Post on 07-Jan-2017
ANA CAROLINA GOUVA BERMUDES
Resposta inflamatria sistmica e alteraes no
metabolismo lipdico em crianas e adolescentes
gravemente doentes
Dissertao apresentada Faculdade de
Medicina da Universidade de So Paulo para
obteno do ttulo de Mestre em Cincias
Programa de Pediatria
Orientador: Prof. Dr. Artur Figueiredo Delgado
SO PAULO 2014
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
Preparada pela Biblioteca da
Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo
reproduo autorizada pelo autor
Bermudes, Ana Carolina Gouva
Resposta inflamatria sistmica e alteraes no metabolismo lipdico em
crianas e adolescentes gravemente doentes / Ana Carolina Gouva Bermudes. --
So Paulo, 2014.
Dissertao(mestrado)--Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo.
Programa de Pediatria.
Orientador: Artur Figueiredo Delgado.
Descritores: 1.Metabolismo dos lipdeos 2.Unidades de terapia intensiva
peditrica 3.Sepse 4.Lipoprotenas 5.Desnutrio 6.Criana 7.Adolescente
USP/FM/DBD-454/14
Epgrafe
"Agir, eis a inteligncia verdadeira. Serei o que
quiser. Mas tenho que querer o que for. O xito est
em ter xito, e no em ter condies de xito.
Condies de palcio tem qualquer terra larga, mas
onde estar o palcio se no o fizerem ali?"
Fernando Pessoa
DEDICATRIA
Dedico este trabalho:
Aos meus amados pais, Emilton e Maria
Anglica, que atravs de seu amor
incondicional sempre acreditaram nos meus
sonhos e lutaram incansavelmente para que
eles pudessem ser realizados.
Ao meu esposo Hugo, que esteve presente
ao meu lado todos esses anos e que
pacientemente compreendeu e apoiou,
incondicionalmente, esta jornada tornando-a
mais branda.
AGRADECIMENTOS
Deus, que por sua bondade infinita guia-me pelos caminhos do
bem, d-me fora para superar as dificuldades e sabedoria para enfrentar os
problemas.
Ao Professor Dr. Werther Brunow de Carvalho, Professor Titular da
Terapia Intensiva/Neonatologia do Instituto da Criana, por seu exemplo de
dedicao Medicina.
Ao Dr. Artur Figueiredo Delgado, pelo incentivo, pacincia e carinho
durante a orientao desta tese, pelos anos de convivncia que me fizeram
aumentar-lhe a estima e a admirao.
Ao Dr. Mrio Ccero Falco, Dra. Maria Esther Ceccon e Dr. Heitor
Pons Leite, pelas sugestes e troca de conhecimentos oferecidos durante a
banca de qualificao.
Ao Professor Dr. Raul Cavalcante Maranho, responsvel pelo
Laboratrio de Metabolismo de Lpides do Instituto do Corao (InCor) do
Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina da USP, pelas orientaes
no desenho do estudo e anlise dos dados.
assistente do Pronto Socorro do Hospital Universitrio da
Universidade de So Paulo, Dra. Giovana Muramoto, pelo importante auxlio
na realizao deste estudo.
s mdicas preceptoras da UTI peditrica, Aline Menezes e Juliana
Ferreira Ferranti, pelo convvio, amizade, carinho e incentivo.
Ao meu querido irmo, que mesmo longe sempre apoiou e incentivou
com todo amor e compreenso minhas decises.
minha famlia, que sempre acreditou em mim.
nutricionista Patrcia Zamberlam, pela inestimvel ajuda fundamental
para a realizao deste trabalho.
secretria da ps-graduao do Departamento de Pediatria, Mnica
Souza, pelo auxlio em manter os prazos e a burocracia institucional em
ordem.
bibliotecria Mariza Kazue, pelo auxlio bibliogrfico.
A todos os pacientes e seus responsveis, que despojados de
qualquer outro interesse, seno o de contribuir com os avanos mdicos
participaram deste estudo.
E a todos que, de alguma forma, contriburam para a realizao deste
sonho.
Esta dissertao est de acordo com as seguintes normas, em vigor no momento desta publicao:
Referncias: adaptado de International Committee of Medical Journals Editors (Vancouver).
Universidade de So Paulo. Faculdade de Medicina. Servio de Biblioteca e Documentao.
Guia de apresentao de dissertaes, teses e monografias.
Elaborado por Anneliese Carneiro da Cunha, Maria Julia de A. L. Freddi, Maria F. Crestana,
Marinalva de Souza Arago, Suely Campos Cardoso, Valria Vilhena. 3a
ed. So Paulo: Diviso
de Biblioteca e Documentaes; 2011.
Abreviatura dos ttulos dos peridicos de acordo com List of Journals Indexed in Index Medicus.
SUMRIO
Lista de abreviaturas e siglas Lista de figuras Lista de quadros Lista de tabelas Lista de grficos Resumo Abstract
1 INTRODUO ............................................................................................... 1 1.1 Impacto da Subnutrio no Paciente Gravemente Doente ..................... 2 1.2 Lipdeos .................................................................................................. 5 1.3 Lipoprotenas .......................................................................................... 8 1.3.1 Quilomicrons ...................................................................................... 9 1.3.2 Lipoprotena de muito baixa densidade ............................................ 11 1.3.3 Lipoprotena de densidade intermediria ......................................... 12 1.3.4 Lipoprotena de baixa densidade ..................................................... 13 1.3.5 Lipoprotena de alta densidade ........................................................ 14 1.4 Papel das Lipoprotenas e Resposta Inflamatria Sistmica ................ 18 1.5 Alteraes do metabolismo lipdico na criana e adolescente
gravemente doentes ............................................................................. 22 1.6 Mudanas Proaterognicas dos Lipdeos e Lipoprotenas
Durante Infeco e Inflamao ............................................................. 27 1.7 Lipoprotenas como Biomarcadores nos Pacientes Gravemente
Doentes ................................................................................................ 30 1.8 Justificativa ........................................................................................... 31 1.9 Hiptese ............................................................................................... 32
2 OBJETIVOS ................................................................................................ 33 2.1 Principal ................................................................................................ 34 2.2 Secundrios ......................................................................................... 34
3 MTODOS ................................................................................................. 35 3.1 Populao ............................................................................................ 36 3.2 Critrios de Incluso ............................................................................. 36 3.3 Critrios de excluso ............................................................................ 38 3.4 Clculo e Seleo da Amostra ............................................................. 38 3.5 Desenho do Estudo .............................................................................. 39 3.6 Anlise Estatstica ................................................................................ 47
4 RESULTADOS ............................................................................................. 48
5 DISCUSSO ............................................................................................... 62 5.1 Subnutrio nas Crianas e Adolescentes Gravemente Doentes ........ 63 5.2 Alteraes do Perfil Lipdico Admisso na UTI .................................. 67 5.3 Avaliao do Perfil Lipdico Durante a Internao (1 e 7 dias
de estudo) na UTI ................................................................................. 71 5.4 Hipocolesterolemia e Baixas Concentraes de HDL como
Marcadores Prognsticos na Sepse ..................................................... 75 5.5 HDL e apo A1 - Novos Agentes Teraputicos na Sepse? .................... 76
6 CONCLUSES ............................................................................................ 78
7 ANEXOS .................................................................................................... 81
8 REFERNCIAS ............................................................................................ 94
APNDICES ................................................................................................... 109
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABCA1 - ATP binding cassette A1 transporter
AG - cidos graxos
ALT - cido lipoteicico
apo - Apolipoprotena
CAPPesq - Comisso de tica para Anlise de Projetos de Pesquisa
CETP - Protena transferidora de ster de colesterol
CT - Colesterol total
FAP-AH - Fator ativador de plaqueta acetil hidrolase
HDL - Lipoprotena de alta densidade
HU-USP - Hospital Universitrio da Universidade de So Paulo
ICr - Instituto da Criana
IDL - Lipoprotena de densidade intermediria
IL - Interleucina
LBP - Protena ligadora de lipopolissacardeo
LCAT - Lecitina colesterol acetiltransferase
LDL - Lipoprotena de baixa densidade
LH - Lipase heptica
LPS - Lipopolissacardeo
OMS - Organizao Mundial de Sade
PCR - Protena C reativa
PLTP - Protena transferidora de fosfolpides
PON - Enzimas paraoxonase
PRISM - Pediatric Risk of Mortality
PS - Pronto socorro
SAA - Protena amiloide srico A
SCB - Sociedade Brasileira de Cardiologia
SIRS - Sndrome da resposta inflamatria sistmica
SR-BI - Scavenger receptor class B
TG - Triglicerdeo
TNF - Fator de necrose tumoral
UTI - Unidade de terapia intensiva
VLDL - Lipoprotena de muito baixa densidade
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Transporte e metabolismo exgeno dos lipdeos....................... 10
Figura 2 - Estrutura e composio da VLDL .............................................. 12
Figura 3 - Estrutura e composio da LDL ................................................. 14
Figura 4 - Estrutura e composio da HDL ................................................ 15
Figura 5 - Ativao da cascata inflamatria mediada pelo lipopolissacardeo ...................................................................... 21
Figura 6 - Alteraes do perfil lipdico durante a sndrome da resposta inflamatria sistmica .................................................. 27
Figura 7 - Fluxograma do estudo ............................................................... 46
Figura 8 - Seleo da amostra dos pacientes internados na UTI ............... 49
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Mtodos, reagentes e analisadores utilizados para o processamento do colesterol total, HDL, LDL, TG e apolipopprotenas ...................................................................... 41
Quadro 2 - Mtodos utilizados no Instituto da Criana para processamento dos exames ........................................................ 41
Quadro 3 - Classificao nutricional pelo clculo do escore Z segundo curvas de crescimento e desenvolvimento da OMS (2006/2007) ................................................................................ 43
Quadro 4 - Valores de referncia da dosagem de lipdeos em crianas entre 2 a 19 anos de idade segundo a V Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Preveno da Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) ............................. 45
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Classificao do estado nutricional e resultado do teste comparativo entre o primeiro e stimo dias de internao na UTI ........................................................................................ 51
Tabela 2 - Comparao da idade, gnero, perfil lipdico e PCR segundo grupos de pacientes (UTI e PS) no primeiro dia de avaliao (primeiras 24h) ...................................................... 52
Tabela 3 - Anlise comparativa dos valores das medidas antropomtricas, lipdeos, apolipoprotenas, PCR, albumina, leuccitos e linfcitos analisados no 1 e 7 dias de estudo nos pacientes internados na UTI ....................... 57
Tabela 4 - Resultado das correlaes entre apolipoprotenas, lipoprotenas, albumina, leuccitos e linfcitos no 1 dia de estudo na UTI com a PCR, escore de gravidade PRISM, idade e classificao nutricional ................................... 59
Tabela 5 - Anlise de regresso linear entre as variveis do perfil lipdico, leuccitos e linfcitos em relao ao aumento da PCR ........................................................................................... 60
Tabela 6 - Resultado das correlaes das alteraes do perfil lipdico durante o primeiro e stimo dias de estudo em relao s variveis PCR, peso, albumina, leuccitos e linfcitos ..................................................................................... 61
LISTA DE GRFICOS
Grfico 1 - Comparao dos valores de colesterol total no 1 dia de avaliao entre o grupo estudo (UTI) e grupo controle (PS) ............................................................................ 53
Grfico 2 - Comparao dos valores de triglicerdeos no 1 dia de avaliao entre o grupo estudo (UTI) e grupo controle (PS).......................................................................................... 53
Grfico 3 - Comparao dos valores de HDL no 1 dia de avaliao entre o grupo estudo (UTI) e grupo controle (PS).......................................................................................... 54
Grfico 4 - Comparao dos valores de LDL no 1 dia de avaliao entre o grupo estudo (UTI) e grupo controle (PS) .................... 54
Grfico 5 - Comparao dos valores de albumina no 1 dia de avaliao entre o grupo estudo (UTI) e grupo controle (PS).......................................................................................... 55
RESUMO
Bermudes ACG. Resposta inflamatria sistmica e alteraes no
metabolismo lipdico em crianas e adolescentes gravemente doentes
[dissertao]. So Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de So
Paulo; 2014.
