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ANÁLISE DA REPRESENTAÇÃO VARIÁVEL DOS SUJEITOS
PRONOMINAIS EU E NÓS EM BLOGS BAIANOS
Marcos Nazareno Patrício (UESC)1
linguagem13@yahoo.com.br
RESUMO: A gramática tradicional recomenda não empregar o sujeito pronominal pleno, exceto em
casos específicos. No entanto, estudos linguísticos apontam no sentido de que, no português brasileiro
contemporâneo, é cada vez mais constante o uso do preenchimento em detrimento do não-preenchimento.
No intuito de certificar sobre o andamento dessa representação variável, pesquisamos, especificamente, o
uso do eu e do nós na língua escrita de blogs baianos, tendo como aporte teórico fundamentos da
Sociolinguística Paramétrica (cf. Tarallo e Kato, 2007). Para tanto, utilizamos um corpus formado por
oito textos do gênero confessional produzidos por homens e mulheres, da capital e do interior da Bahia,
com as seguintes faixas etárias: 15 a 25 e 25 a 35 anos. Além desses fatores extralinguísticos,
consideramos, na investigação, a influência dos fatores linguísticos: tempos e modos verbais, mudança ou
não de referência e número. Portanto, nosso trabalho contribuirá para corroborar os estudos acerca da
existência de uma mudança paramétrica em progresso: língua de sujeito nulo para língua de sujeito pleno.
Embora haja estudos que deem ênfase ao fenômeno do preenchimento, nenhum outro utilizou como
corpus recortes do português brasileiro retirados de blogs baianos. O objetivo do presente trabalho, então,
é pesquisar os fatores linguísticos e extralinguísticos que apontam para essa tendência ao preenchimento.
Assim, procuraremos investigar um fenômeno variável em processo na atual sincronia. A fim de
identificar padrões de comportamentos linguísticos associados a grupos dentro da sociedade baiana,
buscaremos relacionar a variação a fatores condicionadores.
PALAVRAS-CHAVE: Sujeito pronominal; Preenchimento do sujeito; Linguística Paramétrica; Blogs da
Bahia.
1. INTRODUÇÃO
O estudo da Língua Portuguesa no Brasil é, para muitos estudantes do ensino
regular, difícil ou desinteressante. Provavelmente, essa realidade se deve ao fato de os
manuais escolares seguirem rigorosamente os paradigmas da gramática tradicional
(doravante GT), visto que essa se mantém conservadora e desarticulada da realidade dos
usos do atual português brasileiro (doravante PB). Como exemplo, a GT não recomenda
empregar o sujeito pronominal preenchido, exceto para evitar ambiguidade, opor as
pessoas gramaticais e dar ênfase a pessoas do discurso (Almeida, 1988; Cunha e Cintra,
1 Mestrando em Letras: Linguagens e Representações pela Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC.
Bolsista da CAPES. Dissertação de Mestrado desenvolvida sob a orientação da profª. Dra. Gessilene
Silveira Kanthack.
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1985; Lapa, 1982). No entanto, estudos linguísticos (Duarte, 1995 e 1993; Lira, 1988;
Paredes Silva, 1991) apontam para um processo avançado de mudança em curso
relativo à representação do sujeito pronominal, no PB contemporâneo, seguindo em
direção à explicitação do sujeito pronominal em detrimento do uso do sujeito nulo.
A fim de investigar esse fenômeno, o presente trabalho propõe um estudo da
representação variável dos sujeitos pronominais eu e nós em um recorte do PB: textos
escritos do gênero confessional publicados na internet por indivíduos baianos, jovens e
adultos de ambos os sexos. Nesse sentido, problematizamos: nos blogs baianos, quais
são os fatores que favorecem as ocorrências de preenchimento dos sujeitos pronominais
eu e nós em detrimento do não-preenchimento? Assim, o objetivo dessa proposta será
investigar evidências do preenchimento dos sujeitos pronominais eu e nós na escrita de
blogs. Ademais, objetivamos verificar se também há a presença de processo avançado
de mudança em curso na língua escrita de blogs baianos. Para tanto, será feito um
levantamento de fatores linguísticos e extralinguísticos a fim de se estabelecer quais
deles são condicionantes da regra inovadora, assim como realizaremos uma análise da
influência desses fatores em relação ao uso variável do sujeito pronominal.
Entendemos que o estudo do comportamento contemporâneo do sujeito
pronominal no PB, juntamente com a análise dos fatores condicionantes, ajudará a
aumentar o conhecimento acerca das características da gramática do PB. Embora haja
estudos que deem ênfase ao fenômeno do preenchimento, nenhum outro estudo utilizou
como corpus recortes do PB retirados de blogs baianos.
