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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Educação e Humanidades
Faculdade de Educação
Jussara Santos Pimenta
As duas margens do Atlântico: um projeto de integração entre dois povos na viagem de
Cecília Meireles a Portugal (1934)
Rio de Janeiro 2008
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Jussara Santos Pimenta
As duas margens do Atlântico: um projeto de integração entre dois
povos na viagem de Cecília Meireles a Portugal (1934)
Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Doutor ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Orientadora: Profa. Dra. Ana Chrystina Venancio Mignot
Rio de Janeiro 2008
CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ / REDE SIRIUS / CEH/A
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese. ____________________________________ ______________________
Assinatura Data
P 644 Pimenta, Jussara Santos. As duas margens do Atlântico : um projeto de
integração entre dois povos na viagem de Cecília Meireles a Portugal (1934) / Jussara Santos Pimenta. - 2008.
374 f. Orientadora: Ana Chrystina Venancio Mignot. Tese (doutorado) – Universidade do Estado do
Rio de Janeiro, Faculdade de Educação. 1. Meireles, Cecilia, 1901 – 1964 – Teses. 2.
Educação – Brasil – História – Teses. 3. Escola Nova – Teses. I. Mignot, Ana Chrystina Venancio. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Educação. III. Título.
CDU 37(81)(091)
Jussara Santos Pimenta
As duas margens do Atlântico: um projeto de integração entre dois povos na viagem de Cecília Meireles a Portugal (1934)
Tese apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor, ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Aprovada em 30 de maio de 2008. Banca Examinadora:
Aos meus melhores amigos, Alcebíades e Maria Helena,
que nesta vida eu conheço pelos nomes de Pai e Mãe.
Aos meus irmãos Alexandre, André e Débora
e aos meus mais que queridos Thales e Pedro.
AGRADECIMENTOS
A elaboração desta pesquisa só foi possível graças ao apoio, à contribuição
e à ajuda, intelectual, financeira e emocional de várias pessoas e instituições.
Registro o meu agradecimento a todos que me auxiliaram e me acompanharam de
perto neste trabalho.
À FAPERJ, pela bolsa de estudos;
À CAPES, pela concessão da bolsa de estudos, sem a qual seria impossível
realizar a segunda parte da pesquisa, e ainda aos técnicos que me auxiliaram
durante todo o processo;
À professora Dra. Ana Chrystina Venancio Mignot, pela orientação, e ainda
às professoras Dra. Ana Waleska Pollo Campos de Mendonça, Dra. Maria Teresa
Santos Cunha, Dra. Yolanda Lima Lobo e Dra. Ana Maria Magaldi, por aceitarem o
convite para participação na Banca de Defesa desse trabalho;
Às coordenadoras do Programa de Pós-Graduação da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, professoras Dra. Rosana Glat e Dra. Alice Casimiro;
Ao professor Dr. Rogério Fernandes, agradeço pela generosidade com que
me recebeu em Lisboa, pela disponibilidade, pelos contatos estabelecidos, pela
gentileza e atenção com que me acompanhou nos quatro meses da pesquisa;
Meu agradecimento especial à família de Cecília Meireles – Alexandre
Carlos Teixeira, Ricardo e Bernadete Strang, cuja contribuição permitiu a
concretização desse trabalho;
A Bernadete Streisky Strang, Ana Chrystina Venancio Mignot, Rosangela
Veiga Júlio Ferreira, Cássia Ducati, Thais Velloso Cougo Pimentel, Aline Vieira de
Souza, Carla Simone Chamon, Giselle Martins Venancio, Luciana Vial Borghert
Corrêa, Leila V. B. Gouvêa, Ana Maria Domingues de Oliveira, Rogério Fernandes,
Celestino Sachet, Ana Maria Lisboa de Mello, António Candeias, Constância Lima
Duarte e Yara Máximo de Sena, por compartilharem os seus respectivos trabalhos;
A Vivian Anghinoni Correa, pelo apoio e pesquisa ao periódico A Nação, em
bibliotecas do Rio Grande do Sul;
A Luís Carlos Sachet, pela amizade e por me colocar em contato com o
professor Celestino Sachet;
Aos funcionários de todas as instituições em que pesquisei em Portugal,
pela competência e pelo profissionalismo: Elsa Rodrigues e Teresa Tenente, da
Biblioteca do Museu Histórico e Pedagógico João de Deus; Sr. Paulo Carvalheira, da
Torre do Tombo; Sandra Santos, da Fundação Arpad-Szénes – Vieira da Silva;
Fátima Carvalho, da Biblioteca da Casa de Cultura de Coimbra; João Manuel
Mendes Maria (setor de microfilmes da Biblioteca Nacional de Portugal); António
José Pereira da Silva Martins (setor de microfilmes de jornais da Biblioteca Nacional
de Portugal); Álvaro Edmundo dos Santos Ventura (setor de reprografia de
documentos da Biblioteca Nacional de Portugal) e Gilberto Paulo (área de
Reproduções da Biblioteca Nacional de Portugal);
Às colegas do estágio de doutorado Ana Maria Gonçalves de Sousa e Euli
Marlene Steffen, que me iniciaram nos mistérios de Lisboa; a Anna Paula e João
Luís Cruz, pela noite de Fado e de tradições portuguesas; a Giselle e Hugo
Venancio, viajantes e companheiros pelos caminhos da Andaluzia; e a Mercedes,
António, Ramayanna e Helena, pelas sardinhadas em Algés;
Aos amigos do Residencial “Maria Adelaide”, no Humaitá, Rio de Janeiro:
Luciana Burigo, Dirlei Nico, Gisele Matta, Marissol Martins, Adriana Soares, Carla
Gorni, Maria Amélia, Edith, Anacleta, Valdete, Rosane, Margarida, José e o Sr.
Orlando da Cooperativa de Táxis do Humaitá, meu primeiro amigo português;
Aos amigos Bruna Alcântara, Leonor Cordeiro, Denise Marinho, Regina
Chiaradia, Fernando Magalhães e Marcus Bastos, pelo carinho, pela amizade e
pelas singulares contribuições ao meu trabalho;
A Débora Pimenta, pela revisão deste trabalho;
A Thales Pimenta, pela contribuição artística, e a André Pimenta, pelo
suporte técnico em informática;
A minha família a quem tudo devo e tudo agradeço: o investimento, o apoio
incondicional, o incentivo, a paciência e o carinho.
A todos, o meu eterno muito obrigado!
Há as viagens que se sonham e as viagens que se fazem – o que é muito diferente.
O sonho do viajante está lá longe, no fim da viagem, onde habitam as coisas imaginadas.
(Cecília Meireles)
RESUMO
PIMENTA, Jussara Santos. As duas margens do Atlântico: um projeto de integração entre dois povos na viagem de Cecília Meireles a Portugal (1934). 2008. 347 f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
A viagem que Cecília Meireles empreendeu a Portugal, em 1934, tornava realidade o projeto de integração entre os dois povos, que ela acalentava tanto na “Página de Educação" quanto no Centro de Cultura Infantil. Examinar essa viagem envolveu compreender as articulações que resultaram no convite, como os seus interlocutores estavam ligados a empreendimentos que buscavam a promoção das relações luso-brasileiras, as repercussões das conferências que a educadora proferiu naquele país e as formas como os intelectuais portugueses receberam os relatos da experiência educacional brasileira. Para tanto, foram privilegiados o seu "Diário de Bordo", escrito durante a travessia e ainda não explorado na literatura acadêmica; as crônicas publicadas no Diário de Notícias, entrecruzadas com a correspondência pessoal com intelectuais dos dois países; textos de educadores portugueses e brasileiros; e textos jornalísticos que deram visibilidade à viajante. O estudo pretende, em articulação com a produção do conhecimento histórico sobre a trajetória da educadora e do diálogo que ora se realiza entre historiadores da educação, entrever diferentes facetas do movimento da Escola Nova no Brasil e em Portugal. Palavras-chave: Cecília Meireles, viagens pedagógicas, intercâmbio luso-brasileiro, Escola Nova.
ABSTRACT
PIMENTA, Jussara Santos. The two borders of the Atlantic Ocean: a project to integrate two peoples in Cecília Meireles’ trip to Portugal (1934). 2008. 347 f. Thesis (Doctorate Degree) – Program in Education of Rio de Janeiro State University, Rio de Janeiro, 2008.
Cecília Meirelles, in her trip to Portugal in 1934, made reality and old integration project of the Brazilian and the Portuguese, ideal that she spread on “Education Page”, as well as on the Child Culture Centre. Examining that journey involved to understand the articulations which resulted in inviting her to do it, how her counterparts were attached to projects promoting Portugal-Brazil relations, how the conferences she made in Portugal impacted and the ways how Portuguese intellectuals understood the reports on the Brazilian educational experience. To examine such points, information took from her “Board Diary”, written during the trip and not yet explored in the academic literature, was associated with her chronicles for Diário de Notícias, with the letters she exchanged with intellectuals from both countries, with Brazilian and Portuguese educators’ texts, as well as with journalistic texts which gave the traveler visibility. The objective of this study is, combined with the knowledge on Cecília’s trajectory and the dialogue performed by education history scientists, to observe different facets of New School movement in Brazil and in Portugal. Key-words: Cecília Meireles, pedagogic journeys, Portuguese-Brazilian exchange, New School Movement.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1. Cecília Meireles no passadiço do “Cuyabá”. Bico de pena de Fernando
Correia Dias de 21 de setembro de 1934, publicado no jornal A Nação em 14 de outubro de 1934 .................................................................................
16
Ilustração 2. Cecília olha para as vagas e para o vento... Bico de pena de Fernando Correia Dias de 11 de outubro de 1934, publicado no jornal A Nação em 23 de dezembro de 1934 ..............................................................................
50
Ilustração 3. Segunda publicação da coluna “Diário de Bordo” com as crônicas dos dias 22 e 23 de setembro. Correia Dias desenha a si mesmo em seu atelier improvisado no tombadilho” e um dos passageiros do “Cuyabá, publicado no jornal A Nação em 21 de outubro de 1934 ..............................................
55
Ilustração 4. Cecília Meireles e Correia Dias, caricatura de Gadêa para o Editorial do jornal A Nação, publicado em 16 de setembro de 1934 ...............................
57
Ilustração 5. Capa da revista Terra de Sol, número 1, de janeiro de 1926; Capa da revista Festa, em sua segunda fase, de março de 1935 ..............................
70
Ilustração 6. Os navios do Lloyd Brasileiro e a missão de estreitar os laços entre o Brasil e Portugal. Diário Português, Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1934 ..............................................................................................................
77
Ilustração 7. O elegante perfil do “Cuyabá”. Diário Português, Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1934 ........................................................................................
78
Ilustração 8. Vitória, no Espírito Santo, primeira cidade onde o navio fez escala. Bico de pena de Correia Dias ilustra crônica sem data, publicada no jornal A Nação em 28 de outubro de 1934 ................................................................
83
Ilustração 9. Marinha – Recife, Pernambuco, terceira cidade onde o navio fez escala. Bico de pena de Correia Dias ilustra crônica do dia 29 de setembro de 1934, publicada no jornal A Nação em 18 de novembro de 1934 ................
84
Ilustração 10. Pois nesse ambiente inquieto, só de céu e de mar, igualmente sombrios, Correia Dias pinta a óleo, todas as taboinhas de caixa de charuto que há a bordo, convertendo em cavalete uma destas cadeiras do convés... Bico de pena de Fernando Correia Dias de 22 de setembro de 1934, publicado no jornal A Nação em 21 de outubro de 1934 ...................................................
85
Ilustração 11. Passageiras na amurada do navio, “descobrindo” a Ilha de Boa Viagem. Bico de pena de Fernando Correia Dias de 5 de Outubro de 1934, publicado no jornal A Nação em 9 de dezembro de 1934 ............................
92
Ilustração 12. A orquestra do “Cuyabá”. Bico de pena de Fernando Correia Dias ilustra a crônica do dia 2 de outubro de 1934, publicada no jornal A Nação em 2 de dezembro de 1934 ........................................................................................
102
Ilustração 13. As “amáveis” conversas nos cadeirões da tolda. Bico de pena de Fernando Correia Dias, de 26 de setembro de 1934, ilustra crônica publicada no jornal A Nação, em 11 de novembro de 1934 .........................
103
Ilustração 14. Wolkowyski, um dos amigos de viagem. Bico de pena de Fernando Correia Dias de 5 de outubro de 1934, publicado no jornal A Nação em 9 de dezembro de 1934 ..................................................................................
104
Ilustração 15. Os rochedos São Pedro e São Paulo, em Fernando de Noronha, Pernambuco. Bico de pena de Fernando Correia Dias, de 1 de outubro de 1934, ilustra a crônica publicada no jornal A Nação, em 25 de novembro de 1934 .........................................................................................................
107
Ilustração 16. O percurso do “Cuyabá” nas coordenadas das cartas de bordo. Bico de pena de Fernando Correia Dias de 2 de outubro de 1934, ilustra crônica publicada no jornal A Nação, em 2 de Dezembro de 1934 ..........................
110
Ilustração 17. Vista de Fernando de Noronha, Pernambuco. Bico de pena de Fernando Correia Dias de 30 de Setembro de 1934, publicado no jornal A Nação em 25 de novembro de 1934 ..............................................................................
112
Ilustração 18. O vento ... está na Torre de Belém, com o fole virado para cá... Bico de pena de Fernando Correia Dias ilustra crônica do dia 9 de outubro de 1934, publicada no jornal A Nação em 16 de dezembro de 1934 ................
125
Ilustração 19. Ai! Não ser um capitão de barco de prata com velas de seda... O “Cuyabá” aproxima-se de Portugal... Bico de pena de Fernando Correia Dias de 8 de outubro de 1934, ilustra crônica publicada no jornal A Nação em 16 de dezembro de 1934 ........................................................................................
128
Ilustração 20. Phenicios! Argonautas! Luzíadas! – mas por que não nasci marinheiro; por que não me deram ao mar? Bico de pena de Fernando Correia Dias de 10 de outubro de 1934, ilustra crônica publicada no jornal A Nação, em 23 de dezembro de 1934 ........................................................................................
132
Ilustração 21. Sobe, sobe, marujinho, aquele mastro real... Bico de pena de Fernando Correia Dias de 12 de outubro de 1934, publicado no jornal A Nação em 30 de dezembro de 1934 ..............................................................................
133
Ilustração 22. Auscultar a tendência do mundo, diante de um pequeno aparelho... Bico de pena de Fernando Correia Dias ilustra crônica do dia 11 de outubro de 1934, publicada no jornal A Nação em 23 de dezembro de 1934 ................
135
Ilustração 23. Cecília contempla as estrelas. Bico de pena de Fernando Correia Dias ilustra crônica do dia 5 de outubro de 1934, publicada no jornal A Nação em 9 de dezembro de 1934 ..........................................................................
140
Ilustração 24. António de Oliveira Salazar e António Ferro durante a inauguração do Secretariado da Propaganda Nacional, em 26 de outubro de 1933 .............
157
Ilustração 25. Fernanda de Castro entre alunos do primeiro Parque Infantil, de São Pedro de Alcântara .......................................................................................
162
Ilustração 26. António Ferro e Fernanda de Castro durante uma conferência ...................
163
Ilustração 27. Conferência de António Ferro - A idade do Jazz-Band ................................
165
Ilustração 28. Fernanda de Castro, óleo de Tarsila do Amaral pintado em 1922 ...............
167
Ilustração 29. Primeiro número da revista Portugal Feminino de fevereiro de 1930 ..........
182
Ilustração 30. Editorial do primeiro número da revista Portugal Feminino, de fevereiro de 1930, escrito por Teresa Leitão de Barros ....................................................
183
Ilustração 31. Relação de delegadas da revista Portugal Feminino em 1932 ....................
186
Ilustração 32. Seção literária no Gabinete Português de Leitura ........................................
187
Ilustração 33. Primeiro número da revista Atlântida de 15 de novembro de 1915; Página de rosto da revista e logotipo que passou a figurar a partir do segundo ano de publicação da revista ...............................................................................
197
Ilustração 34. Cecília Meireles desembarca no Cais de Alcântara em Lisboa, em 12 de outubro de 1934. Bico de pena de Correia Dias, publicado no jornal A Nação em 30 de dezembro de 1934 .............................................................
208
Ilustração 35. Cecília Meireles e Correia Dias fotografados durante o desembarque em Lisboa. Diário de Lisboa, 12 de outubro de 1934 .........................................
216
Ilustração 36. Carta de Osório de Oliveira, em 3 de dezembro de 1934, convidando o poeta e educador João de Barros para uma recepção a Cecília Meireles ...
220
Ilustração 37. Carta de Osório de Oliveira a Adolfo Casais Monteiro sobre Cecília Meireles. Lisboa, 2 de novembro de 1934; Carta de Osório de Oliveira a Adolfo Casais Monteiro, em 13 de outubro de 1934, logo após a chegada de Cecília Meireles e Correia Dias em Lisboa ..............................................
220
Ilustração 38. Carta de Cecília Meireles a José Osório de Oliveira, de Moledo da Penajóia, acertando os detalhes das conferências que faria em breve .......
225
Ilustração 39. A assistência que abrilhantou a conferência “Notícias da Poesia do Brasil”, feita pela senhora D. Cecília Meireles, no Secretariado da Propaganda de Portugal.; A consagrada poetisa brasileira, momentos antes de começar a sua conferência, tendo ao lado esquerdo o jornalista António Ferro ...........
229
Ilustração 40. A nossa gravura representa a homenageada, o S. Exa. o Embaixador do Brasil, a organizadora e alguns membros da Direção do Club Brasileiro, rodeados pelas ilustres artistas que tomaram parte nesta inolvidável noite de arte ...........................................................................................................
234
Ilustração 41. A conferência Notícia da Poesia Brasileira, publicada em Coimbra, em 1935; Dedicatória de Cecília Meireles ao poeta açoriano Armando Côrtes-Rodrigues, na mesma publicação .................................................................
236
Ilustração 42. Cecília Meireles em charge de uma revista portuguesa. Lisboa, Sempre Fixe, 13 de dezembro de 1934 .....................................................................
246
Ilustração 43. Cecília Meireles em charge de uma revista portuguesa. Lisboa, Sempre Fixe, 20 de dezembro de 1934 .....................................................................
247
Ilustração 44. Exemplar e dedicatória do livro Viagem impresso em Portugal e presenteado a Afonso Duarte por Cecília Meireles, em 1939 ......................
253
Ilustração 45. Convite para uma tarde de poesia no Museu João de Deus, em dezembro de 1951 .........................................................................................................
255
Ilustração 46. Correia Dias e Cecília Meireles em Salvador. “Em trânsito pela Bahia” .......
259
Ilustração 47. Nos jardins de São Pedro de Alcântara, onde começou a obra dos Parques Infantis ............................................................................................
272
Ilustração 48. O bendito trabalho da agulha aprende-se cedo, ao ar livre, como quem
brinca... Aspecto de uma sala de aula dos Parques Infantis ........................
273
Ilustração 49. O pão do espírito. Aspecto de uma sala de aula dos Parques Infantis ........
274
Ilustração 50. A saída das aulas, no Parque Infantil No 3 (Necessidades) ........................
275
Ilustração 51. Decreto No 21.014 de 19 de março de 1932 e Relação de frases a serem inseridas nos livros de leitura da 4ª classe do ensino primário elementar ...
278
Ilustração 52. Gênese do desenho infantil, artigo de Afonso Duarte na revista Seara Nova ..............................................................................................................
282
Ilustração 53. Fachada do Jardim-Escola João de Deus, no Bairro Estrela .......................
285
Ilustração 54. Museu João de Deus Bibliográfico, Pedagógico e Artístico .........................
286
Ilustração 55. Grupo de alunos e professores do Jardim-Escola João de Deus, no Bairro Estrela, Lisboa – Portugal .............................................................................
287
Ilustração 56. Obras pedagógicas de Faria de Vasconcelos. Lições de pedagogia e pedologia experimental, de 1909; As Escolas de Wirth, de Hetherington, de Johnson e de Grundtwig, de 1934 ...........................................................
289
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 15
CAPÍTULO 1. “DO PASSADIÇO DO CUYABÁ”: CECÍLIA MEIRELES EM VIAGEM
PARA PORTUGAL ................................................................................................... 49
1.1. O “Diário de Bordo”: expectativas e impressões ....................................... 51
1.1.1. De malas prontas ........................................................................... 59
1.1.2. De vento em popa .......................................................................... 73
1.2. A viajante, as representações e os sentidos da viagem ............................ 89
1.3. Viagem, educação e intercâmbio para a paz .......................................... 109
1.4. Reencontrar Lisboa ................................................................................. 129
CAPÍTULO 2. A PREPARAÇÃO DA VIAGEM ....................................................... 139
2.1. Como fiéis pombos correios: Cecília Meireles e a rede epistolar com os
intelectuais portugueses ................................................................................. 141
2.2. Futuros cicerones .................................................................................... 156
2.3. A imprensa e a promoção do intercâmbio entre os dois lados do Atlântico: o
luso-brasileirismo .. ......................................................................................... 179
CAPÍTULO 3. EM PORTUGAL: CHEGADAS E PARTIDAS .................................. 207
3.1. O desembarque no cais de Alcântara .................................................... 209
3.2. Cecília aclamada em Portugal: conferências, entrevistas e recepções ... 226
3.2.1. A bordo do “Bagé” e de volta ao Brasil ......................................... 257
3.3. Aspectos portugueses da educação ....................................................... 263
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 293 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 299 ANEXOS ................................................................................................................ 328
Introdução
E todos os dias são dias novos e antigos e todas as ruas são de hoje e da eternidade:
e o viajante imóvel é uma pessoa sem data e sem nome, na qual repercutem todos os nome e datas
que clamam por amor, compreensão, ressurreição.
(Cecília Meireles)
Ilustração 1. Cecília Meireles no passadiço do “Cuyabá”. Bico de pena de Fernando Correia Dias de 21 de setembro de 1934, publicado no jornal A Nação em 14 de outubro de 1934 (data presumida).
Introdução
"Trago dentro do meu coração, Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive, Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias, Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco pra o que eu quero."
(Álvaro de Campos)
Este trabalho tem como objeto de estudo a viagem de Cecília Meireles a
Portugal para uma série de conferências literárias e educacionais no ano de 1934.
Atuante nos círculos literários e no cenário educacional dos anos 1930, Cecília foi
presença constante em revistas como Árvore Nova, Terra de Sol e Festa (1ª e 2ª
Fases); em periódicos de maior circulação no Rio de Janeiro como Diário de
Notícias, A Manhã e A Nação e nos meios educacionais onde se destacaram os
principais envolvidos com os rumos da Escola Nova no Brasil e no exterior. A
extensa rede epistolar que construiu a partir da década de 1920 permitiu o
intercâmbio com intelectuais brasileiros, sul-americanos e portugueses, com quem
dialogou sobre arte, poesia, folclore, política e educação. O interesse por Portugal e
pela cultura portuguesa fez com que Cecília procurasse fundar na Biblioteca Infantil
do Pavilhão Mourisco ou Centro de Cultura Infantil1 o que ela denominou de
organização ibero-americana, no momento da criação da biblioteca e antes mesmo
de viajar a Portugal:
O ibero-americanismo não é nenhuma novidade no Brasil. Muita gente o pratica, decerto, e com eficiência. Mas, até aqui, vinha sendo um interesse de adultos, geralmente de escritores, artistas, intelectuais, etc. Eu pensei, justamente em aproveitá-lo como elemento educacional, para completar a formação da criança
1 A biblioteca foi criada durante a gestão de Anísio Teixeira na Diretoria Geral de Instrução Pública do Distrito Federal e transformou-se num Centro de Cultura Infantil, já que extrapolava os objetivos de uma simples biblioteca ao conjugar atividades como cinema, música, cartografia e jogos. Esse conceito foi ampliado por Anísio Teixeira no discurso de inauguração, quando afirmou que o Centro seria uma casa da criança (...) um verdadeiro órgão de pesquisa, cujos trabalhos no futuro produzirão os mais benéficos resultados. PIMENTA, Jussara Santos. Fora do outono certo nem as aspirações amadurecem. Cecília Meireles e a criação da biblioteca infantil do Pavilhão Mourisco (1934-1937). Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação/PUC-RJ, 2001. p. 93.
brasileira. Vem de longe, essa idéia. A minha correspondência com intelectuais e educadores sul-americanos, as boas relações que tenho a honra de possuir em todos os países do continente, levaram-me ao desejo de concorrer de um modo intensivo para uma obra que consolidasse definitivamente a amizade e o conhecimento dos valores continentais. Por isso, imaginei uma obra ibero-americana que começasse pela integração da criança da América Latina num grande movimento de conjunto que, conservando-lhe toda a plenitude nacional, ao mesmo tempo lhe desse este sentido continental que cada vez me parece mais imprescindível nesta fase do mundo. A obra de ibero-americanismo a que me entreguei, não pára, no entanto, na América. Tendo sido, antes nacional, e em seguida continental, transfere-se para o plano racial, abrangendo Portugal e Espanha, e, por isso, alcançando já as fontes de formação humana que nos fazem a todos irmãos, filhos do mesmo planeta – criaturas de destino universal. 2
Nesse momento também foram idealizados e implantados por Anísio
Teixeira3 os clubes pan-americanos, que eram uma tentativa de estimular o
intercâmbio educacional nas escolas do Distrito Federal. Os clubes deveriam
incentivar a familiarização das crianças com o idioma espanhol, antevendo a
comunicação das mesmas com crianças de todo o continente.4 Cecília também
vinha estudando a possibilidade de promover o ensino intuitivo do espanhol com
crianças e havia comunicado essa sua intenção ao Diretor do Departamento de
Educação. Dessa forma as duas iniciativas tinham objetivos semelhantes: aproximar
2 Uma visita ao Centro de Cultura Infantil. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28/08/34. 3 Advogado, intelectual, educador e escritor brasileiro Anísio Teixeira (1900-1971) esteve diretamente ligado à história da educação no Brasil. Durante as décadas de 1920 e 1930 reformulou o sistema educacional da Bahia e do Rio de Janeiro, exercendo vários cargos executivos. Foi um dos mais destacados signatários do Manifesto da Escola Nova (1932), em defesa do ensino público, gratuito, laico e obrigatório. Fundou a Universidade do Distrito Federal, em 1935; em 1951, assumiu o cargo de secretário-geral da Campanha de Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior (Capes) e, no ano seguinte, o de diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep), onde ficou até 1964. Foi um dos idealizadores da Universidade de Brasília (UnB), fundada em 1961 e reitor daquela universidade em 1963. Com o golpe de 1964, acabou afastado do cargo. Foi para os Estados Unidos, lecionar nas universidades de Columbia e da Califórnia. Voltou ao Brasil em 1965. Em 1966, tornou-se consultor da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Sobre Anísio Teixeira consultar: NUNES, Clarice. Anísio Teixeira: a poesia da ação. Rio de Janeiro: Puc/Departamento de Educação, 1991. (Tese de Doutorado). MENDONÇA, Ana Waleska Pollo Campos. Universidade e formação de professores-uma perspectiva integradora: a Universidade de Educação de Anísio Teixeira. Rio de Janeiro: PUC/Departamento de Educação, 1993. (Tese de Doutorado); MENDONÇA, Ana Waleska, BRANDÃO, Zaia (Orgs.). Por que não lemos Anísio Teixeira? Uma tradição esquecida. Rio de Janeiro: Ravil, 1997. 216p. (Coleção da Escola de Professores); ROCHA, João Augusto de Lima (Org.). Anísio em movimento: a vida e as lutas de Anísio Teixeira pela escola pública e pela cultura no Brasil. Salvador: Fundação Anísio Teixeira, 1992. 296 p; Sítio da Biblioteca Virtual Anísio Teixeira: <http://www.prossiga.br/anisioteixeira>. 4 Sobre os Clubes Pan-Americanos criados na Escola Argentina, ver o estudo de: CHAVES, Miriam Waidenfeld. Pan-americanismo: a máxima da Escola Argentina no antigo Distrito Federal nos anos 30. In: IV Congresso Brasileiro de História da Educação. A Educação e seus Sujeitos na História. Goiânia: Universidade Católica de Goiás, 2006.
os escolares brasileiros com as crianças e a cultura latino-americana e ibero-
americana.
Muitos intelectuais e representantes de vários países da América do Sul
assim que tiveram conhecimento desse projeto na biblioteca infantil colaboraram na
organização e também Portugal manifestou interesse em cooperar por intermédio do
Dr. Martinho Nobre de Melo,5 que vinha se dedicando ao intercâmbio cultural luso-
brasileiro:
Aliás, amigos portugueses, que de longe souberam do meu plano, começaram logo a remeter-me o material ao seu alcance, para representar sua terra nesta obra de educação. Poderia citar-lhe aqui o grande nome de Ana de Castro Osório. 6 Tudo isso vem a ser precioso estímulo, para um trabalho que deseja ser feito principalmente com amizade. 7
Cecília Meireles também pretendia construir por intermédio de suas
relações pessoais essa ponte de interesses entre os dois países. Tencionava ainda,
deliberadamente, estendê-la de forma que até mesmo as crianças das escolas
públicas cariocas participassem dessa comunhão entre os povos de língua
espanhola e portuguesa, em favor de uma idéia que era recorrente em seus escritos,
a fraternidade universal:
5 Intelectual, jornalista e político de origem cabo-verdiana Martinho Nobre de Melo (1891-1985), foi Ministro da Justiça do governo de Sidônio Pais (1918), professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e embaixador de Portugal no Brasil na década de 1930. 6 Ana de Castro Osório (1872-1935), fez parte dos círculos intelectuais femininos de Portugal. Foi responsável pela criação de associações, pela realização de conferências e pela publicação de diversos livros em diferentes estilos literários, destinados a adultos e a crianças. Viveu no Brasil entre 1911 e 1914, permanência que esteve marcada por uma ativa vida cultural e social. Nessa época, participou do Congresso de Instrução Pública de Belo Horizonte e teve alguns de seus livros publicados e adotados pelos estados de Minas Gerais e São Paulo, respectivamente, como manuais didáticos. Em 1923 esteve por 8 meses no Brasil e proferiu palestras no Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Santa Maria e Pelotas, compiladas em A Grande Aliança. Ana de Castro Osório era mãe de dois amigos de Cecília Meireles: José e João Osório de Oliveira e tia de Maria Dulce Lupi Cohen Osório de Castro (Maria Valupi). Cecília divulgou os livros da escritora portuguesa na “Página de Educação”, dos quais, dois deles (Lendo e Aprendendo e Uma Lição de História) foram adotados pelos estados de Minas Gerais e São Paulo, respectivamente, como manuais didáticos. Para Remédios (2000), Ana de Castro Osório estabeleceu um forte vínculo com intelectuais brasileiras comprometidas com a luta feminista e mesmo com a fundação de associações. Julgo que se inscreve no forte vinculo existente entre o movimento brasileiro e o português e expressa o envolvimento pessoal de Ana de Castro Osório na construção de uma causa que concebe como duplamente comum tratando-se de mulheres com a mesma herança história. Ver: REMÉDIOS, Maria José Lago dos. Ana de Castro Osório e a construção da grande aliança entre os povos: dois manuais de autoria da escritora portuguesa adotados no Brasil. Anais do I Congresso Brasileiro de História da Educação. Rio de Janeiro, 6 a 9 de novembro de 2000, p. 162-164. 7 Uma visita ao Centro de Cultura Infantil. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28/08/34.
Desejar aproximar a alma das crianças distantes num convívio de doçura profunda, capaz de preparar mais tarde uma união séria e firme de todas as vidas, é, certamente, empresa que entusiasma e empolga. Empresa que contém um gosto de purificação, uma espécie de retratação da humanidade através do seu elemento mais suscetível: a infância. 8
Conjeturar significa, segundo Houaiss (2001), considerar algo como
provável, com base em indícios; supor, presumir, deduzir.9 A partir de um conjunto
de dados e indícios que surgiram durante a elaboração da pesquisa que culminou
com a minha Dissertação de Mestrado, defendida em 2001,10 foi possível entrever
algumas questões que conquanto intrigassem e despertassem o meu interesse não
poderiam ser discutidas naquele momento, devido ao limite de tempo e objetivos.
Mas os textos lá estavam,
diante de nós, em todo o seu frescor. Quem terá posto os olhos nessas palavras desde então? Quatro ou cinco pessoas, no máximo. (...) Outro prazer, este mais excitante: o prazer de decifrar, que não passa na verdade de um jogo de paciência. (...) Mas são exclusivamente nossos, de quem soube ir a seu encontro, e a caçada foi muito mais importante que o animal capturado. 11
Um conjunto de sinais apontava para o fascínio que o mar e os temas
marítimos exerciam sobre Cecília, que ora se definia como navegante ora como
marinheiro, tal era o apelo que as viagens sempre representaram em sua vida. Da
constatação das diversas viagens que Cecília fez ao redor do mundo, observei que
apenas duas delas haviam sido estudadas pelos pesquisadores. Conhecer o que já
havia sido estudado e produzido sobre o tema fez-se necessário, a fim de permitir
estabelecer com precisão a questão, delimitar o problema e não insistir em
perspectivas sob as quais já pudessem ter sido abordadas as fontes que serviriam
de base para a pesquisa. Partindo desse princípio, observamos que a primeira
viagem a Portugal, em 1934, foi analisada por Gouvêa (2001), que procurou
reconstituir a presença da Cecília em Portugal a partir da pesquisa, da revisita aos
itinerários percorridos e de depoimentos de amigos e personalidades da cultura 8 MEIRELES, Cecília. Intercâmbio escolar. Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 7 de agosto de 1930. In: Meireles, 2001. p. 149. 9 HOUAISS. Dicionário Eletrônico, versão 1.0. Dezembro de 2001. 10 PIMENTA, Jussara Santos. Fora do outono certo nem as aspirações amadurecem. Cecília Meireles e a criação da biblioteca infantil do Pavilhão Mourisco (1934-1937). Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação/PUC-RJ, 2001. 11 DUBY, G. A história continua. Rio de Janeiro: Zahar/Ed. UFRJ, 1993. p. 28.
portuguesa. Em seu estudo sobre a presença de Cecília Meireles em Portugal,
Gouvêa (2001)12 relatava a possibilidade de existirem mais de 500 cartas e cartões
de Cecília Meireles em bibliotecas portuguesas: Biblioteca Nacional de Portugal,
Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Biblioteca Municipal do Porto, nos
espólios de intelectuais como José Osório de Oliveira,13 Afonso Duarte14 e em poder
de familiares de Maria Dulce Lupi Cohen Osório de Castro (Maria Valupi),15 Diogo de
Macedo16 e Fernanda de Castro.17 Além disso, Gouvêa (2001) nos indicou fontes
bibliográficas e jornalísticas que puderam, efetivamente, ajudar a compor o corpus
documental da pesquisa a ser realizada em Portugal, como o Diário de Lisboa,
Diário de Notícias, Açores, Diário da Manhã e Diário de Coimbra, entre tantos
outros.18 A presença de Cecília Meireles em Portugal também foi estudada por Mota
(2002) que investigou as três viagens da poeta brasileira àquele país e os laços de
amizade que estabeleceu com os escritores portugueses. Em seu trabalho, no
entanto, a autora não se deteve nas viagens propriamente ditas, mas nas relações
que Cecília estabeleceu com o país de seus antepassados e a sua identificação com
a cultura portuguesa. Para alcançar esse objetivo, Mota (2002) explora o universo
literário ceciliano em busca dessas repercussões, e ainda a produção de escritores
portugueses que escreveram sobre Cecília Meireles e sua obra.19
12 GOUVÊA, Leila V. B. Cecília Meireles: manuscritos lusíadas. Rio de Janeiro: Real Gabinete Português de Leitura, Convergência Lusíada, n. 19, 2002. p.249. 13 José Osório de Oliveira (1900-1964) ficcionista, poeta e crítico literário, era filho de Ana de Castro Osório e Paulino de Oliveira. Morou e esteve por várias vezes no Brasil. Tornou-se, desde os anos trinta, um dos maiores divulgadores da literatura e defensor da aproximação literária entre Brasil e Portugal. José Osório de Oliveira foi um dos grandes amigos e correspondentes de Cecília Meireles e um dos divulgadores da poeta e da sua obra em Portugal. 14 Poeta e professor português, Afonso Duarte (1884-1958) estudou na Universidade de Coimbra. Publicou Cancioneiro de Pedras e foi diretor literário da revista Rajada, em 1912. 15 Maria Valupi, pseudônimo de Maria Dulce Lupi Cohen Osório de Castro (1905-1977), poeta portuguesa ignorada por editores e críticos da sua época. Publicou cinco coletâneas de poesia entre 1948 e 1967. Foi amiga, confidente e correspondente de Cecília Meireles. 16 O escultor português Diogo Macedo (1889-1959) estudou na Academia Portuense de Belas Artes, freqüentou as Academias de Montparnasse e a Escola Nacional de Belas Artes, em Paris. Em 1944 foi nomeado Director do Museu Nacional de Arte Contemporânea. Visitou o Brasil em 1950, onde realizou conferências sobre Soares dos Reis. Deixou um importante legado para a história do panorama artístico nacional do século XX como crítico de arte, escrevendo em revistas como Águia, Atlântida e Ocidente. 17 Maria Fernanda Teles de Castro e Quadros Ferro (1900-1994), poeta e escritora portuguesa, casada com o poeta António Ferro. Foi juntamente com o marido e intelectuais, fundadora da Sociedade de Escritores e Compositores Teatrais Portugueses. Parte da vida de Fernanda de Castro foi dedicada à infância, tendo sido a fundadora da Associação Nacional de Parques Infantis, associação na qual teve o cargo de presidente. Como escritora, dedicou-se à tradução de peças de teatro, a escrever poesia, romances, ficção e teatro. 18 O jornal português Diário de Lisboa já se encontra disponível para consulta e cópia no sítio da Fundação Mário Soares, de Portugal. Disponível em: <http://www.fundacao-mario-soares.pt/> 19 MOTA, Luisa Maria Gonçalves da. O canto repartido: Cecília Meireles e Portugal. Tese de Mestrado Estudos Portugueses e Brasileiros. Universidade do Porto, 2002. p. 7.
A viagem que Cecília fez à Índia, em 1953,20 foi estudada por Macedo
(2001) e por Ducati (2002). Em seu estudo, Macedo (2001) não explorou,
especificamente, a viagem formal da poeta àquele país, mas uma viagem interior,
através das suas lembranças e da sua coleção de livros, jornais, revistas, fotos,
cartões, textos escolares, de exemplares comerciais de qualidade editorial duvidosa
a edições numeradas lindamente ilustradas.21 A pesquisadora percorreu a obra
ceciliana, da qual retirou subsídios para o diálogo que estabeleceu com um guia
especial: o poeta indiano Rabindranath Tagore. Em sua Dissertação de Mestrado –
Viagem à Índia: crônicas de Cecília Meireles – citado anteriormente, Ducati (2002)
utilizando-se das crônicas publicadas no jornal Correio do Povo, de Porto Alegre,
nos anos de 1950, mostra como a cronista percebeu e revelou o passado histórico,
os aspectos culturais e as diferentes manifestações da religiosidade do país visitado.
Ao final do estudo reuniu as crônicas utilizadas, na ordem em que foram publicadas
a fim de preservar o roteiro da viagem à Índia, desde as primeiras impressões até o
balanço final quando a cronista já distanciada do cotidiano faz um balanço da
viagem empreendida.22
Essas evidências, conquanto intrigassem e despertassem interesse
apresentavam as suas dificuldades, pois estudar qualquer aspecto da vida ou da
obra de Cecília Meireles não é tarefa das mais fáceis ao pesquisador, por ter uma
obra vasta e por sua produção se encontrar dispersa e parte ainda desconhecida
pelo público e mesmo pelos pesquisadores.23 Ainda permanecem inéditas muitas de
suas conferências sobre arte, folclore, literatura e educação proferidas no Brasil e no
exterior; as traduções de autores do Ocidente e do Oriente; memórias de infância e
20 Cecília foi convidada do primeiro-ministro Nehru para visitar a Índia e participar de um congresso sobre a obra de Gandhi. Sua comunicação, feita nesse congresso, foi publicada em Gandhian out-look and tecniques, edição do Ministério da Educação, em Nova Delhi. Nessa ocasião, recebeu das mãos do presidente da Índia o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Delhi. In: Oliveira, Ana Maria Domingues de. Cronologia Biobibliográfica da Poetisa. Arquivo Cecília Meireles. 21 MACEDO, Elizabeth. Viagem à Ilha do Nanja. NEVES, Margarida de Souza, LOBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. (orgs.) Cecília Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, 2001. p. 41-59. 22 DUCATI, Cássia. Viagem à Índia: crônicas de Cecília Meireles. 2002. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Paraná, Departamento de Educação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Departamento de Letras. 23 Encontra-se publicada grande parte de sua obra poética, apesar de acreditarmos que há muitos inéditos à espera de publicação, já que o seu espólio ainda não foi organizado nem estudado. Quanto à sua obra em prosa encontra-se publicada parte de suas crônicas de educação e viagem, porém não foram ainda contempladas as suas crônicas sobre folclore, as conferências, as entrevistas, as traduções e os ensaios gerais, as peças para teatro, etc.
adolescência;24 crônicas, teatro e poemas. Sua obra tem sido explorada
principalmente pelos estudos literários, ainda que outros ângulos da múltipla face da
poeta venham sendo considerados atualmente.
Quando se pretende estudar a educadora Cecília Meireles, algumas
questões se apresentam: como a historiografia localizou sua participação de
educadora e construtora de um projeto educacional? Que autores contribuíram para
fixar essa memória sobre Cecília Meireles e porque o esquecimento da sua
atuação? O que está por trás desse esquecimento e o que contribuiu para que ele
ocorresse?
Durante o mapeamento da produção acadêmica sobre Cecília Meireles foi
possível constatar que nenhum trabalho se debruçou, por exemplo, sobre a sua
atuação como professora e que a sua prática pedagógica encontra-se ignorada e/ou
desconhecida. Também não foi possível localizar nenhuma tese ou dissertação em
que as inúmeras traduções e conferências no Brasil e no exterior tenham sido
estudados em profundidade.25 Esses aspectos, quando e se aparecem, são tratados
em ensaios nos quais o destaque recai, geralmente, em sua obra poética. Os
escritos para teatro foram recentemente pesquisados por Souza (2006), que estudou
o teatro simbolista no contexto brasileiro, do ponto de vista histórico e artístico e
analisou, em especial, a produção teatral de Cecília Meireles, a partir de duas peças
- O Jardim e Ás de Ouros – que fazem parte do que Cecília chamou de seu “teatro
poético”. Entretanto, grande parte da criação teatral da escritora ainda não foi
estudada pelos pesquisadores.26
A epistolografia ceciliana é da mesma forma rica e desconhecida. Cecília se
correspondia com muitos intelectuais e de forma bastante intensa, e grande parte
24 Segundo Cecília havia material para compor outras publicações sobre a sua memória de infância e adolescência, da qual o livro Olhinhos de Gato, teria sido o primeiro a ser lançado. Sobre o livro ver o estudo: NEVES, Margarida de Souza. Paisagens Secretas: memórias da infância. In: NEVES, Margarida de Souza, LOBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. (orgs.). Cecília Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, 2001. p. 23-29. 25 O Arquivo Cecília Meireles, organizado pela Profa. Ana Maria Domingues de Oliveira, possui um levantamento da produção brasileira e estrangeira sobre Cecília Meireles. Esse acervo, reunido a partir da sua dissertação de mestrado, defendida na UNICAMP, em 1988, foi doado ao Centro de Documentação Alexandre Eulálio do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas. Possui atualmente cerca de novecentos títulos sobre a poeta, que foram atualizados até 2003 e reunidos na publicação Estudo crítico da bibliografia sobre Cecília Meireles, editado pela Humanitas, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, em 2001. Para maiores informações consultar o sítio do Arquivo Cecília Meireles. Disponível em: <http://www.assis.unesp.br/arquivocecilia/index3.html> 26 Consultar também: MORENO, Inácia Maria Vasconcellos Godoy. Poesia e Teatro no Romanceiro da Inconfidência de Cecilia Meireles. Dissertação de Mestrado. Departamento de Letras, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2005.
desse acervo foi sequer tocado pelos pesquisadores. Por não se ter acesso aos
arquivos da escritora, não existe, ainda, nenhum estudo que abarque o universo
epistolográfico de Cecília Meireles. Tem-se conhecimento dos seus correspondentes
por meio de cartas suas dispersas por arquivos vários, mas não podemos encontrar
nenhum trabalho em que essa interlocução tenha sido estudada, ou seja, que trate
da correspondência trocada entre Cecília e outro correspondente. Exceção à regra é
o livro Cecília e Mário,27 em que foi publicada a correspondência trocada entre os
dois escritores e que contêm pequeno número de missivas. Apesar disso, o trabalho
não explora nem analisa a interlocução epistolar entre os dois intelectuais. Outras
cartas estão publicadas, mas nelas encontramos a produção unilateral, ou seja, são
cartas enviadas por Cecília Meireles a escritores como Armando Côrtes-Rodrigues28
e Fernando de Azevedo,29 mas que não foram confrontadas com as cartas recebidas
desses autores pela escritora. Temos, por exemplo, a coletânea A Lição do
Poema,30 que traz 246 cartas de Cecília Meireles enviadas ao amigo Armando
Côrtes-Rodrigues entre 29 de janeiro de 1946 e 3 de março de 1964. Das 20
missivas destinadas ao amigo e educador Fernando de Azevedo, escritas entre 8 de
abril de 1931 e 27 de junho de 1938, 9 cartas foram publicadas por Lamego (1996)31
em A Farpa na Lira, e as demais podem ser encontradas no Arquivo do Instituto de
Estudos Brasileiros (IEB-USP), doadas em 1970 pelo próprio educador. 27 MEIRELES, Cecília. Cecília e Mário. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. 28 Armando César Côrtes-Rodrigues (1891-1971) escritor, poeta, dramaturgo, cronista e etnólogo açoriano que se distinguiu pelos seus estudos de etnografia e em particular pela publicação do Cancioneiro Geral dos Açores e do Adagiário Popular Açoriano. 29 Fernando de Azevedo, professor, educador, crítico, ensaísta e sociólogo (1894-1974), foi Diretor Geral da Instrução Pública do Distrito Federal (1926-30) e Diretor Geral da Instrução Pública do Estado de São Paulo (1933). Como redator e crítico literário de O Estado de São Paulo (1923-26 organizou e dirigiu, em 1926, dois inquéritos: um sobre a arquitetura colonial, e outro sobre Educação Pública em São Paulo, abordando os problemas fundamentais do ensino de todos os graus e tipos, e iniciando uma campanha por uma nova política de educação e pela criação de universidades no Brasil. No Distrito Federal (1926-30), projetou, defendeu e realizou uma reforma de ensino das mais radicais que se empreenderam no país. Traçou e executou um largo plano de construções escolares, entre as quais o da antiga Escola Normal, hoje Instituto de Educação. Na terceira parte do seu livro A Cultura Brasileira, Azevedo procurou fazer uma síntese da cultura e da educação brasileiras, descrevendo, segundo Pimenta (2002), o Brasil de forma minuciosa nos seus diferentes aspectos, cultural, social e, sobretudo, educacional. Consultar: AZEVEDO, Fernando. A cultura brasileira. São Paulo: Melhoramentos/Editora da USP, 1971; PIMENTA, Jussara Santos. Habent sua fata libelli: os livros têm o seu destino. Um exercício comparativo d'A Cultura Brasileira e Educação e Desenvolvimento no Brasil. Revista Histedbr On Line, Campinas v. 5, 2002. 30 Publicada pelo Instituto Cultural de Ponta Delgada, sob a supervisão do professor da Universidade Federal de Santa Catarina, Celestino Sachet. Consultar: MEIRELES, Cecília. A lição do poema: cartas de Cecília Meireles a Armando Côrtes-Rodrigues. Ponta Delgada: Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1998. 31 As cartas de Cecília Meireles a Fernando de Azevedo foram utilizadas por LAMEGO (1996) como fonte em seu trabalho. A autora transcreveu, na íntegra, 9 das 20 cartas encontradas no arquivo daquele educador e utiliza, ainda, cerca de 750 artigos jornalísticos publicados entre 1930 e 1933 na “Página de Educação” do jornal Diário de Notícias. LAMEGO, Valéria. A farpa na lira: Cecília Meireles na Revolução de 30. Rio de Janeiro: Record, 1996. p. 209-238.
Talvez o destino das cartas seja apenas agirem por simples presença, pelos
votos que carregam, não pelo que dizem, comentava com o amigo Armando Côrtes-
Rodrigues, poeta e professor de língua francesa no Liceu Antero de Quental em
Pontal Delgada, nos Açores.32 Ainda que Cecília acreditasse que só a presença das
cartas bastasse, o interesse dos pesquisadores recai, sobretudo, no que as cartas
carregam, mostram, escondem, no que elas dizem ou não. As cartas são caminhos
que, ao serem percorridos, permitem delinear o perfil do seu autor, suas
preferências e seus gostos. É possível entrever, por meio delas, os bastidores da
criação literária, da inserção política e social, o universo cultural, o momento
histórico e histórias da vida particular e profissional dos correspondentes.33
Os trabalhos que focalizam o pensamento educacional de Cecília Meireles e
que tratam das suas obras sobre educação utilizam-se dos seus livros (sobretudo os
livros Criança, meu Amor e O Espírito Victorioso)34 e suas crônicas, principalmente
daquelas publicadas na “Página de Educação”, que são as mais conhecidas e
exploradas pelos pesquisadores. Uma das razões que justificam o fato das crônicas
terem sido priorizadas pelos pesquisadores pode ser atribuída, em parte, pela fácil
localização das mesmas, que estão microfilmadas, fazem parte do acervo da
Biblioteca Nacional e também porque boa parte delas foi publicada.35 Vale salientar
que o arquivo pessoal da educadora ainda não foi catalogado e não está
disponibilizado para os pesquisadores interessados.
Existiriam outras possibilidades para entender esse esquecimento? Teria a
própria Cecília sido a responsável por esse apagamento ou a dimensão da poeta
32 MEIRELES, Cecília. A lição do poema. Cartas de Cecília Meireles a Armando Côrtes-Rodrigues. (organização e notas de Celestino Sachet). Ponta Delgada: Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1998. p. 14. 33 Por isso a importância de já haver uma pequena parte dessa correspondência disponibilizada, por meio de publicações, como, por exemplo, Cecília e Mário, publicado pela Editora Nova Fronteira. Este trabalho foi encomendado a Cecília Meireles pela Prefeitura do Distrito Federal para homenagear o poeta Mário de Andrade no décimo quinto aniversário de sua morte. A obra, no entanto, permaneceu inédita e foi utilizada numa homenagem que Cecília fez ao poeta na Rádio MEC. A obra em questão traz, além dos poemas estudados e selecionados por ela, a correspondência entre setembro de 1935 a fevereiro de 1945 e é uma mostra do recíproco respeito e estima que existiu entre os dois poetas. Mais informações sobre o encontro de Cecília e Mário, ver: BOSI, Alfredo. História de um encontro. In: MEIRELES, Cecília. Cecília e Mário. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. p. 11-18. 34 MEIRELES, Cecília. Criança, meu amor. Rio de Janeiro: Typographia do Annuario do Brasil, 1924; MEIRELES, Cecília. O Espírito Victorioso. Tese apresentada ao concurso da cadeira de Literatura da Escola Normal do Distrito Federal. Rio de Janeiro: Typographia do Annuario do Brasil, s.d., 1929. 35 Foram publicados cinco volumes contendo as crônicas educacionais de Cecília Meireles, apresentadas e organizadas por Leodegário de Azevedo Filho e publicadas pela Editora Nova Fronteira em 2001. Os quatro primeiros volumes apresentam as crônicas escritas na “Página de Educação”, do Diário de Notícias, escritas entre 1930 e 1933, enquanto que o volume cinco traz parte das crônicas publicadas na coluna “Estudantes e Professores” do jornal A Manhã, escritas nos anos de 1940.
teria se sobreposto à atuação e à produção da educadora? Os sujeitos, assim como
a coletividade, são responsáveis pela seleção que estabelecem a respeito de suas
próprias vidas e também sobre a história do seu tempo. Em que obras Cecília se
utilizou dessa estratégia para preservar a sua participação como educadora? Teria
feito, voluntariamente, um apagamento de sua participação no movimento da Escola
Nova, como fez com os seus livros anteriores à Viagem?
De acordo com Secchin (2004), ao selecionar o material para a publicação
de sua primeira coletânea, em 1958, Cecília excluiu os seus livros da juventude –
Espectros, Baladas para El-Rei, Nunca Mais e Poema dos Poemas. Os últimos três
livros, apesar de não constarem da coletânea de 1958, sempre figuraram na
bibliografia autorizada pela poeta. Quanto a Espectros, era sequer mencionado, e
seu “aparecimento” só aconteceu quase 80 anos depois de sua publicação. Os
pesquisadores só tiveram conhecimento da sua existência por meio da crônica de
João Ribeiro, no Imparcial, de 18 de novembro de 1919.36
Outra constatação dessa tentativa de esquecimento se deu com o seu
trabalho na Biblioteca do Pavilhão Mourisco. Tempos depois do seu fechamento
Cecília ainda se preocupava com essa temática, tanto que escreveu crônicas e
livros37 nos quais tratou do assunto, mas poucas vezes mencionou sua participação
naquele projeto. Uma das raras menções ao trabalho desenvolvido na biblioteca
surgiu em uma entrevista a Pedro Bloch, em 1964, na qual Cecília declarou a sua
participação na criação da mesma:
Criei a primeira biblioteca infantil, ali onde era o Pavilhão Mourisco. Criança que não tivesse onde ficar podia encontrar o livro que lhe faltava, a coleção de selos, moedas, jogos de mesa, sonhos, histórias e as explicações de professoras prontas e atentas. Acabou, depois de quatro anos, mas frutificou em São Paulo onde, hoje, existe até biblioteca infantil para cegos.38
Sua participação no movimento da Escola Nova e seu engajamento a partir
da imprensa também não foram muito divulgados pela escritora. Em outra entrevista,
ela se refere às suas aspirações e às dos demais educadores, que vislumbravam a
possibilidade de mudar os rumos da educação brasileira:
36 SECCHIN, Antonio Carlos. Poesia Completa, de Cecília Meireles: a edição do centenário. In: SECCHIN, Antonio Carlos. Escritos sobre poesia & alguma ficção. Rio de Janeiro: EdUFRJ, 2003. p. 157-162. 37 MEIRELES, Cecília. Problemas da literatura infantil. 3a ed. São Paulo, Summus, 1979. 38 MEIRELES, Cecília. Entrevista a Pedro Bloch. Manchete, Rio de Janeiro, 16/05/1964.
A minha atividade na imprensa é muito antiga e em vários setores. Reputo a mais importante que exerci entre os anos de 1930 e 34, no "Diário de Notícias" e depois em "A Nação", porque aí tive ocasião de servir às idéias de melhoramento do homem brasileiro pela compreensão mais séria da educação, atendendo a todos os problemas que o afligem, com as soluções que um plano geral de educação, devidamente orientado, comporta. Naquele tempo, chegou-se a pensar com entusiasmo nessas coisas. Acreditei tanto numa possibilidade generosa e sincera de educar para a vida, para o trabalho, para uma felicidade humana maior que me dediquei completamente a propagar o que pensavam e desejavam (e até certo ponto tentaram fazer) os que, por essa ocasião se ocupavam do assunto. Apesar de muitas desilusões continuo a acreditar nisso.39
A presença de Cecília Meireles na produção acadêmica até a década de
1990 é da mesma forma reticente e esparsa, sendo mencionada a sua participação
de forma pontual, ou seja, apenas em determinados ângulos de sua atuação como
educadora, ora na imprensa, ora nas comissões técnicas, ora na criação de
bibliotecas. Armanda Álvaro Alberto40 registrou a participação de Cecília na criação
da biblioteca infantil, mencionando a educadora como coadjuvante no projeto de
Anísio Teixeira no Departamento de Educação do Distrito Federal:
Ao mesmo tempo em que nos empenhávamos pela melhoria do livro, conteúdo e apresentação, pela educação do gosto dos que adquirem livros, pela divulgação dos bons livros, é óbvio que não deixaríamos de fazer a campanha correlata pela instalação de bibliotecas infantis. Sim, essa campanha durou tanto quanto as outras. Coube a Anísio Teixeira, na qualidade de Secretário de Educação e Cultura do Distrito Federal, atender-nos, inaugurando a primeira Biblioteca Pública Infantil do país, a do Pavilhão Mourisco, cuja direção confiou a Cecília Meireles, bem como a organização de
39 VIANNA, S. B. Cecília Meireles fala de sua vida literária. Artigo sem referências. Faz parte da pasta de recortes da Coleção Plínio Doyle e do acervo da Fundação Casa de Rui Barbosa. 40 A educadora e ativista política Armanda Álvaro Alberto (1892-1967) preocupou-se em proporcionar o acesso à educação para as camadas mais carentes, fundando a Escola Regional de Meriti (RJ) com o marido, Edgar Süssekind de Mendonça e Francisco Venâncio Filho, fundou, em 1921, a Escola Regional de Meriti. Foi sócia fundadora da Associação Brasileira de Educação (ABE) e uma das signatárias do Manifesto da Educação Nova (1932). Participou ativamente da luta pela emancipação das mulheres, tornando-se a primeira presidente da União Feminina do Brasil. Armanda e Edgar acreditavam nas concepções da Escola Nova, que entendia a educação como uma aprendizagem significativa que deveria ser essencialmente pública, laica e gratuita. Foram considerados subversivos e presos no final da década de 1930 assim como outros educadores adeptos da renovação no ensino brasileiro. Sobre a educadora, consultar: MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Baú de memórias, bastidores de histórias: legado pioneiro de Armanda Álvaro Alberto. 1997. 326f. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Educação; MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. A trajetória de uma educadora pioneira: Armanda Álvaro Alberto (1892-1974). In: Simone Simões. (Org.). Mulheres da Baixada Fluminense: Histórias de luta e conquista da cidadania feminina. Rio de Janeiro: CEDIM, 2004, v. 04, p. 31-45; Sobre a Escola Regional de Meriti consultar: MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Decifrando o recado do nome: uma escola em busca de sua identidade pedagógica. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 178, 1994.
um plano para a instalação de bibliotecas escolares, tendo podido inaugurar umas poucas.41
Outro educador a mencionar a participação de Cecília Meireles é Paschoal
Lemme (1988).42 Em suas Memórias ele assinala o trabalho da educadora em duas
ocasiões, sendo que a primeira menção é relativa à participação de Cecília durante
a Reforma Fernando de Azevedo no Distrito Federal em uma comissão que tinha
como objetivo a organização da nova legislação educacional.43 Esta comissão se
reunia no terceiro pavimento da Escola Deodoro, à Rua da Glória, próximo ao Largo
da Lapa:
Num ambiente puramente escolar, onde até as condições de ventilação e o panorama que se descortinava sobre a Baía da Guanabara constituíam fatores favoráveis à execução das complexas tarefas que se impunham aos reformadores. Ali se instalou verdadeiro “quartel general” da grande reforma de ensino, comandado por Fernando de Azevedo. A segunda providência foi a convocação dos elementos da melhor categoria do magistério e da administração para colaborarem na discussão e elaboração da nova lei de ensino, trazendo para isso sua experiência e aspirações. (...) Conquistando Frota Pessoa – o subdiretor administrativo – que havia muito tempo dominava todo o setor burocrático da Diretoria, e que era quase sempre um opositor sistemático a qualquer tentativa de mudança daquela situação, mais que se viu desde logo impressionado pela personalidade marcante de Fernando de Azevedo, e pela disposição inabalável que viu nele de levar à cabo “custasse o que custasse” a obra em que estava empenhado; recrutando diretores como Jônatas Serrano, líder católico, de grande cultura e prestígio, que apesar de não comungar inteiramente com a filosofia de vida do novo diretor, sentiu toda a inteireza de sua posição e honestidade de propósitos e dispôs-se a ajuda-lo; obtendo a colaboração dos mais destacados professores e diretores das escolas profissionais e da Escola Normal e dos elementos mais capazes da inspeção e do magistério primário; pode ser reunida
41 ÁLVARO ALBERTO, Armanda. Associação Brasileira de Educação - Seção de Cooperação da Família (08/08/1932). In: MORAES, D. L. Esboço histórico-geográfico do município de Duque de Caxias. Duque de Caxias: Asgráfica, 1978, p. 127. 42 O educador Paschoal Lemme (1904-1997) teve uma longa participação no debate dos problemas educacionais brasileiros. Militou entre a função de professor e cargos administrativos, tendo, com relação à educação, posicionamentos que divergiam de seus pares. Entendia que a educação era um dos motores da transformação social almejada, e não o principal ou o motor da modernização social. Foi um dos signatários do Manifesto de 1932 em prol da educação brasileira. Sobre o educador, consultar: BRANDÃO, Zaia. A intelligentsia educacional: um percurso com Paschoal Lemme por entre as memórias e as histórias da Escola Nova no Brasil. Bragança Paulista: IFAN-CDAPH. Editora da Universidade São Francisco/EDUSF, 1999. 43 O educador destaca os seguintes educadores como colaboradores da comissão: Francisco Venâncio Filho, Edgar Süssekind de Mendonça, Fernando Nerêo Sampaio, Paulo Maranhão, Maria dos Reis Campos, Álvaro Rodrigues, Zélia Braune, Manoel Marinho, Andréa Borges Costa, Oscar Clark, Coelho Neto (então diretor da Escola Dramática) e Florípedes Anglada Lucas. Consultar: LEMME, Paschoal. Memórias. São Paulo: Cortez; Brasília: INEP, 1988. p. 22.
excelente equipe, que trouxe o melhor de sua experiência, completando o ímpeto do reformador com o conhecimento e vivência das situações locais concretas.44
Mais à frente, Lemme faz referência à participação de Cecília Meireles como
uma das candidatas no concurso para o preenchimento do cargo de professor
catedrático de literatura da Escola Normal, em 1929, um dos concursos mais
disputados e de maior repercussão na época. Segundo Lemme, a candidata iniciava
uma atividade brilhante de jornalista e era uma defensora tenaz dos ideais da
Reforma de Ensino, além disso, era inteligente, culta e bela, já ia a esse tempo se
consagrando como poetisa de primeira grandeza e causava profunda impressão a
quantos dela se aproximavam.45 Revela que a competição em torno do cargo foi
acirrada e apesar de ter todos esses predicados a seu favor, um dos quais o seu
grande compromisso e empenho em favor da Reforma de Ensino, e que, apesar de
aprovada no concurso, ficou em segundo lugar, sendo preterida em favor do
candidato que mais se afinava com a banca: o professor Clóvis do Rego Monteiro.46
Mas o mais intrigante dos esquecimentos fica por conta do educador
Fernando de Azevedo, que contou com a participação de Cecília Meireles durante a
sua reforma e teve na educadora uma das grandes incentivadoras e divulgadoras do
seu trabalho, que assinou o Manifesto da Educação Nova ao seu lado e com quem
se correspondeu de 1931 a 1938. Vale ressaltar que nessa correspondência, os dois
educadores trocaram muitas vezes impressões sobre o que pensavam e/ou
realizavam, as suas dúvidas em relação às iniciativas que o grupo propunha, as
suas angústias em constatar os percalços e as dificuldades em levar as idéias
renovadoras às escolas, aos professores, às famílias e, principalmente, aos
governantes.
É curioso constatar, como Azevedo minimizou o trabalho de Cecília
Meireles, destacando a sua participação de forma bastante atenuada, citando
apenas o seu trabalho como articulista da “Página de Educação”. Porque considerou
44 LEMME, Paschoal. Memórias. São Paulo: Cortez; Brasília: INEP, 1988. p. 22. 45 Idem, p. 39; Sobre o concurso da Escola Normal consultar: LOBO, Yolanda L. Memória e Educação: O Espírito Victorioso de Cecília Meireles. RBEP, Brasília, v.77, n. 187, set./dez., 1996. p.525-545; e ACCÁCIO, Liéte de Oliveira. Docentes e catedráticos: os concursos para professor da Escola Normal do Distrito Federal (1928-1930). Universidade de São Paulo, Faculdade de Educação. Tese de Doutorado, 2001. p. 217-259. 46 O poeta e professor Clóvis do Rego Monteiro (1898-1961) publicou a tese “Traços do Romantismo na Poesia Brasileira” com que concorreu à vaga do cargo de professor catedrático de literatura da Escola Normal, em 1929. Sobre o concurso da Escola Normal, consultar: LÔBO, Yolanda L. Memória e Educação: O Espírito Victorioso de Cecília Meireles. RBEP, Brasília, v.77, n. 187, set./dez., 1996. p. 525-545.
menor a sua obra pedagógica e a sua atuação como educadora? Viés de gênero ou
de concepção historiográfica? Mignot (2001) atenta para este fato a partir da
constatação de que Azevedo, em seus livros de memórias – Histórias de minha vida
e Figuras de meu convívio – não faz menção ao trabalho pioneiro de Cecília na
imprensa, uma vez que nesse período ela talvez tenha sido a única mulher a ter uma
coluna diária sobre a educação no país. Apesar de não ser este o seu objetivo
naquele trabalho, ressalta Mignot (2001), esse apagamento não poderia deixar de
ser surpreendente, uma vez que foi notória a contribuição que a poeta ofereceu ao
movimento educacional e a intransigente defesa que (...) fez da administração de
Fernando de Azevedo, do seu nome para ocupar o Ministério da Educação e de sua
liderança para conduzir os rumos da educação brasileira.47
Terá sido por Cecília não ter ocupado cargos na administração pública, a
não ser a sua participação como coordenadora da Biblioteca Infantil do Pavilhão
Mourisco? A educadora também não empreendeu reformas nem muito menos
esteve à frente de um projeto como o da Escola Regional de Meriti, como Armanda
Álvaro Alberto. Mas desde que se formou em 1917, Cecília exerceu o magistério em
escolas do Distrito Federal, tendo sido nomeada em 1928, professora adjunta de
terceira classe. Seu engajamento na imprensa em favor da educação obteve
destaque e a sua experiência na biblioteca infantil foi das mais expressivas, uma vez
que o incentivo à leitura e à criação de bibliotecas era ponto pacífico entre os
educadores renovadores. Tanto Fernando de Azevedo quanto Anísio Teixeira,
Armanda Álvaro Alberto, Delgado de Carvalho,48 Edgar Sussekind de Mendonça,49
Lourenço Filho,50 dentre outros, comungavam sobre a importância da biblioteca e da
47 MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Antes da despedida: editando um debate. In: NEVES, Margarida de Souza, LOBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. (orgs.). Cecília Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, 2001. p. 152. 48 Sobre Delgado de Carvalho consultar: COELHO, Patrícia. Delgado de Carvalho: a trajetória de um educador. Anais do VI Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação (COLUBHE), Uberlândia. 2006. Disponível em: <http://www.faced.ufu.br/colubhe06/versaopreliminar/principal.htm> 49 O educador Edgar Sussekind de Mendonça (1896-1958) estudou na Escola Nacional de Belas-Artes, onde conheceu Armanda Álvaro Alberto, que viria a ser sua esposa anos mais tarde Foi um dos sócios fundadores da Associação Brasileira de Educação (ABE) e da Revista Brasileira de Educação. Participou na Reforma Fernando de Azevedo da Instrução Pública e assinou o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. 50 Manoel Bergstrom Lourenço Filho (1897-1970) formou-se professor normalista em 1914 e diplomou-se pela Escola Normal da Praça da República dois anos mais tarde. Em 1922 foi Diretor da Instrução Pública do estado do Ceará, onde realizou uma reforma no ensino com repercussão em todo o país; como Diretor Geral da Instrução Pública de São Paulo promoveu importante reestruturação no ensino normal e profissional: criou a Revista Escola Nova e os serviços de Assistência Técnica e Inspeção Escolar, Inspeção Médico-Escolar, Biblioteca Pedagógica e Museu da Criança. Foi um dos signatários do Manifesto de 1932 e passou a dirigir o Instituto de Educação do Distrito Federal, a convite de Anísio Teixeira. Foi professor de Psicologia Educacional
leitura na formação do indivíduo, não apenas do educando. Azevedo não destacou
nem mesmo a produção educacional de Cecília Meireles: nem as “Crônicas de
Educação”, nem os livros adotados nas escolas, como por exemplo, o seu primeiro
livro com objetivos pedagógicos: Criança Meu Amor, de 1923, adotado no ano
seguinte pela Diretoria de Instrução Pública e aprovado pelo Conselho Superior de
Ensino dos estados de Minas Gerais e Pernambuco. Em relação ao trabalho de
Cecília Meireles em favor do movimento educacional escolanovista Fernando de
Azevedo registrou:
Elementos de vanguarda tomavam posições na imprensa do país, e especialmente no Rio de Janeiro onde, no Diário de Notícias, de 1931 a 1934, Cecília Meireles, com suas crônicas finas e mordazes, e Nóbrega da Cunha, com sua atividade sutil e de grande poder de penetração, Azevedo Amaral, em O Jornal, com sua dialética persuasiva a serviço de um pensador robusto, e, mais tarde, J. G. Frota Pessoa, que desde 1933 fez de sua coluna no Jornal do Brasil uma trincheira de combate, pela sua lucidez implacável e pela segurança de seus golpes, traziam novos estímulos e acentos novos a essa campanha, cujo conteúdo não se esgotava sobre o plano cultural, e ao longo de cujo desenvolvimento vibravam com uma força sustentada um espírito moderno e um sentimento profundamente humano.51
Azevedo mencionou Cecília Meireles apenas como uma colaboradora da
obra educacional entre tantos outros, circunscrevendo a sua atuação na propaganda
das idéias renovadoras, por meio de suas crônicas finas e mordazes. Porque
Azevedo destacou, mesmo que minimamente, a participação de Cecília à frente da
“Página de Educação” do Diário de Notícias e omitiu a sua participação como
educadora, como professora, escritora, poeta, folclorista, conferencista e
colaboradora da sua reforma de educação? Por que a educadora foi minimizada?
Qual a importância atribuída ao trabalho dos outros signatários? Um dos critérios de
escolha dos signatários não teria sido a sua inserção no cenário educacional?
Porque Azevedo enfatizou a atuação de alguns em detrimento de outros?
da Universidade do Distrito Federal e Diretor Geral do Departamento Nacional de Educação, nomeado por Capanema. Deixou extensa obra pedagógica. 51 AZEVEDO, Fernando. A cultura brasileira. São Paulo: Melhoramentos/Editora da USP, 1971. p. :681. (Aqui temos um pequeno engano de Fernando de Azevedo. Na verdade, Cecília Meireles permaneceu no Diário de Notícias até 12 de janeiro de 1933 e não 1934 como o autor afirma).
As práticas dos demais renovadores como Anísio Teixeira, Lourenço Filho,
Delgado de Carvalho, Edgar Süssekind e Venâncio Filho,52 provavelmente, só
encontraram continuidade e destaque por que se formou um grupo no Instituto de
Educação, que permaneceu unido. Grupo este que, mesmo tendo sido alvo de
constantes revezes e terem suas ações pedagógicas descaracterizadas com a
intervenção da política do Estado Novo, conseguiu fazer sobreviver suas
concepções acerca da educação.53 Quanto à Cecília Meireles, ela lecionou em
escolas onde a grande maioria dos professores não possuía a sua formação e muito
menos a sua inserção no movimento educacional, muitas resistiram às novas
concepções implantadas pelas reformas de Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira.
Portanto, a prática pedagógica de Cecília Meireles deu-se de forma isolada,
enquanto a dos educadores acima citados obteve o respaldo de uma instituição
caracterizada como o locus do movimento renovador no Brasil. Além de contar com
esse local de aglutinação, verdadeiro celeiro das práticas renovadoras, esses
educadores contavam com o apoio do grupo, com uma infra-estrutura institucional
que colaborava para a implementação de suas práticas. Não estavam isolados,
como Cecília Meireles, durante o exercício de docência nas escolas do Distrito
Federal.
Fernando de Azevedo, o autor de A Cultura Brasileira, obra considerada
como um dos documentos/monumentos54 da História da Educação Brasileira foi
segundo Brandão (1999), um hábil construtor da memória do trabalho dos
educadores renovadores. Azevedo criou para o grupo dos Pioneiros da Educação
Nova uma espécie de aura heróica para si e para os demais. Ao mesmo tempo
pontuava a sua atuação na administração pública e o seu papel na liderança do
movimento renovador no campo da cultura brasileira, ou seja, não só afirmava a sua
importância no campo educacional, como também a importância desse campo na
52 Francisco Venâncio Filho (1894-1994), professor, um dos fundadores da Associação Brasileira de Educação realizou um importante e mutifacetado trabalho em prol da educação no Brasil. Foi um dos criadores da Escola Regional de Meriti ao lado dos educadores Armanda Álvaro Alberto e Edgar Süssekind de Mendonça. Assinou o Manifesto de 1932. Sobre o educador consultar: VENÂNCIO FILHO, Alberto. Francisco Venâncio Filho. Um Educador Brasileiro. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1995. 53 Sobre o processo de descaracterização ocorrido no Instituto de Educação, consultar: LOPES, Sonia Maria de Castro Nogueira. A oficina de mestres do Distrito Federal: história, memória e silêncio sobre a Escola de Professores do Instituto de Educação do Rio de Janeiro (l932/39). 2003. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Educação. 54 Utilizamos a concepção de documento/monumento de acordo com LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento. In: Enciclopédia Einaudi. I. Memória-História, Porto: Imprensa Nacional: Casa da Moeda, 1984.
construção da cultura brasileira.55 Sobre essa forma de proceder em relação à
memória, Le Goff (1984) destaca que:
Tornar-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e os silêncios da história são reveladores desses mecanismos de manipulação da memória. 56
De acordo com a afirmação de Fernando Azevedo a sua obra A Cultura
Brasileira serviria para traçar um retrato de corpo inteiro do Brasil. 57 Esse trabalho
fez parte da Introdução ao Censo de 1940 e esse vínculo lhe garantiu a legitimidade
de interpretação científica e status de marco de referência. Foi, portanto, um
trabalho em que procurou fazer, a partir da avaliação numérica do Brasil, uma
síntese da cultura e da educação brasileiras, devendo oferecer:
(...) uma vista de conjunto, tão completa quanto possível, da cultura no Brasil, nos fatores que a condicionaram, nas suas diversas manifestações artísticas, literárias e científicas, etc. e na formação do aparelhamento institucional, cultural e pedagógico, destinado a perpetuar, transmitir e desenvolver o patrimônio cultural do país.58
Fernando de Azevedo procurou descrever o Brasil de forma minuciosa nos
seus diferentes aspectos: cultural, social e, sobretudo, educacional. Seu estudo
deveria contribuir para oferecer ao Censo o máximo de informações científicas
reunidas que apontassem os problemas peculiares do país, como também servir na
obra de reconstrução do país, balizando a operação de mudança e sua integração à
modernidade em suas diversas ordens de motivos.59
55 BRANDÃO, Zaia. A intelligentsia educacional: um percurso com Paschoal Lemme por entre as memórias e as histórias da Escola Nova no Brasil. Bragança Paulista: IFAN-CDAPH. Editora da Universidade São Francisco/EDUSF, 1999. p. 26. 56 LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento. In: Enciclopédia Einaudi. I. Memória-História, Porto: Imprensa Nacional: Casa da Moeda, 1984. p. 13. 57 AZEVEDO, Fernando. A cultura brasileira. São Paulo: Melhoramentos/Editora da USP, 1971. p. 21. 58 Carta de Azevedo a Venâncio Filho, 30/7/1940, citado por TOLEDO, Maria Rita de Almeida. Fernando de Azevedo e a Cultura Brasileira ou as Aventuras e Desventuras do Criador e da Criatura. Dissertação de Mestrado. PUC-SP, 1995. p. 104. 59 TOLEDO, Maria Rita de Almeida. Fernando de Azevedo e a Cultura Brasileira ou as Aventuras e Desventuras do Criador e da Criatura. Dissertação de Mestrado. PUC-SP, 1995. p. 98-99. (Motivos de ordem técnica, de ordem política, de ordem administrativa e de ordem econômica).
A importância dessa obra deve ser ressaltada em outro momento que
Brandão denominou de relativização da memória/documento,60 quando foi utilizada
por autores como Nagle (1974), Paiva (1973), Cury (1978) e Saviani (1981), para
difundir análises que se tornaram hegemônicas e que influenciaram toda uma
geração de educadores que se apropriaram delas para legitimarem suas
dissertações e teses. De acordo com Brandão (1999), a ausência de uma avaliação
problematizadora sobre esse período fez com que aqueles educadores fossem
vistos ora como heróis, ora como vilões e suas práticas ora como pioneiras, ora
como conservadoras. Uma avaliação menos simplificadora sobre o movimento
escolanovista, segundo Brandão, teve início a partir dos trabalhos de Carvalho
(1986) e Monarcha (1989), que procuraram, utilizando-se da obra monumental de
Azevedo, questionar a memória que perpassou a historiografia brasileira e
difundir/revelar uma outra face do movimento renovador, num movimento
denominado pela autora como re-historização.61 Esses autores, de acordo com as
análises da autora, retomaram o patamar histórico que o movimento havia perdido
com as versões simplificadoras, coladas, muitas vezes, a esquemas teóricos globais
que acabaram por se distanciar dos atores e movimentos que pretendiam analisar.62
Retomando as fontes, reconstruindo a trajetória de grupos e avaliando conjunturas
com o diálogo com os autores analisados e, sobretudo, desconfiando das
interpretações e entendendo a precariedade das versões seria possível desenvolver
uma compreensão do significado histórico do movimento renovador, sem cair na
tentação de atribuir sentidos anacrônicos ou a formulação de julgamentos político-
ideológicos a respeito do significado histórico do escolanovismo.63
A partir da década de 1990 os historiadores da educação procuraram seguir
alguns critérios dentre os quais, o que Brandão (1999), sinalizou como
determinantes: diferentemente do processo inicial, em que se procurava destacar
das fontes o que se ajustava à interpretação do que pretendia afirmar, interessava
agora incorporar as incertezas, desconfiar das interpretações, entender a
precariedade de uma versão, destacar o movimento, as representações e as 60 BRANDÃO, Zaia. A intelligentsia educacional: um percurso com Paschoal Lemme por entre as memórias e as histórias da Escola Nova no Brasil. Bragança Paulista: IFAN-CDAPH. Editora da Universidade São Francisco/EDUSF, 1999. p. 29. 61 BRANDÃO, Zaia. A intelligentsia educacional: um percurso com Paschoal Lemme por entre as memórias e as histórias da Escola Nova no Brasil. Bragança Paulista: IFAN-CDAPH. Editora da Universidade São Francisco/EDUSF, 1999. p. 46. 62 Idem, p. 54. 63 Idem, p. 55.
ambigüidades encontradas durante o trabalho e aprender a desenvolver um olhar
mais empático às motivações do trabalho dos Pioneiros (...) de forma a conseguir
uma proximidade maior do ângulo por meio do qual aqueles educadores avaliaram
as relações entre a escola e a sociedade.64
Somente a partir da década de 1970, de acordo com Gouvêa (2001), é que
o semi-silêncio65 que pairava sobre a produção da poeta começou a ser quebrado
pela academia com a dissertação de Laurito (1975), que estudou o Romanceiro da
Inconfidência. Um segundo estudo foi apresentado, no final da década de 1980: a
dissertação de Oliveira (1988), no qual a pesquisadora realizou um mapeamento de
mais de dois mil títulos entre estudos, artigos e reportagens sobre a produção
ceciliana.66 Quanto à sua obra educacional, só recentemente começou a ser tomada
como fonte e objeto de investigação entre os historiadores da educação. Podemos
indicar o trabalho de Lôbo (1996), que procurou reconstituir a trajetória de Cecília a
partir da sua tese O Espírito Victorioso; a coletânea Cecília Meireles: a poética da
educação organizado por Neves, Lôbo e Mignot (2001) e lançado por ocasião do
centenário de seu nascimento; e ainda Lamego (1996), Corrêa (2001), Magaldi
(2001), Pimenta (2001), Strang (2003), Silva (2004), Carvalho (2006) e Ferreira
(2007), trabalhos nos quais o foco principal está centrado no trabalho de Cecília
Meireles como educadora.67
64 BRANDÃO, Zaia. A intelligentsia educacional: um percurso com Paschoal Lemme por entre as memórias e as histórias da Escola Nova no Brasil. Bragança Paulista: IFAN-CDAPH. Editora da Universidade São Francisco/EDUSF, 1999. p. 55. 65 GOUVÊA, Leila V. B. Cecília em Portugal: ensaio biográfico sobre a presença de Cecília Meireles na terra de Camões, Antero e Pessoa. São Paulo: Iluminuras, 2001. p. 44. 66 Segundo Gouvêa (2001), o adjetivo foi inaugurado pelo escritor e historiador lusitano Jaime Cortesão quando morou no Rio, nos anos 40, conforme testemunhou Manuel Bandeira. Idem, p. 80-81. 67 O livro Cecília Meireles: a poética da educação reúne textos de vários autores que abordam a relação da poeta com a educação em diferentes perspectivas, segundo as autoras, e são resultados de teses de doutoramento, dissertações de mestrado, como também de um projeto de Iniciação Científica. Compõe-se basicamente, de três partes: “Poesia” e “Educação”, “As artes do ofício” e “Leituras do mundo”. O primeiro conjunto contém trabalhos em que os autores - Leandro Konder, Margarida de Souza Neves e Elizabeth Macedo - destacam a noção de “poética da educação” presente na obra de Cecília Meireles. Com textos de Yolanda Lima Lobo, Diana Gonçalves Vidal, Jussara Pimenta, Luciana Borgerth Vial Corrêa, Ana Maria Bandeira de Mello Magaldi e Ana Crystina Venancio Mignot, a segunda seção explora as múltiplas facetas que o “ofício de ensinar” assume para Cecília no ensino escolar propriamente dito; na sua ação na “Biblioteca do Mourisco”, voltada para a formação de leitores infantis; na promoção de um debate público sobre a educação através dos jornais; na interlocução com outros pioneiros através de um estudo de caso sobre a correspondência com Fernando de Azevedo em torno do projeto escolanovista; no seu pensamento sobre a relação entre a escola e a família; na ciência e na arte de pensar a criança; e na sua atividade de diretora da Página de Educação. A terceira seção do livro recolhe contribuições de autores que têm como objetivo aprofundar as leituras de mundo que a poeta mostra em suas produções infantis, a sua produção sobre folclore e a sua atuação no rádio. A análise de sua obra destinada ao universo infantil, conta com artigos de Regina Zilberman, Ana Maria Lisboa de Mello, Maria Teresa Santos Cunha, Maria Helena Câmara Bastos; sobre o folclore, destaca-se o estudo de Joana Cavalcanti de Abreu e Luiz Carlos Saroldi analisa a atuação da poeta em programas radialísticos. O trabalho apresenta
Com alguns critérios definidos, seguimos interrogando a dimensão
educacional de Cecília Meireles, que obteve visibilidade a partir dos estudos de
Lamego (1996) e Lôbo (1996). No seu estudo Lamego (1996) revelou a participação
atuante de Cecília como jornalista engajada e comprometida na causa da educação
e com as questões da sua época, ainda que sua análise tenha ficado bastante
amparada na ótica de jornalista da autora do estudo. Mesmo assim, este foi o
primeiro trabalho a divulgar a atuação de Cecília Meireles como educadora nos anos
de 1930 e as crônicas de educação que publicou na “Página de Educação”,
praticamente desconhecidos até então.68 O estudo de Lôbo (1996) reconstituiu a
trajetória de Cecília Meireles a partir da sua tese O Espírito Victorioso69 considerado
como o eixo principal de análise. Nesse trabalho, a autora destacou a inserção de
Cecília nos campos educacional, jornalístico e literário, mas a ênfase recaiu mesmo
sobre o ângulo da educação. Para compreender uma vida como a de Cecília, como
afirma Lôbo (1996), faz-se necessário levar em conta a estrutura da rede de sua
trajetória e da matriz de relações objetivas às diferentes estações do seu trajeto.70
Para avaliar como, quando, porque, onde e por quem Cecília Meireles foi
estudada, foi realizado um mapeamento das teses e dissertações no Banco de
Teses da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior),
em anexo.71 Nesse levantamento foi constatada a presença de 77 estudos, sendo 18
teses de doutorado e 59 dissertações de mestrado. Desse total, foram defendidas
em programas de pós-graduação em Educação apenas uma tese de doutorado e 6
dissertações de mestrado, sendo que as demais teses e dissertações foram
defendidas em programas de pós-graduação em Letras (Estudos Literários, Língua
Portuguesa, Literatura Brasileira, Literatura Comparada, Lingüística, Filologia, etc.),
num total de 68 trabalhos, sendo 17 teses e 51 dissertações. Encontramos ainda
uma dissertação defendida em programa de Psicologia Clínica e uma dissertação
defendida em programa de Comunicação. Predominam os estudos defendidos em
desenhos, fotos e manuscritos de Cecília Meireles. NEVES, Margarida de Souza, LOBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. A poesia e os impossíveis desejados. In: NEVES, Margarida de Souza, LOBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. (orgs.). Cecília Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, 2001. p. 11. 68 LAMEGO, Valéria. A farpa na lira: Cecília Meireles na Revolução de 30. Rio de Janeiro: Record, 1996. 69 LÔBO, Yolanda L. Memória e Educação: O Espírito Victorioso de Cecília Meireles. RBEP, Brasília, v.77, n. 187, set./dez., 1996. p. 525-545. 70 Idem, ibidem. 71 Disponível em: <http://www.capes.gov.br/capes/portal/conteudo/10/Banco_Teses.htm>
universidades paulistas, sendo que a Universidade de São Paulo – USP – possui o
maior número de trabalhos: 8 teses e 7 dissertações defendidas.
Os sete trabalhos defendidos em Programas de Educação estão
distribuídos da seguinte forma: uma tese defendida na USP, em 2004; 2
dissertações defendidas no Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-
Rio, em 2001; uma dissertação defendida na Universidade Federal do Paraná, em
2000; uma dissertação defendida na Universidade Estadual Paulista de Marília, em
2000; e uma dissertação defendida na Universidade Federal de Juiz de Fora, em
2007. Nas pesquisas defendidas em Programas de Pós-Graduação em Educação,
os autores priorizaram o percurso educacional de Cecília Meireles, como, por
exemplo, Corrêa (2001), Pimenta (2001), Strang (2003), Silva (2004) e Ferreira
(2007) que interrogam prioritariamente os seus livros para crianças e as suas
crônicas de educação publicadas na “Página de Educação” do Diário de Notícias,
entre 1930 e 1933. Salientamos que a dissertação de Marquezi (2000), apesar de ter
sido defendida em um Programa de Educação, aborda o livro Ou isto ou aquilo
(1964) de Cecília Meireles, por meio da análise dos poemas: “O mosquito escreve”,
“Rômulo rema” e “Ou isto ou aquilo”, discutindo se o livro Ou isto ou aquilo consegue
reunir elementos que conciliam o estético, o lúdico e o formativo dentro da poesia.72
O estudo de Corrêa (2001) teve como objetivo situar Cecília Meireles no
contexto da geração dos intelectuais que participaram na estruturação do sistema
educacional brasileiro, destacando a educadora como produtora de livros infantis,
aos quais atribui função formativa essencial para o processo educativo na medida
em que permite colocar a criança em contato com a realidade social que a cerca.73
No mesmo ano e no mesmo programa de pós-graduação foi defendida a minha
dissertação que trata do trabalho de divulgação da leitura e do livro infantil e da
criação da primeira biblioteca pública infantil brasileira por Cecília Meireles, em
1934, articulando-os à gestão de Anísio Teixeira na Diretoria Geral de Instrução
Pública do Distrito Federal.74 Em sua investigação, Strang (2003) realizou um estudo
histórico das idéias e do envolvimento político-educacional de Cecília Meireles, seus 72 MARQUEZI, Rosangela Aparecida. Um estudo sobre poemas de “Ou isto ou aquilo” de Cecília Meireles. 01/12/2000. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho/Marília. Departamento de Educação. 73 CORRÊA, Luciana Borgerth Vial. Infância, escola e literatura infantil em Cecília Meireles. 2001. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Educação. 74 PIMENTA, Jussara S. Fora do outono certo nem as aspirações amadurecem. Cecília Meireles e a criação da biblioteca infantil do Pavilhão Mourisco (1934-1937). Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação/PUC-RJ, 2001.
caminhos, seu pensamento e sua ação, sua inserção no grupo dos educadores
escolanovistas, bem como as suas iniciativas no âmbito da formação, organização e
disseminação da cultura no Brasil dos anos 1930. Vale destacar que tanto Corrêa
(2001) como Strang (2003) utilizaram como fonte documental as crônicas de
educação publicadas no jornal carioca Diário de Notícias.75 Já o objeto de análise da
tese de Silva (2004) é o imaginário poético-pedagógico da obra e da vida de Cecília
Meireles. A autora examinou tanto os escritos literários quanto os textos de caráter
pessoal selecionados para análise na obra da autora pesquisada, tais como cartas e
entrevistas concedidas a jornais e revistas, tendo como objetivo revelar o fator
educativo do imaginário na obra em questão.76
Os dois últimos trabalhos – Carvalho (2006) e Ferreira (2007) – foram
defendidos em Programas de Pós-Graduação em Educação. Em seu trabalho
intitulado, A ludicidade em Cecília Meireles como sensibilização para a Leitura na
Educação Fundamental, Carvalho (2006), analisou como o caráter lúdico da poesia
de Cecília Meireles pode contribuir na sensibilização para o prazer da leitura, na
educação fundamental, recorrendo às concepções de lúdico, poesia, poema e
leitura, com o enfoque para o prazer do ato de ler, bem como à contribuição da
poeta para a literatura.77 Já Ferreira (2007) procurou analisar as contribuições da
educadora Cecília Meireles no que se refere às discussões sobre a educação
considerando a criança em sua diversidade.78
Dentre estes trabalhos destacamos aqueles que trouxeram aspectos
interessantes para o presente estudo. Salientamos, por exemplo, o trabalho de
Ducati (2002),79 que se debruçou sobre as crônicas de viagem publicadas nos anos
1950, a partir da viagem de Cecília à Índia e que revelam o passado histórico, os
aspectos culturais e as diferentes manifestações da religiosidade daquele país,
75 STRANG, Bernadete de Lourdes Streisky. Sob o signo da reconstrução - os ideais da escola nova divulgados pelas crônicas de educação de Cecília Meireles. 2003. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Paraná, Departamento de Educação. 76 SILVA, Luzia Batista de Oliveira. O imaginário poético-pedagógico de Cecília Meireles. 2004. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, Departamento de Educação. 77 CARVALHO, Walkiria Pinto de. A ludicidade em Cecília Meireles como sensibilização para a Leitura na Educação Fundamental. Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação, Universidade Federal da Paraíba, 2006. 78 FERREIRA, Rosângela Veiga Júlio. No veio da esperança a essência etérea da criança diversa na escola: o jogo inquieto do discurso jornalístico de Cecília Meireles. Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação, Universidade de Juiz de Fora, 2007. 79 DUCATI, Cássia. Viagem à Índia: crônicas de Cecília Meireles. 2002. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Paraná, Departamento de Educação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Departamento de Letras.
crônicas que se constituem como fragmentos do cotidiano da viajante; e ainda o
trabalho de Paiva (2006), que trata das cartas trocadas entre a poeta Henriqueta
Lisboa80 e os poetas Carlos Drummond de Andrade,81 Mário de Andrade82 e Cecília
Meireles. Nele, a autora discute a pertinência dos arquivos da autora como fonte de
pesquisa para os estudos literários e ainda as questões concernentes ao estudo das
cartas, tais como o estatuto da carta no arquivo, suas configurações e a polêmica
relação entre público e privado em seu uso. Nesse trabalho,83 a autora discute a
questão da mulher, a partir das cartas de Cecília Meireles para Henriqueta Lisboa.