Introduo: Durante a sndrome da resposta inflamatria sistmica
acontecem importantes alteraes no metabolismo lipdico. Estas alteraes
so descritas nos pacientes adultos com sepse grave, porm o perfil lipdico
no paciente peditrico gravemente doente pouco conhecido. Alm disso,
nos pacientes gravemente doentes baixas concentraes de colesterol
foram associadas a maior gravidade da doena e aumento na mortalidade.
Objetivos: Avaliar a relao entre a intensidade da reposta inflamatria e
alteraes no perfil lipdico em crianas e adolescentes gravemente doentes
admisso na UTI e se estas alteraes se atenuam medida que h
resoluo do processo inflamatrio. Mtodos: Analisamos o perfil lipdico de
40 pacientes com SIRS/sepse admitidos numa UTI Peditrica de nvel I. A
Protena C Reativa (PCR) foi utilizada para caracterizar resposta
inflamatria. Mensuramos os nveis sricos de triglicerdeos (TG), colesterol
total (CT), lipoprotena de alta densidade (HDL), lipoprotena de baixa
densidade (LDL) e apolipoprotenas admisso e no stimo dia de
internao. Utilizamos um grupo controle de 42 pacientes peditricos
avaliados no pronto socorro que no apresentavam sinais de sepse. Foi
utilizado o Pediatric Risk of Mortality Score nos pacientes admitidos na UTI e
realizada avaliao nutricional nos dois grupos. Resultados: As
concentraes de PCR apresentaram-se bastante elevadas no 1 dia do
estudo e tiveram uma reduo significativa durante a evoluo. Os pacientes
internados na UTI tiveram nveis significativamente mais baixos de CT, HDL,
LDL bem como concentraes mais altas de TG em comparao ao grupo
controle. Houve um aumento significativo nos nveis de CT, HDL, LDL e
apolipoprotenas entre o primeiro e stimo dias de estudo. No houve
relao entre a classificao nutricional e as concentraes de lipoprotenas.
Concluso: Durante a resposta inflamatria encontramos nveis sricos
mais baixos de lipdeos e apolipoprotenas com associao inversa em
relao s concentraes de PCR. medida que houve resoluo da
resposta inflamatria os nveis de CT, HDL, LDL e apolipoprotenas
aumentaram mostrando relao direta entre as alteraes no perfil lipdico e
a inflamao. As alteraes no perfil lipdico no se associaram ao estado
nutricional.
Descritores: Metabolismo dos lipdeos. Unidades de Terapia Intensiva
Peditrica. Sepse. Lipoprotenas. Desnutrio. Criana.
Adolescente.
ABSTRACT
Bermudes ACG. Systemic inflammatory response and changes in lipid
metabolism in critically ill children and adolescents [dissertation]. So Paulo:
Faculdade de Medicina, Universidade de So Paulo; 2014.
Introduction: During the course of systemic inflammatory response
syndrome, there are important changes in lipid metabolism. These changes
are described in adult patients with severe sepsis, but little is known about
lipid profile in critically ill pediatric patients. Furthermore, in critically ill
patients low cholesterol levels were shown to be correlated with the severity
of disease and associated with higher mortality rates. Purpose: To evaluate
the relationship among the intensity of the inflammatory response and
changes in lipid profile in critically ill children and adolescents on admission
to the PICU and whether these changes are attenuated as there is resolution
of the inflammatory process. Materials and Methods: We analyzed the
serum lipid in 40 patients with SIRS/sepsis admitted to the level I pediatric
ICU. The C-reactive protein (CRP) was used to characterize the inflammatory
response. We measured serum levels of triglyceride (TG), total cholesterol
(TC), high density lipoprotein (HDL), low density lipoprotein (LDL) and
apolipoprotein on admission and on the seventh day of hospitalization. We
used a control group of 42 pediatric patients seen in emergency department
without sepsis. Severity of disease was evaluated with Pediatric Risk of
mortality score (PRISM) on admission and nutrition classification was
performed in all patients. Results: CRP concentrations were very high on the
first day of the study and had a significant reduction during evolution. On
admission to the PICU, patients had significantly lower levels of TC, HDL,
LDL as well as higher concentrations of TG in comparison with control group.
There was a significant increase in the TC, HDL, LDL and apolipoprotein
levels between the first and seventh days of the study. There was no
relationship between the nutritional classification and lipoproteins levels.
Conclusions: During the systemic inflammatory response we found lower
serum levels of lipids and apolipoproteins with negative correlation in relation
to CRP. As improvement in the inflammatory response, the levels of CT,
HDL, LDL and apolipoprotein increased showing a direct relationship among
changes in lipid profile and inflammation. Changes in lipid profile were not
associated with nutritional status.
Descriptors: Lipid metabolism. Intensive Care Units, Pediatric. Sepsis.
Lipoproteins. Malnutrition. Child. Adolescent.
1 INTRODUO
INTRODUO - 2
1.1 Impacto da Subnutrio no Paciente Gravemente Doente
Muitos pacientes gravemente doentes admitidos na Unidade de
Terapia Intensiva (UTI) apresentam balano energtico negativo durante os
primeiros trs a quatro dias de internao, com potencial risco de
deteriorao. A sndrome da resposta inflamatria sistmica (SRIS),
frequentemente presente nestes pacientes, causa uma desregulao
metablica que leva liberao de catecolaminas e citocinas com acentuado
hipercatabolismo, protelise muscular e liplise, resultando em adicional
subnutrio hospitalar (Delgado et al., 2000; Calder et al., 2010; Delgado et
al., 2008).
A subnutrio existente antes da admisso hospitalar piora o
prognstico nas crianas gravemente doentes, alm disso, a presena de
doenas graves tambm causa repercusses importantes no estado
nutricional destes pacientes (Briassoulis et al., 2010). Vrios estudos
demonstraram que a subnutrio aguda afeta 6% a 41% das crianas
durante a internao hospitalar (Rocha et al., 2006; Joosten e Hulst, 2008),
enquanto que a incidncia de subnutrio nas crianas e adolescentes
gravemente doentes admitidas em UTI varia de 25% a 70% (Hulst et al.,
2004; Botrn et al.,2011; Zamberlan et al., 2011). Hulst et al. (2004)
avaliaram que o perodo de doena antes da admisso e ou a presena de
INTRODUO - 3
doena de base poderia explicar 24% de incidncia de sinais de subnutrio
aguda e ou crnica no momento da admisso hospitalar. Delgado et al.
(2008), em um estudo retrospectivo envolvendo 1.077 crianas e
adolescentes, mostraram uma alta prevalncia de subnutrio moderada
e/ou grave admisso em UTI. Em outro estudo, Botrn et al. (2011)
observaram que de 40% a 70% dos pacientes peditricos gravemente
doentes apresentaram algum grau de subnutrio o que prejudica a resposta
imune, aumenta a susceptibilidade s infeces e o incio da disfuno
orgnica levando a um aumento substancial da mortalidade.
A subnutrio pode se desenvolver durante internao na UTI e
associada com aumento da morbidade e mortalidade. Sua prevalncia
maior nas crianas abaixo de dois anos, nas que apresentam tempo de
internao hospitalar prolongado e nas que requerem ventilao mecnica
pulmonar (Zamberlan et al.,2011). Existem vrios fatores que contribuem para
o incio da subnutrio ou deteriorao do estado nutricional nas crianas
admitidas nas UTIs peditricas. Nas crianas gravemente doentes, ocorrem
alteraes metablicas complexas no intuito de mobilizar substratos
necessrios para a defesa do organismo. Estas mudanas levam a
subnutrio energtico-proteica caracterizada pela perda de protena corprea
e do depsito de gordura (Thibault e Pichard, 2010; Prieto e Cid, 2011).
Briassoulis et al. (2010) mostraram em seu estudo que durante a resposta ao
estresse ocorre aumento nos mediadores inflamatrios como as interleucinas
(IL) 6, 10 e diminuio nos marcadores nutricionais proporcionalmente a
gravidade da doena. Na resposta metablica ao estresse a sntese heptica
INTRODUO - 4
modificada com produo preferencial de glicoprotenas hepticas recm-
sintetizadas (como a protena C reativa [PCR]) e inibio dos marcadores
nutricionais como a albumina. As interleucinas e os triglicerdeos esto
aumentados nos pacientes com sepse e so correlacionados positivamente
com a gravidade da doena. Alm das alteraes metablicas, fatores
adicionais contribuem para o dficit energtico-proteico incluindo o atraso no
incio da alimentao e oferta inadequada de calorias/protenas que ocorrem,
muitas vezes, por intolerncia gastrointestinal ou necessidade de restrio
fludica (Mehta e Duggan, 2009).
As complicaes causadas pela subnutrio nos pacientes
gravemente doentes decorrem das alteraes das funes sistmicas que
incluem reduo da resposta imune; atrofia e aumento da permeabilidade da
barreira epitelial intestinal que facilita a translocao bacteriana. A
subnutrio hospitalar tem sido correlacionada a eventos adversos como:
aumento do tempo de ventilao mecnica, aumento no tempo de
internao hospitalar e durao da antibioticoterapia mais prolongada
(Briassoulis et al., 2001; de Souza Menezes et al.,2011; Tappenden et al.,
2013). Estes eventos levam a um aumento na taxa de mortalidade, tornando
prioritria a introduo precoce da terapia nutricional (Delgado et al., 2000 e
2008; Calder et al., 2010; Tappenden et al., 2013).
