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ANAIS DO III CONGRESSO NACIONAL DE PESQUISADORES EM DANÇA
Comitê Dança em Mediações Educacionais – Setembro/2014
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A (TRANs)FORMAÇÃO DE PÚBLICO PARA DANÇA
Kathya Maria Ayres de Godoy* (UNESP/IA) RESUMO: Este texto relata o Projeto Quinta em Dança desenvolvido pelo Grupo de
Pesquisa Dança: Estética e Educação do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista com o apoio da Pró-Reitoria de Graduação e de Extensão e do Programa de Pós-Graduação em Artes. Ele visa a formação de público para a dança e a proposição de projetos artísticos educativos em espaços formais, não formais e informais. O projeto foi estruturado a partir dos conceitos de experiência (LARROSA, 2002), saberes em dança e conhecimento sensível (GODOY, 2013). PALAVRAS-CHAVE: Dança. Formação de público. Ações artísticas educativas. Arte.
THE (TRANs)FORMATION OF PUBLIC TO DANCE ABSTRACT: This paper presents the Project Quinta em Dança developed by the
Research Group Dance: Aesthetic and Education of the Sao Paulo State University Institute of Arts with support from the Pro-Rectory of Graduate and Extended Studies and the Post-Graduate Program in Arts. The project aims the formation of public for the dance and propose educational artistic projects in formal, non-formal and informal spaces. The project has been structured from the concepts of experience (LAROSSA, 2002), elements in dance and sensitive knowledge (GODOY, 2013). KEY WORDS: Dance. Formation of public. Educational artistic actions. Art.
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Apresentando alguns conceitos.....
Larrosa (2002) diz crer no poder e na força das palavras, porque elas determinam
nosso pensamento, uma vez que não pensamos com pensamentos, mas com palavras.
Logo, o modo como nos colocamos diante do mundo e damos sentido ao que somos e de
como correlacionamos as palavras e as coisas, possibilita nomear o que vemos ou o que
sentimos e como vemos ou sentimos o que nomeamos. Daí a importância do discurso, ou
seja, a exposição de um certo assunto proferido em público por meio da linguagem.
Aqui o discurso é feito pelas palavras, mas gostaria de abordar um outro discurso,
aquele que acontece no e pelo corpo na linguagem da dança.
Ao olharmos para a dança como um sistema de códigos que pode comunicar algo
para as pessoas, trabalhamos com a ideia de significação de gestos e movimentos
produzidos no e pelo corpo. Wosniak (2006) citada por Marques (2010, p. 102) assinala
que “a dança como linguagem é um conjunto partilhável de possibilidades de combinação
e arranjos dos campos de significação presentes nela mesma”, que nem sempre são
definidos, mas que por regras abertas podem produzir significações diversas. Essas
regras abertas de combinações, de relações instáveis é que são os códigos da dança:
aquilo que rege infindáveis maneiras de expressão e processos de criação.
Esses códigos pressupõem intersubjetividades e diversos acessos com o que e
como está sendo captado pelo apreciador/fruidor da obra. Nomeio como
apreciador/fruidor, a pessoa que se relaciona com a dança ao assisti-la. Particularmente
quem desfruta desse momento artístico. Essa leitura permite o envolvimento com a obra,
que se vincula as experiências estéticas (DEWEY, 2010) que podem já ter sido
vivenciadas e abre espaços para novas possibilidades de fruição. Vale dizer que me
refiro ao olhar cuidadoso das condições e efeitos da criação artística1.
