também, regência e composição idem, flauta, nem se fala nenhum músico deixaria de tocar um teclado, se quisesse ser um bom músico os teclados eram a base de tudo, eram os instrumentos onde se aprendia polifonia!! afinações, formação de acordes, escuta simultânea, etc.. Agora teclado quer dizer, teclados - todos eles! clavicórdio sem dúvida em primeiro lugar, depois cravo e órgão quando chegaram os fortepianos, eles entraram no processo imediatamente portanto, um desafio para nossa geração super ocupada é tentar pelo menos conhecer os outros instrumentos de tecla I6) 17/06/2008
� Primeiro obviamente parto do princípio de que a pessoa em questão possuirá uma técnica tecladística de bom nível que lhe permita encarar diferentes repertórios e estilos sem ter que partir sempre das dificuldades técnicas que estes possam apresentar.Com isto penso em boa leitura, técnica que permita a execução de passagens rápidas, clareza de toque e sutileza de articulação, além de sensibilidade para responder aos toques e respostas de diferentes instrumentos.
Além das habilidades puramente técnicas um bom conhecimento do contexto do instrumento e de sua música, sem o qual, a meu ver não é possível executar o repertório de forma completa, como por exemplo:
� Conhecimento dos diversos tipos de cravos, das suas diferenças de sonoridade e dos repertórios aliados a estes tipos de instrumentos; conhecimentos das variações de ornamentação e dos estilos de cada escola nacional, dentro do possível;
� Um conhecimento básico do órgão como instrumento, uma vez que grande parte dos cravistas executando contínuo virá fatalmente a ter contato com um órgão positivo;
� Exatamente por esta razão precisar possuir boas noções da técnica de baixo contínuo, se não for possível dominar bem a teoria.
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Alunos:
A1) 25/05/2008 Em primeiro lugar, acredito que o cravista deve ter preparo técnico e conhecimento estilístico para executar o repertório. Também deve estar apto a trabalhar diferentes repertórios, tanto como solista quanto como camerista, procurando se adequar ao mercado, principalmente ao brasileiro. Mas acho que o mais importante é estar pronto a tomar decisões a respeito do que e de como tocar. Fazer escolhas quanto à interpretação da peça e estar preparado para assumir publicamente essas escolhas. Essa segurança é tanto maior quanto os conhecimentos adquiridos com o estudo do instrumento. Acho também que para ser visto como um bom profissional é importantíssimo uma noção total de limites, do que é possível ou não ser tocado com o conhecimento adquirido até então. A2) 29/05/2008 Eu ainda não sou profissional, mas estou tentando adquirir intimidade com o instrumento, disciplina, boa sonoridade, compromisso com a musica, ser cuidadosa com os detalhes. O meu primeiro passo foi reconhecer que cravo não é piano, não adianta tocar da mesma maneira que não funciona, tem começar do zero. A3) 03/06/2008 Bom, em primeiro lugar, deve-se ter em mente que qualquer pessoa que se interesse pelo instrumento em questão pode desenvolver as habilidades necessárias para se tornar um bom cravista. Deixo claro que boa parte das habilidades que listarei são de extrema importância, não apenas para se tornar um bom cravista, como para se tornar um bom músico. Acredito que é essencial, por exemplo, desenvolver uma escuta refinada, não apenas no que se refere à percepção musical, mas, também, às articulações e à sonoridade, questões fundamentais para a interpretação. O conhecimento do contexto histórico, bem como das outras manifestações artísticas (literatura, artes plásticas, etc...) contemporâneas ao compositor ajuda, sem dúvida, a melhor compreender a obra do mesmo. No caso da música antiga, em que os estilos diferem bastante de acordo com o país de origem ou residência do compositor (estilo francês, alemão, italiano, etc...), é também, aconselhável informar-se sobre a cultura e, se possível até mesmo estudar o idioma do país. A língua reflete muito do modo de pensar e, pode-se dizer, até, da personalidade da população. Isso fica ainda mais nítido nos estilos de música barroca, onde a música é fortemente ligada ao texto. Portanto, pode-se dizer que a leitura é uma atividade obrigatória para aquele que deseja tornar-se um bom cravista. Outro aspecto bastante levado em conta quando se fala sobre cravistas é o domínio da técnica do baixo contínuo. Bom, esse domínio só é adquirido por um meio: a PRÁTICA. Quanto mais exercícios (encadeamentos de acordes, seqüências, transposições , leituras...) são feitos, mais se fica familiarizado com a harmonia (e até mesmo com a própria "linguagem"do baixo contínuo se é que se pode dizer dessa forma), dando espaço à criatividade, por meio da ornamentação. Em
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poucas palavras: só quando se sabe "para onde se vai" é que se pode ornamentar.Ainda em relação ao contínuo, constata-se que a maioria dos estudantes que começa a aprender a técnica já possui um conhecimento razoável de harmonia, o que, em certa medida, é muito bom, principalmente no que se refere à visão geral da peça. Todavia, deve-se encorajar o estudante a pensar os acordes como intervalos subordinados a um baixo, evitando fazer relações o tempo todo com outras técnicas de análise harmônica, o que pode prejudicar (diria mesmo complicar) a familiaridade com a linguagem e o desempenho da realização (por exemplo, o estudante pode não desenvolver satisfatoriamente a capacidade de detectar paralelismos, etc.). É como aprender um novo idioma. Deve-se procurar pensar de acordo com os parâmetros da língua em questão, evitando fazer constantes relações com a língua materna. Outra atividade imprescindível a um bom cravista (a um bom músico, em geral) é o conhecimento, por meio da escuta, de um repertório musical o mais vasto (e diversificado!) possível. Isso parece óbvio, mas, no Brasil, constata-se que os músicos e estudantes de música vão a concertos e ouvem gravações com uma freqüência muito menor do que o que seria deles esperado. Finalmente, falarei de duas habilidades as quais, muitas vezes, são consideradas "disposições de espírito" e, portanto impossíveis de serem desenvolvidas, mas que, na verdade apenas requerem atenção e persistência para se manifestarem: a paciência e a disciplina. Está última propicia um aprendizado organizado e suave, jamais confuso ou penoso e, portanto mais eficiente. A paciência, por outro lado, promove a confiança na realização das tarefas e no alcance do objetivo. Bom, no que se refere à parte do "profissional", responsabilidade e ética são as palavras-chaves. Deve-se lembrar que a música, acima de tudo, deve cativar o ouvinte. Se o músico deixar transparecer o amor por sua atividade, o ouvinte perceberá seu envolvimento, e será, conseqüentemente, cativado. Espero que a reflexão acerca das considerações aqui apresentadas seja de alguma ajuda no desenvolvimento da atividade de cravista e conto eu, também, esforçar-me para desenvolver as habilidades aqui mencionadas. A4) 07/06/2008 Acredito que o fundamental seja adquirir um bom domínio dos diferentes estilos que o repertório cravístico possui, tanto em questões técnicas que incluem o trabalho de sonoridade, ornamentação e agógica, como históricas que englobam o contexto e os costumes da nação que compôs a música a ser executada, sem deixar de dar importância à leitura fluente de baixo-contínuo que é base do repertório antigo de câmara e também a base do mercado de trabalho de um cravista. A5) 07/06/2008 Conhecimentos básicos ao cravo: Saber articular, fazer dinâmicas de expressões, conhecer harmonia, progressões harmônicas e contraponto. Ser um cravista profissional abrange pelo menos três áreas diferentes: performance solo, música de camara (orquestra ou menores grupos) e em alguns casos, saber ser a cabeça de um grupo para poder dirigir uma obra. Performance solo: conhecimentos básicos dos estilos musicais de diferentes nações dentro dos séculos 16, 17 e 18, pode haver certa discussão caso eu diga que é importante que o cravista seja
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musical e expressivo mas isso abrange gostos pessoais. Desenvolvimento técnico e musical também é importante. Música de câmara Uma das maiores invenções no período barroco foi o baixo contínuo. No meu ponto de vista, um cravista sem conhecimentos sobre baixo continuo não terá uma carreira profissional completa. Baixo contínuo: conhecimento consciente sobre os estilos e realizações feitas na época, isso é muito importante antes de sentar-se em meio a uma orquestra e tocar a sua parte apenas pensando na beleza da harmonia. Conhecimento de tratados é realmente muito importante, como também o desejo de pesquisar e aplicar os diferentes exemplos encontrados em vários exercícios ou realizações da época. Leitura à primeira vista é muito importante também, mas creio que não é a coisa mais necessitada quando o cravista tem um amplo conhecimento e "bom gosto" para suas realizações ao baixo contínuo. Leitura a primeira vista caminha junto com boa habilidade técnica e consciente sobre harmonia e boa condução melódica que se pode encontrar nos vários exercícios em quase todos os tratados. Tão importante para a vida do cravista profissional é também o ato de lecionar. Isso necessita conhecimento pedagógico (?) relacionado com o nível de obras e o que de importante elas vão trazer para o desenvolvimento dos alunos. Creio que a vida do cravista profissional abrange a sua performance solo, improvisação, condução de grupos e lecionar. A6) 08/06/2008 Bom, eu penso que um instrumentista ou um artista de outra área tem que estar muito bem preparado tecnicamente, isto para mim seria ter domínio sobre o instrumento, conhecê-lo, ter uma relação muito segura entre seu corpo e o instrumento; estar apto a ler bem à primeira vista em diversas claves, estilos, formas... baixo cifrado... noções de regência... ter prática e conhecer bem os outros instrumentos e vozes que acompanha... saber executar bem peças solo e ter um profundo conhecimento histórico... e o mais importante, saber vender o seu produto e isto eu acho que os músicos principalmente os de música antiga poderiam fazer com mais criatividade usando outros meios além do auditivo para despertar o público, levando outras pessoas a ter acesso a esta arte, eu penso que estes músicos precisam estar mais coerentes com o pensamento da época em que eles estão tocando... realmente educadores de cultura... também ter uma" visão de administrador, de conhecedor do mercado...oferecer mais como empresários do que como empregados"... ser mais ativos no mercado.Bom eu acho que cada lugar do mundo o que cravista tem um contexto diferente para trabalhar, então ele tem que se adequar a cada lugar... sempre atento a tudo o que acontece nos maiores âmbitos... acho que ele tem que ser um artista universal e não um técnico instrumentista! A7) 08/06/08 Acredito que o primeiro passo seria definir o que é ser um instrumentista profissional no Brasil. Não acredito que em nosso país possamos ser apenas intérpretes, mesmo se formos instrumentistas virtuosos e tenhamos a chance de estudar além da formação que podemos ter no nosso país. Com certeza para ser um cravista profissional, existem habilidades técnicas e interpretativas específicas inerentes ao instrumento, bem como outras habilidades que nos dias de hoje devem ser consideradas. São algumas idéias minhas:
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� O cravista deve desenvolver uma técnica de cravo, independente do piano. Ou seja, tudo
que está relacionado à articulação, toque, toucher, etc. Isso significaria que o instrumentista deve abdicar completamente da prática pianística. Pessoalmente não acredito que os dois instrumentos, apesar de serem similares, possam ser levados simultaneamente. Falo isso pela dificuldade que ainda é a minha adaptação ao cravo, vindo de uma formação de piano.
� Conhecer realmente bem a fundo a teoria dos estilos relacionados ao instrumento,
diferentes tipos de afinações, história da música, etc. Não somente o que diz respeito aos estilos tradicionalmente relacionados ao barroco, ou até o clássico, mas também novas tendências, como por exemplo, a inclusão do cravo no repertório não tradicional para este instrumento e também para a inclusão do cravo na música brasileira. Não somente aquela que conhecemos como erudita, mas também a música popular, como o choro, por exemplo. Além disso, mostrar o cravo com suas diversas facetas é interessante, pois poderá incentivar a produção contemporânea para o instrumento. Não sou contrário à interpretação histórica, entretanto. Muito pelo contrário, adoro esta sonoridade e busca conhecer muito sobre isso, principalmente por eu ser regente, sendo minha obrigação conhecer isso, até porque é o que fazem os grandes intérpretes da música antiga na atualidade. Este ano fiz a oficina de Curitiba com a Rosana Lanzelotte e comprei um cd dela onde ela interpreta peças como as de Ernesto Nazareth e outros. No cd ela justifica que o cravo se adapta muito bem à sonoridade que a música brasileira exige.