INTRODUO - 5
1.2 Lipdeos
Os lipdeos compreendem um grupo heterogneo de substncias que se
encontram presentes nos alimentos de origem vegetal e animal (Lpori, 2003).
Apesar de quimicamente diferentes entre si, exibem, como caractersticas
definidoras e comuns, insolubilidade em gua (Nelson e Cox, 2002a). As
funes biolgicas dos lipdeos so to diversas quanto sua estrutura qumica.
Alguns lipdeos servem como componentes estruturais de membranas
biolgicas como os fosfolipdeos e esteris ou como forma de armazenamento
de combustveis, os quais so derivados dos cidos graxos (AG) (Nelson e
Cox, 2002a; Guyton e Hall, 2002). Outros lipdeos, mesmo quando presentes
em quantidades relativamente pequenas tm papis cruciais como pigmentos
(retinol, caroteno), cofatores enzimticos (vitamina K), detergentes (sais
biliares), transportadores (dolicis), hormnios (derivados da vitamina D,
hormnios sexuais), mensageiros intra e extracelulares (eicosanoides e
derivados do inositol) e, ainda, funcionam como ncoras para as protenas de
membranas biolgicas (Nelson e Cox, 2002a).
Os cidos graxos so cidos carboxlicos derivados dos hidrocarbonetos
e os de ocorrncia mais frequente tm de 12 a 24 tomos de carbono em uma
cadeia no ramificada (Nelson e Cox, 2002a). Podem ser classificados como
saturados (no contm duplas ligaes), monossaturados e polinsaturados
dependendo do nmero de duplas ligaes entre os tomos de carbono
(Lpori, 2003). As propriedades fsicas dos cidos graxos e dos compostos que
os contm so principalmente determinadas pelo comprimento e pelo grau de
insaturao da cadeia de hidrocarboneto (Nelson e Cox, 2002a). Os lipdeos
INTRODUO - 6
mais simples, construdos a partir de AG, so os triglicerdeos (TG). Estes so
compostos de trs AG, cada um em ligao ster com o mesmo glicerol e so
classificados como simples quando contm o mesmo tipo de AG nas trs
posies ou mistos quando contm dois ou mais tipos de AG. A maior parte dos
AG sintetizados ou ingeridos por um organismo tem um dos seguintes destinos:
incorporao em triglicerdeos para armazenamento de energia metablica ou
incorporao em fosfolipdeos componentes de membranas biolgicas
(Nelson e Cox, 2002a; Guyton e Hall, 2002).
A caracterstica central na arquitetura de membranas biolgicas a
camada dupla de lipdeos, a qual age como uma barreira impedindo a
passagem de molculas polares e ons (Nelson e Cox, 2002a). Os lipdeos
da membrana so anfipticos, ou seja, um dos lados da molcula
hidrofbico, o outro hidroflico. Os trs principais lipdeos de membrana so:
glicerofosfolipdeos, nos quais as regies hidrofbicas so compostas por
dois AG ligados a um glicerol; esfingolipdeos, nos quais um nico AG est
ligado a uma amina graxa (esfingosina); e esteris, compostos
caracterizados por um sistema rgido de quatro anis hidrocarbnicos
fundidos (Nelson e Cox, 2002a; Guyton e Hall, 2002).
O colesterol o esterol mais importante e est presente na maioria das
membranas celulares nos tecidos animais. um lipdeo essencial para a
sntese de membranas biolgicas, produo de hormnios esteroides e como
precursor da vitamina D (Guyton e Hall, 2002). Em humanos, a maior parte da
sntese do colesterol ocorre no fgado. Sua estrutura molecular composta de
27 tomos de carbono e tem como o precursor o acetato (Nelson e Cox,
INTRODUO - 7
2002a). Uma pequena frao do colesterol sintetizado no fgado incorporada
nas membranas dos hepatcitos, mas a maior parte dele exportada em uma
das trs formas: colesterol biliar, cidos biliares e steres do colesterol. Os
cidos biliares e seus sais so derivados do colesterol relativamente
hidroflico, so sintetizados no fgado e ajudam na digesto dos lipdeos. Os
steres do colesterol so formados no fgado por meio da ao da enzima
acil-CoA-colesterol acetiltransferase. Esta enzima catalisa a transferncia de
um AG da coenzima A para o grupo hidroxila do colesterol, convertendo o
colesterol numa substncia mais hidrofbica para ser transportado e
armazenado (Nelson e Cox, 2002a e Guyton e Hall, 2002).
A maior parte das gorduras da dieta so os triglicerdeos de origem
vegetal e animal, o restante so steres de colesterol, fosfolipdeos e vitaminas
lipossolveis. Os lipdeos permanecem em torno de trs horas no estmago
quando a enzima lipase (lingual e gstrica) comea a hidrlise dos
triglicerdeos. O principal local de digesto o intestino delgado onde os
triglicerdeos so emulsificados pelos movimentos peristlticos e os sais biliares
estabilizam a emulso formando uma micela. Assim, as micelas so
degradadas pela lipase pancretica que hidrolisa os triglicerdeos, liberando
cidos graxos. Outra enzima pancretica, fosfolipase A2, hidrolisa os
fosfolipdeos com liberao de cidos graxos bem como, a enzima colesterol
estearase que degrada os steres de colesterol formando o colesterol livre e os
cidos graxos. Os cidos graxos com menos de 10 carbonos passam
diretamente do lmen intestinal para os capilares da veia porta. Os cidos
graxos de cadeias maiores atravessam as microvilosidades do entercito a
INTRODUO - 8
favor de gradiente (Lpori, 2003). Dentro dos entercitos, a lipase intracelular
completa a hidrlise dos produtos que no foram totalmente degradados. Uma
vez absorvidos pelos entercitos, os produtos da degradao dos lipdeos da
dieta so utilizados para ressintetizar triglicerdeos, fosfolipdeos e steres de
colesterol no retculo endoplasmtico (Guyton e Hall, 2002; Lpori, 2003).
1.3 Lipoprotenas
O colesterol, ster de colesterol, triglicerdeo e fosfolipdeo so
essencialmente insolveis em gua e precisam ser transportados do tecido
de origem para os tecidos nos quais sero armazenados ou consumidos
(Nelson e Cox, 2002b). Eles so transportados na forma de lipoprotenas
plasmticas que so complexos macromoleculares sintetizados no fgado e
intestino delgado, apresentando uma estrutura bsica esfrica com um
centro hidrofbico formado por lipdeos neutros (ster de colesterol e
triglicerdeo) e uma superfcie hidroflica rica em fosfolipdeo, colesterol livre
e protenas de superfcie que solubilizam o centro lipdico hidrofbico (Rader,
2006; Hoofnagle e Heinecke, 2009).
Suas protenas de superfcie, apolipoprotenas (apo), alm do transporte
dirigindo as lipoprotenas para tecidos especficos, desempenham funes
metablicas importantes como a ativao de enzimas e a interao das
lipoprotenas com seus receptores nas superfcies celulares. O metabolismo de
cada classe de lipoprotena ditado pela sua maior protena estrutural (Rader,
2006; Hoofnagle e Heinecke, 2009). Diferentes combinaes de lipdeos e
protenas produzem partculas com densidades diferentes. As lipoprotenas so
INTRODUO - 9
classificadas em cinco grupos de acordo com sua densidade: quilomicrons,
lipoprotena de densidade muito baixa (VLDL), lipoprotena de densidade
intermediria (IDL), lipoprotena de baixa densidade (LDL) e lipoprotena de alta
densidade (HDL) (Guyton e Hall, 2002; Murch et al., 2006). Cada classe de
lipoprotena tem sua funo especfica, determinada por seu lugar de sntese,
composio lipdica e contedo de apolipoprotena. Pelo menos nove
apolipoprotenas diferentes so encontradas entre as lipoprotenas do plasma
humano (Nelson e Cox, 2002b).
1.3.1 Quilomicrons
Os quilomicrons so as lipoprotenas encarregadas de transportar os
lipdeos exgenos. So as maiores lipoprotenas (> 100 nm) e as de menor
densidade (< 0,96 g/mL), sendo compostos por 90% de triglicerdeos de
origem exgena, 10% de fosfolipdeos e colesterol (Lpori, 2003). So
sintetizados no retculo endoplasmtico das clulas epiteliais que recobrem a
superfcie interna do intestino delgado e, ento, so transportadas atravs
do sistema linftico e entram na corrente sangunea atravs da veia
subclvia (Nelson e Cox, 2002). Quando os quilimicrons so despejados na
corrente sangunea, comeam a interagir com outras lipoprotenas e seus
lipdeos so substratos de diferentes sistemas enzimticos que degradam
90% dos triglicerdeos transportados (Lpori, 2003).
As apolipoprotenas dos quilomcrons incluem a apo B-48, apo E e
apo C II. A apo C II ativa a lipase lipoprotica nos capilares do tecido
adiposo, tecido cardaco, msculo esqueltico e glndula mamria em
INTRODUO - 10
lactao, permitindo a liberao de AG livres para estes tecidos. Dessa
forma, os quilomcrons transportam os AG obtidos na dieta para os tecidos
em que sero consumidos ou armazenados como combustveis (Nelson e
Cox, 2002; Guyton e Hall, 2002). Os remanescentes dos quilomcrons,
privados da maior parte dos seus TG, mas ainda contendo colesterol, apo E
e apo B-48, movem-se atravs da corrente sangunea at o fgado. Existem,
no fgado, receptores que se ligam apo E dos remanescentes de
quilomcrons e promovem sua absoro por endocitose, assim, liberam
colesterol e so degradados nos lisossomos (Nelson e Cox, 2002).
Figura 1 - Transporte e metabolismo exgeno dos lipdeos [Fonte: Lpori (2003)]
INTRODUO - 11
1.3.2 Lipoprotena de muito baixa densidade
Quando a dieta contm mais AG que a quantidade imediatamente
necessria para ser utilizada como combustvel, estes so convertidos em
TG no fgado para formar VLDL. Os carboidratos que chegam em excesso
pela dieta tambm podem ser convertidos em TG no fgado e exportados
como VLDL (Nelson e Cox, 2002). A VLDL apresenta dimetro de 30 nm a
100 nm e sua densidade oscila em torno de 0,96 g/mL a 1,006 g/mL.
Contm de 50% a 65% de triglicerdeos de origem endgena, 20% de
colesterol e o restante so fosfolipdeos, bem como apo B-100, apo C-I, apo
C-II, apo C-III e apo E (Lpori, 2003). Estas lipoprotenas so transportadas
do fgado para os msculos e tecido adiposo, onde a ativao da lipase
lipoprotica endotelial pela apo C-II provoca a liberao de AG livres a partir
de seus TG. Os adipcitos captam estes AG, ressintetizam os TG a partir
deles e armazenam os produtos em gotculas lipdicas intracelulares; j os
micitos empregam estes AG na produo de energia por oxidao. A maior
parte dos remanescentes de VLDL retirada da circulao pelos
hepatcitos. Assim como os quilomcrons, esta captao depende da
mediao de receptores e da presena de apo E nos remanescentes de
VLDL (Nelson e Cox, 2002).