Outros trabalhos são dignos de nota. No seu estudo Fernandes Júnior
(2004) analisou a importância educativa da poesia e apresentou reflexões sobre o
ato de ler e revelou como os poemas de Cecília Meireles são utilizados nos livros
didáticos em busca de temas ou para servirem de exemplos para itens gramaticais,
estabelecendo uma reflexão sobre a real necessidade de dar vida ao poema na sala
de aula.84 A dissertação de Souza (1999), defendida no Programa de Pós-
Graduação em Letras da PUC-Rio, contribuiu para as discussões em torno da
trajetória de Cecília Meireles a partir da realização de um esboço biográfico e da
tentativa de trazer à tona alguns aspectos autobiográficos de Cecília Meireles, dando
a palavra a poeta, por meio de seus escritos. Em meio à narrativa circunstancial, a
pesquisadora utilizou elementos teóricos e fontes como depoimentos, cartas,
críticas, reportagens, notícias e entrevistas, pesquisadas em jornais e revistas. Esse 80 A poeta Henriqueta Lisboa (1904-1985) foi a primeira mulher eleita membro da Academia Mineira de Letras. Publicou vários ensaios e poesias, entre os quais o seu primeiro livro, Fogo fátuo. Também escreveu para as crianças, dedicando três obras: O menino poeta (1943), Lírica (1958) e a reedição de O menino poeta, em 1975. Recebeu diversos prêmios, entre eles o Prêmio Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras. Também foi inspetora de alunos, professora de literatura e tradutora. 81 Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) nasceu em Itabira, Minas Gerais. Começou a carreira de escritor como colaborador do Diário de Minas e fundou com outros escritores A Revista, que, apesar da vida breve, foi importante veículo de afirmação do modernismo em Minas. Durante a maior parte da vida foi funcionário público. Além de poesia, produziu livros infantis, contos e crônicas. 82 O poeta, romancista, crítico de arte, folclorista, musicólogo e ensaísta brasileiro Mário Raul de Morais Andrade (1893-1945) estudou e iniciou a sua carreira musical e literária na cidade de São Paulo. A sua segunda obra, Paulicéia desvairada, colocou-o entre os pioneiros do movimento modernista no Brasil, culminando, em 1922, como uma das figuras mais proeminentes da histórica Semana de Arte Moderna. Alguns dos seus livros mais conhecidos são: Losango cáqui, Clã do jabuti, Lira paulistana, Macunaíma o herói sem nenhum caráter e Ensaio sobre a Música Brasileira. Exerceu, em 1938, o cargo de diretor do Instituto de Artes na antiga Universidade do Distrito Federal e foi o fundador e primeiro diretor do Departamento de Cultura de São Paulo da Prefeitura Municipal de São Paulo, onde implantou a Sociedade de Etnologia e Folclore, o Coral Paulistano, a Discoteca Pública Municipal e os Parques Infantis. Foi amigo e correspondente de Cecília Meireles. Sobre essa amizade consultar: MEIRELES, Cecília. Cecília e Mário. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. 83 PAIVA, Kelen Benfenatti. Histórias de Vida e Amizade: as cartas de Mário, Drummond e Cecília para Henriqueta Lisboa. Dissertação de Mestrado. Departamento de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, 2006. 84 FERNANDES JUNIOR, Elidio. A poesia de Cecília Meireles no contexto do livro didático. 2004. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal do Rio de Janeiro. Departamento de Letras.
trabalho ofereceu possibilidades de conhecer a poeta, a professora, a jornalista, a
cronista e a dramaturga, as várias atividades que mobilizaram Cecília Meireles e que
são, segundo a autora, atalhos de seu caminho principal.85
Defendido em um Programa de Pós-Graduação em História, o trabalho de
Magaldi (2001) deteve-se na análise da contribuição da educadora Cecília Meireles
ao lado de intelectuais-educadores como Júlia Lopes de Almeida,86 Armanda Álvaro
Alberto, Pe. Leonel Franca87 e Júlio Porto-Carrero88 na produção de discursos –
articulados às práticas correspondentes – produzidos por educadores que, individual
ou coletivamente, refletiram sobre a instituição familiar e sobre o seu papel
educativo, encaminhando projetos pedagógicos na direção das famílias de seu
tempo.89 Ao examinar a produção acadêmica mais recente sobre Cecília Meireles,
pude constatar que os pesquisadores que elegeram o seu perfil de educadora para
investigação, se debruçaram preferencialmente sobre a sua produção pedagógica,
sobretudo os livros Criança meu Amor, Rute e Alberto e O Espírito Victorioso.90
Outro trabalho digno de nota e já referido anteriormente, apresenta um
levantamento detalhado das edições e colaborações de Cecília na imprensa
portuguesa e os trabalhos que a escritora publicou sobre Portugal ou sobre a cultura
portuguesa no Brasil. Além disso, inventaria toda a produção lusitana que analisa a
obra ceciliana e a correspondência de Cecília com os amigos portugueses. De
acordo com Mota (2002) o seu trabalho, não tem como objetivo realizar um 85 SOUZA, Ida Vicenzia Dias de. Cecília Meireles - de liberdade e outros assuntos. 1999. 169 f. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Letras. 86 Júlia Valentina da Silveira Lopes de Almeida (1862-1934) estreou sua carreira de escritora, 1881, escrevendo na Gazeta de Campinas. Em 1887 casou-se com um jovem escritor português, Filinto de Almeida, à época diretor da revista A Semana. Sua produção literária foi vasta, mais de 40 volumes abrangendo romances, contos, literatura infantil, teatro, jornalismo, crônicas e obras didáticas. Manteve uma coluna no jornal O País, durante mais de 30 anos, onde discutiu variados assuntos e fez diversas campanhas em defesa da mulher. 87 Leonel Edgard da Silveira Franca (1893-1948) intelectual católico, entrou na Companhia de Jesus em 1908, onde completou sua formação. Foi um dos fundadores da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, da qual foi o primeiro Reitor. 88 Escritor e médico da Marinha, Júlio Pires Porto Carrero (1887-1937) foi o maior entusiasta e o mais renomado divulgador da psicanálise nas décadas de 1920 e 1930 no Brasil. Foi catedrático de Medicina Legal no Curso de Direito da Universidade do Brasil, membro da Academia Nacional de Medicina e da Liga Brasileira de Higiene Mental. Sua obra principal: “A psicologia profunda ou psicanálise”. 89 A elaboração do quadro de dissertações e teses sobre Cecília Meireles partiu da pesquisa realizada no Banco de Teses da CAPES. O critério estabelecido foi incluir nele aqueles trabalhos cujo tema central fosse o estudo de Cecília Meireles ou de sua obra. Dessa forma, o trabalho de Magaldi (2001) embora trate de Cecília Meireles não foi incluído no quadro por não obedecer a esse critério. MAGALDI, Ana Maria Bandeira de Mello. Lições de casa: discursos pedagógicos destinados à família no Brasil. 2001. Tese (Doutorado) – Universidade Federal Fluminense, Programa de Pós-Graduação em História. 90 MEIRELES, Cecília. Criança, meu amor. Rio de Janeiro: Typographia do Annuario do Brasil, 1924; MEIRELES, Cecília. Rute e Alberto resolveram ser turistas. Porto Alegre, Livraria do Globo, 1938; MEIRELES, Cecília. O Espírito Victorioso. Tese apresentada ao concurso da cadeira de Literatura da Escola Normal do Distrito Federal. Rio de Janeiro: Typographia do Annuario do Brasil, s.d., 1929.
exaustivo levantamento biográfico, mas apresentar algumas particularidades da vida
acadêmica, profissional e social de Cecília que determinaram ou iluminaram as suas
relações com a pátria dos seus antepassados.91
Esse mapeamento da produção acadêmica sobre Cecília Meireles indicou
ensaios, relatórios de pesquisa, livros, artigos e coletâneas e todas as teses e
dissertações e suas respectivas áreas de conhecimento, programas e períodos em
que foram defendidas. O levantamento e análise da produção acadêmica direta ou
indiretamente ligada ao objeto de pesquisa e que tratavam de temas que
tangenciam o objeto de pesquisa: as redes de sociabilidade, escola nova,
intelectuais, trajetória, memória e viagem, foi suficiente para compor um quadro de
referências suficientemente amplo para fundamentar as análises e argumentações
que se fizeram necessárias. Procurou-se conjugar o levantamento documental com
a perspectiva teórica, buscando trazer elementos para a compreensão do processo
de formação da educadora Cecília Meireles; dos espaços sociais que foram
representativos em sua trajetória e para o estabelecimento de sua rede de
sociabilidade; e de como esses espaços determinaram os rumos das viagens que
empreendeu, e, particularmente, da viagem a Portugal, em 1934.
Identificar, selecionar e analisar as diferentes fontes: livros, conferências,
revistas de ensino, cartas, relatórios, estatísticas, inquéritos, autobiografias,
memórias, literatura e periódicos que potencialmente auxiliassem na tentativa de
responder às perguntas formuladas a princípio e as que foram surgindo no decorrer
do trabalho foi a ação empreendida após consulta e reflexão. Partimos do princípio
que as fontes são construções humanas. Como afirmado por Saviani (2006) as
fontes não são a história e não é delas que brota e flui a história, elas estão na
origem, constituem o ponto de partida, a base, o ponto de apoio da construção
historiográfica que é a reconstrução, no plano do conhecimento, do objeto histórico
estudado. Segundo o autor, livros, objetos, documentos e peças guardadas em
bibliotecas e museus, só adquirem o status de fonte diante do historiador que, ao
formular o seu problema de pesquisa delimitará aqueles elementos a partir dos quais
serão buscadas as respostas às questões levantadas.92 Essas considerações são
91 MOTA, Luisa Maria Gonçalves da. O canto repartido: Cecília Meireles e Portugal. Tese de Mestrado Estudos Portugueses e Brasileiros. Universidade do Porto, 2002. p. 7. 92 SAVIANI, Dermeval, LOMBARDI, José Claudinei, SANFELICE, José Luís (orgs.). História e história da educação. Campinas: Autores Associados: HISTEDBR, 2000. p. 28-35.
oportunas ao pesquisador, pois o encontro com essas fontes não significa que se
está mais próximo de uma realidade concreta:
(...) dessa realidade que anseia por atingir e que lhe escapa permanentemente, do que no momento em que tem diante de si, examinando-os atentamente, esses restos de escrita que emanam do fundo das eras, como destroços de um completo naufrágio, objetos cobertos de signos que podemos tocar, cheirar, observar na lupa, e aos quais ele dá o nome de “fontes”, em seu jargão.93
Em seguida, foi necessário ordenar essas fontes e iniciar uma primeira
leitura, em busca de um encadeamento de idéias, indícios e inter-relações, visando
abranger a multiplicidade de aspectos relativos ao problema. Os indícios podem
representar armadilhas ao pesquisador e mesmo colaborar para a desconstrução de
suas poucas certezas. Impossível querer “purificar” as fontes ou esperar que elas
“falem” o que precisamos e queremos “ouvir”, como recomenda Duby (1993). As
fontes muitas vezes não passam de pistas, nem sempre rigorosas e seguras:
E aliás, mal havia eu empreendido o trabalho e já avaliava a distância existente entre a verdade perseguida pelo historiador, sempre esquiva, e aquilo que lhe oferecem as testemunhas que ele consegue interrogar. Dei-me conta de que entre esta verdade e mim se interpunha uma tela, formada pelas próprias fontes as quais extraía minha informação, por mais límpidas e atentamente filtradas que fossem.94
O historiador também não é exatamente um fotógrafo do passado, como
afirma Nóvoa (2001), mas alguém capaz de construir e/ou produzir sentidos sobre
esse passado, que constantemente confronta as diferentes narrativas, quantas
vezes opostas e contraditórias, que procuram explicar os mesmos fatos. A sua
busca intelectual tem lugar numa ‘arena de conflitos’, ocupada por ideologias e
identidades várias.95
Foram selecionadas como fontes documentais primárias textos de Cecília
Meireles: cartas, entrevistas, conferências, crônicas de educação e de viagem.96
93 DUBY, G. A história continua. Rio de Janeiro: Zahar/Ed. UFRJ, 1993. p. 28. 94 Idem, p. 34. 95 NÓVOA, António. Tempos da Escola no Espaço Portugal-Brasil-Moçambique: Dez Digressões Sobre um Programa de Investigação. Currículo sem Fronteiras, v.1, n. 2, Jul/Dez 2001. p. 173. 96 Algumas dessas fontes já se encontram publicadas, como as crônicas de educação e de viagem, pela Editora Nova Fronteira. Apesar de não estarem publicadas em sua totalidade, as crônicas de educação publicadas no
Uma das principais fontes utilizadas na elaboração desse trabalho foram os artigos
jornalísticos colecionados por Cecília Meireles em um álbum intitulado “Diário de
Bordo” e gentilmente cedidos pela família da poeta. O álbum reúne as crônicas
escritas por ocasião da primeira viagem a Portugal e publicadas no jornal A Nação,
do Rio de Janeiro, entre outubro e dezembro 1934 e até o momento não tinham sido
objeto de análise dos pesquisadores.97 Nele também puderam ser encontradas
dezenas de recortes de jornais portugueses como Diário de Lisboa, Diário de
Notícias, Diário da Manhã, Diário de Coimbra e de revistas como Sempre Fixe,
Portugal Feminino; de jornais e revistas brasileiros como A Tarde, Jornal do
Commércio, A Vanguarda, Diário de Notícias, Diário Português e Festa,
respectivamente. Essa documentação revelou a cobertura que a imprensa
portuguesa e brasileira concedeu às atividades desenvolvidas por Cecília durante a
sua permanência em Portugal.
Diário de Notícias, do Rio de Janeiro, estão reunidas num total de quatro volumes, sendo que no quinto volume da coleção podem ser encontradas as crônicas da coluna “Professores e Estudantes”, do jornal A Manhã, entre os anos de 1941 e 1943. O restante dessas crônicas pode ser consultado na Biblioteca Nacional na Seção de Periódicos, onde estão micro-filmadas. Quanto às crônicas de viagem, escritas durante as viagens realizadas a partir de 1951, foram publicadas em três volumes, também pela Editora Nova Fronteira. Algumas das muitas conferências de Cecília Meireles foram publicadas na “Página de Educação” do Diário de Notícias e estão micro-filmadas na Biblioteca Nacional na Seção de Periódicos e algumas podem ser encontradas no Arquivo Darcy Damasceno, na Seção de Manuscritos, da mesma biblioteca e na Coleção Plínio Doyle da Casa de Rui Barbosa. Uma de suas conferências – Conferências sobre Cultura Hispano-Americana – foi publicada. São alguns apontamentos de aulas ministradas durante o curso na Universidade do Distrito Federal. Outra conferência – “O compromisso de educar” foi publicada no Boletim de Educação Pública do Distrito Federal, em 1932. Consultar: BANDEIRA, Manuel, MEIRELES, Cecilia. 3 conferencias sobre cultura hispano-americana. Rio de Janeiro: MEC, 1959; MEIRELES, Cecília. O compromisso de educar. Rio de Janeiro, Boletim de Educação Pública, ano II, n. 1 e 2, janeiro/junho de 1932. p. 66-74. 97 Foram feitas inúmeras tentativas para localizar as crônicas do “Diário de Bordo” do jornal A Nação. Apesar de ter investido em várias pesquisas em bibliotecas e arquivos do Rio de Janeiro, acervos digitais de bibliotecas de Porto Alegre, Belo Horizonte, São Paulo, Campinas, Washington (Biblioteca do Congresso), Cambridge (Biblioteca de Harvard) e de bibliotecas portuguesas. Outras tentativas sem sucesso foram feitas na Biblioteca Carmem Jordão, da Associação Brasileira de Educação (ABE); no Arquivo Público da Cidade do Rio de Janeiro; no Arquivo Nacional; e na Biblioteca da Associação Brasileira de Imprensa, todas no Rio de Janeiro. Outra tentativa para encontrar alguma indicação sobre o jornal A Nação e das crônicas de viagem de Cecília Meireles foi tentar localizá-las em acervos de intelectuais como Andrade Muricy e Tasso da Silveira, que fazem parte do acervo da Casa de Rui Barbosa; nos acervos de Getúlio Vargas, Lourenço Filho e Anísio Teixeira, do CPDOC-FGV; no acervo do educador Fernando de Azevedo, no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP; no acervo de Mário de Andrade, da Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo; no acervo de Manuel Bandeira, da Biblioteca da Associação Brasileira de Letras. Também foram consultados os pesquisadores e estudiosos de Cecília Meireles e de sua obra para sondar se algum deles sabia da existência dessas crônicas em alguma instituição, mas não se encontrou nenhum registro das crônicas publicadas no jornal A Nação. A Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro possui o periódico em seu acervo mas está retirado da consulta do público por não se encontrarem em estado de serem manuseados. Assim, o acesso a esse material foi permitido graças à gentileza dos familiares de Cecília Meireles que proporcionaram a análise e a cópia do álbum de recortes “Diário de Bordo”, imprescindível para o desenvolvimento desse estudo. Mais tarde, quando já tinha esgotado todas as possibilidades de ter acesso à publicação e depois de ter em mãos o álbum “Diário de Bordo”, recebi da pesquisadora Vivian Anghinoni a indicação da existência do jornal A Nação em bibliotecas do Rio Grande do Sul: na Biblioteca Pública de Rio Grande, no Arquivo Histórico de Bagé e no Museu Hipólito José da Costa, em Porto Alegre (coleção indisponível para a pesquisa).
Além disso, algumas revistas do século XX em Portugal, constituíram-se em
importante subsídio para entender o mundo literário português bem como fornecer
alguns indícios da presença de Cecília Meireles naquele país: A Águia, A Rajada,
Portugal Feminino, Atlântida, Presença, Colóquio/Artes, Atlântico, Orpheu, Ocidente,
Seara Nova, Portvgale, entre tantas outras. Foram ainda pesquisadas algumas
revistas pedagógicas com o objetivo de entender as questões relativas à educação
que permeavam as discussões dos principais educadores do início do século XX em
Portugal, como, por exemplo, as revistas A Escola Nova, Revista de Educação Geral
e Técnica, etc.98
Os demais artigos jornalísticos utilizados nesse trabalho foram recolhidos
em instituições onde a pesquisa transcorreu: no Arquivo Darci Damasceno da Seção
de Manuscritos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro; na Biblioteca Nacional de
Portugal; na Biblioteca Municipal da Casa de Cultura de Coimbra; na Biblioteca do
Museu João de Deus Bibliográfico, Pedagógico e Artístico; na Hemeroteca Municipal
de Lisboa; na Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; na
Biblioteca da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de
Lisboa; na Torre do Tombo; e na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra.
Outras informações foram recolhidas em livros, publicações seriadas e material
audiovisual em instituições como: Museu Acadêmico da Universidade de Coimbra,
Casa Fernando Pessoa, Cinemateca Nacional, Fundação Arpad Szénes - Vieira da
Silva, em alfarrabistas e feira de livros das cidades de Lisboa, Porto e Coimbra.
Foi necessário realizar um levantamento da epistolografia da poeta a fim de
identificar quem eram os destinatários e remetentes, o número, as datas em que
foram escritas, bem como a localização das mesmas, pesquisa que pode ser
encontrada em anexo a este trabalho. Assim, pude constatar que há cartas que já
estão disponibilizadas em publicações, como citado anteriormente, e também
aquelas que são completamente desconhecidas dos pesquisadores, por se
encontrarem em arquivos pessoais e não disponibilizadas para consulta. É
importante ressaltar que foram prioritariamente utilizadas as cartas escritas à época
da primeira viagem. Entre os destinatários e remetentes, foram selecionados
aqueles que se responsabilizaram por determinados aspectos formais da viagem,
98 Salientamos que as revistas literárias também ofereceram importante suporte para o entendimento das questões pedagógicas discutidas pelos educadores portugueses, uma vez que estes intelectuais utilizavam as revistas literárias para a publicação de seus estudos e pesquisas.
como Afonso Duarte, José Osório de Oliveira e Fernanda de Castro. Cabe assinalar,
ainda, que foram utilizadas como fonte documental as cartas de outros períodos e
de outros interlocutores, sempre que se fez necessário, a fim de esclarecer
determinados aspectos da trajetória de Cecília Meireles.
Para compor a pesquisa outras fontes documentais foram consideradas: as
obras de autores do pensamento pedagógico brasileiro e que podem ser
encontrados em bibliotecas e arquivos brasileiros e também disponíveis em diversas
publicações. Foram selecionados os trabalhos de pesquisadores que tratam da
escrita epistolar como Cunha (2002), Santos (2005), Gomes (2004) e Mignot (2002),
que contribuem para o entendimento do significado da epistolografia como fonte de
compreensão do cotidiano. Outras temáticas privilegiadas na pesquisa foram: a
escrita autobiográfica e para tanto, ofereceram suporte teórico-metodológicos os
estudos de Mignot (2000) e Viñao (2000); sobre as questões relativas às viagens,
utilizamos as investigações de autores como Chamon (2005), Leite (1997), Souza
(1994), Santos (2002) e Pimentel (1998); para a compreensão do papel
desempenhado pelos intelectuais e suas redes de sociabilidade os estudos de
Sirinelli (1996), Pécaut (1990), e Bomeny (2003); sobre a Escola Nova utilizamos as
pesquisas de Brandão (1999), Carvalho (1998), Nunes (2000), Mignot (1997),
Accácio (2001), Magaldi (2001), Lopes (2003), Lobo (1996), Xavier (1993); para
compreender o luso-brasileirismo utilizamos Vieira (1991), Lessa (2002) e Berrini
(2003); para ajudar ampliar o entendimento do salazarismo contamos com os
trabalhos de Leal (1994) e Dacosta (2007); e para compreender os desdobramentos
do escolanovismo em Portugal contamos com os trabalhos de Fernandes (1971,
1972, 1979, 1981, 2000 e 2007), Nóvoa (2001), Candeias e Nóvoa (1995), Nóvoa e
Bandeira (2003) e Pintassilgo (2006). Todos estes e outros tantos trabalhos não
mencionados agora, mas listados na bibliografia, foram importantes contribuições
para o desenvolvimento dessa pesquisa.99 Muitas leituras me conduziram a outros
autores, outros enfoques, diferentes olhares que permitiram um aprofundamento das
minhas questões e um maior domínio do tema que eu me propunha a analisar.
Questões, hipóteses, caminhos percorridos, muitas vezes foram questionados,
reformulados e/ou abandonados.
99 Esses trabalhos estão devidamente referenciados ao final desse estudo.
Algumas inquietações, a pesquisa e leitura da produção acadêmica sobre o
tema e as fontes documentais promoveram uma maior aproximação ao objeto de
pesquisa e contribuíram para a construção das questões que deveriam nortear o
percurso teórico-metodológico desse estudo, além de possibilitarem traçar o esboço
do capítulo inicial da tese. Foi preciso entender o lugar e o papel que a educadora
desempenhou no panorama cultural brasileiro do período, analisar a sua rede de
sociabilidade e o seu engajamento ao movimento educacional a fim de buscar
elementos que fossem suficientes para entender quem era, o que pretendia e como
pensou o diálogo educacional com os intelectuais portugueses. Posso apontar como
primordiais nesse primeiro momento: o mapeamento da produção acadêmica sobre
Cecília Meireles, que permitiu acompanhar a trajetória da poeta durante as três
primeiras décadas do século XX; associado aos estudos (teses, dissertações,
relatórios, livros e artigos) que tangenciavam o objeto de pesquisa; o levantamento
dos seus interlocutores epistolares e a produção resultante dessa diálogo, assim
como o levantamento das fontes em arquivos e bibliotecas brasileiras.
O primeiro capítulo do trabalho tem como propósito destacar alguns
aspectos dessa primeira viagem da educadora Cecília Meireles a Portugal, em 1934,
privilegiando a narrativa de viagem da educadora,100 publicada no jornal carioca A
Nação. Outros documentos como cartas escritas para personalidades do campo da
cultura e da educação, poemas, conferências, entrevistas, crônicas, etc., foram
utilizadas de forma complementar, pois, como afirma Viñao, qualquer que seja o
objetivo que o historiador persiga,
(...) habrá que recurrir a otras fuentes complementarias con las que contrastar la información, y que, en este tipo de fuentes, es bastante habitual, sobre todo entre personas relevantes, el atribuirse o al menos relacionar con su persona cuanto de bueno ha tenido lugar en su entorno y el endosar a otros o no referirse a lo que pueda empanar el juicio que el lector haga de ella. 101
Deste modo, todos os demais documentos foram utilizados para ampliar a
compreensão sobre fatos e contexto histórico: particularidades da travessia,
circunstâncias que a levaram a viajar e onde buscou inspiração para o que produziu
100 Cecília Meireles produziu, ainda, um diário íntimo de viagem, que está aos cuidados da família e não se encontra disponível para consulta. 101 VIÑAO, Antonio. Las autobiografias, memorias y diarios como fuente histórico-educativa: tipología y usos. Teias: Revista da Faculdade de Educação da UERJ, 2000, n. 1, p. 82-97.
a respeito do tema; o valor educativo da viagem para a educadora; as razões que
fizeram com que elegesse a viagem como um outro e amplo espaço de formação
intelectual; os sentidos, as expectativas e as impressões de viagem, inscritas nessa
literatura diversa que produziu, entre outros. Entender o lugar e o papel que a
educadora desempenhou no panorama cultural brasileiro do período, analisar a sua
rede de sociabilidade e o seu engajamento ao movimento educacional e ter recursos
suficientes para entender quem era, o que pretendia e como pensou o diálogo
educacional com os intelectuais portugueses foram algumas questões abordadas
nesse capítulo. Apontamos como primordiais nesse primeiro momento o
levantamento das fontes em arquivos e bibliotecas brasileiras; o mapeamento da
produção acadêmica sobre Cecília Meireles, que permitiu acompanhar a trajetória da
poeta durante as três primeiras décadas do século XX, associado à análise da
produção acadêmica (teses, dissertações, relatórios, livros e artigos) direta ou
indiretamente ligada ao objeto de pesquisa e que tratam de temas que tangenciam o
objeto de pesquisa: as redes de sociabilidade, escola nova, intelectuais, trajetória,
memória, escrita epistolar e viagem, a fim de compor um quadro de referências
suficientemente amplo com o propósito de fundamentar as análises e
argumentações que se fizeram necessárias.
Tomando como suporte a rede epistolar construída pela poeta e educadora,
o segundo capítulo tem como objetivo entender como a sua primeira viagem a
Portugal foi programada, ou seja, as razões que motivaram e quem foram os
personagens que se responsabilizaram pela sua concretização. Essas questões não
poderiam ser respondidas sem que se procurasse compreender o papel
desempenhado pela rede epistolar construída pela educadora com os intelectuais
portugueses e como esta refletiu o que vinha sendo realizado em termos de
intercâmbio dos dois lados do Atlântico, no período em que a viagem de Cecília
Meireles e Correia Dias foi planejada. Assim, procurou-se analisar as relações que a
educadora estabeleceu com os intelectuais portugueses e de que forma estas lhe
permitiram e proporcionaram a viagem a Portugal. Quem eram esses intelectuais,
em que espaços sociais atuavam e estavam inseridos? Quais eram as suas
preocupações mais imediatas, onde e como contribuíram com as suas idéias? Do
que tratavam, de onde falavam? Foi preciso recorrer aos espaços onde estes
atuavam e onde estabeleceram a sua rede de sociabilidade, a fim de conhecer um
pouco das suas preocupações literárias e/ou pedagógicas e políticas. Os espaços
privilegiados onde foi possível buscar essas referências eram, nada mais nada
menos, que as revistas e as sociedades (literárias e/ou pedagógicas), onde esses
atores partilharam as suas aspirações, as suas atividades intelectuais com os seus
pares e com a sociedade do seu tempo. Essas inter-relações só puderam ser
vislumbradas e entendidas naquele espaço, onde foram debatidas, propostas,
analisadas e/ou discordadas as suas idéias, as sua convicções políticas, artísticas e
ideológicas. As revistas Atlântida e Portugal Feminino revelaram-se importantes
fontes acrescentando informações sobre o envolvimento dos interlocutores
portugueses de Cecília com o intercâmbio luso-brasileiro. Outros periódicos, entre os
quais destacamos A Águia, Rajada, Lusitânia, Portvgale, Seara Nova, A Escola
Nova e Revista de Educação Geral e Técnica além de possibilitarem entrever a
atuação daqueles intelectuais, propiciaram o entendimento de qual era ou deveria
ser o papel da cultura, da educação e dos educadores para a consecução daqueles
objetivos.
A chegada de Cecília Meireles a Portugal foi estudada no terceiro capítulo:
como foi recebida pelos amigos portugueses e como foram as conferências
educacionais e literárias que proferiu; as amizades que se firmaram a partir desse
primeiro contato, que contribuíram para o alargamento da sua rede de sociabilidade
e para o surgimento de projetos de publicação entre os dois países; o que foi
produzido a partir desse estranhamento/reconhecimento e da sua aproximação com
a cultura portuguesa; como essa experiência foi agregada à sua produção intelectual
e mais particularmente à sua escrita educacional, ou seja, o que a educadora
produziu a partir desse primeiro contato com os portugueses e o que foi produzido e
relatado pelos intelectuais portugueses e brasileiros; qual o interesse dos
educadores portugueses em solicitar relatos do que vinha sendo construído no
Distrito Federal e de que forma Cecília Meireles contribuiu para a efetivação desses
objetivos; como as conferências de Cecília em Portugal contribuíram para difundir
uma idéia do que vinha sendo construído em termos de educação no Brasil; e ainda
o que trouxe com ela e que contribuições ofereceu à educação e à cultura brasileira
e portuguesa, foram algumas das questões que nortearam esse último capítulo.
Capítulo 1
“Do passadiço do Cuyabá”: Cecília Meireles em viagem para Portugal
No mar, no mar, no mar, no mar, Eh! pôr no mar, ao vento, às vagas,
A minha vida! Salgar de espuma arremessada pelos ventos
Meu paladar das grandes viagens.
(Álvaro de Campos – “Ode Marítima”)
Ilustração 2. Cecília olha para as vagas e para o vento... Bico de pena de Fernando Correia Dias de 11 de outubro de 1934, publicado no jornal A Nação em 23 de Dezembro de 1934.
1.1. O “Diário de Bordo”: expectativas e impressões
Estou vendo lá em baixo os amigos. O vento espraia a barba de Harum-al-Raschid do escultor Pinto do Couto; mesmo do convés se distingue o sorriso de Mephistopheles do livreiro Lemos, amigo de todos os “imortais” da Academia e autor de grande numero dessas imortalidades (ah! Sr. Lemos, sr. Lemos!..; reluz a cabeça de Annibal Bomfim, como publicidade luminosa da Light; Nunes Pereira agita os braços convulsos como se ainda estivesse na selva amazônica, afastando espíritos e assombrações; Ivo Arruda, com aquela sua calma granítica ainda me parece estar dizendo: “Fique descansada, D. Cecília, tudo está resolvido”. Lá está o Gadêa, com o cabelo ao vento, com a capa ao vento, todo entregue ao vento, como os seus “Pássaros de papel”; lá está Jayme Cordeiro, garantindo que o Centro de Cultura Infantil será perfeitamente protegido pelo Departamento de Educação que ali representa; lá estão as colegas e as amigas, as amigas que choram, choram, choram como se eu fosse mesmo alguma coisa preciosa... Oh! a amizade! A orquestra de bordo já sabe que é hora de distrair as lágrimas; por isso começa a remexer músicas buliçosas. Começa o navio a afastar-se. Daqui a pouco tudo isto desaparecerá. Não se verão mais os guindastes nem as edificações do porto; as pessoas irão ficando cada vez menores, até serem apenas um ponto de cor. Se Nóbrega da Cunha chegasse um pouquinho mais tarde, já não o veríamos. Outros terão chegado e, terão estado na multidão, confundidos com ela, dizendo-nos adeus inutilmente, sem serem vistos. Por isso, quando agitamos este lenço até não vermos nada mais, não nos despedimos apenas daqueles que estiveram conosco, dando-nos essa emoção humana tão profunda e tão bela – e tão igual à morte – que é a separação visual daqueles que estimamos: – deste lenço batido pelo vento da proa saem também palavras, que não são ouvidas, para os que não vimos no cais: para os poetas que ficaram dormindo àquela hora, para os amigos que ficaram trabalhando; até para os mortos cujos olhos vigilantes talvez estejam dentro da terra cobiçando este dom errante das embarcações...
“Diário de Bordo”, 21/09/1934. 102
Esta crônica escrita por Cecília Meireles a bordo do Cuyabá revela
algumas de suas primeiras impressões de viagem para os leitores do jornal carioca
A Nação. É a primeira das vinte e duas crônicas publicadas na coluna “Crônicas
102 MEIRELES, Cecília. De viagem para Portugal. Diário de Bordo – Do passadiço do “Cuyabá”, em 21 de setembro de 1934. Rio de Janeiro, A Nação, 1934. p. 2. (escrito em 21 de setembro de 1934). Observação: optou-se por utilizar nas citações as datas em que as crônicas foram escritas e não nas datas em que foram publicadas no jornal “A Nação”. Entretanto, as datas em que as crônicas foram publicadas estão preservadas nas referências bibliográficas.
Semanais” do suplemento literário que circulava aos domingos e que foram escritas
durante a travessia de navio. O relato de viagem, que a educadora intitulou como
“Diário de Bordo”, foi publicado dentro de acordos firmados entre ela e a direção do
jornal antes da viagem se concretizar. As crônicas eram diárias e surgiam do
cotidiano do navio. Eram preparadas e enviadas ao jornal que as publicava com um
lapso de tempo superior à sua elaboração aos domingos no período entre 14 de
outubro a 30 de dezembro de 1934. Eram sempre ilustradas por Fernando Correia
Dias, artista português e primeiro marido de Cecília, que a acompanhava naquela
viagem a Portugal.103
Naquele momento parecia haver um grande interesse dos intelectuais e
educadores dos dois lados do Atlântico em permutarem impressões e experiências,
algo mais que a simples partilha da língua portuguesa. Em Cecília em Portugal,
Gouvêa (2001), ressaltou essa intensa necessidade de aproximação entre os povos
dos dois continentes, apontando a poeta e educadora brasileira entre aqueles
intelectuais que procuravam estabelecer tal intercâmbio.104 Em sua pesquisa, a
autora se ateve muito mais ao campo da literatura, assim, interessava-nos
compreender como esse intercâmbio se estabeleceu no campo da educação, bem
como saber quem foram os seus principais interlocutores. Qual o interesse dos
educadores portugueses em solicitar relatos do que vinha sendo construído no
Distrito Federal? De que forma contribuiu para a efetivação desses objetivos? Quais
foram os sentidos pessoais, familiares, afetivos e profissionais da viagem para a
educadora? Que objetivos procurava ao realizar essa viagem, o que pretendia
buscar, aprender, levar e/ou trocar com os seus interlocutores?
A palavra “diário” em um sentido mais amplo, significa segundo Houaiss
(2001), um tipo de escrito em que se registram os acontecimentos de cada dia.105 No
comércio o “diário” é um livro de uso obrigatório e nele são anotadas, dia a dia,
todas as operações ativas e passivas do comerciante, e em que se lança, nos
períodos próprios, o resultado do balanço.106 Na literatura é um tipo específico de
obra em que o autor relata cronologicamente fatos ou acontecimentos do dia-a-dia,
103 Encontra-se nos anexos deste trabalho uma tabela que informa sobre as datas em que as crônicas foram escritas por Cecília Meireles e publicadas pelo jornal A Nação. 104 GOUVÊA, Leila V. B. Cecília em Portugal: ensaio biográfico sobre a presença de Cecília Meireles na terra de Camões, Antero e Pessoa. São Paulo: Iluminuras, 2001. 105 Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Versão 1.0 – Dezembro de 2001. 106 Idem, ibidem.
consigna opiniões e impressões, registra confissões e/ou meditações.107 A palavra
“diário” remete, ainda, a um livro em que se registram, dia a dia, a rota de uma
embarcação, as distâncias percorridas, as ocorrências da viagem108 e esta, talvez
seja a significação mais popularizada do termo.
Na coluna intitulada como “Diário de Bordo” Cecília Meireles registrava
cronologicamente os fatos e acontecimentos do cotidiano do navio e também trazia
aos leitores as suas impressões, suas reflexões e expectativas de viagem. O seu
relato, portanto, enquadra-se em mais de uma das significações propostas por
Houaiss (2001) e também pode ser considerado autobiográfico, dentro dos
parâmetros definidos por Viñao (2000). Ainda que não se possam fixar os limites do
gênero autobiográfico, ficando a critério do investigador, de acordo com a função
que ele busque, do enfoque que adote e dos limites do seu trabalho, o “diário” pode
ser considerado, segundo esse autor, um tipo de escrita autobiográfica ou auto-
referencial. O diário é uma sucessão de textos mais ou menos extensos, escritos
enquanto uma ação se desenvolve, com certa freqüência e regularidade, possui
diversas modalidades, serve a propósitos variados e pode ser encontrado sob a
forma de diários íntimos, burocráticos, de campanha, de navegação, de viagem e
escolares.
No caso dos livros de viagem, Viñao (2000) atenta para o fato de que só em
sentido amplo podem ser considerados autobiográficos, uma vez que em muitos
deles o autor fala muito pouco ou quase nada de si mesmo e quando o faz, limita-se
a narrar o que viu o ou que aconteceu. Se os “diários” podem ser considerados um
tipo de escrita autobiográfica, também os “diários de viagem” podem ser integrados
a essa categoria:
Si se considera autobiografía, no siempre adecuadamente, la narración de algo vivido o acaecido al autor del texto en cuestión ¿ cómo no considerar los libros de viajes una modalidad más de dicho género, aunque las referencias a sí mismo sean mínimas? ¿ No se consideran autobiografías aquellas obras en las que, bajo este título u otros, el autor da cuenta de sus recuerdos aunque éstos se refieram total o parcialmente a personas sin relación en el mismo o a aontecimimentos en los que no tuvo participación? 109
107 Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Versão 1.0 – Dezembro de 2001. 108 Idem, ibidem. 109 VIÑAO, Antonio. Las autobiografias, memorias y diarios como fuente histórico-educativa: tipología y usos. Teias: Revista da Faculdade de Educação da UERJ, 2000, n. 1, p. 88.
O interesse histórico-educativo dos “diários de viagem” ou “diários de bordo”
reside, ainda segundo o autor, nas referências educativas e culturais presentes nos
mesmos, dependendo dos motivos da viagem, do que desperte a atenção do
viajante e da habilidade que o mesmo tem em descrevê-la. Por esse motivo, a
literatura de viagem tornou-se um dos gêneros mais conhecidos e utilizados no
âmbito da educação comparada e uma das fontes histórico-educativas mais
empregadas, sendo a característica autobiográfica, el de ser un testimonio directo de
lo visto, oído y vivido, o que mais atrai os investigadores.110
Para estudar as narrativas de viagem, são necessários, segundo Miceli
(1994), alguns cuidados. Estudá-las, segundo esse autor, significa
(...) tatear por terrenos movediços, tão inseguros para a história quanto foram os caminhos desconhecidos para quem os percorreu e descobriu. Ali, enquanto a voz se punha em luta de resistência contra o silêncio impresso, exigia-se do narrador novas habilidades, bem diversas daquelas necessárias ao retórico: o descritor não dispõe dos recursos da entonação, da mímica, dos intervalos silenciosos; enfim, do próprio corpo e do conjunto das expressões de quem fala. Por isso, deve lançar mão de todas as possibilidades da linguagem e criar infinitamente outras para merecer a atenção e a simpatia do interlocutor, sem o quê também seu discurso naufraga. 111
Refletindo sobre os relatos contidos nos diários de viagem, Carvalho (2007)
considera que o objetivo de relatar e dar publicidade ao relato112 determina a
iniciativa de viajar, o roteiro da viagem e, conseqüentemente, o seu registro. As
viagens que têm por objetivo a propaganda, expansão e fortalecimento de um
movimento requerem que o viajante utilize o relato como uma forma de divulgar a
causa que defende e de arregimentar adeptos para batalhar por ela. Podemos
pensar na viagem de Cecília na perspectiva formulada por Carvalho (2007), uma vez
que a educadora tinha como meta contribuir para a difusão do movimento
escolanovista, particularmente do que vinha sendo construído no Distrito Federal a
partir das reformas de Fernando de Azevedo (1927-1930) e Anísio Teixeira (1931-
1935). Por outro lado, não podemos pensar o relato da educadora sob essa ótica,
110 VIÑAO, Antonio. Las autobiografias, memorias y diarios como fuente histórico-educativa: tipología y usos. Teias: Revista da Faculdade de Educação da UERJ, 2000, n. 1, p. 88. 111 MICELI, Paulo. O ponto onde estamos: viagens e viajantes na história da expansão e da conquista. São Paulo: Página Aberta, 1994. p. 31. 112 CARVALHO, Marta Maria Chagas de. A bordo do navio, lendo notícias do Brasil: o relato de viagem de Adolphe Ferrière. In: MIGNOT, A. C., GONDRA, J. G. Viagens Pedagógicas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 277.
uma vez que o mesmo não tinha esse objetivo, apesar de vez por outra Cecília
entremostrar as suas inquietações e aspirações educacionais através dele.
Ilustração 3. Segunda publicação da coluna “Diário de Bordo” com as crônicas dos dias 22 e 23 de setembro. Correia Dias desenha a si mesmo em seu atelier improvisado no tombadilho” e um dos passageiros do “Cuyabá,
em ilustração publicada no jornal A Nação em 21 de outubro de 1934.
O relato presente no “Diário de Bordo” era destinado aos leitores das
“Crônicas Semanais” do “Suplemento Literário” do jornal A Nação, que não eram
absolutamente interessados em questões educacionais mas em assuntos culturais,
de ordem geral. Porém, tanto a viagem como o relato preenchem as condições
necessárias quando servem ao propósito de divulgar o movimento educacional do
qual Cecília se colocava como porta-voz. O “Diário de Bordo” divulgava a viagem de
uma educadora e, consequentemente, as questões que ela acreditava.113
113 Em janeiro de 1933 Cecília Meireles e Fernando Correia Dias iniciaram a sua colaboração no jornal carioca A Nação dirigido por Antunes Neiva e secretariado por Azevedo Amaral, dois educadores, depois de deixarem o Diário de Notícias. Cecília continuou com a coluna “Comentário” na seção de educação enquanto Correia Dias ilustrava o “Suplemento Literário” aos domingos. Os jornais dos dias 14 e 15 de março de 1933, de número 1 e 2, respectivamente, já trazem a coluna “Comentário”. Em março de 1933 cessaram os “Comentários” e a seção de educação foi se reduzindo gradativamente. Cecília passou a redatora logo em seguida e em novembro de 1933, ela deixou o “Suplemento Semanal”. Em janeiro de 1934 começou a sua colaboração literária no A Nação que foi até 3 de junho de 1934. Em 17 de junho de 1934, ela iniciou o trabalho na coluna “Crônicas Semanais”, desta vez escrevendo prosa. A sua participação no jornal A Nação terminou em 31 de março de 1935 com a mudança de direção do jornal. Depois de deixar o jornal A Nação, Cecília passou a escrever para o jornal Gazeta
Esta era a primeira vez em que Cecília Meireles, a cronista e poeta que por
inúmeras vezes escrevera sobre o seu fascínio pelo mar e pelas viagens, traria aos
leitores as suas impressões de viajante em uma coluna de jornal. No período em
que dirigiu a “Página de Educação” do Diário de Notícias Cecília iniciou as suas
reflexões sobre a articulação entre viagem e educação, mas o tema só veio a ser
melhor explorado e desenvolvido em suas crônicas publicadas na coluna
“Professores e Estudantes”, do jornal A Manhã, entre 1942 e 1944 e em suas
crônicas de viagem, publicadas entre 1944 e 1963 nos jornais Diário de Notícias, A
Manhã, Folha Carioca114 do Rio de Janeiro e Jornal de Notícias, Correio Paulistano
e Folha de São Paulo, de São Paulo. Anos mais tarde, 1998-1999, foram
organizadas e publicadas as suas Crônicas de Viagem, obra em prosa onde Cecília
Meireles revela o seu contato com outros povos e continentes, através de textos que
nada têm a ver com a frieza puramente referencialística de exposições técnicas ou
relatórios (...) onde a cronista acaba por induzir o leitor a viajar com ela de forma
privilegiada, viagem que é feita ao lado de alguém que sabe reunir, em fórmula
mágica ou encantatória, cultura, inteligência e sensibilidade.115
No dia 16 de setembro de 1934 os editores do jornal A Nação informavam
aos leitores da próxima viagem que o casal Correia Dias faria ao velho mundo.
Segundo eles os leitores ficariam privados da colaboração do artista português que
por sua obra talhada dentro da mais pura inspiração brasileira e pelo seu talento e
simpatia, era considerado como um dos mais representativos vultos da cultura
artística da época, tendo sob a sua influência, e debaixo de orientação sua, formado
um grupo de artistas modernos, os quais – evoluindo cada um a seu modo – vieram
a constituir o “ambiente” nacional das artes plásticas, até então confuso e nebuloso
nas suas diretrizes, e imperfeito e estatístico nas suas realizações.116 Entretanto,
prometiam que Correia Dias enviaria contribuições suas e de outros artistas com
de Notícias, no qual publicou, em 20 de novembro de 1935, o artigo “Uma poetisa brasileira em terras de Portugal”. Também em março desse ano saiu o primeiro número da segunda fase da revista Festa, quando ocorreu um hiato nesta colaboração devido à viagem de Cecília e Correia Dias a Portugal. Ela só reaparece no número 7 da revista, em março de 1935. Informações obtidas a partir de notas de Darci Damasceno. Consultar: DAMASCENO, Darci. Cronologia de publicação de Cecília Meireles em várias revistas: 1929-1940. Rio de Janeiro, [s.d.]. N. p. Original. Manuscrito. Inclui textos de crítica e ocorre referência à bibliografia de Cecília Meireles de 1940-1965. 26,2,36. Arquivo Darci Damasceno, Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, Brasil. 114 As crônicas “Rumo: Sul” de I a XXV, foram publicadas pelo jornal Folha Carioca entre junho e outubro de 1944. 115 Informações obtidas em: AZEVEDO FILHO, Leodegário A. de. Apresentação. In: Meireles, 1998:xii. 116 K.O. Correia Dias e Cecília Meireles. Rio de Janeiro, A Nação, 16/09/1934. p. 2.
quem travasse relações de cada porto que chegasse o que constituía, sem dúvida,
uma nova auspiciosa para os seus admiradores.117 Quanto à Cecília, era apontada
como uma das mais brilhantes intelectuais brasileiras, um lídimo valor feminino da
América, o que dispensava quaisquer elogios. Destacavam a sua individualidade
singular no cenário da literatura moderna brasileira, a sua espontaneidade altiva e
profunda, a sua cultura invulgar, a capacidade que demonstrava em permanecer ela-
própria e de procurar sozinha o seu caminho num país em que os maiores homens
se limitavam a mendigar a cultura estrangeira, julgando-se tanto maiores, quanto
mais semelhantes aos seus modelos escolhidos.118
Ilustração 4. Cecília Meireles e Correia Dias, caricatura de Gadêa para o Editorial do jornal A Nação, publicado em 16 de Setembro de 1934. Detalhe: no alto, data anotada por Cecília Meireles (em letra cursiva, originalmente
em lápis de cor vermelha).
Cecília Meireles, afirmavam, fugindo ao grande-público evitava a
glorificação fácil da mediocridade feita-multidão e, além de ser ainda escritora de
mérito, era também uma educadora, com relevantes serviços prestados à causa da
educação. Tinha uma larga visão dos modernos problemas educacionais e
117 K.O. Correia Dias e Cecília Meireles. Rio de Janeiro, A Nação, 16/09/1934. p. 2. 118 Idem, ibidem.
desdobrava sua atividade em iniciativas, das quais um exemplo relevante era a
criação do Centro de Cultura Infantil no Pavilhão Mourisco.119
Cecília partia para um destino que era em parte familiar, mas, por outro
lado, completamente ignorado. Mesmo assim, ela permanecia tranqüila ao embarcar
e parecia ignorar todas as recomendações que ouvira dos amigos, que alertavam
para os perigos e os enjôos da viagem – Olhe a comida!... e o banho!... e os
leitos!...,120 tão desanimadoras que ela teria desistido da viagem, se não fosse um
tanto quanto corajosa e possuísse uma secreta esperança e uma grande
serenidade,121 revelava.
Toda viagem é, segundo Nunes (2007), uma experiência educativa e
mesmo quando planejada, traz sempre um componente de incerteza, de inquietação
com a própria condição humana. Para a autora, quando comparamos experiências,
pensamentos, estilos, atitudes, obras, também avaliamos o que sabemos e o quanto
ainda ignoramos. A viagem é, portanto, uma experiência que faz com que
aprendamos tanto o que nos é estrangeiro, como o que em nós é próprio, singular,
exclusivo.122 Refletindo sobre esse aspecto, Ianni (1996) acrescenta que:
toda viagem destina-se a ultrapassar fronteiras, tanto dissolvendo-as como recriando-as. Ao mesmo tempo que demarca diferenças, singularidades ou alteridades, demarca semelhanças, continuidades, ressonâncias. Tanto singulariza como universaliza... Sob vários aspectos, a viagem desvenda alteridades, recria identidades e descortina pluralidades.123
O longo percurso, o desconhecido que é trazido dia após dia, até o
desembarque em Portugal vinte e dois dias depois impõem à viajante a comparação
de sua própria condição humana, de suas certezas e incertezas, do que conhece e
do que ignora, chamada que será a cada momento a aprender com o novo e com o
que já é sabido.
119 K.O. Correia Dias e Cecília Meireles. Rio de Janeiro, A Nação, 16/09/1934. p. 2. 120 MEIRELES, Cecília. De viagem para Portugal. Diário de Bordo – Do passadiço do “Cuyabá”, em 21 de setembro de 1934. Rio de Janeiro, A Nação, 1934. p. 2. (escrito em 21 de setembro de 1934). 121 Idem, ibidem. 122 NUNES, Clarisse. Anísio Teixeira na América (1927-1929): Democracia, diversidade cultural e políticas públicas de educação. In: MIGNOT, A. C., GONDRA, J. G. Viagens Pedagógicas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 144. 123 IANNI, Otávio. A metáfora da viagem. In: Revista de Cultura Vozes, Petrópolis, ano 90, v. 90, n. 2, mar./abr. 1996. p. 3.
1.1.1. De malas prontas
Ai, Bahia, que saudade eu vou levando de ti... Nem sei se vá para “Oropa” ou se fique por aqui...
“Diário de Bordo”, 25/09/1934.
Cecília Meireles embarcou com uma bagagem familiar e com a expectativa
de encontro com os intelectuais portugueses, que já conhecia através de trabalhos
em comum, livros e troca de cartas. Portugal fora sempre uma presença significativa
na vida da educadora e os seus laços familiares podem explicar o sentimento de
carinho ou de apreço em relação àquele país: a sua avó D. Jacinta Garcia
Benevides,124 que cantava rimances e era açoriana da Ilha de São Miguel, foi
certamente quem povou a infância da menina com histórias de navios, mares e
naufrágios.
Quanto à Portugal basta dizer que minha avó falava como Camões. Foi ela quem me chamou a atenção para a Índia, o Oriente: ‘Cata, cata, que é viagem da Índia’, dizia ela, em linguagem náutica, creio, quando tinha pressa de algo. Chá-da-índia, narrativas, passado, tudo me levava, ao mesmo tempo, à Índia e a Portugal. 125
Em 1922, casara-se com Fernando Correia Dias, artista plástico e
miniaturista português, que trabalhara com os poetas Fernando Pessoa,126 Almada
Negreiros127 e Afonso Duarte em revistas como A Águia e Rajada. Correia Dias foi,
provavelmente, quem apresentou os novos poetas portugueses a Cecília. Tal
interpretação encontra respaldo na presença de fragmentos do poema “Ode
Triunfal”, de Álvaro de Campos (um dos heterônimos de Fernando Pessoa), até
então desconhecido no Brasil, na tese O Espírito Vitorioso, apresentada ao concurso
124 No dia 17 de setembro de 1972 foi inaugurada na freguesia da Fajã de Cima, terra de sua avó, a Avenida Cecília Meireles e uma lápide comemorativa, simbolicamente redigida por Armando Côrtes-Rodrigues: Aqui nasceu Jacinta Garcia Benevides avó de Cecília Meireles a maior poetisa de língua portuguesa a qual lhe transmitiu no sangue e lhe modelou na alma a funda açorianidade da sua poesia. Em memória de ambas, a Junta de Freguesia da Fajã de Cima gravou esta lápide – padrão de unidade entre os Açores e o Brasil”. “Cecília Meireles – a maior poetisa de Língua Portuguesa”. Ponta Delgada, Diário dos Açores, 18 de setembro de 1972. p. 1. 125 MEIRELES, Cecília. Entrevista a Pedro Bloch. Manchete, Rio de Janeiro, 16/05/1964. 126 Fernando António Nogueira Pessoa (1888-1935), um poeta e escritor português. É considerado um dos maiores poetas de língua portuguesa. 127 José Sobral de Almada Negreiros (1893-1970) pintor, escritor, poeta, ensaísta, dramaturgo e romancista português ligado ao grupo modernista. Também foi um dos principais colaboradores da revista Orpheu.
de professor catedrático da cadeira de Literatura da Escola Normal do Distrito
Federal, em 1929. Entretanto, Cecília não indica nem o título nem o autor dos
fragmentos.128
Anos mais tarde, em 1951, durante uma visita aos Açores, não desejava
que a recebessem como uma escritora brasileira, mas como açoriana, uma vez que
trazia tão forte em si essa herança:
Se me perguntarem o que me traz aos Açores, apenas posso responder: a minha infância. (...) o romanceiro e as histórias encantadas; a Bela Infanta e as bruxas; as cantigas e as parlendas; o sentimento do mar e da solidão; a memória dos naufrágios e a pesca da baleia; os laranjais entristecidos e a consciência dos exílios. A dignidade da pobreza, a noção mística da vida, a recordação constante da renúncia; o atavismo cristão. 129
De acordo com Damasceno (s.d), desde 1931 Cecília Meireles, acalentava
a idéia de ir a Portugal participar do 5º Congresso da Crítica Dramático e Musical,
que se realizaria em Lisboa em 1932.130 O convite e o desejo acabaram se
concretizando em 21 de setembro de 1934, quando Cecília Meireles e Correia Dias
embarcaram no Rio de Janeiro, em setembro, a bordo do “Cuyabá” com destino a
Portugal. Correia Dias voltava à sua pátria depois de uma longa ausência e Cecília
fora convidada para realizar conferências literárias e educacionais naquele país.
Esta seria a primeira viagem de Cecília, uma intelectual que já havia alcançado uma
posição de destaque e que possuía uma inserção significativa na cena cultural
brasileira como intelectual multifacetada – poeta, jornalista, educadora, folclorista e
artista plástica.
Analisando a sua rede de sociabilidade, as suas leituras e o seu
pertencimento às idéias pedagógicas do período, é possível compreender melhor a
sua construção como educadora, as suas principais realizações, o seu engajamento
à causa da Educação Nova e de que forma se utilizou da literatura para compor o
seu projeto de educação. Investigar de que forma procurou estabelecer o
128 MEIRELES, Cecília. O Espírito Vitorioso. Tese apresentada ao concurso da cadeira de Literatura da Escola Normal do Distrito Federal. Rio de Janeiro, 1929. p. 119-120. São também de Cecília os primeiros textos críticos sobre Fernando Pessoa no Brasil em seu prefácio a Poetas novos de Portugal, cuja primeira edição foi impressa em março de 1944. 129 “Saudação aos Açores”, apud GOUVÊA, Leila V.B. Cecília em Portugal: ensaio biográfico sobre a presença de Cecília Meireles na terra de Camões, Antero e Pessoa. São Paulo: Iluminuras, 2001. p. 103. 130 Os congressos anteriores foram realizados em Paris, Salzburgo, Bucareste e Praga. O 5º foi realizado em Lisboa e o 6º na Grécia.
intercâmbio com os educadores brasileiros, sul-americanos e europeus, possibilitará
o entendimento de como se deu essa aproximação, de que forma a educadora
divulgou as idéias educacionais desses seus interlocutores e de como essa vasta
rede de sociabilidade determinou os rumos das viagens que empreendeu,
particularmente, dessa viagem a Portugal. Em quais projetos literários e
educacionais Cecília colaborou antes da viagem? Quem eram os seus principais
interlocutores?
Antes de partir para Portugal, Cecília Meireles destacou-se como uma
intelectual atuante nos círculos literários e no cenário educacional dos anos 1930.
Sua produção literária e pedagógica incluía obras como Espectros,131 Nunca mais...
Poema dos Poemas132 e Baladas para El-Rei,133 Criança, meu amor134 e O Espírito
Vitorioso.135 Além disso, a extensa rede epistolar que mantinha com intelectuais
brasileiros, sul-americanos e portugueses fazia com estivesse a par das discussões
que eram travadas tanto no Brasil quanto no exterior. Essa extensa rede de
sociabilidade que estabeleceu esteve, sobretudo, ligada à sua atuação em revistas
como Árvore Nova, Terra de Sol e Festa (1ª e 2ª Fases) e em periódicos de maior
circulação no Rio de Janeiro como o Diário de Notícias, onde dirigiu a “Página de
Educação” e a “Página das Crianças”.
Intelectual, na definição proposta por Houaiss (2001), é todo aquele que
vive predominantemente do intelecto, dedicando-se a atividades que requerem um
emprego intelectual considerável ou ainda aquele que domina um campo de
conhecimento intelectual ou que tem muita cultura geral; erudito, pensador, sábio.136
Uma das concepções mais difundidas é a do senso comum, segundo a qual o
intelectual é aquele indivíduo que se afastou do convívio das outras, que se desligou
voluntariamente da vida social e se interessa apenas pelos seus livros e leituras, ou
seja, um misantropo, alguém que prefere a solidão à convivência com outras
pessoas e que se dedica exclusivamente às construções do espírito.
Cecília pertenceu a uma geração de intelectuais que, diferentemente das
concepções apresentadas, manifestou de acordo com Pècaut (1990), a convicção
131 MEIRELES, Cecília. Espectros. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro e Maurillo, 1919. 132 MEIRELES, Cecília. Nunca mais... e poemas dos poemas. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro, 1923. 133 MEIRELES, Cecília. Baladas para El-Rei. Rio de Janeiro: Ed. Brasileira Lux, 1925. 134 MEIRELES, Cecília. Criança, meu amor. Rio de Janeiro: Tipografia do Anuário do Brasil, 1924. 135 MEIRELES, Cecília. O Espírito Vitorioso. Tese apresentada ao concurso da cadeira de Literatura da Escola Normal do Distrito Federal. Rio de Janeiro: Tipografia do Anuário do Brasil, 1929. 136 Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Versão 1.0 – Dezembro de 2001.
de que lhes competia uma responsabilidade essencial na construção da nação e que
ao invés de solicitar o auxílio do Estado, colocou-se à disposição para contribuir na
construção da sociedade em bases racionais, utilizando-se de diversas estratégias
para se comunicar e tornar públicas as suas idéias.137 Os encontros nos bares, a
boemia, os espaços sociais de manifestação de opiniões, a imprensa, as
universidades, os eventos culturais, foram espaços que oportunizaram essa troca de
pontos de vista, a confirmação de convicções, as disputas e o brilho da constelação
desses intelectuais da educação.138
Ao lado dos educadores escolanovistas Anísio Teixeira, Armanda Álvaro
Alberto, Fernando de Azevedo, Noemy da Silveira,139 Lourenço Filho e Edgar
Süssekind de Mendonça, entre outros, Cecília assinou o Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova140 e realizou um inquérito sobre leituras infantis, que serviu de base
para a organização da primeira biblioteca pública infantil localizada no “Pavilhão
Mourisco”, inaugurada pouco antes de embarcar.141 Toda essa atuação fez com que
a sua produção intelectual e ela própria se tornassem conhecidas pela
intelectualidade e pelo público leitor, que, apesar de restrito, ainda assim era
significativo, num país em que eram reduzidas as taxas de alfabetizados.
Personalidades como Mme. Artus Perrelet,142 Edouard Claparède,143
Gabriela Mistral,144 Alphonso Reyes,145 Mário de Andrade e Fernando de Azevedo
137 PECAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990. p. 22. 138 BOMENY, Helena. Os intelectuais da educação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. p. 38. 139 Foi aluna e colega de Lourenço Filho na Escola Normal Padre Anchieta, sendo depois convidada por ele para vários cargos públicos. Em 1927, estudou no Teachers College da Columbia University, tendo a oportunidade de conhecer as idéias de Dewey, Kilpatrick e Walker, que posteriormente divulgou no Brasil. Foi convidada por Lourenço Filho, em 1931, para chefiar o Serviço de Psicologia Aplicada da Diretoria Geral do Ensino do Estado de São Paulo e, em 1932, para assumir a Cátedra de Psicologia Educacional e o Laboratório de Psicologia Educacional, ambos pertencentes então à Escola Normal Caetano de Campos. Em 1935 foi nomeada professora de Psicologia do Instituto Caetano de Campos, incorporado à Universidade de São Paulo, onde permaneceu até 1954. Publicou livros e foi uma das três signatárias do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. 140 AZEVEDO, F. (Org.). A reconstrução educacional no Brasil: ao povo e ao governo. Manifesto dos pioneiros da educação nova. São Paulo: Nacional, 1932. 141 Sobre o trabalho desenvolvido por Cecília Meireles na Biblioteca Infantil consultar: PIMENTA, Jussara Santos. Fora do outono certo nem as aspirações amadurecem. Cecília Meireles e a criação da biblioteca infantil do Pavilhão Mourisco (1934-1937). Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação/PUC-RJ, 2001. 142 Convidada pelo governo mineiro para uma série de conferências e cursos, esteve, no Rio de Janeiro em 1931, onde ministrou um curso na Escola de Belas Artes, tendo muitos dos temas desenvolvidos por ela em seus cursos e conferências publicados na “Página de Educação”. 143 Quando esteve no Rio de Janeiro em 1930, sob o patrocínio da ABE, o educador concedeu entrevistas que foram publicadas na “Página de Educação” por Cecília Meireles. Consultar: MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Entre cartas e cartões postais: uma inspiradora travessia. In: MIGNOT, A. C., GONDRA, J. G. (orgs.) Viagens Pedagógicas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 259-261; FERREIRA, Rosângela Veiga Júlio. No veio da esperança a essência etérea da criança diversa na escola: o jogo inquieto do discurso jornalístico de Cecília Meireles. Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação, Universidade de Juiz de Fora, 2007. p. 91-98.
também foram alguns dos interlocutores com quem Cecília estabeleceu relações
profissionais ou de amizade. Os contatos com interlocutores portugueses, como por
exemplo, Ana de Castro Osório, Afonso Duarte, José Osório de Oliveira e Fernanda
de Castro, estabeleceram-se, primeiramente, através de cartas e se estreitariam a
partir dessa viagem a Portugal. Esses intelectuais eram, em sua grande maioria,
literatos, educadores e artistas plásticos e estavam ligados aos círculos pedagógicos
e literários através de revistas como Rajada, A Águia, Atlântida, e Portugal Feminino.
Eram esses os amigos que Cecília esperava conhecer pessoalmente e estreitar os
laços de amizade e profissionais quando desembarcasse. Outros intelectuais, como
João de Barros,146 Maria Valupi, João de Castro Osório,147 João de Deus Ramos,148
Carlos Queiroz149 e Diogo de Macedo, só se tornaram seus amigos e
correspondentes algum tempo depois, quando Cecília já estava em terras lusitanas.
Através dessa rede tecida ao redor das revistas e dos manifestos é que
vamos encontrar Cecília Meireles. Ela era uma intelectual brasileira, por ser natural
do Brasil, mas seus escritos e seu pensamento tinham uma dimensão universal,
embora não estivesse ausente em sua obra sua visão dos aspectos locais do país.
Em todas essas instâncias, como professora, como cronista, como poeta,
conferencista e correspondente de intelectuais ligados à cultura e à educação, ela
participou e marcou ativamente as discussões em torno da Escola Nova e da
experiência que vinha sendo realizada no Distrito Federal.
144 A chilena Gabriela Mistral (1889-1957) e Cecília Meireles tinham entre si, muitas semelhanças: infâncias marcadas pela orfandade e pela solidão, a luta pela democratização da educação, além do fato de escreverem para jornais, serem professoras e poetas e terem viajado ao longo de suas vidas fazendo conferências e divulgando suas respectivas culturas. Em 1922, Gabriela Mistral foi convidada pelo Ministério da Educação do goveno mexicano para trabalhar nos planos de reforma educacional daquele país. Teve grande destaque ao receber o Prêmio Nobel de Literatura, que a levou a viajar por todo o mundo e representar seu país em comissões culturais das Nações Unidas. 145 Amigo e correspondente de Cecília, o embaixador do México no Brasil de 1930 a 1938, Alfonso Reyes, participou da organização e inauguração da Biblioteca Infantil, doando publicações de várias procedências e assuntos. 146 João de Barros (1881-1960) foi um poeta, pedagogo e publicista português. Foi um entusiasta da aproximação luso-brasileira, tendo dirigido, com João do Rio, a revista Atlântida (1915-1920), que incluiu colaboração dos principais escritores lusófonos da geração de 1910-1920. Em consequência, no ano de 1920 foi eleito sócio da Academia Brasileira de Letras. 147 João de Castro Osório, poeta português, filho de Ana de Castro Osório e irmão de José Osório de Oliveira. 148 João de Deus Ramos (1878-1953) pedagogo português, filho e continuador da obra do também pedagogo e poeta João de Deus. Aproveitando a experiência das escolas móveis criadas por Casimiro Freire e a sua Associação de Escolas Móveis e Jardins Escolas João de Deus, fundou uma rede de escolas infantis, designadas por Jardins Escola João de Deus. 149 O poeta português José Carlos Queirós Nunes Ribeiro (1907-1949) colaborou em várias revistas, tais como Presença, e Contemporânea, com poesias e artigos de crítica literária. Recebeu em 1935 o Prêmio Antero de Quental do Secretariado de Propaganda Nacional com a obra Desaparecido. Foi diretor das revistas Panorama (1941) e Litoral (1944).
Podemos entender essa rede de sociabilidade construída pelos sujeitos no
seu duplo aspecto na perspectiva de Gomes (1999), ou seja, aquela que remete às
estruturas organizacionais, mais ou menos formais, tendo como ponto nodal o fato
de se constituírem em lugares de aprendizado e de trocas intelectuais, indicando a
dinâmica do movimento de fermentação e circulação de idéias e também o aspecto
afetivo, ou aquela construída nessas redes de sociabilidade intelectual, envolvendo
as relações pessoais e profissionais de seus participantes. Segundo a autora:
(...) se os espaços de sociabilidade são “geográficos”, são também “afetivos”, neles se podendo e devendo captar não só os vínculos de amizade/cumplicidade e de competição/hostilidade, como igualmente a marca de uma certa sensibilidade produzida e cimentada por eventos, personalidades ou grupos especiais. Trata-se de pensar em uma espécie de “ecossistema”, onde amores, ódios, projetos, ideais e ilusões se chocam, fazendo parte da organização da vida relacional.150
Para entender como foi construída a sua rede de sociabilidade, iniciamos a
investigação interrogando os espaços de sociabilidade e os vínculos que Cecília
Meireles estabeleceu com as diferentes idéias, personalidades e grupos e como
essas relações incidiram sobre a trajetória de sua formação docente, procurando
entender que autores ofereceram ascendência sobre a sua formação educacional e
literária e qual a produção intelectual produzida por ela nessa fase de sua vida.
Buscamos, ainda, entender a importância dessa busca pessoal por novas
concepções e conhecimentos que auxiliassem no seu projeto de educação e no seu
aperfeiçoamento como educadora e como ser humano.
Cecília concluiu os seus primeiros estudos, o curso primário, em 1910, na
Escola Estácio de Sá, ocasião em que recebeu do poeta Olavo Bilac,151 Inspetor
Escolar do Rio de Janeiro, uma medalha de ouro por ter feito todo o curso com
distinção e louvor.152 Durante a infância e adolescência aprendeu canto, violino e
violão. Segundo seu relato, mesmo depois de adulta ensaiava todas as melodias
150 GOMES, Ângela de Castro. Essa gente do Rio...: modernismo e nacionalismo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999. 151 Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (1865-1918) foi jornalista e poeta brasileiro e membro fundador da Academia Brasileira de Letras. Trabalhou no jornal A Cidade do Rio, ao lado de José do Patrocínio. Neste jornal, conseguiu ser indicado correspondente em Paris no ano de 1890. Publicou inúmeras crônicas literárias no jornal A Notícia e colaborou com outros tantos jornais como A Semana, Cosmos, A Cigarra, A Bruxa e A Rua. 152 Dados biográficos sobre Cecília Meireles foram retirados da Notícia Biográfica. In: MEIRELES, Cecília. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1972. p. 57-68.
populares que caiam sob os olhos. Mas não tinha tempo para virtuosismo, porque os
livros absorviam-na completamente.153
Em 1917, Cecília diplomou-se no curso da Escola Normal do Rio de Janeiro,
onde foi aluna de Alexina de Magalhães Pinto,154 Alfredo Gomes,155 Basílio de
Magalhães,156 Manoel Bomfim157 e Osório Duque-Estrada,158 professores que
encontraram destaque na cena cultural brasileira. É possível supor que alguns deles
tenham influenciado positivamente a formação da futura educadora. A professora
mineira Alexina de Magalhães Pinto foi, provavelmente, quem despertou o seu
interesse pela organização de bibliotecas e pelo folclore brasileiro. Além de
professora na Escola Normal, Alexina foi colaboradora do Almanaque Garnier e
organizara, em 1907, o Esboço Provisório de uma Biblioteca Infantil, publicação na
qual recomendava aos pais e educadores o trabalho de percorrer os livros antes de
os entregarem aos seus filhos e educandos.159 A educadora recomendava livros
para a infância, para as mães e para as meninas e chamava a atenção de pais e
professores para a necessidade de conhecer o que se faz no estrangeiro e o que é
feito por estrangeiros – não para repetir maquinalmente, mas para fazermos obra
nacional ou latina com elementos nossos.160 Alexina seria lembrada anos mais tarde
por Cecília Meireles quando esta trabalhou como redatora no jornal A Manhã, numa
coluna intitulada Professores e Estudantes, espaço onde tratou de assuntos ligados
à educação e ao folclore. Nessa ocasião, Cecília procurou recuperar a obra da
antiga professora, que havia sido responsável pela compilação de diversas obras de 153 MEIRELES, Cecília. A lição do poema. Cartas de Cecília Meireles a Armando Côrtes-Rodrigues. (organização e notas de Celestino Sachet). Ponta Delgada: Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1998. p. 9. 154 A educadora mineira Alexina de Magalhães Pinto (1870-1921) foi responsável pela compilação de diversas obras de cultura infantil e popular e uma das pioneiras nos esforços de renovação do ensino e das leituras infantis. MAGALHÃES PINTO, A. Esboço provisório de uma biblioteca infantil. In: ZILBERMAN, R., LAJOLO, M. Um Brasil para Crianças. Para conhecer a literatura infantil brasileira: histórias, autores e textos. São Paulo: Global, 1993, p. 280-288. 155 Professor de português da Escola Normal. Produziu trabalhos didáticos principalmente sobre a gramática portuguesa e sobre a francesa. 156 Basílio de Magalhães (1874-1957) foi um intelectual mineiro. Atuou como jornalista, professor, administrador e político. Escreveu vários livros e deixou diversos escritos, entre discursos, artigos e prefácios. 157 O médico sergipano, Manoel Bomfim (1868-1932) é autor de vasta obra, que abrangem estudos de zoologia e botânica, pedagogia (Lições de pedagogia) e psicologia (Noções de Psicologia). Criou o primeiro laboratório experimental de psicologia no Brasil, em l906. Escreveu livros didáticos (Através do Brasil) em parceria com o amigo e poeta Olavo Bilac. Entre suas principais obras, destacam-se, América Latina: males de origem (l905), O Brasil na América (1929), O Brasil na História (1930) e o Brasil Nação (1931). 158 Segundo informações contidas em: OLIVEIRA, Ana Maria Domingues de. Cronologia Biobibliográfica da Poetisa. Arquivo Cecília Meireles. Disponível em: <http://www.assis.unesp.br/arquivocecilia/index3.html> 159 MAGALHÃES PINTO, Alexina. Esboço provisório de uma biblioteca infantil. In: ZILBERMAN, R., Lajolo, M. Um Brasil para Crianças. Para conhecer a literatura infantil brasileira: histórias, autores e textos. São Paulo: Global, 1993, p. 280-288. 160 Idem, p. 281.
cultura infantil e popular. Entre 31 de janeiro de 1942 e 28 de agosto de 1943, ela
escreveu cerca de 259 artigos onde procurou salvaguardar as cantigas de roda e de
ninar, os jogos infantis de diversas regiões brasileiras, bem como trazer para os
jovens leitores expressões folclóricas de diversas culturas, principalmente da
América Latina.161
Outro exemplo de mútua admiração envolveu a aluna Cecília e o professor
de português da Escola Normal, Alfredo Gomes. Esse educador apoiou e incentivou
a vocação poética da antiga aluna, fazendo o prefácio no seu livro de estréia que
trazia sonetos de inspiração parnasiana, Espectros, em 1919. João Ribeiro,162 outro
de seus professores, escreveu um breve artigo onde fez uma crítica favorável ao
livro, que foi publicada em O Imparcial, de 18 de novembro de 1919, onde vaticinava
um futuro promissor para a jovem estreante.
Também podemos conjeturar que Olavo Bilac e Manoel Bomfim, também
professores de Cecília, atuaram de forma inesquecível em sua vida de estudante e
produziram reflexos na constituição da educadora. O “Príncipe dos Poetas”, como
Bilac ficou conhecido a partir do concurso, em 1907, da Revista Fon-Fon e o
professor Bomfim eram amigos de longa data e trabalharam lado a lado em jornais
cariocas como o A Nação,163 Correio do Povo,164 A Rua,165 entre outros. Além de
poeta, Olavo Bilac teve atuação importante nos círculos educacionais e a partir dos
anos 1916, participou, ao lado de outros intelectuais, da Liga de Defesa Nacional. O
apóstolo socialista, como era denominado por João do Rio166 e suas idéias
educacionais parecem ter inspirado a formação da poeta e também da futura
educadora. Não só os homens haviam sido educados através dos livros de Olavo
161 Sobre o assunto, consultar: PIMENTA, Jussara S. Fora do outono certo nem as aspirações amadurecem. Cecília Meireles e a criação da biblioteca infantil do Pavilhão Mourisco (1934-1937). Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação/PUC-RJ, 2001. p. 36; 49 e 64. 162 João Batista Ribeiro de Andrade Fernandes (1860-1934), mais conhecido como João Ribeiro, foi um jornalista, crítico literário, filólogo, historiador, pintor, tradutor brasileiro e também membro da Academia Brasileira de Letras. 163 O jornal A Nação foi fundado em 10 de dezembro de 1903, era de propriedade do jornalista Alcindo Guanabara e funcionava na Rua do Ouvidor. Consultar: AGUIAR, Ronaldo Conde. O rebelde esquecido. Tempo, vida e obra de Manoel Bomfim. Rio de Janeiro: Topbooks, 2000. p. 133. 164 Jornal republicano, fundado pelo jornalista Sampaio Ferraz. Consultar: AGUIAR, Ronaldo Conde. O rebelde esquecido. Tempo, vida e obra de Manoel Bomfim. Rio de Janeiro: Topbooks, 2000. p. 133. 165 Jornal fundado por Pardal Mallet, tinha como redatores permanentes Luis Murat, Olavo Bilac e Raul Pompéia e como colaboradores: Guimarães Passos, Coelho Neto, Alberto de Oliveira, Arthur Azevedo, Gastão Bousquet, Pedro Rabelo, Augusto de Lima e Manoel Bomfim. Consultar: AGUIAR, Ronaldo Conde. O rebelde esquecido. Tempo, vida e obra de Manoel Bomfim. Rio de Janeiro: Topbooks, 2000. p. 133. 166 Paulo Barreto (João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto; pseudônimo literário: João do Rio) - (1881-1921) - jornalista, cronista, contista e teatrólogo. Foi um entusiasta da aproximação luso-brasileira e dirigiu, com João de Barros, a revista Atlântida (1915-1920).
Bilac, afirma Mignot (1997), mas também as mulheres de letras foram educadas em
suas redondilhas e quintetos.167 Por coincidência, Cecília receberia mais tarde, em
1939, o prêmio Olavo Bilac da Academia Brasileira de Letras pelo seu livro Viagem.
Bilac e Bomfim estiveram juntos no Pedagogium,168 onde Bomfim foi diretor de 1896
a 1905 e de 1911 a 1919 (onde João Ribeiro também lecionou) e na Diretoria de
Instrução Pública do Distrito Federal em 1898. Ao deixar o Pedagogium, Bomfim
indicou Bilac para a direção. Os dois amigos freqüentavam os mesmos restaurantes
da Rua do Ouvidor e escreveram livros didáticos em parceria: Livro de Composição
(em 1899), Livro de Leitura (em 1901) e Através do Brasil (em 1910).169
Com tantas inserções no cenário pedagógico e cultural, Bilac e Bomfim
foram, certamente, inspiradores da educadora iniciante, que, logo depois de sua
formatura, passou a exercer o magistério primário em escolas oficiais do antigo
Distrito Federal e em 1920 a lecionar desenho na Escola Normal, a convite do
professor Nereu Sampaio, diretor daquele departamento. Do seu tempo de
professora, Cecília destaca o seguinte:
Terminada a Escola Normal fui lecionar o primário, ainda com um jeito de menina, num sobrado da Avenida Rio Branco. Ali, na mesma sala, havia duas turmas e duas professoras, a metade voltada para cada lado. Pois as crianças, vendo-me quase tão menina quanto elas, viravam quase todas para mim.170
Um dos espaços de sociabilidade para as mulheres do período, sobretudo
as da elite, eram as diversas associações, sociedades e ligas que se formaram.
Algumas das participantes da Seção de Cooperação da Família, organizada em
1925, na ABE, como Laura Jacobina171 e Corina Barreiros,172 foram também
167 MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Baú de memórias, bastidores de histórias: legado pioneiro de Armanda Álvaro Alberto. 1997. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Educação. p. 123. 168 Criado em 1896 e extinto em 1919, o Pedagogium foi um centro de pesquisas educacionais e museu pedagógico, criado sob inspiração do Parecer de Rui Barbosa. Consultar: AGUIAR, Ronaldo Conde. O rebelde esquecido. Tempo, vida e obra de Manoel Bomfim. Rio de Janeiro: Topbooks, 2000. p. 111; e ainda: GONDRA, J. G. O Veículo de Circulação da Pedagogia Oficial da República: a revista pedagógica. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 78, n. 188/189/19, 1997. p. 374-395. 169 Os três títulos foram publicados pela Editora Francisco Alves. 170 MEIRELES, Cecília. Entrevista a Pedro Bloch. Manchete: Rio de Janeiro, 1964. 171 Educadora brasileira pertenceu à ala católica do grupo de intelectuais da ABE. Em sua instituição de ensino trabalhou com muitos métodos trazidos da Europa e dos Estados Unidos, que eram aplicados pelas educadoras partindo de preceitos religiosos como solidariedade, perseverança, disciplina, respeito brasileira. Sobre Laura Jacobina e Colégio Jacobina, consultar: CARUSO, Andrea. “Traço de União” como vitrine: educação feminina, ideário católico e práticas escolanovistas no periódico do Colégio Jacobina. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: UERJ – Faculdade de Educação, 2006.
companheiras do “Colégio Jacobina”, da “Liga Brasileira Contra o Analfabetismo”, da
“Associação Cristã Feminina”, do “Instituto Central do Povo” e da “Federação
Brasileira para o Progresso Feminino”, sobressaindo naquela Seção constituída
exclusivamente por mulheres.173 Cecília tinha uma origem e uma formação distinta
da maioria dessas mulheres, pois havia sido educada na Escola Normal, do Estácio,
uma escola pública. As demais, haviam sido alunas de escolas particulares onde
freqüentavam apenas as filhas da elite carioca, como por exemplo, o Colégio
Progresso em Santa Teresa e o Colégio Jacobina, em Botafogo.174 Lecionavam em
escolas tradicionais do Distrito Federal e eram lideranças do movimento católico. O
círculo de amizades de Cecília se formara, preferencialmente, em torno dos
intelectuais que atuavam como ela, em revistas, como Árvore Nova, Terra de Sol e
Festa e em jornais como o Diário de Notícias, A Manhã e A Nação. Como o seu
antigo professor Manoel Bomfim, ela procurava manter uma distância crítica das
associações, não chegando a participar de nenhuma delas.
No que se refere à sua inserção ao movimento escolanovista, ela não se
esquivou de informar, aplaudir, divergir, polemizar, como ressalta Mignot (2001).175
Embora fosse uma divulgadora das concepções e dos trabalhos dos educadores
renovadores e não apenas uma simples entusiasta, Cecília jamais participou como
membro da ABE e nem de qualquer outra associação de educadores, feministas ou
de quaisquer outras categorias.
Naquele período, em que eram muito comuns as associações femininas e
grande parte da intelectualidade participava em até mais de uma delas, Cecília
sempre se manteve longe desse tipo de vínculo, estratégia que possivelmente lhe
facultaria a sua individualidade, garantiria a liberdade de pensamento e isenção em
relação às suas idéias e opiniões. Outra possibilidade era não receber cobranças
nem ter as suas opiniões atreladas à de nenhum grupo, em especial. Essa 172 Educadora brasileira, participou da Seção de Cooperação da Família, da ABE e da Federação do Progresso Feminino, do qual foi uma das delegadas, em 1922. Consultar: BONATO, Nailda Marinho da Costa. A educação das mulheres no pensamento da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (1922-1931). Anais do VI Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação (COLUBHE), Uberlândia. 2006. 173 Consultar: MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Baú de memórias, bastidores de histórias: legado pioneiro de Armanda Álvaro Alberto. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Educação, 1997. p. 185. 174 Sobre o Colégio Jacobina consultar o trabalho de: CARUSO, Andrea. “Traço de União” como vitrine: educação feminina, ideário católico e práticas escolanovistas no periódico do Colégio Jacobina. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: UERJ – Faculdade de Educação, 2006. 175 MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Antes da despedida: editando um debate. In: NEVES, Margarida de Souza, LOBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. (orgs.). Cecília Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, 2001. p.149-171.
independência expressou-se, sobretudo, em relação a ABE, no momento em que
um grupo de educadores vinculados àquela instituição apresentou a indicação do
nome de Belisário Penna176 ao Ministério da Educação, como assegura Mignot
(2001). Cecília acreditava que o cargo estaria mais bem representado por um
educador, Fernando de Azevedo, diretamente ligado à educação, isento de
compromissos políticos e sem a necessidade de transformar o cargo em utilidade
imediata, por não ver nisso um emprego:
Não existe ninguém com melhores aptidões, para isso, que o dr. Fernando de Azevedo, ex-diretor de Instrução, autor de uma reforma notabilíssima, combatido no velho regime pela novidade das suas idéias, com uma capacidade de ação posta à prova brilhantemente, e sem nada que o desabone junto aos interesses da Nova República e dos seus construtores. Além disso, o dr. Fernando de Azevedo possui essa qualidade rara de ver as coisas com um largo golpe de vista; é alguém que pode enfrentar o problema da educação nacional de maneira definitiva, resolvendo-o de alto a baixo, sem vacilações nem dificuldades. A reforma que traçou para o Distrito Federal é, nesse sentido, já uma prova preliminar da visão com que poderia atender ao problema geral, e o acerto da sua primeira iniciativa é uma antecipada certeza do êxito da sua ação à frente daquele Ministério.177
Segundo Cecília a ABE não representava a maioria do professorado, que
era visto como de secundária importância. Com essa indicação, dizia, a entidade
comprometia grandemente o seu nome, uma vez que o candidato a Ministro não era
senão o próprio presidente da associação.178
Para o intelectual, a não participação em associações pode ser uma opção
difícil, pois a iniciativa faz com que o mesmo se mantenha isolado sem poder contar
com os benefícios que as associações podem oferecer. Por outro lado, garantem
isenção e liberdade de ação e de pensamentos. O intelectual tem, assim, autonomia
176 Belisário Augusto de Oliveira Penna (1868-1939) foi um médico sanitarista brasileiro. Tem destaque a sua atuação na saúde pública como inspetor sanitário, bem como sua campanha em favor do saneamento dos sertões. Foi um dos introdutores no Brasil das teorias da eugenia e membro ativo da Comissão Central Brasileira de Eugenia, da qual se originou a Liga Pró-Saneamento. Participou da Revolução de 1930, sendo indicado ministro da Educação e Saúde no governo Getúlio Vargas, cargo em que permaneceu por três meses. 177 MEIRELES, Cecília. O Ministério da Educação. Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 1º de dezembro de 1931. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação, v. 3. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 71-72. 178 MEIRELES, Cecília. 16/09/31 e 29/11/31. Apud MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Antes da despedida: editando um debate. In: NEVES, Margarida de Souza, LOBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venâncio. (orgs.). Cecília Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, 2001. p.158-160.
para ter as suas próprias convicções sem se ver obrigado a comungar com opiniões
que não são exatamente as suas próprias.
Tanto os jornais como as revistas literárias e culturais constituíram um
importante espaço de trocas intelectuais. Além de cumprirem, de acordo com
Venancio (2003), um papel relevante como espaço de intercâmbio intelectual, na
primeira metade do século XX, serviu de “espaço de experimentação” onde as idéias
dos autores se ofereciam à discussão e se testavam permitindo a publicação de
trabalhos ainda em curso e de obras em elaboração.179 A rede de sociabilidade de
Cecília foi praticamente formada no espaço das revistas literárias e dos periódicos,
locais que aglomeravam intelectuais de várias procedências, tendências e
motivações.
Ilustração 5. Á esquerda: Capa da revista Terra de Sol, número 1, de janeiro de 1926. À direita: Capa da revista Festa, em sua segunda fase, de março de 1935. Fonte: Coleção Plínio Doyle – Casa de Rui Barbosa, Rio de
Janeiro.
Muitos dos intelectuais que circulavam nesses espaços acabaram tornando-
se amigos do casal Cecília Meireles e Fernando Correia Dias: artistas, pintores,
escritores, poetas e jornalistas. Eles freqüentavam a residência do casal que
transformara uma das dependências em um atelier onde se reunia o grupo de Festa,
como ficaram mais tarde conhecidos os intelectuais que fundaram as revistas Árvore
179 VENANCIO, Giselle Martins. A trama do arquivo: análise da trajetória de Oliveira Vianna (1883-1951). 2003. Tese (Doutorado). Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ. Doutorado em História Social.
Nova, Terra de Sol e Festa. A princípio, o grupo tinha pouca visibilidade nos meios
intelectuais. Suas produções eram tratadas como manifestações não propriamente
modernistas, devido a seus fortes vínculos com outras tradições literárias (...).180
Liderados por Tasso da Silveira181 e Andrade Muricy,182 em agosto de 1919 já
haviam empreendido o lançamento de sua primeira experiência editorial, com a
organização da revista América Latina, que circulou em seis números até fevereiro
de 1920.
Cecília Meireles iniciou sua atuação junto ao grupo a partir da revista,
Árvore Nova fundada em 1922 e que circulou apenas em dois a três números,
segundo Gomes (1999).183 O casal Correia Dias continuou filiado ao grupo quando
fundaram, em 1924, a revista Terra de Sol, que circulou por doze números e teve
rápida e boa aceitação entre o público e contava com a experiência do sócio
português Álvaro Pinto,184 um dos introdutores do livro impresso sob moldes
técnicos e industriais no Brasil.185
A publicação também obteve sucesso por procurar realizar um intercâmbio
com os intelectuais portugueses. O poeta português Jaime Cortesão186 foi um dos
colaboradores da publicação que reverenciava Camões e trazia, inclusive, o registro
de preço em escudos. A revista alcançou, segundo Gomes (1999), reconhecimento,
por suas qualidades gráficas e editoriais, muito razoável para esse tipo de iniciativa, 180 GOMES, Ângela de Castro. Essa gente do Rio ...: modernismo e nacionalismo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999. p. 21. 181 Tasso Azevedo da Silveira (1895-1968) foi um escritor brasileiro. Foi um dos representantes da ala espiritualista do modernismo, ao lado de Cecília Meireles e Tristão de Ataíde. Pertenceu ao grupo da revista Festa, da qual foi um dos fundadores. 182 José Cândido de Andrade Muricy (1895-1984), crítico literário e musical, autor de obras de ficção e de ensaios brasileiro e pertenceu ao grupo Festa. Foi presidente da Academia Brasileira de Música e membro do Conselho Federal de Cultura. Em 1973, recebeu o Prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras. 183 GOMES, Ângela de Castro. Essa gente do Rio ...: modernismo e nacionalismo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999. p. 45. 184 Álvaro Pinto foi diretor, secretário e administrador de uma de prestigiada publicação periódica de Portugal, na primeira metade do século XX, a revista Águia. Foi um dos principais articuladores da Sociedade Renascença Portuguesa - associação, criada em 1911, com o fim de promover a cultura e educação naquele país. Trabalhou editando revistas e livros junto de importantes nomes da intelectualidade lusitana como Teixeira de Pascoaes, Jaime Cortesão e António Sérgio. No Brasil, editou as revistas Árvore Nova, Terra de Sol e Festa pela Anuário do Brasil, tipografia criada por ele, em 1920, no Rio de Janeiro. Foi um entusiasta do intercâmbio luso-brasileiro. Consultar: SOUZA, Raquel dos Santos Madanêlo. Um intelectual imigrante: Álvaro Pinto e o projeto de intercâmbio Portugal-Brasil. Disponível em: <www.reseau-amerique-latine.fr/ceisal-bruxelles/MS-MIG/MS-MIG-3-MADALENO-SOUZA.pdf>; FERNANDES, Rogério. Cartas de António Sérgio a Álvaro Pinto (1911-1919). Lisboa: Edição da Revista Ocidente, 1972. 185 GOMES, Ângela de Castro. Essa gente do Rio ...: modernismo e nacionalismo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999. p. 50. 186 Jaime Zuzarte Cortesão (1884-1960), médico, político, escritor e historiador português. com Álvaro Pinto e Teixeira de Pascoaes deu início à publicação da revista Águia; foi um dos fundadores da Seara Nova, em 1921. Foi designado diretor da Biblioteca Nacional em 1919. Exilou-se na França, em 1927, e no Brasil, em 1940, onde lecionou a cadeira de História dos Descobrimentos Portugueses.
sobretudo se considerarmos que, para Tasso, o Brasil vivia um momento político e
intelectual muito difícil.187
Com o término de Terra de Sol, o grupo apresentou outro projeto editorial, a
revista Festa, em 1925, quando Andrade Muricy retornou do tratamento na Suíça. O
nome da revista derivou-se do livro Festa Inquieta, que Muricy havia trazido da
Europa.
Já à época de Terra de Sol e Festa, Cecília traduzia poemas, sobretudo de
poetas sul-americanos com quem também estabelecera um diálogo epistolar. Essa
interlocução com o exterior tem seqüência na “Página de Educação” e na “Página
das Crianças”, em que publicou entrevistas, histórias, resenhas de livros, pequenos
trechos de livros, poemas, canções, etc., de poetas, escritores e educadores de
diversas nacionalidades, e ainda no Pavilhão Mourisco, com o projeto da
organização ibero-americana.
Outra de suas muitas inquietações surgidas junto ao “grupo de Festa” foram
os seus estudos sobre folclore brasileiro. Este era um dos seus temas prediletos de
investigação desde os anos 1930, apesar de ter comprovado que o tema, no Brasil
era considerado uma história só para eruditos ou tabaréus, como diria à Côrtes-
Rodrigues, em carta de 1946.188 Cecília desenhou aquarelas para uma exposição no
Rio de Janeiro, que foram posteriormente apresentadas durante a sua segunda
conferência em Portugal e mais tarde publicadas naquele país sob o nome de
Samba, Batuque e Macumba. A maior parte dos seus estudos sobre folclore foi
publicada no jornal A Manhã, a partir de 1942-1944.189
187 GOMES, Ângela de Castro. Essa gente do Rio ...: modernismo e nacionalismo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999. p. 53. 188 MEIRELES, Cecília. A lição do poema. Cartas de Cecília Meireles a Armando Côrtes-Rodrigues. (organização e notas de Celestino Sachet). Ponta Delgada: Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1998. p. 11. 189 Destacamos o texto de Cheola (2004) que analisa as crônicas de Cecília Meireles sobre folclore, escritas para o jornal A Manhã, entre 1941 e 1945, sob o Estado Novo. De acordo com a autora, nessas crônicas Cecília, de forma indireta, enfatiza o universalismo, ou seja, a essência humana comum, por meio do folclore comparado; dribla assim a exigência do governo ditatorial de Vargas de se destacar o nacionalismo em todos os níveis sociais. Por outro lado, mediante comentários de teor estético sobre exemplares do material folclórico, afirma o valor da literatura tradicional. Ao final do trabalho a autora discute a contribuição das duas vertentes do folclore, a ética e a estética, para a prática pedagógica. Consultar: CHEOLA, Maria Laura van Boekel. Infância e Folclore: as Crônicas de Cecília Meireles sob o Estado Novo. Dissertação (Mestrado em Literatura Brasileira), Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2004; As crônicas semanais sobre folclore publicadas no jornal A Manhã entre 1942 a 1944 também foram estudadas por Abreu (2001) que analisou a participação de Cecília Meireles na Comissão Nacional do Folclore e no Movimento Folclórico. Consultar: ABREU, Joana Cavalcanti de. Entre os símbolos e a vida: poesia, educação e folclore. In: NEVES, Margarida de Souza, LOBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. (orgs.). Cecília Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, 2001. p. 211-230.