� O cravista profissional deve saber trabalhar com música em conjunto. Não somente fazer
baixo contínuo, mas saber conduzir um conjunto. Ter fundamentos da regência com certeza, pois historicamente os cravistas eram os regentes. Regente não é somente alguém que gesticula na frente de pessoas, mas interpreta a obra, sabe ensaiar, conduzir a música da melhor forma e principalmente lidar com as pessoas que lidera, os diversos egos.
� É importante também a questão da didática de ensino. Os bacharelados no Brasil
deveriam se preocupar mais com a formação do professor de instrumento. Nenhum instrumentista no Brasil, com poucas exceções, pode viver de recitais e concertos. É necessário dar aula para sobreviver. Assim, acredito que o cravista deve ter em sua formação disciplinas na área da didática e da educação musical. Além deste profissional se tornar um bom professor, ele também será responsável em difundir e revitalizar a instrumento e a música de cravo no Brasil.
� Como última questão, o cravista também deve ter em sua formação noções de lutheria,
para que ele possa fazer e ensinar a fazer pequenos reparos e manutenções em seu instrumento.
A8) 09/06/2008 As habilidades requeridas para se tornar um cravista profissional são, antes de mais nada, aquelas requeridas para um músico profissional. Ressalto, sobretudo, que uma base sólida é fundamental para o seu desenvolvimento. Entendo por base o que costumo chamar de formação auditiva, compreendendo a leitura vocal à primeira vista ou solfejo. Sempre apoiada pela compreensão dos
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fundamentos harmônicos e mais tarde pelo contrapontístico. Sem dúvida alguma, depois de se alcançar um bom ouvido interno, a aquisição do conhecimento teórico e prático da harmonia e do contraponto são outras duas ferramentas indispensáveis ao músico, e sobremaneira ao cravista. Chamo por conhecimento prático, a capacidade de se sabe usar da harmonia e do contraponto de modo que o instrumentista (o cravista, em questão) possa improvisar temas ou realizar harmonizações. A9) 11/06/2008 Penso que pra ser um cravista profissional é necessário ter vários tipos de conhecimentos; como história da música, baixo continuo, técnica apropriada ao instrumento e interpretação. Um cravista deve se aprofundar através de tratados e literatura da época pra saber interpretar as partituras como convém. Porém, o cravista deve tomar cuidado pra que a teoria não se sobreponha à prática no momento da execução de uma música, pois esta tenderia a tornar-se enfadonha. Eu imagino que muitas coisas, só a vivência no instrumento traz. O convívio com outros instrumentistas também auxilia bastante a estar sempre visando novas possibilidades de interpretação. É muito importante também ter uma boa orientação no decorrer dos estudos. Um bom professor é fundamental pra se estabelecer uma base sólida e, a partir disso, se desenvolver no instrumento. A10) 14/06/2008 Para mim, o cravista é um músico que se divide em dois. Por um lado somos solistas, não dividimos o palco e nem a 'música' com ninguém a não ser nós mesmos e o público. Aqui temos total liberdade para tocar como quisermos e inclusive nos envolver mais com a música. Uma boa técnica é aliada sempre, a familiaridade com o instrumento em que se toca também para se alcançar inclusive mais os contrastes de dinâmica e, sobretudo, musicalidade e segurança são os principais fatores para se conquistar uma boa performance e conquistar aos que te ouvem. Já quando acompanhamos, principalmente quando tocamos baixo contínuo e não uma parte em obligatto, necessitamos ter mais atenção e cuidado. Não se pode ter tanta liberdade, sobretudo rítmica, pois tudo deve estar em harmonia com os outros instrumentos. Digo isso em relação ao baixo, claro. Quanto à própria realização do contínuo na mão direita, acredito que se deve tentar seguir as orientações de tratados, mas nunca deixar de lado a criatividade e o bom gosto. Mais uma vez e sempre, uma boa técnica ajudará muito, sobretudo para manter regular e claro, os ritmos mais complexos e as passagens rápidas. Uma boa leitura também é suuuuper importante! Ter um bom ouvido também, para estar em diálogo com os outros instrumentos e não se concentrar apenas em sua própria parte. Novamente, musicalidade e segurança, pois a base do grupo é o contínuo e quando se toca obligatto devemos servir de apoio. A11) 22/06/2008 Bem, eu acho que como um profissional de qualquer outra área, o músico precisa estar atento às necessidades e exigências do mercado de trabalho e do seu público consumidor. No caso de nós cravistas o trabalho que mais nos chamam para fazer é o de acompanhar. Creio que pelo menos 60% dos trabalhos que aparecem para os cravistas se dá nessa função, de forma que saber ler e executar um baixo cifrado, saber fazer continuo é fundamental para os cravistas, sem isso é praticamente impossível de se desenvolver uma carreira. Saber escolher o repertório solo também
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é importante, escolher peças que têm boa aceitação pelo público e que esteja de acordo com a capacidade técnica do interprete é importantíssimo. E no mais ter inteligência e astúcia para saber divulgar o próprio trabalho e ir até onde está o seu público consumidor. A12) 02/07/2008 Há as habilidades óbvias: um bom toque, um bom som, conhecimento dos diferentes estilos e possibilidades de ornamentação, treinamento em improvisação (de ornamentos inclusive), realização de baixo cifrado. Certas habilidades não são enfocadas em cursos regulares, mas são tão importantes quanto as enumeradas acima. Conhecimento em organologia em geral, com experiência prática em manutenção e reparo do instrumento é muito útil. Cravistas hoje em dia comumente vêm do piano, que é um instrumento que, por suas dimensões e pela forma como o mercado se desenvolveu, normalmente não é mantido pelo próprio instrumentista. No caso do cravo muitas vezes não dá pra esperar pela revisão de um construtor, principalmente quando o assunto é voicing. Outra habilidade importante é saber afinar o instrumento e saber lidar de maneira flexível com temperamentos, se possível afinando o instrumento de acordo com o repertório e com os outros instrumentistas com que for tocar. Experiência em pesquisa é essencial para poder usar de maneira crítica e criativa tudo o que já foi escrito e ainda vai se escrever sobre performance de música do passado. Dirigir conjuntos instrumentais deve estar entre as habilidades de um cravista, não só porque no passado cravistas eram compositores e regentes, mas pela realidade profissional moderna. Dificilmente vive-se só de tocar cravo solo. Ter experiência com outros instrumentos históricos de tecla, como o clavicórdio, o órgão e o forte-piano, também ajuda. Não só a performance em cravo se solidifica, mas também abre-se a possibilidade de outros campos de atuação profissional.