INTRODUO - 12
Figura 2 - Estrutura e composio da VLDL [Fonte: Lpori (2003)]
1.3.3 Lipoprotena de densidade intermediria
A hidrlise dos triglicerdeos da VLDL pela lipoprotena lipase
endotelial e a transferncia de ster de colesterol da HDL, a converte em
remanescentes de VLDL tambm chamada de IDL. As IDL apresentam
densidade de 1,006 g/mL a 1,009 g/mL e transportam 45% de colesterol e
35% de triglicerdeos. Suas apoliprotenas so apo B e pequenas
quantidades de apo C e E (Lpori, 2003). A IDL pode ter dois destinos
metablicos: ser captada por receptores hepticos ou converter-se a LDL
(Nelson e Cox, 2002).
INTRODUO - 13
1.3.4 Lipoprotena de baixa densidade
A LDL surge do catabolismo da IDL no plasma aps remoo de
quase todos os TG (Guyton e Hall, 2002). So menores e apresentam
densidade entre 1,019 g/mL a 1,063 g/mL. Estas lipoprotenas so muito
ricas em colesterol, steres de colesterol, fosfolipdeos e contm apo B-100
como sua principal apolipoprotena (Lpori, 2003). A LDL tem a funo de
transportar o colesterol para os tecidos perifricos (outros tecidos que no
fgado). Estes tecidos possuem protenas receptoras de superfcie
especficas (receptores de LDL) que reconhecem a apo B-100 da LDL e
intermedeiam a captao do colesterol e dos steres de colesterol a partir
desta partcula. A ligao de LDL em um receptor de LDL inicia o processo
de endocitose, o que leva a LDL e seu receptor associado para o interior da
clula o qual contm enzimas que hidrolisam os steres de colesterol
liberando o colesterol e cidos graxos. A apo B-100 tambm degradada
em aminocidos, porm o receptor da LDL escapa da degradao e retorna
para a superfcie celular onde pode funcionar novamente na captao de
outra partcula (Nelson e Cox, 2002). O receptor de LDL no fgado, tambm
se liga a apo E e desempenha um papel importante na captao heptica
dos remanescentes dos quilomcrons e VLDL. Em altas concentraes
sricas, a LDL tambm responsvel pelo acmulo de lipdeos nos
macrfagos endoteliais levando a formao das clulas espumosas com
consequente aparecimento de leses aterosclerticas na parede das artrias
(Khovidhunkit et al., 2000; Guyton e Hall, 2002).
INTRODUO - 14
Figura 3 - Estrutura e composio da LDL [Fonte: Lpori (2003)]
1.3.5 Lipoprotena de alta densidade
A HDL representa um amplo grupo de lipoprotenas plasmticas, a
maioria em formato esferoidal, que exibem diversidades em tamanho,
apolipoprotenas e composio lipdica. Apresenta densidade mdia entre
1,063 g/mL a 1.21 gmL e dimetro que oscila entre 8 nm a 12 nm.
composta por 40% de ster de colesterol, 60% de fosfolipdeos e escassos
triglicerdeos (Lpori, 2003; Wu et al., 2004). Por ser menor que as outras
lipoprotenas pode prontamente penetrar entre as clulas endoteliais
permitindo altas concentraes nos fluidos teciduais (Wu et al., 2004).
A HDL de origem heptica rica em apo E e a de origem intestinal
rica em apo A1, a maior apolipoprotena presente na HDL e que fornece
estabilidade estrutural a molcula esfrica (Lpori, 2003). Apolipoprotena A1
INTRODUO - 15
constitui aproximadamente 70% das protenas da HDL e est presente em
todas as suas partculas. sintetizada tanto no intestino quanto no fgado e
em associao com fosfolipdeos e colesterol envolve um centro de ster de
colesterol formando a lipoprotena. Alm da apo A1, o HDL tambm contm
apo A2 e ambas so requeridas para sua biossntese normal.
Apolipoprotena A2 constitui aproximadamente 20% das protenas da HDL,
est presente em dois teros das partculas de HDL em humanos e
sintetizada apenas no fgado (Rader, 2006).
Figura 4 - Estrutura e composio da HDL [Fonte: Lpori (2003)]
A HDL apresenta tambm, em sua superfcie, enzimas e protenas
transferidoras que so essenciais para o transporte reverso do colesterol
(transporte do colesterol do tecido perifrico para o fgado) como a: lecitina
colesterol acetil transferase (LCAT), protena transferidora de ster de
INTRODUO - 16
colesterol (CETP) e protena transferidora de fosfolpides (PLTP). Alm
disso, a HDL carreia protenas antioxidantes como a paraoxonase, fator
ativador de plaquetas acetil hidrolase (FAP-AH), protectina, transferrina e
clusterina que servem para proteger as membranas celulares de radicais
livres e inibir o processo oxidativo (Wu et al., 2004; Wendel et al., 2007).
A HDL nascente, secretada pelo fgado ou intestino, no contm EC e
apresenta formato discoide (Wu et al., 2004). Origina-se de apolipoprotenas
livres de lipdeos ou pobres em lipdeos secretadas pelos entercitos ou
hepatcitos e adquire a maioria de seus lipdeos nas clulas perifricas (Wu
et al., 2004; Murch et al., 2007). Recebe os fosfolpides e colesterol de
tecidos perifricos em um processo de lipidao promovido pela ATP binding
cassette A1 transporter (ABCA1), protena transportadora presente nas
clulas ricas em colesterol (Khovidhunkit et al., 2000; Murch et al., 2007;
Contreras-Duarte et al., 2014). A apo A1 captada por estas clulas por
endocitose e, ento, secretada com uma carga de colesterol formando a pr
HDL discoide (Khovidhunkit et al., 2000; Nelson e Cox, 2002; Murch et al.,
2007). A pr HDL recebe mais colesterol livre das clulas perifricas por
mecanismo de difuso facilitada pelos receptores scavenger receptor class
B type 1 (SR-BI), presentes nas clulas ricas em colesterol, que acionam o
movimento passivo do colesterol da superfcie celular para a pr HDL
(Khovidhunkit et al., 2000; Nelson e Cox, 2002; Contreras-Duarte et al.,
2014). Este colesterol esterificado pela LCAT mantendo o gradiente de
difuso do colesterol livre da membrana plasmtica para a HDL. Esta reao
converte a pr HDL discoide em HDL esfrica (Khovidhunkit et al., 2000).
INTRODUO - 17
A HDL remodelada pela CETP que transfere o ster de colesterol
da HDL para outras lipoprotinas; e pela lipoprotena lipase que hidrolisa o
triglicerdeo da HDL em um processo que reduz o tamanho da partcula e
que leva a dissociao da pr HDL e apo A1 pobre em lipdeos
(Khovidhunkit et al., 2000). A pr HDL e apo A1 pobre em lipdeos,
tambm so geradas como produto do remodelamento da HDL pela PLTP
que medeia troca de fosfolipdeo e colesterol entre as lipoprotenas ricas
em TG e HDL (Wu et al., 2004).
O maior local de captao da HDL o fgado e o melhor mecanismo
entendido para a captao direta da HDL pelo fgado mediado pelos
receptores SR-BI que tambm esto presentes nos tecidos hepticos e
promovem a captao do colesterol e outros lipdeos da HDL sem mediar
degradao das apolipoprotenas, um processo conhecido como captao
seletiva. A partcula de HDL sem esses lipdeos se dissocia para recircular
na corrente sangunea e extrair mais lipdeos dos remanescentes dos
quilomcrons, das VLDL e dos tecidos extra-hepticos (Rader, 2006). Os
lipdeos transportados dos tecidos perifricos pela HDL so
subsequentemente secretados pela bile (Wu et al., 2004; Murch et al., 2007).
As funes da HDL so mediadas por suas apolipoprotenas, enzimas
e protenas transferidoras associadas. Uma das principais funes da HDL
seu efeito antiaterognico, pois protege a LDL contra as modificaes
oxidativas e medeia a remoo do colesterol das clulas espumosas por
transportar este colesterol de volta para o fgado para metabolismo e/ou
excreo atravs do transporte reverso de colesterol (Khovidhunkit et al.,
INTRODUO - 18
2000). Alm disso, pesquisas recentes tm revelado que a HDL apresenta
muitos mecanismos imunomodulatrios como: atenuao na expresso de
molculas de adeso (VCAM-1, ICAM-1 e E-selectina) prevenindo a adeso
de neutrfilos, transmigrao destas clulas e infiltrado inflamatrio;
aumento da expresso do xido ntrico endotelial que leva a reduo da
adeso dos moncitos e plaquetas ao endotlio diminuindo a leso tecidual
e atividade antioxidante atravs das enzimas paraoxonase (PON) e FAP-AH
que protegem as outras lipoprotenas contra oxidao (Wu et al., 2004;
Contretas-Duarte et al., 2014).
1.4 Papel das Lipoprotenas e Resposta Inflamatria Sistmica
Vrios estudos recentes mostraram que todas as classes de
lipoprotenas exercem aes anti-inflamatrias diretas por inibirem a
expresso de molculas de adeso e citocinas pro-inflamatrias, por
estimularem a liberao de xido ntrico endotelial e por aumentarem a
atividade e expresso de protenas e enzimas anti-inflamatrias, bem como
so responsveis pela ligao e neutralizao dos componentes externos da
parede das clulas bacterianas (Wu et al., 2004; Berbe et al., 2006; Murch
et al., 2007; Wendel et al., 2007).
A capacidade das lipoprotenas em se ligarem e inativarem as
endotoxinas modulada por suas apolipoprotenas (Wu et al., 2004). Tanto
a apo A1 presente no HDL, apo B presente no LDL e apo E presente no
VLDL, IDL e HDL so capazes de diretamente inativar a endotoxina
diminuindo a liberao das citocinas (Fraunberger et al., 1999; Wu et al.,
INTRODUO - 19
2004). Emancipator et al. (1992) mostraram que tanto apo B quando apo A1
so capazes de se ligarem e neutralizarem os lipopolissacardeos (LPS). De
Bont et al. (1999) mostraram em um estudo realizado em ratos deficientes
de apo E que estes so mais susceptveis a endotoxemia e infeco por
Klebsiella pneumoniae em relao ao grupo controle. Em outro estudo
realizado em ratos, Van Oosten et al. (2001) mostraram que a administrao
exgena de apo E em ratos deficientes desta apolipoprotena diminuiu a
produo de citocinas inflamatrias induzidas pelo LPS havendo uma
reduo significativa da mortalidade.