Cabe, ainda, mencionar que a escolha por esse gênero é devido a sua natureza
confessional, própria dos diários íntimos tradicionais. Portanto, haveria por conta dessa
natureza uma maior possibilidade de se coletarem registros da língua que estão em
conformidade com o uso corrente dela, e não, com o uso restrito ao prescrito pela GT.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
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A Linguística Paramétrica é uma proposta de Tarallo & Kato (2007) que busca
compatibilizar pressupostos teóricos e procedimentos metodológicos da Sociolinguística
Variacionista (cf. Labov, 1972) com alguns pressupostos do modelo de Princípios e
Parâmetros da Gramática Gerativa (cf. Chomsky, 1981). Em um trabalho precursor,
Tarallo já apresentava as primeiras ideias:
Evidentemente, os pressupostos teóricos e os procedimentos metodológicos
de um e de outro modelo são radicalmente opostos: não se trata pois de
romper fronteiras e confundir domínios no sentido de ‘parametrizar' (ou de
eliminar) diferença, mas, sobretudo, de enfatizar a complementaridade entre
os modelos naquilo que eles permitem ou (permitirem) compatibilizar
resultados (Tarallo, 1987, p. 55).
Assim, Tarallo e Kato (2007) insinuam uma provável renúncia da dicotomia
empirismo/racionalismo, a qual norteou durante muito tempo, de acordo com esses
autores, os trabalhos sobre linguagem. E apontam para um novo caminho que poderá
levar a contribuições importantes para a linguística de Chomsky e Labov.
Para Tarallo e Kato (2007), que acreditam na harmonia trans-sistêmica, poder-
se-á, então, aproximar uma linguística de probabilidade de outra de princípios e
parâmetros por meio do “realinhamento de uma propriedade de um componente da
gramática, do parâmetro sintático, por exemplo, a partir dos resultados probabilísticos
sobre outro fenômeno variável presente em outra parte dessa gramática” (Tarallo; Kato,
2007, p. 19).
Segundo esses dois autores, línguas, além de se distinguirem por diferença
paramétrica (diferença qualitativa), podem se diferenciar também pela frequência com
que propriedades paramétricas (diferença quantitativa) surgem. No entanto, os mesmos
autores destacam que, apesar dos traços apresentados pelas línguas, elas podem
convergir em determinadas partes da gramática, revelando movimentos sincronizados e
espelhados aos quais os gerativistas chamam de propriedades paramétricas.
Tais divergências e convergências manifestadas pelas línguas podem, conforme
esses dois autores, ser tratadas pela harmonização trans-sistêmica defendida pela
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Sociolinguística Paramétrica, uma vez que esta se apropria de aspectos complementares
das duas perspectivas teóricas. Do modelo de Princípios e Parâmetros, utiliza a
abordagem inter-linguística, quer dizer, a visão da natureza e do funcionamento da
estrutura interna da(s) língua(s). Em contrapartida, da teoria da Sociolinguística
Variacionista, retira a perspectiva intra-linguística, isto é, os fatores linguísticos e
extralinguísticos que podem condicionar a variação linguística. Em outras palavras, é
possível dizer que, da primeira perspectiva, trabalha com as propriedades paramétricas
determinantes da variação inter-linguística. Da segunda, com probabilidades acerca dos
fatores condicionantes da variação intra-linguística.
Esse diálogo entre as duas perspectivas, para o estudo ora proposto, possibilitará
diferenciar uma mudança paramétrica (mudança na gramática da língua) de uma
variação superficial. Quanto a uma mudança paramétrica em progresso em uma língua,
evidências qualitativas e quantitativas são muito importantes, como pode ser visto por
meio dos estudos sobre a representação do sujeito pronominal no PB, os quais serão
comparados nesta proposta de trabalho.
3. SUJEITO VARIÁVEL: ALGUMAS PESQUISAS
Pesquisamos alguns trabalhos que abordam a representação variável dos sujeitos
pronominais na língua falada e escrita do PB, intentando apresentar os resultados
obtidos no sentido de verificar até que ponto estes corroboram ou não a proposição de
que o PB evolui de uma situação de não-preenchimento para preenchimento.
Duarte (1993), com um corpus formado por trechos de sete peças de teatro
popular escritas entre os séculos XIX e XX (1845 a 1992), empreende um estudo
diacrônico sobre a trajetória da representação do sujeito pronominal no PB. Nesse
estudo, objetiva demonstrar que o emprego cada vez maior do preenchimento do sujeito
está ligado à simplificação das formas flexionais no paradigma verbal do PB.
