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Aprendizagem de frações e a inclusão de todos os estudantes em matemática no
ensino fundamental
Eixo temático: A Educação Inclusiva e os processos de ensino e aprendizagem na Educação Básica
Autoras: Isabel Cristina Peregrina Vasconcelos (IMEC);112 Rosane da Conceição Vargas
(UFRGS); Beatriz Vargas Dorneles (UFRGS)
Resumo: A aprendizagem inicial de frações na Educação Básica é o foco deste estudo. Optou-se
por investigar o conceito de fração por representar um desafio para os estudantes na aprendizagem
dos números racionais e inclusão de oportunidades educacionais. Trata-se de um estudo transversal
de carácter quali-quantitativo que buscou analisar se a compreensão dos estudantes sobre a relação
inversa entre numerador e denominador afeta a aprendizagem do conceito de fração menor que a
unidade, e verificar as justificativas utilizadas pelos estudantes ao resolverem problemas de fração
menor do que a unidade. Participaram 90 estudantes do 4º ano do ensino fundamental, com idades
entre 9 e 11 anos, de uma escola da rede pública de Porto Alegre. Verificou-se que os estudantes
obtiveram uma média de 43,5% de acertos na situação quociente e 29% de acertos na situação
parte-todo. As explicações utilizadas pelos estudantes apontam que a categoria Relação Inversa foi
mais utilizada na situação quociente para justificar as soluções do problema. Os resultados obtidos
confirmam os achados anteriores, evidenciando que a situação quociente promove mais facilmente
a compreensão da relação inversa entre o numerador e o denominador na aprendizagem de frações
menores do que a unidade. Discutem-se as implicações para o ensino escolar.
Palavras-chave: aprendizagem, números racionais, frações, inclusão educacional.
INTRODUÇÃO
A aprendizagem das frações representa um desafio para muitos estudantes com ou sem
Dificuldades de Aprendizagem na Matemática (DAM), visto que as frações representam quantidades
que resultam da divisão e que não podem ser descritas por números inteiros (MAZZOCO; DEVLIN,
2008; NUNES; BRYANT, 2015). A compreensão de fração requer entender a natureza relativa do
conceito e as relações entre quantidades, uma vez que demanda uma reorganização do conhecimento
numérico (NUNES; BRYANT, 1997; STAFYLIDOU; VOSNIADOU, 2004), bem como o fato de
que as propriedades dos números inteiros não definem os números em geral, e, portanto, exige outros
tipos de habilidades cognitivas mais complexas. Assim, a não aprendizagem dos conteúdos
112 E-mail: isabel.vasconcelos@ecosure.com.br
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referentes aos números fracionários pode ser uma preditora de dificuldades de aprendizagem em
conhecimentos matemáticos em níveis de ensino mais avançados (BEHR; WACHSMUTH; POST;
LESH, 1984; HALLETT; NUNES; BRYANT; THORPE, 2012; SIEGLER, THOMPSON;
SCHINEIDER, 2011).
De acordo com os dados de Hecht, Vagi e Torgesen (2007) baseados na Avaliação Nacional
do Progresso Educacional dos EUA, constatou-se que, em 1990, apenas 53% dos alunos sem DAM
de 7ª série e 71% dos alunos de 11ª série conseguiam subtrair corretamente duas frações com
denominadores diferentes. Em 2003, essa mesma avaliação apontava que apenas 55% dos alunos de
8ª série testados conseguiram resolver um problema envolvendo a divisão da quantidade de uma
fração por outra fração. No Brasil, como não temos dados do desempenho de estudantes em números
racionais, inferimos suas dificuldades em frações a partir dos dados resultantes do SAEB de 2013, no
qual verifica-se que aproximadamente 47% dos alunos do 5º ano não alcançam o nível “suficiente”
definido pelo parâmetro A (≥ 200 pontos), e cerca de 65% não alcançam esse nível de aprendizado
seguindo o parâmetro B (≥ 225 pontos), sendo que, para esses parâmetros, os alunos deveriam ter
proficiência em reconhecer uma fração como representação da relação parte-todo, com o apoio de
um conjunto de até cinco figuras (BOF, 2016). Já a situação dos alunos de 9º ano é mais
preocupante: tem-se que 75% dos alunos não atingem o parâmetro A (≥ 275 pontos), e 89% dos
estudantes não alcançam o parâmetro B (≥ 300 pontos), indicando que esses não possuem
proficiência em determinar a soma de números racionais em contextos de sistema monetário nem
localizar números racionais em sua representação decimal (BOF, 2016). Esses dados são
preocupantes, à medida que podemos inferir que os estudantes estão na escola, mas estão aprendendo
em torno da metade dos conceitos matemáticos, com isso a inclusão através da aprendizagem não
está ocorrendo.