O lipopolissacardeo, componente da membrana externa das
bactrias GRAM negativas, o maior fator patognico na sepse causado por
este grupo de bactrias. As bactrias GRAM positivas tambm liberam
molculas citotxicas, incluindo endotoxinas, peptideoglicanos e cido
lipoteicico (ALT) (Zhang et al., 2009). Estes fatores se ligam aos receptores
das clulas alvo (macrfagos, moncitos e neutrfilos) e ativam a cascata
inflamatria. Vrios estudos experimentais mostraram que o LPS e ALT se
ligam e so neutralizados pelas lipoprotenas e esta ligao facilitada por
protenas especficas transferidoras de lipdeos que incluem a protena
ligadora do LPS (LBP), CEPT e PLTP (Wu et al., 2004; Murch et al., 2007;
Contreras-Duarte et al., 2014). A LBP tem importncia crucial na interao
destas endotoxinas com vrios sistemas imunes do hospedeiro. uma
glicoprotena reagente de fase aguda que forma complexo de alta afinidade
com o LPS e seu nvel srico aumenta at cem vezes durante a resposta
inflamatria sistmica (Wu et al., 2004). A LBP circula no plasma associado
INTRODUO - 20
s lipoprotenas, modula a ligao do LPS a estas lipoprotenas e age como
cofator na neutralizao do LPS e outras endotoxinas por redirecion-las
para as clulas parenquimatosas hepticas que sero subsequentemente
secretadas na bile onde so inativadas (Contreras-Duarte et al., 2014).
Consequentemente, os macrfagos se tornam menos ativados o que resulta
numa reduo da produo e liberao de mediadores pr-inflamatrios (de
Bont et al., 1999; Van Oosten et al., 2001; Contreras-Duarte et al., 2014).
Wurfel et al. (1994) e Levels et al., (2001) mostraram que a maioria da LBP
associada s lipoprotenas contendo apo A1 o que pode explicar a ligao
preferencial entre a HDL e as endotoxinas. Estudo realizado por Vreugdenhil
et al., (2001) observou que LBP associada principalmente a partculas
contendo apo B (LDL e VLDL) em pacientes com inflamao sistmica.
Entretanto a LBP apresenta tambm aes pr-inflamatrias, pois
desempenham uma funo primordial na ligao do LPS ao CD14, uma
protena componente do sistema imune que pode se apresentar de duas
formas: solvel no plasma ou ancorada a membrana plasmtica de vrias
clulas de defesa (moncitos, macrfagos e neutrfilos). O LPS se liga
LBP e juntos formam um complexo de alta afinidade pelo CD14 e o receptor
Toll-like 4, uma protena transmembrana tambm presente nestas clulas
que desempenha papel importante na deteco e reconhecimento de
patgenos microbianos (Figura 2). Esta ligao (LBP+ LPS+ CD14+ receptor
Toll-like) causa a ativao destas clulas de defesa atravs de uma via de
sinalizao que induz a liberao de mediadores inflamatrios como o fator
de necrose tumoral alfa (TNF) e outras interleucinas que so responsveis
INTRODUO - 21
pelas mudanas metablicas e fisiolgicas que levam finalmente s
condies patolgicas na sepse (Van Oosten et al., 2001; Wu et al., 2004;
Berbe et al., 2006; Levels et al., 2007). Tambm foi relatado que a ativao
das clulas do sistema imune pela ALT, depende do CD14 e da via de
sinalizao do receptor Toll-like mostrando que a LBP tambm necessria
para a neutralizao das bactrias GRAM positivas (Jiao e Wu, 2008).
Assim, LBP, CD14, TLR e as lipoprotenas desempenham um papel crucial
no balano entre a neutralizao das endotoxinas e a ativao do sistema
imune (Wu et al., 2004).
Figura 5 - Ativao da cascata inflamatria mediada pelo lipopolissacardeo [Fonte: Nature Reviews/Microbiology
1]
1 Disponvel em: .
Acesso em 30 out 2014.
INTRODUO - 22
1.5 Alteraes do metabolismo lipdico na criana e adolescente
gravemente doentes
Grandes mudanas na composio corprea e consequente alterao
no perfil plasmtico de lipdeos e lipoprotenas so descritas na SIRS/sepse
(Wu et al., 2004; Murch et al., 2007; Wendel et al., 2007). As citocinas pr-
inflamatrias como: TNF, IL 6, e IL 1, que so importantes mediadores da
resposta inflamatria, so conhecidas por afetar a sntese heptica das
apolipoprotenas e os reagentes de fase aguda (Cabana et al., 1989; Van
Lenten et al., 2001; van Leeuwen et al., 2003; Wendel et al., 2007). Cabana
et al., (1989), em um estudo feito em coelhos, mostraram as alteraes
marcantes no padro plasmtico das lipoprotenas e que estas coincidem
com o aumento das concentraes de PCR.
A mudana mais caracterstica no metabolismo lipdico durante infeco
e inflamao a hipertrigliceridemia (Khovidhunkit et al., 2000; Wu et al., 2004).
Tipicamente, esta resposta induzida por citocinas pr-inflamatrias rapidamente
induz a liplise do tecido adiposo e a sntese heptica de cidos graxos,
caracterizada pelo aumento dos TG e da produo de VLDL (Khovidhunkit et
al., 2000; Carpentier e Scruel, 2002). Alm disso, altas taxas de endotoxina
deprimem a atividade da lipoprotena lipase, enzima responsvel pelo
clareamento das protenas ricas em triglicerdeos, levando a uma reduo no
clareamento de VLDL, assim como do triglicerdeo plasmtico (Khovidhunkit et
al. 2000; Carpentier e Scruel, 2002; Wu et al., 2004; Wendel et al., 2007). Alm
das mudanas nos nveis de VLDL e TG, a composio da VLDL tambm
alterada durante infeco e inflamao tornando-a partcula rica em
esfingolipdeos que pode aumentar sua capacidade aterognica (Khovidhunkit
et al., 2000; Carpentier e Scruel, 2002).
INTRODUO - 23
Durante a resposta inflamatria, alm do aumento nas concentraes de
lipoprotenas ricas em triglicerdeos e hipertrigliceridemia, tambm ocorrem
redues nos nveis sricos de colesterol total (CT), LDL e HDL devido
principalmente reduo no contedo de ster de colesterol nestas
lipoprotinas (Cabana et al., 1989; Fraunberger et al., 1999; Gordon et al.,
2001; Carpentier e Scruel, 2002; van Leeuwen et al., 2003; Wu et al., 2004;
Contreras-Duarte et al., 2014) (Figura 6). Vrios estudos clnicos demonstraram
uma reduo importante nos nveis de CT, HDL, LDL, apo A1 e apo B
admisso em UTI e estes nveis foram inversamente relacionados com as
concentraes de procalcitonina e citocinas pr-inflamatrias, alm disso, a
hipocolesterolemia grave foi associada maior gravidade da doena de base
nestes pacientes (Gordon et al., 2001; Vermont et al., 2005; Yildiz et al., 2009).
Os mecanismos de reduo dos nveis de HDL no foram totalmente
esclarecidos. Um destes mecanismos seria a elevao dos nveis sricos de
fosfolipase A2 secretria, uma protena de fase aguda, que aumenta o
catabolismo do ster de colesterol e das apolipoprotenas da HDL, resultando
na reduo dos nveis sricos da HDL (Wu et al., 2004; Vyroubal et al., 2008;
Contreras-Duarte et al., 2014). Alm disso, as citocinas pr-inflamatrias
diminuem a sntese ou secreo das apolipoprotenas pelas clulas hepticas
reduzindo a formao da HDL (Wu et al., 2004; Vyroubal et al., 2008). Mais
ainda, a diminuio da HDL na inflamao tem sido atribuda principalmente
reduo da atividade da LCAT, levando a um comprometimento na formao
do ster de colesterol e maturao da partcula de HDL (Barlage et al., 2001;
Wu et al., 2004; Levels et al., 2007; Contreras-Duarte et al., 2014). Durante a
INTRODUO - 24
resposta de fase aguda, muitos potenciais mecanismos para a reduo da
atividade da LCAT tm sido relatados como: efeito regulatrio das citocinas (IL
2) que suprimem a atividade e expresso da LCAT ou devido substituio da
apo A1, principal ativador da LCAT, pela protena de fase aguda amilide srica
A (SAA) (Barlage et al., 2001; Wu et al., 2004; Contreras-Duarte et al., 2014).
Um estudo realizado por Barlage et al. (2001) em pacientes cirrgicos com
SIRS mostraram que as partculas de HDL ricas em apo A1 estavam reduzidas
ou mesmo ausentes durante a inflamao e que a atividade da LCAT estava
diminuda nos pacientes com SIRS quando comparadas ao grupo controle e
esta diminuio foi maior nos pacientes com sepse e sepse grave.
A diminuio dos contedos do colesterol total, LDL e HDL ocorrem
dentro de poucas horas aps o incio da resposta inflamatria e tem sido
atribuda aos efeitos das endotoxinas e citocinas e associada gravidade da
doena (Carpentier e Scruel, 2002; Vermont et al., 2005; Wendel et al., 2007;
Chiara et al., 2010). Como observado no estudo realizado por Hudgins et al.
(2003), em pacientes voluntrios que receberam uma dose de endotoxina, os
pacientes em questo, desenvolveram sintomas leves de gripe e apresentaram
aumento dos marcadores inflamatrios associados reduo dos nveis de CT,
LDL, TG e apo B que retornaram aos nveis basais em 48-72h aps a injeo.
Levels et al. (2007) mostraram em um estudo realizado em vinte pacientes
adultos com sepse por GRAM negativo que os nveis circulantes de PCR, IL6,
IL8, LBP e TNF estavam elevados no primeiro dia de internao e
apresentaram correlao inversa com os nveis de TG, VLDL, apo A1, apo B e
HDL que estavam abaixo dos valores normais no primeiro dia e aumentaram na
INTRODUO - 25
evoluo. A atividade de LCAT foi drasticamente reduzida nos pacientes
spticos em questo. Neste mesmo trabalho, os autores tambm mostraram
em um estudo experimental realizado em voluntrios humanos com sepse
induzida por Escherichia coli que a endotoxemia reduziu os nveis sricos de
CT, TG, LDL e apo A1 e que o tratamento com HDL reconstituda aumentou os
nveis sricos de CT, HDL e apo A1.
As mudanas na composio e concentrao das lipoprotenas que
acontecem na inflamao podem alterar a funo destas partculas tornando-as
pr-inflamatrias (Cabana et al., 1989; Wu et al., 2004; Wendel et al., 2007).
Ento, alm das alteraes quantitativas, acontecem tambm mudanas
significantes na composio destas lipoprotenas, especialmente no caso da
HDL que perde seu maior componente proteico, apo A1, que substituda por
uma protena de fase aguda, a SAA que durante a inflamao representa 90%
das apoprotenas presentes na HDL (Khovidhunkit et al., 2000; Carpentier e
Scruel, 2002; Wendel et al., 2007; Zhang et al., 2009). A substituio da apo A1
pela SAA associada com a converso da HDL em uma partcula pr-
inflamatria, HDL de fase aguda (Khovidhunkit et al., 2000; Zhang et al., 2009).