Simplificação esta que a autora ilustra mediante a seguinte tabela (p. 109):
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Tabela 1 – Evolução nos paradigmas flexionais do PB.
PESSOA NÚMERO PARADIGMA 1 PARADIGMA 2 PARADIGMA 3
1.ª SINGULAR CANT-O CANT-O CANT-O
2.ª DIRETA SINGULAR CANTA-S .............. ................
2.ª INDIRETA SINGULAR CANTA-0 CANTA-0 CANTA-0
3.ª SINGULAR CANTA-0 CANTA-0 CANTA-0
1.ª PLURAL CANTA-MOS CANTA-MOS CANTA-0
2.ª DIRETA PLURAL CANTA-IS ................ ................
2.ª INDIRETA PLURAL CANTA-M CANTA-M CANTA-M
3.ª PLURAL CANTA-M CANTA-M CANTA-M
Essa tabela intenta representar uma evolução, de um sistema flexional de seis
formas diferentes (Paradigma 1) para outro de quatro formas distintas (Paradigma 2),
que coexiste com um terceiro (Paradigma 3) de apenas três. Conforme a autora, esse
segundo limita-se à língua escrita e à fala de pessoas mais velhas e deve-se ao desuso
dos pronomes de 2.ª pessoa direta (tu e vós). Quanto ao terceiro, advém da substituição,
na fala dos mais jovens, do pronome de 1.ª do plural (nós) pela expressão a gente.
Duarte trabalha com 1.100 dados em função da variável dependente com os
seguintes fatores linguísticos: a) o traço sintático de número e pessoa em relação ao
traço semântico designado; b) o tempo e a forma verbal; c) a presença de elementos
antes do sujeito ou entre o sujeito e o verbo; d) o tipo sintático da oração; e) a existência
de correferência entre o sujeito da principal e o da subordinada e f) a função do
referente do sujeito de 3.ª pessoa.
Os resultados obtidos revelam maior frequência de não-preenchimento do sujeito
(por volta de 75%) nos três primeiros períodos examinados (1845, 1882 e 1918). Tal
frequência assume uma trajetória descendente expressiva nos três últimos períodos
(1937, 1975 e 1992), de modo que essa frequência encontra-se em torno de 25% em
1992, evidenciando a superioridade das ocorrências de construções com preenchimento
do sujeito pronominal, em virtude da redução no paradigma flexional.
Duarte (1993, p. 115) mostra que, quanto à 1.ª pessoa, tanto do singular como do
plural, há uma ocorrência de, aproximadamente, 65% de sujeito nulo em 1845, a qual
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decai para 15% em 1992. Ao examinar isoladamente a 1.ª pessoa do plural, ela relata a
consequência da redução flexional representada no paradigma 3:
De um índice de 100% de sujeitos nulos nos três primeiros períodos,
chegamos a 7% (uma ocorrência em quinze) em 1975 e nenhuma ocorrência
em 1992: os dez sujeitos de 1.ª pessoa do plural são pronominais; em três
deles foi usado o pronome nós (pelas personagens mais velhas) e em sete, a
expressão a gente (pelos jovens). (Duarte, 1993, p. 115).
Os resultados desse estudo confirmaram, segundo Duarte, que a simplificação no
paradigma das desinências verbais acarretou mudança significativa na representação do
sujeito pronominal, modificando as características do PB: de língua [+] pro-drop, como
o espanhol e o italiano, para língua [-] pro-drop, como o inglês e o francês.
Com o propósito de cotejar a língua escrita com língua falada em relação ao
comportamento variável do sujeito pronominal no PB, Lira (1988) realiza um estudo
preliminar no qual lança mão de um corpus formado por cartas familiares, direcionadas
a ela, redigidas por quatro pessoas e de outro corpus constituído de entrevistas, feitas
por ela, com cinco pessoas. Todos os informantes são do sexo feminino, naturais do Rio
de Janeiro e pertencentes à classe média alta.
Os resultados atingidos nesse trabalho de Lira confirmam a sua hipótese inicial
de que a frequência de preenchimento do sujeito pronominal na língua escrita é menor
do que na língua falada. Para ilustrar, a autora expõe a seguinte tabela:
TABELA 2 - Frequência dos sujeitos pronominais e zero na língua falada e escrita
(adaptada de LIRA, 1988, p. 33).