1 A criação artística é um dos temas estudados pelo Grupo de Pesquisa Dança: Estética e Educação -
GPDEE, liderado por mim, tem se uma sublinha de pesquisa que se dedica aos processos e procedimentos de criação em dança. O grupo vincula-se ao Programa de Pós-Graduação em Artes, na área Artes e Educação e seus integrantes são graduandos, mestrandos, mestres, doutores e pós-doutores de diversas áreas do conhecimento que investigam temas advindos da arte, educação, psicologia, sociologia, movimento, cultura, corpo, entre outros. Desta forma, nosso estudo em dança é multidisciplinar. O pressuposto do grupo visa entender que toda relação estética dialoga com o ensino e aprendizagem. A finalidade das pesquisas é problematizar tais relações, do mesmo modo que se faz necessário entender
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Para isso o apreciador/fruidor2 precisa experienciar o que está sendo visto. Cito
Larrosa (2002, p.21) que define o conceito de experiência como “o que nos passa, o que
nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca”.
Estas palavras suscitam pensar sobre o que significa ser tocado por algo.
Desse ponto de vista o apreciador/fruidor precisa ser arrebatado e transpor-se para
o que está presenciando. Isto quer dizer integrar-se, inserir-se à obra, ou seja, ela ser
capaz de causar estesia, provocar diferentes sensibilidades.
Com isso evidencio a dimensão singular desta experiência. Assim podemos ser
atravessados, decalcados3, incorporados por ela. Conceito um tanto abstrato e subjetivo,
mas sinaliza que existe um sujeito/pessoa4 que se permite correr riscos porque se expõe,
arrisca, vai ao encontro do inesperado em um território de incertezas, campo este aberto
para explorar possibilidades.
Contudo, é preciso diferenciar sentimentos, sensações e sensibilidades.
Wallon (1975), citado por Godoy (2003) coloca que as sensações estão ligadas as
emoções, no que diz respeito a resposta a um primeiro momento instintivo e de natureza
orgânica, do organismo humano. A sensibilidade é decorrente disso, e pode ser
interoceptiva, exteroceptiva e proprioceptiva. Ela ainda se dá em âmbito neurofisiológico,
mas circunscreve inicialmente os órgãos viscerais, depois permite o contato dessas
percepções com o mundo exterior ao organismo e caminha para ajustamentos tônicos
com o intuito de organizar o corpo para agir e reagir no mundo. A partir dessas
sensibilidades é que nos posicionamos diante do que vivemos e experienciamos. Os
sentimentos passam pela compreensão sígnea de tudo isso porque é a maneira pela qual
identificamos e nomeamos essas diferentes percepções.
como a estética e a educação convergem nos estudos da prática e da teoria da dança. (dados disponíveis em: http://www.ia.unesp.br/#!/pesquisa/danca-estetica-e-educacao/, acessado em 07/09/2014).
2 O termo apreciador/fruidor encontra-se em construção pelos pesquisadores do Grupo de Pesquisa
Dança: Estética e Educação - GPDEE, nos estudos de Ítalo Rodrigues Faria – tese de doutorado em andamento. 3 Wallon, (In GODOY, 2003), coloca que a afetividade se torna presente no tônus da pessoa na
medida em que molda as emoções. Esse molde é o decalque, a forma que as emoções se tornam evidentes no corpo. 4 Usamos o binômio sujeito/pessoa para identificar a sujeiticidade em que a pessoa, conjunto
funcional nomeado por Henri Wallon, (In GODOY, 2003) que articulado ao ato motor, ato mental, afetividade e meio sociocultural promove o desenvolvimento humano.
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Nesse caso o tônus é decalcado, moldado pelos sentimentos e percepções
adquiridos na e pelas experiências o que possibilita múltiplas interpretações.
Nesse momento acontece algo especial, o apreciador/fruidor apreende a obra,
atribui sentido a ela, é capturado. Transforma e é transformado.
Isto se dá quando construímos significados para dança. Atribuímos referências,
reminiscências que conectamos ao nosso modo de vê-la e projetamos novas formas de
agrega-la aquilo que identificamos como substantivo em nossas vidas (GODOY, 2013).
Essas sensações são particulares, relativas e pessoais, o que não quer dizer, que não
possam ser compartilhadas.