A Universidade do Distrito Federal (UDF),190 criada por Anísio Teixeira e
inaugurada solenemente em 31 de julho de 1935, foi um outro espaço de
sociabilidade do qual Cecília Meireles participou, convidada por Anísio para lecionar
Literatura Luso-Brasileira conviveu com intelectuais estrangeiros como Brehier,
Desfontaines, Wallon, Hauser, Jules Peret e Albertini. Entre os brasileiros estavam
os professores: Afrânio Peixoto, Gilberto Freire, Delgado de Carvalho, Hermes Lima,
Artur Ramos, Heloisa Alberto Torres, Francisco Venâncio Filho, Edgar Süssekind de
Mendonça, Gastão Cruls, Pedro Calmon, Costa Ribeiro, Carlos Werneck, Roberto
Marinho de Azevedo, Carneiro Leão, Celso Kelly, José Faria Góes Sobrinho,
Gustavo Lessa, Castro Rebelo, Isnard Dantas Barreto, José Oiticica e Cândido
Portinari.191
1.1.2. De vento em popa
Depois, vai tudo brilhando e ganhando transparência e cor. O meio dia deslumbra. A água dissolve safiras e diamantes. O céu tem uma nitidez de porcelana. E o vento vai levando a fumaça do navio, que tanto se desdobra no céu como no reflexo das ondas. Começa, então, a refrescar no boreste, e em bombordo o convés se enche de sol.
“Diário de Bordo”, 26/09/1934.192
Com itinerários e objetivos diversos, somente a partir dos anos 1830 vamos
encontrar mulheres brasileiras que viajaram pelo país e ao exterior. Os interesses
dessas viajantes também eram bastante diversos daqueles que moveram as viagens
empreendidas pelos muitos viajantes homens e europeus que vieram descobrir o
Brasil. Com uma agenda bastante diferenciada das costumeiras viagens de estudos
ou de passeio em companhia de familiares, muitas dessas mulheres iam em busca
de educação, qualificação, aperfeiçoamento e/ou trabalho, procurando romper os
limites do espaço privado a que estavam socioculturalmente atreladas. Este não
pode ser considerado, ainda, um movimento articulado, uma vez que essas
190 Sobre a UDF, consultar: MENDONÇA, Ana Waleska. Universidade e formação de professores: uma perspectiva integradora: a "universidade de educação", de Anísio Teixeira. 1993. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Educação. 191 LEMME, Paschoal. Memórias. São Paulo: Cortez; Brasília: INEP, 1988, v. 2. p. 140. 192 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 11/11/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 26/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 27 de setembro de 1934).
personagens se desconheciam e muitas vezes ignoravam os motivos que
impulsionavam umas às outras. Todas as iniciativas eram, via de regra, estritamente
particulares, não sendo subvencionadas por nenhuma instituição ou governo.193
Assistimos no século XIX, de acordo com Chamon (2005), à partida das
primeiras mulheres brasileiras, como Nísia Floresta,194 Josefina Álvares de
Azevedo,195 Maria Guilhermina Loureiro de Andrade, Josefa Águeda Felisbela
Mercedes de Oliveira 196 e Maria Augusta Generoso Estrela.197 Nísia Floresta
Brasileira Augusta, uma destas viajantes brasileiras, segundo Duarte (1999), teve
uma importância significativa, por viajar, escrever e publicar as suas narrativas de
viagem, num tempo em que eram divulgados apenas os relatos das viagens
realizadas por homens. Ela mudou-se para a Europa em 1849 e passou a residir em
países como Portugal, Inglaterra, Itália e França, viajando por toda a Europa, até
falecer em 1885. Publicou livros e textos na grande imprensa brasileira e
internacional sobre uma temática incomum entre as mulheres do seu tempo: direito
das mulheres, dos índios e dos negros. As suas narrativas de viagem são ainda
pouco conhecidas do público brasileiro, sendo traduzidas somente a partir de 1982.
Nelas descreveu os costumes e os pontos pitorescos dos muitos lugares onde
esteve sob a forma de diário ou cartas aos parentes distantes.198
193 CHAMON, Carla Simone. Maria Guilhermina Loureiro de Andrade: a trajetória profissional de uma educadora (1869-1913). 2005. Tese (Doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Educação. 194 Educadora, escritora feminista e poetisa Dionísia Gonçalves Pinto (1810-1885) ficou conhecida pelo pseudônimo de Nísia Floresta Brasileira Augusta. Foi entusiasta da causa abolicionista e da República, Colaborou no Jornal do Comércio, Correio Mercantil, Diário do Rio de Janeiro e Brasil Ilustrado. Passou a residir em Paris onde conviveu com Victor Hugo, Saint-Hilaire, Lamartine, George-Sand, Laboulaye e correspondendo-se com Augusto Comte, Manzzini, Garibaldi e entre outros. Sobre Nísia Floresta, consultar: DUARTE, Constância Lima. Nísia Floresta: a pioneira do feminismo no Brasil. 1. ed. Florianópolis: Editora Mulheres, 2005; DUARTE, Constância Lima. Verbete: Nísia Floresta Brasileira Augusta. In: Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero; Jader de Medeiros Brito. (Org.). Dicionário de Educadores no Brasil. Da Colônia aos dias atuais. 2 ed. Rio de Janeiro: UFRJ/MEC-INEP-COMPED, 2001, p. 846-853. 195 Alguns biógrafos consideram Josefina Álvares de Azevedo (1851-?) como irmã ilegítima do poeta paulista Manuel Antônio Álvares de Azevedo, e outros, sua prima. Não se tem nem mesmo certeza do seu local de nascimento – uns a dão como nascida em Itaboraí (RJ), outros no Recife. Entusiasta da causa feminina, fundou em São Paulo, em 1888, o jornal A Família que acolhia exclusivamente colaborações de mulheres. Sua principal bandeira foi a luta pelo direito da mulher ao voto. Deixou pelo menos cinco livros e uma peça intitulada O Voto Feminino. Consultar: SOUTO-MAIOR, Valéria Andrade. O florete e a máscara: Josefina Álvares de Azevedo, dramaturga do século XIX. 2001. 196 Médica pernambucana Josefa Águeda Felisbela Mercedes de Oliveira (1864-?) precisou ir para os Estados Unidos para cursar medicina, uma vez que o ingresso nos cursos superiores estavam vetados às mulheres no Brasil por volta de 1876. Foi co-fundadora do Jornal A Mulher. 197 Maria Augusta Generoso Estrela (1860-1946) foi a primeira médica brasileira. Em 1875 foi para os EUA, uma vez que o acesso das mulheres às faculdades brasileiras não era permitido. Seu gesto ganhou repercussão nacional e mobilizou a opinião pública provocando a alteração dos critérios de ingresso aos cursos universitários. 198 DUARTE, Constância Lima. Narrativas de viagem de Nísia Floresta. Via Atlântica, n. 2, jul. 1999. p. 60.
Outra viajante, Josefina Álvares de Azevedo, dirigiu a partir de 1888 o jornal
A família, em São Paulo e depois no Rio de Janeiro, destacando-se por seu tom
combativo em prol do movimento de emancipação feminina. Viajou pelos estados de
São Paulo, Pernambuco e Bahia ao longo do ano de 1877 divulgando o seu jornal e
as suas idéias, conseguindo adeptos e também muitos inimigos, que passaram a
persegui-la através da imprensa.199 Josefa Águeda Felisbela e Maria Augusta
Generoso Estrela também podem ser incluídas nessa escassa lista de mulheres
viajantes do século XIX. Elas cursaram medicina no “New York Medical College and
Hospital for Women” e são consideradas as primeiras médicas brasileiras.200
Quanto à Maria Guilhermina de Andrade, foi, segundo Chamon (2005),
professora e fundadora de escolas, tradutora e escritora, e residiu em cidades como
Vassouras, Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Tendo se aproximado dos
missionários protestantes e de sua pedagogia froebeliana, Guilhermina estudou nos
Estados Unidos, onde permaneceu de 1883 a 1887, estudando a cultura do
kindergarten, repertório pedagógico que passaria a subsidiar a sua prática
profissional.201 Diferentemente de Nísia Floresta, as últimas viajantes mencionadas
não produziram relatos de viagem propriamente ditos.
As viagens de estudos ao exterior não eram comuns, mas começavam a
atrair mais fortemente as mulheres, segundo Mignot (2007) e tornaram-se uma
oportunidade de conhecer e se fazer conhecer.202 Dessa forma, a partir dos anos
1920 vamos encontrar mulheres brasileiras que viajaram subvencionadas por
governos e/ou instituições científicas ou por iniciativa própria. Entre as primeiras
destacamos Noemy da Silveira, Armanda Álvaro Alberto e Cecília Meireles. Noemy
da Silveira foi aos Estados Unidos estudar no Teachers College da Universidade de
Columbia, onde permaneceu por um semestre, retornando ao Brasil para atender ao
chamado de Lourenço Filho para a organização e instalação de um serviço de
Psicologia Educacional.203 Em 1931, Armanda Álvaro Alberto viajou ao Uruguai
199 DUARTE, Constância Lima. Narrativas de viagem de Nísia Floresta. Via Atlântica, n. 2, jul. 1999. p. 157. 200 CHAMON, Carla Simone. Maria Guilhermina Loureiro de Andrade: a trajetória profissional de uma educadora (1869-1913). 2005. Tese (Doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Educação. p. 165. 201 Idem, p. 195. 202 MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Entre cartas e cartões postais: uma inspiradora travessia. In: MIGNOT, Ana Chrystina Venancio, GONDRA, José Gonçalves. (orgs.). Viagens Pedagógicas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 250-252. 203 WARDE, Miriam Jorge. Estudantes brasileiros no Teachers College da Universidade de Columbia: do aprendizado da comparação. CBHE - Congresso Brasileiro de História da Educação, 2002. p. 11.
integrando uma missão de intercâmbio cultural a convite de Belisário Penna, Ministro
da Educação do governo Vargas, onde realizou palestras e divulgou as reformas de
Carneiro Leão,204 Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Francisco Campos 205 e
Lourenço Filho. Quanto à segunda modalidade, encontramos a professora campista
Antônia Ribeiro de Castro Lopes206 que viajou com recursos próprios, em 1930, ao
Instituto Jean-Jacques Rousseau para participar de um curso e visitar escolas
européias.207
Cecília Meireles, em 1934, foi convidada pela poeta Fernanda de Castro,
esposa do Ministro da Propaganda, António Ferro,208 para uma série de
conferências literárias e pedagógicas que realizaria em Portugal, sob o patrocínio do
Secretariado da Propaganda Nacional (SPN) daquele país. O convite fora recebido
em virtude da admiração que a sua obra literária produzira em Fernanda de Castro
aliada ao profundo conhecimento das questões educacionais, da experiência
pioneira que vinha sendo realizada no Distrito Federal e das boas relações que
possuía em quase todos os países do continente. Nelas não trataria apenas de
literatura, mas também de política, arte e pedagogia. Ao convite oficial,
encontravam-se aliados objetivos ligados aos seus laços familiares e afetivos já
mencionados: sua ascendência portuguesa e a do seu marido Correia Dias. Portugal
funcionava como um campo magnético209 para a jornalista e educadora. Lá não
204 Antônio Carneiro Leão (1887-1966) foi educador, professor, administrador e ensaísta. Carneiro Leão. Iniciou sua carreira no magistério universitário como professor de Filosofia na Universidade do Recife, de 1911 a 1914. Foi diretor geral da Instrução Pública no Rio de Janeiro (1922 a 1926); fundador da Escola Portugal, em setembro de 1924, e de escolas com os nomes das 20 repúblicas americanas, entre 1923 e 1926, no Rio de Janeiro. Autor da Reforma da Educação no Estado de Pernambuco em 1928; foi Secretário de Estado do Interior, Justiça e Educação do Estado de Pernambuco (1929-1930); diretor do Instituto de Pesquisas Educacionais (1934); criador e diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas Pedagógicas da Universidade do Brasil. 205 Francisco Campos (1891-1968) político mineiro assumiu a direção do recém-criado Ministério da Educação e Saúde, no Governo Provisório que se seguiu à revolução, credenciado pela reforma que promovera no ensino de Minas Gerais. Em dezembro de 1935, o prefeito do Distrito Federal, Pedro Ernesto, nomeou-o Secretário de Educação, em substituição a Anísio Teixeira, acusado de envolvimento com a Intentona Comunista. Nesse período, consolidou-se como um dos mais importantes ideólogos da direita no Brasil, desenvolvendo suas convicções liberais e contra os regimes antiliberais autoritários. 206 A professora Antônia Ribeiro de Castro Lopes formou-se em 1901, com 27 anos, pela Escola Normal Livre e iniciou sua docência em 1904, como regente interina da 11ª escola masculina da cidade de Campos e exerceu o cargo de Diretora da Escola Complementar Quinze de Novembro, na mesma cidade. Completou a sua formação em estágio no Instituto Jean-Jacques Rousseau, em 1930. 207 MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Entre cartas e cartões postais: uma inspiradora travessia. In: MIGNOT, Ana Chrystina Venancio, GONDRA, José Gonçalves. (orgs.). Viagens Pedagógicas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 250-251. 208 António Ferro (1895-1956) foi um poeta, jornalista e político português. Dirigiu a máquina de propaganda do regime do Estado Novo entre 1933 e 1949. Foi editor da revista Orpheu, foi jornalista nos jornais O Jornal, O Século e Diário de Notícias, dirigiu a revista Ilustração Portuguesa e fundou ainda a Revista Panorama. 209 Consultar: SIRINELLI, Jean-François. Os intelectuais. In: RÉMOND, René. (org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996. p. 247.
encontraria apenas seus vínculos familiares, mas também os interlocutores com os
quais entretinha longas conversas epistolares e debatia, há algum tempo, os seus
temas de maior interesse no momento: literatura, educação e jornalismo. A bordo do
“Cuyabá”, um excelente transatlântico da linha da Europa, do Lloyd Brasileiro,210
segundo os editores do jornal A Nação, Cecília Meireles e Fernando Correia Dias
embarcaram na aventura que seriam os vinte e dois dias de mar até Portugal.
Ilustração 6. Os navios do Lloyd Brasileiro e a missão de estreitar os laços entre o Brasil e Portugal. Diário Português, Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1934. p. 5.
Nessa época, a grande maioria das viagens intercontinentais era marítima.
Somente a partir dos anos 1920 é que os primeiros aviões cruzaram os oceanos, e a
aviação para transporte de passageiros ganharia impulso a partir dos anos 1950. Já
em 1952, os aviões suplantariam as companhias marítimas, tanto que nesse ano
transportaram através do Atlântico Norte 433.000 passageiros, contra 842.000 dos
transatlânticos.211 As viagens aéreas, antes e depois da Segunda Guerra Mundial
(1939-1945), eram muito caras e acessíveis a poucos, fator que levava os
passageiros a optar pela viagem marítima. Com o final da guerra, as fábricas
210 MEIRELES, Cecília. De viagem para Portugal. Diário de Bordo – Do passadiço do “Cuyabá”, em 21 de setembro de 1934. Rio de Janeiro, A Nação, 1934. p. 2. (escrito em 21 de setembro de 1934). 211 Disponível em: <http://www.portogente.com.br/texto.php?cod=8755>
deixaram de produzir aviões militares, direcionando a sua produção para a aviação
civil. Com uma velocidade superior à dos navios aliada à diminuição do tempo
despendido nas viagens e ao barateamento das passagens, os aviões se tornaram
mais atraentes aos passageiros, tanto assim que em 1957 o número de viajantes
transportados por via aérea suplantou o de viajantes dos transatlânticos.
Ilustração 7. O elegante perfil do “Cuyabá”. Diário Português, Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1934. p. 5. (Legenda transcrita do original).
Nessa época era bastante comum a publicidade em jornais e revistas
veiculadas pelas empresas proprietárias dos grandes transatlânticos que buscavam
atrair os viajantes comuns e também os ricos e famosos. Outra estratégia utilizada
eram os cartões postais212 dos navios (pinturas ou fotografias) que eram distribuídos
aos passageiros pelas armadoras e contribuíam para divulgar os navios e os
diferentes portos ao redor do mundo. Ao contratar o pintor, a armadora utilizava-se
de uma importante forma de mídia, de meio de comunicação, para propagar por
212 As companhias de navegação usavam assim, na escala comercial, o cartão-postal, que surgiu no Império Austro-Húngaro, em 1869, e que chegou ao Brasil em 1880, e tinha a mesma intenção dos cartões do Século X surgidos na China, como votos de felicidade, transformados pelo Renascimento em bilhetes de mensagens. Disponível em: <http://www.portogente.com.br>
todos os continentes a imponência de seus transatlânticos.213 Mas nada se
comparava aos fotógrafos a bordo que eram responsáveis pelo registro fotográfico
dos passageiros importantes e famosos e das atrações ocorridas durante a viagem.
Companhias marítimas e personalidades viravam notícias nos grandes jornais e
revistas que informavam quem viajava a bordo de um dos seus navios, na
concorrida linha do Atlântico Norte.
As qualidades técnicas dos navios também eram alardeadas pela
propaganda: a velocidade do deslocamento, a segurança e os preços. Outras
qualidades visavam os passageiros das classes mais abastadas: a decoração, o
luxo das acomodações, a excepcionalidade dos serviços, a existência de aposentos
como salão de festas, restaurante e salão de chá e das atrações artísticas a bordo,
eram virtudes que conferiam distinção àqueles que embarcassem.
O “Cuyabá” não era um navio de luxo, mas oferecia boas acomodações
para os seus passageiros. Em suas crônicas Cecília destacava algumas impressões
sobre o navio: as acomodações, os passageiros, a tripulação e os serviços de bordo,
como na primeira delas em que descreveu o impacto que teve ao embarcar:
Foi assim que olhei para o “Cuyabá” (o chofer dissera-me: oh! o “Coiabada”, sim, senhor, estão naquele armazém ali...”) como se de cá de baixo lhe perguntasse: “Então, camarada, és mesmo assim como te imaginam os outros, ou como eu acredito que podes ser?” E o pobre, soprando um bocadinho pela chaminé em descanso, murmurou com uma voz longínqua aprendida nas solidões do mar alto: - D. Cecília, nós não somos tão ruins assim. Isso é história, invenção, conversa de gente sem assunto, que fala por ouvir dizer. Mas a senhora, que não mente, diretora de um Centro de Cultura Infantil, jornalista, poetisa – e, além disso, pessoa de bom coração, venha ver-me de perto e mande dizer aos seus amigos que nós somos uns infelizes caluniados... – porque eu lhe falo por mim e pelos meus irmãos. Nesse ponto, a voz do “Cuyabá” se enterneceu e sumiu pela chaminé a dentro. Encaminhei-me para a escada e comecei a subir. O carregador pessimista também fazia considerações ameaçadoras sobre a minha bagagem: que as malas não passavam pela porta da cabine, que esta iria no porão, que aquela iria não sei para onde, - até que,
213 Os cartões-postais que as companhias de navegação usavam na escala comercial ficaram famosos em todo o mundo e hoje são muito disputados pelos colecionadores. Um desses pintores famosos, Kenneth Shoesmith, era o pintor oficial da Royal Mail Line, uma das maiores e mais conceituadas armadoras britânicas. Shoesmith viajou por todos os mares nos navios da companhia e foi responsável por dezenas de trabalhos que retratam as cidades de Santos e Rio de Janeiro, realizados no início do século XX. Outros pintores famosos: John H. Fry, Roger Chapelet, Charles Dixon, Jack Spurling e Richard Oliver. Ver: GIRAUD, Laire José, SILVARES, José Carlos. Pintor retratou navios para cartões-postais. Texto publicado em 31/10/2006. Disponível em: <http://www.mirantemultimodal.com.br/cgi-bin/interno.cgi?tipo=memoria&lugar=524>
entre tanta gente difícil, o comissário de bordo me aparece com uma fisionomia de salvação. As pessoas que me disseram mal do Lloyd vão morder os lábios perplexas, resmungando: “Mas então, é que ela tem mesmo muita sorte!” Só se é... – porque juro que o comissário resolveu tudo, suando e sorrindo, e até o carregador ficou olhando para a ponta do nariz com cara de bobo.214
Antes de iniciar a travessia, o “Cuyabá” foi ancorando em algumas cidades
da costa brasileira para embarque e desembarque de passageiros em Vitória,
Salvador e Recife; para receber uma carga de cacau na Bahia; outra de carvão em
Recife e animais destinados a um zoológico europeu: aves, cobras e macaquinhos
brasileiros.
O “Cuyabá” ficou todo fechado para não ser invadido pelo pó; felizmente, está fresca a noite e, além disso, os ventiladores das cabines funcionam bem. A noite inteira se ouve, o rugido áspero das pás, acompanhado de vozes grossas que dão ritmo ao trabalho: “Oh!... ê... ô”...” Às vezes são frases inteiras que os trabalhadores atiram uns aos outros, mas que a distância absorve como água caindo num mata-borrão. Dormimos no porto, embalados por essa tarefa noturna. O navio nem oscila. Custa a crer que se esteja sobre a água. Através das vigias, sente-se a palpitação do céu todo estrelado e quase se percebe, rente ao vidro, o sopro da noite fresca diluindo-se.215
Cecília descreveu, atenta, o cotidiano do navio: os passageiros, os jogos, a
música a bordo e a piscina montada para a diversão dos passageiros da primeira
classe. Das cidades portuárias em que o navio atraca destacou o casario, os
costumes, as compras, os restaurantes e cinemas que freqüentam nas poucas
horas que permanecem em terra firme. A viajante não apontou somente o que
gostou, o que a impressionou e fascinou, mas também o que a descontentou
naquele seu primeiro contato com as cidades portuárias brasileiras:
Subo as escadas a correr, e encontro um verdadeiro jardim pousado no mar. O porto de Vitória é como uma porção de canteiros, todos arredondados, dispostos em ordem, dir-se-ia que propositalmente para receber os forasteiros. Num deles, o Convento da Penha exibe a
214 MEIRELES, Cecília. De viagem para Portugal. Diário de Bordo (Do passadiço do “Cuyabá”, em 21 de setembro de 1934). A Nação, Rio de Janeiro, 1934. p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 21 de setembro de 1934). 215 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 11/11/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 27/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 26 de setembro de 1934).
sua famosa edificação. A mim o que me desagrada, nesse conjunto tão interessante, são os anúncios pintados nos rochedos, transformando a nossa natureza em artigos comerciais. (...)A cidade é ainda nascente; mas o seu crescimento é sensível: em tudo há uma palpitação acelerada, um ritmo de juventude que impressiona.216
Não há dúvida que a moqueca me fez mal, - que este peso na cabeça, que esta indisposição geral vem daí, daquela casa, daquela mesa, daquele prato de farofa com dendê e daquela tigelinha de pimenta cruel. É certo, positivo, indiscutível. Mas nem isso me dá aborrecimento contra a cidade deliciosa, cujo colorido não sai dos meus olhos, cujo sossego balança o meu coração. Terra hospitaleira, a Bahia, que reafirma a alegria de se ser brasileiro com o particular e justo entusiasmo de se ser baiano. É verdade que todos os moços parecem preparados para pronunciar um discurso, e os caixeiros das lojas sejam todos de uma copiosa eloqüência: mas os ares são assim, leves e calmos. Tem-se vontade de falar e fazer gestos. E todos falam cantando, subindo e descendo com a voz, como se brincassem com a gente. Bahia linda! Só de uma coisa não gostei em ti: esta quantidade de charutos que encontrei por todos os lados. Acredito que sejam expendidos, pois que os chupas com tamanha delícia. Mas não tenho culpa de ficar tonta com o seu cheiro, e de sentir, com uma simples baforada de passagem, o que sentem os viajantes do “Cuyabá” quando o tempo vai virando e o navio começa a dançar.217
Crepúsculo. Recife. Foge o sol justamente quando o prático, pela escada de corda, galga o “Cuyabá”. Tudo parece recortado em prata de vários tons: o perfil da terra, os guindastes, o quebra-mar, as inúmeras embarcações que se balançam no porto. E enquanto o navio toma posição e lentamente se aproxima do cais, acaba de escurecer completamente, e, sobre o perfil escuro da cidade os focos elétricos distribuem suas constelações. (... ) Recife é uma cidade plana, toda recortada de fontes, como Veneza. Pena é que nas suas águas não se balance nenhuma embarcação, nesta linda noite de suave temperatura, com um belo céu estrelado e um silêncio reparador. (...) Para quem vem do Rio de Janeiro, as ruas de Recife parecem todas muitos sombrias e pedregosas. Algumas calçadas são revestidas de não sei que espécie de lajes, cujas arestas obrigam o paciente a andar olhando para os pés.218
E ainda:
216 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934. (sem data). p. 2. “Suplemento Literário”. 217 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 04/11/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 25/09/1934). 218 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 11/11/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 27/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 26 de setembro de 1934).
A madrugada no porto de Recife parece uma pintura. Uma pintura de vidro. O céu todo enfeitado de púrpura, de carmim, de dourado e de verde. O mar com barras de vários tons, que deslizam da esmeralda à safira com todas as gradações e a transparência das pedras preciosas. A abundancia de embarcações, e as sua variedade sugere-me visões de portos do Mediterrâneo. A água ondula com uma deliciosa graça. O vento do amanhecer vai-se encostando em cada coisa e rindo.219
Em outros momentos se lembrava do seu trabalho, revelando as saudades
que sentia dos leitorezinhos do Centro de Cultura Infantil, apaixonados por assuntos
rocambolescos.220 Em Recife, foi aos correios e telégrafos postar a correspondência
para o jornal A Nação, escrever cartas aos parentes, amigos e conhecidos e
aproveitou para procurar postais da cidade tentando encontrar um com o
monumento de Joaquim Nabuco, pensando no Centro de Cultura e no
enriquecimento do seu arquivo. Infelizmente, cansei-me de romper as faixas das
coleções, sem conseguir o que queria.221 A intelectual que a todo o momento se
lembrava do trabalho que desenvolvia na biblioteca jamais poderia imaginar que
depois de três anos aconteceria o seu fechamento, baseado na acusação de haver
em seu acervo um livro de conotações comunistas.222
Em todas as oportunidades Cecília procurou fazer contatos com os colegas
jornalistas. Foi assim em Vitória, quando ela e Correia Dias estiveram na redação de
“O Estado” e, na companhia de seu diretor, viu trabalharem os colegas capixabas,
que ainda compunham à mão com uma serenidade absoluta e uma rapidez
incrível;223 em Salvador, encontraram-se na redação do Diário de Notícias com o Sr.
Altamiro Requião, que trouxe maiores informações sobre a política baiana.
Dias depois, subiu a bordo um jornalista pernambucano: quase um menino,
que denotava viva inteligência e andava a par das novidades do Rio de Janeiro e
219 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 28/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 29 de setembro de 1934). 220 MEIRELES, Cecília. De viagem para Portugal. Diário de Bordo – Do passadiço do “Cuyabá”, em 21 de setembro de 1934. Rio de Janeiro, A Nação, 1934. p. 2. (escrito em 21 de setembro de 1934). 221 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 28/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 29 de setembro de 1934). 222 O Centro de Cultura Infantil foi fechado pelo interventor do Distrito Federal em 19 de outubro de 1937. O Pavilhão Mourisco, que abrigou a Biblioteca Infantil de 1934 a 1937, transformou-se num posto de coleta de impostos, ficou abandonado por vários anos até ser totalmente demolido em 1952. O acervo foi doado para a Escola Minas Gerais, na Urca, Rio de Janeiro. Sobre o fechamento da biblioteca, consultar: PIMENTA, Jussara S. Leitura e encantamento: a biblioteca infantil do Pavilhão Mourisco. In: NEVES, Margarida de Souza, LÔBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. (orgs.). Cecília Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, 2001. p. 105-119. 223 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934. (sem data). p. 2. “Suplemento Literário”.
conhecia os artigos de Cecília sobre educação, nos tempos em que ela assinava
apenas C.M. e recebia cartas de longe dando-lhe um tratamento masculino.224
Ilustração 8. Vitória, no Espírito Santo, primeira cidade onde o navio fez escala. Bico de pena de Correia Dias, ilustra crônica sem data, publicada no jornal A Nação em 28 de outubro de 1934 (data presumida).
Por fim, o jovem pede um poema para o seu jornal. E ainda a essa hora da
noite o Correia Dias, para não perder seus hábitos de “A Nação”, resolve completá-
lo com uma ilustração, que termina no momento em que o navio tem de deixar o
cais.225 Durante os dias que passou a bordo, Cecília Meireles se preocupava em
redigir as suas crônicas, sentada no tombadilho:
Tento ler, mas não posso. O surdo rumor das máquinas, o chiar das ondas, a conversa dos passageiros – tudo são pequenos motivos que me perturbam a atenção: acostumada ao sossego perfeito da minha rua tranqüila. Então ponho-me a inventar divertimentos ingênuos: jogaremos cartas, ou damas, ou qualquer coisa... Em ultimo caso, os quatro cantos ou a cabra-cega...226
Cecília registrou em várias crônicas o trabalho desenvolvido por Correia
Dias durante a travessia. Segunda ela, o pintor instalou um verdadeiro atelier de
pintura no tombadilho e produziu incansavelmente dezenas de ilustrações durante
224 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 28/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 29 de setembro de 1934). 225 Idem, ibidem. 226 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 21/10/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 22/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 23/09/1934).
os 22 dias que permaneceu a bordo do “Cuyabá”. Foram selecionadas e publicadas
36 imagens no Suplemento Literário do jornal A Nação que ilustraram as 22
crônicas escritas por Cecília Meireles. Destas, só não foram encontradas as
ilustrações referentes ao dia 25 de setembro de 1934. Nas demais crônicas
podemos encontrar, muitas vezes, até mais de dois desenhos, como por exemplo,
na crônica do dia 24 de setembro (três desenhos).227
Ilustração 9. Marinha – Recife, Pernambuco, terceira cidade onde o navio fez escala. Bico de pena de Correia Dias ilustra crônica do dia 29 de setembro de 1934, publicada no jornal A Nação em 18 de novembro de 1934
(data presumida).
Em bicos de pena, impressionantes pela riqueza de detalhes aliados à
simplicidade dos traços, Correia Dias retratou alguns dos passageiros como os
amigos Wolkowyski e Amélia Borges Rodrigues; cenas do cotidiano do “Cuyabá”;
paisagens das cidades em que o navio atracou e paisagens avistadas do navio;
pintou a si mesmo e à Cecília Meireles, além de ilustrar algumas das conversas e
assuntos que Cecília tratava em suas crônicas.
Correia Dias era considerado à época um soberbo decorador.228 A
qualidade e a originalidade do seu trabalho garantiam, segundo Gomes (1999), um
diferencial à revista Terra de Sol, onde podia-se ver
227 Encontra-se nos Anexos deste trabalho um quadro com informações sobre número e data dessas ilustrações. 228 GOMES, Ângela de Castro. Essa gente do Rio ...: modernismo e nacionalismo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999. p. 50.
(...) muitas de suas belas ilustrações, bem como alguns dos trabalhos que ele realizou para o livro de sua mulher, Cecília Meireles: ‘Criança, meu Amor’. As páginas da revista são frequentemente guarnecidas por barras e desenhos que exploram motivos de nossa flora e fauna – onças, tucanos, borboletas e beija-flores – e que se servem da arte marajoara, então uma das fontes de inspiração para um estilo nacional na arquitetura e nas artes plásticas.229
O escultor, pintor e miniaturista português Fernando Correia Dias nasceu
em Moledo da Penajóia, conselho de Lamego e distrito de Viseu em 1892230 e
faleceu em 1935.
Ilustração 10. Pois nesse ambiente inquieto, só de céu e de mar, igualmente sombrios, Correia Dias pinta a óleo, todas as taboinhas de caixa de charuto que há a bordo, convertendo em cavalete uma destas cadeiras do
convés... Bico de pena de Fernando Correia Dias de 22 de setembro de 1934, publicado no jornal A Nação em 21 de outubro de 1934. (legenda transcrita do original).
229 GOMES, Ângela de Castro. Essa gente do Rio ...: modernismo e nacionalismo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999. p. 51. 230 Não se verifica consenso quanto à sua data de nascimento. José-Augusto França refere 1892, Paulo Herkenhoff, 1893, e José E. Mindlin, 1896. Optou-se pela data mais recuada. Como se constata pelo comentário de Alexandre Carlos Teixeira, neto de Correia Dias, confirma-se 1892 como ano do seu nascimento. Disponível em: <http://blogdaruanove.blogs.sapo.pt/33123.html>
Correia Dias estudou em Coimbra e foi editor artístico da revista Rajada
Revista de Crítica, Arte e Letras, entre março a junho de 1912231 ao lado de Afonso
Duarte, responsável pela direção literária e de colaboradores como Jaime Cortesão,
Manuel Laranjeira232 e Almada Negreiros entre tantos outros.
Correia Dias foi responsável por algumas ilustrações na primeira série da
revista A Águia, de propriedade de Álvaro Pinto, onde compareceu no terceiro
número e nos números 4, 5 e 6 mas não nos números 7, 8, 9 e 10. Retornou à
revista na segunda série, já como responsável pela capa e por centenas de
desenhos, onde se destacam os seus famosos capitulares. Em março do ano de
1914 expôs caricaturas e cerâmicas no Salão da Ilustração Portuguesa, em Lisboa.
De acordo com Virgílio Correia, Correia Dias era o mais fino, equilibrado e inteligente
artista que, ao contrário de outros caricaturistas, como Bordalo, imprimia às suas
obras um cunho de delicadeza e transparência.233
A exposição reunia autocaricaturas, quadros, iluminuras, projetos de
azulejo, esculturas e duas ânforas ornamentadas. Entre os caricaturados234
figuravam intelectuais como Álvaro Pinto, João de Barros, Nuno Simões,235 Jaime
Cortesão, Guerra Junqueiro,236 Teixeira de Pascoaes,237 Mário Beirão,238 Augusto
Casimiro,239 Fernando Pessoa, Leonardo Coimbra240 e Afonso Duarte. A produção
artística de Correia Dias era decerto a melhor obra do gênero, escreveu Virgílio
Correia241 na revista A Águia de março de 1914:
231 Foi publicado um número especial, posterior, consagrado à actriz siciliana Mimi Aguglia (1884-1970). Disponível em: <http://blogdaruanove.blogs.sapo.pt/33123.html> 232 Manuel Laranjeira (1877-1912), escritor português. Dedicou-se à poesia e ao teatro, colaborando em diversas publicações periódicas, como a Revista Nova, A Arte, A Voz Pública e O Norte, assinando crónicas sobre política, crítica social, religião, literatura e outras artes, medicina, filosofia ou educação. 233 CORREIA, Virgílio. A exposição Correia Dias. Porto, A Águia (2ª série), v. V, janeiro a junho de 1914. p. 121-124. 234 Intelectuais portugueses vinculados à Renascença Portuguesa e à revista A Águia. 235 Nuno Simões fundou, juntamente com Afonso Duarte, a revista Rajada, em 1912. 236 Abílio Manuel Guerra Junqueiro (1850–1923) formado em direito pela Universidade de Coimbra foi político, deputado, jornalista, escritor e poeta. Um dos poetas mais populares da sua época e o mais típico representante da chamada “Escola Nova”. Poeta panfletário, ajudou criar o ambiente revolucionário que conduziu à implantação da República. 237 Teixeira de Pascoaes, pseudônimo literário de Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos, (1877-1952), poeta e escritor português, principal representante do Saudosismo. 238 Mário Pires Gomes Beirão (1890-1965) foi um poeta português. 239 Augusto Casimiro dos Santos (1889-1967), poeta, memorialista, jornalista e comentarista político português e destacado opositor republicano ao regime político do Estado Novo. Fez parte do grupo que fundou a Renascença Portuguesa (1912) e, dez anos mais tarde, do grupo de intelectuais que lançou a revista Seara Nova, que dirigiu entre 1961 e 1967. 240 José Leonardo Coimbra (1883-1936) filósofo, professor e político português. Um dos fundadores do movimento Renascença Portuguesa. 241 Jornalista português, trabalhou na revista A Águia.
Correia Dias segue a regra geral. Tudo na sua arte é ligeiro, transparente. Até quando magoa o faz com elegância, com linha, sem descompor as figuras em contorcionamentos borrachos de indivíduos alçados sobre botas de palmilhas bocejantes. Não. Ele é um artista correto de cujas mãos todas as personagens podem ser transportadas para o friso de uma sala, para o debrum de um manto ou orla de túnica. A sua arte é de decorador, de um delicadíssimo decorador que compreendesse e quisesse seguir, combinando-os, os coloridos de Tiepolo, a sobriedade elegante de linhas de Douris e a maravilhosa minuciosidade de Jean Pucelle, iluminador. Quem percorre a exposição, seguindo aquela série de quase cem trabalhos, notará facilmente uma acentuada diversidade de processos e traços. O lápis do artista forragea um pouco por toda a parte onde o ironista sentimental encontra assunto, liberto e ignorante de escolas. (...) Correia Dias tem além disso, quanto a mim, a grande qualidade de apreender em cada coisa o que ela tem de original, por vezes obscuramente artístico, e de o apresentar como uma revelação. (...) A Renascença Portuguesa, que já deve a Correia Dias a capa da ‘Águia’ é lembrada e exaltada em diversos pontos e em especial na caricatura de Teixeira de Pascoes e na ‘Ânfora do Saudosismo’. (...) Correia Dias vai para o Brasil expor os seus trabalhos, tentar aplicar as suas aptidões de artista decorador. Que a fortuna lhe não faça esquecer que além de tudo mais a Etnografia portuguesa espera o seu concurso como ilustrador, porque outro não há que compreenda e sinta tão fundamente o que de amorável, de poético e artístico há em todos os regionalismos e coisas populares de Portugal.242
Pouco depois dessa exposição em Lisboa, Fernando Correia Dias viajou
para o Rio de Janeiro, em abril de 1914, para participar de uma exposição de
trabalhos seus, que foi realizada na Associação Brasileira de Imprensa, no Rio de
Janeiro. Casou-se com Cecília Meireles em 24 de outubro de 1922, na Matriz de
São João Batista, em Botafogo, no Rio de Janeiro. Aqui chegando fez importantes
contatos e passou a colaborar nos jornais brasileiros Diário de Notícias e O País e
nas revistas Fon-Fon! e Revista da Semana. Também dirigiu uma oficina tipográfica,
a Apolo, de Belisário Vieira da Cunha,243 com quem instalou um atelier.244 Ao lado
de Álvaro Pinto participou da fase brasileira da A Águia e da editora Anuário do
242 CORREIA, Virgílio. A exposição Correia Dias. Porto, A Águia (2ª série), v. V, janeiro a junho de 1914. p. 121-124. 243 Em 1912, o jornalista. escritor e caricaturista Antônio Belisário Vieira da Cunha transferiu-se para o Rio de Janeiro, ligando-se a Carlos Drummond de Andrade, com quem trabalhou na Biblioteca Nacional, na seção da Enciclopédia Brasileira, do Instituto Nacional do Livro. Assinava seus “portait-charges” com os nomes de Belisário, V. da Cunha, A. Vieira ou V., os quais foram apresentados em vários órgãos da imprensa: A Tribuna, A Manhã, O Dia, Gazeta de Notícias, Diário de Notícias, A Nação, A Rajada, D. Quixote. Atuou também como crítico de arte, sendo seu trabalho mais conhecido o ensaio O Nacionalismo na Arte. 244 Consultar: MOTA, Luisa Maria Gonçalves da. O canto repartido: Cecília Meireles e Portugal. Tese de Mestrado Estudos Portugueses e Brasileiros. Universidade do Porto, 2002. p. 14.
Brasil,245 onde ilustrou e foi responsável pelas capas de inúmeros livros de escritores
brasileiros, entre eles Cecília Meireles, como Nunca mais... e Poema dos Poemas,246
Baladas para El-Rei247 e Criança, meu Amor.248
Ilustrou as revistas Árvore Nova e Terra de Sol, Festa (1ª e 2ª Fases),
destacando-se pelo seu apurado senso estético. Entre os seus trabalhos mais
importantes dedicados à obra educacional brasileira podemos apontar a sua
colaboração na “Página de Educação” e na “Página das Crianças”, do Diário de
Notícias, entre 1930 e 1933. Em 1934 organizou e decorou a biblioteca do Pavilhão
Mourisco ao lado de Cecília Meireles, onde compôs um cenário das “Mil e Uma
Noites”. A decoração surpreendente da sala de leitura, da sala de música e de
cinema que reproduzia o fundo do mar, proporcionava aos freqüentadores uma
atmosfera de encantamento e fantasia e era o que mais despertou a admiração de
quantos visitaram a biblioteca.249 Em 1934, seguia em direção a Portugal ilustrando
o dia-a-dia do navio e as crônicas de viagem, enquanto Cecília deixava-se levar pelo
balanço do “Cuyabá”. Depois da longa travessia, Lisboa surgiria das águas:
Já não teremos nenhum porto brasileiro onde estacionar. Principio a sentir este desprendimento da terra que vai formando a saudade, tênue alimento da distância. Principio a ficar nesse estado de lirismo que os leitores já estão sentindo ai na frase anterior. Não serve para nada. Mas que se há de fazer? Vai-se indo, pela noite, apenas...250 E lá na proa, lá no ponto em que o mar se divide para deixar passar o corpo audacioso dos navios, ficamos a olhar para as vagas e para o vento, para a luz e para o céu – para esta vida larga do oceano que apaga todas as saudades da terra, que desmancha todas as pequenas tristezas diárias, e imprime no espírito a ambição de um grande sonho
245 PINTO, Álvaro. Páginas de Memórias. Quando “A Águia” foi para o Brasil. Ocidente – Revista Portuguesa Mensal, Lisboa, v. XX, n. 61, maio, 1943. p.61-64. 246 MEIRELES, Cecília. Nunca mais... e poemas dos poemas. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro, 1923. 247 MEIRELES, Cecília. Baladas para El-Rei. Rio de Janeiro: Ed. Brasileira Lux, 1925. 248 Ao lado de literatos como João de Barros, João do Rio, Carlos Malheiro, Ronald de Carvalho e José Osório de Oliveira, Correia Dias é apontado por Saraiva (1986) como um dos intelectuais que se distinguiram no campo da aproximação (...) entre Brasil e Portugal no decurso da segunda e terceira décadas do século XX. Consultar: SARAIVA, Arnaldo. O modernismo brasileiro e o modernismo português. Subsídios para o seu estudo e para a história das suas relações. Porto : [s.n. ], 1986. p. 92-96. 249 Sobre a decoração da biblioteca infantil consultar: PIMENTA, Jussara Santos. Fora do outono certo nem as aspirações amadurecem. Cecília Meireles e a criação da biblioteca infantil do Pavilhão Mourisco (1934-1937). Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação/PUC-RJ, 2001. p. 96-97. 250 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 28/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 29 de setembro de 1934).
para além do mundo e dos homens, superior a todas as fragilidades mortais.251
1.2. A viajante, as representações e os sentidos da viagem
“Eu só viajo em grandes transatlânticos” – dizia-me alguém de vez em quando – porque nesses barcos pequenos se enjoa muito... é uma coisa horrível... chega-se ao fim da viagem quase morta”... Pode ser. Mas eu acho que essa gente já é enjoada por natureza. Pois eu, que não sou nem mais nem menos que ninguém, e que nunca viajei por mar senão do Rio a Niterói, já vou no segundo dia de viagem e ainda não experimentei coisa nenhuma desagradável nesse sentido.
“Diário de Bordo”, 21/09/1934.252
O “Diário de Bordo” permite refletir sobre as representações encontradas ao
longo dessa narrativa de viagem e permite identificar as formas como Cecília
Meireles percebia a si mesma e o outro, bem como os acontecimentos vivenciados
ao longo da travessia. A iniciativa de utilizar o texto do “Diário de Bordo” em busca
das representações de Cecília naquele contexto parte da compreensão de que todo
o texto traz subjacentes os valores do autor e do seu mundo cultural, uma vez que
um indivíduo integrado ao contexto sócio-cultural é detentor de dimensões que
podem originar as diversas representações presentes na obra: intelectual, artística,
educativa, gênero, econômica, etc.
As “representações” do mundo social embora aspirem à universalidade de
um diagnóstico fundado na razão, segundo Chartier (1990), são sempre
determinadas pelos interesses dos grupos que as elaboram, ou seja, aquelas que os
grupos modelam a respeito de si próprios ou dos outros. Para o autor, os discursos
não são neutros, uma vez que têm origem nas percepções do social produzindo
estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma
autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projeto
251 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 23 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 10/10/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 11 de outubro de 1934). 252 MEIRELES, Cecília. De viagem para Portugal. Diário de Bordo (Do passadiço do “Cuyabá”, em 21 de setembro de 1934). A Nação, Rio de Janeiro, 1934. p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 21 de setembro de 1934).
reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e
condutas.253
As representações inserem-se, portanto, em um campo de concorrências e
de competições cujos desafios se enunciam em termos de poder e de dominação,
dando origem às “lutas de representações”254 que são tão importantes, conforme o
autor, como as lutas econômicas para a compreensão dos mecanismos pelos quais
um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social, os seus valores
e o seu domínio.255
Como um sujeito produtor e receptor de cultura Cecília Meireles inscreve em
sua obra os usos e costumes da sociedade do seu tempo e o faz, de acordo com
Chartier (1990) entre práticas e representações. Em uma crônica intitulada “Ainda os
museus”,256 de 1952, Cecília afirmava que tudo quanto tinha aprendido, se é que
tinha aprendido, representava uma silenciosa conversa entre os seus olhos e os
253 CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel / Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, Coleção Memória e Sociedade, 1990. p. 17. A contribuição decisiva de Roger Chartier para a História Cultural, de acordo com Barros (2005), está na elaboração das noções complementares de “práticas” e “representações”. De acordo com este horizonte teórico, a Cultura (ou as diversas formações culturais) poderia ser examinada no âmbito produzido pela relação interativa entre estes dois pólos. Tanto os objetos culturais seriam produzidos “entre práticas e representações”, como os sujeitos produtores e receptores de cultura circulariam entre estes dois pólos, que de certo modo corresponderiam respectivamente aos ‘modos de fazer’ e aos ‘modos de ver’. Os “modos de fazer” ou “práticas culturais” podem ser compreendidos não apenas em relação às instâncias oficiais de produção cultural, às instituições várias, às técnicas e às realizações, mas também em relação aos usos e costumes que caracterizam a sociedade examinada pelo historiador. A elaboração de um livro, uma técnica artística ou uma modalidade de ensino, bem como os modos como em uma dada sociedade os homens falam e se calam, comem e bebem, sentam-se e andam, conversam ou discutem, solidarizam-se ou hostilizam-se, morrem ou adoecem, tratam seus loucos ou recebem os estrangeiros, são alguns exemplos de “práticas culturais”, na perspectiva apontada por Chartier (1990). Os “modos de fazer” ou “práticas culturais” são produzidos por seres humanos em contínua relação com os outros e com o mundo e abrangem tanto as “práticas discursivas” como as “práticas não-discursivas”. Quanto aos “modos de ver” ou “representações” envolvem tanto as representações produzidas no nível individual (as representações artísticas, por exemplo), como as representações coletivas, os modos de pensar e de sentir. Outra importante contribuição de Chartier (1990) é o conceito de “apropriação”. De acordo com Barros (2005), as lutas de “representações” dão origem às inúmeras ‘apropriações’ possíveis das representações, de acordo com os interesses sociais, com as imposições e resistências políticas, com as motivações e necessidades que se confrontam no mundo humano. (...) O modelo cultural de Chartier, conforme daqui se depreende, é claramente atravessado pela noção de “poder” (o que, de certa forma, faz dele também um modelo de História Política). (...) “Apropriação”, conjuntamente com as noções de “representação” e de “prática”, constitui precisamente a terceira noção fundamental que conforma a perspectiva de História Cultural desenvolvida por Roger Chartier – esta perspectiva que, nos dizeres do próprio historiador francês, procura compreender as práticas que constroem o mundo como representação. Vista desta maneira, a História Cultural definida pela corrente historiográfica na qual se insere Roger Chartier, está precisamente atenta às influências recíprocas entre práticas e representações, e à apropriação destas com vistas a encaminhamentos sociais e políticos. BARROS, José D’Assunção. A história cultural francesa – caminhos de investigação. Fênix – Revista de História e Estudos Culturais. Out./Nov./Dez. 2005. v. 2, ano II, nº 4. p. 16. 254 CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel / Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, Coleção Memória e Sociedade, 1990. p. 17. 255 Idem, ibidem. 256 MEIRELES, Cecília. Ainda os museus. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.1, 1998. p. 291-293.
vários assuntos que se colocaram diante deles, ou diante dos quais eles se
colocaram. Esse aprendizado resultava das inúmeras viagens que pudera fazer até
aquela data. Para a educadora, as viagens eram uma outra forma de meditar. A
viagem como temática perpassa toda a sua obra: tanto a poesia quanto a prosa.
Está presente inclusive em suas “Crônicas de Educação”, como por exemplo, em
“Educação e turismo”,257 “A propósito de colônias de férias”,258 “Intercâmbio, folclore
e turismo”259 e “Embaixada de crianças”,260 entre tantas outras.
Cecília não era só alguém que tinha fascínio pelas viagens, era uma
incentivadora, acreditava no poder que as viagens têm em trazer mudanças
interiores para quem as empreende. Os vínculos entre educação e viagem, se não
podiam se efetivar na prática, da forma convencional, podiam realizar-se de forma
alternativa. É o que ela apresenta na crônica “Concursos de Beleza”,261 onde mostra
que é possível fazer as crianças viajarem e se interessarem por outros povos e
continentes a partir de estratégias impensadas pela maioria dos educadores. Os
concursos, dizia, eram uma excelente forma de ensinar história e geografia,
solidariedade e patriotismo, colocando a criança em contato com o mundo:
É mais fácil fazer a criança gostar de qualquer país através da moça bonita que ela pode ver, sentir, acompanhar com o seu interesse, que através desses monótonos mapas lustrosos ou rotos que, à passagem do vento, ondulam nas paredes, batendo, melancolicamente, a barra de madeira preta de encontro a ela, com um rumor surdo de coisa inútil.262
Na crônica intitulada “Educação e turismo”,263 de 25 de setembro de 1941,
publicada no jornal A Manhã, Cecília afirmava que o viajante, vai em busca de
alguma coisa diferente, que estimule a sua sensibilidade, que dê novas perspectivas
ao seu espírito e que explique, de outra maneira, o mundo e os seus habitantes; e
257 MEIRELES, Cecília. Educação e turismo. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.5, 2001. p. 91-93. 258 MEIRELES, Cecília. A propósito de colônias de férias. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.5, 2001. p. 103-106. 259 MEIRELES, Cecília. Intercâmbio, folclore e turismo, etc. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.5, 2001. p. 99-102. 260 MEIRELES, Cecília. Embaixada de crianças. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.5, 2001. p. 155-158. 261 MEIRELES, Cecília. Concursos de beleza. Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 23/08/30. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.1, 2001. p.147-148. 262 MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v. 1, 1998. 147-148. 263 MEIRELES, Cecília. Educação e turismo. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.5, 2001. p. 91-93.
se não vai seduzido pelas realizações humanas, irá procurar em formas diversas da
própria natureza surpresas que lhe faltam, ou compensações de beleza, de
harmonia, de paz.264
Ilustração 11. Passageiras na amurada do navio, “descobrindo” a Ilha de Boa Viagem. Bico de pena de Fernando Correia Dias de 5 de outubro de 1934, publicado no jornal A Nação em 9 de dezembro de 1934 (data presumida).
Suas crônicas de viagem, publicadas entre 1944 e 1963 em jornais como o
Diário de Notícias, A Manhã, Folha Carioca265 do Rio de Janeiro e Jornal de
Notícias, Correio Paulistano e Folha de São Paulo, de São Paulo, explicitam o
estímulo que as viagens proporcionaram à sua sensibilidade, as novas perspectivas
oferecidas ao seu espírito, que fizeram com que pudesse explicar, de outra maneira,
o mundo e os seus habitantes. A temática que surge de maneira ainda embrionária
nas “Crônicas de Educação” do Diário de Notícias torna-se mais consistente e
vigorosa em seus livros e, em prosa e verso, são fartas as alusões a navios,
naufrágios, sereias, ilhas e ondas. Suas reflexões nos fazem viajar com ela: juntos
tomamos o trem, entramos pelos palácios e catedrais, nos emocionamos com a
descrição da paisagem entrevista da sua janela e com a chuva que cai e forma
poças pelas calçadas. Os comentários que tece explicitam o estímulo que as
viagens proporcionaram à sua sensibilidade, as novas perspectivas oferecidas ao 264 MEIRELES, Cecília. “Educação e turismo”. Rio de Janeiro, A Manhã, 25 de setembro de 1941. 265 As crônicas “Rumo: Sul”, de I a XXV, foram publicadas pelo jornal Folha Carioca entre junho e outubro de 1944.
seu espírito, que fizeram com que pudesse explicar, de outra maneira, o mundo e os
seus habitantes.
Assim, nada mais natural que fossemos buscar também no “Diário de
Bordo”, a sua narrativa de viagem, as considerações que Cecília faz a respeito do
tema. Interrogando o “Diário de Bordo” procuramos sinais para entender quais foram
os sentidos da sua viagem a Portugal, ou seja, buscamos respostas para algumas
questões e estas puderam nos fornecer pistas suficientes para entender as
representações da intelectual, educadora e jornalista a respeito da viagem. De que
forma ela transmitiu as suas impressões – a travessia, o navio e a tripulação, os
passageiros, as cidades onde o navio fez escala, o lazer e o ambiente de bordo –
aos seus leitores do jornal A Nação.
Que relações de amizade estabeleceu durante a travessia e nas escalas do
navio em diversas cidades costeiras do Brasil? Como Cecília revelou o outro que
encontrou durante a viagem? Quem e que tipo de situações deram origem aos seus
comentários? Estas e outras questões oferecem pistas para entender como Cecília
viu o viajante e qual o significado da viagem para a educadora.
Podemos conceber o relato do “Diário de Bordo” como uma “prática
cultural”, na perspectiva apontada por Chartier (1990), um locus privilegiado onde
encontramos muitas das concepções que povoaram o universo da educadora.
Concepções que revelam o seu mundo cultural e as representações que a viajante
tinha de si, do outro e do mundo, neste caso específico, o cotidiano do navio e os
seus passageiros. Ao narrar a sua experiência de viagem Cecília marca a sua
presença no cenário cultural em um determinado tempo e espaço e devemos estar
atentos para o fato de que como todos os outros, o seu relato é intencional, por mais
rico e original que este seja. Vale lembrar, como sugere Miceli (1994) que os relatos
não são a totalidade das experiências vivenciadas pelos viajantes mas contém
apenas vestígios selecionados para compor seus lances mais notáveis e
marcantes.266
No “Diário de Bordo” estão registradas tanto as práticas culturais de Cecília
e dos passageiros do navio como as representações que a educadora tem desse
universo cultural em particular e que permeavam o seu horizonte intelectual.
Partindo-se do princípio que os livros, como qualquer outra produção artística, de
266 MICELI, Paulo. O ponto onde estamos: viagens e viajantes na história da expansão e da conquista. São Paulo: Página Aberta, 1994. p. 37.
certa forma espelham o mundo interior e exterior de quem o escreve, mesmo
quando tratam de ficção, podemos encontrar ao longo de toda a produção intelectual
de Cecília as suas representações sobre as mais diversas temáticas.
Ao utilizar as narrativas de viagem como fonte documental, Pimentel (1998)
constatou que uma preocupação recorrente nos relatos dos viajantes estudados é
que estes não querem ser confundidos com os turistas e procuram deixar bem
visíveis essas diferenças. Segundo a autora, uma coisa é ser turista, outra é ser
viajante. Essa é a impressão que nos fica dos relatos daqueles que viajam e
insistem em marcar as suas diferenças em relação aos que fazem turismo.267 Os
turistas são vistos como viajantes desinformados, sem tempo, e conseqüentemente,
sem atenção ao que vêem. Sendo assim, bastante natural que o viajante não queira
ser confundido como turista, pois ele se atribui um status diferente, pois são
diferenciados a sua formação, os seus objetivos e o seu olhar, entre outros atributos
que eles possuem e que os turistas jamais serão possuidores. Em uma crônica
intitulada “Roma, turistas e viajantes”, de 1953, Cecília Meireles parece querer
assinalar, definitivamente, as diferenças existentes entre turistas e viajantes:
Grande é a diferença entre o turista e o viajante. O primeiro é uma criatura feliz, que parte por este mundo com a sua máquina fotográfica a tiracolo, o guia no bolso, um sucinto vocabulário entre os dentes: seu destino é caminhar pela superfície das coisas, como do mundo, com a curiosidade suficiente para passar de um ponto a outro, olhando o que lhe apontam, comprando o que lhe agrada, expedindo muitos postais, tudo com uma agradável fluidez, sem apego nem compromisso, uma vez que já sabe, por experiência, que há sempre uma paisagem por detrás da outra, e o dia seguinte lhe dará tantas surpresas quanto a véspera. O viajante é criatura menos feliz, de movimentos mais vagarosos, todo enredado em afetos, querendo morar em cada coisa, descer à origem de tudo, amar loucamente cada aspecto do caminho, desde as pedras mais toscas às mais sublimadas almas do passado, do presente e até do futuro – um futuro que nem conhecerá.268
E, finalmente,
O turista feliz já está em sua casa, com fotografias por todos os lados, listas de preços, pechinchas dos quatro cantos da terra. E o
267 PIMENTEL, Thaís Velloso Cougo. De viagens e de narrativas: viajantes brasileiros no além-mar (1913-1957). 1998. Tese (Doutorado). Universidade de São Paulo, Departamento de História. p. 57. 268 MEIRELES, Cecília. Roma, turistas e viajantes. In: Crônicas de Viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 101-104.
viajante apenas inclina a cabeça nas mãos, na sua janela, para entender dentro de si o que é sonho e o que é verdade.269
Essa idealização do viajante, ou mesmo o status de herói que o viajante
possuía até o século XIX foi, de acordo com Souza (1994), afetado pela
modernização dos meios de transporte, pela diversificação dos roteiros e pela
melhoria geral das condições de vida. Esses foram alguns dos fatores que
popularizaram o hábito de viajar e modificaram o viajante, os seus objetivos e
interesses. As modificações alavancadas pelo progresso material introduziram a
velocidade no universo da viagem,270 fator que reduziu as distâncias e alterou a
percepção do tempo. Essas modificações além de modificarem o ritmo vulgarizaram
as viagens. Mais rápidas e com menor custo, as viagens tornaram-se mais
acessíveis a outros extratos sociais e deixaram de ser um privilégio das classes mais
abastadas. A arte de viajar abrangia práticas que o desenvolvimento do turismo de
massas dissolveu e o turista tornou-se, portanto, um viajante sem alma, desprovido
de valores essenciais e da capacidade perceptiva do viajante clássico.271 Ao avançar
e sofisticar-se a indústria do turismo banalizou a figura do turista a ponto de torná-lo
um estereótipo risível, como assinalado por Pimentel (1998).272 Dessa forma, nada
mais natural que o viajante da elite não quisesse se parecer com esse consumidor
compulsivo de trens, hotéis e monumentos. O viajante concebe a viagem sob um
ponto de vista diferenciado, pois ela é uma oportunidade de crescimento intelectual;
além disso, ela confere distinção em relação ao demais:
O preconceito contra o turista atribuía uma qualidade diferente ao viajante civilizador, que aparece como sujeito de uma experiência, ao contrário do turista, mera peça de um esquema pré-resolvido. O viajante viajava de maneira especial. Sua missão, qualquer que fosse o motivo de sua viagem, era observar, refletir, comparar, e, em aqui chegando, divulgar, ensinar, civilizar. O turista, sendo um viajante sem esse compromisso, apenas ia de um lugar ao outro tentando tirar proveito próprio de suas andanças. Havia ainda, no início do século, a figura de um outro viajante, o globe-trotter, que nem era o turista e nem o viajante civilizador. Comparado ao turista, em alguns casos, caracterizava-se pelo “prazer physico de se
269 MEIRELES, Cecília. Roma, turistas e viajantes. In: Crônicas de Viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 101-104. 270 SOUZA, Anlene Gomes de. O estrangeiro e a cidade: o Rio de Janeiro e o imaginário da viagem na primeira metade do século XX. 1995. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. p. 63. 271 Idem, p. 64. 272 PIMENTEL, Thaís Velloso Cougo. De viagens e de narrativas: viajantes brasileiros no além-mar (1913-1957). 1998. Tese (Doutorado). Universidade de São Paulo, Departamento de História. p. 57.
movimentar”, mas, diferente do turista, não tinha a exigência do conforto e da comodidade como condições da viagem.273
O território brasileiro tornou-se conhecido pelos europeus principalmente a
partir das narrativas de viajantes que aqui estiveram em diversas ocasiões. Os
relatos desses viajantes foram utilizados, até 1970, segundo Leite (1997), sem
maiores análises críticas ou fora de uma perspectiva histórica. Embora sejam fontes
promissoras de dados qualitativos, essa documentação deve passar por um crivo
analítico, que torne válida a sua contribuição.274 Descrições carregadas de exageros,
possibilidades e também de preconceitos, serviram para alimentar o imaginário de
gerações e gerações de europeus. Ao mesmo tempo em que foi difundido o mito do
bom-selvagem, do paraíso perdido e/ou do éden americano, estes viajantes
difundiram uma forma preconceituosa de ver as populações originárias do continente
americano, consideradas como brutas, selvagens, incivilizadas e, na melhor das
vezes, exóticas.
Em estudo que analisa a visão dos europeus sobre a cidade do Rio de
Janeiro, Souza (1995) verifica quão paradoxais são as suas narrativas. Vão do
encantamento à decepção, do deslumbramento com a exuberância da natureza à
descrição que desqualifica os habitantes e seus costumes. A crítica desfavorável se
instala, constata a autora, até mesmo nas obras de propaganda turística ou de
informação histórico-geográfica destinadas a vender uma imagem positiva do Brasil
no exterior, julgamento inadvertidamente deixado à mostra pela comparação que os
seus autores fazem da realidade visitada com a cultura de origem. Os encontros
entre sujeitos de diferentes culturas são, para a autora, marcados por
incompreensões, idealizações e inversões de sentidos e pela superficialidade;
aspectos que podem ser interpretados como o resultado de uma incapacidade de
apreensão, ou indiferença, frente à realidade estranha.275
Consumidas tanto por europeus quanto por brasileiros, essas narrativas e o
conteúdo estereotipado que elas disseminaram, serviram de parâmetro para compor
as representações que os europeus fizeram do Brasil e dos seus habitantes, ao
273 PIMENTEL, Thaís Velloso Cougo. De viagens e de narrativas: viajantes brasileiros no além-mar (1913-1957). 1998. Tese (Doutorado). Universidade de São Paulo, Departamento de História, p. 66. 274 LEITE, Miriam Lifchitz Moreira Leite. Livros de viagem (1803-1900). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997. p. 9. 275 SOUZA, Anlene Gomes de. O estrangeiro e a cidade: o Rio de Janeiro e o imaginário da viagem na primeira metade do século XX. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 1995, p. 100.
mesmo tempo em que ajudaram na elaboração que os brasileiros fizeram de si e de
sua terra. Podemos afirmar que essa literatura foi de certa forma, responsável pelo
aprendizado de muitos intelectuais brasileiros que aprenderam a se olhar através
dos olhares do outro e para constatar que nem sempre gostaram do que viram.
A constatação da precariedade e/ou insuficiência da civilização dos trópicos
frente à superioridade da civilização européia esteve presente não apenas nas
narrativas dos viajantes europeus. Essa é a constatação que Santos (2002) faz
quando analisa relatos de viagem à Europa de intelectuais brasileiros. A escrita
desses intelectuais viajantes permitiu que a autora identificasse duas formas
distintas entre si quanto às relações viagem/escrita, definindo duas linhagens de
viajantes. Uma vez estabelecidas, essas linhagens possibilitaram a aproximação por
semelhança de escritores de diferentes gerações que, no entanto, dentro da
perspectiva de análise que a autora adota, compartilhavam formas de escrever e
viajar.276
Em se tratando dos viajantes intelectuais brasileiros a viagem era um
privilégio dos bem nascidos. Viajar era uma forma de conferir pessoalmente a
superioridade da cultura européia. Tomando como objeto os intelectuais brasileiros
viajantes e suas narrativas de viagem Santos (2002) constata que esta é uma
questão muito mais complexa. A autora identifica, a partir dessa produção, dois
eixos centrais, distintos entre si quanto às relações viagem/escrita e que permitem a
elaboração de duas linhagens de viajantes, que para ela tem a vantagem de
possibilitar a aproximação por semelhança, de escritores de diferentes gerações que
compartilham formas de escrever e viajar também distintas. Ela divide os viajantes-
narradores em duas linhagens: Nabuco e Modernistas. Os primeiros, à semelhança
de seu inspirador, Joaquim Nabuco, entendem a travessia do Atlântico como uma
oportunidade de ratificar a superioridade cultural européia, e mais particularmente,
da França. Para os Modernistas o objetivo da viagem não significa mais a
confirmação dessa supremacia, mas passa a servir à construção de uma tradição
cultural brasileira. Como Pimentel (1998), a autora, também constata a necessidade
276 SANTOS, Claudete Daflon dos. A viagem e a escrita: uma reflexão sobre a importância da viagem na formação e produção intelectual de escritores-viajantes brasileiros. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Letras. 2002. p. 12.
que os autores de livros de viagem têm em explicitar aos seus leitores que estão na
companhia de um viajante legítimo.277
Para os filhos diletos de uma elite econômica e cultural, a viagem era a
confirmação da sua educação européia, uma das etapas da sua formação intelectual
e pessoal e se limitaria à mera excursão, se não fosse registrada.278 A perspectiva
conservadora ou transformadora279 que a viagem conferia ao viajante também era
responsável pelas diferenças que marcavam o tom das suas narrativas. Duas
possibilidades se apresentavam: ou o intelectual ia à Europa conferir o que já sabia
pela educação e pela literatura e se ligava à terra natal pelo afeto e à Europa pela
inteligência,280 como afirmava Joaquim Nabuco281 (e era o mesmo que se encantava
pela superioridade cultural do Velho Mundo) ou era o viajante modernista. Esse
segundo tipo de viajante seria aquele que apesar de conhecer a trilha que lhe é
reservada desde o princípio de sua formação, (...) desvia-se dela em direção a
elementos novos que lhe possibilitem construir um outro roteiro282 que lhe permita
um outro tipo de escrita em que registrava não o que já está solidificado, mas
problematizava os seus caminhos. Esse roteiro de viagem, por fim, conduziria os
passos do viajante de volta ao Brasil, pois a descoberta iniciada em plena Europa
deveria prosseguir em solo brasileiro.283
A narrativa presente no “Diário de Bordo” difere bastante das narrativas do
primeiro tipo de viajantes. Não pode ser considerada conservadora, de acordo com a
perspectiva desenvolvida por Santos (2002), segundo a qual a viagem é
conservadora, se somente contribui para confirmar os códigos que o viajante já
possui. Encontra mais similitudes com a perspectiva transformadora, pois Cecília
coloca em xeque as suas concepções a respeito de si e do mundo. Outra 277 SANTOS, Claudete Daflon dos. A viagem e a escrita: uma reflexão sobre a importância da viagem na formação e produção intelectual de escritores-viajantes brasileiros. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Letras. 2002. p. 12. 278 Idem, p. 76. 279 Segundo a autora, a viagem tem um caráter conservador quando contribui apenas para confirmar e reiterar os privilégios e o pertencimento do viajante a uma elite intelectual, e ratificar a supremacia da cultura européia. Não produz mudanças efetivas nas concepções do viajante, que só verifica o que já sabe. A viagem supostamente cumulativa e, portanto, de formação revela-se falsa quando se descobre, encoberta sob a superfície de aparente mudança, a permanência. É transformadora na medida em que contribuiria para levar o viajante a rejeição a uma atitude deslumbrada e a rever sua atitude frente à realidade de seu país de origem. Idem, p. 88-110. 280 SANTOS, Claudete Daflon dos. A viagem e a escrita: uma reflexão sobre a importância da viagem na formação e produção intelectual de escritores-viajantes brasileiros. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Letras. 2002, p. 88. 281 Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo (1849-1910) político, diplomata, historiador, jurista e jornalista brasileiro. Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. 282 Idem, p. 112-113. 283 Idem, p.113.
particularidade do relato de Cecília é surgir das reminiscências de um poeta. Como
afirma Bakidian (1988) todos os poetas são viajantes,284 já que se permitem às
viagens literárias, metafóricas e/ou fictícias e procuram transformá-las em
experiências concretas que em ocasião propícia servirão de substrato para novas
viagens imaginárias.
Uma distinção em relação ao viajante é feita por Leite (1997), quando
aponta as diferenças intrínsecas este e o habitante, ao afirmar que como não faz
parte do grupo cultural visitado, o viajante tem condições de perceber aspectos,
incoerências e contradições da vida quotidiana que o habitante, ao dá-la como
natural e permanente 285 encontra-se incapaz de perceber. Dessa forma, o habitante
por estar entranhado em sua realidade sociocultural, reflete apenas sobre seus
aspectos mais próximos, sem tomar conhecimento de muitos outros do ambiente em
que se encontra, e aceita, quase que tacitamente as instituições, as inter-relações
sociais, os sinais, as indicações e orientações, que compõem o padrão cultural do
grupo social a que pertence sem fazer uma reflexão mais ampla.286 A autora refere-
se, ainda, às diferenças existentes entre viajantes e imigrantes segundo a qual, não
é apenas a viagem de vinda sem retorno que diferencia o viajante do imigrante. Se o
primeiro procura conservar os padrões culturais de sua comunidade original, o
segundo já apresenta uma predisposição a incorporar os esquemas mentais do povo
visitado, no pior dos casos como um meio de aprimoramento de sua percepção-do-
outro, para ser aceito e manter relações amistosas ainda que cheias de mal-
entendidos.287 A mobilidade social e econômica de que desfrutam lhes dá autonomia
a ponto de poder observar, descrever e classificar em termos ordenados de acordo
com ideais científicos de coerência, consistência e conseqüência analítica questões
que, para o habitante daquele universo social, constituem um campo de atos
possíveis, só secundariamente constituintes do objeto de reflexão sistemática.288
Por ser estranho ao grupo, ele pode e observa comportamentos, hábitos e idéias
que passam despercebidas aos habitantes do país.
284 Bakidian, apud SANTOS, Claudete Daflon dos. A viagem e a escrita: uma reflexão sobre a importância da viagem na formação e produção intelectual de escritores-viajantes brasileiros. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Letras. 2002, p. 29. 285 LEITE, Miriam Lifchitz Moreira Leite. Livros de viagem (1803-1900). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997. p. 10. 286 Idem, p. 10. 287 Idem, p. 164. 288 Idem, p. 162.
Em outras oportunidades Cecília Meireles procurou fazer uma diferenciação
entre os termos turista e viajante. Essa não é uma operação gratuita, uma vez que
nessa caracterização que faz entre os dois termos estão impressas as suas
representações, isto é, os seus valores, as suas crenças, o seu lugar social, a sua
educação, etc. Nessa distinção, mais ligada ao amadurecimento intelectual e
humano, o turista, não é, segundo ela, um poeta, nem um historiador, nem um sábio,
pois é cheio de exigências, ávido por ver o panorama e extremamente preocupado
com pequenos detalhes, ao invés de se extasiar diante de uma igreja ou de um
museu. O viajante, por outro lado, não se queixa dos trens quebrados, dos
automóveis sem molas, das estradas, da poeira ou dos mosquitos, pois estão
possuídos de sonho e fanatismo da mais pura qualidade.289
Entretanto, no “Diário de Bordo” a palavra turista não é mencionada uma
única vez e Cecília emprega o termo viajante em apenas meia dúzia de
oportunidades. O termo passageiro também é utilizado de forma ainda mais
parcimoniosa: uma única vez. Mas o que fica visível em suas crônicas são as suas
representações que demonstram o sentido que a viagem tem para cada uma dessas
categorias apontadas. Cecília define a maior parte dos seus companheiros de
viagem como passageiros. Passageiros não são viajantes. Como a própria palavra
sugere passageiros são aqueles que se encontram de passagem. Os passageiros,
de acordo com Cecília, concebem a viagem sob um ponto de vista demasiado
prático, estabelecem uma relação utilitarista e desde o momento do embarque não
se admiram, não se comovem com a paisagem, nem com as amizades ou com o
ambiente de bordo, pensam exclusivamente nisto: chegar.290 Para ela, as viagens
têm um sentido muito mais profundo e são consideradas como uma aventura do
espírito, uma forma de aprendizado e de crescimento interior. Pelas considerações
que faz, compreendemos a própria Cecília como o viajante que ela descreve. Ela é o
viajante, pois encerra em si mesma a capacidade de se admirar, a disponibilidade
para aprender, é quem tem tempo e curiosidade para ver, sentir, se emocionar e
sensibilidade para amar as surpresas:
Não somos muitos: geralmente, os passageiros não se animam a sair dos camarotes a hora tão matinal para um espetáculo desses. Em
289 MEIRELES, Cecília. Crônicas de Viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v. 1-3, 1999. p. 71. 290 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 06/10/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 05 de outubro de 1934).
mim, porém, acostumada, em terra, a uma vida extremamente ativa, este lugar de bordo desperta uma força de curiosidade que traz ao campo do meu repouso as solicitações dos motivos novos que surgem. Nem precisa haver terra à vista. O mar é, por si mesmo, uma novidade diferente, a cada instante. Ver a noite mudar-se em dia; ir descobrindo as cores encobertas na sombra, trazendo-as para o céu e para as águas; sentir a curva das ondas projetar-se da quilha, e quebrar-se em milhares de madrepérola; assistir à elevação do sol, acompanhando a forma e o destino das nuvens; respirar o odor agudo do vento, que dispersa um chuveiro finíssimo de espuma; depois com o crescimento do dia seguir a transformação de tudo: do céu que compõe sua tonalidade; do mar que parece mais elástico, mais denso e mais nítido; do vento que equilibra sua força retesa, por fim, saber que tudo recolhe novamente os seus aspectos, que outra vez se ocultam cores e formas, na sombra imensa em que apenas o corpo do mar se move e em que só as estrelas se distinguem, - a vida universal e a humana se refletem nessa sucessão de imagens. E quem souber viajar preservando das tentações da superficialidade as virtudes contemplativas que, por acaso, possua, terá realizado uma experiência espiritual que dificilmente se conseguiria noutras condições.291
E ainda:
Permitam-me que ache bem ir devagarinho por sobre as ondas, como a tímida mão de uma criança que apenas experimenta escrever imperfeitamente uma palavra que a preocupa e resume toda a sua vida, - em lugar de passar correndo como as linhas mecânicas que um bom datilógrafo consegue produzir inconscientemente, desarticulando sobre uma excelente máquina os seus dez dedos valentes, previamente acautelados numa companhia de seguros. Permitam-me gostar mais das estrelas que do almoço! Permitam-me gostar mais do sonho que sonho que da cama em que durmo! Permitam-me preferir meus personagens interiores às possíveis impertinências de algum companheiro neurastênico...292
São múltiplas as formas e inúmeros os significados do ato de viajar,
segundo Chamon (2005) e a diferença não reside apenas nos meios de transporte
utilizados, no investimento financeiro despendido, nos roteiros, nas distâncias
percorridas, no tempo (e no dinheiro) gastos no percurso e na permanência. Esses
elementos têm a sua importância, porém a motivação, os sentidos e os significados
291 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 30/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 01 de outubro de 1934). 292 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 06/10/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 05 de outubro de 1934).
que a viagem apresenta para cada viajante, são dimensões que não podem ser
desconsideradas:
Dizer isso é dizer que o ato de viajar comporta um deslocamento geográfico, mas também um deslocamento no tempo, o qual não se mede única e simplesmente pelo calendário, mas, principalmente, pelo fazer social dos homens. Nesse sentido, a viagem, assim como a história, é a busca da alteridade.293
Se a palavra viajante é pouco utilizada por Cecília no “Diário de Bordo”, o
que sobressai nas suas crônicas são as atitudes do viajante, que são, aliás, atitudes
dela própria, como referido anteriormente, pois em momento algum ela se refere às
expectativas que os outros passageiros ou viajantes têm da viagem.
Ilustração 12. A orquestra do “Cuyabá”. Bico de pena de Fernando Correia Dias ilustra a crônica do dia 2 de outubro de 1934, publicada no jornal A Nação em 2 de dezembro de 1934.
Cecília pontuava, em sua narrativa, diversas situações em que podemos
detectar as representações que os passageiros têm, e não as aspirações em relação
à viagem. Ela confrontava situações, atitudes e comentários dos passageiros e a 293 CHAMON, Carla Simone. Maria Guilhermina Loureiro de Andrade: a trajetória profissional de uma educadora (1869-1913). 2005. Tese (Doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Educação.
partir desses contrastes é possível vislumbrar as categorizações que faz e distinguir
quem é quem: o viajante, o artista, o esnobe, etc., como eles se comportam, que
atitudes têm diante dos longos dias passados em viagem.
Ilustração 13. As “amáveis” conversas nos cadeirões da tolda. Bico de pena de Fernando Correia Dias de 26 de setembro de 1934, ilustra crônica publicada no jornal A Nação em 11 de novembro de 1934.
Cecília fazia, de forma genérica, uma oposição de certas categorias de
passageiros: os capitalistas que exibiam sua imponência na mole preguiçosa do
convés;294 os indolentes, que não se animavam a sair dos camarotes; os
intelectuais, que viviam mergulhados em romances e poesias;295 os esnobes, que
exibiam suas jóias e os seus privilégios; os temperamentos esportivos que atiravam-
se à piscina até a hora do jantar e dançam, dessa hora em diante;296 os ativos e
ambiciosos que faziam apostas de pôquer no bar; e os impertinentes neurastênicos
294 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 23 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 10/10/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 11 de outubro de 1934). 295 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 11/11/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 26/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 27 de setembro de 1934). 296 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 30/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 01 de outubro de 1934).
de bordo, que incomodavam-se com os barulhos do navio e com o bombo da
orquestra.297
Ilustração 14. Wolkowyski, um dos amigos de viagem. Bico de pena de Fernando Correia Dias de 5 de outubro de 1934, publicado no jornal A Nação em 9 de dezembro de 1934 (data presumida).
Durante a travessia, alguns passageiros, em particular, chamavam a
atenção de Cecília: o marechal de barba de mefistófeles298 que pensava que ela era
francesa e recitava de cor as inscrições de alguns dos cemitérios que visitou em
prosa e verso; o “Fritz artista”, um alemão todo vermelho, de topete amarelo que
estava sempre dizendo ao garçom, à hora da mesa: “Bota mais. Pode bota mais.
Isso é comigo. Estou com muito fome...”;299 o médico dos emigrantes, tão parecido,
fisicamente, com Eça de Queiroz, que reúne, ao monóculo e à cabeleira ruiva (...)
uma neurastenia perniciosa, com crises intensas contra a lâmina das facas e o
bombo da orquestra.300
297 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934. (sem data). p. 2. “Suplemento Literário”. 298 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 21/10/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 23/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 22/09/1934). 299 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 28/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 29 de setembro de 1934). 300 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 21/10/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 23/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 22/09/1934).
As representações de Cecília revelam as concepções de quem transita
pelos meios intelectuais e revelam uma leitura ampla do mundo. Ainda assim, é um
tanto quanto intransigente e não concebe certos equívocos sociais como, por
exemplo, o dos ricos e esnobes como descreveu na crônica do dia 26 de setembro
de 1934. Cecília refere-se à falsa cordialidade de alguns viajantes naquele ambiente
superficialmente homogêneo, mas com profundas diversidades individuais, onde a
bondade e a modéstia humanas são qualidades raras de se encontrar, em que os
sorrisos continham uma certa dose de veneno e nos olhares podia-se detectar
sempre um raio de perversa malícia espreitando e ferindo.301
Todavia este comportamento não era parte dos atributos masculinos, pois,
para Cecília, os homens são criaturas de índole pacifica e estão organicamente fora
de tais cogitações. Mas as mulheres! E, baseando-se nas conversinhas amáveis dos
cadeirões da tolda, enquanto se espera a campainha para a merenda, ela construiu
um diálogo onde deixou escapar as impressões que tinha de algumas mulheres,
que, com refinada astúcia, procuravam analisar os vestidos e as jóias umas das
outras, e ver se são de pedras falsas ou verdadeiras, e descobrir se pintam ou não
os cabelos, se possuem algum dente postiço302, tendo por hábito o exibicionismo de
seus atributos físicos e econômicos:
As mulheres são terríveis nessas coisas. Têm balanças, compassos, metros e microscópios nos olhos. Com um simples olhar, distinguem se a vítima usa cinta ou modelador, quanto mede nos tornozelos ou no busto, a espécie de creme que aplica, o número que calça, a malha das meias que veste, - e, acima de tudo, a média das suas possibilidades de atração. Dessa media é que depende a sorte da infeliz criatura assim analisada. (...) “Meu marido é um atleta. Meus filhos também. Aos domingos ficamos com a casa cheia de amigos. Todos atletas. É encantador. Também gostamos muito de frutas. Dizem que as frutas à noite fazem mal, - mas, mesmo assim, lá em casa ninguém se deita sem passar, antes, pela cozinha. Eu adoro as peras d’água. Meu marido adora ameixas. Um dos meus filhos também. O outro adora as maçãs cozidas. Minha filha adora tudo. Nos adoramos o que é bom. Nossos amigos nos adoram. A vida é uma coisa adorável!...” Nesse ponto, se entrar alguma infeliz para sentar-se à mesa, pode-se puxar um lorgnon de tartaruga (oh! uma preciosidade! Pertenceu à madrinha da rainha Vitória, e este anel foi
301 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 11/11/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 26/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 27 de setembro de 1934). 302 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 11/11/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 26/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 27 de setembro de 1934).
de uma prima de Victor Manuel, e este broche pertenceu a D. Carlota Joaquina, e estes brincos foram da segunda mulher de Napoleão...) – pode-se puxar um lorgnon todo cravejado de diamantes e murmurar: “Que idiota! Se isto é cor para um vestido de jantar! Há quanto tempo o azul já passou de moda!”303
Entretanto, é mais condescendente em definir o comportamento de uma
outra categoria de passageiros por ela designados como artísticos: nessa classe
estão incluídos Correia Dias, Wolkowisky e ela própria. Correia Dias porque se
entregava à representação de todos os motivos de beleza que passam pelos seus
olhos e Wolkowisky que, entre outras atitudes típicas de um artista, passava horas
brincando com as cordas de um violão que levou do Brasil. Finalmente, refere-se
aos filósofos que metem-se na cabine, fecham os cortinados, e adormecem, quando
não preferem ajoelhar-se no leito e debruçar-se na vigia, vendo a solidão do céu e
do mar esperando, há tanto tempo não se sabe o que!304 Por essa descrição,
concluímos que esta é mais uma caracterização que Cecília faz de si mesma.
O artista por excelência era mesmo Correia Dias. Era ele quem merecia e
recebia os maiores comentários por parte de Cecília que descreveu algumas das
suas tantas atividades criativas. O pintor instalou no tombadilho um verdadeiro
atelier de pintura onde305 pintou a óleo, todas as taboinhas de caixa de charuto que
havia a bordo, convertendo em cavalete uma destas cadeiras do convés306 e fez uns
dez ou doze quadros – pequenas manchas a óleo – sobre cada coisa que passa;307
em Recife pintou um quadro do Cardeal Cerejeira, seu contemporâneo em Coimbra,
que passava pelo porto de rumo ao Congresso Eucarístico de Buenos Aires a bordo
do “Highland Brigade”, para o jornal A Nação;308 fez um retrato do comandante, que
foi oferecido por ele e pelo jornal A Nação, com os autógrafos de todos os
passageiros, como lembrança da viagem do “Cuyabá”.309
303 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 11/11/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 26/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 27 de setembro de 1934). 304 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 30/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 01 de outubro de 1934). 305 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 02 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 02/10/1934). 306 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 21/10/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 22/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 23/09/1934). 307 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 11/11/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 26/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 27 de setembro de 1934). 308 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 28/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 29 de setembro de 1934). 309 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 07/10/1934 e publicado juntamente com os relatos dos dias 08 e 09 de outubro de 1934).
Cecília também menciona o fato de que Correia Dias acabou tornando-se o
desenhista oficial do navio e fez a entrega de alguns de seus desenhos a título de
premiação aos doadores mais generosos, na festa organizada em benefício da
orquestra do “Cuyabá”.310 O temperamento artístico do marido também foi lembrado
por Cecília, como a homenagem que o pintor fez aos aviadores Gago Coutinho311 e
Sacadura Cabral.312
Ilustração 15. Os rochedos São Pedro e São Paulo, em Fernando de Noronha, Pernambuco. Bico de pena de Fernando Correia Dias de 1 de outubro de 1934, ilustra a crônica publicada em 25 de novembro de 1934 (data
presumida).
Ao passar pelos rochedos S. Pedro e S. Paulo, célebres na historia da
aviação por assinalarem um ponto da travessia do Atlântico o artista expôs um
fragmento do avião no salão do “Cuyabá”, que guardava como relíquia daquele
acontecimento, sobre um cartaz dourado com a seguinte inscrição:
“Homenagem a Gago Coutinho e Sacadura Cabral, que passaram pelos rochedos S. Pedro e S. Paulo em 1922, fazendo a primeira
310 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 09/10/1934 e publicado juntamente com os relatos dos dias 07 e 08 de outubro de 1934). 311 Carlos Viegas Gago Coutinho (1869-1959) navegador e historiador português. Juntamente com Sacadura Cabral realizou em 1921 a travessia aérea Lisboa-Funchal e, em 1922, a primeira travessia aérea do Atlântico Sul, utilizando instrumentos de navegação, como o sextante de precisão e o corretor de rumos de sua invenção. 312 Artur de Sacadura Freire Cabral (1881-1924), oficial da Marinha portuguesa que realizou a primeira travessia aérea do Atlântico Sul, junto com Gago Coutinho, em 1922.
travessia do Atlântico em aeroplano. Este fragmento de madeira é uma relíquia: pertenceu ao aparelho que serviu a tão grande feito”. E os passageiros contemplaram com certa surpresa aquele pedacinho de madeira de meio centímetro de espessura, lacrado de branco – uma coisinha que parece o pedaço de uma pequena caixa qualquer – tendo sido, afinal, parte de uma verdadeira epopéia.313
Outra dessas iniciativas artísticas do artista aconteceu na manhã do dia 05
de outubro, quando o “Cuyabá” se aproximou das ilhas de Maio e Boa Vista do
arquipélago de Cabo Verde e foi descrita na crônica do dia 5 de outubro: para
saudar o poeta Augusto Casemiro, que estava exilado para além dessas duas ilhas,
Correia Dias redigiu uma mensagem em pergaminho, mete-a numa botija lacrada,
escreve-lhe por fora o endereço, com letras prateadas. Quando o navio chegou ao
ponto em que a correnteza era mais favorável a mensagem foi confiada ao mar.314
Porém, há aqueles que merecem um tratamento diferenciado e ela é mais
condescendente no delineamento das suas qualidades e mesmo de suas pequenas
idiossincrasias. Alguns desses viajantes tornaram-se seus parceiros de viagem
como Wolkowisky, que faz roda e dança no convés deserto com ela e Correia Dias
para aquecer e distrair.315 Wolkowisky é o companheiro do casal a bordo e também
os acompanha em todas as excursões que fazem em terra: na Bahia saem para
comprar livros franceses316 e arrancar ao solo baiano um pedaço de terra317 que
Cecília pretende levar para Portugal e em Recife onde o amigo apresentou as
belezas da cidade e os convidou para um creme num depósito de frutas, conservas
e doces que conheceu quando desembarcou em Recife a caminho do Rio de
Janeiro.318
Outra companheira de viagem é a princesa da colônia portuguesa, Amélia
Borges Rodrigues, a formosa açoriana que faz filmes de propaganda e anima com
as suas quentes gargalhadas as longas horas de bordo; o jornalista, escritor e
313 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 01/10/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 30 de setembro de 1934). 314 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 05/10/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 06 de outubro de 1934). 315 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 21/10/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 22/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 23/09/1934). 316 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 04/11/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 25/09/1934). 317 Idem, ibidem. 318 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 11/11/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 27/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 26 de setembro de 1934).
político Costa Rego;319 alguns elementos da tripulação do navio, sempre elogiada
por Cecília, do qual se destaca o comandante e ainda o pintor Murillo La Greca320
que o casal encontrou em Recife e que os convidou para uma incursão ao coqueiral
da Boa Viagem e aos “mocambos”.321
Este retrato da população do navio foi pintado com traços e imagens que
procuravam convencer o leitor, cristalizando representações, discretas ou explícitas
sobre o que seria o contexto social do navio. Através de tais imagens, a educadora
projeta-se como intelectual e também como artista ao mesmo tempo em que se
distancia dos passageiros comuns. Para ela, os sentidos da viagem são outros. Não
se confundem com os objetivos dos outros passageiros. Suas crônicas não estão a
serviço do meramente descritivo, mas prestam-se, sobretudo, às suas experiências
mais profundas.
1.3. O espírito poético da educação e a construção de um
mundo melhor
Agora tem-se a sensação de que o Brasil efetivamente terminou. O Rio de Janeiro é um sonho sonhado há muito tempo... – paisagem desfeita, figuras recuando na névoa, silêncio cada vez maior. Vitória, com seus rochedos arredondados como cestas de flores, submergiu nas águas verdes abaladas pelo vento. Bahia, a dos campanários e morros, é uma saudade que se conforma em fechar os olhos... O quebra-mar de Recife sumiu-se; acabaram-se os coqueiros. Fernando de Noronha desfez no oceano a verdura das suas pedras... E a bandeira do farol de S. Pedro e S. Paulo perdeu pelos ares a
319 Pedro da Costa Rego, jornalista, escritor e político alagoano. Fundou a revista literária Véritas, com o pseudônimo de “Celestino Pompéa”. Trabalho em jornais como O Século, Correio da Manhã, onde dirigiu, como redator-chefe, uma notável equipe de literatos que contava com nomes como Graciliano Ramos, Otto Lara Resende, José Lins do Rego, Aurélio Buarque de Hollanda, Otto Maria Carpeaux e Rodolfo Mota Lima. Na vida pública, foi secretário da agricultura (1912), deputado federal (1915-17, 1918-20, 1921-23), governador (1924-28) e senador (1929-30 e 1935-37), sempre por Alagoas. Como educador, mesmo sem nunca ter freqüentado curso superior, Costa Rego implantou a primeira cátedra brasileira de jornalismo na Universidade do Distrito Federal, onde lecionou História das Américas e adotou um enfoque pedagógico voltado às raízes européias de formação humanística dos profissionais. Dicionário do Jornalismo Brasileiro. Disponível em: <http://www.eca.usp.br/pjbr/arquivos/dic_c6.htm> 320 Murillo La Greca (1899-1985) foi um pintor e professor brasileiro filho de italianos. Nasceu em Recife e foi estudar no Rio de Janeiro, no atelier dos irmãos Bernadelli. Entre 1919 e 1925, residiu em Roma, onde se matriculou em três escolas de arte. Voltou ao Brasil em 1926 e conquistou o reconhecimento de seus conterrâneos, chegando a ser premiado em diversos salões nacionais, entre elas uma medalha de prata no Salão Oficial de Belas Artes do Rio de Janeiro, em 1927, com o quadro Os últimos fanáticos de Canudos. 321 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 11/11/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 26/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 27 de setembro de 1934).
lembrança das suas cores, como se tivessem voado com as gaivotas que o navio dispersou... Terra, agora, só em Cabo Verde... – daqui a três dias.
“Diário de Bordo”, 02/10/1934.322
Na madrugada do dia 30 de setembro, o navio aproximava-se do
arquipélago de Fernando de Noronha, e Correia Dias preparava a exposição em
homenagem a Gago Coutinho e Sacadura Cabral, como referido anteriormente. No
dia seguinte, por volta do meio-dia, cruzavam a linha do Equador, ocasião festejada
mais tarde com um pequeno baile no tombadilho. Horas depois, o navio afastava-se
definitivamente da costa brasileira.
Ilustração 16. O percurso do “Cuyabá” nas coordenadas das cartas de bordo. Bico de pena de Fernando Correia Dias de 2 de outubro de 1934, ilustra crônica publicada no jornal A Nação em 2 de dezembro de 1934.
Cada vez mais distantes ficavam os interesses e preocupações da viajante.
As amizades, a família, o jornal, o trabalho na biblioteca infantil eram apenas
vestígios que iam recuando na névoa. Cecília Meireles procurava inteirar-se dos
segredos e particularidades da navegação marítima e aprendia a contemplar-se
todos os dias nas coordenadas da carta de bordo: tanto graus para cima, tantos
322 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 02 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 02/10/1934 e publicado juntamente com o relato dos dias 03 e 04 de outubro de 1934).
graus para oeste... – assim, vamos avançando milha a milha, sobre o mar, milímetro
a milímetro sobre o mapa...323
Em cada porto em que o navio fez escala, Cecília foi colecionando
impressões sobre a educação, constatando in loco as informações que já conhecia
dos jornais, dos congressos e revistas especializadas em educação. Alguns contatos
eram promovidos exclusivamente pelo acaso e sempre que havia oportunidade ela
estava pronta para debater e inquirir sobre os assuntos relativos à educação.