ANEXO 4
GRADES CURRICULARES E DOCUMENTOS REFERENTES AOS CURSOS DE GRADUAÇÃO E TÉCNICO-PROFISSIONALIZANTES EM
CRAVO NO BRASIL
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Grade Curricular do Bacharelado em Cravo da Universidade Estadual de Campinas: Disciplinas obrigatórias, referentes ao Núcleo Comum e ao curso de Cravo (Disponível no site oficial da instituição).
Cravo:
Além do núcleo comum, o aluno deverá cumprir:
MU105 Estruturação Musical I MU114 Análise I MU120 Coral I MU124 Cravo I MU129 Baixo Cifrado I MU146 Harmonia do Período Barroco MU178 Música de Câmera I MU190 História da Música Brasileira I MU205 Estruturação Musical II MU214 Análise II MU220 Coral II MU224 Cravo II MU229 Baixo Cifrado II MU246 Harmonia do Classicismo ao Romantismo MU278 Música de Câmera II MU290 História da Música Brasileira II MU324 Cravo III MU329 Baixo Cifrado III MU346 Harmonia do Romantismo ao Século XX MU360 História da Música I MU378 Música de Câmera III MU424 Cravo IV MU429 Baixo Cifrado IV MU446 Harmonia do Século XX MU460 História da Música II MU478 Música de Câmera IV MU524 Cravo V MU529 Baixo Cifrado V MU560 História da Música III MU624 Cravo VI MU629 Baixo Cifrado VI MU660 História da Música IV MU724 Cravo VII MU824 Cravo VIII MU998 Recital
curso 22 - Música - Currículo PlenoCatálogo 2006
Núcleo Comum ao Curso:
MU058 Rítmica I MU059 Rítmica II MU060 Rítmica III MU061 Rítmica IV MU062 Rítmica V MU063 Rítmica VI MU193 Percepção Musical I MU293 Percepção Musical II MU393 Percepção Musical III MU493 Percepção Musical IV MU593 Percepção Musical V MU693 Percepção Musical VI
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PROGRAMA MÍNIMO PARA O CURSO DE CRAVO Departamento de música
Instituto de Artes - UNICAMP
Semestre I
J. S. Bach – Invenções a 2 vozes (no mínimo 5) Fr. Couperin – L´art de toucher le clavecin - inteiro
Semestre II
J. S. Bach – Sinfonias (no mínimo 4) 4 peças escolhidas entre: repertório do séc. XVI / virginalistas ingleses / Frescobaldi / Sweelinck / estudo de dedilhados antigos Repertório francês do Barroco Tardio (eletivo)
Semestre III
1 Suite de autor francês dos sec. XVII e XVIII com, no mínimo 1 prelúdio “non mesure” Autores italianos e ibéricos dos séculos XVII / XVIII (incluindo 2 sonatas de D. Scarlatti)
Semestre IV
J.S. Bach – 1 suite inglesa ou francesa 1 Suite de Froberger (escrita mensurada / interpretação não mensurada) Repertório de autores brasileiros
Semestre V
J. S. Bach – O cravo bem temperado – Vol I – (no mínimo 3 prelúdios e fugas) 1 “ordre” de Fr. Couperin ou J. Ph. Rameau Repertório de autores brasileiros dos séculos XX e XXI
Semestre VI
J. S. Bach – O cravo bem temperado – Vol. II (no mínimo 3 prelúdios e fugas) 2 sonatas de C. P. E. Bach e/ou repertório de autores pré-clássicos (1 sonata de C.P.E. Bach obrigatória) Música dos séculos XX e XXI
Semestre VII
1 entre as grandes obras de J.S.Bach (fantasia cromática e fuga / concerto italiano / ouverture francesa ,etc.) 1 concerto com orquestra Música dos séculos XX e XXI
Semestre VIII
Recital de formatura Dr. Helena Jank, Dr. Edmundo Hora
Campinas 2004
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Grade Curricular do Bacharelado em Cravo da Universidade Federal do Rio de Janeiro: Disciplinas obrigatórias (Disponível no site oficial da instituição através do SIGA – Sistema Integrado de Gestão Acadêmica).
Curso de Graduação em Bac em Musica- Instrumento: Cravo
Curriculo a ser cumprido pelos alunos de 2004/2 a 9999/9
Localização: Escola de Música Código: 3203012200
Durações
Prazo máximo de integralização na UFRJ:
12 segmento(s)
Duração recomendada na UFRJ:
8 segmento(s)
Número mínimo de horas (CNE)
Duração em anos (CNE): Mínima:3 Média :
Máxima:
Estrutura
Trabalho de Conclusão:
não informado
Desenvolvido em Parceria:
sim
Possui Banca Examinadora:
sim
Pago: não
Dados da coordenação
Responsável: ROBERTO MACEDO RIBEIRO(Mestrado)
Matrícula: 1124257 C.H.: Dedicação Exclusiva
Email: robmac@openlink.com.br Site: não informado
Características
Modalidade: Presencial
Denominação Oficial:
Bac em Musica- Instrumento: Cravo
Situação: Ativo Informações complementares
Criação: Parecer 0000 de 24/06/2004 publicado no Boletim Interno da UFRJ em 24/06/2004
Reconhecimento: Decreto 19857 de 11/04/1931 publicado no Diário Oficial da União em 15/04/1931
Aprovação Curriculo:
Processo 0270010309 de 03/03/2004 publicado no Boletim Interno da UFRJ em 03/03/2004
Publico Alvo: não informado
Observações: A criação da habilitação Cravo foi aprovada pelo CONSUNI em 24/06/2004. Em cada um dos 8 períodos recomendados para a conclusão da habilitação, os alunos deverão cursar 120 horas / 8 créditos em atividades acadêmicas de grupo, perfazendo o total de, no mínimo, 960 horas / 64 créditos, assim distribuídos: Grupo 1 (420 horas /28 créditos), Grupo 2 ( 240 horas / 16 créditos) e Grupo 3 (300 horas /20 créditos).