Tenho trabalhado com um novo constructo nomeado saberes em dança5. Os
elementos que são próprios dessa linguagem, os códigos que possibilitam combinações
infinitas, constituem esses saberes, assim como a significação que o sujeito/pessoa e o
apreciador/fruidor podem conceder a ela.
Trata-se de um conhecimento sensível6 em que a experiência é incorporada. A
ideia é possibilitar que essas experiências sejam disseminadas por meio da apropriação
do que é único dessa linguagem através dos sentidos atribuídos a ela pelo coletivo. O
conhecimento sensível advém do entendimento desse vasto campo no qual a dança
transita.
Modos do fazer.....
Diante desses argumentos foi que elaborei em 2012, o Projeto Piloto Quintas da
Dança. Esse projeto foi proposto por meio do Grupo de Pesquisa Dança: Estética e
Educação (GPDEE), junto as Pró-Reitorias de Graduação (PROGRAD) e Extensão
(PROEX) da Universidade Estadual Paulista (UNESP) e visou a formação de público para
a dança. Iniciamos o piloto com dois encontros. O primeiro, ocorreu no dia 14 de junho, no
Teatro Reynuncio Lima, nas dependências do Instituto de Artes (IA) da UNESP.
Estiveram presentes professores das redes pública (estadual e municipal) e particular de
5 Esse constructo tem sido estruturado pelo Grupo de Pesquisa Dança: Estética e Educação – GPDEE. A
pesquisadora Carolina Romano Andrade o utiliza na tese de doutoramento em andamento. 6 Trata-se de um conceito também estruturado pelo Grupo de Pesquisa Dança: Estética e Educação –
GPDEE que tenho usado para definir as bases de apreciação em que os saberes em dança se estruturam.
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ensino; participantes do Projeto Poéticas da Dança na Educação Básica7 e seus alunos
(escolas de ensino fundamental - EMEFs); graduandos e professores do IA e das
instituições parceiras (FPA, Anhembi Morumbi, PUC/SP e USP); artistas da dança
(coreógrafos, diretores e bailarinos) e interessados em geral, totalizando 120 pessoas
registradas.
Na ocasião, optamos pela apresentação dos dois núcleos do IAdança (grupo
extensionista de dança do Instituto de Artes da Unesp), o INcena e ContemporânIA. Cada
qual apresentou uma obra respectivamente – Triskel/No espiral (Balé contemporâneo) e
Engrenagens do tempo (Dança-Teatro). A escolha revelou-se interessante por se tratar de
dois estilos de dança diferentes.
Após a apresentação houve o debate em torno do tema Processo de Criação em
Dança, conduzido e mediado pela coordenação e pesquisadores do GPDEE. O público
presente perguntou sobre o tema diretamente aos coreógrafos e bailarinos de ambos os
trabalhos.
Já a segundo encontro do piloto, ocorreu no dia 27 de setembro, nos dois teatros
do IA – Reynuncio Lima e Maria de Lourdes Sekeff. Nesta edição, também recebemos a
presença da mesma característica de público, mas contatamos outras escolas, uma vez
que providenciamos junto à secretaria estadual a vinda de ônibus com os estudantes e
professores; e graduandos de outras instituições de ensino superior parceiras (USCS,
UNFIEO e UNICAMP), totalizando 185 pessoas registradas.
