Post on 10-Jul-2015
Olhar
Sophia é um nome que rima com poesia “Manuel Alegre”
Nasceu no Porto, a 6 de Novembro de 1919, e aí passou a primeira infância.
Aos três anos tem o primeiro contacto
com a poesia, quando uma criada lhe recita a “Nau
Catrineta” que aprenderia de cor.
Ainda antes de aprender a ler, o avô ensinou-a a recitar Camões e Antero.
As férias, na companhia dos irmãos, eram passadas numa
casa branca, com enormes jardins, voltada para o mar.
Essa casa aparece referenciada em muitas das
suas obras, sobretudo nas de literatura infanto-juvenil.
Aos doze anos escreve os primeiros poemas e, entre os dezasseis e os vinte e três anos, tem uma fase excepcionalmente fértil na sua produção poética.
Apenas com vinte e cinco
anos, publica o seu
primeiro livro, “Poesia”,
uma edição de autor, de
trezentos exemplares, paga
pelo pai.
Em 1946 casou com o advogado e jornalista Francisco Sousa Tavares a quem se diz ter ficado a dever a consciência política.
Dedicou-lhe o seu livro “Contos Exemplares” escrevendo: “Para o Francisco que me ensinou a coragem e a alegria do combate
desigual.”
Nos anos em que foi vendo nascer os filhos Sophia escreveu relativamente pouco. “Não sentia necessidade” mas estreou-se na literatura para crianças porque “Uma criança é uma criança não é um pateta…” Desejava histórias onde predominasse o maravilhoso, a fantasia e a alegoria do real para uma leitura de encantamento.
Sobre Sophia mãe, disse Maria Sousa Tavares em seu nome e em nome dos
irmãos
“Transmitiu-nos, desde a infância,
o apego intransigente às coisas essenciais
da alegria de viver: o bom pão,
o bom vinho, o mar, o Verão, a
luz” .
Querendo despertar em vós o desejo de ler Sophia, vejamos uma breve síntese das suas obras infanto-juvenis.
Em “A Floresta” (1968) um anão pede ajuda à Isabel na tarefa de distribuir o seu tesouro. Fica então a conhecer
os benefícios e os malefícios do dinheiro e a dor da separação.
Em “A Fada Oriana” (1958) há uma fada que perde o dom de voar .Envaidecida pelos elogios de um peixe Oriana esquece-se dos outros e apaga do seu íntimo a generosidade. Para voltar à harmonia a fada terá de recuperar a justiça no tratamento com todos os seres. O bem e o mal segundo Sophia.
Em “A menina do mar” (1958) conta-se a aproximação entre uma menina que vive no mar e um menino que vive
na terra. Nenhum pode sobreviver no mundo do outro mas vão desvendando mutuamente os mundos que
habitam e aceitam-se nas diferenças.
Em “A noite de Natal” (1959) chegam-nos o sagrado e o divino. Joana segue a estrela com os Reis Magos e vai à procura do seu amigo, um garoto “todo vestido de remendos”. “No mundo todos nós somos pessoas que vão atrás da estrela e por isso a estrela
não é uma fantasia, é o símbolo de uma realidade.”
Em “A árvore” e “O Espelho ou o Retrato Vivo” Sophia homenageia a transformação que os homens imprimem
aos objectos e o conhecimento das sucessivas gerações
Em “O Rapaz de Bronze” (1966) uma estátua salta do seu pedestal e conversa com as flores. É a descoberta dos mistérios da noite e do crescimento.
As coisas extraordinárias e as coisas
fantásticas também são verdadeiras.
Também em “O cavaleiro da Dinamarca” (1964) a religião e o Natal estão presentes. Um cavaleiro nórdico que tinha ido à
Terra Santa, no caminho é posto à prova e regressa a casa na noite em que Jesus nasceu.
Não foi com o 25 de Abril que o seu
empenho político se manifestou. Vinha já
de longa data participando no
combate ao regime Salazarista e
sobretudo como sócia-fundadora da Comissão Nacional
de Socorro aos Presos Políticos.
Após o 25 de Abril foi deputada à Assembleia
Constituinte, com participação activa
sobretudo em debates culturais.