SUJEITO FALADA ESCRITA
OC % OC %
PRONOMINAL 884 58 86 22
ZERO 631 42 314 78
TOTAL 1.515 400
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Os fatores linguísticos selecionados para a análise desses dados iniciais foram
aqueles que, em seu trabalho anterior (Lira, 1982, apud Lira, 1988, p. 34), maior
influência exerceram sobre a frequência da representação dos sujeitos pronominais. Os
resultados obtidos para essa frequência a partir de tais fatores são:
1. Referência específica e generalizada – O preenchimento do sujeito
pronominal da 2.ª pessoa é o mais frequente tanto na modalidade escrita (59%) como na
falada (76%). O comportamento da 1.ª pessoa manifesta-se inverso nas duas
modalidades: na língua escrita predomina o não-preenchimento (85%) e na língua
falada destaca-se o preenchimento (65%).
2. Tipos de oração – As orações selecionadas foram: independentes, principais,
subordinadas e coordenadas. As que mostraram resultados mais significativos foram: a
oração coordenada, a qual se revelou fator inibidor do preenchimento; a oração relativa,
que apresentou preenchimento quase categórico (91%).
3. Informação nova e não-nova – Os resultados revelam que este grupo de fator
não favorece o preenchimento. Contudo, a autora conclui ser necessária uma análise
mais qualitativa para poder obter uma hipótese mais consistente.
4. Referente da oração examinada mesmo ou diferente do da oração anterior
– Este grupo de fatores desempenha igual influência nas duas modalidades: caso o
referente seja o mesmo, inibe o preenchimento do sujeito pronominal; caso seja
diferente, favorece a frequência do preenchimento.
Paredes Silva (1991), por sua vez, analisa a representação variável do sujeito
pronominal em um corpus de língua escrita informal constituído por 70 cartas pessoais
produzidas, entre 1979 e 1984, por jovens (17 a 24 anos) e adultos (26 a 38 anos)
cariocas de ambos os sexos, num total de 2.787 dados coletados. De acordo com a
autora, esta análise revelou que “Em números globais, a 1.ª pessoa apresentou um
percentual de 77% de ausências de sujeito, contra 30% de ausências na 2.ª pessoa e 50%
na 3.ª pessoa.” (Paredes Silva, 1991, p. 84 - 85).
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Dos fatores postulados como prováveis condicionadores do não-preenchimento
do sujeito pronominal, os linguísticos (ambiguidade, ênfase, conexão do discurso, tipo
de oração, posição das orações, distância do referente, paralelismo, número gramatical e
caráter animado do referente) predominam sobre os extralinguísticos (idade e sexo).
A idade foi o único, dentre os fatores extralinguísticos, a se mostrar relevante,
mas apenas nas ocorrências de preenchimento do sujeito pronominal de 1.ª pessoa. Para
Paredes Silva (1991, p. 85), tal fato pode ser interpretado como “parte de uma tendência
dos jovens a serem mais espontâneos”, de modo a aproximar a escrita deles da fala,
modalidade em que, segundo Lira (1982), a frequência de preenchimento do sujeito é
bem mais elevada. Nesse sentido, é possível afirmar que os jovens apresentam um
comportamento menos conservador quanto à representação do sujeito pronominal, pois
aproximam bem mais a língua escrita do uso corrente.
Em relação aos fatores linguísticos, a ênfase e a ambiguidade revelam-se
significativas, uma vez que se mostram favorecedoras do preenchimento, ratificando as
afirmações da GT. Já a mudança de referência é uma variável independente que,
segundo Paredes Silva, “tem sido aplicada com bons resultados a todas as análises
variacionistas do sujeito”. No entanto, a autora propõe, com base nos resultados
estatísticos alcançados, substituí-la pela conexão do discurso. Contudo, optamos,
inicialmente, pelo fator mudança de referência para testarmos a relevância de sua
influência sobre a representação variável do sujeito presente no corpus com o qual
trabalharemos. O fator tipo de oração se manifesta diferentemente em cada pessoa. Em
geral, verificou-se a tendência expressiva ao não-preenchimento de 1.ª pessoa em
orações principais. A posição da oração apresenta resultados significativos apenas na
1.ª pessoa, na qual a posição inicial contribui para o não-preenchimento. A distância do
referente demonstra que, na 1.ª pessoa, a menção inicial traz frequência maior de não-
preenchimento. O paralelismo mostra, na 1.ª pessoa como na 3.ª, orientações na direção
prevista: preenchimento levando a preenchimento, não-preenchimento levando a não-
preenchimento. O número gramatical apresenta resultados satisfatórios, em relação ao
condicionamento do sujeito, apenas na 1.ª pessoa, em que a desinência bem marcada de
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plural favorece ao não-preenchimento, ao passo que “alomorfes de singular”, os quais,
em geral, “são menos salientes”, favorecem menos ao não-preenchimento (Paredes
Silva, 1991, p. 88). O caráter animado do referente, apropriado somente à 3.ª pessoa,
condiciona, quando os referentes são inanimados, o não-preenchimento do sujeito.