Desta vez houve a exibição das obras Rhythmetron (1968, Opus 27) de Marlos
Nobre (Brasil, 1939) apresentada pelos grupos IAdança/INcena e PIAP (Grupo
extensionista de Percussão do Instituto de Artes da Unesp) e trechos do ballet Quebra-
Nozes, o Grand Pas de Deux de Dom Quixote e a coreografia 101, interpretados pela São
7 Projeto Poéticas da Dança na Educação Básica dedicou-se a formação de professores desenvolvido nos
anos 2011 e 2012, pelo Grupo de Pesquisa Dança: Estética e Educação (GPDEE), coordenado pela Profa
Dra Kathya Maria Ayres de Godoy. Para saber mais acessar: GODOY, Kathya Maria Ayres de; ANDRADE,
Carolina Romano; SGARBI, Fernanda; ALMEIDA, Fernanda de Souza; ALVES, Flávia Teodoro; MELLO, Roberto; PIMENTA, Rosana Aparecida. Multiplicando olhares sobre a dança na escola: construção de saberes e experiências em um curso de formação continuada para professores. In: Anais do II Congresso Nacional de Pesquisadores em Dança – ANDA/ Comitê Dança em Mediações Educacionais. Julho, 2012. Disponível em: <http://www.portalanda.org.br/wp-content/uploads/1-2012-GODOY-ET-AL.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2012.
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Paulo Cia de Dança - SPCD (Companhia de Dança do Governo do Estado de São Paulo
e Secretaria da Cultura).
Em seguida a dinâmica foi mantida, houve um debate com o público sobre A dança
clássica e contemporânea hoje, com as diretoras artísticas Kathya Godoy e Inês Bogéa.
Estes dois encontros pilotos revelaram que o projeto para 2013, poderia ser
ampliado e ajustado nos seguintes aspectos:
Aumento do número de encontros, uma vez que previa formação de público;
Nos encontros, além das apresentações e debate com o público em torno de temas
artísticos educativos, poderia ser criado um momento de uma experimentação prática,
ou seja, uma oficina para os participantes interessados, refletirem e aprofundarem
alguns aspectos elencados no tema vigente;
Registro em vídeo e fotos, para a produção um DVD documentário, das ações de
cada encontro, entre elas o planejamento (reuniões, organização, contato com os
parceiros, etc); elaboração da oficina (construção teórica e prática, contato com os
participantes, viabilização); curadoria (escolha das obras apresentadas – estéticas e
grupos convidados); condução do debate com o público; preparação dos teatros
(iluminação, cenotécnica, camarins, limpeza); divulgação e comunicação visual dos
encontros (confecção de cartazes, folders, flyers, internet, contato com diferentes
mídias), enfim toda produção geral que envolve eventos desta natureza.
Com isso, no ano seguinte propus junto com a Profª Drª Carminda Mendes André,
um novo projeto chamado Quinta em Dança: ações artísticas, educativas e culturais na
cidade de São Paulo, integrando as observações citadas acima, para o no biênio
(2013/14).
Este também vem sendo desenvolvido pela equipe do GPDEE do Instituto de
Artes da Unesp com o apoio das Pró-Reitorias - PROGRAD e PROEX, mas desta vez,
com o envolvimento do Programa de Pós-Graduação em Artes do IA (PPGArtes). Isto
porque refletimos sobre a possibilidade de articulação de pelo menos uma pesquisa de
doutoramento junto ao projeto.
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Além de objetivar o diálogo e a (trans)formação de público para a dança,
pensamos em favorecer aos participantes a apreciação/fruição dos espetáculos, seguido
de um debate e uma oficina artística educativa que interligasse o tema encenado. Não
necessariamente nesta ordem para que dependendo do tema abordado fosse escolhido o
melhor caminho. Nosso intuito previa que os participantes se sentissem capazes de
propor projetos artísticos educativos em espaços formais, não formais e informais. Um
desdobramento do objetivo geral. Houve a preocupação com a mediação feita pelos
pesquisadores do GPDEE, de maneira que os temas discutidos possibilitassem reflexão a
respeito de que dança é essa? O que essa linguagem tem a nos dizer? É possível
compreendê-la? E senti-la?
É importante salientar que o público presente nas apresentações é maior do que
os participantes das oficinas. Isto porque oferecemos 50 vagas para as oficinas e os
teatros possuem uma capacidade média de 280 lugares.
Os participantes que puderam vivenciar as três atividades: apresentação, debate
e oficina, tiveram experiências diferentes dos demais. Por isso os pesquisadores do
GPDEE colheram depoimentos dessas pessoas a fim de que esse material possa ser
analisado posteriormente, ao término do projeto.