Endereço(s) não informado
Telefone(s) não informado
288
1º Período
Código Nome Créditos C.H.G. Teórica/Prática
Requisitos
MUC151 Harmonia Vocal- Instrument I
3.0 30 30
MUM111 Musica de Camara I 2.0 15 15
MUP107 Cravo I 2.0 15 15 MUPY41 (C)
MUPY41 Prática de Cravo I 2.0 0 135 MUP107 (C)
MUT101 Percepcao Musical I 3.0 30 30
Atividades Academicas Optativas (Grupo1)
3.0 0 0
Atividades Academicas Optativas (Grupo2)
2.0 0 0
Atividades Academicas Optativas (Grupo3)
3.0 0 0
Total de Créditos 20.0
2º Período
Código Nome Créditos C.H.G. Teórica/Prática
Requisitos
MUC152 Harmonia Vocal- Instrument II
3.0 30 30 MUC151 (P) MUC151 = MUC313 + MUC323 + MUC423
MUM112 Musica de Camara II 2.0 15 15 MUM111 (P)
MUP108 Cravo II 2.0 15 15 MUP107 (P), MUPY42 (C)
MUPY42 Prática de Cravo II 2.0 0 135 MUP108 (C)
MUT102 Percepcao Musical II 3.0 30 30 MUT101 (P) MUT101 = MUT103 + MUT113
MUT331 Historia da Musica I 2.0 15 15
Atividades Academicas Optativas (Grupo1)
3.0 0 0
Atividades Academicas Optativas (Grupo2)
2.0 0 0
Atividades Academicas 3.0 0 0
289
Optativas (Grupo3)
Total de Créditos 22.0
3º Período
Código Nome Créditos C.H.G. Teórica/Prática
Requisitos
MUC251 Harmonia Vocal- Instrument III
3.0 30 30 MUC152 (P)
MUM211 Musica de Camara III 2.0 15 15 MUM112 (P)
MUP207 Cravo III 2.0 15 15 MUP108 (P), MUPY43 (C)
MUPY43 Prática de Cravo III 2.0 0 135 MUP207 (C)
MUT332 Historia da Musica II 2.0 15 15
Atividades Academicas Optativas (Grupo1)
3.0 0 0
Atividades Academicas Optativas (Grupo2)
2.0 0 0
Atividades Academicas Optativas (Grupo3)
3.0 0 0
Total de Créditos 19.0
4º Período
Código Nome Créditos C.H.G. Teórica/Prática
Requisitos
MUM212 Musica de Camara IV 2.0 15 15 MUM211 (P)
MUP208 Cravo IV 2.0 15 15 MUP207 (P), MUPY44 (P)
MUPY44 Prática de Cravo IV 2.0 0 135 MUP207 (C)
MUT431 Historia da Musica III 2.0 15 15
Atividades Academicas Optativas (Grupo1)
3.0 0 0
Atividades Academicas Optativas (Grupo2)
2.0 0 0
Atividades Academicas Optativas (Grupo3)
3.0 0 0
290
Total de Créditos 16.0
5º Período
Código Nome Créditos C.H.G. Teórica/Prática
Requisitos
MUC161 Formas Musicais I 3.0 30 30 MUC151 (P) MUC151 = MUC313 + MUC323 + MUC423
MUP307 Cravo V 2.0 15 15 MUP208 (P), MUPY45 (C)
MUPY45 Prática de Cravo V 2.0 0 135 MUP307 (C), MUPY44 (P)
MUT432 Historia da Musica IV 2.0 15 15
Atividades Academicas Optativas (Grupo1)
4.0 0 0
Atividades Academicas Optativas (Grupo2)
2.0 0 0
Atividades Academicas Optativas (Grupo3)
2.0 0 0
Total de Créditos 17.0
6º Período
Código Nome Créditos C.H.G. Teórica/Prática
Requisitos
MUC162 Formas Musicais II 3.0 30 30 MUC161 (P)
MUP003 Instr Musicais e Seus Métodos
2.0 15 15
MUP308 Cravo VI 2.0 15 15 MUP307 (P), MUPY46 (C)
MUPY46 Prática de Cravo VI 2.0 0 135 MUP308 (C), MUPY45 (P)
MUT523 Iniciacao a Pesquisa em Musica
2.0 15 15
Atividades Academicas Optativas (Grupo1)
4.0 0 0
Atividades Academicas 2.0 0 0
291
Optativas (Grupo2)
Atividades Academicas Optativas (Grupo3)
2.0 0 0
Total de Créditos 19.0
7º Período
Código Nome Créditos C.H.G. Teórica/Prática
Requisitos
MUP407 Cravo VII 2.0 15 15 MUP308 (P), MUPY47 (C)
MUPY47 Recital de Formatura - Cravo
4.0 0 270 MUP407 (C), MUPY46 (P)
Atividades Academicas Optativas (Grupo1)
4.0 0 0
Atividades Academicas Optativas (Grupo2)
2.0 0 0
Atividades Academicas Optativas (Grupo3)
2.0 0 0
Total de Créditos 14.0
8º Período
Código Nome Créditos C.H.G. Teórica/Prática
Requisitos
MUP408 Cravo VIII 2.0 15 15 MUP407 (P)
Atividades Academicas Optativas (Grupo1)
4.0 0 0
Atividades Academicas Optativas (Grupo2)
2.0 0 0
Atividades Academicas Optativas (Grupo3)
2.0 0 0
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Justificativa apresentada à Escola de Música da UFRJ para a implementação do curso de Bacharelado em Cravo, elaborada por Marcelo Fagerlande em 2005.
I – Breve apresentação histórica do cravo; sua origem e inserção no contexto da Escola de Música e da UFRJ
O cravo é um instrumento de teclado surgido na Europa, provavelmente na Itália, no início do século XVI. O exemplar mais antigo que sobreviveu até nossos dias data de 1521. Ainda que faça parte da família dos instrumentos de teclado, como o piano e o órgão, nele o som é produzido de forma inteiramente diferente dos demais: os diversos jogos de cordas são tangidos ou pinçados por pequenas palhetas, acionadas pelo executante por intermédio do teclado.
Desde o século XVI diversos compositores passam a escrever para o instrumento, desenvolvendo um estilo cravístico em toda a Europa, até chegar a seu apogeu, no século XVIII. Nesta época o cravo está ligado à produção musical dos maiores compositores da música ocidental, como J.S. Bach, Haendel, D. Scarlatti, Rameau, François Couperin, para citar somente os mais importantes.