O movimento internacional de todos na escola é uma realidade no contexto brasileiro
(DORNELES, 2010), no entanto, ainda não há educação para todos, não há a inclusão de todos nas
aprendizagens, conforme os dados do SAEB citados.
Garantir a aprendizagem de todos significa incluir todos no sistema escolar, com
aprendizagem em diferentes momentos do ciclo escolar, independentemente das diferenças entre os
estudantes, pois, durante a vida escolar, é comum os estudantes vivenciarem alguns obstáculos nas
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aprendizagens (MANTOAN, 2015), que podem estar relacionadas com a qualidade da educação
oferecida.
No Brasil, são escassas as pesquisas que investigam o raciocínio que as crianças brasileiras
têm sobre as relações entre as quantidades menores do que a unidade antes de receberem ensino
regular sobre fração na escola. Desse modo, buscou-se analisar se a compreensão dos estudantes
sobre a relação inversa entre numerador e denominador afeta a aprendizagem do conceito de frações
menores que a unidade e verificar as justificativas utilizadas pelos estudantes ao resolverem
problemas de frações menores do que a unidade. A opção pelo estudo das frações deve-se ao fato de
que representam o início da aprendizagem dos números racionais. O presente estudo teve como
problema: por que é tão difícil aprender frações para os estudantes do ensino fundamental?
A revisão teórica apresentada aqui descreve parte de uma pesquisa de doutorado realizado
pela primeira autora, cujo foco incidiu na compreensão das relações numéricas na aprendizagem das
frações.
Pesquisas têm apontado diferentes razões pelas quais a aprendizagem das frações representa
um dos primeiros desafios enfrentados pelos estudantes desde o 4º ano do ensino fundamental,
quando esse conteúdo é incluído no currículo, estendendo-se até o final dessa etapa escolar
(HALLETT; NUNES; BRYANT; THORPE, 2012; NUNES; BRYANT, 1997; SIEGLER,
THOMPSON; SCHINEIDER, 2011). O conceito de fração envolve compreender princípios tais
como: repartição de um todo ou unidade em partes iguais; nomenclatura das partes fracionárias;
requisição de dois números inteiros para sua representação numérica; relação entre o numerador e o
denominador; a função do denominador de indicar o número de partes pelo qual o todo foi dividido,
a fim de produzir o tipo de parte, sendo, desse modo, um divisor e também o fator que nomeia a
parte fracionária; a função do numerador é indicar o número de partes consideradas, sendo assim o
multiplicador; e o fato de que duas frações equivalentes são dois modos de descrever a mesma
quantidade (BEHR; LESH; POST; SILVER, 1983; KIEREN, 1993). No entanto, muitas vezes,
estudantes no ensino médio ainda têm dificuldade em usar frações para representar números e para
representar relações entre quantidades.
A seguir, apresentam-se três razões que indicam dificuldades específicas na aprendizagem de
frações. A primeira é a representação simbólica envolvendo a relação entre dois números inteiros, a e
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b, (onde b ≠ 0), para indicar a quantidade de uma fração ba , isto é, a quantidade que significa. Nunes
e Bryant (2015) destacam que a representação de uma quantidade usando dois números pode induzir
a criança a: 1) prestar a atenção a apenas um dos números, ou então não compreender que existe uma
relação inversa entre o numerador e o denominador; 2) estabelecer uma relação aditiva entre os dois
valores, e nesse caso, concluir que ⅖ e ⅝ são equivalentes, considerando que a diferença entre o
numerador e o denominador é a mesma; e 3) formar uma ideia de fração como parte de um todo e
concluir que 5
6 < 1.
Já a segunda dificuldade está relacionada aos procedimentos para realizar os cálculos
numéricos com frações. Em geral, a adição e a subtração de frações são mais complicadas em
comparação com a adição e subtração com os números naturais, principalmente quando os
denominadores são diferentes.