Neste texto relato apenas os 4 encontros ocorridos em 2013 (abril, junho,
setembro e novembro), pois ainda não temos o registro completo dos encontros de 2014.
Dessa forma, considerarei as informações que já foram divulgadas pelo site/internet e
outras mídias porque como o projeto encontra-se em andamento, os relatórios finais com
os resultados precisam ser avaliados pelos órgãos colegiados da UNESP antes de sua
exposição e difusão.
Optamos por trabalhar com temas diferenciados nos quatro encontros, pois o
piloto revelou que o público necessitava de outras abordagens e esclarecimentos sobre a
linguagem da dança.
O primeiro encontro, cujo tema foi A dança nos espaços educativos - quais danças
e como dançá-las? colocou em cena a dança no contexto educacional. A equipe do
GPDEE se debruçou sobre refletir sobre o tipo de dança que está, se ensina e se aprende
na escola. E propôs a oficina Sensibilização do corpo em relação ao olhar no dia 13 de
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abril que teve como objetivo olhar para os elementos da dança no espaço educativo. Os
participantes – educadores e estudantes de graduação – vivenciaram esta linguagem
artística por meio de jogos corporais, apreciação estética, processos de criação e
integração das artes para refletir sobre a sua inserção na educação: que danças e como
dançá-las?
E convidamos para a apresentação artística ocorrida no dia 18 de abril, três grupos
de universos de formação diferentes e com estilos de dança diversos: danças urbanas,
Gumboot Dance e danças populares brasileiras. A primeira apresentação da noite foi
realizada pelo grupo GURIAS, de danças urbanas, com a coreografia He´s a pretender!,
que explorou as possibilidades criativas dos estilos Locking e Waacking8, enfatizando a
versatilidade e força feminina.
O grupo GUMBOOT DANCE BRASIL trouxe para o palco o encontro dos
trabalhadores sul africanos nas minas de ouro que, por meio da beleza rítmica dos guizos,
batidas nas botas e sons contundentes de gritos e frases de comando, criaram uma
linguagem única entre negros de diversas tribos e partes da África. Essa dança de
movimentos e sons vibrantes, chamada de Gumboot Dance, chegou aos centros urbanos
e depois ao Brasil – São Paulo.
Por fim, a última apresentação, a CIA. BRASÍLICA de Deca Madureira, propôs uma
aula show com danças brasileiras e convidou o público a experimentar o frevo, a ciranda
e o dobrado. A aula abordou a origem do frevo, o uso da sombrinha e seu manejo.
O debate trouxe a questão de como as danças aparecem ou não no contexto
escolar, e abordamos a oportunidade de fruir muitos estilos de dança apresentando a
diversidade dessa linguagem artística. Tais ações, caso continuem a ser exploradas com
alunos e professores, podem estimular a compreensão das diferentes formas de
expressão.
Outro tema instigante nos levou a refletir sobre as novas tecnologias que hoje
estão ao alcance de todos. Entre as diversas mídias existe uma possibilidade: será que
elas podem encontrar a dança? O segundo encontro Mídia e Dança como apreciá-las?
8 Técnicas diferenciadas de danças urbanas.
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discutiu a dança em diálogo com as tendências contemporâneas da cena por meio de sua
aproximação com a mídia e as novas tecnologias.
A oficina prática Mídia e Dança: um olhar para o corpo e a cena, ocorreu no dia 15
de junho e teve como participantes artistas e educadores. A vivência objetivou sensibilizar
o corpo e sua relação com o olhar, para a imagem em movimento e a dança. Apresentou
uma perspectiva sobre a experiência midiática (vídeo, cinema e tecnologia digital) em
interface com a dança. Para isso foram explorados jogos corporais, apreciação estética,
processos de criação e integração entre as linguagens artísticas. Esta, assim como a
oficina anterior, foram ministradas por pesquisadores integrantes do GPDEE.