Depois das compras, – material de desenho e pintura para trabalhar a
bordo, um relógio e um anel – que fizeram ao desembarcar em Vitória, encontraram-
se com Attílio Vivacqua,324 ex-secretário de Educação do Espírito Santo e antigo
colaborador da “Página de Educação”:
Quando passamos pelo centro da cidade, descobrimos num grupo de amigos o dr. Attilio Vivacqua, antigo secretario da Educação, a quem o Espírito Santo deve uma notável obra na reforma do ensino. Vem para o nosso automóvel, surpreendido com o encontro. Sente-se que está muito ocupado. Pelo caminho, conhecidos que aparecem, dirigem-lhe da calçada cumprimentos e palavras de entusiasmo. Pouco a pouco, vamos sendo informados do que há. Vitória está em plena efervescência política. E o dr. Attilio Vivacqua – por muito que se queira fazer de modesto – é, evidentemente a pessoa escolhida para a presidência. (...) Voltamos ao centro no mesmo automóvel, prosseguindo a conversa a respeito da política estadual. Interessa-nos, principalmente o problema da educação. Diz-nos o dr. Attilio Vivacqua que, no momento, tudo se encontra disperso e fragmentado, para falar de um modo geral. E é quando sentimos mais vivamente a alegria da sua eleição para a presidência do Estado: uma reforma admirável bem compreendida e executada e, por si só, todo um programa de governo. Terá o Espírito Santo a sorte de um programa assim?325
323 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 02 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 02/10/1934 e publicado juntamente com o relato dos dias 03 e 04 de outubro de 1934). 324 Attilio Vivacqua (1894-1961) foi um político e educador brasileiro. Ocupou diversos cargos públicos, tendo sido senador de 1946 a 1961. Liderou a reforma educacional do Espírito Santo tendo como base os princípios escolanovistas em que se destaca a criação do curso Superior de Cultura Pedagógica, a criação do cinema escolar e as bibliotecas circulantes. 325 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934. (sem data). p. 2. “Suplemento Literário”. Apesar de relatar fatos ocorridos durante a escala em Vitória, essa reportagem não traz data. Falta o relato do dia 24/09/1934, provavelmente seja desta data. No entanto, a reportagem do dia 22/09/1934 relate a saída da cidade de Vitória e a do dia 23 a aproximação da Bahia. Provavelmente, pode ter havido algum extravio na correspondência enviada ao jornal e essa matéria, tenha chegado depois das do dia 22 e 23 de setembro de 1934.
Quando desembarcam na Bahia, em 25 de setembro de 1934, Cecília
procurou obter uma entrevista com o interventor Juracy Magalhães326 para falar das
questões educacionais que faziam parte do seu programa de governo: a criação de
grupos escolares e outras medidas úteis ao ensino de política e assuntos
educacionais.327 Entretanto, a entrevista acabou não acontecendo. Mas que me diria
de novo o Sr. Juracy Magalhães, além do que todos já sabem e do que se ouve
dizer os baianos que passam por nós conversando? Que o seu governo está sendo
fecundo? Que são ótimas as suas relações com o Sr. Getúlio Vargas?328 Perguntas
que requeriam respostas. Para entender um pouco mais sobre os planos
educacionais do interventor baiano, Cecília encontrou-se, na redação do Diário de
Notícias, com o Sr. Altamiro Requião,329 jornalista de grande prestígio, que informou,
vagamente, a situação da política no estado.
Ilustração 17. Vista de Fernando de Noronha, Pernambuco. Bico de pena de Fernando Correia Dias de 30 de setembro de 1934, publicado no jornal A Nação em 25 de novembro de 1934 (data presumida).
326 Juracy Montenegro Magalhães (1905-2001): militar e político brasileiro. Exerceu as funções de senador da República, deputado federal, adido militar e embaixador do Brasil nos Estados Unidos. Ocupou, durante os anos 1930, o governo da Bahia como interventor. 327 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 04/11/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 25/09/1934). 328 Idem, ibidem. 329 Jornalista baiano, trabalhou no jornal Diário de Notícias de Salvador.
Podemos considerar a viagem e as crônicas em dois instantes distintos.
Num primeiro momento, as crônicas do “Diário de Bordo” trazem as questões
relativas à realidade mais imediata da educadora, ainda que mescladas àquelas
ligadas às inquietações do espírito. Aqui a surpresa de cada porto, mais à frente a
inquietação da jornalista e educadora que procurava conhecer, questionar e saber
mais sobre os costumes, o povo e a educação de cada cidade em que o “Cuyabá”
aportava.
Enquanto o navio atracava em portos brasileiros a educadora procurava
estabelecer alguma analogia entre os espaços, as pessoas, as coisas e/ou as idéias
que conhecia. Na segunda parte da narrativa, há um predomínio das evocações da
poeta, o que coincide com o fato de o navio deixar definitivamente a costa brasileira.
As crônicas tornavam-se cada vez mais intimistas e mais desconectadas
com a realidade profissional. Os problemas vivenciados no plano profissional ficam
relegados ao esquecimento. Os longos dias passados entre o céu e o mar conferem
certa angústia à viajante e fazem com que ela vá relatando o seu fascínio e a sua
predileção pelo oceano:
Eu, que trouxe para ler um livro de Carlos Vega, “Água”, - não consigo passar da primeira página, justamente pelo excesso de água que me envolve. Prefiro rodar sozinha pelo tombadilho, mirando o mar e o céu, sentindo o sopro do vento nos mastros, quando tremem cordas, escadas e roldanas e se sente esta fragilidade altiva do navio que desliza na solidão azul, só com a presença do céu e do mar. Pela manhã, despontam céus rosados, com nuvens de gaze trêmula, que o sol vai desfolhando, ao surgir. O mar é ainda todo feito de sombra, com o resto da noite adormecido no fundo. Depois, vai tudo brilhando e ganhando transparência e cor. O meio dia deslumbra. A água dissolve safiras e diamantes. O céu tem uma nitidez de porcelana. E o vento vai levando a fumaça do navio, que tanto se desdobra no céu como no reflexo das ondas. Começa, então, a refrescar no boreste, e em bombordo o convés se enche de sol. O crepúsculo tem sido vivo de cores e rico de nuvens. Um instante o sol fica rente às águas, invertido nelas. Depois cai para dentro. Some-se, como se o mar o bebesse. Penso na impressão dos homens primitivos diante desse desaparecimento da luz. E imagino que a primeira viagem pelas águas talvez fosse para descobrir onde ao certo morava o sol.330
330 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 11/11/1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 26/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 27 de setembro de 1934).
Segundo Cecília, quando se está a bordo os problemas da terra perdem o
sentido. A imensidão do mar despreza a realidade humana e afoga o espírito, assim
como faz ao corpo. Para que viver? Para que pensar? Para que fazer alguma coisa,
no centro destas águas enormes, entregues ao seu destino cósmico, muito maior
que o nosso?331 Enquanto o navio se afastava por sobre o Atlântico a poeta substitui
a educadora no comando do “Diário de Bordo”. Faremos caminho inverso, buscando
assinalar a presença de Cecília Meireles na área da educação, registrando algumas
das suas ações, nessa área, que precederam o embarque e a viagem.
Ainda na década de 1920, Cecília lançou as suas primeiras obras que
denotavam a sua preocupação com a educação: Criança, meu amor,332 em 1923 e
O Espírito Vitorioso, em 1929.333 Sua primeira produção, Criança, meu Amor,334
trazia alguns dos conceitos advindos de seu tempo de normalista. Estava
impregnado das lições dos seus mestres e dos compêndios da Escola Normal, mas
já apresentava alguns traços das leituras de autores escolanovistas.335 Ao escrever
esse livro, Cecília demonstra que dominava os pressupostos da pedagogia
moderna, o que desmente a suposição de que seu contato com a educação tenha
se dado a partir da sua atividade jornalística, como afirma Corrêa (2001).336 De
acordo com essa autora, Cecília Meireles buscou em Jean Jacques Rousseau as
bases filosóficas para o desenvolvimento do processo educativo da pedagogia
moderna. A própria Cecília confirma que a leitura de obras de educadores como
Claparède acompanhavam e inspiravam-na desde os bancos da Escola Normal,
ficando-nos, depois, para o resto da vida como uma presença constantemente
alentadora, nesta tarefa, cada vez mais grave, de educar (...).337 Entretanto, a
educadora demonstrava bastante lucidez em relação aos exemplos:
331 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 02 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 02/10/1934 e publicado juntamente com o relato dos dias 03 e 04 de outubro de 1934). 332 MEIRELES, Cecília. Criança, meu amor. Rio de Janeiro: Tipografia do Anuário do Brasil, 1924. 333 MEIRELES, Cecília. O Espírito Vitorioso. Tese apresentada ao concurso da cadeira de Literatura da Escola Normal do Distrito Federal. Rio de Janeiro: Tipografia do Anuário do Brasil, 1929. 334 MEIRELES, Cecília. Criança, meu amor. Rio de Janeiro: Tipografia do Anuário do Brasil, 1924. 335 Sobre compêndios escolares, sobretudo manuais de História da Educação utilizados no Brasil no final do século XIX e nas primeiras cinco décadas do século XX, consultar: BASTOS, Maria Helena Câmara. Uma biografia dos manuais de História da Educação adotados no Brasil (1860-1950). Anais do VI Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação (COLUBHE), Uberlândia. 2006. 336 CORRÊA, Luciana Vial B. Infância, escola e literatura infantil em Cecília Meireles. Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação/PUC-RJ, 2001. p. 69. 337 MEIRELES, Cecília. A visita de um pedagogo notável. Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 5 de setembro de 1930.
Precisamos resistir à sugestão perigosa, ao erro do exemplo. Não há exemplos. Há experiências, realizadas em certas épocas, por certas criaturas, em certas circunstâncias. Nunca seria possível reproduzir esse exemplo, sem forçarmos a própria natureza, porque o processo da vida não permite repetições. Apenas nos podem valer essas experiências como elemento de cultura, como o histórico da humanidade que nos precedeu, e em que podemos contemplar, na alternativa de todas as variantes, a lei de movimento que imperativamente as determina (...). 338
Podemos perceber nessa sua primeira obra educacional a presença, em
germe, dos seus próprios conceitos a respeito da educação e da sua importância na
formação humana.339 O seu toque pessoal já se fazia presente em Criança, meu
Amor, apesar de uma certa imaturidade pedagógica que só foi alcançada mais à
frente e que começou a despontar na tese O Espírito Vitorioso, com o qual
concorreu ao cargo de professor catedrático de Literatura na Escola Normal.340
Cecília Meireles, em todas as circunstâncias, procurou atuar como
mediadora do moderno, tradutora de conceitos e divulgadora de discursos
pedagógicos e culturais. Tinha como objetivo traçar projetos e interferir no campo
educacional brasileiro – mas mais que isso, visava à difusão de conceitos como
feminismo (qualificação, formação, valorização e independência da mulher em
relação ao universo masculino), fraternidade universal, educação, paz,
desarmamento e não-violência, liberdade, entre outros. Essa era a tônica que
distinguiu a sua passagem pelo Diário de Notícias, do Rio de Janeiro, quando dirigiu
a “Página de Educação”. Através da coluna denominada “Comentário” ela firmava
suas posições ideológicas e filosóficas, preocupando-se em difundir o ideário da
Escola Nova e marcar a posição dos principais reformadores do momento. Cecília
trazia uma nova sensibilidade em relação a estas questões, pois todo o seu
pensamento e ação foram sempre motivados por temas educacionais, que se
resumiam na reforma do homem com o objetivo de se efetuar a reforma da
sociedade, e não o inverso.
Com as suas crônicas, Cecília Meireles também lembrava aos educadores,
conforme lembra Konder (2001), que a sensibilidade poética não era um luxo, um
338 MEIRELES, Cecília. O Espírito Vitorioso. Tese apresentada ao concurso da cadeira de Literatura da Escola Normal do Distrito Federal. Rio de Janeiro: Tipografia do Anuário do Brasil, 1929, p.11-12. 339 Sobre o livro consultar: CORRÊA, Luciana Vial B. Infância, escola e literatura infantil em Cecília Meireles. Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação/PUC-RJ, 2001. p. 68-87. 340 MEIRELES, Cecília. O Espírito Vitorioso. Tese apresentada ao concurso da cadeira de Literatura da Escola Normal do Distrito Federal. Rio de Janeiro: Tipografia do Anuário do Brasil, 1929.
complemento, mas um elemento essencial da capacidade de lidar com o riquíssimo
movimento da vida infantil.341 Para ela, não havia destino melhor no mundo do que
ser poeta. Entendia por poetas não apenas aqueles que sabiam esgrimir palavras,
rimando e metrificando, dentro de certos limites silábicos e com determinadas
cesuras. Para Cecília o poeta tem que ter uma alma com dimensões diferentes da
dos homens comuns. Precisa saber articular numa síntese admirável a amplidão das
visões objetivas como também das subjetivas, com todos os seus matizes, todas as
suas cambiantes, todas as suas transfigurações.342 Era ser educador e saber
compreender a criança:
Ser poeta não é, precisamente, como em geral se pensa, poder escrever algumas coisas, com ou sem sentido. (...) É ter o dom de surpreender a beleza da vida, nas grandes linhas de harmonia em que se equilibra todo o universo. (...) Essa sensibilidade interior que é, propriamente, o dom poético nem sempre se manifesta em versos; e pode também deixar de ter uma exteriorização definida, de qualquer espécie artística Uma das modalidades que se pode servir, para sua manifestação, é a da compreensão da vida infantil, que é, por sua vez, um dos mais belos espetáculos deste mundo. Por esse motivo de afinidade, é que inúmeros são os educadores que, ao mesmo tempo, têm uma personalidade artística já célebre: basta lembrar Tagore, Tolstoi, S. Lagerlof, Gabriela Mistral, por exemplo. Mas ninguém pode negar um espírito poético em Pestalozzi, em Kerschensteiner, em Eduardo Spranger, em Bovet, na Sra. Artus Perrelet, – em todos esses que têm penetrado mais profundamente, pelo milagre do seu dom poético, na alma da infância e da adolescência, podendo sobre ela atuar com eficiência e simplicidade. 343
Entre todos esses educadores que sabiam penetrar na alma da infância e
da adolescência pelo milagre do seu dom poético, Cecília fazia referência ao poeta e
educador português João de Deus Ramos que deixava transparecer através dos
seus conceitos de educação moderna a visão poética com que estava habituado a
olhar o mundo e a infância. E dirigia louvores a Portugal por ter um homem bastante
poeta e bastante educador para amar com a sutileza do seu coração e do seu
pensamento as crianças da sua escola.344
341 KONDER, Leandro. O espírito poético da educação. In: In: NEVES, Margarida de Souza, LOBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venâncio. (orgs.). Cecília Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, 2001. p. 17-22. 342 MEIRELES, Cecília. O espírito poético da educação. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação, v. 4. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 23-24. 343 Idem, ibidem. 344 Idem, p. 24.
Destacamos o seu trabalho na “Página de Educação” do Diário de Notícias
como um dos espaços que mais contribuiu para projetar as concepções
educacionais de sua idealizadora. O conjunto de atividades desenvolvidas contribuiu
para divulgar e difundir as inovações introduzidas pelos reformadores Fernando de
Azevedo e Anísio Teixeira e onde, através dos seus artigos Cecília Meireles discutiu,
criticou, debateu, apontou e estimulou a mudança dos rumos da educação entre
educadores, intelectuais e opinião pública cariocas. O jornal era composto de várias
seções – política nacional e internacional, economia, esportes, assuntos femininos e
culturais e foi o primeiro do país a ter uma página inteiramente dedicada à educação
e circulou de junho de 1930 a janeiro de 1933. A “Página” era diária e trazia três
matérias jornalísticas principais, além de uma coluna denominada Comentário
espaço onde Cecília Meireles procurou difundir o ideário da Escola Nova e ajudar a
consolidar a posição dos principais reformadores, estrangeiros e brasileiros. Contava
com colaboradores como Frota Pessoa,345 Secretário Geral da Diretoria de Instrução
Pública do Distrito Federal no período 1926-1930, Gerardo Seguel,346 professor de
Desenho da Escola Normal de Santiago do Chile, e eventualmente, com outros
educadores como Attilio Vivacqua, Secretário de Instrução do Espírito Santo,
Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira, que concederam entrevistas, publicaram
conferências e assinaram artigos. Em seus quase três anos de existência,347 a
“Página de Educação” passou por muitas modificações.348
345 José Getúlio da Frota Pessoa, (1875-1951) foi poeta, contista, crítico, polemista, professor, bacharel em direito, jornalista e um importante educador, tendo participado do movimento de renovação do ensino que ocorreu na década de 1930, encabeçado por Fernando de Azevedo (1894-1974). Fonte: COUTINHO, Afrânio; SOUSA, J. Galante de. Enciclopédia de literatura brasileira. São Paulo: Global; Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, Academia Brasileira de Letras, 2001: 2v. 346 Poeta e professor de desenho da Escola Normal de Santiago do Chile, colaborou na “Página de Educação”. 347 Cecília Meireles esteve à frente da “Página de Educação” durante 32 meses, ou seja, de 12 de junho de 1930 a 12 de janeiro de 1933. 348 Outro espaço criado por Cecília no Diário de Notícias foi a “Página das Crianças”, que surgiu no segundo domingo depois da publicação do jornal Diário de Notícias e circulou de 22 de junho a 31 de agosto de 1930, num total de onze números. Essa página infanto-juvenil contava com a presença de Correia Dias, que colaborava tanto com desenhos, que acompanhavam os vários textos, como com artigos que ensinavam a confeccionar brinquedos de armar e utilidades. Era comum a publicação de extratos da obra de autores renomados como José de Alencar, Visconde de Taunay, Euclides da Cunha e Tolstói, bem como alguns textos da autoria de Cecília, denotando a preocupação que a organizadora da página tinha em fazer chegar até seus leitores-mirins obras de qualidade, que suscitassem o gosto pela leitura. A cada trecho publicado, Cecília se preocupava em trazer uma apresentação do autor e a tecer alguns comentários que julgava pertinentes sobre a obra, de forma afetiva e informativa, com o objetivo de conquistar a atenção do leitor. PIMENTA, Jussara Santos. Fora do outono certo nem as aspirações amadurecem. Cecília Meireles e a criação da biblioteca infantil do Pavilhão Mourisco (1934-1937). Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação/PUC-RJ, 2001. p. 35-36.
Cecília Meireles transformou a “Página de Educação” em um dos maiores
aliados das idéias escolanovistas e durante o tempo em que lá esteve fez repercutir,
para além dos limites do Distrito Federal o ideário da Nova Educação. A Reforma
Fernando de Azevedo,349 de janeiro de 1927 a outubro de 1930, sempre obteve
posição de destaque na “Página de Educação”, em parte pela amizade e pela
comunhão de idéias que uniam os dois educadores. Embora o período das crônicas
recaia sobre o final da gestão de Fernando de Azevedo, Cecília Meireles franqueou
o espaço do jornal para a publicação das idéias e experiências do educador.350
A “Página” tornou-se uma vitrine, um centro difusor das inovações
introduzidas pelos reformadores. De acordo com Chaves (2001), ambos os
empreendimentos, a reforma anisiana e a “Página de Educação”, serviram-se um do
outro, pois, enquanto Anísio Teixeira tinha, através do jornal, oportunidade de tornar
público para a cidade as suas idéias educacionais, esta mesma coluna compunha os
seus artigos com base na realidade educacional que o (...) educador baiano
pretendia reformar. 351 Pela leitura das crônicas da “Página de Educação”, é possível
entrever as diferentes concepções de educação presentes naquele momento, os
projetos de modernização implementados, bem como acompanhar como as
transformações nascidas no âmbito das reformas educacionais repercutiram no
Distrito Federal e de que forma os discursos educacionais foram apropriados pelos
diferentes atores.352
349 Essa reforma foi responsável pela implementação no cenário educacional carioca de técnicas e processos escolares, que acabaram por repercutir em outros estados brasileiros. Durante essa administração a aprovação da Lei de Ensino, de 1928, possibilitou a realização do recenseamento escolar, a estruturação da carreira do magistério e a proibição da adaptação de residências particulares para abrigar escolas, bem como a assinatura de dezesseis contratos para a construção de prédios escolares. Além de privilegiar a função social da escola, promoveu o seu enriquecimento interno e o alargamento de seu raio de ação. Buscou a transformação material do aparelho escolar através de um programa de edificações para atender com qualidade às necessidades pedagógicas. Para os novos prédios escolares previa a inclusão de gabinetes dentário e médico, laboratório, biblioteca e museu escolar. Para Fernando de Azevedo, em conferência proferida em São Paulo e publicada pela “Página de Educação” em 12 de março de 1931, essa remodelação não deveria ficar circunscrita apenas às exigências pedagógicas mais imediatas, mas desenvolver no aluno, através da arte, um dos poderosos instrumentos de transformação social um senso estético mais apurado. PIMENTA, Jussara Santos. O espaço escolar: ambiente e ambiências nas crônicas da “Página de Educação” (1930-1933), Cadernos do CEOM, Chapecó, n. 23, 2006 ("Cultura Material"). 350 Nesse período Fernando de Azevedo, ex diretor de Instrução do Distrito Federal entre 1927 e 1930, atuava como professor de Sociologia no Instituto Pedagógico de São Paulo. 351 CHAVES, Miriam Waidenfeld. As inovações pedagógicas da Escola Nova no Distrito Federal nos anos 30: seus avanços e limites. In: 24a REUNIÃO ANUAL DA ANPEd, Caxambu. 2001. 352 Sobre o trabalho de Cecília Meireles à frente da “Página de Educação” consultar os trabalhos de: CORRÊA, Luciana Borgerth Vial. Criança, ciência e arte. In: NEVES, Margarida de Souza, LOBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venâncio. (orgs.). Cecília Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, 2001. p. 121-132; MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Antes da despedida: editando um debate. In: NEVES, Margarida de Souza, LOBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venâncio. (orgs.). Cecília
Em suas crônicas, Cecília destacava as aquisições que a Escola Nova
conferia ao universo pedagógico atual. Evidenciava as diferenças existentes entre os
objetivos e as realizações da Escola Nova, contrapondo com as da Escola
Tradicional, ou mesmo da falta, da ineficiência das realizações da Escola
Tradicional. Escola velha, mal construída, mal aparelhada, de professores
despreparados e não valorizados, era o quadro que mostrava que as antigas
concepções educacionais estavam completamente obsoletas. As novas concepções
educacionais pressupunham a existência de escolas bem estruturadas e dentro de
modelos científicos, bem equipadas e com um quadro de profissionais bem
formados e preparados dentro de pressupostos modernos e científicos capazes de
garantir um ensino-aprendizagem eficiente e democrático. Para a educadora, havia
que eliminar e/ou avaliar os resquícios da velha pedagogia no sentido de se
ultrapassar esse estado de coisas em busca de uma forma mais científica e
moderna de se conceber a escola, o professor, o aluno, o ensino-aprendizagem, ou
seja, todas as esferas do fazer pedagógico.
Antes de sua passagem pelo Diário de Notícias Cecília era a pastora de
nuvens: escrevia poemas líricos e espiritualizados.353 Era natural que houvesse
entre educação e poesia uma assonância completa, afirmava, uma vez que ambas
são a própria ansiedade de representar a vida: uma, imaginando-a, outra procurando
cumpri-la, uma anunciando-a, outra fixando-a em realidade.354
A intelectual que passou a circular nos meios culturais era alguém capaz de
contribuir para o debate educacional e estava habilitada a difundir, ensinar e colocar
em circulação as novas concepções educacionais debatidas e experimentadas no
Distrito Federal. Ela tinha uma posição de destaque no cenário brasileiro e também
se posicionou politicamente, a partir de suas escolhas: era a cronista poetizando o
cotidiano do seu tempo e da educação da sua cidade, o Rio de Janeiro; era a
jornalista de espírito crítico e combativo, constantemente preocupada com a
educação do povo brasileiro. Sempre questionando, avaliando, argumentando, com
muita perspicácia, habilidade e sensibilidade. Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, 2001. p.149-171; FERREIRA, Rosângela Veiga Júlio. No veio da esperança a essência etérea da criança diversa na escola: o jogo inquieto do discurso jornalístico de Cecília Meireles. Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação, Universidade de Juiz de Fora, 2007. 353 O termo pastora de nuvens foi utilizado por Cecília Meireles no poema “Destino”, do seu livro Viagem, que começou a ser escrito em 1929 que recebeu o prêmio da Academia Brasileira de Letras em 1938 e foi publicado pela Editora Ocidente, de Portugal, em 1939. 354 MEIRELES, Cecília. Folclore e Educação. Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 30 de julho de 1932.
Em 1932, Cecília assinou o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova355
ao lado de outros 26 educadores, entre eles Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo,
Francisco Venâncio Filho e Edgar Süssekind de Mendonça, além de mais duas
mulheres, Noemy da Silveira e Armanda Álvaro Alberto. De acordo com Xavier
(1993), o Manifesto deu origem ao personagem coletivo – os Pioneiros da Educação
Nova, mesmo não sendo constituído por um grupo homogêneo.356 O processo de
adesão registrou, segundo a autora, um momento de compromisso no qual
intelectuais de diferentes posições ideológicas selaram uma aliança em torno de
alguns princípios gerais que confluíram para a modernização da educação e da
sociedade brasileira.357 O Manifesto apresentava uma concepção avançada a
respeito da educação e apontava uma direção ao movimento renovador, opondo-se
francamente ao empirismo das reformas empreendidas nos estados. Consagrava o
método científico aplicado ao enfrentamento dos problemas educacionais e
reivindicava uma ação mais objetiva por parte do Estado, que deveria proporcionar a
todos uma escola pública, laica, gratuita, obrigatória, contestando a educação como
privilégio de classe. Apesar disso, pecava em alguns aspectos por seus conceitos
um tanto quanto idealistas, aproximando-se de uma concepção mais romântica que
real da educação.358 Sobre o Manifesto ao Povo e ao Governo, elaborado por
Fernando de Azevedo e publicado em 1932, que procurou estabelecer a relação que
deveria existir entre educação e progresso, Cecília argumentava em um dos seus
Comentários da “Página de Educação”:
O valor dos manifestos não está apenas nas idéias que apresentam. Somos, em geral, gente rica de idéias, com sutilezas de engenho que causariam admiração a uma boa parte do mundo se a língua portuguesa não tivesse ainda limites tão injustos de expansão. Se não temos o pensamento elaborado e sistematizado de outros povos, possuímos alguma coisa igualmente preciosa: o poder do pensamento nascente, que se vai levantando das energias
355 AZEVEDO, F. (Org.). A reconstrução educacional no Brasil: ao povo e ao governo. Manifesto dos pioneiros da educação nova. São Paulo: Nacional, 1932. 356 XAVIER, Libânia Nacif. Para além do campo educacional: um estudo sobre o manifesto dos pioneiros da educação nova (1932). 1993. 88f. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Educação. p. 10. 357 Idem, ibidem. 358 Sobre o Manifesto dos Pioneiros consultar também: XAVIER, Maria do Carmo. Manifesto dos pioneiros da educação: um legado educacional em debate. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004; SOUZA, Aline Vieira de. Cecília Meireles no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Monografia. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, 2007.
profundas da raça para a luta das experiências que lhe irão traçando no tempo os caminhos de sua definitiva realização.359
Segundo ela, um manifesto contendo tão admiráveis conceitos podia não
ter, na verdade, um valor preciso e certo: ele dependia dos que o subscreviam, das
personalidades que por ele se responsabilizavam, das vidas postas a seu serviço,
com o contingente de sinceridade que todos devem possuir seja qual for a natureza
de contribuição que apresentem.360 Cecília parecia querer recuperar a crença na
capacidade dos educadores escolanovistas de fazer valer seus ideais em prol da
construção de uma educação mais justa e igualitária para todos.
Pouco antes do embarque para Portugal, Cecília Meireles inaugurou
aquela que pode ser considerada a primeira biblioteca pública infantil brasileira.
Localizada no "Pavilhão" ou "Espaço Mourisco", foi inaugurada em 15 de agosto de
1934 e organizada exclusivamente para atender o público infantil e foi um dos
projetos mais ambiciosos da gestão de Anísio Teixeira na Diretoria Geral de
Instrução Pública do Distrito Federal.361 Mantida por verba pública, a biblioteca foi a
primeira no país a permitir o acesso das crianças mesmo desacompanhadas dos
pais, bem como o livre acesso às estantes. Com normas regulamentares mais
brandas, as crianças eram incentivadas a freqüentar suas sessões de filmes e
música, as dramatizações organizadas pelas estagiárias, a desenvolver sua
criatividade através de jogos educativos e, além disso, eram auxiliadas em suas
atividades escolares.362 A organização da biblioteca articulava-se à gestão de Anísio
Teixeira na Diretoria Geral de Instrução Pública do Distrito Federal e tornou-se um
359 MEIRELES, C. O valor dos manifestos. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 19/03/1932. 360 Idem, ibidem. 361 A experiência da Biblioteca Infantil do Pavilhão Mourisco, mesmo tendo sido fugaz, incentivou a criação de seções infantis nas bibliotecas públicas e de outras bibliotecas infantis, em todo o Brasil. Todas as inovações implementadas por Cecília Meireles e colaboradores foram utilizadas por aqueles que buscavam empreender bibliotecas dinâmicas para atender o público infantil. Algumas bibliotecas infantis brasileiras se constituíram seguindo a concepção introduzida pela educadora, sendo as mais representativas a Biblioteca Infantil de São Paulo e a Biblioteca Infantil Monteiro Lobato (BIML), todas criadas entre o final dos anos 30 e início dos anos 50, respectivamente. A primeira biblioteca a ser organizada dentro dessas novas concepções foi a Biblioteca Infantil do Departamento Municipal de Cultura de São Paulo, inaugurada em 15 de abril de 1936. Foi instalada em dois amplos salões e possuía arquivos, fichários e mobiliário adequados ao público infantil. Todas as seções eram cuidadosamente organizadas, sobressaindo-se as pequenas coleções numismática e filatélica, a seção destinada aos jogos silenciosos e educativos e a seção de projeção luminosa fixa e animada. Para maiores detalhes sobre a Biblioteca Infantil criada por Cecília Meireles consultar: PIMENTA, Jussara Santos. Fora do outono certo nem as aspirações amadurecem. Cecília Meireles e a criação da biblioteca infantil do Pavilhão Mourisco (1934-1937). Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação/PUC-RJ, 2001. p. 128-129. 362 A Biblioteca Infantil, embora introduzisse inovações desconhecidas no país até então, como todas as bibliotecas brasileiras do período, não utilizava os serviços especializados de bibliotecários formados em curso universitário, conforme as reivindicações da ABE. Idem, ibidem.
dos grandes empreendimentos culturais da reforma, transformando-se num centro
de cultura infantil e num órgão de pesquisa.363 Um dos seus objetivos foi a
preservação e estudo da cultura brasileira, e por isso possuía coleções de moedas,
selos, discos de músicas populares brasileiras, filmes, diapositivos do Brasil:
Essa preferência pelas coisas brasileiras está muito longe do jacobinismo. Mas considero lógico que a criança conheça primeiramente tudo o que se refere ao seu ambiente próximo. Antes de saber que em Paris existe o bairro de Grenelle é mais útil ter a certeza do que se pode ver, indo a Cascadura.364
Esse comentário da educadora nos permite avaliar como a intelectualidade
brasileira teve, durante muito tempo, a Europa, e mais particularmente a França
como país privilegiado para se espelhar. Esse país atuava como sociedade de
referência, qual seja, aquela que serve de matriz sempre que os líderes intelectuais
e um público cultivado reagem a valores e instituições de outro país com ideais de
ações que concernem ao seu próprio país.365 Dois estudos mostram que houve uma
inflexão em relação aos padrões pedagógicos que povoavam o imaginário das elites
brasileiras. Chamon (2005) afirma que a partir da década de 1870, ao lado de países
como a França, Alemanha, Inglaterra, Bélgica, Áustria, Holanda e Suíça, os Estados
Unidos começaram a despontar como centro de referência em razão de possuírem
um dos sistemas de ensino mais sólidos e bem distribuídos entre a população.366 O
seu repertório pedagógico tornou-se um novo paradigma para o campo educacional
brasileiro o que provocou um deslocamento (mas não uma apagamento) do prestígio
363 Algumas bibliotecas infantis brasileiras se constituíram seguindo a concepção introduzida por Cecília Meireles. A primeira biblioteca a ser organizada dentro dessas novas concepções foi a Biblioteca Infantil do Departamento Municipal de Cultura de São Paulo, inaugurada em 15 de abril de 1936 na gestão de Mário de Andrade na Divisão de Expansão Cultural e direção do Departamento de Cultura. Foi instalada em dois amplos salões e possuía arquivos, fichários e mobiliário adequados ao público infantil. Todas as seções eram cuidadosamente organizadas, sobressaindo-se as pequenas coleções numismática e filatélica, a seção destinada aos jogos silenciosos e educativos e a seção de projeção luminosa fixa e animada. ABDANUR, Elizabeth França. Os "ilustrados" e a política cultural em São Paulo: o Departamento de Cultura na gestão Mário de Andrade (1935-1938). Dissertação de Mestrado, Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/Unicamp, 1992; FRACCAROLI, Lenyra Camargo. Biblioteca Infantil do Departamento Municipal de Cultura. RAM (Revista do Arquivo Municipal), São Paulo, v. LXIV, 1939; FRACCAROLI, Lenyra Camargo. Solenidade da inauguração da Biblioteca Infantil. O Estado de São Paulo, São Paulo, 15/04/1936. 364 “O Globo visita a Biblioteca Infantil que hoje se inaugura no Pavilhão Mourisco”. O Globo, Rio de Janeiro, 15/08/34. 365 CORREIA, António Carlos Luz, SILVA, Vivian Batista. Uma história de leituras para professores em Portugal e no Brasil (1930-1971). CBHE - Congresso Brasileiro de História da Educação, 2002. p. 3. 366 CHAMON, Carla Simone. Maria Guilhermina Loureiro de Andrade: a trajetória profissional de uma educadora (1869-1913). 2005. Tese (Doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Educação. p. 178.
que a França contava entre a intelectualidade brasileira ligada à administração do
Estado e à Educação. A autora chama a atenção para o fato de que em 4 de abril de
1875, o redator do jornal carioca A Instrução Pública reclamava que o sistema de
ensino no Brasil ressentia-se de ‘todos os vícios do ensino na França’, o que não era
de se admirar, uma vez que nos inspirávamos em suas idéias: ‘copiamos suas leis e
regulamentos, transplantamos suas instituições’.367 Segundo essa autora, os
Estados Unidos e sua experiência pedagógica tornavam-se conhecidos pela
intelectualidade brasileira através, principalmente, das obras de três autores:
L´Instruction Publique aux Étas Unis (1870) de Célestin Hippeau, Rapport sur
l´Instruction à l´Exposition Universalle de Philadelphie (1876) de Ferdinand Buisson
e A Província: estudo sobre a descentralização do Brasil (1870) de Tavares
Bastos.368 No segundo estudo, Warde (2002) afirma que no Brasil e seguramente
em boa parte do mundo ocidental, a França alimentava utopias políticas e projetos
de modernidade, porém essa supremacia cultural começava a ser abalada. Houve
um momento em que o foco mudou e foram os Estados Unidos o novo ponto a ser
mirado:
(...) foi com a própria França napoleônica e suas erupções regressivas que aquelas elites brasileiras começaram a assimilar a crença que elementos da utopia revolucionária e modernizadora francesa estavam sendo realizados não lá, muito menos no resto da Europa, mas basicamente nos Estados Unidos. 369
A influência do ideário pedagógico americano que teve início no século XIX
se fortaleceu nas primeiras décadas do século XX. As idéias de educadores como
John Dewey370 e William James371 começaram a ser trazidas por intelectuais
brasileiros que foram estudar no exterior. Entre eles, Anísio Teixeira, que lá estivera
primeiramente como comissionado do governo baiano para observar a vida
367 CHAMON, Carla Simone. Maria Guilhermina Loureiro de Andrade: a trajetória profissional de uma educadora (1869-1913). 2005. Tese (Doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Educação. p. 176. 368 Idem, ibidem. 369 WARDE, Miriam Jorge. Estudantes brasileiros no Teachers College da Universidade de Columbia: do aprendizado da comparação. CBHE - Congresso Brasileiro de História da Educação, 2002. p. 38. 370 John Dewey (1859-1952), filósofo e pedagogo norte-americano. É é reconhecido como um dos fundadores da escola filosófica de Pragmatismo, um pioneiro em psicologia funcional, e representante principal do movimento da educação progressiva norte-americana durante a primeira metade do século XX. 371 William James (1842-1910), filósofo, psicólogo e escritor norte americano pioneiro, considerado, ao lado de Charles Sanders Peirce um dos fundadores do pragmatismo.
intelectual nos Estados Unidos, em 1927, e depois como aluno do Teachers College
em Nova York, em 1928.
Esse processo desencadeado pelas novas idéias educacionais promoveu o
surgimento de uma série de reformas educacionais em diferentes estados
brasileiros: São Paulo (1920-1925, 1931-1932 e 1933); Rio de Janeiro (1927-1930 e
1931-1935); Minas Gerais (1927-1930) e Pernambuco (1928-1930). Este foi um
momento privilegiado em que os intelectuais procuram aprofundar o seu
entendimento sobre o que estava sendo gestado nos diferentes países, havendo
quase que uma necessidade em se apropriar deste novo paradigma educacional.
Assim, assistimos à partida de intelectuais brasileiros que foram conhecer a
experiência americana, como Anísio Teixeira, Noemy da Silveira e Isaias Alves,372
por exemplo.373
O dia continua a trazer novidades: sabe-se já da revolução na Espanha, da independência da Catalunha... Formula-se vagamente, em cada passageiro uma longínqua interrogação: como iremos encontrar a Europa? Perde-se a noção da distância, da tranqüilidade da viagem, do isolamento do mar. Passa-se a viver com o espírito em terra, junto à angústia dos homens. Em vão, para mim, desembarcaremos apenas lá para o fim desta semana. Desde hoje estou já na Europa. É minha sorte estar sempre noutro lugar, evadida do corpo, sem que muitas vezes eu mesma saiba de mim... 374
Enquanto relembramos do envolvimento de Cecília com os assuntos
educacionais, o “Cuyabá” aproximava-se do seu destino. Voltando aos assuntos
educacionais, observamos que a educadora estava trilhando um caminho distinto
dos citados anteriormente, em sentido inverso ao comumente percorrido pelos
educadores brasileiros. Estamos nos referindo à viagem que Cecília Meireles fez a
Portugal: ela não buscava o exterior como uma fonte para se apropriar dos novos
padrões de referência em educação que nesse momento eram amplamente
372 Educador baiano foi um dos idealizadores do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, em 1941. 373 A esse respeito, consultar: WARDE, Miriam Jorge. Estudantes brasileiros no Teachers College da Universidade de Columbia: do aprendizado da comparação. CBHE - Congresso Brasileiro de História da Educação, 2002. 374 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 07/10/1934 e publicado juntamente com os relatos dos dias 08 e 09 de outubro de 1934).
divulgados e atraíam educadores de todo o mundo, como por exemplo, o Instituto
Jean-Jacques Rousseau, em Genebra e o Teachers College, em Chicago.375
Ilustração 18. O vento ... está na Torre de Belém, com o fole virado para cá... Bico de pena de Fernando Correia Dias ilustra crônica do dia 9 de outubro de 1934, publicada no jornal A Nação em 16 de dezembro de 1934.
(Legenda transcrita do original).
A educadora dirigia-se a Portugal um país que não tinha tradição em atrair e
nem costumava ser o itinerário buscado por esses educadores-viajantes, uma vez
que os educadores portugueses também eram atraídos por esses centros
pedagógicos do momento e para lá dirigiam a sua atenção em busca de referencial
375 Sobre a presença de educadores no Instituto Jean-Jacques Rosseau, em Genebra, consultar: MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Entre cartas e cartões postais: uma inspiradora travessia. In: GONDRA, José Gonçalves, MIGNOT, Ana Chrystina Venâncio. (orgs.) Viagens Pedagógicas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 250 e 252; Sobre a viagem de Anísio Teixeira à América consultar: TEIXEIRA, Anísio. Aspectos americanos da educação. Disponível em: <www.prossiga.br/anisioteixeira/artigos/viagemEua.html>; NUNES, Clarisse. Anísio Teixeira na América (1927-1929): Democracia, diversidade cultural e políticas públicas de educação. In: MIGNOT, A. C., GONDRA, J. G. (orgs.) Viagens Pedagógicas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 143-162; GONDRA, José Gonçalves, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Apresentação: a descoberta da América. In: TEIXEIRA, Anísio. Aspectos americanos da educação; Anotações de viagem aos Estados Unidos em 1927. (org. Clarice Nunes). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006. p. 9-24; WARDE, Miriam Jorge. Estudantes brasileiros no Teachers College da Universidade de Columbia: do aprendizado da comparação. CBHE - Congresso Brasileiro de História da Educação, 2002.
para respaldar a sua prática pedagógica.376 A tônica da viagem de Cecília também
era diferenciada, ou seja, ela não foi a Portugal em busca dos novos cânones
educacionais que estavam sendo difundidos, mas divulgar o que estava sendo
construído no Distrito Federal. O vento impelia o navio e a educadora levava a
contribuição da experiência brasileira para ser conhecida em Portugal. Era a sua
colaboração ao debate internacional no campo da educação.
Depois de amanhã chegaremos a Lisboa. Fazemos desde hoje as nossas despedidas do mar. Deste mar tão azul. Deste mar que balança tanto, agora, e forma vagas imensas à proa, explodindo em fina espuma. E que maravilha de mar! Ao meio dia, saindo da sombra da cabine, recebe-se no olhar o inesperado deslumbramento. A água dança em redor do barco, despregando suas sedas de safira, que, ao desmanchar das vagas, tomam tintas e transparências de pálidas esmeraldas e indecisas opalas. O ar é de uma claridade de cristal, e o vento que passa arrasta músicas pelo horizonte. E o sol, o sol que está lá em cima, ofuscante, nítido, claro como um diamante incendiado, jorra sobre esse chão espelhante, uma chuva de ouro que crepita e respinga sobre as ondas crespas. Vê-se o desenho da luz contra o azul do dia, da luz que desce em raios como uma fonte de brilhantes vertendo imensas águas hirtas. O mar treme, recebendo-a, arrepia-se, palpita – que parece mais úmido e não se sabe até onde ela desce e o que pensam as vidas submarinas que transitam lá em baixo, se acaso sentirem diferente este dia maravilhoso, que aos homens dá uma impressão de fantástico e irreal. O vento continua. O vento já não nos deixa. O vento está abraçado aos mastros: quer chegar também a Lisboa, quer também avistar Portugal. Vento-marinheiro perdido. Marinheiro vadio, expulso da navegação. Não se consola sem descobrir terras, sem viajar de um continente para outro, bulindo com as gaivotas que descansam nos penedos, desmanchando as curvas da espuma, fustigando os viajantes, rindo-se para as ilhas desertas, assoviando nas bandeiras, e dizendo adeus aos faróis... Vento, vento, vento...377
Cecília Meireles possuía um conhecimento do universo intelectual bastante
elevado para os padrões da época. Talvez esse fator explique o porquê do convite
para falar de literatura e pedagogia em Portugal. O seu interesse pelos livros
376 Sobre as viagens de estudos de educadores portugueses a instituições educativas européias consultar: FERNANDES, Rogério. Irene Lisboa e Áurea Judite Amaral: dois olhares sobre a escola a partir da “Escola Nova”. In: MIGNOT, A. C., GONDRA, J. G. (orgs.) Viagens Pedagógicas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 217-245; PINTASSILGO, Joaquim. Imagens e leituras da educação nova em Portugal. Os relatórios de bolseiros portugueses em visita a instituições educativas européias (1907-1909). In: MIGNOT, A. C., GONDRA, J. G. (orgs.) Viagens Pedagógicas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 195-216. 377 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 23 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 10/10/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 11 de outubro de 1934).
(primeiro os da sua mãe), pela leitura e pelas bibliotecas e pelas línguas
estrangeiras foram fundamentais na constituição do seu aprendizado:
Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: Silêncio e Solidão. Essa foi sempre a área da minha vida. Área mágica, onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos, onde relógios revelaram o segredo de seu mecanismo e as bonecas, o jogo do seu olhar (...). Mais tarde, foi nessa área que os livros se abriram, e deixaram sair suas realidades e seus sonhos (...). Foi ainda nessa área que apareceram um dia os meus próprios livros, que não são mais do que o desenrolar natural de uma vida encantada com todas as coisas, e mergulhada em solidão e silêncio tanto quanto possível.378
Cecília Meireles buscou na literatura, subsídios para a Educação. Dela
retirava inspiração para conceber o seu projeto educacional ou a sua idéia de como
deveria ser a educação das novas gerações. Para ela, a literatura tinha um papel
formador na vida dos indivíduos, na sua personalidade e nos seus princípios morais:
era a literatura que mostrava o homem com a veracidade que as ciências talvez não
tivessem. Era o documento espontâneo da vida em trânsito, (...) o depoimento vivo,
natural, autêntico.379 Em Herculano, Bocage, Medeiros de Albuquerque, Camões,
Laurindo Rebelo, Álvares de Azevedo, Silva Alvarenga, Thomas António Gonzaga,
Gregório de Mattos, Cláudio Manuel da Costa, Machado de Assis, Olavo Bilac,
Guerra Junqueiro, entre outros, Cecília encontrou elementos para decifrar a marcha
da vida humana, detendo-se em Cruz e Souza.380 O diálogo que estabeleceu com
esses autores, foi suficiente para compor a sua tese O Espírito Vitorioso, em 1929:
Se é verdade que o ideal da escola moderna não está mais circunscrito a uma pequena plêiade, será verdade também que se tenha generalizado completamente e profundamente, de modo que nenhum obstáculo exista ao seu desenvolvimento e à sua realização?381
378 MEIRELES, Cecília. Notícia biográfica. In: MEIRELES, Cecília. Obra Poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar. 1972. p. 59. 379 LÔBO, Yolanda L. Memória e Educação: O Espírito Vitorioso de Cecília Meireles. RBEP, Brasília, v.77, n. 187, set./dez., 1996. p. 531. 380 Idem, p. 532. 381 MEIRELES, Cecília. O Espírito Vitorioso. Tese apresentada ao concurso da cadeira de Literatura da Escola Normal do Distrito Federal. Rio de Janeiro, 1929.
A filiação intelectual de Cecília Meireles era muito diversificada; ela
transitava com desenvoltura entre os campos da educação e da literatura. Suas
“Crônicas de Educação” são ricas em referências a pensadores de diferentes
inserções culturais e teóricas: Dewey, Kilpatrick, Claparède, Bovet, Ferrière,
Pestalozzi, Rousseau, Decroly, Montessori, Fröebel, Kerschensteiner, Herbart e
Piaget e também Nietzsche, Tolstoi, Cícero, Diógenes, Shaw, Gorki, Rilke, Withman
e ainda Tagore e Gibran, entre tantos outros, referências que servem como indícios
para presumir a elaboração do acervo pessoal da educadora.382
Ilustração 19. Ai! Não ser um capitão de barco de prata com velas de seda... O “Cuyabá” aproxima-se de Portugal... Bico de pena de Fernando Correia Dias de 8 de outubro de 1934, ilustra crônica publicada no jornal A
Nação em 16 de dezembro de 1934. (Legenda transcrita do original).
Os conceitos modernos de educação chegavam às interessadas nas
novidades educacionais, entre elas, Cecília Meireles, através da leitura de obras de
educadores como Pestalozzi, Claparède e Montessori e provavelmente através de
experiências inovadoras. Não podemos nos esquecer que essas experiências eram
382 Sobre a constituição da biblioteca particular de Cecília Meireles pode-se deduzir a sua configuração a partir das referências presentes em sua obra, já que não está organizada e disponibilizada para consulta dos pesquisadores. Sobre circulação e apropriação de modelos culturais, através dos impressos e respectivas a montagem de bibliotecas, consultar: CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Livros, modelos pedagógicos e marcas de leitura na biblioteca particular de um diretor da instrução pública paulista. Anais do VI Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação (COLUBHE), Uberlândia. 2006. Disponível em: <http://www.faced.ufu.br/colubhe06/versaopreliminar/principal.htm>
divulgadas nos jornais e também entre os próprios educadores, que apoiando ou
não essas iniciativas, concorriam para a sua divulgação. Essas novas idéias eram
disseminadas pelas várias associações criadas em torno da causa educacional,
como por exemplo, a Liga Brasileira Contra o Analfabetismo, a Associação Cristã
Feminina e a Associação Brasileira de Educação (ABE).383
Outras iniciativas empreendidas por essas associações (palestras,
conferências, entrevistas em jornais, exposições, cursos, lançamento de livros, etc.),
não deviam passar despercebidas de Cecília, cuja personalidade indagadora fazia
com que estivesse sempre ligada às novidades e iniciativas do momento. Bem
informada com o que se passava no mundo ao seu redor, essas idéias e ações
encontraram acolhida junto àquelas provenientes da leitura dos grandes clássicos da
literatura e da educação. Se não há registro de sua filiação a nenhuma dessas
entidades, as idéias e ações divulgadas pelas mesmas não passaram ao largo e
encontraram abrigo em sua personalidade ávida por conhecimento e foram
responsáveis pela moldagem de suas próprias concepções e do seu projeto de
educação, que transparecem nos seus primeiros ensaios rumo à escrita de obras
pedagógicas e Crônicas de Educação.
1.4. Viagem, educação e intercâmbio para a paz
Gera-se da liberdade gravemente conquistada um sentido de amor imortal que é a única esperança de sustentação do universo. A educação que esquecer esse sentido de amor, ou que o tenha ignorado, perdeu a razão de ser, e não pode mais tentar situar-se nos dias novos que o mundo agora reconquista, depois de tantas experiências e tão formidáveis sacrifícios.384
No período em que dirigiu a “Página de Educação” Cecília Meireles
principiou as suas reflexões sobre a articulação entre educação e viagem. Em
“Intercâmbio escolar”385 e “Fraternidade”,386 ela se preocupava com a aproximação
383 Sobre a participação feminina nas associações consultar: MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Baú de memórias, bastidores de histórias: o legado pioneiro de Armanda Álvaro Alberto. Bragança Paulista: EDUSF, 2002. 384 MEIRELES, Cecília. Educação. Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 06 de dezembro de 1931. 385 MEIRELES, Cecília. Intercâmbio escolar. Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 7 de agosto de 1930. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação, v. 4. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 149.
entre os povos, vislumbrando a fraternidade que deveria ser incentivada pelo
intercâmbio pedagógico. A união entre os povos era uma de suas mais caras
aspirações. Segundo ela, o trânsito das idéias, de uma terra para outra, o
conhecimento das qualidades de cada povo, e mesmo os seus defeitos, o gosto da
visitação e de toda aproximação humana que vence fronteiras e dificuldade de
língua conduziria à harmonia entre os povos.387 Para Cecília, ainda somos quase
todos estrangeiros, uns para os outros, as raças e as religiões têm sido obstáculos
para o convívio fraterno de que precisamos. Era necessário que se operasse no
mundo uma transformação que humanizasse e essa transformação, para ser
profunda e definitiva, teria que ser realizada pela educação.
Defendia uma obra educacional que não tivesse como meta a padronização
das criaturas, mas o reconhecimento salutar das desigualdades. Em “A paz pela
educação”,388 Cecília retomou a questão da construção da fraternidade entre os
povos através do Mito de Narciso, e reafirmava: nós só amamos bem o que se
parece bem conosco; andamos sequiosos de repercussões, de respostas, de
reflexos que de certo modo repitam o que somos.389 Além da arte, da ciência, da
filosofia e do misticismo, a educação poderia obter resultados satisfatórios por ter
múltiplas possibilidades, afirmava. Para tanto, a educação têm, a seu ver, objetivos
muito maiores que o simples ler e escrever. O ideal de educação que propalava
ultrapassa os limites estreitos da sala de aula, derruba fronteiras entre os países,
dissolve os estranhamentos de raça, língua, cultura, religião. A educadora afirmava
que para os educadores, a paz é uma finalidade a que devem tender todos os
trabalhos humanos.390 Ela via a fraternidade e a cooperação entre os povos não
como um apelo especial, à margem dos programas escolares, mas, ao contrário,
como o objetivo central, o cerne da educação. Sobre estas questões, Lamego (1996)
revela:
386 MEIRELES, Cecília. Fraternidade. Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 23 de janeiro de 1932. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação, v. 4. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 151-153. 387 MEIRELES, Cecília. Fraternidade. Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 23 de janeiro de 1932. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação, v. 4. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 151-153. 388 MEIRELES, Cecília. A paz pela educação. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação, v. 4. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 301-303. 389 MEIRELES, Cecília. A paz pela educação. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação, v. 4. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 301-303. 390 MEIRELES, Cecília. Fraternidade. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.1, 2001. p. 310.
Cecília Meireles foi de uma geração que pioneiramente estabeleceu um lugar para a mulher na vida pública. Sua presença na direção de uma seção de jornal representa um poder que poucas mulheres de sua década conheceram. Como suas contemporâneas latino-americanas, Cecília Meireles foi uma defensora intransigente da fraternidade mundial. Na esteira de sua defesa por uma irmandade que não fosse apenas nacional, limitada pelos símbolos e pelo sentimento de unidade típicos das Nações-Estado, Cecília Meireles pregava a abolição total das velhas instituições, em prol do renascimento de uma sociedade menos apaixonada pelos símbolos de uma pátria construída na base da exclusão, da desvalorização de seus cidadãos e cidadãs e das guerras. Dizia a escritora: “Como seria bom poder, destruindo uma instituição, uma lei, uma fórmula, agir magicamente sobre uma idéia!”391
As reflexões de Cecília sobre a importância das viagens só foi mais bem
explorada e desenvolvida em suas crônicas publicadas na coluna “Professores e
Estudantes”, do jornal A Manhã, entre 1942 e 1944 e são reflexo das muitas viagens
que fez e que tiveram início em 1934. Em crônicas como “Lin Yutang e o turismo”,392
“Educação e turismo”,393 “Intercâmbio, Folclore e Turismo, etc”,394 “A propósito de
colônias de férias”,395 “Boa vizinhança”,396 “Embaixada de crianças”397 e “Turismo e
educação profissional”,398 por exemplo, é difícil distinguir quem é a educadora e
quem é a viajante, de tal forma elas estão entrelaçadas.
Cecília diz em sua crônica “Viajar”, de 1951, que há uma grande distância
entre o compêndio onde se estuda e o palácio que se atravessa (...).399 A viajante
encontra sempre uma oportunidade para se desvelar e a educadora se revela
tecendo comentários. Aqui uma oportunidade de comentar um livro que traz críticas
391 LAMEGO, Valéria. Cecília Meireles na Revolução de 30. Rio de Janeiro: Record, 1996. p. 23. 392 MEIRELES, Cecília. Lin Yutang e o turismo. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.5, 2001. p. 7-9. 393 MEIRELES, Cecília. Educação e turismo. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.5, 2001. p. 91-93. 394 MEIRELES, Cecília. Intercâmbio, Folclore e Turismo, etc. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.5, 2001. p. 99-102. 395 MEIRELES, Cecília. A propósito de colônias de férias. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.5, 2001. p. 103-106. 396 MEIRELES, Cecília. Boa vizinhança. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.5, 2001. p. 87-90. 397 MEIRELES, Cecília. Embaixada de crianças. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.5, 2001. p. 155-158. 398 MEIRELES, Cecília. Turismo e educação profissional. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.5, 2001. p. 315-318. 399 MEIRELES, Cecília. Viajar. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.1, 1998. p. 245.
interessantes ao modo de viajar do ocidental, como em “Lin Yutang e o turismo”,400
ali uma conferência sobre a experiência de um professor que incentiva as colônias
de férias como parte do programa educacional de sua escola.
Ilustração 20. ...Phenicios! Argonautas! Luzíadas! – mas por que não nasci marinheiro; por que não me deram ao mar? Bico de pena de Fernando Correia Dias de 10 de outubro de 1934, ilustra crônica publicada no jornal A
Nação em 23 de dezembro de 1934. (legenda transcrita do original).401
Mais à frente, em “Embaixada de crianças”,402 fala da chegada ao Rio de
Janeiro de crianças argentinas em missão de cordialidade, experiência cujo valor
educativo é indiscutível: as crianças são conduzidas por sonhos e entre eles, ouve e
contempla todas as coisas, ao contrário dos adultos que quando visitam um país,
vêm demasiadamente preparados, amarrados a muitas contingências, dominados
por muitos interesses de várias categorias,403 afirmava.
400 MEIRELES, Cecília. Lin Yutang e o turismo. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.5, 2001. p. 7-9. 401 Nessa passagem do “Diário de Bordo” Cecília faz uma evocação semelhante à da “Ode Marítima” de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa), onde o poeta exclama: Fenícios! Cartagineses! Portugueses atirados de Sagres (...)!, numa alusão aos povos formadores da matriz lusitana. O poema foi originalmente publicado na revista Orpheu de número 2. CAMPOS, Álvaro de. Ode Marítima. Orpheu, Lisboa, n. 2, abril/junho de 1915. 402 MEIRELES, Cecília. Embaixada de crianças. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.5, 2001. p. 155-158. 403 Em outras crônicas se refere ao amadorismo brasileiro em relação ao turismo, da necessidade de se oferecer ao turista ou ao viajante, melhores condições de realização de seus objetivos: faltam publicações nas instituições e sítios pitorescos. Quanto aos museus, diz que faltam itinerários e planos de suas salas e não existem explicações de suas vitrines. Outra carência é quanto aos atrativos que caracterizam cada região ou cidade, as
Suas reflexões voltavam-se a todo instante para a articulação que deveria
existir entre viagem e educação. Para Cecília, o campo da educação não tem
limites, e ilimitadas são as oportunidades de se tentar o melhoramento humano.
Ilustração 21. Sobe, sobe, marujinho, aquele mastro real... Bico de pena de Fernando Correia Dias de 12 de Outubro de 1934, publicado no jornal A Nação em 30 de Dezembro de 1934. (Legenda transcrita do original).
Para Cecília, a educação tem objetivos maiores que a simples
instrumentalização para ler, escrever e fazer contas: a educação deve extrapolar os
limites das quatro paredes da sala de aula, precisa derrubar fronteiras e ganhar o
mundo. Assim, as viagens têm esse sentido educativo, para além do mero
divertimento. Elas têm a capacidade de fomentar a fraternidade e a cooperação
entre os povos. Esses preceitos não deveriam estar à margem dos programas
escolares, mas ao contrário, era preciso que estes fossem o objetivo central, o cerne
do processo educativo. Em “A paz pela educação”,404 publicada no Diário de
Notícias em 11 de agosto de 1932, Cecília retoma o mito de Narciso para
exemplificar a ligação entre educação e fraternidade: nós só amamos bem o que se
habilidades regionais não eram exploradas a contento e o turista não podia levar com ele as pequenas recordações do seu passeio. 404 MEIRELES, Cecília. A paz pela educação. Diário de Notícias, 11 de agosto de 1932. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação, v. 4. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, p. 301-303.
parece conosco; andamos sequiosos de repercussões, de respostas de reflexos que
de certo modo repitam o que somos.405 Para que a paz fosse estabelecida
(...) seria necessário, primeiro, que os homens se sentissem unidos por uma inspiração geral de amor. Para que esse amor, porém, possa, por sua vez, existir, mister se faz uma expansão de conhecimento que torne familiares todas as coisas que ainda estejam sendo obscuras ou incompreensíveis, e de cuja desconfiança e temor podem nascer esses desequilíbrios que custam o preço das guerras e marcam sombriamente a longa marcha da humanidade (...).406
A arte, a ciência, a filosofia e o misticismo poderiam obter resultados
satisfatórios, mas a educação, por possuir maior riqueza de oportunidades e por se
dirigir simultaneamente a todos, preparava (...), por múltiplos processos, os próprios
elementos de que vai ser construído o mundo que se espera, acima deste que por
enquanto se vê.407
1.4. Re-encontrar Lisboa
O “Cuyabá” aproximava-se de Portugal. Correia Dias iria, depois de 20 anos
de ausência, rever a sua terra natal, enquanto Cecília preparava-se para a emoção
do desembarque:
Amanhã, hão de me ver descendo aquela escada que ainda guarda a instabilidade das águas, embora se dirija para a terra firme... Hão de me ver com os olhos tranqüilos, e sorrindo, desprender-me desta viagem como os pássaros que se resignam algumas vezes a andar pelo chão... E este (ilegível) destino como se nada tivéssemos os dois, de comum: sem nada me dizer, e sem que eu nada lhe diga... Tudo será sempre: a bandeira do topo; a âncora que regressa das águas; o cheiro acre da carga de cacau, que se sente à popa; a orquestra, onde continua brincando a graça e o requebro da música brasileira: “Quando um homem está zangado, um agradinho é bom...”408
405 MEIRELES, Cecília. A paz pela educação. Diário de Notícias, 11 de agosto de 1932. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação, v. 4. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, p. 301-303. 406 Idem, ibidem. 407 Idem, ibidem. 408 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 23 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 11/10/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 10 de outubro de 1934).
Nas suas crônicas de viagem uma de suas cidades prediletas parece ser
Lisboa, a ela dedica algumas crônicas: “Até Lisboa”,409 “Lisboa, em junho”,410
“Evocação lírica de Lisboa”411 e “Quem não viu Lisboa”.412 É uma cidade mágica por
excelência: telhados, embarcações, oliveiras, tudo dança como cartas de um baralho
pitoresco (...). Quem não viu Lisboa, não viu coisa boa. Em “Até Lisboa”, publicada
no Diário de Notícias em 27 de março de 1957, ela dizia que além das famosas
areias de ouro, Portugal possuía três coisas muito amoráveis: os amigos, a
paisagem e as criaturas simples.413
Ilustração 22. Auscultar a tendência do mundo, diante de um pequeno aparelho... Bico de pena de Fernando Correia Dias ilustra crônica do dia 11 de outubro de 1934, publicada no jornal A Nação em 23 de dezembro de
1934. (legenda transcrita do original).
Os amigos, que eram sempre pessoas maravilhosas e que se encontravam
por toda parte; as paisagens, que eram belíssimas e também se encontravam por 409 MEIRELES, Cecília. Até Lisboa. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.3, 1999. p. 95-98. 410 MEIRELES, Cecília. Lisboa, em junho. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.3, 1999. p. 89-94. 411 MEIRELES, Cecília. Evocação lírica de Lisboa. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.1, 1998. p. 231-238. 412 MEIRELES, Cecília. Quem não viu Lisboa. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.1, 1998. p. 271-272. 413 MEIRELES, Cecília. Até Lisboa. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.3, 1999. p. 95-98.
muitos lados, e as pessoas simples, que embora nem sempre com a mesma
simpatia, não eram, igualmente, exclusividade de Portugal. Mas tudo aquilo ao
mesmo tempo, e em número razoável, eram uma felicidade. Quem não viu Lisboa,
não viu coisa boa.414
Voltamos no tempo. Dia 11 de outubro, véspera da chegada do “Cuyabá” a
Lisboa já não se está mais onde se está, mas um pouco além...415 Cecília e os
demais passageiros ouvem as notícias da Europa através do rádio da cabine do
comandante:
Vozes francesas, em número de comédia; vozes inglesas e alemãs cantando; vozes espanholas em comunicados políticos, ordenando grevistas a comparecerem ao trabalho... Milagre do século: poder sentir-se a palpitação de cada povo no nervo da antena, – auscultar a tendência do mundo, diante de um pequeno aparelho que, ao simples movimento de um botão, pode revelar os sonhos mais absurdos e mais distantes...416
Amanhecia o dia 12 de outubro de 1934. Via-se ao longe aquela que se
tornaria uma das cidades prediletas de Cecília: Lisboa. Quem não viu Lisboa, não
viu coisa boa.417 No vigésimo segundo dia da travessia, Cecília, Correia Dias e os
demais passageiros do “Cuyabá” atingem o final da travessia. Do navio advinham
Lisboa e descobrem os amigos que os esperam no cais de Alcântara:
12 de outubro: dia propício aos marinheiros. Colombo chegou à América, e eu – perdoa-me, terra das aventuras! – hoje vou descobrir Portugal. Se às três da manhã já se avistam faróis, é preciso que eu esteja de pé. E aqui estou. A água bate mansinha, toda negra... O céu todo negro esconde as estrelas em baixo das asas. Passo a cabeça pela vigia. Vem o cheiro do mar, salgado e acre como se a água fosse um enorme peixe, exalando um perfume denso. O navio dorme, com os seus corredores iluminados, e as portas fechadas sobre o silêncio e o sono. A delícia é correr pela escada acima, e olhar para dentro da noite, onde está o dia escondido... Tão manso vai o navio como entregue ao movimento da água, apenas... Dizendo-lhe: “Já
414 MEIRELES, Cecília. Quem não viu Lisboa. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.1, 1998. p. 271-272. 415 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 23 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 11/10/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 10 de outubro de 1934). 416 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 11 de Outubro de 1934, publicada no jornal A Nação em 23 de Dezembro de 1934. 417 MEIRELES, Cecília. Quem não viu Lisboa. In: MEIRELES, Cecília. Crônicas de Viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.1, 1998. p. 271-272.
andei tanto, não vês? Conheço todo esse mar... Conheço a grande solidão, e o vento enorme... Andaram as nuvens e as estrelas por cima de mim... Por baixo, uma vida infinita palpitou e multiplicou-se, interminavelmente... Queres levar-me? Pois leva-me... Fica lá com essa ilusão de me transportares... Aqui me tens, nas tuas mãos... Faze comigo o que quiseres...” E a água, então, muito feminina, muito sussurrante, muito sinuosa, encosta-se com ares felinos pela quilha que venceu o mar alto; murmura-lhe doçuras, esta água que tem sorrisos e suspiros; põe-se festiva e lânguida, contente e frívola... E o navio vai andando quase parada, como se fechasse os olhos e se deixasse conduzir, escutando, sem crer, todo aquele murmúrio, - navegador que não se ilude com sereias, mas, em todo caso, não desgosta de ouvir a sua voz... O mar é sombra móvel e úmida. O céu é sombra que se evapora. A linha da paisagem é sombra que se modela e vai mostrando aqui e ali uma luz indecisa, pronta a morrer na manhã que está prometida. Vem da superfície da água um cheiro intenso e frio de cardumes. Vamos chegando junto aos outros barcos, que enfeitam com seus mastros e velas o porto silencioso, - viajantes à porta de uma cidade que dorme, esperando que amanheça para lhe poderem falar. Torre de Belém, Jerônimos. Palácio das Necessidades. (Mas quem anda pelas vossas salas? Mas quem chama das vossas janelas? Mas quem que sobe e desce pelas vossas escadas?) Cemitério dos Prazeres. (Ai, mas quem vos enterrou, e que vai brotar das vossas covas? Mas como ficastes para aí, de mãos postas sobre o coração, com a esperança, apenas do Juízo Final?) Castelo de S. Jorge... Este sol preguiçoso de Lisboa custa muitíssimo a aparecer! E enquanto passam as vozes, e os olhos procuram descobrir os nomes da paisagem, e todos se apressam para o instante de uma visão definitiva, vão despertando as águas do Tejo, vai-se tingindo o céu de cores tênues, uma luz de ouro muito leve embebe a distância, e colore a cidade, de suas casas superpostas, com manchas rosadas e brancas, amarelas, cinzentas, azuis... Surge, afinal, o sol vagaroso, com suas auréolas suaves, de diluído carmim, de ouro pálido, de jade morto, de azul muito brando – fazendo faiscar a cidade longe, com suas fronteiras de azulejo, suas vidraças quadriculadas, seus sótãos que estão lá no alto dos telhados, de cócoras, espiando as ruas que ainda estão na sombra, tão embaixo... “Alcântara-mar”... – As docas. Os guardas municipais, de uniforme cinzento e luvas brancas, um emblema verde e vermelho nas mangas, levantam seus olhos militares para o vulto do “Cuyabá”. Estão por ali, aos dois e três, corpulentos e graves, com essa imponência especial dos homens gordos que usam bigode. Alguns trazem o capote pelos ombros. São um ornamento da paisagem. Acho-os todos parecidos com Napoleão. Napoleões em férias, projetando alguma
empresa marítima, para vencer o fantasma de Santa Helena, o fantasma inesquecível, traiçoeiramente deitado nas águas... Manobras. Vozes que falam de terra. Homens que correm de cá para lá... Os passageiros que respiram fundo, que respiram o ar da cidade, que já não vêm mais nada em redor de si, que pensam, que dizem, que riem: “Lisboa! Lisboa! Lisboa!” E eu ali, forasteira – descobridora, quase pisando terra estranha e conhecida, - eu para ali, sentindo sob os meus pés o navio que desliza, vendo descerem a escada por onde terei de descer, encantada e saudosa, querendo ficar e querendo seguir, com alegria da terra e saudade das águas... ... E os amigos que chegam e dizem: “Bom dia!” como se estivéssemos no Brasil, como se não tivéssemos viajado... E o meu nome que se ouve debaixo deste céu novo, pronunciado com uma ternura que me deixa indefesa e quase melancólica, de tão feliz... Lisboa. Já não sei mais nada de nada... Vou descendo por aqui, sem olhar para trás... Dizem atrás de mim: - Não se esqueça de pisar em terra, com o pé direito! Direito ou esquerdo? Não sei. Salto para terra. E vou indo como sonâmbula, para onde me vão levando, - porque eu não sei nada, compreendem? Eu sou um coração que vai cantando segundo o ritmo da vida que anda em redor...418
418 MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 30 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 12/10/1934).
Capítulo 2
A preparação da viagem
Chamam por mim as águas, Chamam por mim os mares.
Chamam por mim, levantando uma voz corpórea, os longes, As épocas marítimas todas sentidas no passado, a chamar.
(Álvaro de Campos – “Ode Marítima”)
Ilustração 23. Cecília contempla as estrelas. Bico de pena de Fernando Correia Dias ilustra crônica do dia 5 de outubro de 1934, publicada no jornal A Nação em 9 de dezembro de 1934 (data presumida).
2.1. Como fiéis pombos correios: Cecília Meireles e a rede
epistolar com os intelectuais portugueses419
Minha Senhora: Não tenho o prazer de a conhecer pessoalmente, mas gostei tanto dos seus versos que não resisti à tentação de felicitá-la em quatro linhas sinceras. Encontrei nos seus poemas um sabor moderno que, ligado à forma clássica, lhes dá uma graça nova e irresistível. (...) Mande-me mais versos, se é que tem mais publicados.420 Agradeço e aceito de todo o coração a amizade que me oferece tanto mais que estava já disposta a escrever-lhe, encantada com os seus livros que me tem (ilegível) um grande encantamento espiritual. (...) O seu último livro ‘Baladas para El-Rei’, se bem que um pouco menos moderno na forma, tem como os outros, a mesma inspiração rica, a mesma emoção doce e profunda. Que pena não nos termos visto quando aí estive em Dezembro!421 Nunca pensou na possibilidade de vir a Portugal? Seu marido faria uma exposição e você uma conferência... Pense muito e mande-me dizer o que lhe parece a idéia.422
Datam de 1930 estas cartas enviadas pela poeta e educadora portuguesa
Fernanda de Castro à também poeta e educadora Cecília Meireles. Nelas, a
intelectual portuguesa elogiava os versos e solicitava o envio de livros. Esta
solicitação foi bem sucedida, pois em sua próxima carta, de 8 de maio de 1930,
Fernanda agradecia o oferecimento da amizade e do livro Baladas para El-Rei,
propunha à nova amiga a permuta de livros de autores brasileiros e portugueses
desconhecidos entre elas e a convidava para uma visita a Portugal. Cecília faria
conferências e Correia Dias uma exposição de seus trabalhos. O convite para as
conferências partiu de Fernanda de Castro, porém os detalhes da viagem foram
419 Expressão utilizada por Fernanda de Castro para denominar a pontualidade das cartas enviadas por Cecília Meireles. Ver: CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Memórias (1906-1939). Lisboa, Editorial Verbo, 1988. p. 184. 420 Excerto de carta de Fernanda de Castro a Cecília Meireles, de fevereiro de 1930, em anotações de Darci Damasceno. Para maiores detalhes, ver: DAMASCENO, Darci. Notas acerca da poesia, da crítica e da correspondência de Cecília Meireles. [Rio de Janeiro], [s.d.]. N. p. Original. Manuscrito. 26,2,71. Arquivo Darci Damasceno, Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, Brasil. 421 Fernanda de Castro refere-se à sua presença no Brasil em dezembro de 1929. 422 Excerto de carta de Fernanda de Castro a Cecília Meireles, de 8 de maio de 1930, em anotações de Darci Damasceno. Para maiores detalhes, ver: DAMASCENO, Darci. Notas acerca da poesia, da crítica e da correspondência de Cecília Meireles. [Rio de Janeiro], [s.d.]. N. p. Original. Manuscrito. 26,2,71. Arquivo Darci Damasceno, Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, Brasil. Fernanda de Castro se refere ao livro Baladas para El-Rei de 1925. MEIRELES, Cecília. Baladas para El-Rei. Rio de Janeiro: Ed. Brasileira Lux, 1925.
tratados por meio de cartas trocadas com o amigo José Osório de Oliveira que
providenciou os trâmites legais da viagem e das conferências junto ao Diretor
Técnico da Exposição Colonial do Porto e ao diretor do Secretariado da Propaganda
Nacional, António Ferro. Osório também publicou notas nos jornais referentes à
presença dos intelectuais brasileiros em Portugal.
Como essa rede epistolar foi construída e de que forma proporcionou o
contato com outros educadores de outras regiões do Brasil, da América e do
mundo? Quem eram os seus principais correspondentes portugueses? Qual o papel
dos intelectuais de ambos os países na construção desse intercâmbio e a
importância que a imprensa – as revistas e os jornais – desempenharam nos dois
lados do Atlântico para a construção dessa rede de intelectualidade luso-brasileira?
Quem e quais as relações dos intelectuais portugueses com o Brasil e dos
intelectuais brasileiros com Portugal?
Tomando como suporte a rede epistolar construída por Cecília Meireles,
esse segundo capítulo tem como objetivo entender como a primeira viagem da
jornalista, poeta e educadora foi programada, ou seja, as razões que motivaram e
quem se responsabilizou pela sua concretização. Essas questões não poderiam ser
respondidas sem que se procurasse compreender o papel desempenhado pela rede
epistolar construída por Cecília com os intelectuais portugueses e como esta refletiu
o que vinha sendo realizado em termos de intercâmbio dos dois lados do Atlântico.
Assim, procurou-se analisar as relações que ela estabeleceu com os intelectuais
portugueses e de que forma estas lhe permitiram e proporcionaram o convite e a
viagem a Portugal. Essa produção epistolar foi utilizada como fonte documental e
entrecruzada com suas crônicas de viagem, com textos de autores do pensamento
pedagógico brasileiro e português, bem como com outros documentos bibliográficos
(livros, periódicos, dissertações e teses) e jornalísticos que tinham ligação estreita
com o tema estudado. Na terceira parte desse capítulo fazemos um recuo no tempo
para colher impressões sobre o envolvimento de alguns dos interlocutores de Cecília
Meireles com o projeto de intercâmbio entre os dois países: o luso-brasileirismo.
Quem eram esses intelectuais? Em que espaços sociais atuavam e estavam
inseridos? Quais eram as suas preocupações mais imediatas e como contribuíram
com as suas idéias para o desenvolvimento dessa interlocução? Essas foram
algumas das questões que possibilitaram entrever as preocupações literárias e/ou
pedagógicas e políticas desses intelectuais, qual o seu envolvimento nesse projeto e
o significado das revistas e das sociedades literárias e/ou pedagógicas para o seu
estabelecimento.
Sabemos que seguramente muitos dos contatos estabelecidos entre Cecília
e os intelectuais portugueses não foram feitos exclusivamente pela via epistolar.
Entretanto, as cartas que ela escreveu e recebeu poderiam responder algumas
questões e dar sentido a algumas lacunas que vinham sendo formuladas durante a
investigação. Para o historiador as cartas são, como qualquer outra fonte, conforme
destacam Dauphin e Poublan (2002), objetos construídos, inscritos no tempo e no
espaço social.423 Consoante com essa perspectiva, procuramos por meio da
correspondência de Cecília e seus interlocutores apreender o significado e os
porquês da sua escrita e compreender os bastidores dessa sua primeira viagem a
Portugal, lembrando sempre que para o historiador o manuseio das cartas é
importante na medida em que permite, como afirmam Dauphin e Poublan (2002),
compreender as razões e a lógica que presidem essas práticas de escritura e de
conservação e não apenas o desvelamento da suposta intimidade dos
correspondentes.424
As missivas trocadas entre Cecília e os seus interlocutores, como toda e
qualquer correspondência, carregam, mostram, escondem e oferecem
possibilidades de compreender itinerários pessoais e profissionais de formação e
ainda seguir a trama de afinidades eletivas, como afirma Mignot (2002). Permite,
ainda, capturar a singularidade de uma vida e/ou projeto de uma geração, indicando
pistas para uma maior compreensão a respeito da história política do país e, em
particular, sobre o papel desempenhado por esses intelectuais.425
Estudar a epistolografia de Cecília Meireles não é tarefa das mais fáceis ao
pesquisador, em parte por se encontrar dispersa e mesmo desconhecida aos
interessados, uma vez que Cecília se correspondia com muitos intelectuais e de
forma bastante intensa. Parte da correspondência ativa e passiva de Cecília com os
vários intelectuais foi encontrada em instituições brasileiras e portuguesas: no
arquivo Darci Damasceno (Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional do Rio de
423 DAUPHIN, Cécile, POUBLAN, Daniele. Maneiras de escrever, maneiras de viver. Cartas familiares no século XIX. In: BASTOS, Maria Helena Camara, CUNHA, Maria Teresa Santos, MIGNOT, Ana Chrystina Venâncio. (orgs). Destino das Letras: história, educação e escrita epistolar. Passo Fundo: UPF, 2002. p. 80. 424 Idem, p. 82. 425 MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Artesãos da palavra: cartas a um prisioneiro político tecem redes de idéias e afetos. In: BASTOS, Maria Helena Camara, CUNHA, Maria Teresa Santos, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Destino das Letras: história, educação e escrita epistolar. Passo Fundo:UPF, 2002. p. 115-116.
Janeiro), na Biblioteca Nacional de Portugal (Arquivo de Cultura Contemporânea),
Biblioteca do Museu João de Deus Bibliográfico, Pedagógico e Artístico, e na
Hemeroteca Municipal de Lisboa (cartas publicadas em periódicos).
Nesse levantamento realizado em diversas instituições brasileiras e
portuguesas foram encontradas 564 cartas, 11 cartões, 5 postais e 3 envelopes que
foram enviados por Cecília para diferentes intelectuais entre 1931 e 1964, ano em
que a poeta faleceu. Entretanto, essa é, provavelmente, uma pequena amostra do
volume de cartas que devem existir nos arquivos da poeta e no dos seus
correspondentes, que estão guardados em arquivos familiares e não
disponibilizados para os pesquisadores. Dentre os seus correspondentes deparamo-
nos com personalidades como Adolfo Casais Monteiro, Afonso Duarte, Alberto de
Serpa, Alfonso Reyes, Armando Côrtes-Rodrigues, Carlos Queiroz, Diogo de
Macedo, Fernanda de Castro, Fernando de Azevedo, Gabriela Mistral, Henriqueta
Lisboa, Irene Lisboa, Isabel do Prado, Jaime Cortesão, João Afonso, João de
Barros, José Osório de Oliveira e Raquel Bastos, José Régio, Maria Dulce Lupi
Cohen Osório de Castro (Maria Valupi), Maria Helena Vieira da Silva e Arpad
Szenes, Mário de Andrade, Natércia Freire, Manuel Mendes, Luis de Montalvor e
Vitorino Nemésio.426 Essa correspondência localizada durante a pesquisa está
dispersa, como afirmado anteriormente, em acervos do Brasil (Rio de Janeiro, São
Paulo e Belo Horizonte), Portugal (Lisboa e Porto), México e Chile, porém sabemos
que Cecília Meireles manteve uma interlocução muita mais ampla que a que ora
registramos neste trabalho. A poeta estabeleceu relações epistolares com
personalidades de muitos outros paises e descobrir todos esses correspondentes
ultrapassa os limites dessa investigação. Somente a consulta aos seus arquivos
pessoais é que poderá ajudar a dizer quem e quantos foram os seus
correspondentes, pois eles existiram desde os neófitos que a escreviam em busca
de conselhos literários e até mesmo dentre os anônimos, como é de praxe entre os
escritores que recebem missivas de desconhecidos que apreciam a sua obra.
Foi possível encontrar parte de sua correspondência passiva dentre os
inúmeros documentos colecionados por Darci Damasceno e que se encontram sob a
guarda da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Das cerca de trinta cartas
localizadas nesse arquivo, encontramos os seguintes remetentes: Afonso Duarte,
426 Ver quadro de com o levantamento da correspondência ativa e passiva de Cecília Meireles nos Anexos deste trabalho.
Afrânio Peixoto, Alberto de Serpa, Alfonso Reyes, Anita Malfatti, Augusto Meyer,
Carlos Drummond de Andrade, Carlos Queiroz, Diogo de Macedo, Fernando de
Azevedo, José Osório de Oliveira, Fernanda de Castro, Miroel Silveira, P.
Michailowsky, Telmo Vergara e William Berrien. Essas missivas foram enviadas
entre 1927 e 1939. Dentre as cartas recebidas, sete foram publicadas em Cecília e
Mário427 e uma em Cartas para além do tempo, de Fernanda de Castro.428 Esta
última, no entanto, apesar de ter sido escrita para Cecília Meireles nunca foi enviada
pelos meios tradicionais e nem recebida pela destinatária, pois foi escrita como o
próprio nome diz, além do tempo, numa homenagem póstuma feita pela poeta
portuguesa à poeta brasileira.
Do conjunto que compreende a correspondência ativa e passiva de Cecília
Meireles muitas foram localizadas e consultadas, outras, apesar de se ter
conhecimento da sua existência não puderam ser consultadas por se encontrarem
em acervos familiares, particulares ou com os respectivos destinatários e seus
herdeiros e não estarem disponíveis aos pesquisadores. É o caso das
correspondências, como por exemplo, de Cecília com Afonso Duarte, Fernanda de
Castro e Carlos Queiroz. Outras não foram consultadas por se encontrarem em
países como Chile e México e as instituições não disponibilizarem a sua consulta de
outra forma que não a presença física dos pesquisadores.429 As demais, quando
localizadas e acessadas, foram lidas e inseridas como fonte documental para a
pesquisa, notadamente, aquelas que se inscrevem no período imediatamente
anterior e posterior à viagem de Cecília a Portugal. Também foi utilizada a
correspondência com datação posterior ao recorte temporal determinado para a
pesquisa, como documentação de suporte, para esclarecer lacunas e pontos
obscuros quando surgiam. Foi utilizada, por exemplo, a correspondência de Cecília
Meireles com Armando Côrtes-Rodrigues, escrita num período posterior ao recorte
temporal da pesquisa, mas que contribuiu para elucidar algumas lacunas, uma vez
que Cecília em diversos momentos se utilizou da retrospectiva em suas cartas ao
poeta açoriano.430
427 MEIRELES, Cecília. Carta a Mário de Andrade. MEIRELES, Cecília. Cecília e Mário. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. 428 CASTRO, Fernanda de. Cartas para além do tempo. Odivelas, Europress, 1990. 429 Que são as cartas enviadas a Gabriela Mistral e Alfonso Reyes, respectivamente. 430 MEIRELES, Cecília. A lição do poema. Cartas de Cecília Meireles a Armando Côrtes-Rodrigues. (e notas de Celestino Sachet). Ponta Delgada: Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1998. (Organizadas e publicadas pelo
Das 564 cartas enviadas por Cecília Meireles, 293 estão publicadas em
jornais, revistas e livros. Os jornais portugueses (Diário dos Açores, Jornal de Letras
& Artes) e brasileiros (Minas Gerais) e revistas literárias portuguesas como Revista
de Artes e Letras, Colóquio, Colóquio/Letras e Terceira Margem e publicaram 7
cartas.431 Grande parte da correspondência foi publicada em livros de diferentes
procedências e objetivos, como a coletânea que reúne as 246 cartas de Cecília a
Armando Côrtes-Rodrigues trocadas entre 29 de janeiro de 1946 e 3 de março de
1964;432 a coletânea de Cartas a João de Barros433 em que se publicou 1 carta de
Cecília ao poeta e educador; e ainda em obras como A farpa na Lira,434 Antologia
Poética435 e Cecília e Mário436 em que foram publicadas 39 cartas a Fernando de
Azevedo, Maria Valupi e Mário de Andrade, respectivamente. As 271 cartas
restantes e que não se encontram publicadas estão sob a guarda de instituições
brasileiras, portuguesas, mexicanas e chilenas. No Brasil foram encontradas no
Arquivo Darcy Damasceno da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 5 cartas
enviadas por Cecília Meireles a Diogo de Macedo, Fernanda de Castro e Maria
Dulce Lupi de Castro Osório (Maria Valupi); no Instituto de Estudos Brasileiros –
IEB/USP encontramos outras tantas no acervo dos escritores Mário de Andrade e
Fernando de Azevedo;437 entre as centenas de documentos doados pela família da
poeta Henriqueta Lisboa ao Acervo de Escritores Mineiros da FALE/UFMG estão 42
cartas e 7 cartões, enviados entre 1931-1963; na Fundação Casa de Rui Barbosa Instituto Cultural de Ponta Delgada sob a supervisão do Prof. Celestino Sachet, professor da Universidade Federal de Santa Catarina). 431 MEIRELES, Cecília. Carta inédita de Cecília Meireles para Armando Côrtes-Rodrigues. Ponta Delgada, Diário dos Açores, 26 de novembro de 1964. p. 2; MEIRELES, Cecília. Carta de Cecília Meireles a Henriqueta Lisboa. Jornal Minas Gerais, Suplemento Literário, 1967; MEIRELES, Cecília. CARTAS inéditas de Cecília Meireles. Lisboa, Jornal de Letras & Artes, n. 242, 1 de junho de 1966. p. 10; PELOSO, Lina Tâmega del. A imagem da Estrela na poesia de Cecília Meireles. Lisboa, Colóquio, Revista de Artes e Letras, abril, 1970. p. 61-63; AFONSO, João. Carta inédita de Cecília Meireles a João Afonso. Lisboa, Colóquio/Letras, n. 61, maio de 1981. p. 39-41; CRISTÓVÃO, Fernando. Cartas inéditas de Cecília Meireles a Maria Valupi. Lisboa, Colóquio/Letras, n. 66, março de 1982. p. 63-71; SARAIVA, Arnaldo. Uma carta inédita de Cecília Meireles sobre o suicídio do marido (Correia Dias). Porto, Terceira Margem: Revista do Centro de Estudos Brasileiros, n. 1. 1998. p. 55-59. Alguns desses periódicos também podem ser encontrados na biblioteca do Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro. 432 MEIRELES, Cecília. A lição do poema. Cartas de Cecília Meireles a Armando Côrtes-Rodrigues. (e notas de Celestino Sachet). Ponta Delgada: Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1998. (Organizadas e publicadas pelo Instituto Cultural de Ponta Delgada sob a supervisão do Prof. Celestino Sachet, professor da Universidade Federal de Santa Catarina). 433 BARROS, João de. Cartas a João de Barros. Lisboa: Edição Livros do Brasil, [19--]. p. 333-334. 434 LAMEGO, Valéria. Cecília Meireles na Revolução de 30. Rio de Janeiro: Record, 1996. p. 209-238. 435 VALUPI, Maria. Antologia Poética. Vila Nova de Famalicão, Portugal: Quasi Edições, 2007. p. 131-170. 436 MEIRELES, Cecília. Cecília e Mário. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. p. 289-309. 437 Parte dessa correspondência foi publicada. Consultar: LAMEGO, Valéria. A farpa na lira: Cecília Meireles na Revolução de 30. Rio de Janeiro: Record, 1996; e MEIRELES, Cecília. Carta a Mário de Andrade. MEIRELES, Cecília. Cecília e Mário. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996.
foram encontradas 77 cartas enviadas a Isabel do Prado. Em Portugal, foram
encontradas na Biblioteca Nacional de Portugal, na Fundação Arpad Szénes-Vieira
da Silva, na Biblioteca Municipal do Porto e no Museu João de Deus Bibliográfico,
Pedagógico e Artístico.
A correspondência destinada ao amigo e educador Fernando de Azevedo,
escritas entre 8 de abril de 1931 e 27 de junho de 1938, num total de 20 cartas,
doadas em 1970 pelo próprio Fernando de Azevedo, foram encontradas no Arquivo
do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP). Algumas das cartas trocadas com o
amigo José Osório de Oliveira estão depositadas na Biblioteca Nacional de Portugal
enquanto que a grande maioria, num total de 48 cartas, está sob a guarda de um
colecionador e foram compradas de Raquel Bastos em 1967 (dessas 49 cartas, 7
foram enviadas para Raquel Bastos, 1 para o casal e outra para os amigos).438 Das
cartas que têm Maria Valupi como interlocutora 4 foram publicadas em periódicos
portugueses 13 foram publicadas em seu livro póstumo Antologia Poética439 e 30
estão sob a guarda do seu sobrinho, o poeta português António Osório.
Cecília também se correspondeu com relativa assiduidade, de 1931 a 1933,
com Alfonso Reyes, embaixador do México no Brasil. Reyes foi o construtor de uma
sólida ponte cultural e literária entre o México e o Brasil e em meio às tarefas de
caráter político e burocrático que teve que desempenhar sempre encontrou espaço
para desenvolver uma ampla agenda cultural, não só para difundir a cultura
mexicana, como para dialogar com escritores e intelectuais brasileiros. O
embaixador mexicano contribuiu para estimular a discussão de políticas de
aproximação entre o Brasil e os países hispano-americanos. Em 1932, Cecília
Meireles foi enfática em sua admiração por Reyes. No período em que Cecília e
Reyes se corresponderam, este lhe proporcionou livros e revistas mexicanos sobre
educação e cultura popular e Cecília aproveitou o espaço da “Página de Educação”,
que manteve até 1933 no jornal Diário de Notícias, para difundir temas mexicanos. A
partir de 1934, a correspondência diminuiu, mas se conservou até 1940. As 16
cartas que resultaram desse intercâmbio entre os dois intelectuais, a maioria dos
438 As cartas que estão sob a guarda do professor Arnaldo Saraiva, da Universidade do Porto, foram consultadas por mim durante o período em que estive em Portugal, durante o Estágio de Doutorado, entre março e junho de 2007. 439 VALUPI, Maria. Antologia Poética. Vila Nova de Famalicão, Portugal: Quasi Edições, 2007. p. 131-170.
primeiros tempos da amizade, permanecem ainda inéditas e podem ser encontradas
no Acervo da Capilla Alfonsina, no México.440
A interlocução entre Cecília e Fernando de Azevedo foi estudada por Vidal
(2001) que analisou os aspectos formais e de conteúdo das missivas, com o objetivo
de entender as relações entre a poeta, a escrita epistolar, os acontecimentos
educacionais dos anos 1930 e o seu interlocutor.441 Outra autora, Lamego (1996),
também se utilizou das cartas de Cecília a Fernando como uma das fontes
documentais em seu trabalho A Farpa na Lira e transcreveu e publicou, na íntegra, 9
das 20 cartas existentes no arquivo daquele educador.442 A autora empregou, ainda,
cerca de 750 artigos jornalísticos publicados entre 1930 e 1933 na “Página de
Educação” do jornal Diário de Notícias para compor o seu estudo. Em A Farpa na
Lira Lamego (1996) revelou a presença da jornalista e educadora nos embates
travados na imprensa carioca em favor da educação nova e das reformas
educacionais, bem como a passagem de Cecília Meireles pelas agruras da
Revolução de 30 e sua estréia no jornalismo.443
A epistolografia de Cecília Meireles também foi utilizada como fonte em
Cecília em Portugal: ensaio biográfico sobre a presença de Cecília Meireles na terra
de Camões, Antero e Pessoa, por Gouvêa (2001). Nesse trabalho, a autora tratou da
presença da poeta em Portugal e procurou reconstituir a partir da pesquisa em
múltiplos acervos portugueses (da Ilha de São Miguel, inclusive) e brasileiros, da
conversa com algumas pessoas que a encontraram ou a estudaram e também da
revisita a alguns dos principais itinerários lusíadas da poeta.444 Em alguns
momentos, recorreu à ficção como meio de soldar o tecido documental ali onde ele
se esgarçava. A autora revela a importância e o apreço da intelectualidade
portuguesa pelo poeta, a intelectual e a mulher igualmente raros que o Brasil pôde
440 Consultar: CRESPO, Regina Aída. Cultura e política: José de Vasconcelos e Alfonso Reyes no Brasil (1922-1938). Revista Bras. Hist., v. 23, n. 45, São Paulo, jul. 2003; Sobre a correspondência de Alfonso Reyes com Cecília Meireles, Manuel Bandeira e Carlos Lacerda consultar: ELLISON, Fred P. Alfonso Reyes e o Brasil: um mexicano entre os cariocas. Rio de Janeiro: Topbooks, 2002. Esse último autor transcreve partes de cartas enviadas por Cecília Meireles ao embaixador Alfonso Reyes. 441 VIDAL, Diana Gonçalves. Da sonhadora para o arquiteto: Cecília Meireles escreve a Fernando de Azevedo (1931-1938). In: NEVES, Margarida de Souza, LÔBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. (org.). Cecília Meireles: a Poética da Educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, p. 81-103, 2001. 442 As 11 cartas restantes foram copiadas por mim durante pesquisa realizada no IEB-USP em Outubro de 2000. 443 LAMEGO, Valéria. Cecília Meireles na Revolução de 30. Rio de Janeiro: Record, 1996. p. 17. 444 GOUVÊA, Leila V.B. Cecília em Portugal: ensaio biográfico sobre a presença de Cecília Meireles na terra de Camões, Antero e Pessoa. São Paulo: Iluminuras, 2001. p. 24.
um dia abrigar.445 Além dos arquivos brasileiros e portugueses, nos indicou
importantes fontes bibliográficas e jornalísticas como: Diário de Lisboa, Diário de
Notícias, Diário da Manhã e Diário de Coimbra e também os periódicos publicados
pela Faculdade de Letras de Lisboa e pela Universidade de Coimbra.