A SAA uma das trs maiores protenas de fase aguda associada HDL,
produzida predominantemente pelos hepatcitos em reposta as citocinas pr-
inflamatrias. A HDL de fase aguda menor em tamanho, contm menores
quantidades de ster de colesterol, enriquecida de colesterol livre,
triglicerdeos e esfingolipdeos (Wu et al., 2004). As enzimas como a
paraoxonase e FAP-AH associadas HDL esto reduzidas, diminuindo assim
sua capacidade antioxidante (Khovidhunkit et al., 2000; Wendel et al., 2007). A
INTRODUO - 26
mudana no padro de apoprotena da HDL de fase aguda aumenta seu
catabolismo levando ao declnio rpido de suas concentraes plasmticas
durante a resposta inflamatria reduzindo marcadamente a capacidade de
neutralizao das endotoxinas por esta lipoprotena (Murch et al., 2007; Wu et
al., 2004; Contreras-Duarte et al., 2014). Chenaud et al. (2004) mostraram em
um estudo prospectivo observacional com 63 pacientes que baixas
concentraes plasmticas de HDL e apo A1 admisso, foram relacionadas
com exacerbao da resposta inflamatria.
A reduo na LDL durante a resposta de fase aguda no totalmente
esclarecida, mas alguns estudos mostraram que citocinas pr-inflamatrias
como TNF, IL6 e IL1 podem aumentar a degradao intracelular de apo B,
reduzir a atividade da lipoprotena lipase e aumentar a atividade do receptor de
LDL. Todas estas alteraes levam reduo na formao da LDL ou aumento
de seu catabolismo (Fraunberger et al.; 1999). Alm disso, durante a
inflamao surgem partculas pequenas e densas de LDL que facilmente
atravessam o endotlio vascular, ligam-se aos proteoglicanos do espao
subendotelial e so mais susceptveis a leses peroxidativas (Khovidhunkit et
al., 2000; Carpentier e Scruel, 2002). Esta reteno na ntima vascular reduz os
nveis circulantes de LDL durante a resposta inflamatria. Estudos mostraram
que as apoprotenas quando comparadas com suas respectivas lipoprotenas,
apresentam o mesmo padro de reduo o que sugere que durante a sepse
grave no apenas o colesterol nas lipoprotenas diminui como tambm ocorre
reduo na quantidade das lipoprotenas (Carpentier e Scruel, 2002; van
Leeuwen et al., 2003).
INTRODUO - 27
Figura 6 - Alteraes do perfil lipdico durante a sndrome da resposta inflamatria sistmica
1.6 Mudanas Proaterognicas dos Lipdeos e Lipoprotenas Durante
Infeco e Inflamao
A leso aterosclertica na parede da artria caracterizada pelo
acmulo de lipdeos nos macrfagos, resultando na formao das clulas
espumosas. O desenvolvimento destas clulas primariamente regulado
pela captao e remoo dos lipdeos. A hipercolesterolemia, especialmente
nveis elevados de LDL, hipertrigliceridemia e nveis elevados de
lipoprotenas ricas em TG so importantes fatores de risco para doena
arterial coronariana. A LDL e possivelmente VLDL desempenham papel
fundamental na captao de lipdeos pelas clulas perifricas e por outro
INTRODUO - 28
lado, nveis sricos elevados de HDL so inversamente correlacionados com
risco para aterosclerose sendo a HDL lipoprotena chave na remoo dos
lipdeos dos macrfagos da parede arterial (Khovidhunkit et al., 2000).
Muitas mudanas no metabolismo da LDL durante infeco e
inflamao podem promover aterognese. Para que haja a formao das
clulas espumosas, as partculas de LDL precisam sofrer oxidao. Embora
os nveis de LDL diminuam durante a resposta inflamatria, ocorre o
aparecimento de pequenas e densas partculas de LDL que acredita ser
mais proaterognicas, pois so particularmente mais susceptveis
oxidao, e por serem de menor tamanho, podem penetrar a barreira
endotelial ligando-se aos proteoglicanos da ntima resultando na reteno de
lipdeos na parede arterial (Khovidhunkit et al., 2000; Carpentier e Scruel,
2002). Estas pequenas e densas partculas de LDL possuem menor
afinidade de ligao pelo receptor de LDL, resultando no aumento da meia
vida plasmtica e reduo no clareamento. Durante infeco e inflamao,
as protenas associadas HDL que possuem efeitos antioxidantes como a
paraoxonase, FAP-AH, ceruloplasmina e transferrina sofrem alteraes e
estas mudanas afetam a capacidade de proteo da HDL contra a oxidao
da LDL (Carpentier e Scruel, 2002; Contreras-Duarte et al., 2014).
Pela reduo nas concentraes de HDL e apo A1 durante infeco e
inflamao, pode ocorrer prejuzo na remoo do colesterol das clulas
perifricas mediada pela apolipoprotena levando a uma reduo no
transporte reverso de colesterol durante a resposta inflamatria. A atividade
da LCAT est reduzida durante infeco e inflamao o que pode
INTRODUO - 29
potencialmente prejudicar a remoo de colesterol pelo fato do gradiente de
colesterol livre no ser eficientemente mantido para que ocorra difuso
(Barlage et al., 2001; Wu et al., 2004; Levels et al., 2007; Contreras-Duarte
et al., 2014). As atividades plasmticas de CETP e lipase heptica (LH)
tambm esto reduzidas durante a resposta inflamatria, assim, a reduo
da atividade da CETP pode limitar a transferncia do colesterol para a
lipoprotena rica em TG para eliminao no fgado e a reduo da atividade
da LH pode potencialmente reduzir a gerao da pr HDL o que poderia
prejudicar a transferncia do colesterol celular para a HDL (Contreras-Duarte
et al., 2014). Durante a infeco, a HDL de fase aguda mais rapidamente
clareada da circulao que a HDL normal (Wu et al., 2004). Alm disso, a
HDL de fase aguda pode ser redirecionada para o macrfago ao invs de
ser captada pelo hepatcito tornando o colesterol na HDL menos disponvel
para ser metabolizado e excretado na bile. Este colesterol redirecionado
para o macrfago pode resultar na formao de clulas espumosas na
parede arterial. A reduo nas concentraes de HDL pode presumidamente
diminuir a remoo do colesterol celular (Khovidhunkit et al., 2000).
Uma vez que as alteraes nas lipoprotenas durante infeco e
inflamao so semelhantes s alteraes propostas para promover
aterognese, estas mudanas podem iniciar ou agravar aterosclerose se o
curso da resposta inflamatria for prolongado (Khovidhunkit et al., 2000).
INTRODUO - 30
1.7 Lipoprotenas como Biomarcadores nos Pacientes Gravemente
Doentes
A presena de um biomarcador capaz de diferenciar resposta
inflamatria sistmica causada por infeco de outros tipos de doenas
inflamatrias e a possibilidade de identificar precocemente quadros spticos
possibilitando a introduo rpida de antibioticoterapia melhoraria o
prognstico destes doentes. Alguns biomarcadores como a PCR e a
procalcitonina so usados para ajudar a identificar infeco nos pacientes
gravemente doentes. Uma meta-anlise realizada por Simon mostrou que a
procalcitonina foi mais sensvel e mais especfica que a PCR para diferenciar
infeco bacteriana de inflamaes de causas no infecciosas (Simon et al.,
2004). Arkader et al. (2006), num estudo prospectivo realizado em crianas
spticas, demonstraram que a procalcitonina foi superior a PCR como
marcador de sepse. Entretanto, Pvoa et al. (2005) revelaram que uma
concentrao de PCR > 8,7 mg/dL oferece uma sensibilidade de 93,4 % e
uma especificidade de 86,1 % para a infeco e a combinao de PCR > 8,7
mg/dL e temperatura > 38,2C aumentou a especificidade do diagnstico de
infeco para 100%. Um estudo realizado por Lthold et al. (2007), para
avaliar a acurcia diagnstica das lipoprotenas na infeco, mostrou que
houve diferenas significativas entre os pacientes sem infeco e pacientes
com infeco em relao aos nveis sricos de CT, HDL, PCR, albumina,
procalcitonia e IL6. Neste estudo, a maior acurcia diagnstica foi vista com
a procalcitonina, porm, a HDL mostrou uma capacidade diagnstica que foi
similar albumina, IL6 e no significativamente menor do que a capacidade
diagnstica da PCR. Albumina e PCR so protenas de fase aguda bem
INTRODUO - 31
conhecidas e a correlao com a HDL encontrada neste estudo, aponta para
a HDL como um reagente de fase aguda.
Os nveis de lipoprotenas caem dramaticamente durante a resposta
inflamatria e a magnitude desta reduo pode estar associada com a
gravidade e mortalidade na sepse. Um estudo realizado por Grion et al.
(2010) mostrou que baixas concentraes de HDL colesterol podem ser fator
de risco para sepse grave em pacientes hospitalizados. O estudo encontrou
que concentraes mais baixas de HDL colesterol foram associadas com
risco aumentado de desenvolver sepse grave durante a internao. Outro
estudo realizado por Al-Zaidawi e Al-Hashimi (2014) em pacientes
queimados, mostrou que todos os pacientes com nveis sricos de HDL
colesterol
INTRODUO - 32
1.9 Hiptese
A sndrome da resposta inflamatria sistmica/sepse provoca
marcantes alteraes no metabolismo lipdico nas crianas e adolescentes
gravemente doentes.
2 OBJETIVOS
OBJETIVOS - 34
2.1 Principal
Avaliar se as alteraes no metabolismo lipdico esto diretamente
relacionadas resposta inflamatria em crianas e adolescentes
gravemente doentes com SIRS/sepse e se estas alteraes se modificam
durante o perodo de internao na UTI.
2.2 Secundrios
Analisar as modificaes nas concentraes especficas de colesterol
total, TG, LDL, VLDL, HDL, apo A1, apo B, apo A2 e apo E entre o primeiro
(maior intensidade da SIRS/sepse) e o stimo dias de internao na UTI
Peditrica.
Analisar a evoluo nutricional associada resposta inflamatria e s
alteraes no metabolismo lipdico no primeiro e stimo dias de internao
de forma comparativa.
3 MTODOS
MTODOS - 36
3.1 Populao
O estudo foi realizado na Unidade de Terapia Intensiva Peditrica do
Instituto da Criana, Professor Pedro de Alcantara, do Hospital das Clnicas
da Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo-SP. A UTI uma
unidade fechada que contm quinze leitos clnicos e cirrgicos rotativos e
oferece atendimento nvel I aos pacientes. A unidade cuidada por
especialistas em medicina intensiva peditrica, estagirios, mdicos
residentes de pediatria geral e mdicos residentes de medicina intensiva
peditrica. A UTI peditrica do Instituto da Criana apresenta uma mdia de
trinta internaes mensais com aproximadamente 30% destas internaes
por quadros spticos.