A apresentação artística ocorreu no dia 20 de junho com dois grupos: O IAdança –
Núcleo ContemporânIA que trouxe a obra Leonilson: bordados, desenhos & pinturas, fruto
de um projeto inédito, que revisitou a obra do artista plástico José Leonilson trazendo
nuances e tessituras desse artista. Com isso, fez conexões entre as artes visuais,
plásticas e a dança, buscando dessa junção, investigar diferentes maneiras para a criação
de uma instalação coreográfica que discutiu principalmente a questão do homem
contemporâneo com seus desejos, esperanças e necessidades de se relacionar e se
comunicar com mundo... e O Núcleo Omstrab que apresentou Cidades. Esse espetáculo
de dança contemporânea e música ao vivo foi construído no caminho entre os espaços da
cidade, espaço de ensaio e espaço cênico. As situações da coletividade com seus sons,
imagens e acontecimentos como geradores da criação, atuando como motivadores para a
experimentação do movimento, da música, dos elementos cenográficos e de suas
relações com as novas tecnologias aplicadas na dança.
O debate trouxe reflexões sobre o fazer da dança sob o viés da utilização de novas
tecnologias abrindo espaço para outras possibilidades de apreciação e fruição da dança
contemporânea.
O terceiro encontro Dança nos espaços informais: quais danças, que danças e
como dançá-las? discutiu questões relacionadas aos meios de produção em dança na
cidade de São Paulo. Por isso convidamos uma artista que alia duas linguagens dança e
teatro e que foi contemplada no XIV Programa Municipal de Fomento à Dança de 2013,
para se apresentar e ministrar uma oficina/palestra sobre como a dança é fomentada nos
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espaços informais e não formais na cidade de São Paulo. Dessa forma, o convite aceito
por Mariana Muniz para ministrar a oficina/palestra potencializou a abordagem desse
assunto, com o qual ela possui infinita familiaridade. Com isso Dança nos espaços
informais: vivências compartilhadas com Mariana Muniz, foi realizada no dia 21 de
setembro e direcionada a criadores, diretores, companhias, educadores, artistas,
estudantes e interessados em geral no intuito de partilhar experiências e refletir sobre os
processos criativos e de produção em dança em diferentes espaços.
O espetáculo ocorreu no dia 26 de setembro com o grupo IAdança – Núcleo
INcena que apresentou Experimento ID, um jogo cênico de improvisação em dança, no
qual partituras corporais eram acionadas a partir da intervenção do público. Ele se deu no
saguão do Teatro Reynuncio Lima antes da apresentação da Cia Mariana Muniz de
Teatro e Dança que encenou In-corpo-ra-ações, que dá continuidade à pesquisa de
linguagem em arte/dança contemporânea inspirada pelos caminhos trilhados pelo artista
Hélio Oiticica, resultado do cruzamento do conceito parangolé com a dança
contemporânea e teatro. Trata-se de uma pesquisa de Mariana que aponta para novas
regiões do fazer artístico e se mantém conectada à ideia de “experimentar o
experimental”, discutindo e relendo os códigos de dança, questionando a nossa relação
com as dinâmicas e atitudes corporais estabelecidas na sociedade. O debate guiado
pelos pesquisadores do GPDEE trouxe as perguntas Que corpo é esse? Como esse
corpo se conecta aos espaços sociais? Esse corpo dança? Qual dança? Quais são os
espaços informais e não formais para criação em dança hoje?
A quarta edição de 2013, teve como tema A estética e a poética da dança – que
dança é essa? Esse encontro apresentou duas propostas de criação artística em que a
relação entre dança e música se deram de maneiras distintas. O objetivo foi discutir o
processo de criação artística em que as emoções fluem por meio de linguagens que
combinam sons, ritmos e significados. Será que a dança pode se expressar dessas
maneiras? E transpor esses espaços?