Por fim, a terceira dificuldade está em interpretar os significados do numerador e do
denominador, associados às diferentes situações em que as frações são usadas, podem modificar o
significado dos números racionais, tais como, parte-todo, quociente, operadores e quantidade
intensiva.
Dessa forma, podem-se destacar fatores correlatos envolvidos na complexidade do
conhecimento das frações: o conhecimento conceitual, o conhecimento processual e as diferentes
situações de fração. O conhecimento processual envolve a consciência da criança quanto às etapas de
processamento. É utilizado para executar as tarefas matemáticas, bem como corresponde a uma
sequência de ações, destinada a gerar a resposta correta para um determinado tipo de problema
(HALLETT; NUNES; BRYANT; THORPE, 2012). Acredita-se que o conhecimento processual
envolve a consciência das etapas necessárias para resolver um problema e para realizar as operações
aritméticas com fração. Para os autores, o conhecimento processual é o conhecimento que pode ser
separado do significado e ainda ser executado com sucesso.
Já o conhecimento conceitual é definido como a consciência dos símbolos de fração e a
capacidade de representar frações de diversas maneiras. Partindo do pressuposto de que é importante
adquirir conhecimento conceitual como base para a compreensão das quantidades representadas com
fração, esse conhecimento pode auxiliar os estudantes na escolha de estratégias e de procedimentos
para a resolução de problemas com fração (HECHT; VAGI; TORGESEN, 2007).
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Nessa perspectiva, Hecht (1998) investigou as relações entre o conhecimento matemático e
o conhecimento processual com fração, a compreensão conceitual das frações, as habilidades
básicas de aritmética e a capacidade de resolver problemas sobre frações. No conhecimento
conceitual, o autor verificou a compreensão da equivalência, como, por exemplo, comparar as
frações com números diferentes, 82 e 4
1 , que, na verdade, são equivalentes; e da ordenação, como,
por exemplo, identificar qual fração, 32 ou 4
3 , é maior. O conhecimento processual foi medido
usando questões de múltipla escolha, e os estudantes foram convidados a escolher um procedimento
para resolver um determinado problema. Os resultados indicaram que o conhecimento conceitual
previu sucesso na resolução de problemas sobre fração e, especialmente, precisão em tarefas de
estimativa, ao passo que os procedimentos não foram relacionados de forma independente para
qualquer um dos tipos de problema. Analisando os resultados obtidos por Hecht (1998), observa-se
que o conhecimento conceitual contribui para a variabilidade em todos os resultados de fração.
Apesar disso, os resultados sugerem que, independentemente do conhecimento que é adquirido em
primeiro lugar, o conhecimento conceitual e o conhecimento processual têm a mesma importância
para a aprendizagem geral de frações.
Por fim, as diferentes situações referem-se aos diferentes significados do numerador e do
denominador e a relação entre eles. A literatura indica diferentes situações nas quais as frações são
usadas (BEHR; LESH; POST; SILVER, 1983; KIEREN, 1993; NUNES; BRYANT, 2009). As
quantidades menores do que a unidade são representadas por dois tipos de situação de fração. A
primeira, situação parte-todo, envolve uma relação entre as partes em que um objeto foi dividido e as
partes relevantes na situação. A unidade passa a ser considerada como o todo ao qual a fração se
refere. O denominador da fração representa o número de partes em que o todo foi divido, e o
numerador da fração representa o número de partes às quais a quantidade se refere: ⅔ de uma pizza
significa que o outro ⅓ não faz parte da quantidade referida. O todo pode ser variável, mas a fração
indica as partes de um conjunto. Essa situação é a mais usada para dar significado às frações nos
anos iniciais do ensino fundamental, desse modo, a introdução do conceito de fração é explorada
através de formas geométricas e a representação simbólica da fração a partir de uma dupla contagem
de partes: o denominador indica o número de partes em que o todo foi divido, e o numerador indica
as partes representadas pela fração. Nesse caso, o ensino de frações parece simples e eficiente, pois
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requer que o aluno saiba apenas contar e identificar o nome dos termos na representação fracionária.
É importante observar que essa abordagem de ensino de fração não explora a natureza do sistema de
representação, que envolve uma relação entre os dois termos, numerador e denominador, pois a
contagem das partes é feita de modo independente.