Diante das considerações feitas, acerca dos resultados obtidos por eles, podemos
confirmar que está em curso um processo de mudança da representação do sujeito
pronominal no PB falado e escrito (embora neste as ocorrências de não-preenchimento
ainda correspondam a percentual maior). Esse processo aponta para uma trajetória em
direção ao preenchimento pronominal do sujeito, que, como vimos, está condicionado a
diferentes fatores linguísticos e extralinguísticos.
4. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
4.1. INTRODUÇÃO
Nesta seção, exporemos a descrição e análise dos dados parciais obtidos a partir
da investigação do comportamento da variável dependente em função dos fatores
estabelecidos, a fim de pôr à prova hipóteses levantadas.
Para a verificação das mesmas, partimos, primeiro, para a identificação e
codificação da variável dependente, que também foi codificada em função de cada um
dos fatores investigados. Após esse procedimento, realizamos um levantamento
quantitativo, cujos resultados são apresentados em tabelas específicas, com o intuito de
demonstrar a frequência da regra analisada.
Assim, na primeira seção, apresentaremos uma visão geral da representação
variável dos sujeitos pronominais eu e nós no PB. Trata-se de um corpus constituído,
inicialmente, por oito textos do gênero confessional (com o limite de 350 a 800 letras
por texto) coletados de blogs baianos cuja produção pertence a indivíduos homens e
mulheres. A caracterização social desses indivíduos compreende dois homens e duas
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mulheres, ambos da capital, e número similar do interior. Foram consideradas, para cada
sexo de mesma localidade, duas faixas etárias: 15 a 25 anos e 25 a 35 anos.
Os resultados referentes a esses fatores sociais, e aos fatores linguísticos, serão
apresentados nas seções seguintes.
4.2. OCORRÊNCIA GERAL DA REPRESENTAÇÃO VARIÁVEL DOS
SUJEITOS PRONOMINAIS EU E NÓS
A variável dependente de nossa pesquisa é o preenchimento e o não-
preenchimento do sujeito, particularmente de primeira pessoa, do singular e do plural,
como ilustram (1) e (2) respectivamente:
(1) a. Eu sei que se preocupa comigo, e que quer que eu fale (...) mas eu
nunca aprendi a falar, não dessas coisas, não sempre.
b. Agora não sei onde moro (...) não estou mais na escola (...).
(2) a. Eu posso me denominar (...) acredito todos nós somos um pouco.
b. (...) talvez não sofrêssemos tanto (...) talvez, se soubéssemos (...).
Na tabela 3, temos o resultado correspondente ao comportamento dessa regra
variável:
Tabela 3 - Cômputo geral da variável dependente: preenchimento x não-preenchimento
dos sujeitos pronominais eu e nós.
SUJEITOS PRONOMINAIS: EU e NÓS
PREENCHIMENTO NÃO-PREENCHIMENTO
OC % OC %
121 42,5 164 57,5
Ao confrontar os percentuais obtidos, ratifica-se a expectativa de realização
variável dos sujeitos pronominais eu e nós no PB. Ademais, ao observar a diferença
percentual (15%) favorável ao não-preenchimento, confirma-se a hipótese de que essa
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variante é a regra mais aplicada em textos escritos; embora tal diferença não seja tão
significativa quanto à diferença (54%) obtida por Paredes Silva (1991).
Contudo, os dados analisados apontam, valendo-nos das palavras de Duarte
(1995, p. 95), “... a penetração do sujeito pronominal pleno em estruturas que uma
língua de sujeito nulo, em cujos moldes a tradição gramatical ainda inclui o PB, não
aceitaria”. Dessa maneira, os nossos dados demonstram que nossa língua vem perdendo
as principais características de língua pro-drop, visto que não está em conformidade
com o “Princípio Evite Pronome” (Duarte, 1995, p. 29).
4.3. OS FATORES EXTRALINGUÍSTICOS
Tais fatores foram selecionados com o propósito de verificar quais são
estatisticamente relevantes em relação à variável dependente. Em outras palavras, quais
fatores são condicionadores do preenchimento/não preenchimento do sujeito
pronominal. Comecemos pelo fator localidade.
4.3.1. VARIÁVEL DEPENDENTE X LOCALIDADE
Tabela 4 - Variável dependente em função do fator localidade.