As apresentações artísticas ocorreram no dia 21 de novembro com a obra ÉVÉNEMENT
2 – Dança e Música Contemporânea, por Gicia Amorim e Joaquim Abreu9, um espetáculo
9 Zeca Abreu estudou percussão e música de câmara no Conservatório Nacional da Região de Strasbourg -
França.
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resultante da colaboração entre o percussionista e a bailarina baseado na obra de John
Cage e Merce Cunningham10, que teve como “leit motif”, os conceitos de independência
entre a ação coreográfica e o discurso musical e o Grupo IAdança – Núcleo INcena que
apresentou FRÁGIL coreografia que relaciona identidade cultural às fragilidades sociais
na busca de quem se é, ou de quem se quer ser e que traz a relação entre imagem,
música e dança sob a perspectiva do corpo social.
O interessante neste encontro foi notar que as obras dançadas possuíam
diferentes concepções em relação a utilização da música, improvisação e percursos de
criação. Estéticas e Poéticas distintas, mas que dialogaram em cena. A artista Gícia
Amorim11, apresentou 3 movimentos da obra musical, em que a dança ocorreu
independentemente da música, mas em diálogo com ela, com gestos delimitados e
improvisados; já a obra do coreógrafo Diego Mejía12, teve a construção direcionada pela
música, como inspiração e ponto de partida para composição cênica. Além deste aspecto,
a improvisação, foi um elemento usado pelos dois criadores mas em momentos
diferentes: Gícia a utilizou no momento da apresentação, já Diego, improvisou durante o
processo de criação da obra.
Após o espetáculo houve o debate, mas a estratégia adotada pelos pesquisadores
do GPDEE foi incitar o público a perguntar para os artistas aspectos dos processos de
criação e as relações que eles estabeleceram com a música e os estímulos sonoros e
visuais. Os artistas foram indagados acerca do processo de criação de suas obras
(improvisação no processo de criação e na apresentação cênica), suas
formações/preparação enquanto artistas, além de fomentar alguns aspectos e maneiras
de composição da dança na contemporaneidade.
Desta vez realizamos a oficina A poética do corpo em um momento posterior a
apresentação, no dia 23 de novembro, pois o objetivo foi vivenciar o processo criativo da
10
Merce Cunningham conhecido como um dos precursores da dança moderna, criador de uma técnica em que as partituras são dançadas em diferentes composições no momento da apresentação, Jonh Cage foi seu colaborador por mais de cinco décadas trabalhando a composição musical em paralelo à dança. 11
Gícia Amorin é bailarina conhecida por ter estudado em Nova York, no Internacional Trainning Program do Merce Cunningham Studio, onde estabeleceu uma relação central com essa técnica. 12
Diego Mejía é um artista com formação eclética, que passa pelas artes plásticas, teatro e dança. Participou de diferentes companhias de dança, peças de teatro, programas de televisão, filmes, musicais e óperas, exercendo as funções de bailarino, ator, assistente, diretor e coreógrafo.
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obra Frágil com os participantes – bailarinos, criadores, músicos, educadores, artistas e
estudantes – que experimentaram no corpo jogos cênicos de improviso para
compreensão da poética da obra. A oficina foi interessante para os participantes e
também para os proponentes, pois trabalharam a experiência no terreno movediço da
incerteza, evidenciando o papel do artista criador e dos bailarinos no processo de criação
junto aos participantes.
Como dito anteriormente, todas as ações desenvolvidas no projeto foram
devidamente registradas (fotos e vídeo). Assinalamos a presença média nos encontros de
260 participantes. Com esse material imagético produzimos um DVD documentário de
2013 que está sendo aproveitado em cursos de formação de professores (inicial e
continuada) da rede pública de São Paulo e apresentado em eventos científicos e
culturais como uma documentação inicial do projeto.
O que ficou e para onde vamos.....