As cartas de Cecília Meireles para Henriqueta Lisboa, foram interrogadas ao
lado das missivas de intelectuais como Carlos Drummond de Andrade e Mário de
Andrade por Paiva (2006). A autora teve como objetivo compreender a amizade
literária, com ênfase nas cartas de Drummond, a poética e a recepção da obra de
Henriqueta Lisboa, discutidas nas missivas de Mário, e a questão feminina, a partir
das cartas de Cecília. Também apresentou os arquivos da poeta mineira e tratou
das questões pertinentes ao estudo das cartas, tais como o estatuto da carta no
arquivo, suas configurações e a polêmica relação entre público e privado presente
em seu uso. Além das cartas, Paiva (2006) também se utilizou de outras peças do
arquivo, como os recortes de jornais, para exemplificar e enriquecer as discussões
propostas a partir da correspondência.446
A produção epistolar de Cecília Meireles com os intelectuais portugueses
foi, ainda, estudada por Mota (2002) com o objetivo de avaliar a importância dos
laços de amizade e relações profissionais existentes entre eles.447 A autora conclui
que este fecundo diálogo luso-brasileiro, mal grado o deficiente funcionamento do
correio transcontinental, era o meio mais imediato de perpetuar o sempre necessário
e defendido intercâmbio entre as duas nações.448
Diários, entrevistas, biografias e cartas, não só de personalidades de
destaque no mundo literário, artístico, político ou social, mas de personagens
anônimos como donas-de-casa, professoras, estudantes e/ou amigas de infância
ganharam certa visibilidade não apenas dos leitores, mas, segundo Gomes (2004),
um maior reconhecimento tanto pelo mercado editorial, quanto pela academia. Esse
gênero de escrita, a “escrita de si” antes apenas explorado no campo da literatura,
têm encontrado nos dias de hoje uma utilização muito mais ampla. Ainda que fosse
utilizada como fonte nas pesquisas históricas até então, a escrita de si, só foi
445 GOUVÊA, Leila V.B. Cecília em Portugal: ensaio biográfico sobre a presença de Cecília Meireles na terra de Camões, Antero e Pessoa. São Paulo: Iluminuras, 2001. p. 24. 446 PAIVA, Kelen Benfenatti. Histórias de vida e amizade: as cartas de Mário, Drummond e Cecília para Henriqueta Lisboa. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, 2006. 447 MOTA, Luisa Maria Gonçalves da. O canto repartido: Cecília Meireles e Portugal. Tese de Mestrado Estudos Portugueses e Brasileiros. Universidade do Porto, 2002. p. 7. 448 Idem, ibidem.
considerada fonte privilegiada e tornada, ela mesma objeto da pesquisa histórica, só
muito recentemente, mais exatamente, a partir da última década do século XX. De
acordo com Gomes (2004), a procura por essas fontes requer maiores investimentos
em sua utilização e análise, ou seja, maiores cuidados teórico-metodológicos.449 A
autora também evidencia a necessidade de um maior investimento no tocante à
criação/manutenção de centros de pesquisa e documentação que sejam lugares
privilegiados à guarda de arquivos, não só de personalidades, mas até mesmo dos
escritos de pessoas “comuns” – as chamadas escrituras ordinárias ou escritos sem
qualidade.450
Mas qual a importância da escrita de si ou escrita epistolar? Porque ela é
tão significativa? O que pode ser entrevisto, compreendido, apreendido? Como
entender o diálogo que se estabeleceu entre Cecília Meireles e a sua rede de
sociabilidade? Como Cecília escreve e para quê escreve? Por que a escrita de si
interessa ao historiador? O que os estudos sobre a escrita epistolar poderiam
oferecer às minhas indagações?
Ao mesmo tempo em que cartas e diários utilizando o papel como suporte
material podem ser considerados coisas dos nossos avós, costume do passado ou
uma prática em extinção, assistimos a um crescente interesse dos leitores por
publicações que têm como característica principal a escrita biográfica e
autobiográfica. A partir da leitura de cartas, bilhetes, cartões, telegramas e postais
trocados com amigos, familiares, leitores e intelectuais é possível delinear o perfil
dos seus autores, suas preferências e seus gostos, reconstituir o universo cultural e
o momento histórico, a inserção política e social dos correspondentes, além de
serem importantes fontes sobre os bastidores da criação literária desses intelectuais.
Da correspondência pessoal de Cecília Meireles foi possível acessar somente
aquela mantida com amigos e intelectuais, ficando de fora o seu diálogo com
familiares e leitores. A leitura dessa correspondência pessoal foi significativa, por
reunir cartas de importantes nomes do cenário brasileiro e também do exterior,
tornando possível entrever aspectos do universo intelectual da escritora. Também
não foi possível trabalhar com a sua correspondência burocrática, onde poderíamos
449 GOMES, Ângela de Castro. Escrita de si, escrita da História: a título de prólogo. In: GOMES, Ângela de Castro. (org.). Escrita de si, escrita da história. (org.). Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. p. 10. 450 CUNHA, Maria Teresa Santos. “Por hoje é só...” Carta entre amigas. In: MIGNOT, A. C. V., BASTOS, M.H.C., CUNHA, M.T.S. (org.). Refúgios do eu: história e escrita autobiográfica. Florianópolis: Mulheres, 2000. p.181-204.
encontrar a interlocução de Cecília com instituições, editoras, associações,
bibliotecas e escolas que favoreceria a compreensão da sua inserção na esfera
pública.
De acordo com Dauphin e Poublan (2002), as cartas sempre ocuparam, na
historiografia, o status de documento. Esse lugar de destaque se deve, segundo a
autora, ao conteúdo das cartas que é valorizado pela qualidade do signatário, do
destinatário ou das pessoas citadas:
Os dizeres – os mais simples, os detalhes –, os mais incongruentes, tornam-se signos a serem interpretados. Como no campo literário, as correspondências legitimadas, pelo destaque que ocupam na sociedade, desvelam a vida privada, o que se esconde atrás da cena pública, o que não é acessível no mistério da obra ou na fulgurância do acontecimento. O gênero biográfico é particularmente ávido a esses documentos, que se tornam provas ou indícios ao sabor dos autores. Parecendo manter-se bem longe do documento oficial e do discurso construído, a citação epistolar produz esse ‘excesso de sentido’ que insufla força, convicção e veracidade aos comentários.451
A correspondência ordinária, no entanto, nunca obteve o mesmo prestígio e
só recentemente adquiriu estatuto de documento, porém contribui, igualmente, na
leitura, que deve levar em conta, além do conteúdo (...), as condições de sua
redação e de sua leitura, as circunstâncias das trocas, sua conformidade (ou não) às
convenções.452 De qualquer forma, salienta a autora, qualquer que seja a
procedência das cartas e a qualidade do escritor, não se deve descurar de certos
cuidados pois a produção epistolar não pode ser considerada como espelho fiel da
realidade, pois comportam mecanismos de ilusão cujas regras e efeitos são
constitutivos de sua significação.453
As cartas recebidas e enviadas aos destinatários portugueses oferecem-nos
a possibilidade de entrever, mais do que vestígios do tempo e do contexto histórico,
dos acontecimentos vivenciados pelos interlocutores, das preferências e dos gostos
pessoais e artísticos de Cecília Meireles: permitem-nos acompanhar e aquilatar a
intensidade do relacionamento existente entre os missivistas. Escrever cartas é,
451 DAUPHIN, Cécile, POUBLAN, Daniele. Maneiras de escrever, maneiras de viver. Cartas familiares no século XIX. In: BASTOS, Maria Helena Camara, CUNHA, Maria Teresa Santos, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. (orgs). Destino das Letras: história, educação e escrita epistolar. Passo Fundo: UPF, 2002. p. 75. 452 Idem, p. 76. 453 Idem, ibidem.
para muitos, além de uma emoção, uma forma de ousar, de ser transparente e
vulnerável,454 pois no ritual epistolar das cartas consultadas podemos encontrar,
implícitos ou explícitos, alguns indícios do grau de intimidade existente entre os
correspondentes. Inicialmente, o ritual epistolar das cartas analisadas é mais formal
tanto por parte de Cecília quanto de quem as envia:
Minha ilustre confrade, Não será este o tratamento protocolar, mas não somos nós irmãos no amor da literatura? Cada vez penso mais que só a literatura, a poesia e a arte unem os espíritos, por cima de tudo que separa os homens.455
As saudações tornam-se mais íntimas com o passar do tempo e,
naturalmente, após o retorno de Portugal, quando a amizade encontrava-se mais
consolidada pela proximidade física e espiritual: Minha querida Fernanda, Minha
querida Dulce, Minha boa Amiga, Minha querida Amiga. Também são cordiais e
afetuosas as despedidas:
Adeus, querida. O meu endereço vai no alto da carta. Beijo-te com muita ternura. Muitas saudades a todos daí e abraços aos teus pequenos. Afetuosamente, Cecília.456
O gesto epistolar é um gesto privilegiado, segundo Santos (2005), pois ao
mesmo tempo em que são veículos de expressão de si, expressão da subjetividade,
de sentimentos ligados à interioridade de uma pessoa, também remetem a um
espaço de sociabilidade. Além disso, expressam sensibilidade por meio das
palavras, destilam sentimentos, sensações, pensamentos, intuições, imagens, tanto
relacionados aos estados afetivos, como aos sentidos e aos pensamentos mais
interiores. Segundo a autora, as cartas são um refúgio privilegiado do sentimento e
da espontaneidade, um registro marcado pela subjetividade e um registro de
memória individual e coletiva.457 Assim sendo, a escrita epistolar interessa ao leitor e
454 BASTOS, Maria Helena Camara, CUNHA, Maria Teresa Santos, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. (orgs). Laços de papel. In: BASTOS, Maria Helena Camara, CUNHA, Maria Teresa Santos, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. (orgs). Destino das Letras: história, educação e escrita epistolar. Passo Fundo: UPF, 2002. p. 6. 455 OLIVEIRA, José Osório. Carta a Cecília Meireles. Lisboa, 26 de abril de 1934. Arquivo Darci Damasceno, Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. (503) 26,4,27. 456 MEIRELES, Cecília. Carta de Cecília Meireles a Fernanda de Castro. Rio de Janeiro, janeiro de 1936. Biblioteca Nacional, Arquivo Darci Damasceno, (473) 26,3,127 (cópia manuscrita). 457 SANTOS, Nádia Maria Weber. Escritos de si como reveladores de sensibilidades sobre a loucura (Brasil, início do século XX). IIe Journée d'Histoire des Sensibilités EHESS. 10 março, 2005.
ao historiador por conter as práticas culturais de um tempo, os hábitos e os valores
partilhados, que encerram as representações de uma época:
O que interessa ao historiador é a evolução dessa prática, dos usos, maneiras e modos de escrever, dos contextos em que se escreve, bem como os materiais, objetos ou signos utilizados para se escrever além do espaço social, significados e relações em que tais atos se produzem.458
Ainda segundo a autora, a escrita epistolar pode trazer outras possibilidades
para os historiadores da educação já que a sua utilização pelos mesmos requer
outros enfoques, releituras e re-interpretações que se inserem na ótica da cultura
escrita. Além disso, por meio das cartas o pesquisador pode não só recolher dados
e informações sobre o momento histórico vivido mas recompor toda uma história dos
processos de comunicação entre as pessoas comuns, até mesmo os próprios
modos e maneiras de escrever, como a função dos tipos de letra – maiúscula,
minúscula – nas notícias corriqueiras, a expressividade gráfica exercida, etc. Pela
análise dessas práticas epistolares é possível, também, perceber como a escrita
torna possível novas estratégias cognitivas, modos de pensamento e expressão, um
outro sentido de tempo e espaço, salienta a autora.459
Um comentário de Cecília Meireles, em correspondência de 29 de janeiro de
1946, ao seu amigo português Armando Côrtes-Rodrigues, deslinda algumas
questões acerca da forma e do seu estilo de escrever:
Perdoe-me escrever à máquina. Meus amigos europeus sempre têm certo ressentimento contra essa mecanização da escrita. (...) Mas a vida me levou intensamente para o jornalismo, para as traduções, para a necessidade de escrever rápido e escrever claro. (...) eu acho que as cartas de amizade deviam ser lindamente escritas como esta sua, que tanto me encantou só de olhá-la, com seu vagar, seu ritmo, sua beleza gráfica, de uma serenidade divina. E eu sou tão móvel, tão ocupada, a vida me chamou para tantos lados... Signo de água. Preciso ser fluida, fugitiva, dispersar. Compadeça-se de mim!460
458 CUNHA, Maria Teresa Santos. A escrita epistolar e a História da Educação. GT02/História da Educação. ANPED, 2002. Disponível em: <http://www.anped.org.br/25/posteres/mariateresasantoscunhap02.rtf>. 459 CUNHA, Maria Teresa Santos. A escrita epistolar e a História da Educação. GT02/História da Educação. ANPED, 2002. Disponível em: <http://www.anped.org.br/25/posteres/mariateresasantoscunhap02.rtf>. 460 MEIRELES, Cecília. Correspondência de janeiro de 1946. MEIRELES, Cecília. A lição do poema. Cartas de Cecília Meireles a Armando Côrtes-Rodrigues. (organização e notas de Celestino Sachet). Ponta Delgada: Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1998.
Fluido, fugitivo, disperso como a sua própria personalidade, mas claro,
rápido, organizado, segundo as imposições das suas atividades como jornalista e
tradutora. Em carta ao amigo Fernando de Azevedo, Cecília também denota essa
vida agitada e a necessidade de ser entendida, sem rodeios nem delongas. Na
maior parte das vezes, escrevia apressadamente, pois já não tenho tempo para
nada,461 confessava.
Em sua análise sobre a escrita epistolar de Cecília Meireles, Vidal (2001)
afirma que a educadora tinha conhecimento das recomendações dos manuais sobre
a arte de escrever cartas. Apesar disso, em várias ocasiões ela mesma as infringia
propositalmente e ainda revelava ao interlocutor as transgressões que cometeria.
Essas infrações propositais e os pedidos de desculpas que fazia ao interlocutor
podem ser observados em alguns momentos:
Se lhe fosse descrever coisa por coisa do que vi, não acabava mais, e era possível que perdesse a sua estima, que tanto prezo, - porque, depois de certo limite, as cartas mais agradáveis podem tornar-se cacetes.462 Não sei se lhe deva pedir perdão por um certo hermetismo de que eu mesma sinto, às vezes, revestirem-se as minhas palavras. Não sei - porque não é uma atitude voluntária mas o meu feitio natural, sumamente retraído e inviolável, ainda nos instantes de mais aparente expansão.463
Se Cecília escrevia de forma equilibrada e de acordo com as normas
vigentes e também quebrava todas essas regras deliberadamente, o que não dizer
dos porquês da sua escrita? Estas nada tinham de comum, mas davam saltos além
do seu tempo. Cecília escrevia sobre assuntos vários, com tonalidades específicas à
sua emotividade e clarividência. Nada em sua pena demonstrava a banalidade da
vida, a mesmice do palavreado batido dos jornais e de tantos outros jornalistas,
escritores e aspirantes às letras tão comuns em todas as épocas. Cecília revelava
que apreciava escrever cartas e o fazia com satisfação, mas às vezes com receio.
Num tempo marcado pela velocidade e em que tudo se resolvia provisoriamente, era
461 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 02/05/1934. FA - Cp, Cx. 21, 72. IEB-USP (Instituto de Estudos Brasileiros). 462 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 06 de novembro de 1934. FA - Cp. Cx. 21, 75. IEB-USP (Instituto de Estudos Brasileiros). 463 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 07 de março de 1934. FA - Cp, Cx. 21, 70/1. IEB-USP (Instituto de Estudos Brasileiros).
uma ventura e uma aventura vencer a mecanização da palavra e escrever uma
longa carta – quase sempre sem objetivo certo nem rumo previsto – como os avós
deviam escrever no século dezoito, dizia:
Para as naturezas demasiado lúcidas ou práticas, não será isto uma alegria suficiente. Para mim é. É mesmo uma das poucas ainda restantes a quem se conformou a tal ponto com o aspecto grave do mundo, e também com a sua máscara frívola que já não busca direções impossíveis, nem evita as inevitáveis, mas agradece as casualidades amáveis, embora sem as deter: não se deve exigir que os pássaros cantem além da sua extensão natural, nem que as flores excedam sua vida, somente para nos serem agradáveis. Eu, que não sou mais prática, e não gosto de ser muito lúcida, sempre me inclinei para esta sedução das palavras - embora não desconheça alguns dos seus maus resultados. Conversar é fazer nascer a sombra. Às vezes, tudo parece tão simples, tão fácil, quando apenas pensado. Fala-se, e vê-se tudo mais longe. As palavras tem as três dimensões - e a quarta. E acontece que entre o lábio que diz e o ouvido que escuta podem viver e morrer vários universos em espaço e em tempo.464
Nas cartas que escreveu, Cecília revelou suas desconfianças, suas
inquietudes, agradeceu os livros que recebeu de presente, pediu e enviou notícias,
confessou o prazer que sentia em escrever e receber cartas, escreveu e dedicou
poemas, reconheceu a sua loquacidade, a sua estranheza e a quase compulsão em
encher páginas e páginas de palavras. Muitas vezes, desculpou-se por um certo
hermetismo de que as suas palavras se revestiam e que não eram uma atitude
voluntária mas o seu feitio natural, sumamente retraído e inviolável, ainda nos
instantes de mais aparente expansão.465 Os seus interlocutores foram sempre
generosos em partilhar amizade, cuidados, elogios, gentilezas e projetos, entre os
quais aquele primeiro convite para realizar conferências em Portugal.
Há muito mais a ser pesquisado, descoberto e entrevisto nas cartas de
Cecília Meireles. Isso requer um estudo mais pormenorizado, que não só capture a
singularidade de sua personalidade, mas que consiga estabelecer uma ligação mais
íntima com os espaços de sociabilidade, com as práticas culturais, hábitos e valores
de seu tempo. Fizemos apenas uma primeira aproximação no sentido de buscar
esses sentidos, de entender, por meio desse processo de comunicação entre dois
464 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, de 21de março de 1934. (FA - Cp. Cx. 21, 71/1). Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP). 465 Idem, correspondência de 7 de março de 1934 (FA - Cp. Cx. 21, 70/1).
interlocutores, um pouco do itinerário pessoal e profissional dessa personagem tão
rica, que está presente e é uma das escultoras das mais belas páginas da cultura,
do jornalismo e da educação brasileiros.
2.2. Futuros cicerones
A primeira vez que vieste a Portugal, vieste convidada pelo S.P.N. O António era então o seu diretor e tinha o direito, o dever, de convidar os intelectuais mais válidos de cada país amigo. Tu eras, Cecília, além de minha amiga um grande poeta e foi com a maior alegria que soube pelo António que tu e o teu marido, o pintor português Correia Dias, tinham aceitado o convite que vos fora dirigido.466
A leitura desse extrato de uma carta de Fernanda de Castro serve como
ponto de partida para vislumbrar o significado da amizade que se estabeleceu entre
as duas poetas por mais de três décadas. O convite para que Cecília Meireles
realizasse conferências em Portugal foi formulado pela poeta portuguesa em 1930 e
aceito em 1934, quando o casal Cecília e Fernando Correia Dias embarcou no Rio
de Janeiro, a bordo do Cuyabá, em direção a Lisboa. Fernanda era casada com
António Ferro, escritor e jornalista que seria, mais tarde, como mencionado
anteriormente, diretor do Secretariado da Propaganda Nacional (SPN) do governo
salazarista, cargo que exerceu ao longo de 16 anos.
No momento em que os preparativos da viagem de Cecília Meireles eram
providenciados, Portugal passava por um período político conturbado com a
instalação da Ditadura de António de Oliveira Salazar que permaneceu por um longo
período no poder (julho de 1932 a setembro de 1968). Salazar iniciou a sua carreira
política como Ministro das Finanças no governo de Vicente de Freitas, general ligado
à União Liberal Republicana e se tornou um ditador não militar com forte formação
católica (...) recrutando nessa área muitos dos elementos que seriam a sua base
social de apoio, conforme Pessoa (2005). Assistiu-se, naquele momento, à ruptura
de mais de um século de experiências liberais – sob a forma monárquica ou
republicana – e a lenta edificação de um regime autoritário, corporativo e anti-
466 CASTRO, Fernanda de. Cartas para além do tempo. Odivelas, Europress, 1990. p. 44.
parlamentar.467 O regime salazarista caracterizou-se pela supressão das liberdades
fundamentais de associação, de expressão e de manifestação, (...) no campo
político, sindical e cultural e estabeleceu a censura prévia à imprensa, à rádio e aos
espetáculos. Esse acirramento político ocasionou o exílio no exterior de muitos
intelectuais portugueses com convicções republicanas, estando o Brasil como
destino de muitos desses expatriados.
Ilustração 24. António de Oliveira Salazar e António Ferro durante a inauguração do Secretariado da Propaganda Nacional em 26 de outubro de 1933. Fonte: PORTUGAL. Secretariado Nacional de Informação. Catorze anos
de Política do Espírito. Lisboa: SNI, 1948.
O diretor do Secretariado da Propaganda Nacional, António Joaquim
Tavares Ferro, de 1913 a 1918, cursou Direito na Universidade de Lisboa e conviveu
com intelectuais como Mário de Sá-Carneiro,468 Fernando Pessoa e Almada
Negreiros, que faziam segundo Leal (1994) uma apologia da dissidência.469 A sua
467 PESSOA, Ana Maria Pires. A educação das mães e das crianças no Estado Novo: a proposta de Maria Lúcia Vassalo Namorado. 4v. Tese (Doutorado em Ciências da Educação). Universidade de Lisboa. Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação. 2005. p. 149. 468 Mário de Sá-Carneiro (1890-1916), poeta, contista e ficcionista português, um dos grandes expoentes do Modernismo em Portugal, pertenceu à Geração d’Orpheu. 469 LEAL, Ernesto Castro. António Ferro: espaço político e imaginário social (1918-32). Lisboa: Edições Cosmos, 1994. p. 33.
estréia literária deu-se em 1914 com o livro Missal de Trovas,470 que obteve uma
razoável acolhida por parte de poetas como João de Barros, Afonso Lopes Vieira,471
Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro que o convidou, no ano seguinte para ser
editor da revista Orpheu. Sua rede de sociabilidade estendeu-se e António Ferro
passou a integrar o mundo cultural português. Trabalhando em importantes
periódicos como redator (O Século, em 1920), como crítico teatral (Diário de Lisboa,
1922), como diretor (Ilustração Portuguesa, 1922) e como redator (Diário de
Notícias, em 1923) projetou-se nacional e internacionalmente. De 1920 a 1930,
Ferro iniciou a sua aproximação na esfera política realizando uma série de
reportagens onde divulgou os regimes autoritários italiano, espanhol e turco, que
editou sob o título de Viagem à volta das Ditaduras. Em 1932 fez cinco entrevistas a
Oliveira Salazar e consumou, definitivamente, a sua proximidade com o poder.
No campo das possibilidades disponíveis, conforme afirma Leal (1994),
António Ferro escolheu o modernismo e o futurismo como atitude estética e o
presidencialismo como atitude política.472 As entrevistas concedidas por Salazar
transformaram-se em livro – Salazar, o Homem e a Sua Obra – editado pela
Empresa Nacional de Publicidade em 1933. A publicação acabou transformando-se
no livro-manual do ano I do Estado Novo e estava a serviço da apologia do
presidente do Conselho (Salazar) e consolidava, conforme Fontes (2008) a proposta
de regeneração autoritária, nacionalista e corporativa:
Com uma forma essencialmente didática, apresenta o primeiro corpo de doutrina acessível ao grande público. O regime inaugurava a sua fase revolucionária, dispondo de um bem conseguido instrumento de propaganda. Salazar escrevera o prefácio, com data de 16 de Janeiro de 1933, num claro ato legitimador.473
De acordo com o autor, António Ferro tinha uma percepção clara de como a
cultura se poderia transformar num poderoso instrumento de poder a serviço do
Estado e a utilizou na construção de um discurso cultural onde os conflitos sociais
encontravam-se em harmonia com os desígnios nacionais: ao Povo Português era
atribuída uma missão divina – propagar e defender os grandes valores da 470 CUNHA, Augusto, FERRO Antonio. Missal de Trovas. Lisboa: Liv. Ferreira, 1914. 471 Afonso Lopes Vieira (1878-1946), poeta português. 472 LEAL, Ernesto Castro. António Ferro: espaço político e imaginário social (1918-32). Lisboa: Edições Cosmos, 1994. p. 37. 473 FONTES, Carlos. A matriz de António Ferro. Disponível em: < http://acultura.no.sapo.pt/page8Matriz.html>. Acesso em 19/03/2008.
cristandade no mundo.474 O Império português era apresentado como o exemplo da
obra civilizacional do mundo ocidental e as suas aldeias – constituídas por gente
trabalhadora, pobre e feliz – eram apresentadas como modelo às demais nações
civilizadas.475 A política do Estado Novo assumiu a missão de restaurar a “alma da
pátria portuguesa”, que os governos liberais quase conseguiram destruir:
A ordem pública, o miraculoso equilíbrio das contas públicas eram apresentados como exemplos de um país que voltou a reencontrar-se consigo próprio, aceitando o que herdou do seu passado glorioso, com o orgulho de quem aceita o que melhor pode aspirar, libertando-se de todos os seus desejos exteriores. Conformam-se os pobres com o que possuem, e os ricos com aquilo que Salazar lhes proporciona. As elites culturais com o estatuto de privilégio que lhes é proporcionado. A exaltação patriótica dos ‘valores nacionais’ não se projetam no sentido de descobrir novos saberes ou técnicas, mas na auto-contemplação do ser português, como se nessa atitude se contivesse tudo o que de melhor se pode aspirar. A história de Portugal, como a concebe Salazar e a encena António Ferro, termina afinal na quietude contemplativa da sua própria trajetória, nos seus hábitos e costumes (...).476
O Secretariado da Propaganda Nacional foi criado em 1933 por António
Ferro que transformou a estrutura inicial numa máquina de propaganda e controle
das atividades informativas, culturais e turísticas.477 A propaganda era alimentada
por uma produção contínua de informação destinada aos órgãos de comunicação e
à Emissora Nacional, aliada a uma ampla produção editorial e à organização de
exposições em Portugal e no exterior. Em seus dezesseis anos como diretor
daquele órgão, António Ferro incentivou a cultura, principalmente as artes plásticas
– cinema, música, dança, teatro – concedendo prêmios, encomendando e/ou
comprando obras e produzindo eventos sem promover, entretanto, as estruturas
indispensáveis à expansão da produção cultural.478 A atividade de Ferro à frente do
SPN contribuiu, de acordo com Alves (2007), para difundir uma imagem idealizada
do país:
474 FONTES, Carlos. A matriz de António Ferro. Disponível em: < http://acultura.no.sapo.pt/page8Matriz.html>. Acesso em 19/03/2008. 475 Idem, ibidem. 476 Idem, ibidem. 477 Idem, ibidem. 478 Sobre a atividade do Secretariado de Propaganda Nacional, mais tarde denominado como Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, consultar: PORTUGAL. Secretariado Nacional de Informação. Catorze anos de Política do Espírito. Lisboa: SNI, 1948; e ainda Ó, Jorge Ramos do. Os anos de Ferro: o dispositivo cultural durante a "política do espírito", 1933-1949. Ideologia, instituições, agentes e práticas. Lisboa: Editorial Estampa, 1999.
Entre as idéias que constituem a memória crítica do Estado Novo português, está a de um regime criador de perfis idílicos da nação, encenador do mundo campestre das aldeias, inventor de ranchos folclóricos e de galos de Barcelos. Como se sabe, um dos principais contributos para a construção dessa imagem foi dado pelo Secretariado da Propaganda Nacional, o órgão máximo da propaganda do regime, criado em 1933 e dirigido durante os primeiros dezesseis anos por António Ferro, figura proeminente do primeiro modernismo, escritor e jornalista. De fato, desde o início da sua atividade que o Secretariado da Propaganda Nacional, também conhecido por SPN e mais tarde por SNI (Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo), desenvolveu uma política folclorista sistemática e continuada no tempo, com repercussão a nível interno e fora das fronteiras portuguesas. Ao longo dos anos 1930 e 1940, organizou várias exposições de arte popular, promoveu o concurso da aldeia mais portuguesa, editou livros de temática etnográfica, lançou espetáculos e palestras com dança e música populares, tentou estabelecer um estilo decorativo contemporâneo inspirado nos motivos rústicos, criou os Bailados Verde-Gaio, companhia de dança marcada por um repertório de cariz folclórico, fundou o Museu de Arte Popular, etc. 479
Quando esteve pela primeira vez ao Brasil, em 1922, António Ferro
trabalhava como crítico teatral do Diário de Lisboa e como diretor da Ilustração
Portuguesa. Estava prestes a se casar com a escritora Fernanda de Castro. Logo
em seguida, ela desembarcou no Rio de Janeiro para se encontrar com o futuro
marido. O casamento foi feito por procuração: ela em Portugal, ele no Brasil, tendo
como testemunha o almirante Gago Coutinho. Na ocasião, ambos participaram da
Semana de Arte Moderna, em São Paulo, convivendo quase que diariamente com
intelectuais que vinham se destacando nas artes brasileiras como Mário de Andrade,
Tarsila do Amaral,480 Anita Malfatti,481 Oswald de Andrade,482 Monteiro Lobato,483
Menotti del Picchia484 e outros de que me lembro menos bem,485 relembrava
479 ALVES, Vera Marques. A poesia dos simples: arte popular e nação no Estado Novo. Etnográfica, maio 2007, v. 11, n. 1, p.63-89. 480 Tarsila do Amaral (1886-1973) foi a pintora mais representativa da primeira fase do movimento modernista brasileiro, ao lado de Anita Malfatti. Seu quadro Abaporu, de 1928, inaugurou o movimento antropofágico nas artes plásticas. 481 Anita Catarina Malfatti (1889-1964) pintora, desenhista, gravadora e professora brasileira, a primeira artista brasileira a aderir ao modernismo, tendo sido uma das expositoras da mostra, realizada no Teatro Municipal de São Paulo, que fazia parte da Semana de Arte Moderna de 1922. 482 José Oswald de Sousa Andrade (1890-1954) escritor, ensaísta e dramaturgo brasileiro. Foi um dos promotores da Semana de Arte Moderna. Tornou-se um dos grandes nomes do modernismo literário brasileiro. 483 José Bento Renato Monteiro Lobato (1882-1948) um dos mais influentes escritores brasileiros do século XX, popularmente conhecido pela sua obra de livros infantis. 484 Paulo Menotti Del Picchia (1892-1988) poeta, escritor e pintor modernista ítalo-brasileiro. Participou da Semana de Arte Moderna. Em 1943, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Principais obras Juca Mulato (1917) e Salomé (1940). 485 CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Memórias (1906-1939). Lisboa, Editorial Verbo, 1988. p. 184.
Fernanda de Castro. Quando o casal retornou ao Rio em dezembro de 1929,
Fernanda não se encontrou com Cecília Meireles,486 mas ficou conhecendo alguns
de seus poemas por intermédio de amigos e escreveu, em fevereiro de 1930, a
primeira das muitas cartas à intelectual brasileira de quem se tornaria amiga. A
história da amizade entre as duas amigas tinha início com a escrita e a leitura dessa
carta. Conforme afirmam Dauphin e Poublan (2002):
Ler uma carta é entrar em uma história sem conhecer a primeira palavra, sem saber o que aconteceu antes nem o que chegará depois, o que se disse antes, nem o que se dirá depois. Sabemos somente que essa carta é um momento de longa duração, apenas um elo de uma cadeia sem começo nem fim.487
Fernanda e Cecília se corresponderam com bastante assiduidade durante
cerca de três décadas. Elas trocavam não apenas cartas entre si, mas poemas e
livros – já publicados, ou a publicar – para que Fernanda lesse, encaminhasse aos
amigos e providenciasse a publicação:
Cecília... passei horas a reler as tuas cartas. Como eu gostaria de transcrever aqui algumas, aquelas em que verdadeiramente és tu, o Poeta em que fez ninho a Poesia, a Mãe das tuas três meninas, a Amiga pontual, exata, cujas cartas atravessavam regularmente o Atlântico, como fiéis pombos-correios. Mas não, não tenho esse direito. O que escrevias para mim não o escreverias para todos.488
Como Cecília Meireles afirmara em uma das suas cartas enviadas de
Moledo da Penajóia ao amigo Fernando de Azevedo, Fernanda de Castro era uma
criatura encantadora que tinha o mesmo tóxico que ela tinha no sangue do espírito:
deslumbramento pela selva e pelo oceano, loucura pelo sol e pelas raízes, fome do
infinito que apenas sussurra e palpita e se esconde.489 The Arabian Sisters, era o
título sugestivo que Cecília sugeria para definir as duas amigas morenas de olhos de
486 Em outra oportunidade, em dezembro de 1929, Fernanda e António retornaram ao Rio, porém nesse período em que a poeta portuguesa permaneceu no Brasil não conseguiu se encontrar com Cecília Meireles, apesar de já conhecer alguns de seus poemas por intermédio de amigos. 487 DAUPHIN, Cécile, POUBLAN, Daniele. Maneiras de escrever, maneiras de viver. Cartas familiares no século XIX. In: BASTOS, Maria Helena Camara, CUNHA, Maria Teresa Santos, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. (orgs). Destino das Letras: história, educação e escrita epistolar. Passo Fundo: UPF, 2002. p.76. 488 CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Memórias (1906-1939). Lisboa, Editorial Verbo, 1988. p. 188. 489 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 16/08/1934. FA - Cp, Cx. 21, 74. IEB-USP (Instituto de Estudos Brasileiros).
pantera e tranças árabes.490 Mais do que semelhanças físicas, as duas amigas
também tinham em comum o jornalismo, a poesia e a educação:
Não te cansavas de dizer, Cecília, que éramos parecidas e divertias-te a fazer listas comparativas das nossas qualidades e respectivos defeitos. Mas eu não concordava contigo. Nessa altura eu era menos paciente, menos resignada do que tu, e tu menos crédula e menos entusiasta do que eu.491
Maria Fernanda Teles de Castro e Quadros Ferro nasceu em 08 de
dezembro de 1900 e faleceu em 20 de dezembro de 1994, em Lisboa. Escreveu
poesia, literatura infantil, romance e memórias, promoveu a cultura portuguesa no
país e no exterior em importantes exposições. Além dos seus muitos laços com a
literatura, Fernanda também ofereceu uma expressiva contribuição à educação
portuguesa, pois criou e desenvolveu, a partir dos anos trinta, a “Associação
Nacional dos Parques Infantis”.492
Ilustração 25. Fernanda de Castro entre alunos do primeiro Parque Infantil, de São Pedro de Alcântara. Fonte: PEREIRA, 2000.
490 CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Memórias (1906-1939). Lisboa, Editorial Verbo, 1988. p. 188. 491 Idem, p.189. 492 O trabalho de Fernanda de Castro à frente dos “Parques Infantis” será estudado no próximo capítulo.
Em 70 anos de atividade literária Fernanda de Castro produziu uma extensa
obra muitas vezes premiada493 que inclui além dos seus muitos livros de poemas,
também romances, teatro, memórias, literatura para crianças, divulgação científica e
traduções de diários, cartas, prosa, romance e teatro de autores como Ionesco,
Pirandello, Katherine Mansfield, Rainer-Maria Rilke e Maeterlinck.
Ilustração 26. António Ferro e Fernanda de Castro durante uma conferência. Fonte: PEREIRA, 2000.
Dessa extensa obra que produziu, destacam-se os dois volumes de Ao fim
da memória (I volume – 1906-1939 e II volume – 1939-1987), publicados
respectivamente, em 1986 e 1987. Quando perguntada sobre o que escreveria
nessa espécie de diário, Fernanda teria dito que este surgiria da memória e que a
sinceridade, num Diário, não consistia em dizer toda a verdade mas em não dizer
mentiras.494 Quanto à disciplina, a escritora se impôs, além de não escrever
inverdades: ter a persistência de escrever todos ou quase todos os dias uma página
que seja, ter a paciência necessária para levar ao fim o seu propósito e transformar
aquele embrião de memórias, num álbum de fotografias mais ou menos parecidas,
umas recentes, outras tão desbotadas que mal se vêem.495
493 O Prêmio do Teatro Nacional, pela peça Náufragos, foi concedido praticamente em sua estréia literária, em 1920; também foi a primeira mulher a receber o Prêmio Ricardo Malheiros, da Academia das Ciências de Lisboa, pelo romance Maria da Lua, em 1945; recebeu também o Prêmio Nacional de Poesia, com Poesia I e II, em 1969. 494 CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Memórias (1906-1939). Lisboa, Editorial Verbo, 1988. p. 14. 495 Idem, p. 13-14.
Ela pretendia juntar recordações e tentar fixar no papel certos momentos
que não queria esquecer e, sobretudo, evocar o melhor que podia certas figuras,
certos acontecimentos, certos momentos de certas vidas que, acidentalmente ou
não, se cruzaram com a sua. Ao mesmo tempo, ia escrevendo as impressões do
dia-a-dia que pareciam de algum interesse, para ela. Desconfiava que acabaria por
abandonar essa disciplina, não só porque muitas vezes se perdia na floresta das
datas, mas também porque parecia mais natural, mais espontâneo, ir escrevendo a
medida que as pessoas e os fatos iam surgindo dos meandros da memória.496
Recordações? Muitas. Lembranças ou bilhetes-postais497 que o passado
constantemente lhe escrevia, como ela mesma denominou. Mas ainda que
almejasse escrever sobre fatos e pessoas, reconhecia algumas de suas limitações,
uma delas é que não tinha uma grande esperança de chegar ‘ao fim da memória'.498
Fernanda de Castro acreditava que falava melhor das coisas, das plantas, dos
animais do que das pessoas.499
Por quê? Talvez porque na minha Ilha, a que raramente aporta alguém, vivo rodeada de pássaros, de flores, de búzios, de estrelas, num mundo que não me desilude, talvez porque não peça aos pássaros mais de que o seu canto de pássaros, às flores mais de que o seu perfume de flores, às estrelas mais de que a sua cintilação de estrelas, ao passo que às pessoas peço mais – asas de anjo em vez de braços, simples braços de mortais.500
Nos dois volumes do seu diário Fernanda descreveu o seu mundo
doméstico, a família, as alegrias, as mortes e tragédias familiares; as experiências
vividas na infância, adolescência e maturidade; o seu amor às casas velhas, de
preferência em ruínas;501 as cidades e os países onde morou e visitou; o
conhecimento não organizado e adquirido espontaneamente do sobrenatural em sua
vida. A escola e as suas vivências como estudante (os professores, os colegas, a
palmatória, os exames, as dificuldades de adaptação) foram rememoradas
simultaneamente às suas incursões na área da educação. Em seu diário, ela
também se refere à longa interlocução epistolar que estabeleceu com Cecília ao
496 CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Memórias (1906-1939). Lisboa, Editorial Verbo, 1988. p. 13-14. 497 Idem, p. 44. 498 Idem, ibidem. 499 Idem, ibidem. 500 Idem, p. 14-15. 501 Idem, p. 34.
correr das décadas. Como a amiga Cecília, Fernanda de Castro também revelou em
suas memórias o fascínio que o mar sempre representou em sua vida, a começar
pelo relato de sua primeira viagem marítima, em 1913, durante 8 ou 9 dias, que fez
quando ainda era criança quando o seu pai foi designado para trabalhar na Guiné:
tranqüila, monótona, sem história e sem histórias.502 Com a morte da mãe, Fernanda
retornou sozinha com o irmão Afonso, para Portugal. Essa travessia foi marcada
pela dor, pela dúvida, pelo medo. A viagem, diria, foi um verdadeiro tormento (...) o
barco balançava muito dia e noite. Passava o tempo (...) a ler, a observar o mar, a
descobrir as ilhas que de volta e meia surgiam no horizonte.503
Ilustração 27. Conferência de António Ferro - A idade do Jazz-Band. Fonte: Blog da Rua Nove.
Em seus registros lamentava que na breve história dos seus encontros no
mundo, não havia sido possível ultrapassar a epiderme, penetrar no segredo final
dos seres e das coisas e que havia duas maneiras de conhecer o Homem: estudá-lo
502 CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Memórias (1906-1939). Lisboa, Editorial Verbo, 1988. p. 93. 503 Idem, p. 101.
de dentro para fora, partindo da sua obra para a sua vida, ou de fora para dentro,
partindo da sua vida para a sua obra.504
Fernanda de Castro revela em suas memórias as melhores recordações
que tinha do Brasil na ocasião em que ela e o marido António Ferro participaram da
Semana de Arte Moderna, em São Paulo:
Aquela revolução literária sem que a gente nova das letras e das artes, de sangue na guelra, a golpes de panfletos, de discursos, de artigos nos jornais, deu um golpe de morte nos conformistas, nos acadêmicos, nos botas-de-elástico, inesquecível semana em que convivemos com alguns daqueles que, mais tarde, foram os grandes do Brasil: Mário de Andrade, Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade, Monteiro Lobato, Menotti del Picchia, José Lins do Rego, Guilherme de Almeida, Paulo Prado (...).505
Fernanda e António ficaram hospedados na Rotisserie Sportsman, o melhor
hotel de São Paulo nessa época e eram constantemente convidados a participar de
jantares, passeios, visitas e sessões de cinema. A casa de D. Olívia Penteado506 era
o local freqüentado onde, intelectuais como Lasar Segal,507 Tarsila do Amaral, Anita
Malfatti, Sergio Milliet508 e Plínio Salgado509 se reuniam em tremendos conciliábulos
e conspiravam continuamente contra os burgueses, contra todos os etecéteras da
vida, como lhes chamou o António, no seu manifesto ‘Nós’, publicado pela ‘Klaxon’,
a revista do grupo.510
No período em que permaneceram no Brasil (dez meses,
aproximadamente),511 António Ferro proferiu as conferências “Idade do Jazz-
504 CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Memórias (1906-1939). Lisboa, Editorial Verbo, 1988. p. 44. p. 190. 505 Em 1922, Fernanda também conheceu no Rio de Janeiro as duas declamadoras brasileiras Berta Singermam e Margarida Lopes de Almeida, amigas a quem dedicou mais tarde alguns poemas, entre os quais “Dia de Sol”, “Alegria” e “Poema da Maternidade”. (Vale lembrar que a declamadora Margarida Lopes de Almeida era filha de Júlia Lopes de Almeida e mantinha relações de amizade com Cecília Meireles). CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Memórias (1906-1939). Lisboa, Editorial Verbo, 1988. p. 181. 506 Olívia Guedes Penteado (1872-1934) grande incentivadora do modernismo no Brasil e amiga de artistas-chave do movimento, como Anita Malfatti, Tarsila do Amaral e Heitor Villa-Lobos. 507 Lasar Segall (1891-1957) pintor lituano que se radicou no Brasil. 508 Sérgio Milliet da Costa e Silva (1898-1966) escritor, pintor, poeta, ensaísta e crítico de arte e literário, sociólogo e tradutor brasileiro. 509 Plínio Salgado (1895-1975) jornalista, intelectual e filósofo brasileiro, fundador da Ação Integralista Brasileira, tornando-se o chefe deste movimento nacional. 510 CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Memórias (1906-1939). Lisboa, Editorial Verbo, 1988. p. 185. 511 Sobre a presença de António Ferro no Brasil consultar: SARAIVA, Arnaldo. O modernismo brasileiro e o modernismo português. Subsídios para o seu estudo e para a história das suas relações. Porto : [s.n. ], 1986. p. 185-206.
Band”512 e “A arte de bem morrer”,513 publicadas no Brasil e mais tarde em Portugal.
Já Fernanda de Castro fez um recital de poesia portuguesa moderna no primeiro
teatro do Rio de Janeiro, mesmo não dispondo dos livros necessários para
organizá-lo:
É claro que podia ter-me revoltado, ter-me negado terminantemente a tomar parte nesse espetáculo, mas eu acabava de chegar, não era com certeza muito amável, muito diplomático, provocar conflitos e armar discussões, duas semanas depois do meu casamento. Além disso, não teria encontrado nenhum apoio nos meus amigos, pois, se o meu marido era atrevido e ousado, eles eram doidos, completamente doidos, sobretudo o Oswald de Andrade.514
Fernanda revela a sua profunda surpresa ao chegar ao fim do recital sem
desastre de maior e até com certo êxito, que ela atribuiu ao fato de ter então vinte
anos e um vestido verde que ficava lhe muito bem: o mesmo usado quando Tarsila
do Amaral e Anita Malfatti, as duas maiores pintoras do Brasil, me pediram para
fazer o meu retrato com o dito vestido,515 confessava.
Ilustração 28. À esquerda: Fernanda de Castro, óleo de Tarsila do Amaral, pintado em 1922. Fonte: Castro, 1988. À direita: Fernanda de Castro, óleo de Anita Malfatti, pintado em 1922. Fonte: Castro, 1990.
512 FERRO, Antonio. A idade do jazz-band: conferencia. São Paulo: Monteiro Lobato, 1923; FERRO, Antonio. A idade do jazz-band: conferencia. Lisboa: Portugalia, 1924. 513 FERRO, Antonio. A arte de bem morrer. Rio de Janeiro: H. Antunes & Ca, 1923. 514 CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Memórias (1906-1939). Lisboa, Editorial Verbo, 1988. p. 180. 515 Idem, p. 182.
No caminho de volta para Lisboa, António e Fernanda foram convidados a
repetir a conferência e o recital de poesias na Bahia, onde se declarara dias antes
uma epidemia de febre amarela e, mais tarde, em Recife, em pleno carnaval. Por
causa da epidemia, os hotéis foram todos fechados em Salvador. Enquanto
aguardavam o navio, ficaram hospedados numa horrível pensão e foram obrigados a
conselho médico, a comer coisas com cascas: ananases, bananas, laranjas, cocos e
camarões que ela própria cozinhava num fogão improvisado.516 Assim que
chegaram a Recife perceberam que não havia táxis disponíveis no cais, apenas
alguns carregadores que se incumbiram de levar as malas até o hotel:
Ao chegarmos, porém, ao cruzamento de determinada rua com a maior avenida da cidade, caímos em pleno “cordão” com máscaras e tudo, e, como os carregadores nos ameaçavam de largar ali mesmo as malas se teimássemos em mudar de itinerário, lá fomos sambando e resmungando até à porta do hotel.517
Outras impressões sobre o Brasil e os amigos brasileiros estão presentes
na mensagem que Fernanda escreveu para Carlos Drummond de Andrade, em
Cartas para Além do Tempo. Recorda-se de uma carta que recebeu de Drummond
agradecendo os dois volumes de Ao fim da Memória518 na qual se lembra da visita
que Fernanda, António, Oswald de Andrade e José Lins do Rego519 fizeram à casa
do poeta em Belo Horizonte, em 1922, viagem que não foi mencionada naquele
livro. Para corrigir o esquecimento, Fernanda inseriu na mensagem as suas
desculpas e algumas reminiscências da viagem de trem, da exuberância da
natureza, da amabilidade com que foi recebida na casa do poeta, onde lhe serviram
arroz doce com as suas iniciais desenhadas com canela, revivendo cada pormenor
como se tudo não se tivesse passado há meia dúzia de anos.520
Não me lembro a que horas saímos de São Paulo, mas sei que a viagem de trem foi de noite e durou muitas horas. Iam conosco (com o António e comigo) o José Lins do Rego e, se não me engano, o Oswald de Andrade. No meio da noite, em plena selva, o trem parou e o José Lins do Rego e o Oswald começaram logo a divertir-se à minha custa como era seu amável costume, tentando aterrar-me.
516 CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Memórias (1906-1939). Lisboa, Editorial Verbo, 1988. p. 183. 517 Idem, p. 182. 518 CASTRO, Fernanda de. Cartas para além do tempo. Odivelas: Europress, 1990. 519 José Lins do Rego Cavalcanti (1901-1957) escritor brasileiro, considerado um dos grandes nomes da literatura regionalista brasileira. 520 CASTRO, Fernanda de. Cartas para além do tempo. Odivelas: Europress, 1990. p. 157-158.
(...) Isso durou umas horas e, desvanecida a miragem dos felinos, dos ofídios, e das aves noturnas, a máquina chegou, o comboio pôs-se de novo em marcha e, não havendo assalto de índios fomos nós que, rindo às gargalhadas, assaltamos uma espécie de bar, aliás bem modesto, onde devoramos tudo o que havia de comestível, bebericando, à falta de melhor, as poucas laranjadas mornas que restavam.521
As descrições que Fernanda faz da viagem e da cidade permite-nos
compreender um pouco do estilo de viagem da época, bem como da cidade de Belo
Horizonte do início do século com suas casas baixas e brancas de cal, muito
semelhantes às velhas casas portuguesas de antigas vilas provincianas – portas
com postigos, janelas de guilhotina, gradeamentos pintados de verde, batentes de
ferro, telha mourisca, queimada pelo sol tropical.522
A leitura das memórias de Fernanda de Castro, nas quais há muitas
referências à sua viagem ao Brasil, sugere uma análise das relações entre
intelectuais brasileiros e portugueses. Uma das primeiras impressões que temos ao
nos aproximarmos de obras que guardam as reflexões e os registros dos contatos
entre portugueses e brasileiros é perceber que estas, vez por outra, estiveram
atravessadas pelos inconvenientes das nem sempre fáceis relações metrópole-
colônia. Os representantes das duas culturas parecem ter nutrido por várias
gerações além da mútua curiosidade e simpatia, também desconfiança e/ou
aversão. Tanto assim que em estudo em que analisou a figura do brasileiro de torna-
viagens, em obras de escritores como Camilo Castelo Branco,523 Júlio Diniz,524
Ramalho Ortigão525 e Eça de Queirós,526 entre outros, Machado (2005) constatou
como esses literatos criaram caricaturas mordazes desses emigrantes. Estes
trabalhos fixaram a imagem do regressado rico e também muito estúpido,
ganancioso, usurário e faminto por comendas, com sotaque e roupas diferentes. O
Brasil também não foi poupado: a árvore das patacas, como o país foi jocosamente
denominado por esses ficcionistas, era um lugar de infinita riqueza e potencialidades
521 CASTRO, Fernanda de. Cartas para além do tempo. Odivelas: Europress, 1990.p. 157-159. 522 Idem, p. 157-158. 523 Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco (1825-1890) romancista, cronista, crítico, dramaturgo, historiador, poeta e tradutor português. 524 Joaquim Guilherme Gomes Coelho (1839-1871) médico e escritor português. 525 José Duarte Ramalho Ortigão (1836-1915) escritor português. 526 José Maria de Eça de Queirós (1845-1900) escritor realista português do século XIX. Foi autor, entre outros romances de importância reconhecida, de Os Maias e O crime do Padre Amaro.
alvoroçantes, tão bruto quanto os torna-viagens, mas, de certa forma, o paraíso da
ascensão social.527
Vale lembrar que os portugueses também não foram poupados pelos
escritores brasileiros que muitas vezes os retrataram de forma pouco adequada e da
mesma forma caricata, como, por exemplo, em algumas obras de Aluísio de
Azevedo, que vez por outra apresentava os portugueses como comerciantes
incultos, vindos de extratos pobres da população, enriquecidos à custa de
especulação, sempre sonhando com comendas e títulos. Mas, se é verdade que
ainda são encontrados alguns resquícios da antiga incompatibilidade com o
colonizador, também é verdade, por outro lado, que as relações luso-brasileiras têm
sido quase sempre marcadas pela cordialidade.
Essa cordialidade, segundo Lessa (2002), começou a se fazer notar a partir
dos anos 1920, quando desapareceu no Brasil qualquer hostilidade maior ao
português e coube aos modernistas, interessados em olhar para dentro do Brasil em
busca de conteúdo, redescobrirem a presença lusitana no folclore, na arquitetura
(por meio do estilo neocolonial) entre outras manifestações culturais.528 Outra
tentativa de estabelecimento de relações amistosas entre os dois povos deu-se,
positivamente, por meio da literatura. A propósito, por meio da literatura, segundo
João de Barros (1946) é que se estabelece sempre um contato de almas, de mais
seguros efeitos e de mais duradoura influência que certas ligações econômicas,
industriais ou comerciais.529
Essa tentativa de recuperação e invenção de laços atingiu, de acordo com
Paulo (2002), o seu ponto máximo, em 1922, em duas ocasiões importantes para
assinalar a trajetória de caminhos entrecruzados que marcaram o relacionamento
entre Brasil e Portugal no decorrer do século vinte. A autora se refere às
comemorações do centenário da Independência, como o primeiro momento em que
esses objetivos foram buscados, que levou a ex-metrópole e a antiga cidade colonial
a partilharem um espaço que ‘constrói’ um presente e ‘revive’ um passado histórico
527 MACHADO, Igor José de Reno. O “brasileiro de torna-viagens” e o lugar do Brasil em Portugal. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, no 35, janeiro-junho de 2005, p. 48. 528 LESSA, Carlos. Rio, uma cidade portuguesa? In: LESSA, Carlos. Os Lusíadas na aventura do Rio Moderno. Rio de Janeiro: Record, 2002:52. 529 BARROS, João de. Presença do Brasil: páginas escolhidas: 1912-1946. Lisboa: Edições Dois Mundos, 1946. p. 123.
comum na busca da reafirmação das suas identidades nacionais.530 A segunda
oportunidade para frisar essas intenções foi a Semana de Arte Moderna. Esse
evento reuniu em São Paulo intelectuais à procura de novas leituras para o
nacionalismo e deu origem a um movimento contestatório e inovador.531
Para o evento, do qual participaram intelectuais532 brasileiros como
Cassiano Ricardo,533 Menotti del Picchia, Plínio Salgado, Mário de Andrade, Oswald
de Andrade e Villa-Lobos,534 também se encontravam intelectuais portugueses,
entre os quais o escritor, jornalista e correspondente teatral do Diário de Lisboa,
António Ferro e a poeta e declamadora Fernanda de Castro, sua esposa. A
presença de António Ferro, nos dois eventos, pode ser atribuída, segundo Paulo
(2002), às suas simpatias políticas. As relações que se estabeleceram entre esses e
outros intelectuais de ambos os países se fortaleceu nos anos seguintes,
fomentando a existência de um campo comum para dois universos culturais, unidos
pela língua e por tendências ideológicas e artísticas semelhantes.535
Na primeira metade do século XX, outras ocasiões se mostraram propícias
para que os regimes de ambos os países investissem nessa aproximação mútua:
em 1941, António Ferro foi enviado ao Brasil a fim de difundir uma imagem positiva
das realizações do governo de Salazar e do posicionamento de Portugal ante o
conflito internacional e para a assinatura do Acordo Cultural Luso-Brasileiro,536
firmado entre o Secretariado da Propaganda Nacional e o Departamento de
Imprensa e Propaganda.537 Em 1946, o Brasil foi convidado a participar dos festejos
530 PAULO, Heloisa. Os tempos das trocas: os caminhos comuns de Portugal e Brasil (1922-1960). LESSA, Carlos. (org.). Os lusíadas na aventura do Rio Moderno. Rio de Janeiro: Record, 2002. p. 277. 531 Idem, ibidem. 532 Utilizamos o termo intelectual na perspectiva de Pecáut, para quem intelectual é aquele que se identifica e é identificado pelos outros como tal. Consultar: PECAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990. p. 11. 533 Representante do modernismo de tendências nacionalistas, esteve associado aos grupos Verde-Amarelo, Anta e foi o fundador do grupo da Bandeira. Pertenceu às academias paulista e brasileira de letras. 534 Heitor Villa-Lobos (1887-1959 compositor brasileiro, célebre por unir música com sons naturais. Autor de Bachianas e Trenzinho Caipira. 535 PAULO, Heloisa. Os tempos das trocas: os caminhos comuns de Portugal e Brasil (1922-1960). LESSA, Carlos. (org.). Os lusíadas na aventura do Rio Moderno. Rio de Janeiro: Record, 2002. p. 279. 536 Segundo Paulo (2002), fazia parte do documento, entre outras iniciativas: a realização de um intercâmbio de publicações, a criação de uma revista denominada Atlântico, mantida pelos dois organismos, com a colaboração de escritores e jornalistas portugueses e brasileiros; a troca de propaganda, de informações, de emissões de rádio, documentários cinematográficos, comemorações recíprocas e estudos de folclore luso-brasileiro e a criação pelo SPN, do prêmio Pero Vaz de Caminha, destinado à melhor obra sobre a realidade luso-brasileira. PAULO, Heloisa. Os tempos das trocas: os caminhos comuns de Portugal e Brasil (1922-1960). LESSA, Carlos. (org.). Os lusíadas na aventura do Rio Moderno. Rio de Janeiro: Record, 2002. p. 283. 537 Idem, ibidem.
do quarto centenário de restauração da soberania de Portugal e da “Exposição do
Mundo Português”.
Outro intelectual português teve importância fundamental nos preparativos
da viagem de Cecília a Portugal. O ficcionista, poeta e crítico literário José Osório de
Oliveira (1900-1964), era filho de Ana de Castro Osório e Paulino de Oliveira.538
Morou e esteve por várias vezes no Brasil. Tornou-se, desde os anos trinta, um dos
maiores divulgadores da literatura e defensor da aproximação literária entre Brasil e
Portugal. Sua própria obra denuncia essa predisposição em aproximar os dois povos
e a determinação em discorrer sobre o Brasil e a literatura brasileira. Entre os muitos
livros publicados destacamos Literatura Brasileira, de 1926;539 Espelho do Brasil, em
1933;540 A poesia Moderna do Brasil (1942);541 e História Breve da Literatura
Brasileira (1939),542 que traz na epígrafe, uma frase do livro A Grande Aliança,543 de
sua mãe Ana de Castro Osório, também ela uma incentivadora das boas relações
entre os dois povos:
Entre o Brasil e Portugal, nem sequer pode haver indiferença ou alheamento, sem cometermos um crime contra o nosso próprio sangue.544
Apesar do seu grande empenho em promover a aproximação entre os dois
povos, Osório de Oliveira sentia-se um estranho em seu país de origem, e sabia ter
no Brasil mais reconhecimento e consideração por parte dos seus pares. Em junho
de 1934, depois de divulgar a cultura portuguesa em conferências no Brasil, Osório
de Oliveira escreveu a Casais Monteiro545 para falar dos constrangimentos que ele e
a sua obra receberam dos seus companheiros de jornada ou de ideais, em Portugal:
538 Paulino de Oliveira, (1864-1914), jornalista, escritor e poeta português. Foi cônsul de Portugal em São Paulo, entre 1911 e 1914. Dedicou-se à poesia e à literatura infanto-juvenil, em parceria com a mulher, a escritora Ana de Castro Osório. Faleceu em São Paulo, no Brasil, país onde se exilou após a revolta de 31 de Janeiro de 1891 (tentativa de implantar a República em Portugal). 539 OLIVEIRA, José Osório de. Literatura brasileira. Lisboa/Porto: Lumen, 1926. 540 OLIVEIRA, José Osório de. Espelho do Brasil. [S.l.: s.n. ], 1933 ( Lisboa : - Tip. da Empresa Nacional de Publicidade). 541 OLIVEIRA, José Osório de. A poesia moderna do Brasil. Coimbra: Coimbra Editora, 1942. 542 OLIVEIRA, José Osório de. História breve da literatura brasileira. Lisboa: Inquérito, 1939. Cadernos Inquérito Série G. Crítica e história literária. 543 O livro A Grande Aliança é uma reunião de conferências feitas no Brasil nos anos 1920 (Rio de Janeiro, S. Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul). OSÓRIO, Ana de Castro. A grande aliança: a minha propaganda no Brasil. [Lisboa: Lusitania], 1924. (Conferências realizadas no Brasil). 544 OLIVEIRA, José Osório de. História Breve da Literatura Brasileira. Lisboa: Editorial Inquérito, 1939. 545 Adolfo Casais Monteiro (1908-1972) escritor português. Exilou-se no Brasil, em 1954, por motivos políticos e por ser proibido de exercer a docência em Portugal.
Nada recebi que me alegrasse ao regressar. (...) A “Seara” morreu para mim. A ‘Presença’ fechou-se. Nem sequer num café há uma mesa em que eu comungue a solidariedade. Este sentimento, só o sinto no Brasil, entre os rapazes do Rio e de São Paulo, mesmo a distância, através das cartas, do envio de livros, das revistas e dos jornais, das provas de simpatia, francas, generosas, entusiásticas. Qualquer dia escrevo que o ato mais inteligente da nossa história foi a fuga de D. João VI para o Brasil. E embarco também, com armas e bagagens.546
Por ter morado por muitos anos no Brasil, José Osório de Oliveira possuía,
em seu círculo de amizade muitos intelectuais brasileiros com quem se
correspondeu regularmente e partilhou livros e colaborações em revistas e
periódicos brasileiros. Em sua rede epistolar figuram nomes como Ciro dos Anjos,
Manuel Bandeira,547 Raul Bopp,548 Menotti del Picchia, Alphonsus de Guimarães,549
Sérgio Buarque de Holanda,550 Dinah Silveira de Queirós,551 Álvaro Lins,552
Henriqueta Lisboa, Ana Amélia Carneiro de Mendonça, Alcântara Machado,553 Paulo
Prado,554 Arthur Ramos,555 Marques Rebelo,556 Oscar Mendes, Plínio Salgado, Mário
Sete, Clóvis Ramalhete e Cecília Meireles, cujas cartas estão preservadas em seu
espólio sob a guarda da Biblioteca Nacional de Portugal. Nesse acervo pode-se
constatar que Osório de Oliveira manteve uma rica interlocução epistolar mantida
por muitas décadas e que teve início nos anos 1930. Entre esses interlocutores
figuram intelectuais portugueses e estrangeiros sendo esses últimos, em sua maioria
546 OLIVEIRA, José Osório. Carta a Adolfo Casais Monteiro. Lisboa, 5 de junho de 1934. Biblioteca Nacional de Portugal. Seção de Reservados, Espólio Casais Monteiro, ESP E15/2562. 547 Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho (1886-1968): poeta, crítico literário e de arte, professor de literatura e tradutor brasileiro. O seu poema Os Sapos foi o abre-alas da Semana de Arte Moderna de 1922. 548 Raul Bopp (1898-1984): poeta modernista e diplomata brasileiro, participou da Semana de Arte Moderna ao lado de Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade. 549 Alphonsus Henrique de Guimaraens (1870-1921): escritor brasileiro. Sua obra, predominantemente poética, consagrou-o como um dos principais autores simbolistas do Brasil. 550 Sérgio Buarque de Holanda (1902- 1982): um dos mais importantes historiadores brasileiros. Foi também crítico literário e jornalista. 551 Dinah Silveira de Queiroz (1911-1982): romancista, contista e cronista brasileira. Tornou-se a segunda mulher a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. 552 Álvaro de Barros Lins (1912-1970): advogado, jornalista, professor e crítico literário brasileiro, membro da Academia Brasileira de Letras. Trabalhou como jornalista no Diário da Manhã, de Pernambuco, Diário de Notícias, Diários Associados e Correio da Manhã, do Rio de Janeiro. Em 1952, partiu para Portugal para lecionar a disciplina Estudos Brasileiros na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Lisboa. 553 Antônio Castilho de Alcântara Machado d'Oliveira (1901-1935): jornalista, político e escritor brasileiro. Apesar de não ter participado da Semana de 1922, Alcântara Machado escreveu diversos contos e crônicas modernistas, além de um romance inacabado. 554 Foi um importante mecenas na história do Brasil, grande incentivador da cultura, e também poeta. 555 Arthur Ramos de Araújo Pereira (1903- 1949): médico psiquiatra, psicólogo social, indigenista, etnólogo, folclorista e antropólogo brasileiro. 556 Marques Rebelo, pseudônimo literário de Eddy Dias da Cruz (1907-1973): escritor e jornalista brasileiro.
brasileiros. Sob a guarda de um colecionador particular, como referido
anteriormente, estão as cartas enviadas por Cecília Meireles.557
Existe um grande volume de cartas produzidas nos anos 1940, década que
reúne também a maior parte dos seus interlocutores, provavelmente em virtude da
grande colaboração de Osório de Oliveira em publicações dos dois países. A última
correspondência recebida de um intelectual brasileiro, no caso Ciro dos Anjos,558 é
do ano de 1959. Entre as cartas recebidas de intelectuais portugueses constam as
primeiras dos anos 1930, recebidas de Afonso Duarte, Vitorino Nemésio,559 António
Sérgio560 e Raul Proença561 e a última correspondência, enviada por Armando
Côrtes-Rodrigues, de 1960. Entretanto, é provável que existam cartas trocadas com
outros intelectuais que estejam guardados por colecionadores ou familiares e seus
herdeiros e que se estendam para além do limite dessas datas ou foram
descartadas ou não arquivadas, como acontece ao se lidar com documentos.
Osório de Oliveira foi um dos primeiros intelectuais a referir-se a Cecília
Meireles e aos seus versos numa conferência em 1926. Durante esse evento, ele
fez a leitura do poema “A hora em que os cisnes cantam”, do livro Nunca mais...562
Em seu estudo, Mota (2002) afirma que a recepção às obras da poeta brasileira
começou a manifestar-se ainda na década de 20 quando Osório passou a pautar a
sua apreciação crítica das obras da escritora.563 Mais tarde, apresentou outros
textos onde se referiu à Cecília em periódicos portugueses como Presença,
Fradique, Atlântico, Cadernos de Poesia, entre outras.
Pelas cartas trocadas entre Cecília e José Osório, percebemos que a
interlocução entre os dois amigos através do Atlântico teve início em meados do
mês de março de 1934. No dia 12 desse mês, Cecília escreveu agradecendo ao
amigo por ter publicado notícias de seus livros infantis na imprensa portuguesa, dos
557 Acervo particular do Prof. Arnaldo Saraiva, da Universidade do Porto, Portugal. 558 Cyro Versiani dos Anjos (1906-1994) jornalista, professor, cronista, romancista, ensaísta e memorialista brasileiro. 559 Vitorino Nemésio Mendes Pinheiro da Silva (1901-1978) poeta, escritor e intelectual de origem açoriana. Foi professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e autor de Mau Tempo no Canal. 560 António Sérgio de Sousa (1883-1969) professor, intelectual e pensador português. Fundou a revista Pela Grei; colaborou na revista A Águia, colaborou na revista Seara Nova, a partir de 1923. Difundiu o método Montessori, criou o ensino para deficientes e o cinema educativo. 561 Raúl Sangreman Proença (1884-1941) escritor, jornalista e intelectual português, membro do grupo que fundou a revista Seara Nova. 562 MEIRELES, Cecília. Nunca mais... e poemas dos poemas. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro, 1923. 563 MOTA, Luisa Maria Gonçalves da. O canto repartido: Cecília Meireles e Portugal. Tese de Mestrado Estudos Portugueses e Brasileiros. Universidade do Porto, 2002. p. 98.
quais, Osório tinha sido portador.564 Em 26 de abril de 1934, José Osório informava
à sua correspondente que publicara notas nos jornais referentes à sua visita e de
Correia Dias em Portugal, solicitava o envio de outros trabalhos para publicação em
revistas e deixava entrever suas impressões sobre a situação política do momento:
Recebi o seu cartão e do Correia Dias. Por ele soube que as agências telegráficas tinham tido a inteligência de empregar os cabos submarinos na divulgação do gesto duma poetisa. Isso contribuirá para absolvê-los de se ocuparem com as imbecilidades dos políticos. Mandei-lhe o ‘Diário de Notícias’ com a nota que fiz inserir sobre o seu gesto de cordialidade. Numa entrevista que no mesmo jornal publiquei com o Malheiro Dias fiz referência ao seu marido e meu querido amigo. Num artigo que saiu no ‘Boletim de Ariel’ (‘Leituras sobre o Oceano’) fiz uma referência a si. Esse artigo faz parte do livro que tenho a sair (‘Psicologia de Portugal e outros ensaios’) e que breve receberá. Sobre a vossa vinda tive há dias uma conferência com o Agente Geral das Colônias. Combinei com ele enviar-lhe essa carta de que junto cópia, para que ele pudesse levar assunto ao Ministro das Colônias. Já falei aos secretários deste meu patrão, 565 e eles prometeram empenhar-se. Mando hoje copias dessa carta ao Diretor Técnico da Exposição Colonial do Porto e ao António Ferro. Vamos a ver o que fazem esses senhores importantes. Eu só tenho importância para os literatos, mal visto como sou pela situação política, apesar de afastado de preocupações desse gênero. Cada vez mais, só me interessam os livros e as idéias, e fico indiferente às agitações dos sapos que pedem um rei, um ditador, um presidente da República ou um comissário do Povo. Só os artistas, os prosadores e os poetas me interessam no mundo. Por isso me interesso por si e pelo Correia Dias, independentemente da estima pessoal que me inspiram. Se fosse rico ou poderoso, havia de convidar todas as pessoas interessantes a vir a Portugal. E nisso gastaria o meu dinheiro, ou o do Estado, com mais utilidade do que fazendo navios de guerra. Escreverei de novo, logo que tenha dado mais algum passo. Diga-me dos seus versos, da vida do seu espírito, e mande alguma coisa para publicar aqui em alguma revista. Abraço para o Correia Dias. Beijos às três pequenas artistas. Muitas lembranças afetuosas de minha mulher, ocupadíssima agora com concertos. Seu muito admirador, confrade, criado e – posso dizê-lo? – amigo: Osório de Oliveira.566
A viagem a Portugal começou, assim, a ser esboçada. Em carta do dia 22
de maio de 1934, Cecília agradeceu as notícias e o interesse que o amigo tomou
564 MEIRELES, Cecília. Carta a Osório de Oliveira. Rio de Janeiro, 12 de março de 1934. Acervo do Prof. Arnaldo Saraiva, Porto, Portugal. 565 Grifo de José Osório de Oliveira. 566 OLIVEIRA, José Osório. Carta a Cecília Meireles. Lisboa, 26 de abril de 1934. Arquivo Darci Damasceno, Biblioteca Nacional. (503) 26,4,27.
pelo seu caso e toda a sua atuação para favorecer a nossa viagem a Portugal.567
Nessa mesma carta divulgava o surgimento da Biblioteca Infantil a ser instalada no
Pavilhão Mourisco e do que estava programado para a inauguração. Revelava a
pretensão de tornar a biblioteca uma obra de cultura luso-brasileira, que, inclusive, já
havia solicitado livros e material de propaganda ao embaixador de Portugal, mas
que ele não vira nenhuma grande novidade na sua idéia.568 Traçava os primeiros
planos da viagem: que não teria dificuldade de ir ao Porto, apesar de estar bastante
ocupada com a inauguração da biblioteca, mas que não teria igual facilidade para
visitar a África. Solicitava para a biblioteca infantil todas as publicações, prospectos,
folhetos, monografias etc., que se publiquem relativos à exposição, mesmo aqueles
que você pense que não me podem servir para coisa alguma, recomendava.569
Também solicitava a remessa de outros materiais como publicações sobre Portugal,
ainda que fossem revistas velhas que seriam de grande utilidade na organização de
uma vasta seção sobre Portugal. Estava projetando o mesmo para a América Latina
e assim teria lado a lado, a obra continental e a obra racial,570 que serviria como
fonte de pesquisa aos freqüentadores da biblioteca infantil, dizia:
O meu desejo é conseguir todos os livros infantis de Portugal, e o maior número possível de gravuras, selos, postais, publicações de propaganda, de toda espécie – publicações oficiais sobre o continente ou as colônias, etc, etc –, para familiarizar por esse meio, as crianças daqui com o seu país.571
Despede-se enviando lembranças a Ana de Castro Osório e a todo o
pessoal da embaixada, cuja melhor presença era a de Henriqueta Lisboa. Em
agosto de 1934, Cecília trocava impressões com José Osório de Oliveira, o seu
empresário ou secretário,572 como ela o chamava, convocando-o para os últimos
567 MEIRELES, Cecília. MEIRELES, Cecília. Carta a José Osório de Oliveira. Rio de Janeiro, 22 de maio de 1934. Acervo do Prof. Arnaldo Saraiva, Porto, Portugal. 568 MEIRELES, Cecília. MEIRELES, Cecília. Carta a José Osório de Oliveira. Rio de Janeiro, 22 de maio de 1934. Acervo do Prof. Arnaldo Saraiva, Porto, Portugal. 569 Tratava-se da 1ª Exposição Colonial Portuguesa realizada no Porto e instalada de 16 de junho de 1934 a 30 de Setembro de 1934 no Palácio de Cristal e nos seus jardins. Foram representadas as atividades mais importantes das Províncias Ultramarinas de Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe, Guiné, Angola, Moçambique, Índia, Macau e Timor. 570 MEIRELES, Cecília. MEIRELES, Cecília. Carta a Osório de Oliveira. Rio de Janeiro, 22 de maio de 1934. Acervo do Prof. Arnaldo Saraiva, Porto, Portugal. 571 Idem, ibidem. 572 Tratamento carinhoso dispensado ao amigo José Osório de Oliveira que tratava de assuntos tais como a publicação de poemas e livros em Portugal. MEIRELES, Cecília. Carta a José Osório de Oliveira. s/l. 21 de
acertos a respeito da viagem. Ao amigo, ela resumia todas as ações que pretendia
realizar em seu primeiro contato com a terra dos seus avós: não trataria apenas de
literatura, mas também de política, arte e pedagogia. Declarava que ela e Correia
Dias iriam ter o gosto e ele a maçada de encontrá-los em terras de Portugal.573
Fernanda de Castro fez-me um convite que é quase uma intimação: e estamos
preparando tudo para seguirmos ainda este mês ou no princípio do outro.574 Dizia
que não ia representando as poetisas brasileiras, mas como jornalista do jornal A
Nação e do Portugal Novo.575 Agradecia a nota do Diário de Notícias que Osório
publicou e comunicava, mais uma vez, a inauguração da biblioteca infantil para
breve, antes de partir. Sobre as conferências declarava talvez gracejando com o
amigo, afinal de contas, com tantos assuntos, a programação longe estava de ser
compacta:
Precisamos de um programa compacto: política, literatura, pensamento, arte, pedagogia, paisagem e gente! Gente!576
Também no mês de agosto escreveu duas cartas ao educador Fernando de
Azevedo.577 Na primeira confirmava a inauguração da Biblioteca Infantil e informava
da sua próxima viagem a Portugal. Na segunda, solicitava ao amigo que preparasse
algum material para a série de conferências que ela proferiria em dezembro,
devendo ser um plano de propaganda educacional do Distrito Federal:
(...) Nas palavras só, para saudá-lo e anunciar-lhe que a inauguração da Biblioteca será no dia 15, pelas 17 horas. Na véspera, haverá uma sessão especial para a imprensa. Essa data, um pouco precipitada é conseqüência de uma provável viagem à Europa: devo partir ainda este mês, ou logo no princípio do outro. Vai achar um pouco misteriosa esta notícia. Infelizmente, é tudo quanto há de mais claro: uns amigos que me convidam para visitar Portugal, uma amiga, esposa do Ministro da Propaganda, que põe à minha disposição e eu que, com uma paixão meio mórbida pelo mar,
setembro de 1939. Biblioteca Nacional de Portugal. Seção de Reservados, Espólio Osório de Oliveira, ESP N24/338. 573 MEIRELES, Cecília. Carta a José Osório de Oliveira. Rio de Janeiro, 4 de agosto de 1934. Acervo do Prof. Arnaldo Saraiva, Porto, Portugal. 574 Idem, ibidem. 575 Não foi possível encontrar referências a essa publicação intitulada Portugal Novo. Talvez Cecília Meireles se refira à revista Portugal Feminino. 576 MEIRELES, Cecília. MEIRELES, Cecília. Carta a Osório de Oliveira. Rio de Janeiro, 22 de maio de 1934. Acervo do Prof. Arnaldo Saraiva, Porto, Portugal. 577 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 02 de maio de 1934. FA - Cp, Cx. 21, 72. IEB-USP (Instituto de Estudos Brasileiros).
aceito a aventura (deixe-me pensar que é uma aventura!) de me meter num navio do Lloyd, onde decerto haverá muitos caixeiros-viajantes fazendo em máquina portátil a sua correspondência comercial...578
Algumas providências pessoais, familiares e profissionais foram tomadas
antes do embarque: as filhas foram estudar em um colégio interno e a Biblioteca
Infantil foi inaugurada, no Pavilhão Mourisco. Cecília também definiu o acordo com o
jornal A Nação, que publicaria uma série de crônicas na coluna intitulada “Diário de
Bordo”. Em meio a essas medidas, não se esqueceu de reforçar o apelo ao amigo
em carta do dia 16 de agosto, no dia seguinte à inauguração da biblioteca:
Prepare-me, por favor, alguma coisa para alguma conferência que venha a fazer sobre o movimento educacional. Eu sei que o Venâncio tem o monopólio dessas coisas... - mas o que pretendo é sempre tão pouco e efêmero! O Anísio já me deu todas as publicações relativas à sua obra. Preciso que me envie também qualquer coisa, senão invento como puder... (Fiz a bobagem de encher tantas folhas com imaginação e só agora começar a falar-lhe destas coisas práticas e importantes. Tenho que escrever outra carta!). Mande dizer o que me poderá mandar para um trabalho que abranja a sua Reforma e as realizações do Anísio.579
Em 9 de outubro de 1934, três dias antes de Cecília e Correia Dias
desembarcarem no cais de Alcântara, em Lisboa, Osório de Oliveira foi o
responsável por antecipar a chegada da poeta aos leitores do jornal português Diário
de Notícias, em matéria intitulada “Viajantes Ilustres – A poetisa do Brasil. Cecília
Meireles chega amanhã a Lisboa”.580
578 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 8 de agosto de 1934. (FA - Cp. Cx. 21, 73). Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP). 579 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 16 de agosto de 1934. (FA - Cp, Cx. 21, 74/1). Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP). 580 OLIVEIRA, José Osório de. “Viajantes Ilustres – A poetisa do Brasil. Cecília Meireles chega amanhã a Lisboa”. Lisboa, Diário de Notícias, 9 de outubro de 1934. p. 4.
2.3. A imprensa e a promoção do intercâmbio entre os dois
lados do Atlântico: o luso-brasileirismo
Em uma análise sistemática de revistas pedagógicas do Brasil e de Portugal
tomando como fonte, no caso, duas publicações, a revista Educação, do Estado de
São Paulo, e a Revista Escolar, de Portugal, Cordeiro e Carvalho (2002) afirmam:
Entre 1930 e 1935 a presença de referências à educação brasileira cresce, se bem que o caráter informativo predomine nos artigos. Uma fatia importante de artigos que envolvem o Brasil surge na revista em várias seções, nunca como artigos principais, e têm em comum o fato de se tratarem de extratos de artigos publicados em periódicos brasileiros, sobretudo de S. Paulo e, concretamente, na Escola Nova – revista Educação. O que mais une este conjunto de referências não são os autores ou os temas, se bem que as questões dos ‘sobre dotados’ e da disciplina escolar sejam mais freqüentes, mas a fonte: a revista Educação de São Paulo. Quando se observa o registro das revistas estrangeiras citadas como fontes de notícias ou de trechos de artigos, a presença brasileira, ainda que discreta, ganha maior evidência. A presença da revista brasileira como fonte de informação – presença que se manifesta entre 1931 e 1935 – estaria dependente de um contato acidental de portugueses com aquele título? Haveria, por detrás desse contato, alguma ligação entre as direções das duas revistas ou mais informal entre educadores de Lisboa e de São Paulo de algum modo ligados às duas publicações? Ou se estaria de novo no interior de um efeito de organizações internacionais, pensando sobretudo no BIE, e das redes de circulação de informação estabelecidas ao seu redor?581
Contato acidental, informal, resultado das redes de circulação de informação
provocadas pelos organismos internacionais? Essas são afirmações
desconcertantes diante das evidências que apontam para fato de que tanto os
literatos quanto os educadores portugueses e brasileiros buscavam entrever, desde
o século XIX, não só impressões e experiências, mas muito mais do que a simples
partilha da língua portuguesa. Em seus trabalhos, Vieira (1991),582 Berrini (2003),583
Lessa (2002)584 e Gouvêa (2001)585 confirmam o desenvolvimento de várias ações,
581 CORDEIRO, J. F. P., CARVALHO, L. M. A circulação de modelos educativos nas revistas pedagógicas: Portugal e Brasil (1920-1935). Caxambu, 25a ANPEd, 2002. 582 VIEIRA, Nelson H. Brasil e Portugal: a imagem recíproca: o mito e a realidade na expressão literária. Lisboa: Ministério da Educação. Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1991. 583 BERRINI, Beatriz. Brasil e Portugal: a geração de 70. Breves indicações dos correspondentes brasileiros e portugueses. Porto: Campo das Letras, 2003. 584 LESSA, Carlos. Os Lusíadas na aventura do Rio Moderno. Rio de Janeiro: Record, 2002.
sobretudo governamentais no sentido de buscar o intercâmbio entre os dois países.
Vale salientar que esses autores ativeram-se às inter-relações estabelecidas no
campo literário, assim, procuramos investigar como essas relações foram buscados
pelos educadores brasileiros e portugueses. Na área da educação Fernandes
(2000)586 demonstra que desde o século XIX essa interlocução entre educadores
dos dois lados do Atlântico foi buscada, no caso em questão, realizado entre
educadores brasileiros e o educador português João de Deus.
Para entender as relações estabelecidas entre os literatos de ambos os
países, procuramos estabelecer uma primeira aproximação ao estudo do luso-
brasileirismo, uma vez que este foi um movimento que teve como objetivo estreitar
os laços entre os povos de mesma língua, no caso, Brasil e Portugal, e que foi
empreendido pelos intelectuais dos dois países.
Um dos primeiros interlocutores portugueses de Cecília, José Osório de
Oliveira, que afirmou como obra sua a apresentação da poesia de Cecília Meireles
em Portugal, foi durante toda a sua vida um entusiasta e um batalhador da causa do
luso-brasileirismo. Outros dos seus interlocutores como Afonso Duarte, Almada
Negreiros, João de Barros, Diogo de Macedo, João de Deus Ramos e Jaime
Cortesão,587 em Portugal, e intelectuais como Afrânio Peixoto,588 Carneiro Leão,
João do Rio, Olavo Bilac,589 Júlia Lopes de Almeida, Jonathas Serrano590 e Graça
Aranha591 no Brasil, também envidaram esforços no mesmo ideal de comunhão.
Participando de publicações, proferindo conferências, muitas foram as formas que
esses intelectuais buscaram para tornar evidente a necessidade de se estreitarem
essas relações entre os povos dos dois continentes.
585 GOUVÊA, Leila V. B. Cecília em Portugal: ensaio biográfico sobre a presença de Cecília Meireles na terra de Camões, Antero e Pessoa. São Paulo: Iluminuras, 2001. 586 FERNANDES, Rogério. Um projeto de jornalismo pedagógico luso-brasileiro no século XIX (1857-1858). História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas (7):21-39, abril 2000. 587 O poeta português Jaime Cortesão foi um dos colaboradores da revista brasileira Terra de Sol (1924), que obteve bastante sucesso por procurar realizar um intercâmbio com os intelectuais portugueses. 588 Júlio Afrânio Peixoto (1876-1947) médico, político, professor, crítico literário, ensaísta, romancista, historiador brasileiro. 589 Lembrar da forte influência que Olavo Bilac estabeleceu sobre a formação poética de Cecília Meireles. 590 Jonathas Serrano (1855-1944) professor e escritor. Sua obra didática, voltada para a formação de professores de História introduziu, de forma sistemática a influência da pedagogia no ensino dessa disciplina. Consultar: SCHIMIDT, Maria Auxiliadora. História com pedagogia: a contribuição de Jonathas Serrano na construção do código disciplinar da História no Brasil. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 48, p. 189-211. 2004. 591 José Pereira da Graça Aranha (1868-1931) escritor e diplomata brasileiro, foi um entusiasta do movimento luso-brasileiro e um dos diretores da revista Atlântida.
A primeira impressão que tive ao constatar a intensidade e a extensa rede
epistolar de Cecília Meireles e do seu interesse em buscar o intercâmbio literário e
pedagógico com intelectuais portugueses foi que se tratava de uma iniciativa
isolada. Que o intercâmbio que ela pretendia e estabeleceu era uma iniciativa
própria e que ela mesma cultivara o surgimento desses laços. A pesquisa
empreendida a alguns periódicos foi oportuna para que observasse que muitos
daqueles intelectuais com quem Cecília se correspondia estavam também
envolvidos com projetos que buscavam a promoção do intercâmbio entre Portugal e
Brasil, tomando como estratégia de aproximação a publicação de revistas culturais
e/ou pedagógicas, das quais participavam interlocutores dos dois lados do Atlântico.
Outra surpresa foi verificar que esse intercâmbio entre intelectuais dos dois países
era um projeto que iniciara e vinha se estabelecendo desde o século XIX e não se
tratava de uma iniciativa individual e isolada, mas a ser buscada nos níveis
governamental, político e econômico, além do cultural, que era onde se tentava
instituir uma maior aproximação entre os dois países. Tanto aqueles intelectuais que
foram responsáveis pelo convite e pela viagem de Cecília Meireles a Portugal
quanto seus correspondentes estavam ligados a empreendimentos que buscavam a
promoção das relações luso-brasileiras. Quem eram esses intelectuais, em que
espaços sociais atuavam e estavam inseridos, quais eram as suas preocupações
mais imediatas, onde e como contribuíram com as suas idéias?
Para conhecer um pouco das suas preocupações literárias e/ou
pedagógicas e políticas fez-se necessário recorrer aos espaços onde estes atuavam
e onde estabeleceram a sua rede de sociabilidade. Implicava investigar as revistas e
as sociedades (literárias e/ou pedagógicas), onde esses atores partilharam as suas
aspirações, as suas atividades intelectuais com os seus pares e com a sociedade do
seu tempo.
A pesquisa nos espólios de alguns daqueles intelectuais e a leitura de suas
cartas não foram suficientes para estabelecer as relações que eram necessárias. Do
que tratavam, de onde falavam? Perguntas que só poderiam ser respondidas depois
que buscasse entender mais a fundo um pouco do contexto histórico em que
viveram e trabalharam. Da pesquisa nos espólios, ficou patente a necessidade de
entender essas inter-relações e elas só puderam ser vislumbradas e entendidas com
a pesquisa nos periódicos, pois era ali naqueles espaços é que eram debatidas,
propostas, analisadas e/ou discordadas as suas posições ideológicas sobre os
temas que emergiam dos embates travados na sociedade de seu tempo.
Ilustração 29. Primeiro número da revista Portugal Feminino, de fevereiro de 1930. Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal.
A revista Portugal Feminino foi o primeiro periódico português a mencionar a
existência da poeta brasileira Cecília Meireles, no número 10 de novembro de 1930.
O artigo intitulado “Portugal Feminino no Brasil – Após o Regresso”592 tinha como
objetivo trazer às leitoras o resultado do congraçamento realizado em prol do luso-
brasileirismo feminino, que era um dos principais dentre os muitos objetivos da
revista. Nas edições do ano de 1930, destacavam esse propósito no rodapé da
página com frases como: Assinar Portugal Feminino é contribuir para o intercâmbio
luso-brasileiro593 e Portugal Feminino é de todas as mulheres portuguesas e
brasileiras,594 nas edições de novembro e dezembro daquele ano.
592 TEIXEIRA, Maria. Portugal Feminino no Brasil – Após o Regresso. Lisboa, Portugal Feminino, ano I, n. 10, novembro de 1930, p. 5-7. 593 Idem, p. 7. 594 Consultado em: Lisboa, Portugal Feminino, ano I, n. 11, dezembro de 1930, p. 14.
A revista tinha como objetivo incrementar o intercâmbio intelectual e literário
entre as duas nações e não tinha fins lucrativos. Sua diretora, assim como toda a
sua redação, destinava os rendimentos ao auxílio de casas de caridade
estabelecidas em Lisboa e ainda à fundação de casas das senhoras jornalistas em
Lisboa e, se possível, no Brasil.595
Ilustração 30. Editorial do primeiro número da revista Portugal Feminino, de fevereiro de 1930, escrito por
Teresa Leitão de Barros. Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal.
A revista Portugal Feminino, que contava com a brasileira Maria Amélia
Teixeira596 como diretora e proprietária e José Francisco da Costa como editor, era
dedicada ao público feminino. A redação e a administração da revista funcionavam à
Rua Diário de Notícias, número 61, em Lisboa, e iniciou as suas atividades e passou
a circular em fevereiro de 1930.
Contava com a colaboração de mulheres de renome e de destaque nos
círculos ilustrados da sociedade lisboeta da época, tais como Tereza Leitão de
595 TEIXEIRA, Maria. Portugal Feminino no Brasil – Após o Regresso. Lisboa, Portugal Feminino, ano I, n. 10, novembro de 1930, p. 6-7. 596 Intelectual feminista portuguesa, proprietária e diretora da revista Portugal Feminino, entre 1930 e 1937.
Barros, Ana de Castro Osório, Elina Guimarães,597 Fernanda de Castro, Helena de
Aragão, Miriam Rosa Silvestre, Branca de Gonta Colaço,598 Virgínia Lopes de
Almeida, Sara Afonso,599 entre outras. O primeiro número trouxe a colaboração
literária e artística de Tereza Leitão de Barros, Oliva Guerra, Maria de Assunção da
Silva, Emília de Sousa, bem como de Maria Amália Vaz de Carvalho600 (já falecida à
época) e da escritora brasileira Júlia Lopes de Almeida.
No editorial do primeiro número, “Sinfonia de Abertura”, Tereza Leitão de
Barros, expunha os objetivos da revista, que, segundo ela, não teria uma maestrina.
A cabeça de Portugal Feminino, afirmava, era a cabeça de uma mulher e ela não
saberia dizer se era de uma intelectual ou de uma manequim, se tinha cabelos
curtos ou compridos. Deixava claro para as suas primeiras leitoras que escrevia à
vontade, sem limites de qualquer contemplação e que o seu único objetivo era
oferecer às mulheres portuguesas uma página de boa leitura feminina e portuguesa.
Afirmava a revista Portugal Feminino como um empreendimento que merecia
aplauso, mas advertia:
Porque, ninguém tenha ilusões: se três cardeais não salvam Roma, também não é uma revista feminina que salvará a mulher portuguesa de hoje do seu tão merecido ferrete de apatia, de desinteresse pela sua causa, de distração no acertar do relógio pela hora civilizada e contemporânea que há muito ressoa em todas as catedrais bem catedráticas da Europa bem européia...601
Desejava que o público de Portugal Feminino fosse o compère, único e
onipotente, cujas sugestões e indicações seriam logo atendidas. Pretendia que esse
público fosse entendido como sendo todas as pessoas cultas e capazes de
compreender o limite das possibilidades que aquele empreendimento encontraria
pela frente. E continuava:
597 Elina Júlia Chaves Pereira Guimarães (1904-1991), escritora e jurista portuguesa, foi diretora do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (CNMP). 598 Branca Eva de Gonta Syder Ribeiro Colaço (1880-1945), escritora e recitalista portuguesa, erudita e poliglota, poetisa, dramaturga e conferencista. 599 Sarah Afonso (1899-1983) pintora e ilustradora portuguesa. 600 Maria Amália Vaz de Carvalho (1847-1921), poeta portuguesa. Escreveu em várias publicações portuguesas (Diário Popular, Repórter, Artes e Letras) e brasileiras (Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro), com o pseudónimo de Maria de Sucena. 601 BARROS, Tereza Leitão de. Sinfonia de Abertura. Portugal Feminino, Lisboa, ano I, n. I, fevereiro de 1930, p. 1-2.