SUJEITOS PRONOMINAIS: EU e NÓS
LOCALIDADE PREENCHIMENTO NÃO-PREENCHIMENTO
OC % OC %
CAPITAL 76 50,7 74 49,3
INTERIOR 45 33,3 90 66,7
Verificamos que a capital foi a localidade com o maior percentual (50,7%) de
emprego da regra de preenchimento, ao passo que o interior foi mais expressivo
(66,7%) no uso da regra de não-preenchimento. Logo, o percentual favorável ao
preenchimento, observada no plano vertical da tabela, indica que as construções com
sujeito lexicalizado são mais frequentes na capital do que no interior, confirmando a
hipótese de que capital seria a responsável pela utilização de formas mais inovadoras da
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língua. Já, no interior, a ocorrência maior da forma não preenchida confirma a hipótese
de uma propensão a um comportamento mais conservador em relação à aplicação da
regra de preenchimento.
No entanto, ao se observar horizontalmente a tabela 4, vemos que a diferença
percentual (1,4%) encontrada na capital, por se tratar de muito pequena, evidencia uma
quase neutralidade desse local quanto a sua influência no condicionamento da aplicação
da regra de preenchimento/não-preenchimento. Por sua vez, a diferença favorável ao
não-preenchimento (33,4%), verificada no interior, denota significativa influência dessa
localidade na aplicação da regra de sujeito nulo.
4.3.2. VARIÁVEL DEPENDENTE X SEXO
De modo similar aos resultados obtidos para a localidade, o sexo não se revelou,
no plano horizontal da tabela, significativamente favorecedor da aplicação da regra de
preenchimento dos sujeitos pronominais eu e nós. Vejamos isso na tabela 5:
Tabela 5 – Variável dependente em função do fator sexo.
SUJEITOS PRONOMINAIS: EU e NÓS
SEXO PREENCHIMENTO NÃO-PREENCHIMENTO
OC % OC %
FEMININO 65 48,9 68 51,1
MASCULINO 56 36,8 96 63,2
Como se pode notar, o sexo feminino apresenta maior percentual no tocante à
aplicação da regra de preenchimento (48,9%), enquanto o sexo masculino em relação ao
emprego da regra de não-preenchimento (63,2%). Assim, a diferença percentual
favorável ao preenchimento (12,1%), observada no plano vertical da tabela 5, demonstra
que as construções com sujeito pronominal pleno são mais utilizadas pelo sexo
feminino do que pelo sexo masculino. Logo, tal resultado confirma a hipótese de que,
em se tratando de processo de mudança linguística, a mulher tende a ser mais inovadora
do que o homem.
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Todavia, o sexo feminino mostrou-se pouco eficaz no favorecimento da
aplicação da regra de preenchimento em detrimento do não-preenchimento, visto que a
diferença percentual (2,2%), observada sob o plano horizontal, é, a exemplo da
localidade capital, muito próxima da neutralidade. Por sua vez, o masculino trouxe
diferença percentual mais significativa (26,4) quanto ao uso da regra de não-
preenchimento.
4.3.3. VARIÁVEL DEPENDENTE X FAIXA ETÁRIA
Vejamos os resultados desse cruzamento na tabela 6:
Tabela 6 – Variável dependente em função do fator faixa etária.
SUJEITOS PRONOMINAIS: EU e NÓS
FAIXA ETÁRIA PREENCHIMENTO NÃO-PREENCHIMENTO
OC % OC %
FAIXA 1(15 a 25) 81 60 54 40
FAIXA 2(25 a 35) 40 26,7 110 73,3
Constatamos que, dentre as duas variantes independentes, a faixa etária 1
apresentou percentual mais significativo (60%), tanto no plano horizontal quanto
vertical, em relação a sua influência na aplicação da regra de preenchimento, revelando-
se fator condicionante; ao passo que a faixa etária 2 exibiu percentual mais expressivo
(73,3%) em relação à aplicação da regra de não-preenchimento, mostrando-se também
fator condicionante dessa variante. Assim, os resultados confirmaram a hipótese de que
a faixa etária mais velha revelar-se-ia mais conservadora do que a faixa mais jovem
quanto à provável mudança linguística em curso.
Portanto, é importante destacar que o fator etário revelou-se o mais significativo,
dentre os fatores extralinguísticos, no condicionamento da representação do sujeito
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pronominal explícito, visto que a ocorrência da variável dependente na faixa etária mais
nova foi o único caso em que a forma explícita superou (20%) a implícita.
4.4. OS FATORES LINGUÍSTICOS
Como linguísticos, consideramos: tempos e modos verbais, mudança ou não de
referência e número, cujos resultados serão apresentados respectivamente nas seções
que se seguem.
4.4.1. VARIÁVEL DEPENDENTE X TEMPOS E MODOS VERBAIS
Observemos amostras desse fator em relação à variável dependente, e, em
seguida, os resultados na tabela 7:
(3) Quanto a mim, escrevi tudo isso pensando em alguém que,
provavelmente não conheci e, se conheci (...) (pretérito perfeito).