O cravo desempenha um papel fundamental na música européia durante três séculos não só com o repertório solo, mas também como instrumento realizador do baixo contínuo - prática de acompanhar improvisando através de cifras - que é um dos pilares do surgimento do próprio sistema tonal. Era o instrumento usado para a música de câmara e orquestral, bem como no teatro – Mozart se utiliza do cravo em recitativos até 1791, em “La Clemenza di Tito” – e até mesmo na Igreja, nas cantatas e oratórios.
Com o surgimento do Romantismo o cravo entra em desuso, pois não correspondia mais aos novos ideais estéticos que surgiam. A necessidade de uma dinâmica de maior amplitude e também um maior volume para enfrentar salas de concerto de maiores dimensões que as salas dos palácios barrocos faz com que instrumentos de maior potência sonora ocupem o lugar dos instrumentos antigos.
Entretanto, no início do século XX, Wanda Landowska, uma pianista polonesa cujo interesse de repertório estava centrado principalmente na música anterior a 1800, faz reviver o cravo. Desde então tem havido uma verdadeira “revolução” na maneira de se tocar esta música, não só com relação à interpretação, mas também quanto à utilização dos instrumentos. Cópias de valiosos instrumentos de época, e mesmo os próprios, restaurados, têm sido utilizados.
A partir dos anos 30 do século XX Wanda Landowska começa a ensinar o cravo em uma escola de música, a Hochschule der Künste em Berlim, continuando depois na França, e posteriormente nos Estados Unidos. Este trabalho pioneiro não só foi continuado, como cresceu. Hoje em dia é possível encontrar o ensino do cravo e de realização de baixo contínuo em quase todas as escolas de música do mundo todo, principalmente nos Estados Unidos e Europa.
No Brasil o cravo chega em 1552, com a vinda de D. Pero Sardinha à Bahia. Mais tarde, sua presença nos salões, em festas, nos teatros, etc., foi fartamente descrita pelos viajantes estrangeiros e também em muitos trechos de nossa literatura. José Mauricio Nunes Garcia (séc. XVIII-XIX), nosso mais importante compositor colonial, foi uma das significativas figuras de nossa música que utilizava este instrumento no Rio de Janeiro. Já nos séculos XX e XXI vários compositores brasileiros escreveram obras para o cravo, como: Edino Krieger, Marisa Rezende,
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Ernani Aguiar, Almeida Prado, Osvaldo Lacerda, Claudio Santoro, Ronaldo Miranda, entre outros.
Na Escola de Música da UFRJ foi criada em 1995 a Disciplina Prática de Baixo Contínuo, em 1999 a Disciplina Cravo complementar (Cravo B) e em 2003/II foi implantada a Habilitação em Cravo no Programa de Pós-graduação, Linha de Pesquisa III (área de concentração em Práticas Interpretativas).
Desde 1995, além das aulas regulares, foram realizadas na Escola de Música diversas atividades em torno do instrumento, com a participação de alunos (de cravo, de outros instrumentos, bem como cantores), de professores (da Escola de Música, de outras Unidades da UFRJ e ainda de outras instituições) e de outros colaboradores. Estes eventos incluíram recitais de alunos - muitas vezes dedicados a um tema específico -, cursos de extensão, encontros com artistas, masterclasses, e três versões do Projeto Ópera Barroca (1996, 1997 e 1999):
A. Projeto Ópera Barroca
Projeto Ópera Barroca 1996
Dido e Enéas, de Henry Purcell (1559-1695) Récitas em 26/27/29 de outubro de 1996. Salão Leopoldo Miguez. Professores coordenadores: Marcelo Fagerlande e José Henrique Barbosa Moreira (EM e ECO) Número de participantes: Alunos da EM: 23 Alunos da ECO: 1 Alunos da EBA: 10
Projeto Ópera Barroca 1997
Orfeu, de Claudio Monteverdi (1567-1643) Récitas em 29 de novembro e 2, 3, 6 e 7 de dezembro de 1997. Salão Leopoldo Miguez. Professores coordenadores: Marcelo Fagerlande e José Henrique Barbosa Moreira (EM e ECO) Número de participantes:
Alunos da EM: 48
Alunos da ECO: 2 Alunos da EBA: 12
Projeto Ópera Barroca 1999
La Purpura de La Rosa, de Tomás de Torrejón y Velasco (s. XVIII) Récitas em 20, 23 e 24 de abril de 1999. Salão Leopoldo Miguez. Professores coordenadores: Marcelo Fagerlande e José Henrique Barbosa Moreira (EM e ECO) Número de participantes: Alunos da EM: 29
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Alunos da ECO: 1 Alunos da EBA: 3
B. Encontros, masterclasses e cursos de extensão
Curso de extensão: O Repertório Barroco para Flauta e Baixo contínuo. 1995/II Professores coordenadores: Marcelo Fagerlande, Eduardo Monteiro e Pauxy Gentil (EM) Número de participantes: 08 Encontros com a Música Antiga – conferências ilustradas e masterclasses 7, 14, 21 e 28 de maio de 1998. Sala da Congregação. Professor coordenador: Marcelo Fagerlande (EM) professores convidados: conjunto Les Sonneurs (Canadá), soprano Suzie Le Blanc (Canadá), cravista Kenneth Gilbert (Canadá-França) e Judith Davidoff (EUA) participaram alunos da EM e público em geral
Masterclass de cravo e baixo contínuo com a Professora Christine Daxelhofer (da Escola Superior de Música de Karlsruhe, Alemanha). Agosto de 2000. Sala da Congregação. Professor coordenador: Marcelo Fagerlande (EM) Número de participantes: 08 Masterclass: Sonatas para flauta de J. S. Bach, com o Prof. Hans-Joachim Fuss (da Escola Superior de Música de Stuttgart, Alemanha). Outubro de 2000. Sala da Congregação. Professor coordenador: Marcelo Fagerlande (EM) Número de participantes: 06 Curso de extensão: Música de Câmara do período Barroco – para instrumentistas e cantores. 2002/II Professor coordenador: Marcelo Fagerlande (EM) Número de participantes: 22
C. Recitais de alunos (classes Prof. Marcelo Fagerlande):
A integral do Pequeno Livro de Anna Magdalena Bach- recital comentado 2 de dezembro de 1999. Sala da Congregação Número de alunos participantes: 10 Recital de Canto e baixo contínuo 14 de dezembro de 1999. Sala da Congregação Número de alunos participantes: 09 A integral do Pequeno Livro de Anna Magdalena Bach- recital comentado 17 de maio de 2000. Sala da Congregação Número de alunos participantes: 07
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François Couperin Le Grand 18 de dezembro de 2000. Sala da Congregação Número de alunos participantes: 09
Mosaico Barroco – de Ortiz a Quantz
27 de junho de 2001. Sala da Congregação Número de alunos participantes: 15 Música de Câmara Barroca 27 de março de 2002. Sala da Congregação Número de alunos participantes: 11 Telemann – concerto de música vocal e instrumental 27 de agosto de 2002. Sala da Congregação Número de alunos participantes: 11 Participação de Madrigal da Uni-Rio Verão Barroco 29 de janeiro de 2003. Sala da Congregação Número de alunos participantes: 18 Recital de cravo 10 de dezembro de 2003. Sala da Congregação Número de alunos participantes: 03
II – Justificativa, finalidade e identidade do curso
É inquestionável a importância do cravo para a História da Música, incluindo o Brasil, como foi brevemente relatado no item anterior. Uma pesquisa mais aprofundada em obras de referência, como dicionários musicais e enciclopédias, poderá ajudar a tornar ainda mais claro seu significado para a cultura musical do Ocidente. Sua utilização para a atual interpretação dos vários gêneros de música produzidos nos séculos anteriores, e mesmo na nossa época, evidencia a necessidade de que seja oferecido no âmbito universitário um curso dedicado ao instrumento, de modo que possibilite a formação acadêmica de profissionais qualificados.