3.2 Critrios de Incluso
Neste estudo foram includos crianas e adolescentes com idade
entre dois meses e dezessete anos incompletos admitidos na UTI do
Instituto da Criana (ICr) que preencheram os critrios de SIRS, sepse,
sepse grave e choque sptico como descritos no International Pediatric
Sepsis Consensus Conference pela Society of Critical Care
Medicine/American College of Critical Care Medicine/American Academy of
MTODOS - 37
Pediatrics (Goldstein et al., 2005). De acordo com o consenso, para a
definio de SIRS deve haver a presena de pelo menos dois dos quatro
seguintes critrios avaliados, um destes deve ser obrigatoriamente alterao
na temperatura ou alterao na contagem de leuccitos. Os critrios so:
temperatura > 38,5 C ou < 36 C; taquicardia definida como dois desvios
padro acima do normal para idade na ausncia de estmulo externo ou em
crianas menores de um ano bradicardia menor que o percentil 10 para
idade; frequncia respiratria maior que dois desvios padro para idade ou
ventilao mecnica para processo agudo; leucocitose ou leucopenia para
idade (no secundrio a quimioterapia) ou mais do que 10 % de neutrfilos
imaturos. A sepse definida como SIRS associada infeco suspeita ou
confirmada. A sepse grave a sepse associada disfuno cardiovascular
ou a sndrome do desconforto respiratrio agudo ou pelo menos duas das
seguintes disfunes orgnicas: renal, hematolgica, neurolgica ou
heptica (Goldstein et al., 2005). Para o diagnstico de choque sptico deve
haver sinais clnicos de reduo da perfuso tecidual incluindo a diminuio
dos pulsos perifricos comparados aos pulsos centrais (choque frio) ou
pulsos oscilantes (choque quente), alterao do nvel de conscincia, tempo
de enchimento capilar rpido (choque quente) ou tempo de enchimento
capilar lento maior que dois segundos (choque frio), extremidades frias e
dbito urinrio reduzido (menor que 1 mL/kg/h). Em pacientes peditricos, a
definio de choque sptico no requer hipotenso sistmica para o
diagnstico (Brierley et al., 2009).
MTODOS - 38
3.3 Critrios de excluso
Foram excludos do estudo os pacientes:
a. Recm-nascidos.
b. Que apresentaram idade maior que 18 anos.
c. Em uso de terapia nutricional parenteral no momento da
admisso.
d. Com histria prvia de dislipidemia.
e Com histrico e quadro clnico de disfuno heptica grave.
f. Em investigao de morte enceflica.
g. Em utilizao crnica de corticosteroides (superior a 30 dias).
h. Em estgio de doena terminal.
i. Que receberam tratamento recente de quimioterapia (< 30 dias).
j. Que os pais no concordaram com o termo de consentimento livre
e esclarecido (Anexo A).
3.4 Clculo e Seleo da Amostra
Com metodologia estatstica, visando encontrar diferena de pelo
menos 10mg/dL de HDL em crianas com SIRS/sepse internadas na UTI em
comparao s crianas que no apresentam sinais de infeco,
considerando que a variabilidade da HDL de aproximadamente 15 mg/dL,
com intervalo de confiana de 95% e poder do teste de 80%, foi estabelecida
uma amostra (n) de 36 pacientes. Os testes foram realizados com nvel de
significncia de 5%.
MTODOS - 39
3.5 Desenho do Estudo
O estudo foi aprovado pela Comisso de tica para Anlise de
Projetos de Pesquisa (CAPPesq) na sesso datada de 28/09/2011 protocolo
0669/11 (Anexo B).
Este foi um estudo prospectivo, de seguimento com casos colhidos entre
o perodo de setembro de 2012 a setembro de 2013, sendo realizadas
avaliaes nas primeiras 24 horas de internao e no stimo dia de internao
(Figura 7).
Para avaliar a gravidade da doena dos pacientes envolvidos no
estudo, foi calculado nas primeiras vinte e quatro horas de internao na UTI
o escore de gravidade Pediatric Risk of Mortality Score (PRISM) (Pollak et
al., 1988) (Apndice A). Um estudo realizado na prpria unidade por Costa
et al. (2010) em 359 pacientes, mostraram que o escore de PRISM
apresentou capacidade discriminatria adequada na avaliao do
prognstico de pacientes peditricos internados em UTI de nvel I.
Para a realizao do estudo, foram coletadas amostras de sangue
dos pacientes que preencheram os critrios de incluso e estas amostras
foram colhidas em duas ocasies:
a. Nas primeiras 24 horas de internao na UTI do ICr foram
colhidos exames para o clculo do PRISM (gasometria arterial,
coagulograma, clcio total, bilirrubina total, potssio e glicemia) e
exames para a avaliao dos nveis sricos de colesterol total,
HDL, LDL, VLDL, apolipoprotenas (apo A1, apo A2, apo E, apo
B), triglicerdeo, protena C reativa (PCR), albumina e hemograma
priorizando a contagem de linfcitos totais.
MTODOS - 40
b. No stimo dia de internao foram colhidas amostras para
avaliao dos mesmos exames, exceto os utilizados para o
clculo do PRISM (Anexo C).
As avaliaes do CT, HDL, LDL, VLDL, TG e apolipoprotenas foram
feitas no Laboratrio Central Diviso de Bioqumica Clnica do Hospital das
Clnicas da Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo-SP. Os
nveis sricos de CT, HDL, LDL, apo A1, apo B e TG foram quantificados
atravs dos sistemas Roche/Hitachi cobas c com a utilizao de reagentes
especficos conforme demonstrado no Quadro 1. Estes sistemas calculam
automaticamente as concentraes dos analitos de cada amostra. A VLDL
foi calculada dividindo o valor do triglicerdeo por cinco (TG/5). As
determinaes quantitativas das apolipoprotenas A2 e E foram realizadas
atravs de reao imunoqumica com a utilizao dos reagentes Anti-soros
N para apo A2 e apo E humanas e analisadas pelo sistema BN (Siemens
Healthcare Diagnostics). Os demais exames foram realizados no laboratrio
do Instituto da Criana atravs dos mtodos especificados no Quadro 2.
MTODOS - 41
Quadro 1 - Mtodos, reagentes e analisadores utilizados para o
processamento do colesterol total, HDL, LDL, TG e
apolipopprotenas
Princpio do teste Reagente Analisador
Colesterol total
Enzimtico colorimtrico Cholesterol Gen.2 (Roche)
Roche/Hitachi cobas c
HDL Enzimtico colorimtrico homogneo
HDL-Cholesterol plus 3rd generation (Roche)
Roche/Hitachi cobas c
LDL Enzimtico colorimtrico homogneo
LDL-Cholesterol plus 2nd generation (Roche)
Roche/Hitachi cobas c
Triglicerdeo Enzimtico colorimtrico Triglycerides (Roche) Roche/Hitachi cobas c
apo A1 Imunoturbidimtrico Tina-quant Apolipoprotein A-1 ver.2 (Roche)
Roche/Hitachi cobas c
apo B Imunoturbidimtrico Tina-quant Apolipoprotein B ver.2 (Roche)
Roche/Hitachi cobas c
apo A2 Reao imunoqumica Anti-soro N para apo A-2 humana
Sistema B (Siemens Healthcare Diagnostics)
apo E Reao imunoqumica Anti-soro N para apo E humana
Sistema B (Siemens Healthcare Diagnostics)
Quadro 2 - Mtodos utilizados no Instituto da Criana para processamento
dos exames
Exames Mtodos
1 PRISM:
1.1 Gasometria Membrana de on seletivo
1.2 Clcio total Colorimtrico
1.3 Potssio on eletrodo seletivo
1.4 TTPa (coagulograma) Mtodo de Proctor Rapaport mod.
1.5 TP (coagulograma) Mtodo de Quick modificado
1.6 Glicemia Enzimtico colorimtrico
1.7 Bilirrubina total e fraes Colorimtrico
- PCR Imunoturbidimetria
- Hemograma Automatizado
- Albumina Colorimtrico
MTODOS - 42
Alm dos exames laboratoriais, foi realizada avaliao nutricional
antropomtrica destes pacientes nas primeiras 24 horas de internao e
repetida no stimo dia de internao. Para minimizar a possibilidade de
erros, todas as mensuraes foram feitas pela mesma profissional
nutricionista da UTI peditrica com a utilizao dos seguintes dados: peso,
estatura, prega cutnea tricipital e circunferncia muscular do brao. O peso
foi medido por uma balana calibrada antes de cada utilizao. Os pacientes
com mais de 16 kg eram pesados em p e os lactentes eram pesados
sentados ou deitados numa balana com preciso de 5 g. As crianas que
no puderam ser pesadas de forma independente ficavam no colo de um
adulto para mensurao do peso. Nestes casos, o peso dos pacientes foi
obtido subtraindo o peso do adulto do total de peso (criana mais adulto). O
comprimento das crianas de at trs anos foi feito com antropmetro com
preciso de 0,1 cm e nos pacientes acima de trs anos de idade, a estatura
foi medida atravs de um estadimetro de madeira com preciso de 0,1 cm.
Em crianas cujas condies clnicas impediram a utilizao de tcnicas de
medies convencionais, a estatura foi prevista por frmulas a partir da
medida entre o joelho e o tornozelo com a criana mantida em posio
supina. A circunferncia muscular do brao foi medida com uma fita mtrica
marcada em incremento de 0,5 cm. As medies foram realizadas no ponto
mdio da distncia entre o acrmio e o olcrano com o brao estendido ao
longo do corpo. A prega tricipital foi obtida usando um paqumetro de pregas
cutneas (Cambridge Scientific Industries, Cambridge, MD) com uma
presso constante de 10 g/mm2 sobre a superfcie de contato. A medio foi
MTODOS - 43
feita na parte de trs do brao, paralelamente ao eixo longitudinal, no ponto
mdio entre o acrmio e o olcrano. Foi usada a mdia de trs medies
consecutivas.
A classificao nutricional dos pacientes foi feita de acordo com as
curvas de crescimento e desenvolvimento da Organizao Mundial de
Sade 2006/2007. Para a realizao da classificao, foi utilizado o clculo
de peso para estatura em crianas at dois anos e o ndice de massa
corprea para idade em crianas acima de dois anos. Atravs destes
clculos foram obtidos valores de escore Z e feita classificao nutricional
conforme o Quadro 3. Para facilitar e dar maior preciso aos clculos foi
utilizado o software WHO Anthro nas crianas at cinco anos de idade e do
WHO Anthro Plus nas crianas maiores de cinco anos de idade. Estes
softwares so fornecidos atravs dos sites: e .