(4) Eu erro, assim como você errará e eu perdoarei. (...) ficarei com (...)
precisarei de um. (presente do indicativo e futuro do presente).
(5) Se eu fosse (...) teria enlouquecido (...) eu responderia aos problemas
por você (imperfeito do subjuntivo e futuro do pretérito).
Tabela 7 – Variável dependente em função do fator tempos e modos verbais.
SUJEITOS PRONOMINAIS: EU e NÓS
TEMPOS E MODOS VERBAIS PREENCHIMENTO NÃO-PREENCHIMENTO
OC % OC %
Presente do Indicativo 80 43,5 104 56,5
Pretérito Perfeito 17 29,8 40 70,2
Pretérito Mais-que-perfeito 0 - 0 -
Imperfeito do Indicativo 11 55 9 45
Futuro do Presente 2 28,6 5 71,4
Futuro do Pretérito 4 50 4 50
Presente do Subjuntivo 2 100 0 -
Imperfeito do Subjuntivo 3 60 2 40
Futuro do Subjuntivo 2 100 0 -
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Os resultados dessa tabela demonstram que, tanto no presente do subjuntivo
quanto no futuro do subjuntivo, a ocorrência de preenchimento foi categórica (100%),
evidenciando, assim, não-variação. No futuro do pretérito houve ocorrência de
comportamento idêntico das variantes dependentes (50%), o que representou caso de
neutralidade desse tempo e modo verbal; dessa forma, não se revelou fator inibidor ou
favorecedor da aplicação da regra de preenchimento/não-preenchimento. Já no presente
do indicativo, no pretérito perfeito e no futuro do presente, a diferença percentual
favorável ao não-preenchimento (13%, 40,4% e 42,8%, respectivamente) mostra-se
significativa no que diz respeito à aplicação dessa regra. Em contrapartida, no
imperfeito do indicativo e no imperfeito do subjuntivo, a diferença percentual favorável
ao uso de sujeito explícito (10% e 20%, respectivamente) revelou serem tais verbos
fatores condicionadores da aplicação da regra de preenchimento do sujeito pronominal.
Em suma, os resultados confirmaram a hipótese de que as desinências verbais
representam fator inibidor, em textos escritos, para o preenchimento dos sujeitos
pronominais eu e nós. Por conseguinte, formas verbais da primeira pessoa do singular,
cujas desinências não são bem marcadas, favorecem a aplicação da regra de
preenchimento, evitando, dessa forma, ambiguidade interpretativa; enquanto as formas
verbais da primeira pessoa do singular e do plural, cujas desinências são bem marcadas,
favorecem, por dispensar a redundância, a aplicação da regra do não-preenchimento.
As amostras evidenciaram a tendência, da língua escrita de blogs baianos, para o
não-preenchimento do sujeito pronominal em sentença com verbo de desinência bem
marcada e para o preenchimento em sentenças com verbo de desinência não bem
marcada. Porém, também revelaram sentenças em que há ocorrência significativa de
preenchimento/não-preenchimento tanto em contextos verbais bem marcados como em
não bem marcados.
4.4.2. VARIÁVEL DEPENDENTE X MUDANÇA OU NÃO DE REFERÊNCIA
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Quanto à mudança de referência relativa aos sujeitos pronominais eu e nós, o
resultado do levantamento também foi significativo, haja vista a importância dessa
variável independente, no processo discursivo, como um elemento articulador de
coesão. Vejamos algumas amostras desse fator, e, logo abaixo, os resultados
correspondentes:
(6) a. Eu moro com minha mãe e meu irmão mais novo. Minha melhor
amiga (mudança) é minha irmã. Tenho uma ótima relação com minha
mãe, ela (mudança) é incrível. Assisto muitos filmes.
(7) a. Eu tentei entender e não consegui (não-mudança), deixei (não-
mudança) pra lá!
Tabela 8 – Variável dependente em função do fator mudança ou não de referência.
SUJEITOS PRONOMINAIS: EU e NÓS
MUDANÇA OU NÃO DE
REFERÊNCIA
PREENCHIMENTO NÃO-PREENCHIMENTO
OC % OC %
MUDANÇA 79 57,7 58 42,3
NÃO-MUDANÇA 36 27,3 96 72,7
Em relação a esse fator, verificamos que a diferença percentual favorável ao
preenchimento (15,4%) dos sujeitos pronominais eu e nós, observada no plano
horizontal da tabela 8, aponta para tendência ao uso do sujeito pronominal explícito. Já
quanto à não-mudança, a diferença percentual favorável ao não-preenchimento (45,4%),
vista sob esse mesmo plano, indica por sua vez a tendência ao emprego dessa variante.