A avaliação de 2013 trouxe alguns pontos que estão sendo revistos para 2014
como:
A manutenção do formato escolhido para os encontros: em apresentação artística,
oficina ou palestra e debate com o público;
A temática das políticas públicas para fomento à dança foi recorrente nas discussões
com os participantes, de maneira que é necessário absorve-la nas próximas edições;
A necessidade de difusão na internet para que o uso dessas tecnologias seja
aproveitado na ampliação de público para dança. Dessa maneira optar por uma
edição “enxuta” de fácil acesso para as pessoas. Outra linguagem mais próxima da
confecção de um teaser que esteja no site da Unesp e em outros portais.
O aproveitamento de todo material coletado para o desenvolvimento de pesquisas e
escrita de artigos científicos sobre formação de público para dança.
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Por fim, sabemos que muitas lacunas precisam ser preenchidas. Pensar a
(Trans)formação de público requer olhar para a formação artística educacional e sensível
das crianças, para as políticas públicas de incremento à dança, para os cursos presentes
nos espaços não formais e informais, para a profissionalização do artista da dança, para
os meios de difusão e para tantas outras possibilidades. Exatamente por existirem esses
espaços é que ainda podemos transpor, despertar, potencializar, oportunizar o
compartilhamento da experiência e extasiar-se diante da criação para construir os
saberes próprios da dança que com sua força motriz produz o encantamento desta arte
do movimento (GODOY, 2013).
Referências
DESGRANGES, Flavio. A pedagogia do espectador. São Paulo: Hucitec, 2003.
DEWEY, John. Arte Como Experiência. São Paulo: Martins Editora, 2010.
GODOY, Kathya Maria Ayres de. Dançando na escola: o movimento da formação de
professores de arte. São Paulo: PUC, 2003. Tese de doutorado em Educação, Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.
_________________________. Lado a lado: passos compartilhados entre a universidade
e a SPCD. In: BOGÉA, Inês (org.). Jogo de corpo: ensaios sobre a São Paulo Companhia
de Dança; English version Izabel Murat Burbridge. São Paulo: Editora WMF Martins
Fontes, 2013.
______________________. O desafio em formar plateia para dança. In: GODOY, Kathya
Maria Ayres de. (Org.). Experiências compartilhadas em dança: formação de plateia. 1ed.
São Paulo: Instituto de Artes da Unesp, 2013, v. 1, p. 73-76.
LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. In: Revista
Brasileira de Educação. Nº 19. São Paulo, p. 20-28, 2002. Disponível em:
http://www.anped.org.br/rbe/rbedigital/RBDE19/RBDE19_04_JORGE_LARROSA_BONDI
A. pdf. Acesso 20 de julho de 2014.
MARQUES, Isabel de Azevedo. Linguagem da Dança: Arte e Ensino. São Paulo:
Digitexto, 2010.
ANAIS DO III CONGRESSO NACIONAL DE PESQUISADORES EM DANÇA
Comitê Dança em Mediações Educacionais – Setembro/2014
http://www.portalanda.org.br/anai
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WOSNIAK, Cristiane do Rocio. Dança, cine-dança, vídeo-dança, ciberdança: dança,
tecnologia e comunicação. Curitiba: UTP, 2006.
WALLON, Henri. Cinestesia e imagem visual do próprio corpo da criança. In: Psicologia e
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_____________. A evolução psicológica da criança. Tradução Ana Maria Bessa. Lisboa.
Edições 70, 1968.
*Kathya Maria Ayres de Godoy é Doutora em Educação pela PUC/SP. Leciona no
Instituto de Artes da UNESP, no PPG Artes. Chefia o Departamento de Artes Cênicas,
Educação e Fundamentos da Comunicação. Lidera o Grupo de Pesquisa Dança: Estética
e Educação e Dirige o IAdança – Grupo de Dança institucional da Unesp. Parecerista
CNPq. Assessora Científica da FAPESP.
Email: kathya.ivo@terra.com.br