Quadro 3 - Classificao nutricional pelo clculo do escore Z segundo
curvas de crescimento e desenvolvimento da OMS (2006/2007)
Escore Z Menores de 5 anos
(incompletos) Maiores de 5 anos
e adolescentes
< -3 Magreza acentuada Magreza acentuada
> -3 a -2 Magreza Magreza
> -2 a < +1 Eutrofia Eutrofia
> +1 a +2 a < +3 Sobrepeso Obesidade
> +3 Obesidade Obesidade grave
Foi utilizado um grupo controle de pacientes peditricos com idade
entre trs meses a quinze anos incompletos que no apresentavam sinais
clnicos de SIRS/sepse e que foram atendidos no pronto socorro peditrico
MTODOS - 44
(PS) do Hospital Universitrio da Universidade de So Paulo-SP (HU-USP)
no mesmo perodo de estudo. Durante atendimento no PS, foram colhidas
amostras de sangue para avaliao dos nveis sricos de PCR, CT, TG,
HDL, LDL, albumina e glicemia em fita. As anlises foram feitas no
laboratrio do HU-USP, com a utilizao das seguintes metodologias:
- Colesterol total - colesterol oxidase automatizado.
- HDL- direto automatizado.
- LDL - clculo Friedewald.
- Triglicerdeos - glicerol peroxidase automatizado.
- Albumina - VBC (verde de bromocresol) automatizado.
- PCR - nefelometria (CardioPhasehsCRP da Siemens Healthcare
Diagnostics).
- Glicemia capilar - aferida pelo aparelho Accu-Chek.
Para o estudo, foram excludos do grupo controle os pacientes com
histria de doena heptica, dislipidemia, diabetes, uso de corticosteroides
ou aqueles cujos pais no aceitaram o termo de consentimento livre e
esclarecido. Alm dos exames laboratoriais, tambm foram realizadas as
avaliaes nutricionais destes pacientes de acordo com as medidas
antropomtricas (peso e estatura), ndice de massa corprea e clculo do
escore Z. A classificao nutricional destes pacientes tambm foi
determinada de acordo com as curvas de crescimento e desenvolvimento da
Organizao Mundial da Sade (OMS) 2006/2007.
A interpretao dos resultados do perfil lipdico dos pacientes foi
baseada na orientao da V Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Preveno
MTODOS - 45
da Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia publicada em
outubro de 2013 (Xavier et al., 2013). Foram considerados normais os nveis
desejveis pela classificao, ou seja, valores de colesterol total menor do
que 150 mg/dL, HDL maior ou igual a 45 mg/dL, LDL menor do que 100
mg/dL e TG menor do que 100 mg/dL. Os valores acima dos limites
desejveis para CT, LDL e TG e abaixo dos desejveis para HDL foram
considerados alterados. Estes nmeros foram extrapolados para as crianas
com idade inferior a dois anos, pois no h referncia para esta faixa etria.
Os valores esto expostos no Quadro 4.
Quadro 4 - Valores de referncia da dosagem de lipdeos em crianas
entre 2 a 19 anos de idade segundo a V Diretriz Brasileira de
Dislipidemias e Preveno da Aterosclerose da Sociedade
Brasileira de Cardiologia (SBC)
Lipdeos Desejveis
(mg/dL) Limtrofes
(mg/dL) Aumentados
(mg/dL)
CT < 150 150 - 169 > 170
LDL < 100 100 - 129 > 130
HDL > 45
TG < 100 100 - 129 > 130
MTODOS - 46
Figura 7 - Fluxograma do estudo
MTODOS - 47
3.6 Anlise Estatstica
Foram descritos os indicadores lipdicos e inflamatrios no primeiro dia
de avaliao com uso de medidas resumo (mdia, desvio padro, mediana,
mnimo e mximo) e comparados com os do grupo controle (pacientes
atendidos no PS do HU-USP), com o uso de teste t-Student ou teste Mann-
Whitney. Para comparao de gnero entre os grupos estudo e controle foi
utilizado o teste qui-quadrado (Neter et al., 1996; Kirkwood e Sterne, 2006).
Foram calculadas as correlaes de Spearman do perfil lipdico em
relao PCR. As variveis do estado nutricional e caractersticas pessoais
nas crianas internadas na UTI foram ajustadas segundo os modelos de
regresso linear de acordo com cada varivel do perfil lipdico. Foram mantidas
nos modelos finais apenas as variveis com nveis descritivos inferiores a 5% (p
< 0,05) e para cada modelo ajustado foi calculado o coeficiente de
determinao (R2) (Neter et al., 1996; Kirkwood e Sterne, 2006).
Os indicadores determinados de forma pareada entre o primeiro e
stimo dias de internao, foram avaliados de forma paramtrica com uso de
testes t-Student pareado ou de forma no paramtrica com o teste Wilcoxon
pareado (Neter et al., 1996; Kirkwood e Sterne, 2006).
Foram calculadas as correlaes de Spearman para as alteraes no
perfil lipdico com relao s alteraes na resposta inflamatria e
antropometria entre o primeiro e stimo dias de internao (Neter et al.,
1996; Kirkwood e Sterne, 2006).
Os testes foram realizados com nvel de significncia de 5%.
4 RESULTADOS
RESULTADOS - 49
Durante o perodo de estudo (setembro de 2012 a setembro de 2013),
ocorreram trezentos e oitenta e quatro (384) internaes na UTI peditrica
do ICR, sendo trinta por cento (30%) destas internaes por quadros
spticos (n = 115). Dos cento e quinze pacientes elegveis para o estudo,
setenta e cinco destes foram excludos, pois apresentavam algum(s) dos
critrios de excluso descritos anteriormente. Sendo assim, foram
analisados admisso na UTI, quarenta (n = 40) pacientes que
preencheram os critrios de incluso (Figura 8).
Figura 8 - Seleo da amostra dos pacientes internados na UTI
RESULTADOS - 50
Dos quarenta pacientes que entraram no estudo, vinte e um eram do
sexo masculino (52,1%) e a mediana de idade foi de trinta meses. Destes,
92,5% (n = 37) necessitaram de ventilao mecnica invasiva, 70% (n = 28)
receberam droga vasoativa e 55% (n = 22) apresentaram cultura positiva.
Nas primeiras setenta e duas horas de internao foi iniciada dieta enteral
para 31 pacientes, nutrio parenteral para cinco e quatro pacientes
permaneceram em jejum. Cinco pacientes evoluram a bito na primeira
semana de internao (12,5%), sendo assim, foram colhidas amostras de
sangue de 35 pacientes no stimo dia do estudo para anlise comparativa.
No estudo realizado no pronto socorro peditrico, com pacientes que
no apresentavam critrios diagnsticos de SIRS/sepse, foram coletadas
amostras de 42 pacientes, sendo vinte do sexo masculino (47,6%) e a
mediana de idade sessenta e seis meses.
admisso na UTI, 29 (72,5%) pacientes do estudo foram classificados
como eutrficos, 7 (17,5%) como risco de sobrepeso/sobrepeso ou obeso
e 4 (10%) foram classificados como magreza/magreza acentuada. No stimo
dia de internao, 54,3% dos pacientes mantiveram-se classificados como
eutrficos, 25,7% como risco de sobrepeso/sobrepeso ou obeso e 20% tiveram
classificao nutricional de magreza/magreza acentuada. Apesar da reduo
do percentual de pacientes eutrficos e aumento no percentual dos pacientes
subnutridos entre o primeiro e stimo dias de internao, estas alteraes no
foram estatisticamente significativas (p = 0,655) (Tabela 1). No grupo controle,
76,5% dos pacientes foram classificados como eutrficos, 17% como
sobrepeso ou obesos e 6,5% como magreza ou magreza acentuada.
RESULTADOS - 51
Tabela 1 - Classificao do estado nutricional e resultado do teste
comparativo entre o primeiro e stimo dias de internao na
UTI
Classificao 1 dia 7 dia
p n % n %
Magreza acentuada/Magreza 4 10,0 7 20,0
0,655 Eutrfico 29 72,5 19 54,3
Sobrepeso/Risco sobrepeso 5 12,5 7 20,0
Obesidade 2 5,0 2 5,7
Total 40 100 35 100
Resultado do teste Wilcoxon pareado
Dentre as medidas antropomtricas utilizadas para avaliao do estado
nutricional, apenas a prega tricipital apresentou uma reduo estatisticamente
significativa entre o primeiro e stimo dias de internao (p 0,05). O escore
de gravidade PRISM apresentou uma mediana de 15 (1-78,6).
Foi realizada comparao estatstica entre o perfil lipdico e o grau de
inflamao, quantificado pelo nvel srico de PCR, entre os 40 pacientes
admitidos na UTI com os 42 pacientes avaliados no PS. Os pacientes do
grupo controle (PS) foram selecionados por apresentarem nveis sricos de
PCR inferior a 5 mg/L enquanto os pacientes do grupo em estudo (UTI)
apresentaram mediana dos nveis sricos de PCR 77,81 mg/L. A PCR e o
perfil lipdico diferiram estatisticamente entre os dois grupos de pacientes
(p 0,05). Os nveis sricos de PCR e triglicerdeos foram estatisticamente
maiores nos pacientes internados em UTI em comparao aos pacientes
avaliados no PS (p 0,05). A mediana dos nveis de TG nos pacientes do
grupo estudo foi 108 mg/dL (44-925) e a mediana de TG no grupo controle
foi 76 mg/dL (28-263).
RESULTADOS - 52
Em contra partida, os nveis sricos de CT, HDL, LDL e albumina
foram estatisticamente maiores nos pacientes avaliados no PS em
comparao aos pacientes internados na UTI peditrica (p < 0,001). Os
pacientes do grupo em estudo apresentaram medianas dos nveis de CT 96
mg/dL (41-200), HDL 16,5 mg/dL (3-61), LDL 49,5 mg/dL (9-169) e albumina
2,75 g/dL (2-6) enquanto os pacientes do grupo controle apresentaram
medianas de CT 148mg/dL (89-223), HDL 40mg/dL (18-83), LDL 86,5 mg/dL
(26-129) e albumina 4,4 g/dL (4-5) (Tabela 2).
Os Grficos de 1 a 5 ilustram separadamente os resultados
apresentados na Tabela 2 comparando os nveis sricos de CT,
triglicerdeos, HDL, LDL e albumina entre o grupo estudo (UTI) e o grupo
controle (PS).
Tabela 2 - Comparao da idade, gnero, perfil lipdico e PCR segundo
grupos de pacientes (UTI e PS) no primeiro dia de avaliao
(primeiras 24h)
Varivel Grupo Mdia DP Mediana Mnimo Mximo N p
Idade (meses)
UTI 59,7 63,9 30 2 200 40 0,386
PS 71,0 53,8 66,5 3 177 42
Gnero (mascul