Assim, tais resultados confirmam a hipótese de que quanto mais frequente a
descontinuidade de tópico referencial, mais recorrente o uso da regra de preenchimento;
e quanto mais frequente a continuidade de tópico referencial, mais recorrente o emprego
da regra de não-preenchimento. Essa hipótese se justifica dado que o referente
previsível possui elementos que favorecem a retomada do sujeito não-preenchido sem
nenhum comprometimento de interpretação, já que esse referente se situa numa posição
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sintaticamente acessível e não existe entre ele e o sujeito qualquer outro possível
sintagma nominal capaz de gerar ambiguidade na interpretação, daí a tendência ao não-
preenchimento. Por outro lado, o referente não previsível não apresenta, por sua vez,
elementos que possibilitem a identificação do sujeito não-preenchido, por isso a
necessidade de seu preenchimento para garantir uma interpretação precisa.
4.4.3. VARIÁVEL DEPENDENTE X NÚMERO
Quanto ao último fator analisado, observemos os exemplos e, em seguida, os
resultados:
(9) a. Se eu fosse de me deixar levar (...) eu responderia aos problemas.
b. (...) se não ficarei com "inginge" (...) precisarei de um.
(10) a. Eu posso me denominar (...) acredito que todos nós somos um (...).
b. (...) não lapidaríamos (...) não aprenderíamos.
Tabela 9 – Variável dependente em função do fator número.
NÚMERO PREENCHIMENTO NÃO-PREENCHIMENTO
OC % OC %
SINGULAR 119 45,9 140 54,1
PLURAL 2 7,7 24 92,3
Ao confrontar verticalmente os percentuais da tabela 9, verificamos que o
número singular apresentou uma diferença expressiva (38,2%) favorável à aplicação da
regra do preenchimento dos sujeitos eu e nós, assim como o plural exibiu uma diferença
favorável (38,2) à do não-preenchimento.
Esses resultados confirmam a hipótese de que a primeira pessoa do singular, por
estar vinculada a certas formas verbais cuja desinência não é bem marcada, tende ao
preenchimento a fim de se evitar interpretações equivocadas. Por sua vez, a primeira
pessoa do plural tende ao não-preenchimento, de forma quase categórica, visto que se
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associa à desinência bem marcada (-mos) em todos os tempos verbais, não
comprometendo, em tese, a interpretação.
Contudo, ao observar esses percentuais no plano horizontal da tabela,
constatamos que tanto o número singular quanto o número plural apresentam uma
tendência maior ao não-preenchimento. Logo, o fator número não se revelou relevante
na aplicação da regra de preenchimento. Todavia, tais amostras também revelaram
ocorrência significativa de preenchimento/não-preenchimento tanto em contextos
verbais bem marcados como em não bem marcados.
5. CONSIDERAÇÕES PROVISÓRIAS
Os dados analisados somaram um total de 285 ocorrências, das quais 164
(57,5%) são de não-preenchimento de sujeito e 121 (42,5%) de preenchimento de
sujeito. Tais resultados demonstram que, ainda que em percentual menor, a frequência
desses sujeitos pronominais é expressiva, logo, inferimos que seu uso não é somente
para evitar ambiguidade, opor as pessoas gramaticais e dar ênfase a pessoas do discurso,
mas reflete o quão frequente é a aplicação da regra de preenchimento.
Em nossa análise preliminar, constatamos que os sujeitos pronominais eu e nós,
em blogs baianos, se realizam de forma variável, apontando para a evolução de uma
situação de não-preenchimento para preenchimento; que essa regra inovadora é
favorecida por tempos e modos verbais com flexão menos marcada, pela mudança de
referência e pelo singular; que a capital, o sexo feminino e a faixa etária mais jovem são
menos resistentes em se tratando dessa regra inovadora. Portanto, os nossos resultados
confirmam a mudança em curso envolvendo o sujeito pronominal na língua escrita do
PB contemporâneo.
Compreendemos como significativas as ilações advindas da análise dos
resultados. No entanto, a abordagem empregada é limitada, visto que, a partir do mesmo
grupo de fatores, outros aspectos relevantes podem ser examinados, com o propósito de
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explorar melhor o corpus utilizado. Ademais, é provisória, dado que entendemos ser
fundamental a análise de outros fatores para encontrar respostas mais consistentes e
esclarecedoras aos resultados encontrados em nosso trabalho.
Os objetivos apresentados foram alcançados, por ora, satisfatoriamente, as
hipóteses elaboradas em grande parte foram comprovadas e, quanto às contribuições
linguísticas, acreditamos que estas podem ser ainda mais significativas.
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