A segunda, situação quociente, refere-se a uma situação de divisão, em que o numerador é
dividido pelo denominador. Por exemplo, se tivermos 1 pizza e a repartirmos por 3 crianças, a
quantidade que cada uma receberá será menor do que a unidade, e não poderá ser indicada usando
números inteiros. A fração ⅓ representa essa quantidade, na qual o numerador indica a quantidade de
pizzas e o denominador indica o número de crianças que vão repartir a pizza, e também pode
representar a quantidade de pizza que cada criança recebe.
A possibilidade (ou não) de relação entre essas situações de fração e a aprendizagem das
crianças foi investigada por Mamede, Nunes e Bryant (2005). Os autores analisaram a compreensão
das situações de fração quociente, parte-todo e operador de fração na resolução de problemas.
Participaram do estudo oitenta crianças, com idades entre seis e sete anos de idade. De modo geral,
elas não tinham instrução formal sobre frações, mas algumas já eram familiarizadas com as palavras
“meio” e “quartos” em contextos sociais. Os resultados indicaram que as crianças tiveram melhor
desempenho na situação quociente do que em parte-todo, considerando ordenação e equivalência de
frações, e que apresentaram um desempenho semelhante na resolução de tarefas de nomeação,
apresentadas nas situações parte-todo e quociente. Os níveis de sucesso das crianças na ordenação e
equivalência de frações, na situação quociente, sugerem que elas têm algum conhecimento informal
sobre a lógica de frações desenvolvido em sua vida diária, sem instrução escolar.
Um estudo de intervenção realizado no Brasil por Campos (2011) com estudantes do 4º e do
5º anos do ensino fundamental, e com objetivo de investigar a equivalência e a ordem das frações nas
situações de parte-todo e de quociente, apontam que trabalhar frações em situação quociente pode
promover novas reflexões sobre o conceito de fração.
Em resumo, esses resultados reforçam a ideia de que diferentes interpretações de frações
criam oportunidades distintas para as crianças compreenderem a relação inversa entre quantidades
menores do que a unidade em diferentes contextos.
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1 MÉTODO
Esse estudo transversal envolveu 90 estudantes brasileiros do 4º ano, com idades entre 9 e
11 anos, de uma escola da rede de ensino público da cidade de Porto Alegre. Um questionário com
16 problemas em versão adaptada (MAMEDE; NUNES; BRYANT, 2005) avaliou a compreensão
da relação inversa entre numerador e denominador em situações de fração parte-todo e quociente.
Para verificar o desempenho dos estudantes nas situações de fração, foram aplicados oito problemas
de ordenação e oito problemas de equivalência. Utilizou-se a média de acertos com a pontuação um
para as respostas corretas e a pontuação zero para as respostas restantes. Para identificar a existência
de correlação entre as situações investigadas, aplicou-se o teste Spearman (rs). Para verificar a
estratégia e o raciocínio utilizados na resolução dos problemas, foi solicitado que os estudantes
escrevessem uma explicação, e assim foram organizadas categorias com as justificativas por meio
das frequências relativas.
Os estudantes receberam um bloco com os problemas, organizados de modo a conter um
problema em cada folha, e distribuídos de maneira alternada por tipo de problema. O instrumento
foi aplicado individualmente, com tempo médio de dois minutos para resolução de cada um dos
problemas. A aplicação do questionário foi realizada pelas pesquisadoras, na sala de aula, durante o
turno escolar, com tempo médio de 50 minutos. Os problemas foram projetados em slides para a
turma, e lidos em voz alta pelas pesquisadoras para evitar a interferência de diferenças nas
habilidades de leitura no desempenho dos estudantes. Os problemas que compuseram o instrumento
são apresentados no Quadro 1.
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Quadro 1 – Exemplos de problemas de situação de fração parte-todo e quociente
Situações Ordenação Equivalência
Parte-todo
Marco e Lara têm pizzas
idênticas. Marco cortou sua
pizza em duas fatias iguais e
comeu uma. Lara cortou sua
pizza em três fatias iguais e
comeu uma. Marco comeu mais
pizza, menos pizza ou a mesma
quantidade de pizza do que a
Lara? Explica a tua resposta.
Rita e Olga têm bolos idênticos.
Rita dividiu seu bolo em dois
pedaços iguais e comeu um.
Olga dividiu seu bolo em quatro
pedaços iguais e comeu dois.