Espalhada, pródiga e generosamente, pelas províncias, pelas ilhas, pelas colônias, ‘Portugal Feminino’ irá cair sob os olhos de inúmeras mulheres portuguesas. Qual delas será a madrinha-fada que há de bem fadar este empreendimento, quebrando o mau condão que leva à morte tantos outros recém nascidos do mesmo gênero... ? Acredito no Acaso Todo Poderoso e na gota de água que faz transvasar um lago... Acredito portanto, nas probabilidades mínimas que podem fazer triunfar a presente iniciativa, como acredito na onipotência do gesto de simpatia com que uma rapariga portuguesa, nos longes mais longes de Portugal ou do Brasil, folheará as páginas ainda úmidas do novo magazine, quase todo feito por mulheres, mas apesar de tudo e precisamente porque é pequenino e desprotegido, porque nasceu agora mesmo, capaz de encontrar nos braços das mulheres o seu mais seguro, mas carinhoso berço.602
A revista era dedicada à educação literária, artística e política do público
feminino, por isso, em suas páginas era publicada uma série de artigos que
oferecessem a esse público o que as idealizadoras entendiam como sendo
importante e interessante para o perfil de suas leitoras. Almejava a construção de
uma mulher moderna, culta e atuante na sociedade. Dessa forma, as temáticas
tinham como objetivo alcançar várias frentes de informação: atualidades, política,
arte e cultura, cuidados pessoais, moda, conhecimentos gerais e mesmo o
conhecimento do país, que era regularmente trazido às leitoras por meio de crônicas
sobre as cidades e os lugares de destaque histórico, artístico ou paisagístico, numa
coluna intitulada “Nossa Terra”. As leitoras podiam encontrar nas páginas de
Portugal Feminino tudo que as deixassem atualizadas em relação a cinema, teatro,
exposições, música, esportes e livros e que fossem preferencialmente do interesse
feminino. A revista também se preocupava em formar o gosto pela leitura e,
contando em seus círculos com escritoras de renome, era natural que publicasse
contos, crônicas e poemas de sua autoria. Entretanto, não deixava de lado algumas
temáticas, que, acreditavam, eram de interesse do sexo feminino, como a moda, os
bordados, a decoração de ambientes, o cuidado com a beleza e as receitas
culinárias.
Quanto ao que se refere à educação, a revista possuía colunas onde esses
assuntos eram debatidos e percebe-se que educação não se refere ao estritamente
escolar, mas entendida em seu aspecto mais amplo: educação moral, familiar e
pedagógica. A coluna “Cantinho da Pequenada” trazia histórias infanto-juvenis, 602 BARROS, Tereza Leitão de. Sinfonia de Abertura. Portugal Feminino, Lisboa, ano I, n. I, fevereiro de 1930, p. 1-2.
naturalmente por ter entre as suas colaboradoras nomes como Ana de Castro
Osório e Fernanda de Castro que se dedicaram à produção de literatura dirigida à
infância. A coluna intitulada “Bons Conselhos” era assinada por Marial
(possivelmente um pseudônimo) e nela eram respondidas as solicitações que as
leitoras enviavam por meio de cartas, temática que variava em torno de
comportamento, saúde, moda e arte, entre outras questões. Era comum o envio de
versos e prosa de leitoras que pediam a apreciação e almejavam a publicação de
sua produção naquele espaço.
Ilustração 31. Relação de delegadas da revista Portugal Feminino em 1932.
Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal.
A revista contava com a colaboração de algumas leitoras que por terem
compreendido todo o alcance cultural e educativo da (...) obra, se
responsabilizavam, como delegadas da missão de contribuir para a expansão da
revista Portugal Feminino nas localidades onde residiam.
A parte política também não era descurada. Na coluna “Feminismo” era
oferecido um interessante leque de informações às leitoras no que se refere ao
feminismo (o conceito, o feminismo no país e no mundo, vultos feministas e sua
atuação, etc.) e mesmo às questões de ordem legal, ou seja, as mulheres e os seus
direitos: o voto, a família, o trabalho e a política. Na coluna “Notas Pedagógicas”
eram trazidas algumas reflexões sobre a educação formal.
Ilustração 32. Seção literária no Gabinete Português de Leitura. Da esquerda para a direita: Carmem de Carvalho, Maria Sabina de Albuquerque, Maria Amélia Teixeira, Berta Lutz, Ana Amélia Carneiro de
Mendonça, Cecília Meireles e Hyldeth Favila. Fonte: Portugal Feminino, novembro de 1930.
A revista Portugal Feminino foi o primeiro periódico português a mencionar,
em novembro de 1930, a presença de Cecília Meireles no âmbito do panorama
literário brasileiro. A poeta foi fotografada ao lado de outras intelectuais brasileiras e
da fundadora e diretora da revista, Maria Amélia Teixeira, durante uma seção
literária realizada no Real Gabinete Português de Leitura, do Rio de Janeiro.603
Na conferência de abertura, a diretora do periódico português fez uma
defesa apaixonada do intercâmbio luso-brasileiro nos meios femininos. Destacou a
603 “Após o regresso”. Lisboa, Portugal Feminino, ano I, novembro de 1930, n. 10, p. 5.
acolhida simpática das intelectuais brasileiras que incentivavam o bom entendimento
luso-brasileiro, que permitiria envolver
(...) em adorável união as mulheres de letras lusas e as mulheres de letras brasileiras: a “elite” intelectual feminina dos dois povos que a história une indissoluvelmente e o Atlântico, com as suas vagas, jamais conseguirá separar. As escritoras de Portugal e do Brasil dão-se as mãos, confraternizam. Nada mais fui do que a mensageira do meu próprio sonho, que é o mesmo de tantos brasileiros e portugueses ilustres: a união intelectual das minhas duas pátrias, sonho que às vezes me parecia apenas sonho e que é hoje uma brilhante realidade.604
Além da apologia do intercâmbio literário luso-brasileiro, Maria Amélia
Teixeira destacou ainda a necessidade da uniformização ortográfica: (...) só assim
poderá existir entre os dois países irmãos a verdadeira expansão literária, só assim
poderemos apregoar ao mundo culto a beleza rítmica do idioma lusitano (...).605
Segundo ela, as mulheres dos dois lados do Atlântico seriam as medianeiras para a
efetivação deste ideal que se intensificava com a colaboração que a revista vinha
recebendo. Destacou e agradeceu a imprensa brasileira – A Pátria, A Noite, Jornal
Portugal, Diário de Notícias, Pátria Portuguesa, O Jornal e a revista Excelsior – pelo
apoio à realização do intercâmbio luso-brasileiro.
O evento foi presidido por Berta Lutz,606 então presidente da Federação pelo
Progresso Feminino. Maria Amélia Teixeira proferiu a conferência “Aproximação
Feminina Luso-Brasileira” e declamou versos das poetas portuguesas Branca de
Gonta Colaço, Maria Júlia de Sá Nogueira, Maria Amélia Teixeira (Filha) e Laura
Chaves. Entre as poetas brasileiras estiveram presentes Carmem de Carvalho,
Maria Sabina de Albuquerque, Ana Amélia Carneiro de Mendonça, Cecília Meireles,
Hyldeth Favila e Henriqueta Lisboa. Em seguida, foi oferecido um chá no Hotel
Avenida que reuniu os participantes do evento.
Outro periódico que proporcionou um excelente campo de pesquisa foi a
revista Atlântida. Apesar de não estar inserida no recorte temporal em que esse
estudo se desenvolveu, foi a partir das questões que eram debatidas naquele
espaço é que algumas questões se fizeram compreensíveis. De uma realidade
604 “Após o regresso”. Lisboa, Portugal Feminino, ano I, novembro de 1930, n. 10, p. 5. 605 Idem, p. 6. 606 Bertha Maria Julia Lutz (1894-1976) foi uma das figuras pioneiras do feminismo no Brasil. Filha de Adolfo Lutz, era zoóloga de profissão. Estudou ciências naturais em Paris, na Sorbonne.
desconhecida, ou seja, a preocupação que aqueles intelectuais tinham em comum
sobre o estabelecimento de relações que aproximassem cada vez mais os dois
países, a Atlântida ofereceu muitas informações.
Sobre essa problemática a leitura de uma obra que tratava especificamente
das relações luso-brasileiras (Vieira, 1991), proporcionou um olhar mais crítico sobre
os assuntos que eram debatidos na revista em questão. Além disso, outras obras,
exclusivamente pedagógicas, ofereceram suporte para o conhecimento da realidade
educacional portuguesa (Fernandes 1971, 1972, 1979, 1981 e 2000) e Barreto
(2006), pois tratavam justamente da análise da colaboração de alguns daqueles
educadores de quem eram necessárias maiores informações.607 Essas obras foram
valiosas para o entendimento da realidade educacional portuguesa e importantes
fontes para o esclarecimento de muitas das interrogações que surgiram e surgiriam
durante a pesquisa sobre os modos como esses intelectuais estavam envolvidos
com o estabelecimento de relações e de uma comunidade luso-brasileira e qual era
ou deveria ser o papel da educação e dos educadores nesse universo.
Se as relações entre Brasil e Portugal existiam, a forma intencional que o
intercâmbio adquiriu no final do século XIX é que se constituiu em uma novidade nas
relações entre os dois países. Quanto ao termo luso-brasileiro e a conotação que
adquiriu no início do século XX, Vieira (1991) pondera que só nesse momento é que
este passou a ser utilizado para significar comunidade e um movimento inter-
cultural. Durante o século XIX foi utilizado no sentido de aludir à existência de
elementos culturais relevantes para ambos os países.608
No campo da educação, por exemplo, temos informações de que houve
intercâmbio de idéias e de experiências entre brasileiros e portugueses como, por
exemplo, a Revista da Instrução Pública para Portugal e Brasil, fundada por António
Feliciano de Castilho609 e de Luís Felipe Leite. Essa revista circulou entre 1857 e
607 FERNANDES, Rogério. Cartas de António Sérgio a Álvaro Pinto (1911-1919). Lisboa: Edição da Revista Ocidente, 1972; FERNANDES, Rogério. Carta inédita de António Sérgio a José Osório de Oliveira. Lisboa, Colóquio Letras, Fundação Calouste Gulbenkian, n. 59, janeiro de 1981, p. 42-45; FERNANDES, Rogério. A pedagogia portuguesa contemporânea. Lisboa: Instituto de Cultura Portuguesa, 1979; FERNANDES, Rogério. João de Barros: educador republicano. Lisboa: Livros Horizonte, 1971; BARRETO, Graziela. João de Deus e a Educação Nova. In: PINTASSILGO, Joaquim. [et al.]. Historia da Escola em Portugal e no Brasil: circulação e apropriação de modelos culturais. Lisboa: Edições Colibri/Centro de Investigação em Educação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, 2006. p. 111-137. 608 VIEIRA, Nelson H. Brasil e Portugal: a imagem recíproca: o mito e a realidade na expressão literária. Lisboa: Ministério da Educação. Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1991. p. 22. 609 António Feliciano de Castilho (1800-1875) um escritor romântico português, polemista e pedagogo, inventor do Método Castilho de leitura.
1858 nos dois países, experiência que Fernandes (2000), oferece informações mais
precisas e detalhadas. Quanto à colaboração de pedagogos e educadores
brasileiros na revista supracitada, o autor observa que foi inexpressiva e o conteúdo
referente à situação educacional no Brasil se limitou ao noticiário das principais
iniciativas bem como da utilização do método de alfabetização de Castilho em
escolas brasileiras. O autor salienta que um destaque maior para os assuntos
educacionais brasileiros surgiu nos penúltimos números da revista com a transcrição
de parte do relatório do ministro Couto Ferraz, onde a questão da instrução pública
foi tratada.610 O diálogo que poderia ter se estabelecido entre educadores dos dois
países ficou restrito, assim, ao noticiário esparso de algumas iniciativas isoladas,
ressentindo-se da falta de interlocutores brasileiros e do pouco conhecimento da
realidade educacional do Brasil. Também há que se pensar nas tentativas que o
poeta e pedagogo João de Deus travou por meio de cartas com educadores do
Brasil que buscavam aperfeiçoar a utilização do método de alfabetização idealizado
por ele, com educadores radicados especialmente em cidades como Recife e Rio de
Janeiro, também em pleno século XIX.611
No campo da literatura, porém, é que temos notícia das maiores tentativas
de aproximação entre os dois povos. Assim, segundo Vieira (1991), muitas foram as
publicações que vislumbraram a possibilidade desse encontro ser estabelecido a
contento. Assim, em princípios do século XX, partiu de Portugal a tentativa de
promover uma maior aproximação entre os dois povos, de acordo com Pereira
(2000):
Nas primeiras décadas do século XX vislumbraram-se propósitos de ampliar o conhecimento recíproco dos dois países; num esforço de
610 FERNANDES, Rogério. Um projeto de jornalismo pedagógico luso-brasileiro no século XIX (1857-1858). História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas (7), abril 2000. p. 36-37. 611 Durante a pesquisa realizada no Museu João de Deus Bibliográfico, Pedagógico e Artístico, a leitura de algumas cartas recebidas pelo educador, indicaram o estabelecimento de intercâmbio com educadores que utilizavam o seu método de alfabetização, residentes no Brasil. Quanto ao intercâmbio entre educadores brasileiros e os intelectuais João de Deus Ramos e João de Barros, foram observados vários vestígios, como a presença de revistas educacionais brasileiras, sobretudo as do período que corresponde às reformas de Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira, datados desse período. Foram encontrados alguns exemplares do Boletim de Educação Pública, editado durante a gestão de Anísio Teixeira e um exemplar do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, que traz inclusive, a dedicatória do educador brasileiro Fernando de Azevedo, para João de Deus Ramos, datado de abril de 1935. Outros periódicos educacionais existentes no acervo: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Instrução Pública, Almanaque do Ensino e Revista Nacional de Educação. O acervo possui outros periódicos editados no Brasil como Revista da Semana e Padrão; e ainda Portugal Ilustrado e Lusitânia sobre intercâmbio luso-brasileiro. Foram encontrados, também, alguns títulos de autores do pensamento educacional brasileiro dos anos 1920-30 no acervo naquela biblioteca, como Lourenço Filho, Afrânio Peixoto, Carvalho Reis e Anísio Teixeira.
esbater o antilusitanismo imperante no Brasil, a novel república portuguesa procurou reforçar os laços de amizade arrefecidos desde a implantação da república federativa do Brasil, e estimular os intercâmbios culturais. Entre 1915 e 1920 publicou-se a ‘Atlântida’: mensário artístico, literário e social para Portugal e Brasil.612
Entretanto, como destaca Vieira (1991), o estabelecimento dessas boas
relações encobriam objetivos muito mais políticos e econômicos, camuflados sob a
forma de questões culturais. Segundo esse autor o conceito e as intenções em se
promover o luso-brasileirismo não partiram do povo e nem foi uma iniciativa
exclusivamente objetivada pelos escritores, mas muito mais dos governantes e
políticos. Afirma que em muitas ocasiões os governos dos dois países pouco fizeram
para que essa comunidade realmente se estabelecesse a contento, mantendo-se
omissos em relação a questões mais polêmicas ou que demandavam maior
comprometimento político. Coube, em muitas das vezes, aos literatos, a verdadeira
procura do estabelecimento do tênue elo entre os dois povos.613
Estudando as relações luso-brasileiras a partir da literatura de Brasil e
Portugal, esse autor, detectou o que ele denomina como ressentimento que ambos
os povos sempre tiveram em relação ao outro, sendo este um dos empecilhos para
melhores relações entre os dois povos. Outros fatores seriam a distância e o
desconhecimento que ambos tinham e têm entre si. Esse sentimento teve origem
nas nem sempre fáceis relações colonizador-colonizado e estenderam-se por muito
tempo graças ao quase completo desconhecimento entre os dois povos e as
imagens estereotipadas que vigoraram no imaginário e na literatura portuguesa e
brasileira, afirma.
Esse desconhecimento e ressentimento estenderam-se até mesmo à
literatura do século XX, com autores brasileiros nacionalistas, que ainda traziam nas
suas obras imagens que atravessaram a produção de muitos literatos, sobretudo os
do final do século XIX, época de acirramento do sentimento anti-lusitano e exaltação
da nacionalidade brasileira. Quanto ao tratamento dispensado aos brasileiros, o
autor aponta a forma pouco condizente com que foram tratados pelos escritores
portugueses. Mas nesse caso, pontua, há um atenuante, pois como grande parte
612 PEREIRA, Maria da Conceição Meireles. Entre Portugal e Brasil: ficções e realidades. In: GOMES, Eugênio. Os brasileiros de torna-viagem no noroeste de Portugal. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2000. p. 213-217. 613 VIEIRA, Nelson H. Brasil e Portugal: a imagem recíproca: o mito e a realidade na expressão literária. Lisboa: Ministério da Educação. Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1991. p. 178.
dos literatos desconhecia absolutamente o Brasil e a cultura brasileira. Assim, as
críticas mordazes que fizeram não se referiam propriamente ao brasileiro originário
do Brasil, mas ao emigrante português – o brasileiro de torna-viagem –, que
retornava rico a Portugal e que trazia em sua bagagem cultural traços indesejáveis e
estranhos para o entendimento local. As referências aos brasileiros foram sempre
baseadas em clichês, observa, já que eram poucos os ficcionistas que conheciam e
conheceram de fato o Brasil e a sua cultura. Esse desconhecimento perdurou até o
século XX e pode, em parte, ser explicado, segundo Vieira (1991), ao fato de que
estes literatos portugueses estavam mais preocupados com a sua própria realidade
política e que poucas oportunidades tiveram em conhecer, verdadeira e
profundamente, a cultura brasileira.614
Em finais do século XIX, podemos constatar, por meio das estatísticas que
tanto Brasil quanto Portugal possuíam altas taxas de analfabetismo entre a sua
população adulta. Assim, é de se desconfiar que muito do discurso luso-brasileiro
fosse endereçado ao público alfabetizado dos dois países, potencialmente apto a
consumir as publicações criadas especialmente para atingi-lo. Outra condição
importante para que essa empreitada fosse realizada com sucesso era o fato de no
século XIX não haver muita diferenciação da língua portuguesa entre as classes
cultas e sob o ponto de vista literário, como observa Fernandes (2000).615
Contudo, há que se destacar que essas iniciativas do final do século XIX
deram-se de forma isolada, ou seja, foram iniciativas ainda não apropriadas pelos
governos que tinham outros objetivos e estes não eram exclusivamente culturais,
mas políticos e econômicos. Podemos perceber que por trás do discurso de uma
aproximação desejável entre os dois povos, há um mais forte e ideológico e que tem
significações muito diferentes que aquelas idealizadas pelos literatos. As boas
relações interessavam aos dois paises. De acordo com Vieira (1991), havia um
maior interesse de Portugal em relação ao Brasil.
No nível individual e social o autor salienta que eram perceptíveis as
manifestações de admiração pelos brasileiros e sua cultura e também interesse em
conhecer o Brasil. Porém, afirma que esse desejo não aparecia na literatura como
uma demonstração de um espírito comunitário ou coletivo, ou seja, ele partiu, 614 VIEIRA, Nelson H. Brasil e Portugal: a imagem recíproca: o mito e a realidade na expressão literária. Lisboa: Ministério da Educação. Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1991, p. 178. 615 FERNANDES, Rogério. Um projeto de jornalismo pedagógico luso-brasileiro no século XIX (1857-1858). História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, abril 2000. p. 22.
sobretudo, de determinados atores como Miguel Torga,616 Vitorino Nemésio, Ferreira
de Castro617 e Jorge de Sena618 que eram admiradores da cultura brasileira e que
tiveram uma relação mais próxima com o Brasil.619 Ainda segundo Vieira (1991),
havia entre os portugueses uma imagem muito mais negativa do que positiva em
relação ao Brasil e essa imagem foi construída a partir do ponto de contato entre os
dois povos. No que tange a Portugal, essa imagem se deu prioritariamente a partir
do brasileiro, o emigrante de torna-viagem, daí todas as críticas e impressões que
recaíram sobre o Brasil e o povo brasileiro e que contribuíram para perpetuar um
programa emigratório pouco construtivo e desfavorável à campanha luso-brasileira:
Sendo o emigrante português o elemento mais representativo do contato quotidiano luso-brasileiro, é natural que as relações verdadeiras entre os dois países deixem muito a desejar. A repetição constante deste símbolo na literatura assemelha-se à popularidade de certos mitos folclóricos que encontramos na piada e na literatura de cordel. A narrativa popular desta figura transcende estes outros gêneros e encontra-se em lugar estabelecido na literatura em geral.620
Vieira (1991) reconhece que, apesar dessa imagem pouco encorajadora, o
luso-brasileirismo encontrou laços fortes entre famílias, escritores, indivíduos,
estudantes, intelectuais e agentes do governo. Salienta que, quando há um
verdadeiro intercâmbio, ou seja, quando há um mútuo conhecimento e diálogo entre
os dois países, há mais chances de essa comunidade realmente existir. Mesmo no
plano coletivo, onde deveria funcionar esse intercâmbio, ele pode não acontecer por
puro desconhecimento de ambas as partes. Para que o conceito de luso-
brasileirismo seja efetivo, continua, faz-se necessário o intercâmbio em bases reais,
por meio de programas concretos e que não dependam tanto dos excessos líricos,
como afirma citando o escritor Fernando Cristóvão. Segundo esse autor, para que
esse intercâmbio seja efetivado de fato, há que se provocar o estreitamento dos
616 Miguel Torga, pseudônimo de Adolfo Correia Rocha, (1907-1995) foi um dos mais importantes escritores portugueses do século XX. 617 José Maria Ferreira de Castro (1898-1974) escritor português, emigrou para o Brasil, onde publicou o seu primeiro romance Criminoso por ambição, em 1916. Mais tarde, em Portugal, foi redator do jornal O Século e diretor do jornal O Diabo. 618 Jorge Cândido de Sena (1919- 1978) poeta, crítico, ensaísta, ficcionista, dramaturgo, tradutor e professor universitário português. Exilou-se no Brasil em 1959 e, posteriormente, nos Estados Unidos da América em 1965, onde faleceu. 619 VIEIRA, Nelson H. Brasil e Portugal: a imagem recíproca: o mito e a realidade na expressão literária. Lisboa: Ministério da Educação. Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1991. p. 179. 620 Idem, ibidem.
laços entre os dois países por meio da difusão do livro brasileiro em Portugal e do
português no Brasil ainda citando Cristóvão, sem as peias comerciais e burocráticas
já tradicionais. Além disso, continua, é imprescindível a intensificação do intercâmbio
cientifico e técnico entre os dois países e em vez de regateadas concessões de
magras bolsas de estudos, se planeie uma política cultural corajosa, de atenção
especial aos países de língua portuguesa.621 As prioridades levantadas e defendidas
por Cristóvão são, segundo Vieira (1991), muito mais decorrentes das prioridades de
Portugal e suas metas em disseminar o pan-lusismo cultural, e parte da tradicional
evocação do seu império cultural do passado, não encontrando essa perspectiva
eco nas prioridades brasileiras.622
Segundo esse autor, a presença de Portugal na literatura brasileira nas
primeiras décadas do século XX sofreu um desmoronamento do que havia sido
construído, em fins do século XIX, pelas obras de Eça de Queirós. Nesse período,
havia no Brasil duas vozes clamorosas – João Ribeiro e Alberto Torres623 – em fazer
a apologia da brasilidade, ou seja, fazendo parte, entre tantos outros, daqueles que
defendiam um esquecimento da cultura européia e, particularmente, de Portugal. O
escritor João Ribeiro foi um dos intelectuais que se posicionaram mais
fervorosamente contra a Confederação Luso-Brasileira proposta por João de Barros,
Alberto D´Oliveira624 e Carlos Malheiro Dias,625 segundo Vieira (1991).
Por detrás do interesse em estreitar os laços com o Brasil, afirma Vieira
(1991), Portugal ocultava a sua verdadeira intenção que era a recuperação de sua
glória e grandeza do passado e que aquela não era senão uma espécie de
colonialismo cultural.626 As tentativas de afirmação de intercâmbio entre os dois
povos foram acidamente criticadas por Alberto Torres. Para este, os jornalistas
interessados em promover o intercâmbio luso-brasileiro visavam apenas interesses
econômicos. Provocativamente, Torres explorava o ódio mútuo entre os dois povos:
621 Fernando Cristóvão, apud VIEIRA, Nelson H. Brasil e Portugal: a imagem recíproca: o mito e a realidade na expressão literária. Lisboa: Ministério da Educação. Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1991. p. 180. 622 VIEIRA, Nelson H. Brasil e Portugal: a imagem recíproca: o mito e a realidade na expressão literária. Lisboa: Ministério da Educação. Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1991. p. 180. 623 Alberto de Seixas Martins Torres (1865-1917) político, jornalista, bacharel em direito e pensador social brasileiro preocupado com questões da unidade nacional e da organização social brasileira. 624 Alberto d’Oliveira (1873-1940): escritor português. 625 Carlos Malheiro Dias, também grafado como Carlos Malheiros Dias (1875-1941): jornalista, político, historiador e escritor português. 626 VIEIRA, Nelson H. Brasil e Portugal: a imagem recíproca: o mito e a realidade na expressão literária. Lisboa: Ministério da Educação. Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1991. p. 188.
O que não se afigura decoroso é fazer como grandíssima parte de nossa imprensa, que vive diariamente a exclamar, com o olho no anúncio, pago ao balcão: - Portugal, nação irmã! Os nossos irmãos de além-mar! A laboriosa colônia portuguesa! Esse povo que tem feito a nossa riqueza! – e outras armadilhas para pilhar o dinheiro ao luso incauto, quando todos indubitavelmente sabemos que, como matéria de fato, não há brasileiros que intimamente não despreze o português, como não há português que não deteste o brasileiro. Essa posição falsa é que sempre me repugnou.627
Entretanto, observa-se que à parte aqueles que não conheciam e não se
preocupavam em conhecer, havia aqueles que se interessavam pela cultura
brasileira e tinham o intercâmbio entre os dois povos como uma aspiração. João de
Barros foi um desses intelectuais. Filho do Vice-Cônsul do Brasil na Figueira da Foz,
onde nasceu em 1881, João de Barros, sempre conservou certa curiosidade em
relação ao Brasil. Em Lisboa, depois de casado e já atuando como professor do
liceu, foi apresentado ao escritor brasileiro Paulo Barreto, mais conhecido nos meios
literários pelo pseudônimo de João do Rio, com quem viria a desenvolver e a
concretizar o projeto de uma revista que teria o objetivo de tecer elos entre
brasileiros e portugueses: a Atlântida, que circularia de 1915 a 1920. Talvez a
Atlântida seja a primeira aproximação num nível mais consciente e intencional de
intercâmbio luso-brasileiro, com pleno entendimento do que esse conceito
significava.628
Em relação a esta e a outras revistas culturais, a sua concepção foi quase
uma exclusividade de Portugal e o intercâmbio pretendido contou com a colaboração
de intelectuais dos dois países, mas com presença majoritária e decisória, em
muitas das vezes, cabendo ao lado português. Embora a direção da Atlântida seja
atribuída a João de Barros e João do Rio, este nunca residiu em Portugal, sendo a
vertente portuguesa muito mais influente na concepção e organização da revista, na
figura de João de Barros.
As revistas com dupla cidadania foram concebidas com o intuito de atingir o
público português e brasileiro ainda que não se possa afirmar até que ponto esses
627 Alberto Torres, apud VIEIRA, Nelson H. Brasil e Portugal: a imagem recíproca: o mito e a realidade na expressão literária. Lisboa: Ministério da Educação. Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1991. p. 189. 628 João de Barros esteve no Rio de Janeiro, convidado por João do Rio e foi apresentado à intelectualidade brasileira. Participou de reuniões com jornalistas, esteve na Academia Brasileira de Letras e em recepção na casa dos escritores Júlia Lopes de Almeida e seu marido Filinto de Almeida. BARROS, João de. Caminho da Atlântida: uma campanha luso-brasileira. Lisboa: Atlântida, [192-]; Sobre João de Barros, consultar: ARAÚJO, Alberto Filipe. João de Barros. In: NÓVOA, António, BANDEIRA, Filomena (Dir.). Dicionário de educadores portugueses. Porto: Edições ASA, 2003.
periódicos buscassem, realmente, a formação de uma comunidade luso-brasileira e
toda a dimensão que esse conceito pressupõe ou apenas se utilizaram do mesmo
como uma estratégia para difusão e conquista de um mercado consumidor mais
amplo. Podemos observar que, no entanto, essas estratégias nem sempre lograram
êxito, como podemos depreender de um comentário do poeta Adolfo Casais
Monteiro a Vitorino Nemésio:
Cautela com os entusiasmos excessivos! Sejamos positivos, pelo que diz respeito, por exemplo, às tais expansões pelos Brasis. Saiba que a ‘Presença’ não tem lá senão... um assinante! Daí concluirá que eu não estou nada inclinado para conseguir a expansão no Brasil da ‘Revista de Portugal’, de glorioso e prometedor nome. Repete-se a história do careca que vendia o produto infalível para fazer nascer cabelo onde já o houve e agora não há.629
O poeta queixava-se da vendagem da revista, que atribuía ao péssimo
hábito que os intelectuais brasileiros tinham de aguardar o oferecimento de livros e
revistas lançados pelos autores, ou seja, não costumavam pagar pelo que liam,
antes aguardavam receber as publicações a título de presente. Isso fazia com que a
vendagem das revistas portuguesas no Brasil fosse inexpressiva.
Tendo como objetivo a aproximação dos dois povos a partir da produção
literária, a revista Atlântida foi criada em 1915 e sobreviveu até o ano de 1920. A
Atlântida representou um celeiro das manifestações a favor das boas relações entre
brasileiros e portugueses. Nela atuaram importantes nomes do cenário intelectual
dos dois países e muitos desses se tornaram, mais tarde, correspondentes de
Cecília Meireles. Interessa apontar que muitos desses intelectuais já eram
conhecidos e/ou amigos de Fernando Correia Dias dos tempos de Rajada, A Águia e
Orpheu, antes de sua emigração para o Brasil.
A revista Atlântida: Mensário Artístico, Literário e Social para Portugal e
Brasil, cujo primeiro número saiu em 15 de novembro de 1915, trazia a seguinte
informação complementando o subtítulo: “Sob o alto patrocínio de S. Exas. os
Ministros das Relações Exteriores do Brasil e dos Estrangeiros e Fomento de
Portugal”, que apresenta a revista como tendo o aval de personalidades ligadas aos
629 CASAIS MONTEIRO, Adolfo. Carta a Vitorino Nemésio. Aljube do Porto, 6 de julho de 1932. Biblioteca Nacional de Portugal. Seção de Reservados, Espólio Vitorino Nemésio, ESP E11/3659.
governos de Portugal e Brasil, além de contar com nomes de destaque do mundo
literário dos dois países.630
Ilustração 33. Á esquerda: Primeiro número da revista Atlântida de 15 de novembro de 1915. À direita: Página de rosto da revista e logotipo que passou a figurar a partir do segundo ano de publicação da revista. Fonte:
Museu João de Deus.
A Atlântida tinha como diretores João de Barros (em Portugal) e João do Rio
(no Brasil), como afirmado anteriormente, como secretário de redação Ezequiel de
Campos631 e como editor Pedro Bordalo Pinheiro.632 Contava, em seu primeiro
número com a colaboração de intelectuais como João de Deus Ramos, Columbano
Bordalo Pinheiro,633 (com a reprodução inédita do seu quadro “A chávena de chá”),
João de Barros, João do Rio, Olavo Bilac, Júlio Dantas,634 Theophilo Braga,635
630 A revista Atlântida foi estudada por Saraiva (1986) ao lado de outras revistas consideradas luso-brasileiras, como Águia, Orpheu, A Rajada e Terra de Sol. Consultar: SARAIVA, Arnaldo. O modernismo brasileiro e o modernismo português. Subsídios para o seu estudo e para a história das suas relações. Porto : [s.n. ], 1986. p. 135-146. 631 Ezequiel Pereira de Campos (1874-1965) engenheiro, economista, escritor e político português. 632 Pedro Bordalo Pinheiro foi um dos intelectuais que receberam o casal Correia Dias na chegada à Lisboa em 1934. Sobre a recepção dos intelectuais portugueses ao casal de artistas brasileiros consultar: “A afetuosa recepção feita em Lisboa a D. Cecília Meireles e seu marido, o pintor Correia Dias”. Lisboa, 13 de dezembro de 1934. (sem informação da fonte). 633 Columbano Bordalo Pinheiro (1857-1929) pintor naturalista e realista português. Tornou-se, em 1901, professor de pintura histórica na Academia de Belas-Artes de Lisboa e diretor do Museu Nacional de Arte Contemporânea (1911). 634 Júlio Dantas (1876- 1962) médico, poeta, jornalista, político diplomata e dramaturgo português. Foi embaixador no Brasil entre 1941 e 1949.
Afonso Lopes Vieira, entre outros. Trazia logo, nas primeiras páginas, algumas
palavras de incentivo da parte dos ministros das relações exteriores dos dois países:
Lauro Muller,636 Augusto Soares e Manuel Monteiro, que desejavam prosperidade e
viam na iniciativa um esteio seguro da indispensável aproximação, intelectual e
econômica, entre as duas Pátrias irmãs. Reconheciam na pessoa de João de
Barros, as qualidades que o tornavam um dos principais responsáveis pelo
empreendimento: a sua fé patriótica, o seu ardente e sadio entusiasmo pelas coisas
de Portugal (apontada na mensagem como nossas coisas), além da admiração pela
pátria brasileira.637 Na página seguinte, o próprio João de Barros fazia referências à
viagem que fez ao Brasil e que culminou com o surgimento da idéia da revista:
Ia ver o Brasil, enfim! Ia ver essa terra, que eu sempre considerava irmã da nossa, – e tentaria auscultar a sua palpitação profunda, a sua existência íntima e verdadeira, a febre de trabalho e de progresso que daqui pressentira. E, sem outra idéia que não fosse o contribuir para a aproximação estreita entre os dois povos, ia levar uma mensagem, de lirismo aos escritores que tão bem sabem, além Atlântico, propagar, embelezar e engrandecer a língua e – porque não dizê-lo? – a alma e a vida espiritual portuguesas. Uma esperança ilimitada fazia-me pulsar o sangue com mais força. O entusiasmo exaltava-me os nervos. E a certeza d´uma nobre, d´uma grave missão a cumprir preocupava-me a tal ponto, que durante toda a viagem – do Tejo ao Cais Pharoux – passei alheado de tudo e de todos, ora seguro do êxito que desejava, ora receoso da minha mais que reconhecida incompetência para alcançá-lo.638
Aqui, João de Barros revelava a sua resolução em promover as boas
relações entre os dois países, procurava esquecer as histórias rabugentas que
haviam lhe contado e mais todas as desinteligências que sabia existirem entre
portugueses e brasileiros.639 Esquecia a distância, a inércia dos governos e ainda a
má vontade que certos elementos estrangeiros procuravam despertar entre as duas
nações. Esquecido de tudo, só pensava em antologias que desconhecessem
fronteiras e que trouxessem os nomes de Bilac, Guerra Junqueiro, Machado de
635 Joaquim Teófilo Fernandes Braga (1843-1924) político, escritor e ensaísta português. Da sua carreira literária contam-se obras de história literária, etnografia, poesia, ficção e filosofia. 636 Lauro Severiano Müller (1863-1926) político e diplomata brasileiro. 637 BARROS, João de. Atlântida. Atlântida, Lisboa, n. 1, v. 1, 15 de novembro de 1915. p. 3. 638 Idem, p. 5-6. 639 Idem, ibidem.
Assis,640 Coelho Neto641 e Eça de Queirós juntos, enfileirados lado a lado,
mostrando que toda sorte de interesses, dos morais aos econômicos, dos espirituais
aos práticos, faziam de Portugal e do Brasil uma comunidade perfeita, com o mesmo
ideal latino, com a mesma força de inteligência e de alma, com a mesma perfeita
sensibilidade social.642 Quanto às mágoas existentes entre os dois países, atribuía
ao parco conhecimento que os dois países tinham entre si, inconcebível no seu
entendimento e que eram prejudiciais tanto aos portugueses como aos brasileiros,
sobretudo para o papel que as duas nações deviam desempenhar nos meios
internacionais. Reconhecia que era necessário estender essa boa-vontade entre
todas as classes sociais e esta deveria ser uma das aspirações que os governos de
ambos os países deveriam acolher e tornar conscientes. Constatava que nem
literariamente Portugal conhecia o Brasil e, no entanto, os brasileiros admiravam e
reconheciam na produção literária portuguesa o que ele chamava de manifestação
geral de afetividade, mas que sem dúvida alguma era mal reconhecida. A Atlântida
seria, portanto, um órgão de mútua aproximação, por meio do qual estariam
traduzidas as energias, as ambições e os ideais dos dois povos, que ele resumia
num único objetivo, comuns entre ele e João do Rio: erguer até ao conhecimento
perfeito e amorável das suas tendências e dos seus esforços as duas
nacionalidades.643 Porém, reconhecia que o empreendimento era demasiado difícil
de alcançar e que teria que contar, necessariamente, com o empenho das novas
gerações e com as suas também novas idéias. A Atlântida surgiria, assim, com um
pouco do espírito dos velhos navegadores portugueses e com muito da energia
ardente e moça que deu ao Brasil o seu esplendor de civilização, acrescentava.644
João do Rio também colaborou com essa espécie de carta de intenções,
afirmando, apesar de fazê-lo numa forma bastante mais lírica e pomposa, mas
igualmente reveladora das intenções que moviam ambos os intelectuais. Segundo
ele, o nome da revista fora escolhido a propósito, pois Atlântida, segundo a lenda,
teria sido um continente que ligara a América à Europa. A revista, teria esse objetivo,
religaria os dois continentes, mas num plano diferente. Essa outra Atlântida, a
640 Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) escritor brasileiro, considerado um dos mais importantes nomes da literatura brasileira. Foi também um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras e seu primeiro presidente, também chamada de Casa de Machado de Assis. 641 Henrique Maximiano Coelho Neto (1864-1934) escritor, político e professor brasileiro. 642 BARROS, João de. Atlântida. Atlântida, Lisboa, n. 1, v. 1, 15 de novembro de 1915. p. 6. 643 Idem, p. 7-9. 644. Idem, ibidem.
revista literária, seria a terra abstrata do conhecimento, do saber e da adivinhação645
e significaria o elo mental entre a Europa e a América. A revista Atlântida, afirmava,
trataria de manter incorruptível esse vínculo.
A revista Atlântida surgira a partir de conversas de João de Barros com
João do Rio, quando este estivera em Lisboa, em 1909. Significava um irresistível
movimento de solidariedade entre aqueles países e povos que viviam de um mesmo
ideal e de uma mesma origem e tradição. Para os seus criadores, a revista
representava um dos muitos pontos de articulação, já que viviam em um tempo em
que se vislumbrava uma aproximação mais intensa entre países do mundo inteiro:
Parece que chegamos a um instante único na história da Terra, em que se vão unir definitivamente, para uma ação de conjunto, os grupos humanos que têm entre si relações, que só unidas e amalgamadas poderão produzir o máximo da sua força e do seu esplendor! Os pequenos esforços, os pequenos desejos, as pequenas ambições de cada uma das nacionalidades que talvez venham a compor uma futura e maior coletividade étnica ou social, fundir-se-ão num grande desejo, numa grande ambição, num esforço formidável – para maior brilho e utilidade da civilização do globo. É, pois, esta a ocasião de se compreenderem mutuamente, de se estudarem, de se aproximarem uns dos outros, os povos que entre si possuem fortes comunidades de sentimento, afinidades de raça, semelhança de temperamento e de estrutura psíquica. Dentro desta vasta família latina – o Brasil e Portugal são, mais do que nenhuns outros países, fraternais e semelhantes. É uma banalidade afirmá-lo. É uma inutilidade repeti-lo. Acontece, porém, que não se conhecem. Ou conhecem-se tão pouco e tão mal – que esse conhecimento é por vezes pior, na sua inevitável injustiça, de que um desconhecimento completo. Portugal, sobretudo, ignora o Brasil.646
Para que os dois países se conhecessem melhor é que a Atlântida fora
idealizada. Consideravam este um empreendimento patriótico, além de literário, por
poder ensinar às duas democracias que o oceano separava, a se conhecer e
compreender melhor. Esses objetivos foram exaustivamente apresentados ao longo
das primeiras edições da revista. Estão presentes também nas notícias e matérias
que deveriam interessar aos leitores de ambos os países os objetivos que
justificavam a sua criação.
Entretanto, na parte referente às condições para assinatura da revista,
pode-se observar que nos primeiros números da revista há a discriminação de 645 JOÃO do Rio. O sonho da Atlântida. Atlântida, Lisboa, n. 1, v. 1, 15 de novembro de 1915, p. 15. 646 A Direção. Atlântida. Atlântida, Lisboa, n. 1, v. 1, 15 de novembro de 1915, p. 95. (Prospecto).
preços para Portugal, Ilhas e Colônias, Brasil e países da União Postal. Mais tarde,
mais precisamente a partir do número 4, afora as declarações e o teor francamente
favorável ao estreitamento dos laços luso-brasileiros, há uma omissão do nome do
Brasil, em contraste flagrante com a sua linha editorial e com os seus objetivos de
promover o intercâmbio, a amizade e o respeito mútuo entre os dois países. Na
parte reservada ao preçário da revista, não há menção ao Brasil como nação
independente, mas incluindo-o entre as colônias e ilhas. O Brasil não tornará a ser
mencionado até os últimos números da revista, em 1920.
Ao longo dos anos, a revista apresentou várias transformações, do teor das
suas matérias, ao seu aspecto gráfico, denominação e objetivos. Quanto às
informações posteriores ao subtítulo, que a princípio trazia a informação que a
revista estava sob o patrocínio das altas autoridades governamentais dos dois
países, é retirado mais tarde, a partir do número 26, em dezembro de 1917. Em
princípio a palavra Brasil é escrita com “z” e permanece até o número 25, de
novembro de 1917, quando passa a ser grafado com “s”. A partir do número 37, de
janeiro de 1919, a revista passou a contar com a presença de Graça Aranha, escritor
e diplomata brasileiro, como um dos diretores da revista.647 Coincidentemente, a
revista trouxe uma alteração no seu subtítulo, passando a constar como “Órgão do
Pensamento Latino no Brasil e Portugal”, o que é explicitado em nota editorial, pelo
escritor Jaime Cortesão. A presença dos intelectuais brasileiros, João do Rio e
Graça Aranha junto aos diretores portugueses garantiria, segundo Cortesão, a vitória
do espírito latino nos dois países atlânticos, e o triunfo definitivo da íntima união
entre Portugal e Brasil.648
Durante o seu percurso, a Atlântida promoveu campanhas e inquéritos e
sofreu alterações em sua orientação. A participação de Graça Aranha na co-direção
da revista não promoveu alterações somente no subtítulo da revista, mas também
no teor dos seus artigos e na nacionalidade dos seus colaboradores e anunciantes.
Houve o afastamento de Pedro Bordalo Pinheiro, mais tarde o do próprio João do
Rio e finalmente a de João de Barros.
Ao longo de sua existência, a revista conservou a característica principal
que era a defesa da bandeira do luso-brasileirismo. Mas com o passar do tempo,
ficaram nítidas as descaracterizações e a perda paulatina de alguns dos seus
647 Essas observações foram colhidas durante a pesquisa e análise do periódico em questão. 648 CORTESÃO, Jaime. Aos nossos leitores. Atlântida, Lisboa, n. 37, ano IV, v. X, 1919, p. 3-6.
fundadores. A continuidade da revista se deu em outras bases, seguindo, em parte,
a configuração que os novos dirigentes e colaboradores lhe imprimiam, em
conseqüência de suas próprias convicções ideológicas e entendimento acerca do
significado do conceito e da materialização do luso-brasileirismo. Ao mesmo tempo,
cresceu o número de colaboradores e as temáticas se diversificaram. Para
exemplificar, é notória a influência de autores franceses a partir da colaboração de
Graça Aranha na revista. A temática que era quase que exclusivamente luso-
brasileira passou a ser denominada como latina, mas tendo origem em palcos
portugueses e brasileiros, ou seja, a temática era latina, mas era produzida por
autores luso-brasileiros. Entretanto, a presença de autores franceses e da própria
língua francesa em alguns de seus artigos desmente, em parte, essa orientação
luso-brasileira e revelam um certo fascínio que a França ainda despertava entre os
intelectuais dos dois países, para quem aquele país, ainda representava um pólo
cultural sem precedentes.
No início da revista, há uma clara demonstração da necessidade de
congraçamento entre os intelectuais de Portugal e do Brasil. A presença de Olavo
Bilac em Portugal é apenas um motivo a mais para que esse congraçamento seja
elevado à máxima potência. Foram realizados banquetes, discursos, homenagens e
o poeta brasileiro representou o protótipo das boas relações que a partir daquele
momento pareciam dar mostras de serem duradouras.
Como entusiasta da educação, João de Barros não deixou de fora as
questões pedagógicas. Em diversas ocasiões foram publicadas as iniciativas mais
atuais do que se processava em termos de pedagogia. Assim, em muitos momentos
foram bastante importantes os artigos que procuraram refletir sobre a educação, já
que era a educação uma prioridade para os intelectuais republicanos dos dois
países. Em relação à educação, eram fartas as alusões, embora esta não
dominasse a temática da revista. Como o diretor João de Barros foi um educador e
um entusiasta da educação, tendo, sobretudo, atuado como Diretor da Educação de
Portugal e tendo como seu amigo dileto o também educador João de Deus Ramos,
era de se esperar que a educação não estivesse fora das cogitações da revista e
natural que ela trouxesse as novidades educacionais e bibliográficas de Portugal e
do Brasil e também de outros países, tanto em matéria de idéias quanto de
realizações. Dessa forma foram publicados discursos, inaugurações, construções
escolares, notícias e artigos de educadores como António Sérgio, Carneiro Leão,
João de Deus Ramos, Leonardo Coimbra, entre outros e também alguns discursos
de Bernardino Machado.649 O método João de Deus650 e a Associação das Escolas-
Móveis651 e dos Jardins-Escola João de Deus652 estiveram presentes em mais de
uma página da revista.
Há que se destacar que tanto o fundador da revista, João de Barros, quanto
alguns dos colaboradores da revista como Leonardo Coimbra, João de Deus Ramos
e António Sérgio, eram sócios efetivos da Sociedade de Estudos Pedagógicos653 e
ocasionalmente colaboraram com artigos para a Revista de Educação, órgão de
difusão daquela entidade de profissionais da educação. Esses intelectuais tinham
em comum o fato de atuarem em diversas frentes: o incentivo às relações luso-
brasileiras, a educação, a renovação da cultura portuguesa, a literatura, etc., sendo
possível constatar a presença de alguns deles em mais de uma iniciativa. Alguns
desses intelectuais e colaboradores da Atlântida acumulavam atuações em mais de
uma revista e associação. Assim para entender melhor quem eram esses
intelectuais e em que espaços atuaram e colaboraram, foi necessária a elaboração
de um quadro em que fosse possível a visualização dessas atuações.654
Quanto à presença dos discursos governamentais – nos anos iniciais da
Atlântida estão muito mais presentes – há diversas alusões aos presidentes dos dois
649 Bernardino Luís Machado Guimarães (1851-1944) foi o terceiro e o oitavo presidente eleito da República Portuguesa. 650 Escrita pelo poeta e pedagogo João de Deus e publicada em 1876, a Cartilha Maternal é uma obra de natureza pedagógica e tem como objetivo servir de base a um método de ensino da leitura às crianças. A Cartilha Maternal é uma das obras mais vezes reimpressas em Portugal, tendo sido extensivamente usada nas escolas portuguesas por quase meio século, ainda mantendo alguns seguidores. Para mais informações sobre o Método João de Deus, consultar: DEUS, João de. Cartilha maternal. Lisboa: Fernando Pereira, [D.L. 1986]; MIRA, Ana Maria. João de Deus e a actualidade do seu método ou arte de leitura. Lisboa: Escola Superior de Educação João de Deus, 1995; ALVES, Maria da Conceição Marques Matos. A expansão do método da Cartilha Maternal João de Deus em Portugal: no período de 1910-1925. Tese mestrado. Psicologia Educacional, Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho, 2003. 651 Sobre as Escolas Móveis, consultar: PEREIRA, Isolina Rosa Prior Ladeira Alves. História de um paradigma: o método de João de Deus e as Escolas Móveis. Tese de Doutorado. História das Idéias, Universidade Nova de Lisboa, 1998. 652 Para mais informações sobre os Jardins-Escola João de Deus, consultar: MONTENEGRO, Aura. João de Deus e os jardins-escola. Coimbra: Instituto de Estudos Psicológicos e Pedagógicos, 1963; Associação de Jardins-Escolas João de Deus. Disponível em: <http://www.joaodeus.com>. 653 A Sociedade de Estudos Pedagógicos, fundada a 15 de janeiro de 1910, foi uma instituição que dinamizou o processo de reflexão pedagógica. As suas finalidades eram claramente orientadas pela concepção da pedagogia como ciência experimental; e, através das suas sessões de trabalho, pode-se dizer que não deixou fora do seu campo de ação nenhuma das questões vitais da educação portuguesa. A “Revista de Educação Geral e Técnica”, de que a Sociedade era editora, arquiva um repositório de leitura indispensável para quem pretenda rastrear os temas e preocupações dominantes entre os pedagogistas portugueses mais avançados no tempo. Perseguida pela Ditadura, a Sociedade (...) acabou por dissolver-se, para evitar a dissolução compulsiva, desse modo salvando a sua valiosa biblioteca que pode legar à “Voz do Operário”. FERNANDES, Rogério. O pensamento pedagógico em Portugal. Amadora: Biblioteca Breve, ICALP, 1979. p. 121. 654 Ver quadro nos Anexos do capítulo.
países, embora sejam mais freqüentes os de Portugal, como os de Bernardino
Machado, que menciona a questão educacional no país. A revista traz ainda estudos
e relatórios de experiências educacionais de outros países, trata da iniciativa e da
criação das Escolas João de Deus, das construções escolares de Raul Lino655 e
também da educação brasileira. O educador e diretor da instrução do Distrito
Federal, Antônio Carneiro Leão colaborou com um ensaio sobre a educação e
também de Afrânio Peixoto, que já àquela época apresentava interesse em refletir
sobre temas educacionais.656
O manuseio dos periódicos propiciou o acompanhamento da atuação de
alguns desses intelectuais, muitos dos quais se tornaram, a partir de 1934,
correspondentes de Cecília Meireles e alguns dos seus mais diletos amigos. Alguns
deles, em princípios do século XX, já se encontravam enfronhados com a questão
do intercâmbio entre os dois países. Também no Brasil, embora de forma menos
enfática e sem alardear estar sob os auspícios das altas autoridades
governamentais dos dois países, um grupo de intelectuais também se reunia em
torno de iniciativas culturais que tinham os mesmos propósitos. Árvore Nova, Terra
de Sol e Festa, sobretudo, as duas últimas dessas iniciativas brasileiras, tinham
objetivos idênticos aos dos colegas da Atlântida e promoviam, a seu modo, o
conceito do luso-brasileirismo e veiculavam como podiam os seus exemplares entre
o público leitor dos dois países. Essas publicações tinham como editor o português
Álvaro Pinto, fundador da revista A Águia, um simpatizante das questões luso-
brasileiras e que por meio da revista Festa, em suas duas fases, procurou difundir o
trabalho de intelectuais dos dois países. Deve-se destacar a presença de Cecília
Meireles e Fernando Correia Dias entre os colaboradores dessas revistas brasileiras.
Segundo Gouveia (1993) é possível reconhecer na revista Terra de Sol uma
mobilização para o estabelecimento de uma nova mentalidade nacional por meio de
uma sensibilização a perspectivas luso-brasileiras e no reconhecimento de
verdadeiros valores da intelectualidade portuguesa. Dessa forma, eram publicados
ensaios, recensões e notas sobre Camões (inclusive dedicando um número
655 Raul Lino da Silva (1879- 1974): arquiteto português, projetou mais de 700 obras, tais como a Casa dos Patudos, a Casa do Cipreste, em Sintra (1912), o cinema Tivoli (1925), o Pavilhão do Brasil na Exposição do Mundo Português (1940). Foi autor de textos teóricos sobre arquitetura doméstica popular, como A casa portuguesa (1929), Casas portuguesas (1933) e L'évolution de l'architecture domestique au Portugal (1937). 656 Na época, Afrânio Peixoto ainda não participava da ABE, uma vez que esta entidade só veio a ser criada em 1924.
comemorativo), Jaime Cortesão, Teixeira de Pascoaes e Antero de Quental.657 É
flagrante a intenção de estreitar o intercâmbio cultural entre Portugal e Brasil, uma
vez que há na revista uma seção dedicada à notícia de revistas e jornais, nela se
ocupando também dos periódicos ‘A Águia’ e ‘Seara Nova’ e ainda as seções que
recebem títulos de “Páginas Portuguesas” e “Portugal-Brasil”.658 Quanto à Festa, a
autora salienta a mesma afinidade com a cultura portuguesa:
‘Festa’ é pois particularmente tributária do pensamento português, na medida em que se filia (...) ao pensamento de Leonardo Coimbra, nas interpretações políticas de António Sardinha, na crítica literária de Fidelino de Figueiredo e, pensamos que se deve acrescentar, na estética e filosofia de Teixeira de Pascoaes, de resto, autor divulgado no Brasil como o foi Jaime Cortesão nas páginas de ‘Terra de Sol’. Cortesão tem nesta revista lugar privilegiado a seguir a Camões e chega a ser indicado por Tasso da Silveira e Álvaro Pinto para sócio correspondente da Academia Brasileira de Letras.659
Outro fator que exerceu uma poderosa ascendência sobre a publicação
brasileira Festa, é segundo Gouveia (1993) a “Renascença Portuguesa”,660 que da
mesma forma sub-valorizava o elemento étnico em favor do espiritual e do cultural
(...) e apelava para a natureza originária, para a pureza essencial da Raça,
entendida como conjunto de peculiaridades de um povo.661 Politicamente é possível
reconhecer uma interpenetração entre a Renascença Portuguesa, ‘Festa’ e os
integralismos português e brasileiro, para lá do caráter específico de cada um,
sobretudo no compromisso com o neotomismo e no caráter menos dogmático
católico do integralismo brasileiro.662
As revistas Portugal Feminino e Atlântida foram importantes espaços para o
entendimento da atuação de alguns dos interlocutores de Cecília Meireles: suas
aspirações, suas atividades intelectuais e seu envolvimento com o estabelecimento
de estratégias que buscavam a efetivação do intercâmbio e a promoção de uma 657 Antero Tarquínio de Quental (1842-1891): poeta português originário dos Açores, desde jovem destacou-se pelas suas opiniões revolucionárias. 658 GOUVEIA, Maria Margarida de Maia. Cecília Meireles: uma poética do "Eterno Instante". Tese de Doutoramento. Estudos Luso-Brasileiros, Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 1993. p. 40. 659 Idem, ibidem. 660 Movimento cultural português surgido em 1912 tinha subjacente um ideal nacionalista ligado, no plano literário e filosófico. Tinha como órgão a revista A Águia: Órgão da Renascença Portuguesa, publicado no Porto de 1910 a 1932, e o quinzenário Vida Portuguesa. 661 GOUVEIA, Maria Margarida de Maia. Cecília Meireles: uma poética do "Eterno Instante". Tese de Doutoramento. Estudos Luso-Brasileiros, Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 1993. p. 47-48. 662 GOUVEIA, Maria Margarida de Maia. Cecília Meireles: uma poética do "Eterno Instante". Tese de Doutoramento. Estudos Luso-Brasileiros, Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 1993. p. 68.
comunidade luso-brasileira. A análise desses e de outros periódicos portugueses – A
Águia, Rajada, Lusitânia, Portvgale, Seara Nova, A Escola Nova e Revista de
Educação Geral e Técnica – em que foram propostas e debatidas suas idéias, suas
convicções políticas, artísticas e ideológicas, tornou possível a compreensão de qual
era ou deveria ser o papel da cultura, da educação e dos educadores para a
consecução desses objetivos.
Saber quem foram esses intelectuais, em quais espaços sociais atuavam e
estavam inseridos, quais eram as suas preocupações mais imediatas, onde e como
contribuíram com suas idéias, do que tratavam e de onde falavam e quais eram suas
preocupações foi importante na medida em que isso contribuiu para entender o luso-
brasileirismo como pano de fundo para muitas das ações empreendidas por eles,
entre as quais figurou a viagem de Cecília a Portugal.
Capítulo 3
Em Portugal: chegadas e partidas
Ah, a frescura das manhãs em que se chega, E a palidez das manhãs em que se parte,
Quando as nossas entranhas se arrepanham E uma vaga sensação parecida com um medo
O medo ancestral de se afastar e partir, o misterioso receio ancestral à Chegada e ao Novo -
Encolhe-nos a pele e agonia-nos, E todo o nosso corpo angustiado sente,
Como se fosse a nossa alma, Uma inexplicável vontade de poder sentir isto doutra maneira:
Uma saudade a qualquer coisa, Uma perturbação de afeições a que vaga pátria?
A que costa? a que navio? a que cais?
(Álvaro de Campos – “Ode Marítima”)
Ilustração 34. Cecília Meireles desembarca no Cais de Alcântara em Lisboa, em 12 de outubro de 1934. Bico de pena de Correia Dias publicado no jornal A Nação, em 30 de dezembro de 1934.
3.1. O desembarque no cais de Alcântara
Depois de 22 dias de mar, Cecília Meireles e Correia Dias desembarcaram
em Lisboa em 12 de outubro de 1934.663 Foram calorosamente recebidos pelo Sr.
Guilherme de Carvalho, em nome do Secretariado da Propaganda Nacional e por
representantes da intelectualidade lusitana: o crítico José Osório de Oliveira, o
ilustrador Pedro Bordalo Pinheiro, Simão Coelho Filho, o crítico de arte Guilherme
Pereira de Carvalho, Manuel Mendes664 e Carlos Queiroz. Em seguida, visitaram o
Dr. Guerra Duval, embaixador do Brasil em Portugal, foram ao café Nicolau,
passearam de carro pela cidade, foram até a embaixada brasileira e, finalmente, se
dirigiram ao Palácio Estoril, onde ficaram hospedados. Antes, porém, de seguirem
para o hotel, solicitaram à Agência Havas que transmitisse as saudações de ambos
aos amigos artistas e jornalistas do Brasil.665 Como fizeram em todas as cidades em
que o “Cuyabá” fizera escala, Cecília e Correia Dias também foram até a redação do
Diário de Lisboa acompanhados por Guilherme Pereira de Carvalho, fato noticiado
no mesmo jornal na quarta-feira, dia 17 de outubro de 1934, para visitar e conhecer
os colegas de profissão.666 Fernanda de Castro, que estava em Paris com o marido,
desculpou-se pela ausência: Querida Cecília, sei que já está em Lisboa e não
imagina como estou contente por ir enfim conhece-la! Todos me dizem de si
maravilhas!667 A poeta portuguesa retornou a Lisboa assim que soube da chegada
da amiga Cecília, que a recebeu na estação do Rossio com um bouquet de cravos
663 Curioso notar a recorrência do número 12 na vida da mística Cecília Meireles. A sua estréia na “Página de Educação”, do Diário de Notícias, deu-se em 12 de junho de 1930 e sua saída do mesmo jornal em 12 de janeiro de 1933. A chegada a Lisboa em 12 de outubro de 1934 e a chegada ao Brasil em 12 de janeiro de 1935. 664 Manuel Mendes (1906-1969): escritor, escultor e político português. Publicou obras de ficção, estudos sobre artistas plásticos e sobre diversos escritores. 665 “Chegaram esta manhã a Lisboa a poetisa brasileira Cecília Meireles e o artista português Correia Dias”. Diário de Lisboa, 12 de outubro de 1934. p. 7. 666 Diário de Lisboa, Lisboa, quarta-feira, 17 de outubro de 1934, n. 4282, p.1. Guilherme Pereira de Carvalho nasceu no Brasil, onde herdou uma fortuna de milionário, foi educado na Alemanha, num dos melhores colégios do Império e morou em Paris. Quando se viu sem a fortuna e teve de trabalhar para manter a família, encontrou no Secretariado da Propaganda Nacional, junto de António Ferro, de quem era amigo, o lugar mais adequado à sua educação, à sua simpatia, ao seu desembaraço, às suas relações, ao variado número de línguas que falava. Era o companheiro dos visitantes ilustres, apesar de mal-remunerado (naquele tempo a própria função de diretor do Secretariado tinha remuneração equivalente à de chefe de repartição), mas estava de acordo com o seu feitio boêmio. Mais tarde, fundado o “Diário Popular”, acumulou com esse cargo ao de chefia de uma seção daquele jornal. Fundação Oliveira Salazar. Disponível em: <http://www.geocities.com/capitolhill/lobby/6559/perfil16.html> 667 Excerto de correspondência encontrado em: DAMASCENO, Darci. Notas acerca da poesia, da crítica e da correspondência de Cecília Meireles. 26,2,71. Arquivo Darci Damasceno, Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, Brasil.
vermelhos.668 O encontro foi aparentemente cordial, mas não efusivo, confirma
Fernanda em suas memórias.
A chegada da jornalista, poeta e educadora brasileira bem como as
conferências educacionais e literárias que proferiu naquele país são estudados
nesse terceiro capítulo. Compreender como se efetivou a sua aproximação com a
cultura portuguesa, o que foi produzido a partir desse
estranhamento/reconhecimento; como essa experiência foi agregada à sua
produção intelectual e mais particularmente à sua escrita educacional; qual o
interesse dos educadores portugueses em solicitar relatos do que vinha sendo
construído no Distrito Federal e de que forma Cecília Meireles contribuiu para a
efetivação desses objetivos; como as conferências concorreram para difundir uma
idéia do que vinha sendo construído em termos de educação no Brasil; e ainda o
que trouxe com ela e que contribuições ofereceu à educação e à cultura brasileira e
portuguesa foram algumas das questões estudadas nesse capítulo. Para tanto,
foram utilizadas como fontes documentais a correspondência de Cecília Meireles
com intelectuais portugueses e brasileiros (mais particularmente com o educador
Fernando de Azevedo); a correspondência trocada entre intelectuais portugueses,
particularmente com José Osório de Oliveira e Adolfo Casais Monteiro e João de
Barros; e artigos jornalísticos produzidos entre os anos de 1934 e 1935. Os espólios
da Família Castro Osório, Jaime Cortesão, Adolfo Casais Monteiro, Almada
Negreiros, Vitorino Nemésio, José Osório de Oliveira, Teixeira de Pascoais, Raul
Proença, João de Barros e Aquilino Ribeiro669 foram investigados em busca de
correspondências enviadas por Cecília Meireles e ainda de indícios que revelassem
como esses intelectuais perceberam a presença da poeta e educadora naqueles
poucos meses de 1934. Dentre essa documentação foram selecionadas todas
aquelas que possuíam interesse para a pesquisa.670
668 CASTRO, Fernanda de. Cartas para além do tempo. Odivelas, Europress, 1990. p. 44. 669 Aquilino Gomes Ribeiro (1885-1963): escritor português, considerado como um dos romancistas mais fecundos da primeira metade do século XX. 670 Essa correspondência trocada entre os intelectuais portugueses encontra-se sob a guarda do Arquivo da Cultura Contemporânea da Biblioteca Nacional de Portugal. No sítio da Biblioteca Nacional os Espólios Literários são definidos como arquivos documentais individualizados, organizados em função da personalidade que produziu e/ou colecionou a documentação. Os espólios estão reunidos no Arquivo da Cultura Portuguesa Contemporânea, nomeação que substituiu a inicial, Área de Espólios. Foi criado em 1981 e reúne, atualmente, 115 acervos de personalidades dos séculos XIX e XX, com especial relevância no contexto histórico-cultural português e está integrado na Divisão de Serviços de Reservados. Disponível em: <http://www.bn. pt/coleccoes/descricao-coleccoes.html>
Na Biblioteca Nacional de Portugal, foram encontradas cartas e cartões de
Cecília enviados a diferentes intelectuais portugueses. Para Adolfo Casais Monteiro,
foram enviadas 4 cartas entre 1938-1956; para Jaime Cortesão, 4 cartas e 1 cartão,
1 postal entre 1943-1949; a João de Barros foram enviadas 4 cartas e 2 cartões
entre 1936-1951; a José Osório de Oliveira, 4 cartas e 4 postais entre 1934-1940; a
Vitorino Nemésio, 5 cartas enviadas entre 1939-1946. Na Fundação Arpad Szenes –
Vieira da Silva,671 foram encontradas 5 cartas enviadas de 1954-1960; na Biblioteca
Municipal do Porto, foram encontradas 19 cartas enviadas a Alberto de Serpa672
entre 1938-1957; e, finalmente, existem sob a guarda do Prof. Arnaldo Saraiva 48
cartas enviadas a José Osório de Oliveira entre 1934-1956, e compradas de Raquel
Bastos em 1967 (destas, 7 foram enviadas para Raquel Bastos, 1 para o casal e
outra para os amigos), como pode ser visualizado nos anexos desse trabalho.
Dessas correspondências, poucas estavam inseridas no recorte histórico
estabelecido para a pesquisa. As cartas de alguns interlocutores de Cecília, como
afirmado anteriormente, não puderam ser manuseadas por estarem sob a guarda de
familiares e indisponíveis para consulta, como é o caso das missivas de Fernanda
de Castro, Afonso Duarte e provavelmente Carlos Queiroz e Diogo de Macedo.
Essa carência foi suprida com a pesquisa nos espólios de outros
intelectuais, principalmente o de José Osório de Oliveira, que foi na verdade um
grande divulgador de Cecília e sua obra, tanto na imprensa quanto por via epistolar,
escrevendo a diversos intelectuais para divulgar e viabilizar publicações em jornais e
revistas, por exemplo. Após a identificação dos seus principais correspondentes foi
possível verificar as conversas entabuladas por meio das cartas e a partir dessa
análise é que destacamos algumas correspondências que revelaram certos
aspectos da visita de Cecília a Portugal. Assim, destacamos a correspondência de
Osório de Oliveira com intelectuais como João de Barros e Adolfo Casais Monteiro,
pois estas nos ofereceram pistas a respeito da chegada, da permanência e das
atividades que foram programadas para e por Cecília em Portugal.
671 Instituição que guarda o acervo dos pintores Arpad Szenes e Maria Helena Vieira da Silva. Arpad (1897-1985) foi pintor, ilustrador, desenhista e professor húngaro, casado com a pintora portuguesa Vieira da Silva (1908-1992). Residiram no Brasil durante Segunda Guerra Mundial e no período pós-guerra, onde entraram em contato com importantes artistas locais, entre os quais Cecília Meireles. 672 Alberto de Serpa Esteves de Oliveira (1906- 1992): poeta e escritor português, publicou novelas, ensaios e poesia. Colaborou na revista Presença e fundou, com Vitorino Nemésio, a Revista de Portugal exercendo em ambas o cargo de secretário. Também colaborou em várias revistas e jornais brasileiros.
No Espólio Casais Monteiro também se encontram referências ao período
nas cartas que Osório de Oliveira lhe enviou. Já em 25 de janeiro de 1934, Osório
de Oliveira escrevia ao poeta para que fossem feitas correções em uma nota que
publicaria na revista Presença anunciando a próxima visita de Cecília, que ocorreria
no final daquele ano: Numa nota tão curta, isso tem muita importância. Desculpe
importuná-lo com estas coisas, mas seria capaz de passar noites sem dormir por
uma coisa assim.673 Outro interlocutor que se refere à Cecília Meireles em suas
cartas a Casais Monteiro é Carlos Queiroz. As referências estão presentes em duas
cartas. Na primeira o poeta comenta as cartas que recebeu de Cecília sobre a morte
de Correia Dias674 e na segunda comenta com o amigo Casais Monteiro que Cecília
reclama do não recebimento da Presença e solicita uma assinatura daquela revista
portuguesa. Outras referências a Cecília foram encontradas em uma das 28 cartas
enviadas por Osório de Oliveira a João de Barros e arquivadas no seu Espólio.
À correspondência foram entrecruzados artigos de periódicos colecionados
pela poeta em seu álbum intitulado “Diário de Bordo” que contém recortes de jornais
portugueses como Diário de Lisboa, Diário de Notícias, Diário da Manhã, Jornal do
Comércio e das Colônias, Diário de Coimbra e de revistas como Sempre Fixe; de
jornais brasileiros como A Tarde, A Nação, Diário Português, Gazeta de Notícias,
Jornal do Commércio, A Vanguarda, Diário de Notícias, O Globo, O Estado da Bahia
e O Radical. Outros artigos de periódicos foram encontrados em acervos de
bibliotecas e arquivos do Brasil e de Portugal: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
(Diário de Notícias e Festa), na seção de Periódicos da Biblioteca Nacional de
Portugal (Diário de Lisboa, Diário de Notícias, Diário da Manhã, Diário de Coimbra e
Portugal Feminino). Também foram encontrados importantes documentos na
Biblioteca Municipal da Casa de Cultura de Coimbra (Espólio Afonso Duarte), na
Biblioteca do Museu João de Deus Bibliográfico, Pedagógico e Artístico, na Torre do
Tombo e na Hemeroteca Municipal de Lisboa. Foram selecionados e utilizados
textos de autores do pensamento pedagógico brasileiro e português, bem como
outros documentos bibliográficos (livros, periódicos, dissertações e teses produzidos
no Brasil e em Portugal) que se apresentaram importantes para a discussão do tema
em questão.
673 OLIVEIRA, José Osório de. Carta de José Osório de Oliveira a Adolfo Casais Monteiro. Lisboa, 25 de janeiro de 1934. Biblioteca Nacional de Portugal. Seção de Reservados, Espólio Casais Monteiro, ESP E15/2561. 674 QUEIROZ, Carlos. Carta de Carlos Queiroz a Adolfo Casais Monteiro. Lisboa, 16 de junho de 1936. Biblioteca Nacional de Portugal. Seção de Reservados, Espólio Casais Monteiro, ESP E15/2870.
O desembarque de Cecília em Portugal ocorreu em pleno florescimento do
Estado Novo português, do qual António Ferro era um dos mais expressivos
colaboradores e dirigia um dos órgãos máximos do regime, o Secretariado da
Propaganda Nacional, como referido anteriormente. Um dos principais objetivos
daquele órgão e de António Ferro era o de apresentar ao mundo um retrato de
Portugal por meio da política folclorista colocada a serviço da criação daquilo a que
chamava uma nova fachada para Portugal.675 Suas ações estavam pautadas na
marca modernista do seu trajeto pessoal visando transformar a própria fisionomia do
país. O seu principal objetivo era, portanto, fazer emergir uma nação ‘civilizada e
moderna’, mas detentora de uma série de signos distintivos que relevariam de uma
identidade única.676 Além disso, como afirmado pela própria Fernanda de Castro
(1990),677 dentre os propósitos de António Ferro estava o de fazer o convite aos
intelectuais de maior destaque em seus países de origem com a finalidade de levar
e elevar o nome de Portugal no mundo. A visita coincidia com os objetivos do
Secretariado da Propaganda Nacional e do seu diretor. O convite explicitava que a
poeta deveria discorrer sobre o panorama das artes e da educação no Brasil.
Entretanto, tudo sugere que no entendimento e no desejo dos idealizadores do
convite e da viagem, a poeta fosse mais um dos inúmeros convidados que poderiam
se tornar porta-vozes de Portugal quando regressassem aos seus países de origem.
Lendo nas entrelinhas, um dos artigos publicados no Diário de Lisboa ilustra
bastante bem esse propósito de auto-afirmação da cultura e da língua portuguesas:
A poetisa autêntica que é Cecília Meireles anda por aí enchendo os seus olhos de Portugal. Sem ruído, vai cumprindo a missão que a trouxe do Brasil: conhecer a nossa terra, a nossa gente, e torná-las mais conhecidas além-mar. Quis a ilustre poetisa dar ao ‘Diário de Lisboa’ uma pequena coletânea dos seus versos inéditos, satisfazendo a curiosidade daqueles que ainda não tiveram o prazer de a ouvir. Os leitores verão como é puro o canto dessa espiritualíssima poetisa, uma das maiores que têm cantado na nossa língua.678
675 ALVES, Vera Marques. A poesia dos simples: arte popular e nação no Estado Novo. Etnográfica, maio 2007, v. 11, no.1, p.63-89. 676 Idem, ibidem. 677 CASTRO, Fernanda de. Cartas para além do tempo. Odivelas, Europress, 1990. p. 44. 678 Poetas brasileiros. Algumas poesias inéditas de Cecília Meireles. Lisboa, Diário de Lisboa, 9 de novembro de 1934. p. 8. A matéria é ilustrada por um desenho de Cecília desenhado por Manuel Mendes. Apresenta quatro poemas: “Música de Grilo”, “Cantiguinha”, “Cantar” e “Rimance”.
Lembrada como uma portuguesa de adoção, uma irmã que volta depois de
longa ausência e que deveria ser recebida como uma pessoa de família, a presença
de Cecília Meireles em Portugal era evidenciada pelo amigo e crítico de arte José
Osório de Oliveira na crônica do dia 9 de outubro de 1934 do Diário de Lisboa, dias
antes do desembarque do “Cuyabá”:
O Brasil é como Portugal, terra de poetas e de poetisas. Cecília Meireles não é a única brasileira que faz versos, nem, sequer, a única que faz poesias. Mas, vindo a Portugal antes de qualquer outra, ela é, para nós, a poetisa do Brasil. Ela é quase, de resto, portuguesa de adoção, porque escolheu um artista português para companheiro da sua vida. Por certo, sentirá, ao ver pela primeira vez a terra de Portugal, a sensação de estar revendo e redescobrindo o que já conhecia. Guilherme de Almeida falou admiravelmente dessa sensação de regresso, que tem todo o brasileiro consciente do passado da nação, ao chegar, pela primeira vez, à pátria ancestral. Cecília Meireles, com tanta ou mais razão, sentir-se-á aqui em sua casa, como uma irmã que volta depois de longa ausência. Mas nem por isso deixa de trazer consigo a alma própria do Brasil. Talvez exatamente por isso. A poesia brasileira está cada vez mais adquirindo um sabor característico, que vem dos elementos raciais que estão dando forma ao Brasil. Sente-se nos versos dos novos poetas a agitação ainda confusa que há nas veias dos brasileiros, ‘tão lindamente misturados’, como diz Mário de Andrade. Sente-se, mais do que isso, o próprio cheiro das matas virgens duma terra em que amanhece ainda. E do mistério das matas, do terror cósmico dos índios, do sensualismo negro, da saudade portuguesa e da nostalgia de todos os imigrantes, estão fazendo os poetas modernos a verdadeira poesia do Brasil. É às vezes, por isso, uma poesia folclórica, saborosa mas talvez, pouco universal. Os versos de Cecília Meireles são, pelo contrário, talvez pouco brasileiros. Não tendo nunca saído do seu país e vivendo no Rio, que, apesar de grande capital moderna e cosmopolita, contém tudo que há no Brasil de mais tipicamente brasileiro, esta poetisa escreve como se vivesse na Europa. Na Europa, não. O país em que vive o seu espírito não existe em parte alguma. É um país de sonho, vago, impreciso, indefinido, como os dos contos de fada. Tudo nos poemas do seu livro “Nunca mais...” pertence a outro mundo, que só ela sabe onde fica. Nem ela, talvez. Tudo nos seus versos que passa como “se não passasse”. (...) Mas não nos iludamos. Se a poetisa escreve assim, a mulher é bem brasileira, bem da América dinâmica, cheia de curiosidade por tudo que é novo, e de ânsia por tudo que é vivo e humano. Talento multiforme, a Cecília Meireles não bastou a música dos versos. Essa é a linguagem da sua melancolia. Mas o seu amor pela vida, a sua alegria de viver, precisava, também, de se exprimir, e encontrou a sua linguagem na cor das tintas com que pinta os trajes de “bahianas” e os gestos do samba. Porque Cecília Meireles, de repente, sem preparação, fez-se também desenhadora e aquarelista, com um sentido notável do movimento e do colorido. A sua exposição de estudos sobre a dança popular do Rio de Janeiro foi a revelação do outro lado da sua alma.
O que a poetisa desprezou aproveitaram-no os olhos da pintora. Educadora, ela pôs nessa missão, mais do que um espírito pedagógico, a sua alma de artista. Numa tese cujo título “Espírito Victorioso”, é um desafio às forças da matéria, assim define o papel do professor: “Formam-se as almas com esforço igual àquele com que se constroem os grandes poemas. O mestre que sentir em toda a sua extensão esse frêmito de heroísmo, de humanidade e divindade unidas, que faz brotar cada poema como a imagem de um voluntário do holocausto, poderá saber o sentido de Infinito que a vida lhe reserva na sua missão. E, aceitando-a, sentir-se-á mais alto, mais puro, mais perfeito. Estará transfigurado”. Assim pensa, assim escreve e sonha a poetisa do Brasil que vem visitar Portugal. Que os portugueses a recebam como uma pessoa de família, que vem ver o velho solar para, depois, dizer ao povo jovem a que pertence que os espíritos são diversos, mas são os mesmos os corações.679
José Osório apresentava em tom laudatório as três facetas da artista
brasileira – poeta, artista plástica e educadora – que deveriam encantar os
portugueses. Osório fora responsável pelos preparativos e trâmites da viagem,
preparara a chegada e agora anunciava aquela que considerava como um dos
expoentes da cultura brasileira e que possuía uma forte identificação com a lírica
lusitana.
Durante o desembarque no cais de Alcântara, enquanto Correia Dias
procedia às diligências necessárias para a retirada da bagagem, Cecília apresentava
aos jornalistas os objetivos da sua vinda à Portugal:
Em primeiro lugar, trouxe-nos o desejo de ver esta terra do meu marido, a que eu muito quero, não só por essa circunstância, mas porque, descendendo de portugueses, já era meio portuguesa antes de casar. Depois, o desempenho dum trabalhoso, mas agradável encargo jornalístico: realizar uma série de artigos, de crônicas, de entrevistas, acerca de Portugal, para três grandes jornais: A Nação e A Noite, do Rio de Janeiro, e A Gazeta de São Paulo. Para cada um desses jornais, enviarei uma colaboração mais de acordo com a sua índole. Durante a viagem, vim fazendo um diário que não sei se poderei continuar em terra. Escreverei diversos artigos acerca da arte e da literatura portuguesas de agora, e para a Gazeta de São Paulo procurarei realizar entrevistas com personalidades mais categorizadas de Portugal.680
679 OLIVEIRA, José Osório de. Viajantes ilustres, a poetisa do Brasil. Cecília Meireles chega amanhã a Lisboa. Diário de Lisboa, 9 de outubro de 1934, p. 4. 680 “Chegaram esta manhã a Lisboa a poetisa brasileira Cecília Meireles e o artista português Correia Dias”. Diário de Lisboa, 12 de outubro de 1934. p. 7.
Perguntada sobre a sua atuação como professora e colaboradora na
importante reforma da educação brasileira, Cecília respondeu que de fato há muito
ela se preocupava, apaixonadamente, com o problema da educação, tendo sido
uma das pessoas que assinaram o célebre manifesto que precedeu a reforma dos
serviços educativos do Brasil.681
Ilustração 35. Cecília Meireles e Correia Dias fotografados durante o desembarque em Lisboa. Diário de Lisboa, 12 de outubro de 1934.
Os jornais portugueses fizeram ampla cobertura do desembarque dos
jornalistas brasileiros. Embaixatriz admirável do seu país encantado, a poetisa
Cecília Meireles era comparada a uma ave canora, tal a sua beleza física e
espiritual.682 Acrescentavam que os adjetivos laudatórios banalizaram a tal ponto
que era demais acrescentar qualquer outro comentário, uma vez que Osório de
Oliveira já revelara aos leitores do Diário de Lisboa alguns dos aspectos mais
interessantes do talento poético e do valor intelectual da autora do Nunca Mais... e
de O Espírito Vitorioso.683
681 “Chegaram esta manhã a Lisboa a poetisa brasileira Cecília Meireles e o artista português Correia Dias”. Diário de Lisboa, 12 de outubro de 1934. p. 7. 682 OLIVEIRA, José Osório de. Viajantes ilustres, a poetisa do Brasil. Cecília Meireles chega amanhã a Lisboa. Diário de Lisboa, 9 de outubro de 1934, p. 4. 683 Outra matéria consultada: “A afetuosa recepção feita em Lisboa a D. Cecília Meireles e seu marido, o pintor Correia Dias”. Lisboa, 13 de dezembro de 1934. (sem informação da fonte).
A curiosidade da imprensa ao receber a educadora brasileira talvez se
justificasse, uma vez que alguns educadores portugueses viajaram para outros
países em busca de inovações educacionais. Dentre estes, Fernandes (2007)
ressalta a importância de pedagogistas como Faria de Vasconcelos, António e Luísa
Sérgio684 que estiveram em Genebra, na Suíça, aperfeiçoando-se no Instituto Jean-
Jacques Rousseau na década de 1900.685 Essa iniciativa tinha como objetivo,
segundo o autor, importar soluções para as dificuldades internas do sistema escolar
português.686 O autor destaca a participação das professoras Irene Lisboa,687 Ilda
Moreira e Áurea Judite Amaral em viagens e estágios pedagógicos de curta e média
duração, sob os auspícios da Junta de Educação Nacional, durante o Estado Novo
(1926-1974).688 As viagens de educadores portugueses em busca das inovações
disseminadas por instituições européias, ainda no período da monarquia, foram
investigadas por Pintassilgo (2007) que se concentrou na análise dos relatórios de
educadores, entre os quais Albano Ramalho, João de Barros, Augusto Ladeira, Luís
Cardim, José Rodrigues e António Barbosa, que percorreram diversas instituições
educativas européias.689 De acordo com o autor, as viagens desses educadores e o
contato com as inovações pedagógicas desenvolvidas no exterior, contribuiriam,
quando retornassem, para a modernização do sistema de ensino português.690
À imprensa portuguesa, Cecília revelou que tencionava realizar
conferências para falar do que vinha sendo realizado em matéria de educação, arte
684 Educadora portuguesa, casada com António Sérgio. Divulgou o Método Montessori em Portugal. 685 Muitos desses intelectuais enviados para bolsas e estágios de aperfeiçoamento pedagógico eram como afirma Fernandes (2007), adversários do Regime, entre os quais Irene Lisboa. Outros adeptos da Escola Nova, como Áurea Judite Amaral simularam a possibilidade de concertação entre o ideário que professavam e a ideologia salazarista, a pretexto de que alguns dos princípios da escola nova se ajustavam à construção da escola ativa nacionalista. Consultar: FERNANDES, Rogério. Irene Lisboa e Áurea Judite Amaral: dois olhares sobre a escola a partir da “Escola Nova”. In: MIGNOT, A. C., GONDRA, J. G. (orgs.) Viagens Pedagógicas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 217-245. 686 Idem, p. 217. 687 Irene do Céu Vieira Lisboa (1892-1958): escritora, professora e pedagoga portuguesa. Estudou em Genebra (Suíça), conheceu Piaget e Claparède com quem estudou no Instituto Jean-Jacques Rousseau. Destacamos a presença de três cartas da educadora brasileira na Biblioteca Nacional de Portugal datadas de 5 de março de 1948, 26 de julho de 1948 e 23 de novembro de 1950. 688 A Junta de Educação Nacional, segundo Pintassilgo (2007, p. 198) foi criada nos primeiros tempos da Ditadura, na reforma de 1930 e financiou as viagens de um conjunto importante de bolseiros portugueses ao estrangeiro na primeira metade da década de 1930. Consultar: PINTASSILGO, Joaquim. Imagens e leituras da educação nova em Portugal. Os relatórios de bolseiros portugueses em visita a instituições educativas européias (1907-1909). In: MIGNOT, A. C., GONDRA, J. G. (orgs.) Viagens Pedagógicas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 195-216. 689 Consultar: PINTASSILGO, Joaquim. Imagens e leituras da educação nova em Portugal. Os relatórios de bolseiros portugueses em visita a instituições educativas européias (1907-1909). In: MIGNOT, A. C., GONDRA, J. G. (orgs.) Viagens Pedagógicas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 195-216. 690 Idem, ibidem.
e literatura brasileiras e manifestou um grande interesse em conhecer, nos seus
pormenores, os processos de educação portugueses, especialmente os de
orientação profissional, para o que contava visitar os diversos estabelecimentos de
ensino. Também se referiu a uma das suas mais recentes obras, o Centro de
Cultura Infantil, do Rio de Janeiro, que funcionava sob a proteção do Departamento
de Educação:
Começamos por fazer uma biblioteca para os pequenos, em novos moldes. As crianças iam lá à hora a que queriam, quando queriam. Consultavam as obras que desejavam. A umas isso servia de recreio, a outras para completarem os seus estudos. Mas em breve, aquela instituição ultrapassou os limites duma biblioteca, e, por isso lhe mudamos o título. Hoje, trata-se, realmente, dum centro de cultura infantil, onde a criança tem tudo, desde o livro e a obra de arte, ao cinema, a conferência, ao concerto musical, tudo também facultativo, e as horas que ela preferir. E tudo isto feito com a preocupação de educar a criança, dando-lhe apenas aquilo que ela possa aprender sem grande esforço, mas banindo o péssimo preconceito de que para os pequenos só são próprias coisas tão ingênuas que às vezes chegam a ser estúpidas.691
Sobre Correia Dias, Cecília revelou durante a entrevista que este não ficara
inativo durante a viagem, tendo pintado vários quadros a bordo, que representara a
rota marítima do Brasil para Portugal, os penedos de São Pedro e São Paulo e as
ilhas cabo-verdianas de Maio e da Boavista. Entre outras atividades
desempenhadas durante a travessia, revelou que o marido havia organizado uma
exposição em homenagem aos aviadores Sacadura Cabral e Gago Coutinho, que
realizaram o primeiro vôo sobre o Atlântico Sul, em 1922.692
A revista Portugal Feminino também noticiou o desembarque de Cecília em
terras portuguesas em matéria intitulada “Uma ilustre escritora brasileira visita
Portugal”.693 As articulistas salientavam a visita de estudo e recreio da consagrada
escritora brasileira que se destacava pela sua forte individualidade intelectual, pelo
seu espírito superior (...) e pelo seu vibrante e privilegiado temperamento literário.694
Atentavam para o fato de que a escritora era também educadora, tendo colaborado 691 “Chegaram esta manhã a Lisboa a poetisa brasileira Cecília Meireles e o artista português Correia Dias”. Diário de Lisboa, 12 de outubro de 1934. p. 7. 692 “A chegada de Correia Dias e sua esposa Cecília Meireles a Portugal. Saudações aos artistas e jornalistas do Brasil”. Lisboa, 12 de outubro de 1934. (recorte de jornal sem identificação encontrado no álbum intitulado “Diário de Bordo” de Cecília Meireles). 693 “Uma ilustre escritora brasileira visita Portugal”. Lisboa, Portugal Feminino, ano V, n. 58, novembro de 1934, p. 20. 694 Idem, ibidem.
na última reforma de educação brasileira e que se propunha a visitar os melhores
estabelecimentos de ensino oficiais a fim de colher elementos que lhe permitissem
esboçar o panorama da vida portuguesa, nos importantes diários brasileiros onde
colaborava.695 As impressões do desembarque e a acolhida dos amigos portugueses
foram trazidas, mais tarde, em carta endereçada ao amigo e educador Fernando de
Azevedo, na qual revelou:
Depois de 22 dias de mar, cujas impressões diárias foram pacientemente recolhidas para "A Nação" - chegamos a Lisboa, onde tive um cordialíssimo acolhimento, quer por parte do governo, de quem sou hóspede oficial, quer pela dos amigos, que têm sido de uma ternura encantadora.696
Um desses amigos, Osório de Oliveira, escreveu a alguns intelectuais que o
mesmo julgava possuírem interesses em comum, convidando-os para uma
recepção, em sua residência, para apresentar Cecília Meireles. Entre eles estava o
poeta e educador João de Barros:
Meu ilustre Amigo: Na 5ª feira, dia 6, pelas 5 horas da tarde, virá a minha casa a Cecília Meirelles. Conto absolutamente com essa ocasião para o ver na modesta casa do Largo do Contador Mór, 1-A, 2º, Dto; junto do miradouro de Sta. Luzia, carro da Graça. Continuo a maçá-lo, como vê. Mas tenha paciência. Sou seu amigo, e os amigos tem, geralmente, essa função. Creia na estima do admirador muito grato. Osório de Oliveira. 3/12/34.697
Ao mesmo tempo em que se alegrava com o fato de ciceronear a poeta
carioca, Osório de Castro também se ressentia do trabalho e das preocupações que
lhe eram exigidos, como nas cartas enviadas em 13 de outubro, 2 de novembro e 8
de dezembro de 1934. Ao amigo e diretor da Presença Casais Monteiro, Osório
detalhava as inúmeras providências de que teve que se desincumbir, desde a
chegada de Cecília e de seu marido Correia Dias.698
695 “Uma ilustre escritora brasileira visita Portugal”. Lisboa, Portugal Feminino, ano V, n. 58, novembro de 1934, p. 20. 696 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Moledo da Penajóia, 6 de novembro de 1934 (FA - Cp. Cx. 21, 75). 697 OLIVEIRA, José Osório de. Carta a João de Barros. Lisboa, 3 de dezembro de 1934. Biblioteca Nacional de Portugal. Seção de Reservados, Espólio João de Barros, ESP N11/2293. 698 O poeta e ensaísta Adolfo Casais Monteiro nasceu no dia 4 de julho de 1908 na cidade do Porto. Era formado em história, filosofia e pedagogia e trabalhou como professor. Em 1930 assumiu a direção da revista Presença, órgão divulgador das idéias do grupo “Presencista”. Demitido do cargo de professor em 1937, devido à Ditadura Salazar, mudou-se para Lisboa com o intuito de manter-se como escritor. Foi preso diversas vezes e suas obras
Ilustração 36. Carta de Osório de Oliveira, em 3 de dezembro de 1934, convidando o poeta e educador João de
Barros para uma recepção a Cecília Meireles. Acervo: Biblioteca Nacional de Portugal.