“O velho abutre é sábio e alisa as suas penas.
A podridão lhe agrada e seus discursos
têm o dom de tornar as almas mais pequenas.”
“Esta é a madrugada que eu esperava O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncioE livres habitamos a substância do tempo”
25 de Abril
Porque
Porque os outros se mascaram e tu nãoPorque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiadosOnde germina calada a podridão.Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendemE os seus gestos dão sempre dividendo.Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos E tu vais de mãos dadas com os perigos.Porque os outros calculam mas tu não.
A escrita de Sofia está carregada de
sabores, de cheiros, de um
ângulo de luz da janela, de um
reflexo de sol ou de sombra que de repente atravessa
o quarto, dos rumores da casa onde há sempre
um deus fantástico … de
memórias, vivências e até
ausências.
Sophia
Gostava de luz, pedras, brisas, ondas e búzios. Gostava do ritmo das paisagens, do perfume da tília e do respirar da noite. Não gostava das pessoas que não têm dentro. Só têm fora. Não gostava de burocracias e injustiças.
A sua poesia, como toda a verdadeira
poesia, pode ser dita, cantada e até dançada.Sophia com Vinicius de Moraes
Para Sophia a poesia é “uma incessante perseguição do real , do concreto e a sua explicação com o universo”.
“No quadro sensível do poema vejo para onde vou, reconheço o meu caminho, o meu reino, a minha vida”.
A melhor homenagem a Sophia é ler, olhar ou ouvir os seus poemas, apreciando cada palavra e cada verso.
Cidade Cidade, rumor e vaivém sem paz das ruas,
Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta, Saber que existe o mar e as praias nuas,
Montanhas sem nome e planícies mais vastas Que o mais vasto desejo,
E eu estou em ti fechada e apenas vejoOs muros e as paredes, e não vejo
Nem o crescer do mar, nem o mudar das luas.Saber que tomas em ti a minha vida
E que arrastas pela sombra das paredesA minha alma que fora prometida
Às ondas brancas e às florestas verdes.
AS VOZES DO MAR
Este búzio não o encontrei eu própria numa praia
Mas na mediterrânica noite azul e preta
Em Cós o comprei na venda junto ao cais
E comigo trouxe o ressoar dos temporais
Porém nele não oiço
Nem o marulho de Cós nem o de Egina
Mas sim o cântico da longa vasta praia
Atlântica e sagrada
Onde para sempre minha alma foi criada.
Aqui nesta praia ondeNão há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somenteOndas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria l iberdade.
LI
B
E
R
D
A
D
E
A sua poesia é um permanente hino à natureza.
“De todos os cantos do mundoAmo com amor mais forte e mais profundoAquela praia extasiada e nua Onde me uni ao mar, ao vento e à lua”.
MAR
Mar,Metade da minha alma é feita de maresia…
Atlântico
Mar sonoro
Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim,A tua beleza aumenta quando estamos sósE tão fundo intimamente a tua vozSegue o mais secreto bailar do meu sonho,Que momentos há em que eu suponhoSeres um milagre criado só para mim.
Liberdade
O poema é
A liberdade
Um poema não se programa
Porém a disciplina
-Sílaba por sílaba-
O acompanha
Sílaba por sílaba
O poema emerge
-Como se os deuses o
dessem
-O fazemos
Escuto
Escuto mas não seiSe o que oiço é silêncioOu Deus
Escuto sem saber se estou ouvindoO ressoar das planícies do vazioOu a consciência atentaQue nos confins do universoMe decifra e fita
Apenas sei que caminho como quemÉ olhado amado e conhecidoE por isso em cada gesto ponhoSolenidade e risco
Tive amigos que morriam, amigos que partiam
Outros quebravam o seu rosto contra o tempo.
Biografia
Odiei o que era fácil
Procurei-me na luz, no mar, no vento.
Sophia morreu a 2 de Julho de 2004.Vivamo-la em cada história, em cada verso e acreditemos no seu poema, que diz:
“Quando eu morrer voltarei para buscar
os instantes que não vivi junto do mar”.