Rita comeu mais bolo, menos
bolo ou a mesma quantidade de
bolo do que a Olga?
Explica a tua resposta.
Quociente
Duas meninas dividem uma
pizza igualmente, e quatro
meninos dividem duas pizzas
igualmente. Cada menina come
mais pizza, menos pizza ou a
mesma quantidade de pizza do
que cada menino? Explica a tua
resposta.
Duas meninas dividem um bolo
de maneira igual, e três meninos
dividem um bolo de maneira
igual. Cada menina come mais
bolo, menos bolo ou a mesma
quantidade de bolo do que cada
menino? Explica a tua resposta.
Fonte: Adaptado de Mamede, Nunes e Bryant (2005).
A resolução dos problemas concentrou-se no raciocínio de ordenação e equivalência e nas
estratégias envolvendo as habilidades de comparar e estabelecer as relações entre quantidades, e
realizar o julgamento do valor relativo: “mais que; menos que; mesma quantidade que”. A solução
dos problemas envolveu três alternativas de múltipla escolha, sendo apenas uma alternativa a
correta, e as demais, erradas. Também foi solicitada uma explicação que justificasse a resposta.
2 RESULTADOS
O desempenho dos estudantes indicou uma média de 43% de acertos (DP=36) em ordenação
nas situações quociente, e 29% de acertos (DP=26) nas situações parte-todo em um universo de oito
problemas. Em relação à equivalência, o desempenho dos estudantes indicou uma média de 42% de
acertos (DP=35) nas situações quociente, e 13% de acertos (DP=23) nas situações parte-todo em um
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universo de oito problemas. Nas situações parte-todo, os resultados apontam diferença significativa
entre a ordenação e a equivalência (p=0,000).
Tabela 1 - Desempenho obtido pelos alunos, por tipo de problema de fração
Quociente (n = 90) Parte-todo (n = 90)
Ordenação Equivalência p-valor Ordenação Equivalência p-valor
Média (dp) 43 (36) 42 (35) 0,902 29 (26) 13 (23) 0,000
Os valores representam o percentual de acertos de cada tipo de problema.
Os resultados do coeficiente de Spearman apresentaram correlação estatisticamente
significativa (0,59; p<0,001), mostrando que quanto maior o desempenho dos estudantes na
resolução de problemas de ordenação nas situações de fração quociente, maior o desempenho nas
situações parte-todo com quantidades menores do que a unidade, conforme Tabela 2.
Tabela 2 - Correlações entre os diferentes tipos de problemas fração
*p<0,05; **p<0,01; Coeficiente de correlação de Spearman.
Conduziu-se uma análise qualitativa das explicações que justificaram as soluções para a
resolução dos problemas, procurando, assim, entender melhor como os estudantes pensam e
identificar as diferenças no desempenho entre os tipos de situação de fração. A fim de sistematizar as
justificativas apresentadas pelos estudantes, foi possível distinguir cinco diferentes categorias, a
partir das semelhanças entre as respostas: relação inversa (certo), raciocínio proporcional (certo),
relação direta (errado), quantidade inicial (errado) e inconclusivo/inválido (desiste). O Gráfico 1
apresenta a frequência em percentuais das justificativas para cada tipo de problema.
Quociente
Ordenação
Quociente
Equivalência
Parte-todo
Ordenação
Parte-todo
Equivalência
Quociente Ordenação 1
Quociente Equivalência 0,29** 1
Parte-todo Ordenação 0,59** 0,10 1
Parte-todo Equivalência 0,13 0,38** 0,24* 1
500
Gráfico 1- Porcentagem em cada categoria de justificativas das situações de fração
Fonte: dados da pesquisa
Os dados do Gráfico 1 mostram que a Categoria Relação Inversa, considerada como
explicação correta para a solução dos problemas, foi a justificativa mais utilizada por 37,8% dos
estudantes nas situações quociente. Esse resultado evidencia que muitos estudantes apresentaram
dificuldades para justificar as soluções dos problemas.
A Categoria Relação Direta foi apontada por 60% dos estudantes como uma explicação
válida para o problema de equivalência na situação parte-todo. Esse dado corrobora com a média de
13% de acertos obtidos pelos estudantes neste tipo de problema. Esse tipo de justificativa sugere
que os estudantes estão usando mais a percepção, do que o estabelecimento de relações entre as
quantidades (NUNES; BRYANT, 2015).