Há em nossa Unidade um crescente interesse pelo instrumento e pela chamada música antiga, o que pode ser comprovado pelas atividades curriculares e de extensão desenvolvidas nos últimos nove anos, expostas detalhadamente no item anterior. Há um número considerável de discentes interessados no instrumento, e ainda, cabe lembrar que alunos que se dedicam a instrumentos de outra natureza (cordas, sopros) necessitam de cravistas para realizaram a música de câmera de determinados períodos históricos (séculos XVI, XVII e XVIII).
Este interesse pelo cravo pode também ser comprovado através da criação em 2003 da Habilitação em Cravo no Programa de Pós-graduação, Linha de Pesquisa III (área de
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concentração em Práticas Interpretativas), que já atraiu para seu exame de seleção candidatos de outros estados (São Paulo, Distrito Federal e Minas Gerais), além do Rio de Janeiro. Dos 05 inscritos foram aprovados 03 mestrandos para a primeira turma, que já desenvolvem pesquisa sobre temas relacionados a aspectos de teoria e prática do instrumento - na Europa e no Brasil.
Atualmente há no Brasil apenas um único curso de graduação em cravo, na Universidade de Campinas (UNICAMP), que também oferece a possibilidade de estudos de pós-graduação no instrumento. Nos últimos anos houve um crescimento do número de cursos de férias por todo o Brasil (Juiz de Fora, Curitiba, Brasília, Porto Alegre, Belo Horizonte, Campinas, etc.), nos quais aulas de cravo e baixo contínuo têm sido ministradas. Observa-se que a partir destas atividades houve um aumento do número de alunos interessados no instrumento. Aqueles que desejam prosseguir nos estudos e se graduar em cravo só dispõem, no momento, do curso oferecido em Campinas. A abertura de um curso de graduação em cravo na UFRJ poderá também absorver estes interessados de outros estados, além dos alunos que já estudam na nossa unidade ou em outras instituições no Rio de Janeiro.
A finalidade de um curso de graduação em cravo na Escola de Música da UFRJ será fornecer meios para que o discente obtenha uma formação profissional adequada às necessidades específicas do instrumento em questão. Por tal compreendemos: o desenvolvimento e aprimoramento de uma técnica instrumental; aprendizagem dos conhecimentos necessários para a interpretação de diferentes estilos, de diferentes épocas (do século XVI aos nossos dias); aprendizado e aprimoramento de técnicas de afinação e manutenção do instrumento; aprendizado de realização do baixo contínuo. Os tópicos mencionados visam proporcionar ao discente os subsídios necessários à uma atuação como intérprete. A inclusão de disciplinas teóricas comuns a outros cursos tem como objetivo complementar os conhecimentos musicais do aluno de um modo geral, e compõem a base para pesquisas musicais e para uma possível futura atuação do discente como professor. Assim, o curso em questão pretende valorizar aspectos tanto práticos de execução no instrumento, como teóricos, que compõem o embasamento técnico-interpretativo.
III – Concepção de currículo adotada e prospectiva de operacionalização A concepção do currículo proposto visa contemplar o aluno com uma formação ao mesmo tempo prática e teórica. Entre as disciplinas obrigatórias incluem-se aquelas diretamente ligadas às atividades práticas do instrumento, como cravo, prática de cravo, música de câmara, e também as que estão na área teórica, como harmonia vocal e instrumental, percepção musical, história da música, formas musicais, iniciação à pesquisa em música, instrumentos musicais e seus métodos. No campo das disciplinas optativas o mesmo critério é seguido, podendo o discente optar entre disciplinas de cunho prático (prática de baixo contínuo, instrumento complementar – instrumento B) e às voltadas aos estudos teóricos.
O número de docentes previstos para o início do curso é de 05, sendo 01 das disciplinas principais (cravo e prática de cravo), 02 de disciplinas teóricas (harmonia, percepção), 01 de disciplina prática (música de câmera) e 01 para a disciplina complementar escolhida (que tanto poderá ser prática ou teórica). Uma grande parte das disciplinas incluídas no currículo do curso de cravo serão ministradas por docentes compartilhados com outros cursos de graduação da mesma unidade (como é o caso de disciplinas com aulas em grupo, como harmonia). A previsão é de que sejam inicialmente oferecidas 03 vagas para alunos iniciantes, uma vez que a Unidade só tem nos seus quadros permanentes um único professor do referido instrumento (Prof. Dr. Marcelo
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Fagerlande), que acumula disciplinas já existentes na graduação (Cravo B e Prática de Baixo contínuo), e atividades no programa de pós-graduação (disciplinas e orientação). O turno de funcionamento previsto é único, manhã e tarde, como em toda a Unidade.