Ilustração 37. Á esquerda: Carta de Osório de Oliveira a Adolfo Casais Monteiro sobre Cecília Meireles. Lisboa, 2 de novembro de 1934. À direita: Carta de Osório de Oliveira a Adolfo Casais Monteiro, em 13 de outubro de
1934, logo após a chegada de Cecília Meireles e Correia Dias em Lisboa. Acervo: Biblioteca Nacional de Portugal.
revelam revolta contra o sistema político vigente em seu país. Em 1946 dirigiu a revista Mundo Literário, depois de ter publicado ensaios sobre vários autores, dentre eles, Manuel Bandeira. Mudou-se para o Brasil em 1954, passando a lecionar Literatura Portuguesa nas universidades do Rio de Janeiro, Bahia e São Paulo e, a partir de 1962, na cidade de Araraquara onde trabalhou como professor titular de Teoria da Literatura. Nesse período, além de colaborar com vários jornais do país, desenvolveu uma intensa atividade de crítica literária. Disponível em: <http://www.mundocultural.com.br/literatura1/modernismo/portugal/adolfo_casais_monteiro.html>
Atarefado como estava com outras preocupações, ainda pode estar
presente no desembarque e nos inúmeros eventos e recepções, além das
providências que tomava para publicar versos de Cecília na revista Presença e no
jornal Diário de Notícias:
E ainda por cima, chegaram ontem aqui Cecília Meireles, autêntica poetisa do Brasil, e o marido, Correia Dias, desenhador português. Às 7 da manhã estava no cais, e só à meia noite e meia hora voltei para casa. (...) De maneira que eu não posso mais, e só com enorme esforço consigo escrever-lhe. Não quero, porém, demorar mais esta carta. A ocasião não é boa, mas quando terei, agora, um momento mais sossegado? Durante os dias próximos terei que continuar ciceroneando os hóspedes amigos. Desde já lhe digo que Cecília Meireles perguntou logo pela “Presença”, de que já tinha notícia. Peça-lhe colaboração. De resto, ela vai ao Norte, e eu quero que você lhe apareça.699
Em outras duas cartas enviadas ao amigo, o poeta Adolfo Casais Monteiro,
o escritor Osório de Oliveira nos permite entender a importância que desempenhara
na organização das conferências e dos demais compromissos da sua agenda em
Portugal, que incluía recepções, encontros, publicações, etc.:
Não respondi há mais tempo ao seu postal porque a Cecília Meireles tem andado num rodopio e eu tenho sido levado atrás, com nos versos do ‘português suave’, 700 Afonso Lopes Vieira. Não queria mandar-lhe o único livro de versos que tenho dela, “Nunca mais...”, por ser o primeiro e estar distante da grande poesia que ela faz hoje. Pedi versos inéditos para a “Presença”, mas só há dois dias ela pode copiá-los. Aqui lhe mando duas belíssimas coisas. O “Diário de Lisboa”, por minha iniciativa, vai dar uma página com outros versos. Uma nova revista que se projeta (coisa do Rodrigues Miguéis e do Manuel Mendes) também dará dois outros poemas. A Cecília está já ali no norte, na terra do marido, Correia Dias: Moledo da Penajóia, Linha do Douro. Vou enviar-lhe o seu endereço que me esqueci de dar. Ela irá ali ao Porto passar uns dias, suponho eu.701
E ainda:
Só agora posso responder à sua carta porque só hoje tive cinco minutos para me alhear das preocupações constantes (...), e
699 OLIVEIRA, José Osório de. Carta a Adolfo Casais Monteiro. Lisboa, 13 de outubro de 1934. Biblioteca Nacional de Portugal. Seção de Reservados, Espólio Casais Monteiro, ESP E15/2569. 700 Aspas de José Osório de Oliveira. 701 OLIVEIRA, José Osório de. Carta a Adolfo Casais Monteiro. Lisboa, 2 de novembro de 1934. Biblioteca Nacional de Portugal. Seção de Reservados, Espólio Casais Monteiro, ESP E15/2570.
escrever o que queria (como queria) dizer na ‘Presença’ sobre a Cecília Meireles. Você esperava, talvez, um artigo crítico, mas era isto, isto mesmo, que eu tinha cá dentro para dizer, e dizer assim. Não me parece deslocado na vossa revista. Se estiver, a culpa é sua, que me pediu colaboração para revista tão difícil. 702 (...) Mas quando sairá isso publicado? Não pregunto 703 por mim, mas pela poetisa. Poderei receber 2 exemplares desse no: uma para ela e outro para mim?704
A seguir, como revelado nas cartas de Osório a Casais Monteiro, Cecília e
Fernando Correia Dias foram para Moledo de Penajóia, um lugar pedregoso, à beira
do Douro, na zona dos vinhedos mais famosos. Hospedaram-se no Palácio da Boa
Esperança na propriedade da família do marido, local onde Cecília completou 33
anos, em 7 de novembro. Essa visita à casa de seus sogros foi noticiada por vários
jornais portugueses, entre eles o Diário de Coimbra:
Os dois grandes artistas, que o Brasil ora nos envia com a justa fama do seu alto valor mental e artístico, depois duma semana de reconhecimento por esta nossa formosíssima Capital e arredores, partiram para o Norte, onde Correia Dias tem a sua querida família, que ainda não pode abraçar. Na volta a Lisboa é que a ilustre educadora, que é a grande poetisa Cecília Meireles, que todo o Brasil conhece e admira, fará as suas conferências e visitas pedagógicas, esperando que não se esqueça de Coimbra, onde tanto tem a ver, e que, verdadeiramente a poderá interessar e lhe deixará bem vincada a impressão dum novo e mais feliz Portugal para o grande futuro.705
Instalada em Moledo da Penajóia desde o dia 1º de novembro 1934, Cecília
escreveu em 6 de novembro e descreveu ao amigo Fernando de Azevedo as suas
impressões de viagem: o acolhimento cordial que tivera por parte do governo e dos
amigos; os tipos característicos encontrados nos hotéis, na cidade e nos passeios
aos pontos turísticos, sem esquecer, contudo, de se referir aos encantos que
passam despercebidos pelos turistas convencionais – o jarro d'água muito
pequenino visto em Mafra; as calçadas de umas pedrinhas que parecem blocos de
ferro, em Lisboa; aquela acústica das grandes naves profundas de Alcobaça, e,
entre tantas outras belezas, a mais bela coisa que viu foi a aldeia de Nazaré, toda de
702 Grifos de José Osório de Oliveira. 703 A palavra está grafada – pregunto e não pergunto, no original. 704 OLIVEIRA, José Osório de. Carta a Adolfo Casais Monteiro. Lisboa, 8 de dezembro de 1934. Biblioteca Nacional de Portugal. Seção de Reservados, Espólio Casais Monteiro, ESP E15/2571. 705 “Cecília Meireles e Correia Dias”. Coimbra, Diário de Coimbra, 9 de novembro de 1934.
pescadores, que usavam roupas escocesas e pareciam brotar das águas, junto com
os peixes.706
Revelava que hospedara-se por 19 dias no Estoril, que era descrito como
um hotel do tipo do Copacabana Palace, com termas, cassino, etc., no qual se
hospedam todos os ingleses de cara de garçom e as inglesas estilo ‘nurse’,
vermelhos, sardentos, hirsutos e cheios de libras, que adoram ‘bacon’ com ovos,
‘bridge’ e vinho do Porto.707 Do Estoril iam a Lisboa todos os dias para conhecer
lugares pitorescos como a Mouraria e a Alfama e monumentos como a Torre de
Belém e os Jerônimos. Percorreu várias cidades: Sintra, Mafra, Alcobaça e Porto,
ocasiões em que participou de festas, recepções, jantares e chás em sua
homenagem. Em seguida, partiram para o norte do país em direção à pequena
Moledo da Penajóia:
Então, prosseguindo na viagem, metemo-nos no comboio para o Porto, onde estivemos algumas horas; e de lá seguimos para esta aldeia, a fim de repousar uma semana, preparando o necessário para continuação do nosso programa em Portugal.708
Também se referiu à preparação das conferências que realizaria em breve:
Tenho aqui tudo quando se refere ao problema educacional do Brasil, ou antes do D.F. - e não calcula quanto me parece curioso, nesta aldeia tão longe, pensar nessas coisas todas, nos amigos, nos fatos, e ir recompondo acontecimentos que nos são tão caros, para repeti-los daqui a dias aos prováveis ouvintes das minhas conferências em Lisboa. O pouco que tenho narrado a alguns conhecidos, da obra que empreendemos no Rio, causou tão grande assombro, e tanta admiração, que me sinto extremamente animada para reconstituí-la toda. Assim, falarei sobre a reforma, em geral, e, em particular, sobre a fundação do Centro de Cultura, cujo destino só Deus sabe por onde e como anda... Mas Deus não gosta suficientemente de mim para me fazer revelações à distância... Falarei também sobre a moderna literatura brasileira, e darei, como despedida, uma audição especial de poemas inéditos, meus. Precisamente hoje vou escrever a primeira conferência. Está vendo que esta carta é uma espécie de prólogo, uma conversinha fiada antes de passar para aqueles assuntos sérios. No dia 13 deverei ir para Lamego, e daí seguirei por sinuosos caminhos para o extremo norte de Portugal, onde espero apanhar muito frio. Depois de algumas variações mais, passando por Porto e Coimbra, voltarei a
706 MEIRELES, Cecília. Correspondência de 6 de novembro de 1934. Moledo da Penajóia, 6 de novembro de 1934. (FA - Cp. Cx. 21, 75). Carta arquivada no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP). 707 Idem, ibidem. 708 Idem, ibidem.
Lisboa para as conferências. (...) Em todo caso, é possível que ainda esteja este ano no Brasil, de onde ainda não tenho grandes saudades, porque os amigos daqui tudo fazem para eu me esquecer de que estou em terra estranha. Essa é a vantagem das afeições de espírito, que podem ser transportadas para todas as distâncias; e essa é, talvez, a prova melhor da minha vocação de marinheiro sem pátria certa. Como o papel se acaba, só lhe posso dizer Adeus!
Nesse mesmo dia, também escreveu e enviou uma carta em papel sépia,
datilografada e com assinatura manuscrita, ao amigo José Osório de Oliveira onde
dava notícias sobre a sua estadia com os familiares do marido e sobre as cantigas
folclóricas que estava recolhendo. Referia-se aos seus planos sobre as conferências
e solicitava informações sobre a programação que seria realizada logo que
retornasse a Lisboa:
Estou recolhendo todo o folclore daqui. Hoje começo a escrever as minhas conferências. Dia 13 seguimos para Lamego, de lá para o Vale do Vouga, depois para o norte, depois para o sul, e então serão as conferências e o resto. Recebi da Fernanda a prova fotográfica. As, porque foram duas. Não me pareceram más. Que está resolvido por aí, sobre a data e o local das conferências? Resolva como for possível, de acordo com a Fernanda e o secretariado. As conferências devem ser 3: uma sobre a reforma educacional, em geral, outra sobre o Centro de Cultura, a terceira sobre a poesia moderna do Brasil. Para esta, V. terá de me emprestar alguns livros, para as citações necessárias – pode já ir escolhendo o material que imagina imprescindível, – será um grande favor. Se me puder dar notícias até o dia 11 (quando sairei daqui), terei muito prazer. Senão, só na volta, pois em seguida estaremos como o judeu errante, infelizmente sem aquela dinheirama toda da venda de Jesus. Muitas recomendações aos amigos e abraços a todos os seus. E até... até qualquer dia. Saudades às pedrinhas de Lisboa!709
Nas duas correspondências, Cecília enfatizava a sua intenção em discorrer
sobre a reforma educacional do Distrito Federal. Ela programava duas conferências,
sendo uma para tratar da reforma em geral e a segunda onde discorreria sobre o
Centro de Cultura Infantil. Quanto à conferência onde trataria da poesia moderna
brasileira e da seção de leitura de poemas seus, parecem estar em segundo plano.
Essa também é a ordem em que figuram as suas prioridades na entrevista
709 MEIRELES, Cecília. Carta a José Osório de Oliveira. Moledo da Penajóia, 6 de novembro de 1934. Biblioteca Nacional de Portugal. Seção de Reservados, Espólio Osório de Oliveira, ESP N24/336.
concedida durante o desembarque em Alcântara, tanto ao Diário de Lisboa quanto à
entrevista concedida a Portugal Feminino.710
Ilustração 38. Carta de Cecília Meireles a José Osório de Oliveira, de Moledo da Penajóia, acertando os detalhes das conferências que faria em breve. Acervo: Biblioteca Nacional de Portugal.
Segundo a matéria intitulada “A chegada de Correia Dias e sua esposa
Cecília Meireles a Portugal”,711 publicada em um periódico de Lisboa, Cecília
revelara que tencionava realizar duas conferências: a primeira versaria sobre a
cultura artística das crianças brasileiras e a segunda sobre as poetisas brasileiras. A
discordância do teor das duas entrevistas pode ser atribuída ou à má interpretação
do jornalista que fizera a matéria ou simplesmente uma indefinição da própria Cecília
quanto ao número e o tema das sua próximas conferências.
Ainda em visita à família do marido, Cecília recebeu, em 7 de novembro de
1934, uma carta de Manuel Mendes, que escrevia para acertar os detalhes de uma
710 Para maiores detalhes consultar: “Chegaram esta manhã a Lisboa a poetisa brasileira Cecília Meireles e o artista português Correia Dias”; e ainda: Diário de Lisboa, 12 de outubro de 1934. p. 7. “Uma ilustre escritora brasileira visita Portugal”. Lisboa, Portugal Feminino, ano V, n. 58, novembro de 1934, p. 20. 711 “A chegada de Correia Dias e sua esposa Cecília Meireles a Portugal. Saudações aos artistas e jornalistas do Brasil”. Lisboa, 13 de outubro de 1934. (periódico não identificado).
conferência que ela faria na “Sociedade de Estudos Pedagógicos”712 e enviava
canções de berço numa contribuindo para completar a coleção de cantigas
folclóricas que ela recolhia para um futuro livro.713
3.2. Cecília aclamada em Portugal: conferências, entrevistas e
recepções
A rapidez com que os povos modernos se podem deslocar e pôr-se em contato uns com os outros exerce grande influência, como não podia deixar de acontecer, sobre as relações, em qualquer campo que elas se estabeleçam. O ritmo das trocas das importações e exportações acelera-se. O território de cada nação, principalmente daquelas cujos aspectos se encheram de atrativos pitorescos, dotadas pela prodigalidade da natureza ou pela atividade incansável dos homens que criaram a sua civilização, é percorrido em certas épocas do ano por milhares de forasteiros, ávidos de conhecerem paisagens e costumes novos. Mas vai longe o tempo em que essas visitas se prolongavam, dando ocasião ao excursionista de adquirir um conhecimento, tanto quanto possível, profundo de pessoas e de coisas. Atualmente, o viajante é impelido por forças constantes e não pode se demorar. Os olhos são obrigados a ver depressa, a sensibilidade deve possuir uma vibratibilidade intensíssima para que se deixe impressionar pela visão ou pelas impressões mais fugitivas. As relações entre o visitante e o povo observado estabelecem-se e desfazem-se num dia, porque os expressos passam em andamento vertiginoso, confundindo e obscurecendo linhas, cores e formas. Se os contatos não se fazem em tempo de paz, e são substituídos por embates guerreiros, então essa velocidade redobra, acicatada pelo desejo de vencer, pelo pânico, pela morte. As pulsões que marcam os passos da vida do homem de hoje caracterizam-se por um ritmo febril. Não foram apenas as manifestações materiais da vida de relações, que se deixaram tocar por esse espírito de alucinação. Quando mentalidades estranhas umas às outras procuram conhecer-se e criticar-se, o seu contato faz-nos pensar no encontro de duas correntes elétricas. É rápido como o deslumbramento produzido por uma faísca. Em épocas passadas, a penetração da índole, da cultura de um povo estranho por qualquer inteligência curiosa, fazia-se com lentidão e segurança. O desejo de conhecer levava o intelectual a estabelecer-se no país que lhe despertara a curiosidade e nele vivia anos consagrados ao estudo e à meditação. Deste esforço compreensivo nasciam obras reveladoras e definitivas. (...) Esta morosidade fecunda desapareceu. Nos tempos que vão decorrendo, o representante típico da intelectualidade que
712 A conferência não foi realizada, como se verá mais à frente. 713 DAMASCENO, Darci. Notas acerca da poesia, da crítica e da correspondência de Cecília Meireles. 26,2,71. Arquivo Darci Damasceno, Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, Brasil.
viaja é o conferente. Este dispõe-se a visitar um país estranho, ou por iniciativa própria, ou encarregado da missão oficial de tornar conhecidas certas facetas do labor espiritual dos seus concidadãos. O conferente é uma personalidade dos dias de hoje. Em ponto algum se demora, atravessa campos e cidades num andamento inalteravelmente veloz passeando idéias. O seu contato com a terra visitada limita-se a um círculo escolhido; a sua visão das generalidades resume-se a um esboço e o que ele tem a dizer, di-lo expresso numa fórmula literária extremamente concentrada, que é a da conferência. O gênero não é novo, mas adquiriu recentemente uma voga que, até então, não conhecera e devemos reconhecer que não é destituído de encantos. (...) Devo reconhecer, porém, que existem exceções e uma delas é representada por Cecília Meireles, a conferente brasileira, que esteve entre nós recentemente. Fez esta senhora várias palestras que foram ouvidas com muito agrado por um escolhido público lisboeta. Tive ocasião de ouvir duas dessas conferências, aquela que foi realizada na sala nobre da Faculdade de Letras e outra no Club Brasileiro. Em ambas, a ilustre senhora se esforçou por nos fazer conhecer o Brasil moderno, com os seus costumes e os seus movimentos de idéias. A primeira teve por tema as reformas operadas pelo atual governo brasileiro na organização do ensino primário, secundário e universitário. A segunda interessou-me profundamente. Constituía uma descrição animada e colorida dos batuques, sambas e macumbas, danças brasílicas de origem negra. (...) Cecília Meireles tem o condão de as evocar num estilo sóbrio sintético e expressivo.714
Assim o cronista português Viana de Almeida, traduziu a sua e a admiração
que a conferencista despertou entre a intelectualidade portuguesa, em matéria
publicada no Diário de Lisboa em 13 de março de 1935. Cecília Meireles já havia
retornado ao Brasil, no entanto, ainda permanecia entre os amigos portugueses um
pouco do encantamento que a sua presença deixara. Durante todo o tempo em que
permaneceu em Portugal as suas conferências foram noticiadas pelos jornais antes,
durante e mesmo depois de acontecerem. Em matéria intitulada “Cecília Meireles” o
Jornal do Comércio e das Colônias informava aos seus leitores o programa que a
poeta e educadora pretendia apresentar aos portugueses:
Esta ilustre poetisa brasileira, que está no norte do país colhendo elementos para falar de Portugal em grandes jornais do Rio e de São Paulo, fará dentro em breve, no seu regresso a Lisboa, quatro conferências e uma leitura pública dos seus versos. A primeira das suas palestras intitular-se-á ‘Notícias da poesia brasileira’. A segunda conferência tratará de ‘A Reforma educacional do Distrito Federal’, a terceira ‘O Centro de Cultura Infantil do Rio de Janeiro’. A quarta, que abrirá a exposição dos seus desenhos e dos do seu
714 ALMEIDA, Viana de. Cecília Meireles conferencista. Temas Literários. Diário de Lisboa, Lisboa, 13 de março de 1935, p. 8.
marido, o artista Correia Dias, terá esse título curioso: ‘Samba, Macumba e Senhor do Bonfim’, tratando das sobrevivências africanas no Brasil, especialmente na Baía e no Rio de Janeiro.715
Cecília não era a primeira educadora a viajar ao exterior para dissertar
sobre o sistema educacional brasileiro. Integrando uma missão de intercâmbio
cultural a convite de Belisário Penna, Ministro da Educação do governo Vargas,
Armanda Álvaro Alberto viajou ao Uruguai em 1931. Naquele país, Armanda proferiu
conferências e divulgou as reformas realizadas pelos educadores Carneiro Leão,
Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Francisco Campos e Lourenço Filho.716
Outra educadora brasileira, Laura Lacombe, viajou em 1924 ao exterior, mais
particularmente ao Instituto Jean-Jacques Rousseau, para ter acesso às novas
concepções de ensino. Em 1927, retornou à Suíça, desta vez para representar
oficialmente o Brasil no Congresso Internacional de Educação Moderna, em
Locarno.717
A educadora brasileira Cecília Meireles já havia realizado no Brasil diversas
conferências com temáticas e públicos diferenciados, dentre as quais destacamos:
“Saudação à menina de Portugal” no Gabinete Português de Leitura em agosto de
1930;718 “Por que a escola deve ser leiga”, série de conferências na Liga Anti-
Clerical, entre 1931 e 1932 e publicadas na “Página de Educação”;719 a “Arte de
Educar”, realizada no “Clube de Educação” que funcionava no Instituto de
Educação;720 e ainda “O compromisso de educar” publicada no Boletim de Educação
Pública.721
Diante de toda essa experiência em dissertar sobre assuntos educacionais,
Cecília aguardava o retorno a Lisboa. Quando, finalmente, retornou de Moledo da 715 “Cecília Meireles”. Lisboa, O Jornal do Comércio e das Colônias. Sábado, 17 de novembro de 1934, p. 5. 716 MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Entre cartas e cartões postais: uma inspiradora travessia. In: GONDRA, José Gonçalves, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Viagens Pedagógicas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 250-251. 717 Sobre as viagens da educadora Laura Lacombe consultar: MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Baú de memórias, bastidores de histórias: legado pioneiro de Armanda Álvaro Alberto. 1997. 326f. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Educação; e CARUSO, Andréa. “Traço de União” como vitrine: educação feminina, ideário católico e práticas escolanovistas no periódico do colégio jacobina. Dissertação de Mestrado. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Programa de Pós-Graduação em Educação. Rio de Janeiro, 2006. 718 MEIRELES, Cecília. Saudação à menina de Portugal. [S.I.]: folheto com ilustrações, 1930. 719 MEIRELES, Cecília. Por que a escola deve ser leiga? Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 1931 a 1932. (Página de Educação). 720 MEIRELES, Cecília. A arte de educar. Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 18 de agosto de 1932. (Página de Educação). 721 MEIRELES, Cecília. O compromisso de educar. Rio de Janeiro, Boletim de Educação Pública, ano II, n. 1 e 2, janeiro/junho de 1932. p. 66-74.
Penajóia, em princípios do mês de dezembro, iniciou a programação das
conferências, proferindo a primeira, intitulada Notícias da poesia brasileira,722 no
salão de festas do Palácio de São Pedro de Alcântara, sede do Secretariado da
Propaganda Nacional, em Lisboa, no dia 4 de dezembro de 1934, às 22 horas,
sendo radiodifundida pela Emissora Nacional.723
Ilustração 39. Em cima: A assistência que abrilhantou a conferência “Notícias da Poesia do Brasil”, feita pela senhora D. Cecília Meireles, no Secretariado da Propaganda de Portugal. Em baixo: A consagrada poetisa
brasileira, momentos antes de começar a sua conferência, tendo ao lado esquerdo o jornalista António Ferro. Fonte: Diário Português, Rio de Janeiro, 19 de dezembro de 1934.
(legenda transcrita do original).
A conferência foi antecipadamente noticiada pelo serviço do SPN nos
periódicos Diário da Manhã, Novidades e Diário de Notícias no mesmo dia (30 de
outubro de 1934) e com os mesmos títulos – “Secretariado da Propaganda Nacional
– Um novo programa de conferências culturais, militares e literárias” – e com o
mesmo texto informativo:
722 Essa conferência foi publicada em jornais portugueses em 1934 e pela Universidade de Coimbra, em 1935. 723 “Portugal”. Jornal do Commércio, Rio de Janeiro, 2 de dezembro de 1934.
O Secretariado da Propaganda Nacional vai prosseguir na organização das conferências da sua ‘Série Cultural’, já iniciada com êxito, há alguns meses. A primeira realizar-se-á brevemente, no salão nobre da sua sede, em São Pedro de Alcântara, 75, e será radiodifundida. O mesmo organismo promoverá também uma ‘Série Militar’ de conferências, onde se versarão os problemas fundamentais relativos ao nosso Exército, à nossa Marinha e à nossa Aviação, estando a sua organização a cargo da revista da especialidade ‘Defesa Nacional’. O Secretariado da Propaganda Nacional tenciona igualmente tomar a iniciativa de realização duma terceira série, de caráter literário, que decerto constituirá mais um ensejo favorável para a valorização da atividade intelectual portuguesa.724
Na véspera, o evento que devia constituir um verdadeiro acontecimento
social e literário, também foi noticiado pelo jornal Diário de Coimbra que ressaltava o
prestígio que a conferente possuía no meio dos mais modernos escritores de além-
Atlântico.725 No dia do evento, um jornal lisboeta recordava e convidava os leitores
para o acontecimento literário que estava despertando nos meios cultos da capital o
mais vivo interesse e era aguardado com ansiedade dada a categoria da distinta
conferente, um dos valores mais representativos da intelectualidade feminina do
Brasil da atualidade.726
No início da conferência o diretor do SPN, António Ferro, apresentou a
conferencista de quem fez o elogio literário dizendo não saber se havia de
apresentar Cecília Meireles, se o próprio Brasil. Ressaltou a contribuição da
jornalista à reforma educacional brasileira por ter escrito perto de mil artigos nos
jornais sobre a temática e que mesmo diante desse trabalho em prol da educação
não havia deixado de fazer poesia:
Se a conferente de hoje é uma grande poetisa, das maiores da sua geração, ela é também uma deliciosa imagem do seu país. É o seu dinamismo, a sua mocidade, os seus nervos, essa energia que tem
724 Recortes encontrados no álbum “Conferências Promovidas pelo S.P.N”, PT – TT –SNIGS, Cx. 539 – 8104, no acervo do SNI, na Torre do Tombo, Lisboa, Portugal. No mesmo álbum outro recorte do jornal A Voz de 30 de novembro de 1934, informava: (...) Como já foi noticiado, realiza-se também no Secretariado da Propaganda Nacional, na próxima terça-feira, à mesma hora, uma conferência literária da notável escritora brasileira Cecília Meireles, cujo título é bem expressivo: “Notícias da Poesia Brasileira”, e que constituirá um vivo e colorido panorama da galeria dos mais modernos poetas de Além-Atlântico. 725 “Secretariado da Propaganda Nacional. A poetisa brasileira D. Cecília Meireles realiza ali, amanhã, uma conferência”. Diário de Coimbra, Coimbra, segunda-feira, 3 de dezembro de 1934. 726 “Notícias da poesia Brasileira. A conferência de hoje, pela poetisa brasileira Cecília Meireles, no Secretariado da Propaganda Nacional”. Lisboa, 4 de dezembro de 1934. (sem informação da fonte). Também foi radiodifundida ao microfone da Emissora Nacional, um poema inédito à época, intitulado “Três cantigas” e recitado pela autora em 27 de novembro de 1934. “Três cantigas”. Jornal do Comércio e das Colônias. Lisboa, 1 de dezembro de 1934, p. 27.
colocado o Brasil na vanguarda da Civilização. (...) O nacionalismo dos seus versos é um nacionalismo universal. Os seus versos escorrem do luar... E que dizer mais? Só a poesia define a poesia.727
António Ferro encerrou o seu discurso recitando algumas poesias de Cecília
Meireles e a seguir passou a palavra à conferencista, que ao iniciar a sua preleção,
referiu-se às dificuldades que tivera para a elaboração do seu trabalho e agradeceu
à generosidade dos vários amigos que emprestaram livros de autores brasileiros.
Durante cerca de duas horas, a conferencista fez uma retrospectiva da
moderna literatura brasileira e divulgou poetas desconhecidos em Portugal: Manuel
Bandeira, Filipe de Oliveira, Augusto Maia, Jorge Lima, Olegário Mariano, Oswald de
Andrade, Murilo Mendes, Carlos Drummond de Andrade, Raul Bopp, Augusto
Meyer, Mário de Andrade e Jorge de Lima, entre outros, recitando seus poemas,
analisando suas obras, suas tendências e influências. A conferência “Notícia da
Poesia Brasileira”, como afirma Gouvêa (2001), emerge como um documento que
(...) explica a leitura que Cecília, talvez o menos modernista dos grandes poetas
brasileiros modernos, fazia daquele movimento àquela altura ainda em pleno
transcurso (...). De acordo com a autora a análise feita durante a conferência,
demonstra que Cecília já identificava e destacava a importância daquele movimento
que promoveria uma revolução na estética literária brasileira.728 Depois de descrever
a revolução ocorrida na literatura brasileira nos últimos 15 anos a conferencista
concluiu que os traços que, àquela altura, caracterizavam a poesia brasileira
estavam fixados
(...) no sentido da terra e do homem - na reconstrução de uma autêntica fisionomia nacional, principalmente pela ressurreição da infância, que ascende à tona de tanto verso – orientação para um rumo espiritual a que a conduz não o influxo das modas, mas o impulso da sua própria vida, já intensamente vivida. Resultado tudo isso da revolução literária? Do Desvairismo? Do Pau-Brasil? Da tendência de um só, ou de um grupo? Até certo ponto, talvez. Até o ponto em que as doutrinas, as teorias, e, enfim, a força da inteligência podem agir sobre a imensidade misteriosa e o poder do
727 Intercâmbio literário luso-brasileiro. Uma conferência da poetisa e escritora brasileira Cecília Meireles, em Lisboa, sobre a “Poesia contemporânea do Brasil”. Diário Português, Rio de Janeiro, 19 de dezembro de 1934. 728 GOUVÊA, Leila V. B. Cecília em Portugal: ensaio biográfico sobre a presença de Cecília Meireles na terra de Camões, Antero e Pessoa. São Paulo: Iluminuras, 2001. p. 58.
espírito humano tão indevassável, tão preso ao ritmo silencioso da vida a que, só origina, modifica e leva e passa.729
A oradora foi demoradamente aplaudida e recebeu, ao final da conferência,
um ramo de flores das mãos de Fernanda de Castro. Entre os presentes figuravam o
secretário da Embaixada do Brasil, Teixeira, Gomes, o adido Comercial do Brasil,
Rafael de Oliveira, delegados do Club Brasileiro e muitas personalidades do meio
literário português, entre os quais Maria de Carvalho, António Eça de Queirós,730
José Osório de Oliveira, Arthur Maciel, D. Alberto Bramão, entre outros.731
Assisti à conferência da ilustre poetisa brasileira Cecília Meireles sobre a poesia e os poetas do seu país. A sua notícia pormenorizada já os leitores deste jornal a conhecem. Limito-me, por isso, a saudar a brilhante embaixatriz da intelectualidade e mais acentuadamente do sentimento poético da exuberante raça idealista a que pertence. Cecília Meireles fez perpassar, diante do nosso espírito, toda a falange notabilíssima dos poetas que no Brasil atual espiritualizam de conceitos e emoções a nossa língua comum.732
Assim o correspondente do jornal Diário Português,733 D. Alberto Bramão
informava aos conterrâneos da colônia portuguesa no Brasil sobre a conferência que
tivera oportunidade de assistir. Em Lisboa, o jornal Diário de Lisboa publicou, em 7
de dezembro de 1934, um excerto dessa conferência acompanhado de alguns
729 MEIRELES, Cecília. Notícia da poesia brasileira. Coimbra, Biblioteca Geral da Universidade/Cursos e Conferências de Extensão Universitária, 1935. p. 54. 730 Filho do escritor Eça de Queirós, participou ao lado de António Ferro, da AEV, a “Ação Escolar Vanguarda”, criada em janeiro de 1934, foi a primeira organização juvenil, criada pelo regime salazarista, particularmente sobre a orientação de António Ferro e António Eça de Queirós, para “combater as idéias comunistas” difundidas entre a juventude, especialmente nos meios acadêmicos e sindicais. Teve uma duração curta e dois anos depois, deu lugar à Mocidade Portuguesa, uma organização moldada na linha salazarista dominante. Como explica António Costa Pinto: “É uma dupla resposta do recém-criado SPN, com António Ferro, mas especialmente com António Eça de Queirós. Por um lado, procurava enquadrar os dissidentes do movimento Nacional-Sindicalista, em desagregação; por outro, procurava integrar na Ditadura – sob a chefia de Salazar – uma juventude «ardente» e desejosa de vitoriar, mimeticamente, os movimentos fascistas europeus”. António Eça de Queirós foi, nos anos 50, o substituto de António Ferro à frente do SPN. FARINHA, Luís A Ação Escolar Vanguarda (AEV). Causa Nacional. Biblioteca e Arquivo Nacionalista. Disponível em: <http://www.causanacional.net/index.php?itemid=12> 731 “Notícias da Poesia Brasileira. Foi o título de uma conferência de Cecília Meireles, no Secretariado da Propaganda”. Lisboa, 5 de dezembro de 1934. (recorte sem identificação – nome do periódico e local de publicação). 732 BRAMÃO, Alberto. A Conferência de Cecília Meireles. A poesia brasileira. Carta de Lisboa. Diário Português, Rio de Janeiro, 23 de dezembro de 1934. 733 O Diário Português, órgão da coletividade lusitana no Brasil, completou um ano de existência em dezembro de 1934 e tinha como diretor o jornalista Crisóstomo Cruz. Era reconhecido nos meios jornalísticos como um mensageiro na vanguarda da imprensa portuguesa, pelo fato da sua ação se desenvolver fora de Portugal. Segundo o jornalista português Belo Redondo um jornal deste gênero era a maior garantia da unidade da Colônia e do prestígio do nome português. “No Brasil. O 2º aniversário do “Diário Português” do Rio de Janeiro. Diário de Coimbra, Coimbra, sábado, 8 de dezembro de 1934. p. 4.
trechos poéticos a título de ilustração: “Toada do Pai do Mato (Índios parecis)”, de
Mário de Andrade; “Andorinha”, de Manuel Bandeira; “De profundis”, de Francisco
Karam; “Diamba”, de Raul Bopp; “Maria Flor”, de Augusto Meyer; “O mundo do
menino impossível”, de Jorge de Lima; “Invocação ao sono”, de Gilka Machado e
“Surdina”, de Ribeiro Couto. Durante a entrevista concedida ao jornal, a
conferencista informou que a escolha dos poetas apresentados partiu da
impossibilidade de citar todos os outros dignos de interesse, por isso, escolheu
reduzir as suas notícias de todos à informação sumária de alguns,734 estratégia que
permitiria trazer ao público uma idéia aproximada da realidade literária do Brasil:
Dar notícias da poesia brasileira pareceu-me a melhor maneira de dar notícias do Brasil, que, até na mais notável das suas obras – a educacional – tem obedecido a uma profunda orientação de alta poesia humana. Em lugar de expor as minhas opiniões sobre a evolução da poesia brasileira, desde os seus últimos grandes mestres do passado até os representantes das várias tendências das mais recentes gerações, preferi apresentar uma antologia capaz de por o público em imediata comunicação com a sensibilidade e as intenções de cada autor. (...) Os limites de tempo não me permitiram explicar largamente, nas conferências, todos os autores necessários; obrigam-me, agora, os limites do espaço a nova redução. Os poemas que se seguem – não os escolhe o meu gosto, mas o destino que governa a vida de todos os homens, mesmo quando são poetas...735
No dia 10 de dezembro foi realizada uma festa em homenagem a Cecília
Meireles, no Club Brasileiro de Lisboa.736 A recepção foi organizada pela diretora da
revista Portugal Feminino, a brasileira Maria Amélia Teixeira e noticiada na referida
revista na edição de janeiro de 1935.737 A poeta foi saudada na abertura pela
diretora do periódico, que pronunciou ligeiro discurso de saudação à mulher
brasileira, traçou o perfil da homenageada e agradeceu a simpatia que Cecília
sempre demonstrara pelo intercâmbio literário feminino luso-brasileiro promovido
734 “Embaixatriz das Letras. Cecília Meireles trouxe-nos notícias da poesia brasileira. Um excerto da conferência que realizou há dias no Secretariado da Propaganda Nacional”. Lisboa, Diário de Lisboa, Suplemento Literário, 7 de dezembro de 1934. p. 6. 735 “Embaixatriz das Letras. Cecília Meireles trouxe-nos notícias da poesia brasileira. Um excerto da conferência que realizou há dias no Secretariado da Propaganda Nacional”. Lisboa, Diário de Lisboa, Suplemento Literário, 7 de dezembro de 1934. p. 6. Nesse mesmo dia foram publicadas poesias inéditas de Cecília Meireles no Diário de Lisboa: “Poemas inéditos da poetisa brasileira Cecília Meireles, publicados pelo Diário de Lisboa”. Diário de Lisboa, Lisboa, 10 de dezembro de 1934. 736 “No Club Brasileiro em Lisboa. Em homenagem a poetisa brasileira, Sra. D. Cecília Meireles, foi organizado um serão de arte”. Rio de Janeiro, Diário Português, quinta-feira, 27 de dezembro de 1934. 737 “Cecília Meireles”. Lisboa, Portugal Feminino, ano V, n. 60, janeiro de 1935, p. 9.
pela revista. Leu a seguir, os poemas “Visão do Rio de Janeiro” e “Carta ao Brasil”
da autoria de Branca de Gonta Colaço e Teresa Leitão de Barros, respectivamente.
Entre os convidados encontravam-se funcionários da embaixada do Brasil,
entre os quais o embaixador Sr. Guerra Duval, o Sr. Pinto Ferreira, chefe do
Protocolo da Presidência da República, grande número de jornalistas e diversas
personalidades dos meios sociais e literários: Maria Amélia Teixeira (filha), Maria
José Spencer, Alice Rocha Gomes, Isabel Bergstrom, Adelaide Felix, Tereza Leitão
de Barros, Maria de Carvalho, Raquel Bastos, Anita Patrício e Viana de Almeida. Ao
final da festa, depois de números musicais e declamação de poesias Cecília
Meireles leu alguns dos seus poemas e recebeu das mãos da diretora de Portugal
Feminino, um grande número de livros portugueses oferecidos pelos seus
autores.738 Na oportunidade foi feito o convite, por parte dos estudantes brasileiros
de Coimbra, para que a conferencista repetisse a conferência naquela cidade.
Ilustração 40. A nossa gravura representa a homenageada, o S. Exa. o Embaixador do Brasil, a organizadora e alguns membros da Direção do Club Brasileiro, rodeados pelas ilustres artistas que tomaram parte nesta
inolvidável noite de arte. Fonte: Portugal Feminino. (Legenda transcrita do original).
738 “Festa de Homenagem à poetisa Cecília Meireles, no Club Brasileiro de Lisboa”. Lisboa, 11 de dezembro de 1934. (recorte sem informação do periódico).
A primeira oportunidade de se referir às conquistas educacionais do Distrito
Federal aconteceu no dia 12 de dezembro no Liceu Feminino Maria Amália Vaz de
Carvalho, em Lisboa. A conferencista foi apresentada pela deputada e diretora do
liceu, Maria Guardiola, e presidida pelo Diretor Geral do Ensino Secundário, Peres
Lima, que ao final do discurso solicitou à Cecília que se tornasse a embaixatriz
intelectual de Portugal e que dissesse às senhoras brasileiras e portuguesas do
Brasil que o velho Portugal, em pleno período de reerguimento, precisava do auxílio
moral do Brasil.739 Durante a conferência Cecília tratou das modernas orientações
pedagógicas brasileiras, particularmente do Centro de Cultura Infantil, que criara e
coordenava no Distrito Federal. Na oportunidade, as alunas entregaram um ramo de
flores e uma mensagem de saudação às colegas do Brasil a quem a prelecionista se
comprometeu a entregar.740
Atendendo o convite dos estudantes e da colônia brasileira, a conferência
“Notícia da Poesia Brasileira” seria reapresentada na Universidade de Coimbra,
noticiava um jornal local em 13 de dezembro de 1934: a poetisa brasileira Cecília
Meireles chegou a esta cidade e (...) fará amanhã uma conferência sobre poesia
brasileira. A escritora teve, na estação um acolhimento triunfal (...).741 Sobre o
convite dos estudantes brasileiros, Cecília revelou ao jornal A Tarde, quando
retornou ao Brasil:
Em Coimbra, há atualmente cerca de 20 estudantes brasileiros, que, ao saberem da minha estadia em Lisboa, me foram buscar para Coimbra, onde, na sala da Biblioteca da Universidade, fui apresentada pelo diretor da Biblioteca, sr. Providência e Costa, a um seleto auditório. Aí repeti, a pedido, a conferência “Notícia da Poesia Brasileira”. Este trabalho em 80 páginas datilografadas será publicado, na revista Biblos, órgão oficial da Universidade.742
Como em Lisboa e perante uma assistência seleta, a prelecionista tratou da
poesia contemporânea, analisando e historiando o seu desenvolvimento nos últimos
anos e recitando as mais expressivas produções dos autores escolhidos. Ao finalizar
a sua preleção e solicitada pela audiência, Cecília recitou o poema “Rimance” de 739 “Brilhante conferência da poetisa Cecília Meireles no Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho. Mensagem as alunas daquele estabelecimento às colegas do Brasil”. Lisboa, 13 de dezembro de 1934. (recorte sem informação da fonte). 740 Idem, ibidem. 741 Coimbra, 13 de dezembro de 1934. (periódico não identificado). 742 “Embaixatriz da inteligência e da cultura brasileiras. De regresso de uma excursão a Portugal a escritora e poetisa Cecília Meireles palestra com a A Tarde”. Salvador, A Tarde, quarta-feira, 9 de janeiro de 1935.
sua autoria, recebendo em seguida um ramo de flores de uma aluna da Faculdade
de Ciências, daquela universidade.
Durante o período em que esteve em Coimbra, Cecília recebeu muitas
homenagens. No Hotel Astória, onde se hospedou, foi cumprimentada pelos
diretores da “Associação Acadêmica”, António de Sousa e Ramos de Almeida, João
Gaspar Simões, diretor da Presença e outros representantes de destaque nos meios
universitários. Após a realização da conferência, foi saudada no Orfeon e Tuna
Acadêmica pelo maestro Raposo Marques e pelo acadêmico João Assis, que lhe
ofereceram um “Porto de Honra”.743
Ilustração 41. À esquerda: A conferência Notícia da Poesia Brasileira, publicada em Coimbra, em 1935. À direita: Dedicatória de Cecília Meireles ao poeta açoriano Armando Côrtes-Rodrigues, na mesma publicação.
Fonte: Museu Carlos Machado, Ponta Delgada.
À noite, a Tuna Acadêmica realizou um concerto em sua homenagem,
oportunidade em que também se exibiram os acadêmicos e guitarristas Aurélio Cruz,
Décio da Rocha Dantas, Augusto Seco e Abílio de Moura. Durante o sarau, Serrano
cantou fados, o poeta António de Sousa saudou a poeta e o seu marido e Cecília 743 Expressão utilizada apenas em Portugal. Durante uma recepção ou evento social é servido vinho do porto (tinto ou branco) e sumo de laranja para os abstêmios.
Meireles declamou poemas de sua autoria, entre elas “Cantigas”. Estiveram
presentes ao evento jornalistas, acadêmicos e muitas senhoras brasileiras e
portuguesas.744
A repercussão da conferência de Cecília em Coimbra conferiu-lhe a
publicação de artigos e notas em jornais portugueses e foi publicada, em 1935,
como Separata de Cursos e Conferências de Extensão Universitária pela Biblioteca
Geral da Universidade de Coimbra.745 Também desencadeou entre os estudantes
brasileiros integrantes da “Associação dos Estudantes Brasileiros” da Universidade
de Coimbra um grande entusiasmo com o Brasil e com as coisas brasileiras levando-
os a criarem, na universidade, a “Sala do Brasil”.746
A notícia da criação da sala brasileira foi amplamente difundida na imprensa
local e foram convidadas outras personalidades de grande relevo no país irmão,
promovendo conferências mensais.747 A iniciativa dos estudantes também foi
referida por Cecília durante a entrevista que concedeu ao jornal A Tarde, em 9 de
janeiro de 1935, quando retornou ao Brasil. A “Sala do Brasil”, segundo Cecília, não
contava com o mesmo aparato que as salas de outros países possuíam na
Universidade, por isso trazia como missão divulgar o empreendimento para que os
brasileiros enviassem contribuições que enriquecessem aquele acervo:
Os estudantes brasileiros, estimulados, resolveram organizar a sala do Brasil, em Coimbra, que não tem coisa alguma, a não ser raros livros, que não dizem nada sobre a nossa cultura atual, uma mesa e quatro estantes, o que é tristíssimo dizer em vista das salas de outros países, que estão sempre em dia com as avançadas culturais dos mesmos. Nesta sala, ficou, agora, assentado a realização de uma exposição de coisas do Brasil, onde serão apresentados aos olhos dos portugueses o que o Brasil, tem de bom, em literatura, em
744 “A ilustre poetisa brasileira D. Cecília Meireles que falou ontem, na Biblioteca da Universidade, obteve um grande triunfo”. Diário de Coimbra, 15 de dezembro de 1934. p. 4. 745 MEIRELES, Cecília. Notícia da poesia brasileira. Coimbra, Biblioteca Geral da Universidade/Cursos e Conferências de Extensão Universitária, 1935. Separata de Cursos e Conferências, v. II. 746 A “Sala do Brasil”, segundo Vieira (1991), foi inaugurada em 7 de dezembro de 1937 com o propósito de encorajar estudos brasileiros em Coimbra e fortalecer a amizade luso-brasileira. Recebeu uma doação de livros do governo brasileiro em 12 de dezembro de 1940, que foram expostos no Pavilhão Brasileiro na Exposição do Mundo Português do mesmo ano. Mais tarde, tornou-se “Instituto de Estudos Brasileiros” subordinado à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, editando entre os anos de 1942 e 1958, o periódico Brasília, inserindo artigos eruditos no tocante a estudos luso-brasileiros. Diante do exposto pelo autor e com as informações obtidas na documentação, a informalidade da “Sala” criada pelos estudantes em 1934 foi alçada à categoria de instituto de uma faculdade da Universidade de Coimbra. Para mais informações, consultar: VIEIRA, Nelson H. Brasil e Portugal: a imagem recíproca: o mito e a realidade na expressão literária. Lisboa: Ministério da Educação. Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1991. p. 140. 747 “A poetisa brasileira D. Cecília Meireles falará hoje na Biblioteca da Universidade sobre a poesia do seu país”. Diário de Coimbra, Coimbra, sexta-feira, 14 de dezembro de 1934. p. 1.
desenhos, músicas, pintura, artes e, enfim, de tudo que possa demonstrar ao mundo que somos, afinal, um povo culto e capaz. Com o fim de conseguir a concorrência de todo o Brasil a este certame cultural, trago a missão de fazer um apelo a todos os brasileiros, de norte a sul no sentido de enviarem para a “Sala do Brasil”, na Faculdade de Direito de Coimbra, o que tiverem feito a fim de tornar o Brasil conhecido.748
Ela também solicitou aos amigos, como Fernando de Azevedo, que
contribuíssem com doações, em carta do dia 22 de fevereiro de 1935. Mas
lamentava-se ao amigo da pouca acolhida que a idéia encontrara junto ao diretor do
Departamento de Educação, Anísio Teixeira:
O Anísio tinha-se interessado pela sala do Brasil: no momento em que lhe falei nisso, na última vez que estivemos juntos, depois do meu regresso. Desconfio que já se terá esquecido do que me disse: - e não vai nisso nenhum reparo a algum defeito, pois estou convencida da inexistência de defeitos e qualidades humanas: não temos mais que "propriedades", como qualquer substância. Quando as "propriedades" do Anísio são essas, que posso eu esperar da maioria daqueles de quem depende a pobre sala do Brasil?749
Na coluna “Notas da Semana” do Diário de Lisboa foram ressaltadas, em
tom igualmente laudatório como o dos outros jornais e revistas, a excelência, a
eloqüência, a graça e a delicada espiritualidade da verdadeira embaixatriz da poesia
atual das terras de Santa Cruz. Ao final da nota, o colunista lembrou-se de
agradecer aos estudantes brasileiros por terem convidado a poetisa:
A distinta poetisa brasileira D. Cecília Meireles, veio trazer-nos nesta semana de dias chuvosos, enervantes, pardacentos, de noites sem estrelas e alvoreceres velados, uma hora de sol, de luz, de suavidade, de graça, de delicada espiritualidade a sua “Notícia sobre a poesia brasileira”. (...) A poetisa fez brilhar como constelações radiosas, vibrar como hinos vitoriosos, cantar como fio de água em fonte de caminho e murmurar como o refluar de asas em floresta solitária, as produções poéticas dos seus irmãos na Dor, na Sentimentalidade, na Beleza.750
748 “Embaixatriz da inteligência e da cultura brasileiras. De regresso de uma excursão a Portugal a escritora e poetisa Cecília Meireles palestra com a A Tarde”. Salvador, A Tarde, quarta-feira, 9 de janeiro de 1935. 749 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 22 de fevereiro de 1935. (FA - Cp. Cx. 21, 77/1). Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP). 750 “Notas da Semana. Conferência duma poetisa brasileira. Correia Dias, o moço acadêmico e artista”. Diário de Coimbra, Coimbra, 18 de dezembro de 1934.
Entre todas as reportagens colecionadas no álbum “Diário de Bordo” e que
se referem à visita do casal a Lisboa, somente o Diário de Lisboa dedicou
comentários sobre Correia Dias, o antigo estudante e artista, querido e admirado
pelos acadêmicos da sua época. Referiam-se ao seu trabalho como colaborador das
revistas acadêmicas, ressaltando a qualidade, as suas graciosas e originais
caricaturas e os seus belos desenhos:
‘A Rajada’, revista acadêmica onde Correia Dias marcou a sua individualidade, é bem a afirmação das nossas palavras. Um dia o moço estudante e artista sedento de maior glória, se era possível, desejoso de mais largos horizontes para a sua Arte, partiu para o Brasil deixando a Coimbra dos seus sonhos, da sua mocidade, magoada da sua ausência. Veio agora acompanhando sua esposa a ilustre conferencista que aludimos na nota anterior e encontrou-a, certamente, remoçada, modernizada, com outra expressão de vida, sem aquele lindo e verde chorão do Largo da Feira que enfrentava a janela do seu quarto... Mas Coimbra é que ainda terá sentido a alegria da sua visita. Deve ao seu lápis de artista, às tintas da sua paleta, aos seus pincéis, tanta exaltação da sua beleza, dispersa em quadros, em páginas de revista, Arte um dia levada para além do Atlântico com essa mocidade plena de sonhos, de românticos desejos, de lindos ideais. Voltou a esta terra Correia Dias e tantos que ainda cá estão e saudosamente o viram partir, tiveram o prazer de o abraçar nesta mesma cidade onde ele já foi moço, estudante e artista.751
Antes da conferência, Cecília visitou a Faculdade de Letras e a
Universidade de Coimbra e no dia 16 de dezembro, visitou a Junta Geral do Distrito,
o Sanatório de Celas e o Hospital Sanatório da Colônia Portuguesa do Brasil, nos
Covões, em companhia do seu marido, Correia Dias e do Dr. Bissaya Barreto,
presidente daquela instituição.752
Durante a tarde estiveram na Quinta das Lágrimas, acompanhados do Dr.
Miranda de Vasconcelos, de onde seguiram para o Preventório de Penacova. Outra
751 “Notas da Semana. Conferência duma poetisa brasileira. Correia Dias, o moço acadêmico e artista”. Diário de Coimbra, Coimbra, 18 de dezembro de 1934. 752 Em 17 de outubro o Diário de Coimbra publicou uma nota onde revelava que a poetisa e pedagogista brasileira, Cecília Mendes (e aqui há um equívoco do jornal, que grifa Mendes ao invés de Meireles) visitaria Coimbra onde deveria focar “in loco”, a obra de assistência da Junta Geral do Distrito. Provavelmente, essa visita já fazia parte da programação da visitante por parte do SPN, conforme pude verificar nos arquivos. Para cada visitante, era estabelecido um programa de visitas, dentro do espírito de levar ao seu conhecimento o que de mais arrojado ou representativo do país havia para ser mostrado. In: “A poetisa brasileira Cecília Mendes em Portugal”. Diário de Coimbra, 17 de outubro de 1934.
visita foi feita ao “Ninho dos Pequenitos”, como era denominada outra das obras de
assistência aos menos favorecidos do Dr. Bissaya Barreto.753
Cecília expressou o seu reconhecimento pela recepção que tivera e
declarou quando entrevistada por um periódico local a sua surpresa e admiração
pela obra realizada, prometendo dedicar a elas artigos especiais nos jornais
brasileiros em que colaborava. Na sua despedida de Coimbra estiveram presentes
professores e representantes dos organismos acadêmicos, entre eles o reitor da
Universidade de Coimbra, João Duarte de Oliveira, Providência e Costa, Carlos
Dias, Agostinho de Campos, António de Sousa e Miranda de Vasconcelos. Ao
jornalista do Diário de Coimbra confessou antes de embarcar: vou de Coimbra sem
saber se fiquei gostando mais da terra, se das pessoas com quem tive a honra de
privar. Em seguida, voltou a Lisboa, para dar continuidade às conferências.754
No Club Brasileiro, numa tarde do dia 17 de dezembro de 1934, tratou do
folclore brasileiro e apresentou aquarelas feitas por ela que retratavam os costumes
da população de origem africana no Brasil. Esse material já havia sido apresentado
em 15 de abril de 1933 no Rio de Janeiro. O jornal A Nação de quinta-feira, 13 de
abril de 1933, noticiou a “Noite de Samba” na Pró-Arte, no Rio de Janeiro, que se
realizaria no sábado de Aleluia, que teria como atrações principais a “Escola
Portela”. Na abertura da exposição podia ser vista uma grande coleção de
desenhos, aquarelas e estudos, bem como as figuras típicas da baiana e do bamba,
feitos por Cecília.
Destacamos a originalidade da temática apresentada na exposição no Rio
de Janeiro e na conferência em Lisboa, assim como são também inovadoras,
segundo Conduru (2008), as reflexões gráficas e textuais (...) no campo de estudos
753 Fernando Baeta Bissaya Barreto Rosa concluiu em 1913 a licenciatura em Medicina em Coimbra. Foi professor da mesma faculdade e também atuou na política participando, como deputado eleito na 1ª sessão da Assembléia Nacional Constituinte, que decretou a abolição da Monarquia. Em 1927 presidiu a Junta da Província do Distrito de Coimbra. Atuou ainda como procurador da Câmara Corporativa e foi precursor de uma ação de filantropia, de assistência e promoção da cultura. Destacou-se no campo social e da saúde pública criando sanatórios, leprosários, casas da criança, refúgios para idosos, institutos maternais, bairros econômicos, campos de férias, colônias balneares, estando à frente da campanha de luta contra a tuberculose, a lepra e a loucura. Fundou em 1937, em Coimbra, a segunda instituição de ensino superior privado do país – a Escola Normal Social (mais tarde denominada Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra), direcionada à formação especializada nas áreas da educação e da assistência social. Em 1940 criou o Portugal dos Pequenitos e em 1958 a Fundação, em Coimbra, que tem o seu nome, justamente na casa onde viveu. Após o 25 de Abril foi exonerado de todos os seus cargos, morrendo em Lisboa a 16 de Setembro de 1974. Sobre a Junta Geral do Distrito de Coimbra foi consultado: “Uma grande obra que se deve à Junta Geral do Distrito de Coimbra. Portugal Feminino, ano IV, n. 44, setembro de 1933. p. 21. 754 “A poetisa brasileira Cecília Meireles visitou a obra da Junta Geral do Distrito e retirou à noite para a capital”. Diário de Coimbra, 16 de dezembro de 1934.
sobre a cultura negra, apresentadas no seu livro Samba, Batuque e Macumba. De
acordo com esse autor,
(...) ainda que não tenha se constituído como uma pesquisadora específica da cultura afro-descendente no Brasil, seus desenhos e o texto a eles correspondente estão entre as realizações pioneiras nesse campo, como as de Modesto Brocos, Nina Rodrigues e Artur Ramos, que abriram caminho para outras tantas desde então.755
A conferência ou recital de sabor literário exótico foi amplamente divulgada
pela imprensa portuguesa.756 Segundo um dos cronistas do Diário de Notícias, a
distinta poetisa do Brasil era entre todos os brasileiros que visitaram Portugal uma
das mais brilhantes e de mais rica e sugestiva personalidade.757 Seus versos eram
também exaltados como o que havia de mais moderno e atual na poesia luso-
brasileira. Mereciam e deveriam ser mencionados pela sua transcendência e pela
sua manifesta superioridade. Quanto ao tema tratado naquela noite, afirmava o
cronista:
(...) deu-nos essa grande poetisa uma hora do “folclore” de além-Atlântico. Mas o “folclore” tratado pelas mãos de artista, quase recitado com exaltação, desenhado em cores vibrantes, musical e plástico. Assim, o batuque, o friso popular e carnavalesco dos “blocos”, a terra da Bahia pitoresca e o Rio de Janeiro quando se veste à maneira da baiana, os movimentos da samba erótica 758 e os largos ritmos da macumba dos sortilégios e dos feitiços, tudo isso foi, por Cecília de Meireles, evocado, tratado com um sentido artístico notável.759
Para Viana de Almeida, em crônica do Diário de Lisboa de 13 de março de
1935, Cecília Meireles tinha um estilo sóbrio, sintético e expressivo de descrever a
manifestação animada e colorida das danças de origem africana:
755 CONDURU, Roberto. Sedução gráfica. Jornal Eletrônico “Educação e Imagem” (Seção “Arte e Imagem”), janeiro de 2008 (no prelo). 756 Sobre a referida conferência consultamos também: “O folclore dos negros do Brasil numa conferência e em alguns desenhos de Cecília Meireles. 17 de dezembro de 1934. (recorte sem informação da fonte); e “As danças indígenas brasileiras. Foi o tema duma nova conferência de Cecília Meireles no Club Brasileiro, de Lisboa”. Diário Português, Rio de Janeiro, 18 de dezembro de 1934. 757 “Conferências – Batuque, samba e macumba, pela poetisa brasileira Cecília Meireles”. Diário de Notícias, Lisboa, 18 de dezembro de 1934. Observação: aspas do autor do texto. 758 Está grafado “da samba erótica”, no original. 759 “Conferências – Batuque, samba e macumba, pela poetisa brasileira Cecília Meireles”. Diário de Notícias, Lisboa, 18 de dezembro de 1934. Observação: aspas do autor do texto.
Ao apelo da sua prosa levantam-se vultos e vemos passar à noite, a baiana velha, vendedeira de doces e especiarias pelas ruas do Rio de Janeiro. Os trajes legítimos de baiana desapareceram com o tempo, mas as modernas cabrochas do Rio recompõem-nos em disfarces estilizados. Escutamos o repique dos tambores, pandeiros, cuicos 760 e chocalhos e introduzimo-nos na sombra da noite, assistindo às cerimônias de uma liturgia misteriosa nas macumbas.761
Todos os desenhos e aquarelas da nobre e apaixonada servidora da
beleza762 permaneceram expostos no salão do Club Brasileiro por mais três dias.
Mais tarde, em 1935, o texto dessa conferência foi publicado pela revista Mundo
Português, com o título de Batuque, Samba e Macumba, juntamente com as
ilustrações que representam o folclore brasileiro.763
Na conferência O Brasil e a sua obra de educação,764 na Faculdade de
Letras de Lisboa, Cecília Meireles fez uma detalhada exposição da organização do
ensino no Brasil, discorreu sobre a reforma de Fernando de Azevedo, de um modo
geral, e da fundação do Centro de Cultura do Pavilhão Mourisco, em particular.765
Na assistência estavam professores, estudantes, membros da colônia brasileira e
grande número de personalidades portuguesas, entre as quais o embaixador do
Brasil, Guerra Duval, o secretário da Embaixada, Teixeira Soares, o poeta e
professor da Faculdade de Letras, Hernani Cidade, o escritor José Osório de
Oliveira, o jornalista Viana de Almeida e António Ferro.
760 O substantivo feminino “cuíca” foi grafado como “cuíco” no original. 761 ALMEIDA, Viana de. “Cecília Meireles conferencista”. Temas Literários. Diário de Lisboa, Lisboa, 13 de março de 1935, p. 8. 762 “Conferências”. Diário de Notícias, Lisboa, 18 de dezembro de 1934. Outras matérias consultadas: “O Brasil e a sua educação. Conferência de Cecília Meireles na Faculdade de Letras”. Diário de Lisboa, 18 de dezembro de 1934; “O Brasil e a sua obra de educação. Foi o interessante tema da conferência de Cecília Meireles, na Faculdade de Letras de Lisboa”. Diário de Notícias, 19 de dez. de 1934. 763 Esse livro só foi publicado em novembro de 1983 pela Funarte e Banco Crefisul, com tiragem reduzida, não-comercial, em comemoração aos cinqüenta anos de sua primeira exposição artística, em 1933. Em 2003, foi publicado pela Editora Martins Fontes, sob o mesmo título, apenas acrescido do período em que os desenhos foram produzidos, ou seja, “Batuque, samba e macumba: estudos de gesto e de ritmo, 1926-1934”. Para mais detalhes, consultar: OLIVEIRA, Márcia Ramos de. Batuque, samba e macumba nas palavras e pincéis de Cecília Meireles. Nuevo Mundo Mundos Nuevos, n. 6, 2006. Disponível em: <http://nuevomundo.revues.org/document1555.html>; e ainda CONDURU, Roberto. Sedução gráfica. Jornal Eletrônico “Educação e Imagem” (Seção “Arte e Imagem”), janeiro de 2008 (no prelo). 764 Apresentada em 18 de novembro de 1934. 765 Sobre o Pavilhão Mourisco consultar: PIMENTA, Jussara Santos. Leitura e encantamento: a biblioteca infantil do Pavilhão Mourisco. In: NEVES, Margarida de Souza, LÔBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. (orgs.) Cecília Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, 2001, p. 105-119.
A conferencista, grande embaixatriz da feminilidade culta de Além-
Atlântico,766 foi apresentada a uma numerosa e seleta platéia pelo reitor da
Faculdade de Letras de Lisboa, o professor João da Silva Correia, que a elogiou
pelo seu trabalho, ressaltando a sua obra de educadora e a beleza da sua arte
literária.767 O professor de filologia portuguesa discorreu sobre alguns poemas do
livro Nunca mais... ressaltando a beleza, a energia e a novidade de algumas
comparações, imagens e metáforas. Também destacou a atuação da espiritual
artista da Renúncia como robusta educadora da Ação, salientando algumas
passagens da conferência “Compromisso de educar”,768 proferida na Escola Normal
do Rio de Janeiro e ainda a arte de suas aquarelas. Sobre a artista e educadora
multifacetadas, afirmou ainda:
A Sra. D. Cecília Meireles, artista de várias formas de beleza é distinta aquarelista dos coloridos trajes baianos; etnógrafa especializada na rítmica coreográfica dos negros e na doçura da canção de berço; escritora amorosa de crianças, que ao Brasil deu um livro – Menino Jesus, Criança, meu amor769 -; comentadora de fatos pedagógicos – durante anos, no grande jornal fluminense “Diário de Notícias”, cuja página educacional dirigiu, analisou o caso do dia nos domínios da instrução pública; colaboradora das últimas grandes reformas de ensino lançadas pela geração nova, a um tempo universalista no saber e nacionalista ao realizar – a ilustre fundadora e diretora do Centro de Cultura Infantil, do Rio de Janeiro, reúne todas as condições para falar a professores que são, e a professores que hão-de ser, do palpitante assunto que constitui tema da sua conferência – O Brasil e a sua obra de educação.770
Durante a conferência Cecília demonstrou que não só entendia de literatura
mas também de educação e conhecia as propostas dos renovadores e participava
ativamente das discussões em torno da Escola Nova no Distrito Federal. Essa longa
experiência profissional fizera com que se tornasse uma profunda conhecedora das
766 CORREIA, João da Silva. Discurso pronunciado em 18 de Dezembro de 1934 ao apresentar a poetisa brasileira D. Cecília Meireles na conferência que esta realizou na Faculdade de Letras. Revista da Faculdade de Letras, Lisboa, n. 4, 1937. p. 328-334. 767 CORREIA, João da Silva. Discurso pronunciado em 18 de Dezembro de 1934 ao apresentar a poetisa brasileira D. Cecília Meireles na conferência que esta realizou na Faculdade de Letras. Revista da Faculdade de Letras, Lisboa, n. 4, 1937. p. 328-334. 768 Sobre a conferência, consultar: MEIRELES, Cecília. O compromisso de educar. Rio de Janeiro, Boletim de Educação Pública, ano II, n. 1 e 2, janeiro/junho de 1932. p. 66-74. 769 Há um equívoco do palestrante ao citar o nome do livro. MEIRELES, Cecília. Criança, meu amor. Rio de Janeiro: Tipografia do Anuário do Brasil, 1924. 770 CORREIA, João da Silva. Discurso pronunciado em 18 de Dezembro de 1934 ao apresentar a poetisa brasileira D. Cecília Meireles na conferência que esta realizou na Faculdade de Letras. Revista da Faculdade de Letras, 4(1/2), 1937, p. 328-334.
questões educacionais que se propunha a debater. Esse conhecimento advinha de
sua atividade como professora de escolas públicas cariocas; como articulista da
“Página de Educação” do Diário de Notícias; como organizadora e diretora da
Biblioteca Infantil do Pavilhão Mourisco, uma experiência que criara e desenvolvia
no Distrito Federal. Ao iniciar a sua preleção, Cecília foi enfática ao afirmar que a
sua conferência seria um retrato significativo do Brasil, que deixaria em troca da bela
imagem de Portugal e que projetaria quando retornasse. Depois de se referir às
suas conferências anteriores sobre literatura e folclore brasileiros, afirmou:
O Brasil alcançou, desde há alguns anos, uma fase construtiva que excede o interesse passivo da tradição acumulada e o ritmo vigoroso, mas incerto, da inspiração que acena para vagos horizontes. A sua fisionomia mais nítida, a sua atitude mais robusta, encontram-se na grande obra de educação que um pequeno grupo de homens de coragem empreendeu, despertando-o [o Brasil] a tempo da rotina em que se iam desfalecendo os seus poderes de terra jovem, sacrificada pela mentalidade estacionária e até retrógrada de sucessivas gerações administrativas.771
Cecília foi enfática ao traçar um panorama político e administrativo no
período anterior a 1930, fazendo uma dura crítica aos vícios que impediam a
organização burocrática do Brasil. Segundo ela, existia no país um número
excessivo de bacharéis e doutores, no entanto, a conquista do grau não
representava uma conclusão de estudos úteis, mas um meio mais fácil de justificar
pretensões a cargos que o mecanismo político distribuía generosamente, de acordo
com os seus interesses particulares. Num país onde o diploma resolvia tudo, essa
distribuição de cargos era um conchavo que antecipava todo o tipo de cumplicidades
futuras e de infortúnios, pois os negócios do Estado não paravam nunca nas mãos
de quem os pudesse resolver com dignidade e sabedoria, a ponto de se ver
afastarem com repugnância da política, a maioria dos homens de pensamento e dos
homens de bem, finalizava.772
Na oportunidade, Cecília foi enfática ao enaltecer o valor da reforma de
Fernando de Azevedo, que desde 1927, buscara o aperfeiçoamento do ensino
primário e criara à volta de si um grupo de educadores e intelectuais engajados e
771 “O Brasil e a sua educação. Conferência de Cecília Meireles na Faculdade de Letras”. Diário de Lisboa, 18 de dezembro de 1934 e Diário de Notícias, 19 de dez. de 1934. 772 “O Brasil e a sua educação. Conferência de Cecília Meireles na Faculdade de Letras”. Diário de Lisboa, 18 de dezembro de 1934 e Diário de Notícias, 19 de dez. de 1934.
que batalhavam pelo sucesso daquela reforma. Por ter uma base de gratuidade,
obrigatoriedade, laicidade e co-educação – a reforma, segundo Cecília, garantia a
estabilidade social. Por ser gratuito, o ensino podia e devia ser obrigatório. Esses
fatores segundo a conferencista salvavam a criança de trabalhos inconciliáveis com
o seu desenvolvimento biológico. Outros dois aspectos foram também enfatizados, a
laicidade escolar, imprescindível num país em que todos os cultos se respeitavam; e
a co-educação, numa terra em que os homens e mulheres têm sabido lutar juntos
para conservação da vida e dos seus ideais. Tais aspectos representavam a
coerência do plano de educação que tinha a fisionomia característica do povo a que
se destinou.773 Entre aplausos calorosos da audiência, Cecília terminou dirigindo, em
nome dos professores brasileiros uma saudação ao professorado português.
Essas conferências foram bastante concorridas e tiveram ampla repercussão
por parte da imprensa, o que colaborou para o prestígio e a admiração que a poeta
despertou entre os portugueses. Também contribuíram para que os educadores
locais voltassem os olhos para as experiências que vinham sendo efetivadas no
Brasil, mais especificamente no Rio de Janeiro. O Diário de Lisboa foi o jornal que
proporcionou maior cobertura e divulgação dos eventos e das temáticas debatidas.
Em novembro publicou “Algumas poesias inéditas de Cecília Meireles”; em
dezembro “O Brasil e a sua educação, conferência de Cecília Meireles na Faculdade
de Letras” e “Cecília Meireles trouxe-nos notícias da poesia brasileira”. O Diário de
Coimbra também prestigiou a poeta com a reportagem “A ilustre poetisa brasileira d.
Cecília Meireles, que falou ontem na Biblioteca da Universidade, obteve um grande
triunfo”. No Diário de Notícias, de Lisboa, foi destaque a matéria “A poesia
contemporânea do Brasil, evocada brilhantemente por Cecília Meireles”. Em 1935,
depois de Cecília ter retornado ao Brasil os seus poemas e suas conferências
continuaram a ser lembradas e foram publicadas algumas matérias em jornais
portugueses. O cronista Viana de Almeida publicou “Cecília Meireles conferencista”
no Diário de Lisboa774 e José Osório de Oliveira escreveu “Cecília Meireles –
Inéditos” na revista Fradique:
773 “O Brasil e a sua educação. Conferência de Cecília Meireles na Faculdade de Letras”. Diário de Lisboa, 18 de dezembro de 1934 e Diário de Notícias, 19 de dez. de 1934. 774 O referido artigo encontra-se transcrito no início da parte 2.1 do presente capítulo. Sobre o assunto consultar: ALMEIDA, Viana de. “Cecília Meireles conferencista”. Temas Literários. Diário de Lisboa, Lisboa, 13 de março de 1935, p. 8;
Esta mulher do Brasil não é uma poetisa brasileira. A melhor maneira de definir Cecília Meireles é dizer o que ela não é, porque os seus versos vivem precisamente da ausência de certas coisas. A poesia parece ser para ela uma forma de se despojar. Sente-se que para escrever um poema se liberta primeiro de tudo o que é terreno, de tudo o que a prende ao mundo: sentimentos definidos, idéias concretas, visão das coisas reais, sensações físicas. As palavras, mesmo quando designam objetos, não tem para ela o valor estabelecido mas uma significação especial, misteriosa. Não é uma poesia da vida, a de Cecília Meireles, mas uma poesia de além, dum país ignoto, sem contorno, sem substância, um país imaterial, perdido no ar. Nada tem, por conseguinte, de brasileiro os seus versos sem pátria, sem nacionalidade, sem ecos de alma coletiva. Individuais como nenhum outros, os seus poemas constituem um caso pessoalíssimo no seu país oficial e na língua de que se serve. É uma poesia desencarnada a sua, sem corpo, quase inumana; a poesia dum espírito e não duma pessoa com existência material. Irmã de Rainer Maria Rilke!775
As conferências de Cecília Meireles e toda a programação executada em
Lisboa e Coimbra obtiveram ampla repercussão na imprensa portuguesa, como por
exemplo, nos jornais Diário de Lisboa, Diário de Notícias, Jornal do Comércio e das
Colônias, Diário de Coimbra; e nas revistas Sempre Fixe, Fradique e Portugal
Feminino. Na revista Sempre Fixe, na coluna semanal “Ecos da Semana” a
presença da poeta brasileira ficou registrada nas charges do artista plástico e
caricaturista Carlos Botelho em meio a outros acontecimentos políticos e culturais da
sociedade portuguesa.776
Ilustração 42. Cecília Meireles em charge de uma revista portuguesa. Lisboa, Sempre Fixe, 13 de dezembro de 1934.
775 OLIVEIRA, José Osório. “Cecília Meireles – Inéditos”. Fradique, Lisboa, n. 95, 28 de novembro de 1935, p. 1. 776 BOTELHO, Carlos. Lisboa, Sempre Fixe, 13 e 20 de dezembro de 1934.
As conferências foram noticiadas até mesmo na imprensa brasileira, por
meio das agências de notícias e de artigos de correspondentes dos principais jornais
da Bahia e do Distrito Federal: A Tarde e O Estado da Bahia; O Globo, A Nação, O
Radical, Diário de Notícias, Jornal do Commercio, Diário Português, A Vanguarda e
Gazeta de Notícias, respectivamente.
Ilustração 43. Cecília Meireles em charge de uma revista portuguesa. Lisboa, Sempre Fixe, 20 de dezembro de 1934.
Cecília deveria realizar uma conferência na Universidade Popular
Portuguesa, no dia 08 de dezembro, mas por motivos de saúde, foi adiada e acabou
cancelada da programação.777 A universidade havia sido fundada em 1919 por um
grupo de intelectuais e de trabalhadores, por iniciativa do Dr. Ferreira de Macedo e
tinha como objetivo difundir a instrução e a cultura no bairro de Campo de Ourique,
onde foi criada.778 Possuía relações com o “Bureau International du Travail”, “Bureau
777 A poetisa brasileira Cecília Meireles adiou para quarta-feira próxima, por se achar ligeiramente doente, a conferência que devia realizar esta noite na Universidade Popular Portuguesa. “A poetisa Cecília Meireles está ligeiramente enferma”. Lisboa, 8 de dezembro de 1934. (sem informação da fonte). 778 Em uma conferência proferida na Sociedade de Estudos Pedagógicos em 10 de Abril de 1935, Bento Caraça definiu como fazendo parte do plano de ação da Universidade Popular: 1º Conferências sintéticas e harmoniosas sobre assuntos que possam interessar o indivíduo como homem moderno, qualquer que seja a sua profissão ou posição na sociedade; 2º Sessões de cinema na sede e fora da sede nas sucursais da Universidade; 3º Uma Biblioteca, que chegou a ter 10 mil volumes; 4º Bibliotecas móveis que circulam nas sucursais ou departamentos estabelecidos nos meios operários; 5º Leituras para as crianças e para os adultos; 6º Excursões, teatro, sessões musicais e sinfônicas; 7º Orfeons populares; 8º Laboratório de psicologia experimental; 9º Conselho pedagógico para orientação de leitura. Consultar: DORES, Armando Myre Dores. Boletim O Erro. Lisboa, Escola
International d’Education” e “Ligue International pour L’Education Nouvelle” e editava
a revista “Educação Popular”. Participavam da Universidade Popular Portuguesa
educadores como Bento de Jesus Caraça,779 António Faria de Vasconcelos, Virgínia
de Castro e Almeida, Adolfo Lima, António Sérgio e Jaime Cortesão. Não se pode
afirmar categoricamente, mas talvez o cancelamento da conferência tenha sido
motivado por questões políticas. O levantamento de tal hipótese encontra respaldo
se atentarmos para o fato do convite ter-se originado dentro de um órgão de relevo
dentro do governo salazarista e a universidade possuir em seus quadros elementos
e diretrizes contrárias ao regime, sofrendo perseguições até à paralisação
progressiva da sua atividade a partir de 1939, vindo a ser fechada em 1944.780
Ao deixar o Brasil, Cecília Meireles possuía uma carreira profissional de
destaque e projeção. O seu trabalho na “Página de Educação” lhe garantira o
contato com alguns dos maiores nomes da educação do Brasil e do exterior e
também das suas realizações: escolas e publicações. Ao menos no universo
educacional podemos pensar que ainda que as idéias defendidas em seus trabalhos
fossem um tanto quanto distantes e ousadas para o tempo, ainda assim
encontravam leitores ou não teria garantido uma página inteira de um jornal de
circulação na capital federal do país por mais de três anos consecutivos. É de se
pensar que ainda que houvesse trabalhado em outros projetos também importantes,
como as revistas Terra de Sol, Árvore Nova e Festa, estas eram lidas por um público
de poder econômico e intelectual diferenciado do da “Página de Educação”. Esta
possuía um público mais eclético e mais dilatado, encontrando leitores entre os
profissionais da educação (administradores, inspetores e professores), estudantes e
suas famílias e atingindo leitores de outros extratos sociais e intelectuais, ou seja,
leigos interessados nas questões da educação. Outro fator que pode ter
potencializado a leitura da “Página de Educação” foi, provavelmente, o teor das
Profissional Bento de Jesus Caraça, nº 1, abril 2001; Sobre as universidades populares consultar: PINTASSILGO Joaquim António de Sousa. Imprensa de educação e ensino, universidades populares e renovação pedagógica. Anais do VI Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação (COLUBHE), Uberlândia. 2006; BANDEIRA, Filomena. A Universidade Popular Portuguesa nos anos 20. Os intelectuais e a educação do povo: entre a salvação da República e a revolução social. Dissertação de Mestrado. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 1994. 779 Bento de Jesus Caraça (1901-1948): matemático português, foi militante do Partido Comunista Português. Escreveu livros técnicos e colaborou nas revistas Técnica, Gazeta da Matemática, Seara Nova, Vértice e Revista de Economia. 780 DORES, Armando Myre Dores. Boletim O Erro. Lisboa, Escola Profissional Bento de Jesus Caraça, n. 1, abril 2001.
crônicas de Cecília que não se resumiam a tratar, pura e simplesmente, de assuntos
técnicos, tendo um enfoque muito mais amplo e envolvente.
Pode-se pensar que fosse essa importância profissional, essa segurança
em tratar dos temas da educação aliada às colaborações nos projetos mais
audaciosos realizados no Distrito Federal, é que tenham norteado Cecília a levar as
conquistas daquele grupo de educadores com quem vinha colaborando e as suas
próprias para tratar nas conferências em Portugal. A poesia, mesmo que sendo uma
fonte importante e de certo destaque no país, ainda não lhe garantira um lugar de
tanto destaque entre os seus pares na cidade e no país, como acontecera em
relação à educação. Sendo assim, no seu planejamento para as conferências em
Portugal, tudo leva a crer que a educação tivesse o maior destaque e a poesia
ocupasse um plano secundário. Mesmo que os reiterados convites feitos por
Fernanda de Castro tenham sido feitos em função do conhecimento e da admiração
que os seus versos e a sua poesia despertaram.
Nessa época, Cecília publicou os livros Criança, meu amor (1923)781 e O
Espírito Vitorioso (1929),782 sendo o primeiro aprovado e adotado em 1924 pela
Diretoria de Instrução Pública e pelo Conselho Superior de Ensino dos estados de
Minas Gerais e Pernambuco. Provavelmente, Criança, meu amor tenha alcançado
uma tiragem maior do que o segundo, uma vez que aquele tinha sido adotado como
livro escolar e o segundo tratava-se de uma tese defendida num concurso público.
Quanto aos livros, Espectros,783 Nunca mais... e Poema dos Poemas784 e Baladas
para El-Rei785 tiveram uma circulação mais restrita entre os leitores, por vários
motivos, entre os quais a tiragem limitada com que foram editados. Todos esses
indícios nos levam a supor que a sua faceta de educadora era mais difundida e mais
visível, tanto por meio da “Página de Educação” quanto pelos dois livros citados
acima. Se considerarmos o volume de crônicas escritas e a tiragem diária do jornal
durante os quase três anos de existência,786 comparada à tiragem limitada das
revistas e livros publicados, sejam de educação ou poesia, pelo menos
quantitativamente, aquelas suplantavam os segundos. 781 MEIRELES, Cecília. Criança, meu amor. Rio de Janeiro: Tipografia do Anuário do Brasil, 1924. 782 MEIRELES, Cecília. O Espírito Vitorioso. Tese apresentada ao concurso da cadeira de Literatura da Escola Normal do Distrito Federal. Rio de Janeiro: Tipografia do Anuário do Brasil, s.d., 1929. 783 MEIRELES, Cecília. Espectros. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro e Maurillo, 1919. 784 MEIRELES, Cecília. Nunca mais... e poemas dos poemas. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro, 1923. 785 MEIRELES, Cecília. Baladas para El-Rei. Rio de Janeiro: Ed. Brasileira Lux, 1925. 786 Cecília Meireles esteve à frente da “Página de Educação” durante 32 meses, ou seja, de 12 de junho de 1930 a 12 de janeiro de 1933 e escreveu cerca de 960 crônicas de educação na coluna intitulada “Comentários”.
Uma vez em Portugal aconteceu o oposto. Cecília foi divulgada pela sua
poesia, enquanto a educadora e jornalista foram colocadas num plano secundário.
Os portugueses reconheceram na sua poesia ecos de um portuguesismo, de uma
lírica lusitana, num momento em que interessava ao regime de Salazar e o
Secretariado da Propaganda Nacional a exaltação do país e da cultura portuguesa
no mundo. A identificação da elite intelectual portuguesa com a obra de Cecília
Meireles foi imediata e fez com que atingisse até mesmo outros extratos da
população, uma vez que foram publicados diversos poemas em jornais de Lisboa e
Coimbra.
Ainda que fosse uma das atribuições do cargo que desempenhava no
Secretariado da Propaganda Nacional o de convidar artistas e personalidades do
exterior para visitarem Portugal, aliado ao fato de Cecília se corresponder com
Fernanda de Castro, há que convir que a poeta carioca estava longe de ser uma
personalidade que pudesse se enquadrar aos projetos e modelos requeridos pelo
regime em vigor. A sua luta intransigente na imprensa pelo ideário escolanovista não
deve ter passado despercebido ao seu divulgador, Osório de Castro, nem muito
menos aos autores do convite para as conferências.
Talvez por esse motivo a faceta da educadora tenha sido um pouco
atenuada em Portugal e ressaltada e aplaudida a sua poesia, afinal de contas,
Cecília não fazia uma poesia engajada, uma poesia política. Tanto melhor para o
regime, para o qual a poesia ceciliana não representava nenhum inconveniente nem
representava risco algum. A sua pedagogia e as suas idéias sim, opunham-se
radicalmente a tudo o que vinha sendo construído (ou destruído) em matéria de
educação naquele país, ou seja, a corrente que a educadora se identificara e se
tornara porta-voz, apresentava inúmeras inconveniências. O viés sempre ressaltado
nos jornais portugueses foi, assim, o da universalidade e do portuguesismo de seus
versos. A poeta foi exaltada e considerada européia por Osório de Oliveira, na sua
crônica de apresentação do Diário de Lisboa787 e por Carlos Queiroz em seu artigo
intitulado “Cecília Meireles, poetisa européia”.788
Parece ter havido uma inflexão proposital na importância dos assuntos a
serem debatidos nas conferências. Notamos que em diversas entrevistas
787 OLIVEIRA, José Osório de. Viajantes ilustres, a poetisa do Brasil. Cecília Meireles chega amanhã a Lisboa. Diário de Lisboa, 9 de outubro de 1934, p. 4. 788 QUEIROZ, Carlos. Cecília Meireles, poetisa européia. Lisboa, Diário de Lisboa, 21 de dezembro de 1934.
concedidas por Cecília aos jornais portugueses e nas cartas que escreveu para
Fernando de Azevedo e José Osório de Oliveira, ela destacava e sobrelevava a
importância que as conferências pedagógicas teriam em sua programação.
Entretanto, a conferência oficial, ou seja, aquela que foi proferida na sede do
Secretariado da Propaganda Nacional e que contou com a presença de várias
personalidades da política e da intelectualidade portuguesa foi onde ela tratou
justamente de literatura. As suas conferências pedagógicas foram relegadas a um
segundo plano, sendo primeiramente proferida num liceu, longe do aparato e do
destaque que foi dado à conferência literária. Mais tarde apresentou outra
conferência na Faculdade de Letras de Lisboa e mesmo contando com a presença
massiva de intelectuais e professores não recebeu, por parte da imprensa o mesmo
destaque que as conferências literárias encontraram. Proposital ou involuntário?
Estariam os portugueses mais interessados em poemas do que em educação?
Observamos que muitos daqueles intelectuais a quem Cecília foi
apresentada eram, além de poetas também educadores e/ou se interessavam pelos
assuntos da educação. Entretanto, a educação mereceu um lugar secundário no
tratamento que os jornais e revistas portuguesas ofereceram e ofereceriam ao tema,
ou seja, não interessava uma divulgação mais ampla num país que se fechava aos
preceitos da Escola Nova, ou melhor, que mesclava ao ideário escolanovista um
viés conservador e nacionalista, característico de um regime autoritário.
De acordo com Nóvoa (1995) essa inflexão aconteceu justamente na visita
de Adolph Ferrière,789 em 1930, quando o pedagogo suíço esteve em Portugal e foi
recebido pela imprensa situacionista com críticas e ataques contundentes. Na
véspera da partida esteve com o Ministro da Educação, Gustavo Cordeiro Ramos e
depois dessa audiência cessaram os ataques à sua pedagogia feitos pela imprensa.
Como resultado, o autor afirma que surgiu uma nova imagem da Educação Nova,
conectada com correntes pedagógicas religiosas e conservadoras, até aí
789 Adolphe Ferrière ((1879-1960) foi um dos principais propagadores dos ideais pedagógicos, alicerçados às graduais transformações ocorridas na concepção da criança e das sociedades. Integrado no movimento da Educação Nova, considerava indissociável a vida intelectual da social: ar puro, agricultura e horticultura, ginástica ao ar livre, entre outros, eram os elementos integrantes de uma diversidades de atividades que se iriam manter em congruência com o exercício da atividade escolar. Por sua vez, esta teria como prioridade a iniciativa individual e a diferenciação no ensino. MONTEIRO, Lígia Cláudia Gonçalves. Educação e direitos da criança: perspectiva histórica e desafios pedagógicos. Mestrado (História da Educação), Universidade do Minho, Portugal, 2006.
desconhecidas em Portugal ao invés das características laica e progressista que
assumira no país.790
Apesar do clima político adverso, Cecília conseguiu divulgar muitos autores
brasileiros e suas obras, por meio de conferências, entrevistas e matérias publicadas
nos jornais e, provavelmente, nas conversas com os amigos, possibilitando que se
tornassem conhecidos e lidos pelos intelectuais portugueses. Em um trecho de uma
das cartas enviadas pelo poeta e professor Afonso Duarte, em outubro de 1935,
existem indícios desse intercâmbio quando Duarte revela que conhecia a obra de
Fernando de Azevedo e Lourenço Filho:
Tasso interessa-me muito pela universalidade de seu pensamento como Poeta, quanto a Fernando de Azevedo li-o com aquela satisfação que nos dá um encontro de pensamentos, palavras e obras. É um homem firme. Eu conhecia-o já de “Pour l´ere nouvelle”. A ele e Lourenço Filho – que aqui vai tendo leitores depois que abriu a Sala Brazil da Faculdade de Letras. Obra sua – Cecília Meireles. A sua vinda aqui valeu por todas as Academias e Diplomacias: conquistou-nos.791
Se Portugal foi uma presença marcante na vida de Cecília a recíproca
também é verdadeira: Cecília foi uma presença marcante em Portugal. Em um
levantamento preliminar, segundo Gouvêa (2001), compreendendo o período de
1930-1998, foi possível encontrar cerca de cinqüenta autores portugueses que
escreveram sobre a poesia ceciliana, perfazendo um total aproximado a cem
estudos.792 Seus livros Viagem,793 Solombra794 e Romanceiro da Inconfidência795
tiveram grande acolhida pelos leitores portugueses. No entanto, afirma, Mar
Absoluto796 é um dos livros mais estudados em Portugal. A autora identificou, ainda,
três momentos de ênfase da presença de Cecília Meireles em Portugal: o primeiro
momento aconteceu a partir da sua visita e das conferências realizadas em Lisboa e
790 NÓVOA, António. Uma educação que se diz “nova”. In: CANDEIAS, António, NÓVOA, António, FIGUEIRA, Manuel Henrique. Sobre a Educação Nova: cartas de Adolfo Lima a Álvaro Viana de Lemos (1923-1941). Lisboa: EDUCA, 1995. p. 38. 791 Carta com assinatura ilegível: apesar de ter sido identificada como possuindo assinatura ilegível, é possível atribuir a correspondência em questão ao professor Afonso Duarte, em primeiro lugar pela semelhança da caligrafia e também pela referência à solicitação de publicação sobre desenho (Duarte era professor de desenho). Em sua carta de 7 de fevereiro de 1939, esta catalogada como sua, ele também faz referência à essa temática. 792 GOUVÊA, Leila V.B. Cecília em Portugal: ensaio biográfico sobre a presença de Cecília Meireles na terra de Camões, Antero e Pessoa. São Paulo: Iluminuras, 2001. p. 85. 793 MEIRELES, Cecília. Viagem. Lisboa: Editorial Império, 1939. 794 MEIRELES, Cecília. Solombra. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1963. 795 MEIRELES, Cecília. Romanceiro da inconfidência. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977. 796 MEIRELES, Cecília. Mar absoluto e outros poemas. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1945.
Coimbra, em 1934; o segundo em 1939, quando da publicação do seu livro Viagem,
em Lisboa e de Olhinhos de Gato797 em capítulos, na revista Ocidente;798 e o
terceiro sucedeu à publicação da antologia Poetas novos de Portugal,799 em 1944,
organizado e prefaciado por Cecília.800 O livro contém o primeiro estudo crítico sobre
Fernando Pessoa escrito no Brasil e apresenta a produção do modernismo lusitano
aos brasileiros e até mesmo aos portugueses, trazendo autores como Adolfo Casais,
Afonso Duarte, Alberto de Serpa, Alfredo Pedro Guisado, Ângelo de Lima, António
Botto, Carlos Queiroz, Fernanda de Castro, João de Castro Osório, José Régio, Luís
de Montalvor, Miguel Torga, Natércia Freire, Vitorino Nemésio e Armando Côrtes-
Rodrigues, que se tornou a partir da década de 1940 o maior interlocutor epistolar
português da poeta brasileira.
Ilustração 44. Exemplar e dedicatória do livro Viagem impresso em Portugal e presenteado a Afonso Duarte por Cecília Meireles, em 1939.
Fonte: Biblioteca Municipal da Casa de Cultura de Coimbra.
797 MEIRELES, Cecília. Olhinhos de gato. 8a ed. São Paulo, Editora Moderna, 1983. 798 Sobre o livro Olhinhos de Gato consultar: NEVES, Margarida de Souza. Paisagens secretas: memórias da infância. In: NEVES, Margarida de Souza, LOBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. (orgs.). Cecília Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, 2001. p. 23-29. 799 Meireles, Cecília. Poetas novos de Portugal. Rio de Janeiro: Dois Mundos, 1944. 800 GOUVÊA, Leila V.B. Cecília em Portugal: ensaio biográfico sobre a presença de Cecília Meireles na terra de Camões, Antero e Pessoa. São Paulo: Iluminuras, 2001. p. 22.
Segundo Mota (2002), Cecília manteve laços íntimos com Portugal, que
haveriam de dar os seus frutos, quer no modo como a sua obra foi recepcionada,
quer na existência de possíveis repercussões na poesia feita por portugueses.801 A
predisposição em acolher e refletir sobre a obra ceciliana foi se intensificando ao
longo do tempo. De acordo com a autora a unanimidade em torno da qualidade da
escritora tornou-se evidente pela quantidade.802 Dezenas de textos críticos podem
ser encontrados dispersos em publicações, em que se evidencia o pertencimento
estético e ideológico dos seus autores:
E note-se a heterogeneidade das revistas que se ocupam de Cecília: algumas direcionadas para todas as áreas da cultura como ‘Colóquio/Letras’ ou ‘Ocidente’, dedicadas exclusivamente à literatura, como ‘Revista de Portugal’, ou a poéticas individuais, como ‘Persona’; revistas de várias orientações como ‘Cidade Nova’ (de tendência conservadora e católica) ou ‘Vértice’ (cuja filiação estética passa pelo neo-realismo), revistas que não se identificam com uma corrente específica, como ‘Távola Redonda’; e revistas preocupadas com a divulgação dos valores literários estrangeiros, como ‘Presença’ (algumas especificamente vocacionadas para o intercâmbio luso-brasileiro, casos da ‘Atlântico’, da ‘Insulana’ ou da ‘Terceira Margem’), outras mais direcionadas para a realidade local, como ‘Arquipélago’. Assim se propiciou a intimidade do público português com a escritora carioca. E mesmo depois da sua morte, não passa despercebido o destaque dado a Cecília Meireles por revistas como ‘Nova Renascença e ‘Colóquio’ (nomeadamente ‘Colóquio/Letras’), confirmando que a recepção da obra ceciliana se fez em espaços e tempos diversificados.803
A presença de Cecília em Portugal extrapolou o campo literário, podendo
ser evidenciada, de acordo com Mota (2002) até mesmo nos Parâmetros
Curriculares de Língua Portuguesa para o Ensino Básico:
“Ou Isto ou Aquilo”, coletânea de poesia para crianças, está incluída na lista de obras previstas para leitura orientada no quinto ano de escolaridade, numa primeira abordagem à literatura dos países lusófonos. No sétimo ano, devem ser estudados poemas selecionados, sendo por isso possível encontrar um leque considerável de textos cecilianos nos respectivos manuais. Ou seja,
801 Em seu estudo, MOTA (2002) reúne toda bibliografia de e sobre Cecília Meireles encontrada durante a sua pesquisa e insere ao final do trabalho. Consultar: MOTA, Luisa Maria Gonçalves da. O canto repartido: Cecília Meireles e Portugal. Tese de Mestrado Estudos Portugueses e Brasileiros. Universidade do Porto, 2002. p. 98. 802 MOTA, Luisa Maria Gonçalves da. O canto repartido: Cecília Meireles e Portugal. Tese de Mestrado Estudos Portugueses e Brasileiros. Universidade do Porto, 2002. p. 100. 803 MOTA, Luisa Maria Gonçalves da. O canto repartido: Cecília Meireles e Portugal. Tese de Mestrado Estudos Portugueses e Brasileiros. Universidade do Porto, 2002. p. 100.
Cecília, que nos primeiros tempos da sua produção literária se dedicou à elaboração de livros escolares para as crianças brasileiras (...) tem atualmente um lugar privilegiado no âmbito dos “curricula” escolares portugueses.804
Os laços estreitados durante a primeira viagem nunca mais se desfizeram.
O retorno a Portugal só aconteceria 17 anos depois, em 1951, quando Cecília
finalmente realizou um de seus grandes sonhos: conhecer os Açores, a terra de
seus antepassados. Durante essa visita foi homenageada em cerimônia realizada no
Museu João de Deus, no dia 7 de dezembro. Estiveram presentes autoridades,
poetas e professores, entre eles João de Deus Ramos, que presidiu a mesa, Diogo
de Macedo, diretor do Museu de Arte Contemporânea e João de Barros, o fervoroso
apóstolo da aproximação inter-cultural luso-brasileira que cumprimentou a poeta
ausente por motivos de saúde.805
Ilustração 45. Convite para uma tarde de poesia no Museu João de Deus, em dezembro de 1951. Fonte: Biblioteca do Museu João de Deus, Lisboa, Portugal.