Já a Categoria Inconclusivo/Inválido indica que, para alguns estudantes, é difícil explicar a
resposta na solução do problema. Os dados deste estudo fazem parte da pesquisa de doutorado
realizado pela primeira autora.
A Figura 1 ilustra uma explicação correta apresentada como solução de um problema de
ordenação na situação parte-todo. A criança justifica que Marco come mais pizza do que Lara
porque "Marco comeu uma parte maior e Lara comeu uma parte pequena das 4".
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
Quociente Ordenação
Quociente Equivalênica
Parte-todo Ordenação
Parte-todo Equivalência
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Figura 1. Exemplo de uma resposta da análise qualitativa
3 DISCUSSÃO
Os estudantes apresentaram desempenho insuficiente (inferior a 50%) na resolução dos
problemas em ambas as situações de fração, apesar de terem demonstrado uma melhor compreensão
da relação inversa entre o numerador e o denominador nas situações de fração quociente, mesmo
antes do ensino formal sobre frações na escola. Esse achado corrobora os estudos de Mamede,
Nunes e Bryant (2005), que evidenciaram que a situação de fração quociente favoreceu uma melhor
compreensão da ordenação e da equivalência de fração. Contudo, o desempenho insuficiente pode
ser atribuído a uma separação entre o conhecimento conceitual sobre frações e os conhecimentos
prévios sobre os números inteiros, e que isso ocorre devido ao fato de as operações de frações
contradizerem as propriedades dos números naturais, resultado evidenciado também no estudo de
Stafylidou e Vosniadou (2004).
Esse resultado aponta que os estudantes têm alguma facilidade para comparar as quantidades
e realizar julgamentos sobre o valor relativo da quantidade, antes mesmo de serem apresentados à
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representação numérica de fração. Considera-se que isso pode ter acontecido em virtude de os
problemas envolverem situações cotidianas familiares aos estudantes, solicitando-lhes, portanto, um
conhecimento adquirido em suas experiências diárias, e lhes permitindo o uso dos procedimentos de
distribuição e de partição. Nesse sentido, fica claro que a compreensão do conceito de fração requer
uma reorganização do conhecimento numérico, a fim de entender as frações como representações
de um número, que pode ser maior ou menor do que a unidade (SIEGLER; THOMPSON;
SCHNEIDER, 2011; STAFYLIDOU; VOSNIADOU, 2004).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo teve como objetivo analisar se a compreensão dos estudantes sobre a
relação inversa entre numerador e denominador afeta a aprendizagem do conceito de fração e
verificar as justificativas utilizadas pelos estudantes ao resolverem problemas de frações menores
do que a unidade.
No primeiro objetivo, percebe-se que a existência de correlação entre a situação quociente e
os problemas de ordenação e equivalência de fração evidencia um melhor desempenho dos
estudantes nessa situação. Tal resultado sugere que a situação quociente propicia a base para
compreender o conceito de fração, bem como a transição entre os números inteiros e os números
racionais.
Quanto ao segundo objetivo, nota-se que explicações usadas pelos estudantes na resolução
dos problemas sugerem a relevância da compreensão, muito mais que a repetição e apreensão de
estratégias procedimentais de resolução de problemas, isto é, a compreensão possibilita a criação de
estratégias mais simples e econômicas.
A principal implicação educacional deste estudo indica que as crianças compreendem a
natureza relativa das quantidades menores do que a unidade que fundamentam a equivalência e a
ordenação de frações, e que pode ser benéfico para a aprendizagem dos estudantes começar o
ensino de frações com problemas de situação quociente, seguido por situações de parte-todo. E
também, criar espaços de discussão nas salas de aula observando a diversidade e a heterogeneidade
como fatores que possibilitem a inclusão dos estudantes facilitadores no processo de ensino e de
aprendizagem. É importante ressaltar que os professores precisam estar cientes do fato de que
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deixar de explorar as diferentes situações de frações em sala de aula pode comprometer a
compreensão dos estudantes sobre os números racionais em vários níveis de ensino da Educação
Básica.
Mais pesquisas precisam ser realizadas a fim de explorar a forma de estimular a
compreensão da relação entre quantidades menores do que a unidade em situação de fração entre as
crianças nos primeiros anos do ensino fundamental.
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