Atenderão ao novo curso os funcionários técnico-administrativos da Escola de Música. Como infra-estrutura prevista podemos citar:
a) Biblioteca: a Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música possui extensa coleção de partituras, e ainda uma significativa coleção de obras raras, com exemplares de tratados dos séculos XVI, XVII e XVIII, alguns de grande importância para os estudos do curso em questão.
b) Instrumentos: a Escola de Música já possui desde 1995 um cravo de dois teclados, construído por William Takahashi (São Paulo), modelo Pascal Taskin (1746); foi adquirido em 2003 um segundo cravo, construído pelo mesmo fabricante, desta vez um modelo Henry Hemsch, com dois teclados e quatro registros, obtido com recursos da Fundação Universitária José Bonifácio (FUJB).
c) Espaço físico: as aulas práticas que necessitam de um cravo poderão ser realizadas na sala 27-B, do prédio de aulas da Escola de Música, local onde encontram-se os dois instrumentos acima descritos. Nesta sala, de uso exclusivo do cravo, são realizadas atualmente as aulas de cravo B, prática de Baixo contínuo (graduação) e os seminários e aulas de práticas interpretativas (Pós-Graduação); nos horários livres a sala é colocada à disposição dos alunos, para estudo e ensaios.
IV – Objetivos do curso como norteadores da formação acadêmico-profissional do aluno
O curso pretende viabilizar a formação de nível superior de um cravista, para que possa exercer as atividades de instrumentista. Em complementação a este aspecto, visa também fornecer os subsídios acadêmicos necessários à formação de professor e futuro pesquisador, tanto na área musicológica como das práticas interpretativas. As disciplinas de ordem prática como cravo, prática de cravo, música de câmera, prática de baixo contínuo, tem como objetivo capacitar o instrumentista em suas futuras atividades como cravista, seja atuando como solista em recitais, à frente de orquestras de câmera, ou tocando nas muitas formações camerísticas que o vasto repertório abrange. Com os conhecimentos adquiridos através das disciplinas teóricas o discente obterá o embasamento necessário a uma compreensão musical ampla, necessária à prática e que possibilitará sua futura inserção em atividades docentes, e de pesquisa. Convém ainda lembrar que algumas matérias oferecidas no âmbito das disciplinas complementares poderão contribuir para uma futura atividade do discente também voltada à música popular, para a qual, aliás, o cravo tem sido requisitado nos últimos anos.
V – Perfil do egresso que configure a interação entre a formação acadêmica e uma atuação profissional
Um grande interesse pela música do passado pode ser constatado no Brasil e em vários
outros países, o que tem levado à criação de grupos especializados em seu estudo e recriação. A quase totalidade do repertório dos séculos XVI, XVII e XVIII necessita de um cravo para sua adequada execução, o que leva conseqüentemente, à necessidade de cravistas. Por algum tempo acreditou-se, erroneamente, que tecladistas em geral pudessem tocar o cravo, mas as exigências específicas do instrumento – em relação à técnica de execução, repertório, realização de baixo
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cifrado, manutenção e afinação – demonstraram o contrário. Assim, cravistas têm sido requisitados, e esta nova carreira tem atraído tanto aqueles originalmente interessados no instrumento como também outrora pianistas ou organistas, que vêem na sua prática uma expansão do mercado de trabalho para tecladistas, muitas vezes bastante concorrido. Portanto, um curso de graduação em cravo poderá oferecer aos tecladistas uma opção a mais para a futura inserção no mercado de trabalho, seja como solista, em grupos de câmara, nas orquestras de câmara, ou ainda como professor ou pesquisador.
Sendo um instrumento com grande significado para uma parcela tão importante da cultura musical ocidental, o cravo é um dos instrumentos atualmente responsáveis por estabelecer a ligação entre toda uma herança musical e a época atual. A interpretação de obras compostas nos séculos anteriores, seja em gravações ou em apresentações ao vivo, permite a transmissão ao público de uma produção e de um conhecimento acumulado através de séculos. O intérprete cumpre assim uma função cultural, social e conseqüentemente política.
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Grade Curricular do Curso Técnico- Profissionalizante em Cravo do Centro de Educação Profissional – Escola de Música de Brasília (Disponível no site oficial da instituição).
Plano de Curso Técnico em Cravo
Estabelecimento de Ensino: CENTRO DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL/ESCOLA DE MÚSICA DE BRASÍLIA Área Profissional: ARTES / SUBÁREA: MÚSICA CURSO TÉCNICO CRAVO
SEMESTRE DISCIPLINAS AULAS SEMANAIS
CARGA HORÁRIA SEMESTRAL
Percepção Musical – I 02 30 1° História da Música – I 02 30 Cravo – I 02 30 Música de Câmara I 05 75
Percepção Musical – II 02 30
M 2° História da Música – II 02 30
O Cravo – II 02 30
D Música de Câmara II 05 75
U Contraponto – I 02 30 L 3° Harmonia – I 02 30 O Cravo – III 02 30 Música de Câmara III 05 75
1 Contraponto – II 02 30 4° Harmonia – II 02 30 Cravo – IV 02 30 Música de Câmara - IV 05 75
TOTAL DE AULAS DO MÓDULO I........................................ 44 TOTAL DE HORAS DO MÓDULO I............................................................ 660
Harmonia – III 02 30 5° Análise Musical – I 02 30 Cravo – V 02 30 Música de Câmara - V 05 75
M Harmonia IV 02 30
300
O 6° Análise Musical II 02 30 D Cravo – VI 02 30 U Música de Câmara - VI 05 75
L Instr. / Orquestr. e Arranjo - I 04 60
O 7° Disciplinas Complementares 04 60
Cravo – VII 04 60 2 Música de Câmara - VII 05 75
Instr. / Orquestr. e Arranjo – II 04 60
8° Disciplinas Complementares 04 60
Cravo – VIII 04 60 Música de Câmara - VIII 05 75
TOTAL DE AULAS DO MÓDULO I I....................................... .56 TOTAL DE HORAS DO MÓDULO I .......................................................... 840 TOTAL DE HORAS DO CURSO.......................................................... 1.500
OBSERVAÇÕES:
Ø Duração de aula: 45 minutos
Ø Semestre escola de 20 semanas
Ø Ao término do Módulo I, o aluno receberá o Certificado de Qualificação de Auxiliar Técnico em Cravo.
Ø Ao término do Módulo I I, o aluno receberá o Diploma de Habilitação Técnica em Cravo, desde que tenha concluído o Ensino Médio.