A seguir os poetas Adolfo Casais Monteiro, Alberto de Lacerda,806 Sofia de
Melo Breyner807 e David Mourão Ferreira808 exaltaram a obra da poeta no seu
804 MOTA, Luisa Maria Gonçalves da. O canto repartido: Cecília Meireles e Portugal. Tese de Mestrado Estudos Portugueses e Brasileiros. Universidade do Porto, 2002. p. 114-115. 805 “A tarde da poetisa Cecília Meireles no Museu João de Deus”. Açores, Ponta Delgada, n. 2020, ano oitavo, 11 de dezembro de 1951. p. 1-3. 806 Alberto Correia de Lacerda (1928-2007): poeta português, foi um dos fundadores da revista de poesia Távola Redonda, juntamente com Ruy Cinatti, António Manuel Couto Viana e David Mourão-Ferreira.
sentido espiritual e na sua feiticeira beleza. Os discursos foram seguidos de um
recital de poemas por Maria Germana Tanger,809 que entusiasmaram a assistência e
mereceram calorosos aplausos.810
Anos mais tarde, durante a “Festa da Poesia” em Lisboa, em uma saudação
feita a poeta brasileira, David Mourão Ferreira afirmou:
No concerto de poetas brasileiros seus contemporâneos, a voz de Cecília Meireles é uma voz solitária. Em Portugal, sempre a sua obra obteve uma maior audiência – não porque ela seja mais portuguesa que brasileira, como insinuaram alguns críticos, decerto bem intencionados, mas obcecados por uma quase nacionalização de valores. Cecília Meireles é tão portuguesa como um Rilke ou um Juan Ramón Jiménez, como um Valéry ou um Eliot. Ou custar-nos-á, muito reconhecer a existência de poetas do universo? – A extraordinária categoria poética de Cecília Meireles foi mais cedo reconhecida entre nós, principalmente porque uma geração literária – a geração da ‘Presença’ – havia criado, em Portugal, um ambiente propício à aceitação de mensagens líricas como a sua.811
Em janeiro de 1965, por despacho de 25 de dezembro de 1964 da Câmara
Municipal de Lisboa e por sugestão do jornal Diário de Notícias, o nome da poeta
brasileira que foi uma grande e sincera amiga de Portugal, foi dado a uma rua de
Lisboa, cidade onde a voz da poeta está permanentemente viva na alma dos que
escutaram o seu canto.812
807 Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004): poeta portuguesa e primeira mulher a receber o mais importante prêmio literário da língua portuguesa, o Prêmio Camões, em 1999. 808 David de Jesus Mourão-Ferreira (1927-1996): escritor e poeta português, foi professor da Faculdade de Letras de Lisboa e trabalhou em periódicos, entre os quais a Seara Nova e o Diário Popular. Foi um dos fundadores da revista Távola Redonda. 809 Maria Germana Tânger (1920-): declamadora portuguesa, foi professora de dicção no Conservatório Nacional durante 25 anos. 810 “A tarde da poetisa Cecília Meireles no Museu João de Deus”. Açores, Ponta Delgada, n. 2020, ano oitavo, 11 de dezembro de 1951. p. 1-3. 811 FERREIRA, David Mourão. Cecília Meireles em Portugal. Revista Padrão, Rio de Janeiro, n. 8, fev. de 1952. Saudação proferida por David Mourão Ferreira, uma das mais personalidades da nova poesia portuguesa, na “Festa da Poesia” realizada em Lisboa em honra da poeta brasileira, em 1952. Segundo Freire (2005) Cecília foi considerada uma voz solitária porque ao contrário dos demais modernistas brasileiros ter se engajado à vertente conservadora, ligada à revista “Festa”, que buscava a renovação da literatura brasileira, mas não abria mão das heranças culturais. Acolhia os recursos da métrica e do verso livre decadentista, distanciando-se das propostas da vanguarda modernista da Semana de Arte Moderna de 1922. Dessa forma, é possível entender o perfil da poesia de Cecília Meireles, entre o modernismo e a herança da tradição romântica, acenando com os dilemas do homem moderno e manejando os metros tradicionais e produzindo uma obra relevante para as letras nacionais, sendo considerada uma das maiores expressões do cânone literário brasileiro do século XX. FREIRE, Eunice Rocha. A tradição romântica na construção das imagens de Cecília Meirelles. Dissertação de Mestrado. Departamento de Letras, Universidade Federal do Ceará, 2005. 812 “Cecília Meireles consagrada em Lisboa”. Lisboa, Diário de Notícias, quarta-feira, 20 de janeiro de 1965. p.1.
3.2.1. A bordo do “Bagé” e de volta ao Brasil
Cecília Meireles e seu marido Fernando Correia Dias pretendiam visitar
também a França e a Espanha, mas os compromissos fizeram com que
permanecessem em Portugal por pouco mais de três meses. Dessa forma,
regressaram ao Brasil, a bordo do “Bagé”, nos primeiros dias do ano de 1935.
Em entrevista concedida em Lisboa ao correspondente do jornal O Globo,
do Rio de Janeiro, pouco antes de regressar ao Brasil, Cecília fez um pequeno
balanço de suas atividades:
É muito difícil concentrar em algumas linhas, entre as naturais preocupações de uma véspera de viagem, o que pude ver numa estadia de três meses em Portugal. Essas impressões deverão, aliás, aparecer em sucessivos artigos de que estou encarregada para a imprensa do meu país, e nas quais tratarei da fisionomia geográfica e humana desta linda e hospitaleira terra, ademais, tão conhecida já em todo o mundo. Farei o possível por dizer alguma coisa mais que um simples turista, dado o profundo interesse com que observei a vida do povo em cidades e aldeias onde de detive. (...) Além dos artigos que preparo para os jornais do Brasil, espero poder, em lá chegando, realizar várias conferências, como as que realizei em Lisboa e Coimbra sobre educação, literatura e folclore.813
Em carta enviada de bordo, com o timbre da “Cia. de Navegação Lloyd
Brasileiro”, Cecília escreveu a José Osório.814 Na mensagem que seria enviada
quando aportassem em Recife, revelava que Correia Dias se encontrava enfermo e
que por esse motivo estavam praticamente reclusos na cabine. Contava que sonhou
com Salazar e sua mãe, que lhe mostrava a barateza da vida em Portugal e ficava
imaginando que o mesmo deveria estar acontecendo com ele que devia sonhar que
ela ainda estava lá fazendo conferências. Temia que o amigo acordasse banhado
em suor, gracejava. A carta não foi enviada como anunciado por Cecília, mas
continuou a ser escrita e nela foram inseridos outros assuntos acontecidos após o
desembarque no Rio de Janeiro. O desentendimento havido entre os sócios do A
813 “Três meses em Portugal. A poetisa Cecília Meireles colecionou oitocentas cantigas populares”. O Globo, Rio de Janeiro, 4 de janeiro de 1935. 814 MEIRELES, Cecília. Carta a Osório de Oliveira. Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 1934. Acervo do Prof. Arnaldo Saraiva, Porto, Portugal. Observação: foi permitida a consulta e leitura mas não a cópia das cartas inéditas de Cecília Meireles a José Osório de Oliveira, apenas de pequenos trechos das mesmas. Consultadas em junho de 2007, durante o estágio de doutorado na Universidade de Lisboa.
Nação, onde trabalhavam ela e Correia Dias, fizera com que perdessem os seus
lugares no jornal. Segundo Cecília, eles ainda tiveram que pagar as despesas da
viagem, para assim se verem livres da (quantia) que nos deviam, que ia além de
5.000$, lamentava-se. Na mesma carta, revela que encontrou o Rio de Janeiro
tumultuado – mais pela política que pelo carnaval,815 referindo-se à perseguição que
Anísio Teixeira e outros educadores vinham sofrendo, acusados de professarem
idéias comunistas.
Na carta, Cecília também informava que entraria em contato com o jornal A
Noite para ver se publicavam o que trouxera, apesar de saber que não havia o
menor interesse por parte desse jornal em relação a esse material. Apesar disso,
afirmava, a tentativa seria feita mais em nome das obrigações com Portugal do que
para resolver a sua vida. Até me sinto constrangida, às vezes, em ter feito essa
viagem, não pensem o mesmo de mim, que só tive prejuízos.816 Ainda assim,
pretendia publicar os artigos, mesmo de graça, só para vê-los publicados e que faria
conferências quando o ano letivo iniciasse para a entrega da mensagem do Liceu
Maria Amália, sobre o Jardim-Escola e sobre a obra de Afonso Duarte.817
Durante a escala que o “Bagé” fez em Salvador, o jornal A Tarde entrevistou
a educadora que voltava ao Rio de Janeiro onde reassumiria as suas atividades de
redatora do jornal A Nação e de diretora do Centro de Cultura Infantil.818 Cecília
relatou aos jornalistas baianos algumas das atividades que desenvolvidas em
Portugal: as conferências, a exposição sobre o folclore brasileiro, as recepções,
homenagens e publicações que surgiram e surgiriam daquele primeiro encontro com
a terra dos seus avós. Entre essas publicações destacava a página dedicada à
poesia brasileira que o Diário de Lisboa publicou e que acentuou mais ainda o
interesse de todos e a conferência “Notícia da Poesia Brasileira” que seria publicada,
na revista da Universidade de Coimbra.819
Porém ressaltava, logo no início da entrevista, que a sua atuação ali fora
dedicada, na sua maior parte, à propaganda do (...) Brasil, que, dolorosamente era
quase desconhecido ainda! (...) Ali chegando, pude observar como o nosso país é
815 MEIRELES, Cecília. Carta a Osório de Oliveira. Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 1934. 816 Idem, ibidem. 817 Idem, ibidem. 818 “Embaixatriz da inteligência e da cultura brasileiras. De regresso de uma excursão a Portugal a escritora e poetisa Cecília Meireles palestra com a A Tarde”. Salvador, A Tarde, quarta-feira, 9 de janeiro de 1935. 819 Idem, ibidem.
ignorado!820 Na bagagem trazia uma coleção de desenhos do professor Afonso
Duarte, que seria motivo de uma de suas conferências no Rio de Janeiro e solicitava
ao jornal que fizesse chegar aos ouvidos de todos o seu apelo para que enviassem
o que fosse possível à exposição brasileira, em abril, na Universidade de Coimbra,
na “Sala do Brasil”.821
Ilustração 46. Correia Dias e Cecília Meireles em Salvador. “Em trânsito pela Bahia”. O Estado da Bahia, Salvador, 10 de janeiro de 1935. (em cima e a lápis, anotações feitas por Cecília Meireles incluem a data e o
jornal que publicou a nota).
Cecília concluiu a entrevista revelando que durante o tempo em que
permaneceu em Moledo da Penajóia, uma aldeia do Alto Douro, organizara uma
coletânea de cerca de 800 cantigas populares, que oferecera ao Secretariado da
Propaganda Nacional, como lembrança de sua passagem por Portugal, que
considerava muito insignificante, comparada às amabilidades recebidas de toda
gente, em toda parte, e que só não (...) surpreenderam porque tinha sempre
820 “Embaixatriz da inteligência e da cultura brasileiras. De regresso de uma excursão a Portugal a escritora e poetisa Cecília Meireles palestra com a A Tarde”. Salvador, A Tarde, quarta-feira, 9 de janeiro de 1935. 821 Idem, ibidem.
presente dirigirem-se mais ao Brasil do que a si própria.822 O SPN providenciou a
impressão da coleção sob o título de “Cancioneirinho de Moledo da Penajóia”, da
qual António Ferro escreveu uma introdução a propósito da expressão literária da
autora nas letras brasileiras.823
Outros jornais brasileiros destacaram o retorno do casal de artistas ao
Brasil. O jornal carioca A Nação, onde Cecília e Correia Dias trabalhavam, também
divulgou, em 13 de janeiro de 1935, uma pequena nota onde informavam a chegada
do artista do lápis e da emotiva poetisa, vindos de uma brilhantíssima excursão pelo
velho país amigo.824 No dia 18 do mesmo mês, O Radical também dava as boas
vindas ao admirável casal de artistas:
A poetisa encantadora que é Cecília Meireles e o artista magnífico das cores que é Correia Dias, tiveram oportunidde de fazer a maior propaganda do Brasil, em conferências e palestras feitas no pais das quinas 825 e das caravelas. Esse casal de artistas que conta, no Rio, as maiores simpatias, regressou de Lisboa, anteontem, sendo festivamente recebido pelos nossos altos meios sociais e mundanos. (...) Tamanha a ação desenvolvida pelos dois em Portugal, em favor do nosso país que o embaixador Guerra Duval oficiou ao Itamaraty relatando o proveito, para o intercâmbio luso-brasileiro, da auspiciosa visita feita pelos dois dignos intelectuais.826
Em carta a Fernando de Azevedo, Cecília diz que essa entrevista exprimia
apenas parte do seu pensamento e que o resto apareceria lá mesmo, um destes
dias, sob a forma de artigo ou entrevista.827 Em 28 de janeiro de 1935, enviou outra
carta, desta vez para falar da viagem e das saudades que tinha do mar:
É certo que deixei ótimos amigos, que me ofereceram um ambiente inexcedível de gentileza. Mas sou suficientemente conhecedora de mim mesma para desconfiar que, se em lugar de três meses, o nosso convívio se prolongasse um pouco mais, a triste fadiga que vence os belos entusiasmos desfaria esse ambiente de emoção que
822 “Três meses em Portugal. A poetisa Cecília Meireles colecionou oitocentas cantigas populares”. O Globo, Rio de Janeiro, 4 de janeiro de 1935. 823 “Embaixatriz da inteligência e da cultura brasileiras. De regresso de uma excursão a Portugal a escritora e poetisa Cecília Meireles palestra com a A Tarde”. Salvador, A Tarde, quarta-feira, 9 de janeiro de 1935; e Nota do jornal O Radical, Rio de Janeiro, 5 de janeiro de 1935. 824 “Depois de uma excursão brilhante Correia Dias e Cecília Meireles regressam de Portugal”. A Nação, Rio de Janeiro, 13 de janeiro de 1934. 825 Quina: grupo dos cinco escudetes das armas de Portugal. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Versão 1.0 – Dezembro de 2001. 826 “Dois dignos artistas que regressam de Portugal”. O Radical, Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 1935. 827 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 22 de fevereiro de 1935. (FA - Cp. Cx. 21, 77/1). Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP).
em redor de mim se formou. Eu ando a procura de alguma coisa perdurável. E o mar perdura. Noites e noites, dias e dias éramos os dois sozinhos, existindo um diante do outro, sem desencanto possível. Isso consolou-me de tudo.828
Assim que chegou ao Brasil, Cecília reiniciou seu trabalho no Centro de
Cultura, que já tinha mais de 600 crianças inscritas, mas apresentava alguns
problemas. Não tenho pessoal para o serviço, mas espero vir a tê-lo, e então talvez
possa apresentar resultados interessantes, comentava em carta a Fernando de
Azevedo, em 28 de janeiro de 1935.829 Mas encontrou o Brasil desvairado, sem
sentido, num tumulto que não entendia. Que tristeza ter pátria! E eu que, mau grado
todos os intuitos estóicos, tinha chegado a sentir uma ternura saudosa por essa terra
e esta gente! E perguntava ao amigo: Dr. Fernando de Azevedo: o sr. ainda acredita
na obra de educação?830 Cecília se referia à campanha de difamação contra a
pessoa e a obra de Anísio Teixeira, que culminaram na sua demissão em dezembro
do mesmo ano. Na próxima carta enviada ao educador, em 22 de fevereiro de 1935,
indagava sobre o verdadeiro significado da luta que haviam empreendido:
Quando lhe perguntei: "Ainda acredita nestas coisas de educação?" e esperava uma resposta de flamejante entusiasmo, senti que a minha pergunta era um eco de outras que a si mesmo já deve ter formulado. Não teremos sido de todo inúteis; e, se o fossemos, talvez pudéssemos dizer com a ironia orgulhosa da Condessa de Novailles: "inúteis, mas indispensáveis". Não será porém, afinal, essa a única legenda para a nossa existência transitória? Inúteis para tudo quanto foi nosso propósito mais consciente; indispensáveis, talvez, ou decerto, para essa ordem abstrata a que servimos, nesse universo desconhecido em que a nossa órbita segue um deslocamento geometricamente fiel. Tenhamos a doçura de aceitar que a vida nos faça oportunos e inoportunos, conforme lhe seja necessário.831
Em março de 1935, Tasso da Silveira publicou na revista Festa uma
entrevista que Cecília e Correia Dias lhe concederam em sua casa, um lugar
surpreendente e pitoresco, no morro de São Cláudio, mais incolor, mais urbano, um
morro autêntico, com as suas macumbas e escolas de samba. Da residência onde o 828 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 28 de janeiro de 1935. (FA – Cp. Cx. 21, 76). Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP). 829 Idem, ibidem. 830 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 28 de janeiro de 1935. (FA – Cp. Cx. 21, 76). Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP). 831 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 22 de fevereiro de 1935. FA - Cp, Cx. 21, 77/1. Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP).
casal morava e tinha uma oficina de trabalho, descortinava-se todo o Rio de Janeiro.
Segundo Silveira, dentro de algumas gavetas estavam os numerosos livros inéditos
da poeta, enquanto que centenas de croquis, de gravuras, cartões para tapetes,
cartazes, estudos para cerâmica, iluminuras, todo o mundo mágico e sereno da
imaginação plástica do insigne português Correia Dias estavam guardadas em
grandes pastas.832 Durante a entrevista Cecília referiu-se às singularidades de
Portugal: um luar e o passado íntegro e conservado de Lamego, a paisagem
primitiva que lembrava a tradição druídica de Guimarães e uma ardente geração
moça – o belo grupo da revista Presença, de Coimbra.
Encontro Cecília Meireles de retorno de viagem longa: algumas capitais do norte, o Atlântico de ocidente a oriente, o velho jardim à beira-mar. A viagem é um renascimento, todos sabem. (...) O caminho que ela percorreu, percorre-nos por sua vez. As paisagens, os seres, as cidades vem a nós. Vêm iluminados do deslumbramento da poetisa. Ou deformadas de ironia. Uma ronda de sonho e pitoresco. Águas surdas de encantamento correndo no âmago do que somos. E diante do nosso olhar, que voltou da adolescência, o espetáculo da chama que perenemente nasce e renasce de si mesmo, propondo-nos, num símbolo visível, a alma aturdida, o enigma fundo do espírito criador. No instante em que fala, Cecília Meireles como que chama a si toda a beleza que já produziu. Os poemas de dez anos atrás ou de ontem acorrem com o seu prestígio fascinante, e de momento a momento acendem mais a labareda. Vêm as imagens herméticas ou límpidas, as ressonâncias estranhas, os ritmos ardentemente novos, os pensamentos inesperados de todos os seus cânticos de alegria, de sofrimento ou de amor e tombam como um oxigênio dentro da chama, e desfazem-se em fagulhas inumeráveis. E a chama cresce e queima, e sufoca em torno o último alento e destrói a última fibra de tudo o que não seja o sonho que ela evoca, ou antes, que prodigiosamente recria, para encher outra vez o vazio do mundo.833
Entretanto, o retorno ao Brasil foi tumultuado. A doença do marido Fernando
Correia Dias agravou-se. Além dos problemas familiares somavam-se os
profissionais, com a perseguição que Anísio Teixeira e seus colaboradores vinham
recebendo. Em dezembro de 1935, sob a alegação de conspiração contra o governo
Vargas e já incapaz resistir à campanha de difamação Anísio pediu demissão do
cargo de Secretário de Educação e Cultura do Distrito Federal. A posição liberal de
832 SILVEIRA, Tasso. Meia hora com Cecília Meireles e Correia Dias. Revista Festa, Rio de Janeiro, n. 7, março 1935. p. 9. 833 SILVEIRA, Tasso. Meia hora com Cecília Meireles e Correia Dias. Revista Festa, Rio de Janeiro, n. 7, março 1935. p. 9.
Anísio Teixeira representou uma ruptura com padrões autoritários emergentes na
conjuntura política da época, conforme afirmado por Xavier (2007):
Mesmo depois de promulgada a Constituição, em 1934, a situação política do país permanecia instável, culminando com a Intentona Comunista de 1935, liderada por Luis Carlos Prestes. Após reprimir a Intentona, o Governo Vargas sancionou a Lei de Segurança Nacional e lançou uma forte campanha contra o que ele denominou de “ameaça comunista”. Essa campanha foi utilizada pelos opositores de Anísio Teixeira, que associavam a suas idéias e realizações à influência comunista, principalmente em razão dele defender a educação pública e partilhar o entendimento de que cabia ao Estado a responsabilidade de garantir um modelo de educação pública, leiga, gratuita e aberta a todos, independente de crença, raça ou classe social.834
Os ataques políticos que se iniciaram naqueles primeiros meses do ano de
1935 iriam dentro de pouco tempo interromper a obra dos renovadores, sofrendo
descaracterizações até ser praticamente desmantelada. Esse foi um período difícil
para Cecília. Com o acirramento do regime político até o Centro de Cultura Infantil
tinha os seus dias contados, vindo a ser definitivamente fechado em 1937.
3.3. Aspectos portugueses da Educação
Desde o final da década de 1920 Cecília Meireles participava das
discussões próprias do campo educacional. Nessa época ela já buscava estar a par
das inovações que eram disseminadas e difundidas por pedagogos oriundos dos
grandes centros difusores de concepções e modelos pedagógicos, como Genebra,
principalmente pelo Instituto Jean-Jacques Rousseau. A partir do momento em que
conheceu essas concepções, a educadora se integrou nessa rede de produção e
circulação de idéias, apropriando-se e contribuindo para que essa difusão se
efetivasse. Podemos considerar, inegavelmente, a Página de Educação” um dos
principais órgãos difusores dessas idéias e inovações pedagógicas brasileiras e
estrangeiras entre os anos de 1930 e 1933.
834 XAVIER, Libânia Nacif. A reforma do ensino no Distrito Federal (1930-1935): experimentalismo e liberalismo em Anísio Teixeira. Cadernos de História da Educação, n. 6, jan. /dez. 2007. p. 156.
A inserção da educadora no movimento escolanovista teve o seu início nos
anos finais da década de 1920. Em sua tese, já referida anteriormente, para o
concurso da Escola Normal, O Espírito Vitorioso,835 a educadora já trazia fortes
indícios de que procurava se colocar a par das novas concepções educativas que
vinham se desenvolvendo no exterior, principalmente nos países europeus. Cecília
não citava autores, nem mencionava exemplos. Segundo ela, não havia exemplos,
mas experiências de certas épocas, realizadas por certas criaturas, em certas
circunstâncias e que jamais seria possível reproduzi-los, sem forçar a própria
natureza, uma vez que o processo da vida não permitia repetições. As experiências,
podiam apenas valer como elemento de cultura, como o histórico da humanidade
que nos precedeu, servindo para contemplar, na alternativa de todas as variantes, a
lei de movimento que imperativamente as determina. Convidava os educadores ao
exercício da sinceridade e da humildade, diante da sucessiva destruição de teorias e
doutrinas e da impossibilidade de resolver definitivamente os absorventes enigmas
que nos cercavam.836 A escola moderna, afirmava, era uma resposta às
inquietações e uma conseqüência dessa visão de responsabilidade e desse desejo
de acertar:
A ânsia espiritual formulada nas aspirações da escola nova não pertence já, e cada vez pertencerá menos, a uma limitada plêiade. Dos nomes radiosos que esta renascença educativa reuniu num momento, desgalharam-se as idéias a todos os ventos, e multiplicaram-se em todas as direções, tão realmente oportuna era a transformação, tão aguardada já nos mais obscuros e distantes silêncios.837
Para Cecília, seriam ou deveriam ser considerados heróis todos os
educadores que mesmo vindo da pedagogia tradicional, tivessem a coragem de
arriscar-se à aventura desta era nova,838 pois a reforma que deveriam tentar exigiria
deles uma transformação profunda:
Não pode imprimir às vidas em formação uma íntegra noção do seu próprio sentimento de liberdade, não pode receber com encanto a infância nova, nem fazê-la despertar livre de tiranias e dogmatismos
835 MEIRELES, Cecília. O Espírito Vitorioso. Tese apresentada ao concurso da cadeira de Literatura da Escola Normal do Distrito Federal. Rio de Janeiro, 1929. 836 Idem, ibidem. 837 Idem, ibidem. 838 Idem, ibidem.
quem não esteja numa situação análoga a essa que deseja criar, quem não tenha, espontânea ou voluntariamente, abdicado das idéias feitas, dos moldes de pensamento já encontrados, quem não esteja, enfim, construindo todos os dias a sua personalidade, com essa religiosa inquietude de acompanhar a marcha dos homens, surpreendendo-lhe o ritmo oculto, compreendendo-o, e obedecendo-lhe com alegria.839
Cecília argumentava que o ideal da escola moderna não estava mais
circunscrito a uma pequena plêiade, estendia-se a todos aqueles homens e
mulheres que se dispusessem a desvestir a sua velha aparência de transmissor de
conhecimentos imóveis e como artistas e como homens, criassem largamente com
tudo que houvesse de preclaro na sua inteligência, de puro no seu sentimento, e de
nobre na sua atividade.840
Ao mesmo tempo em que era consumidora desses modelos, Cecília
também participava da rede de circulação de idéias, gerando-as, já que as
disseminava por meio da sua produção intelectual, principalmente no período mais
rico dessa produção, entre 1930 e 1933, quando esteve no Diário de Notícias, onde
por meio dos seus artigos a educadora-jornalista discutiu, criticou, debateu, apontou
e estimulou a mudança dos rumos da educação entre educadores, intelectuais e
opinião pública cariocas. Nesse espaço privilegiado, Cecília tratou de afirmar suas
posições ideológicas e filosóficas, preocupando-se em difundir o ideário da Escola
Nova e marcar a posição dos principais reformadores do momento. Escreveu sobre
temáticas diferenciadas: arte, feminismo, fraternidade universal, revolução,
nacionalismo, leitura, livros e literatura infantil.
Discutiu o estado em que se encontrava a educação no Distrito Federal e a
situação de suas escolas: o abandono, a escassez, a precariedade da estrutura
física e até mesmo a banalidade da sua decoração. Destacando a necessidade de
compatibilizar a transformação do ambiente físico à mudança de atitude dos
professores, encorajava os educadores a agirem simultânea e solidariamente na
obra de reconstrução pedagógica. Também analisou, naquelas páginas, como as
transformações implementadas no âmbito da Reforma Anísio Teixeira (entre 15 de
outubro de 1931 e 2 de dezembro de 1935) repercutiam no espaço escolar do
Distrito Federal: como foram concebidas, como se efetivou essa política de
839 MEIRELES, Cecília. O Espírito Vitorioso. Tese apresentada ao concurso da cadeira de Literatura da Escola Normal do Distrito Federal. Rio de Janeiro, 1929. 840 Idem, ibidem.
edificações escolares, como esse novo modelo escolar se adequou às conquistas
pedagógicas que a escola passava agora a exigir, como foram realizadas e
recebidas pela comunidade educacional do período.841 Mais tarde, ainda que de
forma mais atenuada, deu seqüência à difusão das concepções dos educadores
escolanovistas e as suas próprias por meio da coluna “Professores e Estudantes” do
jornal carioca A Manhã, de 1941 a 1943.842
Nas páginas do Diário de Notícias, também estabeleceu um vigoroso
intercâmbio entre educadores de diversas partes do Brasil, da América e da Europa.
Vale lembrar que esse intercâmbio de experiências era parte das estratégias que
esses educadores encontraram para disseminar e discutir as novas concepções que
vinham sendo elaboradas, ou seja, por meio dessas trocas intelectuais – palestras,
debates, entrevistas e publicações – cada educador tinha oportunidade de
desenvolver e elaborar suas críticas, sugestões e adaptações dos modelos que ora
eram difundidos pelos grandes centros educacionais e pelos grandes educadores de
então. Aqui o conceito de rede se aplica com bastante propriedade, uma vez que os
educadores teceram uma verdadeira malha de contatos que lhes possibilitou, ao
mesmo tempo, conhecer o que vinha sendo proposto nas diversas partes do mundo,
como também de levar as suas contribuições até onde esses modelos estavam
sendo colocados em prática.
Segundo Houssaye (2007) é impossível produzir uma história dos
pedagogos de cada país sem fazer referência aos pedagogos dos outros países e
não é mais possível conceber a pedagogia a não ser sob o ângulo internacional,
considerando que os pedagogos sempre foram viajantes, fisicamente,
intelectualmente, coletivamente.843 Entretanto, apesar de reconhecer que a
circulação de idéias aconteça, o autor destaca os limites desses intercâmbios,
resultante da própria constituição da pedagogia, ou seja, para que a pedagogia se
estabeleça e possa gerar os seus frutos, é necessário que o pedagogo também se
estabeleça em tempo e espaço determinados. Requer, ainda, que essa pedagogia
conteste, denuncie, recuse e/ou apague outras pedagogias, sob o risco de ela
mesma se apagar ou não se afirmar. A ação pedagógica é definida pela
841 Sobre o assunto, consultar: PIMENTA, Jussara Santos. O espaço escolar: ambiente e ambiências nas crônicas da “Página de Educação” (1930-1933), Cadernos do CEOM, Chapecó, n. 23, 2006 ("Cultura Material"). 842 MEIRELES, Cecília. Estudantes e professores. Rio de Janeiro, A Manhã, 1941-1943. 843 HOUSSAYE, Jean. Pedagogias: importação-exportação. In: MIGNOT, A. C., GONDRA, J. G. (org.). Viagens Pedagógicas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 298.
enraizamento do pedagogo ao seu contexto histórico, às influências pedagógicas,
políticas, filosóficas, científicas, psicológicas e sociais, uma gama de influências que
vão determinar o pensamento e a ação do pedagogo e a constituir a sua pedagogia.
Houssaye atenta para a especificidade das pedagogias e o que contribui para a sua
força e a sua fraqueza. A força de uma pedagogia seria o que concorre para a sua
identidade e é essa singularidade que a torna exeqüível em termos de exportação. A
sua fraqueza, por outro lado, impossibilita a exportação, uma vez que as suas
singularidades limitam a sua difusão em outros tempos e espaços, ou seja, o
enraizamento que permitiu que essa pedagogia pudesse vingar, também foi
responsável pela dificuldade que ela vai ter de ser transplantada para outros tempos
e espaços, uma vez que esse enraizamento lhe conferiu qualidades só aceitas,
aplicáveis àquela realidade onde se desenvolveu. Essa é a fraqueza de uma
pedagogia, a sua especificidade, que lhe garantem e oferecem, assim, vantagens e
desvantagens.
Continuando a sua reflexão sobre o fenômeno da importação-exportação
das pedagogias, Houssaye (2007) revela as justificativas que os pedagogos
oferecem para as suas escolhas. Segundo esse autor, quando se importa uma
pedagogia, os pedagogos utilizam a perspectiva historicista, na qual comparam, na
maioria da vezes de forma negativa as outras pedagogias à sua própria pedagogia.
No caso da exportação das pedagogias, os pedagogos justificam as suas escolhas a
partir de uma referência fundada na ciência.
Quando se pretende fornecer ‘o’ bom método ‘comprovado’, não há mais razão, é claro, para apoiar-se numa especificidade nacional ou local. Ao contrário disso, o que é particular só pode desvalorizar.844
Esse autor discute ainda a forma como os pedagogos utilizam para afirmar
as suas pedagogias a partir de estratégias de continuidade e descontinuidade e
pertencimento a uma tradição ou negação/originalidade em relação às condições da
época. Assim, o discurso da renovação é afirmado e reafirmado para que essa
pedagogia venha a ser acreditada e consolidada.
844 HOUSSAYE, Jean. Pedagogias: importação-exportação. In: MIGNOT, A. C., GONDRA, J. G. (org.). Viagens Pedagógicas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 303-304.
(...) os pedagogos precisam torná-los críveis, o que exige bastante carisma e circunstâncias favoráveis. Terão que construir ‘imagens’ capazes de encontrar um eco, para que a mensagem passe e seja difundida.845
Esta foi, afirma o autor, a estratégia de afirmação da Escola Nova, frente a
outras pedagogias que lhe antecederam. Tradicional, retrógrada, totalitária, foram
alguns dos qualificativos atribuídos às pedagogias precedentes, que contribuiu para
afirmar e conseguir prosélitos para a “nova” pedagogia. Para Houssaye (2007) os
difusores das novas pedagogias assumem uma dupla tarefa: fazer esquecer o
contexto de uma dada pedagogia e, posteriormente, apresentar as suas intuições
sob a forma de um sistema, dissociando esse sistema da sua figura. Isto equivale a
efetivar a despersonalização de um pedagogo para que a sua pedagogia tome vulto
ou seja difundida. Para tanto, é necessário que o pedagogo seja, efetivamente, a
figura central da sua pedagogia. Por mais paradoxal que seja esta afirmação,
Houssaye considera que a pedagogia vai ser coroada de sucesso, quanto mais o
pedagogo seja a figura central do movimento e tanto mais houver a
despersonalização de sua figura. Ele aponta o caso da Escola Nova em que os seus
mais característicos atores se tornaram anônimos ao longo do tempo. Traduzindo, a
apropriação massiva de uma pedagogia parece ser a fonte de despersonalização de
seus criadores. Interessa a teoria e não o personagem. Para ser apropriado e
transformado, ele precisa ser negado, substituído, apagado, em nome das
sucessivas adaptações que são feitas da sua pedagogia.846
Apesar da sua grande experiência com os assuntos educacionais, Cecília,
certamente não pode fazer, por causa das limitações de tempo e do programa
ampliado, averiguações, pesquisas e visitas às escolas portuguesas como ela
tencionava fazer. Entretanto, é possível que durante o tempo que passou em
Portugal tenha tido oportunidade de visitar diferentes espaços: livrarias, exposições,
museus, sindicatos, associações, clubes, universidades, asilos, lactários, escolas
primárias, secundárias, profissionalizantes e jardins de infância. Quanto às escolas
de formação de professores, não foi possível visitá-las, uma vez que as mesmas
tinham sido fechadas em virtude do regime salazarista, em princípios dos anos de
845 HOUSSAYE, Jean. Pedagogias: importação-exportação. In: MIGNOT, A. C., GONDRA, J. G. (org.). Viagens Pedagógicas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 307. 846 Idem, p. 309.
1930. 847 Algumas dessas visitas não ficaram documentadas, portanto, não foi
possível estabelecer onde, com quem e quando realizou tais excursões. Em suas
cartas a educadores e amigos, especialmente a Fernando de Azevedo, ela se detém
nos pontos turísticos visitados no país: a Alfama, a Mouraria, os Jerônimos, a Torre
de Belém, etc. À diretora do Centro de Cultura Infantil devia interessar a visita às
bibliotecas portuguesas, por isso foram incluídas no roteiro as de Mafra e do Palácio
Fronteira.848 Entretanto, em se referindo à educação, foi possível encontrar
distribuídas em entrevistas e cartas, o que realmente chamou a atenção da
educadora em termos de educação e experiências pedagógicas, quando esta se
refere às conferências que pretendia realizar no Brasil sobre os aspectos
observados em Portugal.
A educadora pretendia realizar algumas conferências um mês após o seu
regresso ao Brasil. Como a programação estabelecida para ser apresentada em
Portugal, a que Cecília esperava realizar no Brasil também não se encontrava bem
definida. Se acompanharmos as suas declarações sobre o projeto das conferências,
veremos que este foi se alterando com o passar do tempo e das circunstâncias. As
conferências foram mencionadas em várias oportunidades, em cartas e entrevistas,
entretanto o teor das mesmas sofreu algumas alterações. A programação dependia
de um conjunto de fatores e também das instituições em que as mesmas seriam
apresentadas.
Em carta de 31 de dezembro de 1934 para José Osório de Oliveira, ela
revela que planejava realizar três conferências: a primeira para entregar a
mensagem do Liceu Maria Amália e duas outras, uma sobre o Jardim-Escola e a
outra sobre a obra de Afonso Duarte.849 Na entrevista de 4 de janeiro de 1935,
concedida ao jornal O Globo, Cecília informava, vagamente, que faria conferências
sobre educação, literatura e folclore como as que realizara em Lisboa e Coimbra,
porém não detalhava o conteúdo das mesmas e nem de que autores e experiências
discorreria.850
847 FERNANDES, Rogério. O pensamento pedagógico em Portugal. Amadora: Biblioteca Breve, ICALP, 1979. p. 124. 848 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Moledo da Penajóia, 6 de novembro de 1934 (FA - Cp. Cx. 21, 75). 849 Carta inédita de Cecília Meireles a José Osório de Oliveira. MEIRELES, Cecília. Carta a Osório de Oliveira. Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 1934. Acervo do Prof. Arnaldo Saraiva, Porto, Portugal. Consultada em junho de 2007. Observação: foi permitida a leitura mas não cópia das cartas, apenas de pequenos trechos das mesmas. 850 “Três meses em Portugal. A poetisa Cecília Meireles colecionou oitocentas cantigas populares”. O Globo, Rio de Janeiro, 4 de janeiro de 1935.
Em carta a Fernando de Azevedo de 22 de fevereiro de 1935, participava ao
amigo que proferiria quatro conferências: uma sobre o Liceu Maria Amélia Vaz
Carvalho, para entrega de uma mensagem de que era portadora, no Instituto de
Educação do Rio de Janeiro; na segunda trataria dos aspectos da educação em
Portugal; em outra dissertaria sobre a poesia portuguesa da atualidade e na última
apresentaria a experiência pedagógica do poeta Afonso Duarte:
Espero que o sr. tenha a sorte de não assistir nenhuma. E o demônio sopra-me agora ao ouvido: "Em todo caso, seria a maneira de pores à prova a sua admiração..." Mas eu olho para o demônio e (não ria!) o demônio... foge.851
Pouco depois, em 24 de junho, Cecília informava a Osório de Oliveira já ter
realizado uma conferência sobre Portugal e que achava que tinha sido a sua melhor
conferência.852 Comentava ainda que aguardava o retorno de Lourenço Filho dos
Estados Unidos para agendar a conferência sobre o Liceu Maria Amália, que
recebera o convite da colônia portuguesa de São Paulo e do diretor do Instituto de
Educação de São Paulo, Fernando de Azevedo, para fazer conferências naquelas
instituições. A conferência realizada no Instituto de Educação, intitulada
“Preferências literárias da criança” e baseada na experiência do Centro de Cultura
Infantil, foi apresentada em 28 de setembro de 1935. Cecília referia-se, ainda, a
mais uma conferência que realizaria intitulada “Notícia da poesia portuguesa”, mas
não encontramos mais informações sobre a sua concretização.853
Em julho, Cecília comentou que realizara a conferência sobre o Liceu Maria
Amália Vaz de Carvalho no Instituto de Educação do Distrito Federal e que
preparava mais três conferências: a referida anteriormente, “Notícia da Poesia
Portuguesa” e mais outras duas: uma versando sobre a obra de Faria de
Vasconcelos e o seu instituto e a segunda sobre a experiência artístico-pedagógica
do poeta Afonso Duarte.854 Quanto aos artigos que planejava escrever, um versaria
sobre a “Sala Brasil”, informava a Fernando de Azevedo em carta de 23 de maio do
mesmo ano: 851 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 22 de fevereiro de 1935. (FA - Cp. Cx. 21, 77/1). Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP). 852 Não foi possível encontrar mais informações sobre o teor e nem o local onde a conferência foi realizada. 853 MEIRELES, Cecília. Carta a Osório de Oliveira. Rio de Janeiro, 24 de junho de 1935. Acervo do Prof. Arnaldo Saraiva, Porto, Portugal. Consultada em junho de 2007. 854 MEIRELES, Cecília. Carta a Osório de Oliveira. Rio de Janeiro, julho de 1935. Acervo do Prof. Arnaldo Saraiva, Porto, Portugal. Consultada em junho de 2007.
Estou para escrever todos os dias um artigo sobre a Sala Brasil, mas não há tempo. Ainda nem pude fazer as conferências! O Instituto de Educação nem sequer encontrou ainda oportunidade para receber uma mensagem de que me fizeram portadora...855
Escreveria ainda dois ou três artigos sobre a cultura portuguesa, dizia em
carta de julho do mesmo ano a Osório de Oliveira. Informava o assunto mas não
mencionava o conteúdo que os artigos teriam.856
Dos trechos extraídos da entrevista e da correspondência de Cecília
Meireles com os dois interlocutores, Fernando de Azevedo e José Osório de
Oliveira, foi possível estabelecer que experiências foram consideradas pela
educadora como as mais importantes e significativas em termos de pedagogia: a de
Afonso Duarte, a de Faria de Vasconcelos e os Jardim-Escola de João de Deus.
Com essa opção, Cecília trouxe para o debate educacional brasileiro uma série de
experiências educacionais não-oficiais como contribuições do movimento
escolanovista português e omitiu uma das experiências oficiais de educação do
regime salazarista: os “Parques Infantis”, de Fernanda de Castro.
Uma das vitrines do regime, os “Parques Infantis” foram concebidos para
amparar a criança pobre, dentro de uma concepção assistencialista da educação.
Cecília preferiu não escrever nem discorrer sobre essa experiência em nenhuma
conferência, omitindo a suas impressões, talvez em nome da hospitalidade com que
fora recebida pelo governo de Portugal e pela própria Fernanda de Castro e seu
marido António Ferro.857
A idéia de fundar os “Parques Infantis” surgiu durante uma viagem a Paris,
quando Fernanda de Castro conheceu a obra de assistência à criança que a
milionária americana Miss Stern organizara, que se chamava “Square d´enfants” e
855 MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 23 de maio de 1935. FA - Cp. Cx. 21, 78. Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP). 856 MEIRELES, Cecília. Carta a Osório de Oliveira. Rio de Janeiro, julho de 1935. Acervo do Prof. Arnaldo Saraiva, Porto, Portugal. Consultada em junho de 2007. 857 Na literatura acadêmica da área de educação foram encontradas as seguintes referências aos Parques Infantis: PEREIRA, Sara Marques. Maria Fernanda Teles de Castro e Quadros Ferro. In: NÓVOA, António, BANDEIRA, Filomena. (Dir.). Dicionário de Educadores Portugueses. Porto: Edições ASA, 2003; e ainda OLIVEIRA, Salomé. Fernanda de Castro e os parques infantis. Cadernos de Educação de Infância, n. 24, 1992, p. 4-7; Sobre Fernanda de Castro consultar: FERRO, Mafalda, FERRO, Rita. Retratos de uma família. Lisboa: Círculo de Leitores, 1999; Ó, Jorge Ramos do. "Ferro, Maria Fernanda Teles de Castro e Quadros". In Dicionário de História do Estado Novo, Lisboa, volume I, 1996. p. 357-358; e FERREIRA, David Mourão, FERREIRA João Palma. Contemporâneos. In: Dicionário de Literatura Portuguesa (org. de Jacinto do Prado Coelho). Porto. 3ª edição, 1976. p. 198-199.
se distribuíra por cinco ou seis bairros da capital francesa. Visitou, mas não gostou
do que viu:
Os pequenos edifícios eram de cimento, cor de cimento, os bibes858 das crianças de cores escuras que davam a impressão de mal lavados e, cúmulo de incompreensível mau gosto, nem uma árvore, nem uma flor, nem nada que pudesse reter um raio de sol. As crianças, às dezenas, brincavam sem alegria nuns terrenos vazios, sem um relva ou brinquedo. Brincavam sim, isto é, corriam dum lado para o outro, mas como que obrigadas por uma disciplina talvez boa para soldados mas não para crianças entre os três e os dez anos.859
Assim que se despediu de Miss Stern, Fernanda não pensou em outra coisa
a não ser em fazer o mesmo em Lisboa, mas de uma forma completamente
diferente: as casas seriam pintadas de tons garridos, os bibes teriam as sete cores
do arco-íris, as crianças brincariam na relva, haveria árvores, pássaros e sol.860
Ilustração 47. Nos jardins de São Pedro de Alcântara, onde começou a obra dos Parques Infantis. Fonte: Maria Archer. Os Parques Infantis. Lisboa, 1943. (Legenda transcrita do original).
858 Regionalismo: Portugal. Tipo de avental com mangas, abotoado ou atado nas costas, que as crianças usam para proteger as roupas. Obs.: cf. babadouro. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Versão 1.0. Dezembro de 2001. 859 CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Lisboa, Verbo, 1988. p. 240. 860 Idem, ibidem.
Surgiram assim os “Parques Infantis Portugueses” um tanto diferentes dos
parisienses em sua concepção e que contaram inicialmente com a ajuda monetária
de amigos e familiares. O primeiro “Parque Infantil” ou Parque Infantil No 1 foi
construído no Jardim de São Pedro de Alcântara, num espaço cedido por Luís
Pastor Macedo, vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa, e inaugurado em
18 de novembro de 1933.
Ilustração 48. O bendito trabalho da agulha aprende-se cedo, ao ar livre, como quem brinca.... Aspecto de uma sala de aula dos Parques Infantis. Fonte: Maria Archer. Os Parques Infantis. Lisboa, 1943. (Legenda transcrita
do original).
Em seguida foi criada a Associação dos “Parques Infantis”, entidade
concebida para amparar, proteger, igualar perante a sorte, vestir e alimentar as
crianças oriundas da população de baixa renda de Lisboa com idades entre três e
dez anos. Depois desse primeiro Parque Infantil outros foram criados por toda a
Lisboa: o Parque do Campo Grande, o Parque das Necessidades e o Parque de
Santa Catarina, freqüentados, ao todo, por 750 crianças de ambos os sexos.861
Também foram criadas outras instituições vinculadas aos “Parques Infantis”,
entre as quais a “Colméia” cujo objetivo era o de oferecer ensino profissionalizante
às crianças egressas dos “Parques Infantis”. Mais que um parque infantil, registrou
Fernanda de Castro em suas memórias, a “Colméia” era uma escola de artes e
ofícios: 861 ARCHER, Maria. Os Parques Infantis. Lisboa: Associação Nacional dos Parques Infantis. 1943.
(...) chegamos a ter doze seções a funcionar ao mesmo tempo: costura, alta costura, bordados à mão, bordados à máquina, malhas à mão, malhas à máquina, flores, brinquedos, culinária, sapataria, carpintaria e marcenaria. Estas seções funcionavam em salas sem muros, isto é, salas cujos muros eram de vidro transparente. (...) Todas estas seções eram dirigidas por mestras muito competentes. Logo que as crianças completavam a sua instrução primária, passavam automaticamente para a Colméia, onde cada uma aprendia o ofício que mais lhe interessava. No primeiro ano não ganhavam nada. Mas a partir do segundo começavam a receber por semana algumas dezenas de escudos, poucas, porque isto era mais estímulo do que pagamento, visto que continuavam a receber gratuitamente aprendizagem, alimentação, assistência médica e medicamento e ainda uma espécie de fardamento que usavam na escola (...).862
O projeto “Pássaro Azul”,863 que funcionou em uma das sedes dos “Parques
Infantis”, proporcionou educação artística e musical a cerca de 100 crianças.
Segundo Fernanda, a experiência tinha como finalidade oferecer educação artística
a crianças em ‘estado puro’, ainda completamente libertas dos malefícios do mau
gosto e de modas efêmeras.864
Ilustração 49. O pão do espírito. Aspecto de uma sala de aula dos Parques Infantis. Fonte: Maria Archer. Os Parques Infantis. Lisboa, 1943. (Legenda transcrita do original).
862 CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Lisboa, Verbo, 1988. p. 262. 863 Nome dado, provavelmente, em homenagem ao dramaturgo, poeta e ensaísta belga Maurice Maeterlinck (1862-1949), autor da obra Pássaro Azul (L’Oiseau bleu - 1909), amigo de Fernanda de Castro e António Ferro. 864 CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Lisboa, Verbo, 1988. p. 264.
Sob a orientação de professoras de renome artístico,865 o projeto teve
resultados surpreendentes: fizeram-se dois programas na televisão, duas
representações no Teatro da Estufa Fria866 e as críticas excederam tudo o que se
podia esperar num momento de otimismo.867 A experiência foi encerrada devido ao
corte do subsídio de 50 contos que a Santa Casa de Misericórdia concedia
mensalmente.868
Ilustração 50. A saída das aulas, no Parque Infantil No 3 (Necessidades). Fonte: Maria Archer. Os Parques
Infantis. Lisboa, 1943. (Legenda transcrita do original).
Em seu livro intitulado Os Parques Infantis, Maria Archer elogiou a iniciativa
de Fernanda de Castro, registrando:
Quem vê as crianças andrajosas, abandonadas a si mesmo, esmolando pelas ruas, vítimas inocentes duma época de inquietações e ódios universais - se pensar em que a criação dum Parque Infantil e duma Escola-Oficina em cada freguesia de Lisboa ataca duma forma resoluta o nosso problema da assistência infantil,
865 Foram professoras do “Pássaro Azul”: Nina Marques Pereira, Arminda Correia, Júlia de Almendra, Eunice Muñoz, Carmem Dolores, Sarah Afonso, Inês Guerreiro, Maria Germana Tanger, Ana Máscolo e Águeda Sena. CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Lisboa, Verbo, 1988. p. 264. 866 Teatro localizado na cidade de Lisboa, Portugal. 867 CASTRO, Fernanda de. Ao fim da memória. Lisboa, Verbo, 1988. p. 264. 868 Idem, ibidem.
não recusa decerto o seu óbolo para a obra meritória, e dá aos pobres emprestando a Deus.869
As crianças eram atendidas nas suas necessidades mais básicas: comida,
roupas, sapatos, remédios, vacinas, injeções, radiografias, regras de higiene, de
moral e de religião.
Segundo Archer (1943) essa era uma obra das mais baratas – se não a
mais barata – das modalidades nacionais de proteção à infância considerando-se os
resultados obtidos.870 Os princípios que regiam a instituição eram ideologicamente
nacionalistas e conservadores e a educação concebida como uma ferramenta capaz
de moldar, moralizar e civilizar, defendendo da rua, guardando nas horas em que os
pais e mães andam no trabalho871 socorrendo-as da pobreza e ignorância dos
pais.872 Após 40 anos de existência, os “Parques Infantis” foram definitivamente
entregues à Santa Casa de Misericórdia.
Conquanto o idealismo com que foram criados, a instituição tinha como
princípio recuperar da pobreza e transformar crianças do povo e que provavelmente
se perderiam, em cidadãos dóceis, educados e instrumentalizados para a melhoria
do lar e mais tarde da sociedade.
É certo, as crianças dos Parques regressam às 6 horas da tarde para o tugúrio paterno. Estiveram todo o dia numa ambiente garrido, limpo e farto, e regressam à noite para a casa maltrapilha, onde tudo falta. É um bem? É um mal? Os critérios divergem ao considerar o fato. Mas todos aqueles que aceitam o princípio de ser a família a base da sociedade não podem deixar de concordar com este aspecto da assistência dos Parques Infantis.873
Enquanto a concepção pedagógica conservadora, católica e nacionalista
que embasava os “Parques Infantis” florescia e era amparada pela mão do Estado,
assistia-se à repressão, a censura, à perseguição e ao silenciamento da pedagogia
renovadora e progressista.
Os anos 1930 foram, segundo Nóvoa (1995), tempos difíceis para os
educadores portugueses, principalmente para aqueles vinculados ao ideário
escolanovista. De acordo com esse autor, num primeiro momento os interesses da 869 ARCHER, Maria. Os Parques Infantis. Lisboa: Associação Nacional dos Parques Infantis. 1943. p. 29. 870 Idem, p. 8. 871 Idem, p. 10. 872 Idem, p. 11. 873 Idem, p. 14.
política do Estado Novo colidiram com as concepções dos educadores
escolanovistas: muitos foram afastados dos seus cargos. Enquanto alguns desses
educadores inovadores foram perseguidos e marginalizados, assistiu-se à edificação
de uma pedagogia nacionalista que mergulhava algumas das suas raízes em idéias
da Educação Nova.874 De acordo com esse autor, o afastamento dessa primeira
geração de educadores escolanovistas foi pernicioso, pois, traduziu-se num
progressivo empobrecimento da reflexão científica na área educativa.875
Essa afirmação se expressa em revelações presentes em cartas escritas e
enviadas em duas ocasiões (em outubro de 1935 e em fevereiro de 1939) à amiga
Cecília Meireles, onde o poeta Afonso Duarte denuncia a perseguição que sofreu
por parte do Estado Novo. Ainda assim, o poeta e educador confirma a sua
convicção no ideário escolanovista, quando menciona o fato de que permanece
produzindo e publicando, ou seja, continua fiel aos ideais que eram também os da
sua amiga carioca:
Quanto aos meus trabalhinhos – escolares – não seria possível publicar aí o Álbum dos desenhos acompanhado de palavras minhas – suas? E não seria possível publicar aí ‘o Ciclo do Natal na literatura oral portuguesa’ – trabalho folclórico? Aqui não há editores senão para o aprovado oficialmente...876 A sua carta veio encontrar-me em Coimbra em vésperas da Aposentação. Atiraram-me para o cesto dos papéis velhos: foi uma solução. Apesar de nunca ter exercido atividade alguma política partidarista vim para o olho da rua em 1932 por virtude das minhas simpatias pela ‘Seara Nova’, segundo palavras do próprio senhor diretor geral de ensino. Eu queria perdoar-lhes, por mim, mas eles não tem perdão perante a obrasinha realizada, toda ela feita de ternura, dedicação, portuguesismo. Agora? Resta-me uma casita na aldeia onde nasci e um quintal com só árvores de fruto; a consciência do dever cumprido e um vazio enorme diante dos materiais acumulados – o sonho duma grande obra apenas iniciada. Quando estava no ponto preciso de me aproveitar dos estudos feitos, das observações anotadas, achei-me desligado dos meus colaboradores e das crianças! Precisava de ir controlando muita coisa... e esperei! Esperei 7 anos. Desiludido, tenciono aproveitar o que salvei do meu arquivo em pequenos estudos. (...) No próximo no
874 NÓVOA, António. Uma educação que se diz “nova”. In: CANDEIAS, António, NÓVOA, António, FIGUEIRA, Manuel Henrique. Sobre a Educação Nova: cartas de Adolfo Lima a Álvaro Viana de Lemos (1923-1941). Lisboa: EDUCA, 1995. p. 39. 875 Idem, ibidem. 876 Grifos de Afonso Duarte. Carta de Afonso Duarte a Cecília Meireles. DAMASCENO, Darci. Fotocópias. Carta a Cecília Meireles sobre Tasso da Silveira e Fernando de Azevedo e suas obras poéticas. Coimbra, 1935. Cópia. Manuscrito. Assinatura ilegível. Reg. 250/1990 DMSS-BN. 26,4,28. Arquivo Darci Damasceno, Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, Brasil.
da ‘Seara’ trago outro estudosinho sôbre a ‘Gênese do desenho infantil’. 877 Pecados velhos...878
Como tantos outros educadores portugueses silenciados e perseguidos por
lutarem por uma escola nova e um ensino democrático, a educadora Irene Lisboa
também teve que recorrer a artifícios para continuar a publicar seus escritos
pedagógicos, adotando o pseudônimo de Manuel Soares, como afirma Fernandes
(1979). Segundo esse autor, outros educadores, embora menos envolvidos na
atividade política da oposição democrática, viram as suas potencialidades cerceadas
por um meio político e pedagógico hostil e medíocre.879
Ilustração 51. Decreto No 21.014 de 19 de março de 1932 e Relação de frases a serem inseridas nos livros de leitura da 4ª classe do ensino primário elementar. Fonte: Casimiro Amado. História da Pedagogia e da
Educação. Universidade de Évora, 2006.
877 O educador se refere ao artigo publicado na revista Seara Nova. DUARTE, Afonso. Gênese do desenho infantil. Seara Nova: Revista de Doutrina e Crítica. Lisboa, ano XVIII, n. 601, sábado, 18 de fevereiro de 1939. p. 3-9. 878 Carta de Afonso Duarte a Cecília Meireles. DAMASCENO, Darci. Fotocópias. Carta a Cecília Meireles sobre política e censura à obra de Afonso Duarte. Coimbra, 7/2/1939. Cópia. Manuscrito. Reg. 250/1990 DMSS-BN. 26,4,29. Arquivo Darci Damasceno, Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, Brasil. 879 FERNANDES, Rogério. O pensamento pedagógico em Portugal. Amadora: Biblioteca Breve, ICALP, 1979. Disponível em: <http://www.instituto-camoes.pt/cvc/bdc/index_pensamento.html>
A prática dos professores e a sala de aula foram invadidas pelos valores
oficiais, que por meio de decretos e orientações determinavam regras, entre as
quais a de proporcionar aos seus alunos ensinamentos de ordem moral e patriótica,
contidos em frases curtas, fáceis de compreender e reter, que seriam também,
obrigatoriamente, inseridas em livros de leitura oficiais.880
Além disso, as reformas promovidas pelo regime autoritário de Salazar,
instituíram a seleção político-ideológica na admissão dos funcionários públicos, entre
os quais os professores, que estavam sujeitos à informação da polícia política e
estavam obrigados, a partir de 1936, a fazer um juramento anticomunista para
poderem exercer o magistério.881 De acordo com Pessoa (2005), sob o ponto de
vista educativo:
(...) o Estado Novo conseguiu desmantelar a escola republicana com a diminuição da escolaridade mínima, a reestruturação dos conteúdos, a divulgação quase exclusiva de ideais cristãos, e não aceitando a igualdade republicana de acesso à instrução. O encerramento em 1930 das Escolas Normais Superiores e das Escolas do Magistério Primário em 1936 vai representar um retrocesso em relação à vontade política e educativa republicana.882
Dentre as alterações introduzidas, Pessoa (2005) ressalta, ainda, o Decreto
Lei de 24 de novembro de 1936 que alterou os programas do Ensino Primário e
criou o regime de separação dos sexos, a interferência do Estado no casamento das
professoras883 e das enfermeiras dos Hospitais Civis, pelo decreto-lei de março de
1942.884 Apesar de conceder o direito de voto às mulheres e funções políticas a
algumas delas, o regime salazarista foi responsável pela criação de organizações
femininas aparentemente autônomas mas efetivamente subordinadas à orientação
política do Estado:
Muitas vezes, a defesa do ideal da mulher/mãe em casa, ajudando o marido que trabalha forma, numa concepção tradicional da família
880 Decreto No 21.014 de 19 de março de 1932 e Relação de frases a serem inseridos nos livros de leitura da 4ª classe do ensino primário elementar. Apud Casimiro Amado. História da Pedagogia e da Educação. Universidade de Évora, 2006. 881 PESSOA, Ana Maria Pires. A educação das mães e das crianças no Estado Novo: a proposta de Maria Lúcia Vassalo Namorado. 4v. Tese (Doutorado em Ciências da Educação). Universidade de Lisboa. Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação. 2005. p. 153. 882 Idem, p. 151. 883 Idem, ibidem. 884 Idem, p. 164.
era defendida em certas publicações ao mesmo tempo que, também de dentro do regime, se ensinava as mulheres a lidar com novas situações em que havia que saber gerir o tempo a prestar ao lar, a dedicar aos filhos e à atividade profissional.885
Enquanto em grande parte dos países europeus se verificaram consistentes
experiências escolares, tanto do ponto de vista técnico quanto pedagógico, todas
elas realizadas em escolas ou colégios privados, espécie de instituições-modelo,
nas quais era possível concretizar formas alternativas de praticar o ensino e a
aprendizagem, não se pode detectar a existência de instituições semelhantes em
Portugal, de acordo com Nóvoa (1995).886 A não existência destas instituições-
modelo naquele país não significa que não existissem experiências pedagógicas
institucionalmente consistentes. Para Nóvoa (1995), elas ocorreram, embora de
forma difusa no interior do sistema educativo. No caso português a Educação Nova
foi, segundo o autor, efetivada sobretudo em escolas da rede oficial de ensino,
adquiriu uma dimensão significativa nas instituições de formação de professores, e
não apenas em círculos pedagógicos restritos, articulando-se com o movimento
associativo dos professores de forma harmoniosa.887 Essa falta de consistência
teórica e de rigor conceitual da experiência escolanovista portuguesa favoreceram,
apesar disso, a sua difusão entre vários setores do professorado.
Diante do apontado por Nóvoa (1995), que experiências foram significativas
a ponto de impressionar e motivar a educadora a apresentar palestras e
conferências sobre o assunto e a produzir relatos em publicações da área ou em
jornais? Cecília Meireles visitou o que havia a ser visitado, tanto as instituições
oficiais quanto as não-oficiais, para poder se inteirar das várias experiências, das
quais as de Afonso Duarte, Faria de Vasconcelos e de João de Deus Ramos foram
as mais representativas segundo o seu ponto de vista. Ficaram relegadas a um
segundo plano as experiências verificadas em outras instituições, entre as quais a
dos “Parques Infantis” de Fernanda de Castro, que não se tratava de uma
experiência escolanovista e que possuía um caráter conservador e assistencialista.
885 PESSOA, Ana Maria Pires. A educação das mães e das crianças no Estado Novo: a proposta de Maria Lúcia Vassalo Namorado. 4v. Tese (Doutorado em Ciências da Educação). Universidade de Lisboa. Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação. 2005. p. 164. 886 NÓVOA, António. Uma educação que se diz “nova”. In: CANDEIAS, António, NÓVOA, António, FIGUEIRA, Manuel Henrique. Sobre a Educação Nova: cartas de Adolfo Lima a Álvaro Viana de Lemos (1923-1941). Lisboa: EDUCA, 1995. p. 34-35. 887 Idem, p. 35.
Diante disso, que experiências Cecília destacou como representativas a
ponto de serem apropriadas por ela ou simplesmente transmitidas aos brasileiros?
Quais delas poderiam ser consideradas modelos pedagógicos e poderiam contribuir
para o acervo pedagógico comum? Ou ainda, quais dessas experiências se
assemelhavam com as suas próprias concepções sobre a educação e quais
estavam de acordo com a sua prática pedagógica? Onde deixou inscritas essas
impressões? Como Cecília difundiu as suas reflexões advindas da viagem? Como,
quando, onde, para quem?
Por meio da documentação colecionada no álbum “Diário de Bordo” alguns
aspectos da visita de Cecília Meireles às principais instituições educacionais em
Portugal são revelados. Enquanto determinados aspectos da viagem são trazidos a
partir dessa documentação, outros tantos continuam ignorados e/ou omitidos.
Entretanto, não há um detalhamento minucioso do período em que passou em terra,
como o que foi realizado enquanto durou a travessia de navio, cronologicamente
marcado por meio das suas crônicas. Não foi possível acessar o diário pessoal de
viagem de Cecília, onde ela deve detalhar os acontecimentos mais representativos
da sua viagem. Ainda assim, a organização que Cecília fez dos recortes de jornal no
álbum “Diário de Bordo” foram suficientes para estabelecer uma cronologia e
oferecer uma mostra das atividades que ela teve oportunidade de participar.
Prestam-se, ainda para tornar visíveis ao pesquisador o quanto a sua presença foi
importante para a intelectualidade portuguesa.
Ao retornar ao Brasil, Cecília organizou essas impressões em forma de
conferências. Para tanto deve ter feito anotações, um texto, ou mesmo um pequeno
relatório onde cotejou os detalhes, as diferenças, as semelhanças, as
particularidades e as contribuições de cada uma das experiências que conheceu em
Portugal. Entretanto, não foi possível localizar essa documentação, nem saber quais
as conferências realmente realizadas.
Que experiências foram dignas de nota e mereceram ser apontadas como
modelos a serem considerados, quais deveriam/poderiam ser ignoradas, recusadas,
silenciadas e/ou esquecidas? Por quê? Quando Cecília omite determinadas
experiências ela acaba revelando/explicitando as suas próprias convicções. O
conhecimento que ela detinha das questões educacionais serviu de suporte para
que confrontasse e elegesse as experiências vistas em Portugal. Foi suficiente para
que elegesse as experiências de Afonso Duarte, Faria de Vasconcelos e de João de
Deus Ramos como dignas de nota e deixado de mencionar das experiências oficiais
de instituições como os “Parques Infantis”, de Fernanda de Castro. Talvez essas
experiências carregassem, ao seu modo de ver, os estigmas negativos do
autoritarismo do regime militar e outra coisa não fossem que vitrines desse mesmo
governo. Vale ressaltar que Cecília tinha uma certa aversão pelo autoritarismo, que
segundo ela, não combinava com educação.
Os pedagogistas portugueses destacados por Cecília – Afonso Duarte,
Faria de Vasconcelos e João de Deus Ramos – tornaram-se importantes a partir do
momento em que a educadora conheceu, verdadeiramente, as suas atuações no
campo da educação. Dessa forma, é possível que ela tenha destacado, além da
consistência teórica dos autores, também de que forma essas experiências foram
implementadas em relação à arquitetura, ambiente, espaço e mobiliário escolar,
programas e currículos, formação dos professores, bibliotecas, materiais
pedagógicos e disciplina escolar, etc. Além disso, deve ter registrado a contribuição
dessas experiências para a educação portuguesa e para o debate educacional do
momento, as qualidades que poderiam ser apropriadas, os problemas que
apresentavam e que poderiam ser equacionados ou evitados.
Ilustração 52. Gênese do desenho infantil, artigo de Afonso Duarte na revista Seara Nova. Fonte: Seara Nova: Revista de Doutrina e Crítica. Lisboa, fevereiro de 1939.
Apesar das indicações oficiais, Cecília viu e visitou instituições que eram
experiências não oficiais em termos de educação, ou seja, não eram experiências
patrocinadas pelo governo, não eram “cartões de visita” do regime político em vigor
na época. Foram justamente as experiências desses educadores que chamaram a
atenção de Cecília. Foram tão significativas que ela fez referências nas cartas a
Osório de Oliveira com quem comentou que iria tratar delas quando chegasse ao
Brasil e também comentou em entrevista concedida ao jornal A Tarde, de Salvador,
onde referiu-se aos trabalhos do professor Afonso Duarte que lhe oferecera uma
coleção dos seus desenhos que será motivo de uma conferência (...) no Rio.888
Entre as experiências que Cecília Meireles destacou como as mais
representativas em termos de pedagogia portuguesa está o trabalho artístico-
pedagógico de Afonso Duarte. O poeta e educador que trabalhara com Fernando
Correia Dias nas revistas Rajada e A Águia, tornou-se um amigo dileto da poeta
brasileira. Era o amigo por quem Cecília guardava uma consideração e admiração
especial.889
Afonso Duarte concluiu o curso de Ciências Físico-Naturais, na
Universidade de Coimbra época que coincide com o início da sua atividade literária e
a publicação de Cancioneiro de Pedras e a direção literária da revista Rajada, em
1912. Freqüentou a Escola Normal Superior de Lisboa e passou a lecionar no Liceu
Gil Vicente, na mesma cidade. Mais tarde voltou a Coimbra onde exerceu a
docência na Escola Normal Primária, no Liceu D. Maria e no Liceu José Falcão.
O vínculo que Afonso Duarte estabeleceu com a formação de normalistas e
com o movimento escolanovista aliado às suas relações de amizade com
professores e intelectuais (Adolfo Lima, Álvaro Viana de Lemos) sustentam, segundo
Paulo (1991), as formas e os modos pelos quais se efetivou a sua reflexão
educacional: em primeiro lugar, associada à colaboração na imprensa de educação
por meio dos textos editados em Educação Nova, A Escola Primária e em periódicos
ligados à Escola Normal de Coimbra (Escola Renovada e Os Novos).890
888 “Embaixatriz da inteligência e da cultura brasileiras. De regresso de uma excursão a Portugal a escritora e poetisa Cecília Meireles palestra com a A Tarde”. Salvador, A Tarde, quarta-feira, 9 de janeiro de 1935. 889 Joaquim Afonso Fernandes Duarte (1884-1958) iniciou os seus estudos em Alfarelos, indo posteriormente estudar em Coimbra no Colégio Mondego e no Liceu José Falcão. Consultar: PAULO, João Carlos. Joaquim Afonso Fernandes Duarte. In: NÓVOA, António, BANDEIRA, Filomena. (Dir.). Dicionário de Educadores Portugueses. Porto: Edições ASA, 2003. 890 PAULO, João Carlos. Joaquim Afonso Fernandes Duarte. In: NÓVOA, António, BANDEIRA, Filomena. (Dir.). Dicionário de Educadores Portugueses. Porto: Edições ASA, 2003.
Ainda que estas últimas obras e alguma da poesia de Afonso Duarte mantenham relações significativas com problemas educativos e a representação do universo infantil e popular, são as matérias associadas à inovação pedagógica, mormente por ação do trabalho escolar relativo ao desenho, que constituem um dos pontos fulcrais da sua intervenção neste domínio, especialmente nos anos vinte e início dos anos trinta.891
Por razões políticas e ideológicas, o educador foi afastado dessas funções
em 1932, sendo colocado em disponibilidade e mais tarde obrigado a se aposentar.
Depois de aposentado, Afonso Duarte dedicou-se exclusivamente à produção
poética e literária alternada com a publicação de dois trabalhos etnográficos sobre a
literatura oral e do cancioneiro popular. Segundo Fernandes (1979), a extinção das
escolas normais durante a Ditadura inutilizou a obra de Afonso Duarte, a quem se
deve a renovação profunda do ensino da disciplina de desenho. Entretanto, os seus
princípios pedagógicos ficaram perpetuados em publicações como a Carta
Metodológica e em revistas como Presença e Seara Nova.892
Outra experiência pedagógica destacada por Cecília foi a do poeta e
pedagogo João de Deus Ramos, filho do também poeta e pedagogo João de Deus e
da professora Guilhermina Battaglia. João de Deus Ramos conviveu desde cedo
com intelectuais das letras e da cultura, que freqüentavam o círculo do seu pai, o
criador da Cartilha Maternal.893 Entre 1897 e 1902, cursou direito em Coimbra, onde
conheceu João de Barros,894 aquele que viria a ser o seu companheiro dileto na
longa e empenhada luta cívica em prol da instrução e da educação populares.895
Três linhas de ação ficaram evidenciadas na trajetória de João de Barros:
(...) a ação política propriamente dita, desenvolvida no quadro da militância republicana, que incluiu o desempenho de relevantes cargos políticos; a ação cívica, em prol da elevação cultural do povo, através de escritos (livros e artigos na imprensa) e de conferências;
891 PAULO, João Carlos. Joaquim Afonso Fernandes Duarte. In: NÓVOA, António, BANDEIRA, Filomena. (Dir.). Dicionário de Educadores Portugueses. Porto: Edições ASA, 2003. 892 FERNANDES, Rogério. O pensamento pedagógico em Portugal. Amadora: Biblioteca Breve, ICALP, 1979. p. 124. 893 DEUS, João de. Cartilha maternal. Lisboa: Fernando Pereira, [D.L. 1986]. 894 João de Barros desempenhou importantes funções no Ministério da Instrução até ao golpe de 28 de Maio, tendo sido inclusive seu secretário-geral, deixou uma obra consagrada à consolidação da educação republicana. As experiências estrangeiras no âmbito do ensino infantil, primário e secundário, que teve ocasião de conhecer numa viagem de estudo (...), forneceram-lhe ocasião para traçar linhas de rumo ajustadas às (...) necessidades e às condições específicas do sistema escolar português. FERNANDES, Rogério. O pensamento pedagógico em Portugal. Amadora: Biblioteca Breve, ICALP, 1979. p. 125. 895 FIGUEIRA, Manuel Henrique. João de Deus Ramos. In: NÓVOA, António, BANDEIRA, Filomena (Dir.). Dicionário de educadores portugueses. Porto: Edições ASA, 2003.
a ação pedagógica, em torno da divulgação da Cartilha Maternal e do Método de João de Deus, da concretização do projeto das Escolas Móveis, da criação do modelo português de Jardim-Escola e da fundação de uma Escola Nova portuguesa (o Bairro Escolar do Estoril).896
João de Deus Ramos foi deputado (1911 e 1913), governador civil (1912 e
1913), ministro da Instrução Pública (1920) e do Trabalho (1924-1925). Ao lado de
João de Barros e Joaquim Manso publicou artigos no Diário de Lisboa em defesa do
povo à instrução. Colaborou em jornais de educação e de ensino, como o
Académico Figueirense, Atlântida, A Escola Nova, A Higiene Popular, Ecos do Bairro
e Jornal do Bairro Escolar do Estoril.897
Ilustração 53. Fachada do Jardim-Escola João de Deus no Bairro Estrela, Lisboa – Portugal. Fonte: Museu João de Deus.
Preocupou-se em divulgar a Cartilha Maternal, e o método de alfabetização
criado por seu pai em Portugal e em outros países. Viajou a países como França,
Inglaterra, e Espanha e visitou o Brasil em 1928 para conferências sobre educação e
896 FIGUEIRA, Manuel Henrique. João de Deus Ramos. In: NÓVOA, António, BANDEIRA, Filomena (Dir.). Dicionário de educadores portugueses. Porto: Edições ASA, 2003. 897 Idem, ibidem.
para investigar as diferenças entre as culturas brasileira e espanhola e compará-las
com a cultura portuguesa.898
A despeito de não ter teorizado sobre as questões educacionais, João de
Deus Ramos materializou as suas concepções com a criação de instituições entre
as quais os Jardins-Escolas. Para Ramos, a escola era a preparação para a vida e
as crianças tinham direito a ela. Com essa concepção Ramos criou os Jardins-
Escolas, local propício para dar continuidade ao trabalho do pai. Outras instituições
foram criadas, entre as quais o Museu João de Deus Bibliográfico, Pedagógico e
Artístico com o objetivo de homenagear a obra paterna e um centro de cultura e
biblioteca para consulta e leitura para a população; o Lar Educativo João de Deus,
criado em 1939, em Lisboa; e o Bairro Escolar do Estoril, em 1928.
Ilustração 54. Museu João de Deus Bibliográfico, Pedagógico e Artístico. Fonte: Sítio do Museu João de Deus.
Segundo Barreto (2006) não se pode considerar os Jardins-Escolas como
uma experiência escolanovista, sob o ponto de vista do rigor de princípios. Porém,
afirma, pode-se encontrar em sua essência algumas coincidências com muitas
práticas difundidas pelo movimento da Escola Nova. A contribuição de João de Deus
Ramos ao movimento da Escola Nova deu-se, assegura ainda, com a criação, em
898 BARRETO, Graziela. João de Deus Ramos e a Educação Nova. In: PINTASSILGO, Joaquim. História da Escola em Portugal e no Brasil. Lisboa: Edições Colibri, 2006. p. 116.
1928, do Bairro Escolar do Estoril,899 inspirado na École des Roches.900 Ainda que
influenciado por uma experiência internacional, o pedagogo procurou manter a
identidade nacional, manifestada na concepção arquitetónica inspirada no modelo
da "casa portuguesa", a cargo da arquiteto Raul Lino, tal como acontecera com os
primeiros jardins-escolas.901 Essa iniciativa, o Bairro Escolar do Estoril, perdurou até
o ano de 1935 e é provável que Cecília o tenha visitado, uma vez que a educadora
escolhera esta entre outras experiências portuguesas para trazer aos brasileiros sob
a forma de conferências.
Ilustração 55. Grupo de alunos e professores do Jardim-Escola João de Deus no Bairro Estrela, Lisboa – Portugal. Fonte: Museu João de Deus.
899 O Bairro Escolar do Estoril foi fundado por João de Deus Ramos e João Soares, pai do futuro presidente Mário Soares, que cursou o ensino primário na instituição entre 1931 e 1935. Com o final do Bairro Escolar do Estoril em 1936, João Soares fundou o Colégio Moderno, em 1936, no Campo Grande, em Lisboa, que existe até os dias de hoje. 900 BARRETO, Graziela. João de Deus Ramos e a Educação Nova. In: PINTASSILGO, Joaquim. História da Escola em Portugal e no Brasil. Lisboa: Edições Colibri, 2006. p. 116. Observação: L'école des Roches: escola situada na Normandia (região do Norte da França) criada no ano de 1899, por Edmond Demolins. Trata-se da primeira escola privada francesa com ótima qualidade de ensino. Inspirada nos métodos ativos experimentados em escolas inglesas de Abbotsholme e Bedales, foi durante muito tempo uma referência e exemplo de alto valor em pedagogia, tendo entre seus professores Adolphe Ferrière e Gustave Monod. Atualmente, a escola é um internato com grande renome mundial e oferece uma educação e atenção diferenciada aos alunos. 901 FIGUEIRA, Manuel Henrique. João de Deus Ramos. In: NÓVOA, António, BANDEIRA, Filomena (Dir.). Dicionário de educadores portugueses. Porto: Edições ASA, 2003.
Ao desembarcar, em 12 de outubro de 1934, durante a entrevista concedida
ao jornal Diário de Lisboa, Cecília manifestou um grande interesse em conhecer, nos
seus pormenores, os processos de educação portugueses, especialmente os de
orientação profissional, para o que contava visitar os diversos estabelecimentos de
ensino.902 Isso denota que a educadora já obtivera referências sobre as principais
instituições e experiências educacionais portuguesas. A simples alusão às
instituições e experiências que existiam à época em Portugal em orientação
profissional é um indício de que Cecília sabia da existência e pretendia visitar o
Instituto de Orientação Profissional “Maria Luisa Barbosa de Carvalho”, criado em
1926 pelo pedagogo Faria de Vasconcelos.903
António Sena Faria de Vasconcelos Cabral Azevedo concluiu seus estudos
secundários no Liceu de Castelo Branco, em Coimbra onde se licenciou Direito em
1901. Doutorou-se na Bélgica, na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade
Nova de Bruxelas, onde permaneceu até 1914, desenvolvendo atividade docente na
área da psicologia, da pedagogia e da investigação, como assistente de laboratório
de Guilherme De Greef e de Claparède no Laboratório de Psicologia Experimental.
Fundou em outubro de 1912 e dirigiu a Escola Nova de Bierges-lez-Wavre, no
Chateau des Vallées, até o ano de 1914, experiência que foi suficiente para a
publicação de seu livro Actualités Pédagogiques, com prefácio de Adolphe Ferrière.
Esteve na América Latina – Cuba (1917) e Bolívia (1920) – encarregado de missões
técnicas e ainda visitou o Uruguai, Argentina e Estados Unidos.904
No início de 1921 Faria de Vasconcelos retornou a Portugal, onde
permaneceu até a sua morte, em 1939. O pedagogo português
era desejado pela elite pedagógica mais ativa, conhecido entre os intelectuais progressistas empenhados em projetos reformistas e possuía o que as instituições educativas portuguesas mais careciam: cultura científica, domínio da prática pedagógica e experiência administrativa para reformar a educação nacional. Tinha, além do mais, um espírito empreendedor, atribuía à elite um papel diretor e radicava na educação moderna as possibilidades mais duradouras e efetivas de transformação das sociedades. O grupo ‘Seara Nova’, em gestação desde 1919, assentava-lhe na justa medida. A ele aderiu, sendo um dos fundadores e
902 “Chegaram esta manhã a Lisboa a poetisa brasileira Cecília Meireles e o artista português Correia Dias”. Diário de Lisboa, 12 de outubro de 1934. p. 7. 903 Idem, ibidem. 904 FERNANDES, Rogério. O pensamento pedagógico em Portugal. Amadora: Biblioteca Breve, ICALP, 1979. p. 117.
desempenhando no grupo, juntamente com Ferreira de Macedo, a função do especialista que sobre as questões educativas se deveria pronunciar.905
Em Lisboa, ajudou a criar a revista Seara Nova, publicando, no primeiro ano
do periódico, uma série de 13 artigos sobre educação. Nesse período foi rica a sua
participação em congressos em Portugal e no exterior, destacando-se ao colaborar
ao lado de intelectuais como António Sérgio, Adolfo Lima, Jaime Cortesão, Raul
Proença, Leonardo Coimbra, Afonso Lopes Vieira e João Camoesas906 nas
atividades da Universidade Popular. Vale destacar, no período, a sua intensa
participação em conferências. Em outubro de 1921 Faria de Vasconcelos assumiu o
cargo de professor de Pedagogia na Escola Normal Superior de Lisboa e em 1922,
assumiu a cátedra de Psicologia Geral na Faculdade de Letras de Lisboa.
Ilustração 56. Obras pedagógicas de Faria de Vasconcelos. À esquerda: Lições de pedagogia e pedologia experimental, de 1909. Á direita: As Escolas de Wirth, de Hetherington, de Johnson e de Grundtwig, de 1934.
Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal.
905 BANDEIRA, Filomena. António Sena Faria de Vasconcelos Cabral Azevedo. In: NÓVOA, António, BANDEIRA, Filomena (Dir.). Dicionário de educadores portugueses. Porto: Edições ASA, 2003. 906 João José da Conceição Camoesas (1887-1951): médico, jornalista e político português, publicou, em 1927, O Trabalho Humano, considerado o primeiro trabalho de divulgação científica, em Portugal, do taylorismo, enquanto teoria da fisiologia do esforço. Foi titular por duas vezes da pasta da instrução durante a República. Foi obrigado a exilar-se nos EUA onde faleceu. A Reforma Camoesas atribuiu um papel relevante ao Ensino Técnico-Profissional, onde não estiveram ausentes preocupações relacionadas com a difusão do taylorismo.
Após deixar a direção da Seara Nova, dirigiu a Revista Escolar, entre
outubro de 1925 e abril de 1931, onde permaneceu escrevendo artigos sobre
educação. Inaugurou em 30 de junho de 1926 o Instituto de Orientação Profissional
“Maria Luisa Barbosa de Carvalho” e em 1930 o Instituto de Reeducação Mental e
Pedagógica, encerrado dois anos depois. Como afirma Bandeira (2003), o trabalho
de Faria de Vasconcelos na primeira instituição, resume o seu percurso profissional
e científico, no qual foi inscrevendo as abordagens científicas a par das
preocupações com a democratização da escola e a orientação dos alunos.907
Segundo Cruz (2000), Faria de Vasconcelos não chegou a ser incomodado
pelo regime salazarista, uma vez que só depois do seu falecimento é que os
professores universitários foram considerados perigosos e perseguidos pelo
regime.908 Para Bandeira (2003) entre os sujeitos da reflexão sobre a ciência de
educar e o ofício de ensinar Faria de Vasconcelos encontra-se:
(...) entre aquele grupo, restrito a meia dúzia de nomes na história de educação portuguesa, a que chamamos pedagogos. No século que acabou de findar, terá sido mesmo uma das figuras mais significativas na introdução, estudo, experimentação e divulgação de orientações e práticas educativo-pedagógicas realizadas no horizonte das experiências das novas correntes pedagógicas internacionais e das ciências que largamente contribuem para as fundações da "nova educação", como a Biologia, a Antropologia, a Psicologia e a Sociologia. Diferencia-se igualmente pelo fato de ter feito a sua formação fora de Portugal, bem como por uma parte relevante do trabalho desenvolvido ocorrer no seio do movimento internacional Educação Nova, cujas primeiras experiências partilha com Adolphe Ferrière, Edouard Claparède, Pierre Bovet ou Ovide Decroly.909
Analisando o livro de visitantes do Instituto de Orientação Profissional, Diniz
(2002) verificou o registro de opiniões recolhidas de diversas personalidades
oriundas de várias partes do mundo. Entre uma maioria de portugueses figuram os
nomes de: Adolphe Ferrière; Gerardo Seguel; Manuel Cícero, da Faculdade de
Direito do Rio de Janeiro; Antenor da Costa, do Instituto de Educação do Rio de
907 BANDEIRA, Filomena. António Sena Faria de Vasconcelos Cabral Azevedo. In: NÓVOA, António, BANDEIRA, Filomena (Dir.). Dicionário de educadores portugueses. Porto: Edições ASA, 2003. 908 CRUZ, Maria Gabriel Moreno Bulas. Faria de Vasconcelos e a Escola Nova. [S.L.]: Cadernos do Caos Editores, 2000. p. 25. 909 BANDEIRA, Filomena. António Sena Faria de Vasconcelos Cabral Azevedo. In: NÓVOA, António, BANDEIRA, Filomena (Dir.). Dicionário de educadores portugueses. Porto: Edições ASA, 2003.
Janeiro; Afrânio Peixoto e Cecília Meireles.910 Este é um dos indícios de que Cecília
esteve naquela instituição, em 1934, conhecendo de perto a experiência do
pedagogo Faria de Vasconcelos.
É difícil entender os verdadeiros motivos que levaram a poeta brasileira a
ser convidada para também proferir conferências pedagógicas em Portugal, uma vez
que eram tempos de intransigência política e as idéias que Cecília professava em
termos educacionais não eram as mais caras pelo regime salazarista. Quanto aos
amigos e interlocutores portugueses deve-se acrescentar que estavam bastante
enfronhados com a literatura, mesmo atuando como professores, ou seja, mesmo os
educadores como Afonso Duarte, Fernanda de Castro, João de Deus Ramos e João
de Barros eram também poetas. Esse fato fez toda a diferença, pois se em Portugal
Cecília só contatasse educadores, se suas conferências fossem apenas de temas
pedagógicos, talvez não obtivesse qualquer destaque. Quanto aos autores,
propostas, iniciativas, experiências e reflexões apresentadas pela educadora ao
retornar ao Brasil ajudaram a incrementar o intercâmbio entre os dois países e a
estimular o interesse em se conhecer as experiências, a cultura, a literatura e a
pedagogia dos dois países unidos pelo Atlântico.
Em virtude desse intercâmbio que começou a ser esboçado em 1934,
Cecília se apresentava, em 30 de setembro de 1935, ao também poeta Mário de
Andrade, solicitando colaboração para um periódico português:
Mário de Andrade: eu não sei se você me conhece – como se diz no carnaval – mas isso não tem importância nenhuma. Andei há pouco por Portugal, e fiz uma propagandazinha da poesia brasileira, que deu certos resultados. Um deles foi uma grande simpatia por você e pelos seus livros; e, em conseqüência, o pedido que acabo de receber, da parte de Luís de Montalvor, que é sobretudo, um esteta e um espírito encantador de amigo, para obter alguns inéditos seus – a carta diz “dois, ao menos” – a serem publicados numa revista que por lá vai aparecer com o nome de Poesia. Pelo que eu conheço do Montalvor, deve ser, graficamente, maravilhosa, essa publicação. Pelo que você conhece de si mesmo, eu lhe pediria que correspondesse carinhosamente ao pedido, para vermos se a revista sai, bergsonianamente, Matéria = Espírito.911
910 DINIZ, Aires Antunes. Faria de Vasconcelos – um educador da escola nova nas sete partidas do mundo. II Congresso Brasileiro de História da Educação. Natal, 4 de novembro de 2002. 911 MEIRELES, Cecília. Carta a Mário de Andrade. MEIRELES, Cecília. Cecília e Mário. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. p. 289.
A partir dessa primeira viagem, Cecília Meireles estabeleceu ligações ainda
mais profundas com os intelectuais portugueses e foi também, nesse momento que
a poeta estreitou a sua amizade que se transformou em uma frutífera rede epistolar.
Foram inúmeras as suas contribuições em revistas lusitanas como: Presença,
Revista de Portugal, Pensamento, Távola Redonda, Primeiro de Janeiro, Lusíada,
Ocidente, Mundo Português, Atlântico, Colóquio Letras, Colóquio Artes, Açores, A
Águia, Insulana, Jornal de Letras, Seara Nova, Litoral, Mundo Literário, Orpheu,
Portugal Futurista, A Rajada, entre tantas outras.
Considerações Finais
De todos os aspectos analisados pudemos observar que a primeira viagem
de Cecília Meireles a Portugal representou um ponto de inflexão na sua obra e em
sua carreira. Da sua passagem pelo Diário de Notícias, no início dos anos 1930, até
a coluna Professores e Estudantes do jornal A Manhã, nos anos 1940, constatamos
a perseverança da educadora em difundir as suas próprias concepções
educacionais, a propagar o ideário escolanovista entre o seu público leitor e a
divulgar as transformações que acreditava que a educação e a escola deveriam
alcançar. A crença nos ideais da Escola Nova foi projetada mais tarde em outras
atividades e espaços educativos: a atividade em congressos de folclore,
conferências sobre literatura infanto-juvenil, conferências culturais no Brasil e no
exterior e o trabalho com o teatro de fantoches na Sociedade Pestalozzi.912
O que se coloca em questão quando se afirma que houve uma inflexão, é
que Cecília não abandonou a educação, inclusive voltando à escola pública para
completar o período que restava para a sua aposentadoria. O que é possível
ressaltar é que a educação não era mais o centro da sua atividade profissional, essa
centralidade havia sido ocupada pela poesia. O embate público para difundir os
ideais da Escola Nova deixou de existir, ainda que Cecília fosse convocada, uma
vez mais, a assinar o segundo Manifesto dos Educadores, ao lado de educadores e
intelectuais, em 1959.913 O desenrolar dos acontecimentos políticos também se
encarregou de forçar essa inflexão. Estamos nos referindo ao predomínio que a
poeta acabou exercendo sobre a educadora, entendida aqui como a profissional da
educação, uma vez que Cecília jamais declinou de sua condição de educadora. A
profissional da educação sofreu revezes: primeiro com o desmoronamento da obra
912 Sobre o trabalho de Cecília Meireles na Sociedade Pestalozzi, consultar: SOUZA, Ida Vicenzia Dias de. Cecília Meireles - de liberdade e outros assuntos. 1999. 169 f. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Letras. 913 O Manifesto dos Educadores “Mais uma vez convocados”, reafirmação do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, de 1932, foi publicado em 1° de julho de 1959 e mais uma vez redigido por Fernando de Azevedo, contou com 189 assinaturas, entre as quais as de Anísio Teixeira, Florestan Fernandes, Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, Darci Ribeiro, Álvaro Vieira Pinto e Cecília Meireles. Resgata o ideário liberal definido no primeiro manifesto, o “Mais uma vez convocados” se posiciou contra o discurso da Igreja Católica sobre a liberdade de ensino. O manifesto prossegue reafirmando a educação como bem público e dever do Estado. Reaparece nele a proposta dos pioneiros da educação nova, de uma escola pública, laica, obrigatória e gratuita. Consultar: MAIS UMA VEZ CONVOCADOS: Manifesto ao povo e ao Governo (1959). Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, vol. 31, n. 74, p. 3-24, abril/jun.
educacional da qual foi uma importante colaboradora, com a demissão de Anísio
Teixeira do Departamento de Educação, e teve todos os projetos encerrados. Em
1937 viu ser desmantelado o Centro de Cultura Infantil e, em 1939, o golpe
definitivo, com o fechamento da Universidade do Distrito Federal, da qual era uma
das professoras. Naquele curto espaço de tempo ruiu todo o investimento que os
educadores escolanovistas tentaram construir. No plano pessoal foi atingida pela
morte trágica do marido Fernando Correia Dias, sofreu crises financeiras e teve a
saúde abalada.
Entretanto, a viagem contribuiu para reforçar o seu prestígio profissional e
Cecília obteve um maior reconhecimento público: especialmente em Portugal. A
faceta que ficou mais evidenciada naquele país foi, certamente, a de poeta,
provavelmente porque a grande maioria dos seus amigos portugueses eram
literatos, ainda que alguns fossem também educadores e se interessassem pelos
assuntos educacionais, como Afonso Duarte, João de Deus Ramos, João de Barros,
Fernanda de Castro e Ana de Castro Osório. A imprensa portuguesa publicou
diversas matérias, muitas delas em estilo laudatório, pois os portugueses
reconheciam em Cecília um certo portuguesismo literário que os encantou. Ao
mesmo tempo em que era exaltada em Portugal era esquecida pelos seus pares, no
Brasil, mesmo depois de sua obra ter obtido o reconhecimento com o prêmio da
Academia Brasileira de Letras, em 1939.
Dos três momentos de ênfase da presença de Cecília Meireles em Portugal
destacamos o primeiro a partir da sua visita e das conferências realizadas em Lisboa
e Coimbra, em 1934; o segundo em 1939, quando da publicação do seu livro
Viagem,914 em Lisboa e de Olhinhos de Gato915 em capítulos, na revista Ocidente;916
e o terceiro que ocorreu após a publicação da antologia Poetas novos de
Portugal,917 em 1944, organizado e prefaciado por Cecília.918 Toda a obra de Cecília
Meireles sempre foi bem recepcionada entre os leitores portugueses, entre os quais
os livros Viagem, Solombra,919 Romanceiro da Inconfidência920 e, sobretudo, Mar
914 MEIRELES, Cecília. Viagem. Lisboa: Editorial Império, 1939. 915 MEIRELES, Cecília. Olhinhos de gato. 8a ed. São Paulo, Editora Moderna, 1983. 916 Sobre o livro Olhinhos de Gato consultar: NEVES, Margarida de Souza. Paisagens secretas: memórias da infância. In: NEVES, Margarida de Souza, LOBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. (orgs.). Cecília Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, 2001. p. 23-29. 917 Meireles, Cecília. Poetas novos de Portugal. Rio de Janeiro: Dois Mundos, 1944. 918 GOUVÊA, Leila V.B. Cecília em Portugal: ensaio biográfico sobre a presença de Cecília Meireles na terra de Camões, Antero e Pessoa. São Paulo: Iluminuras, 2001. p. 22. 919 MEIRELES, Cecília. Solombra. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1963.
Absoluto,921 que tiveram grande acolhida, sendo o último um dos livros mais
estudados em Portugal.
Dentro do projeto de intercâmbio pretendido por Cecília com intelectuais do
outro lado do Atlantico, ressaltamos a concretização de inúmeras obras, entre os
quais o livro Poetas novos de Portugal.922 Esse livro, além de conter o primeiro
estudo crítico sobre Fernando Pessoa escrito no Brasil, apresentou a produção do
modernismo lusitano aos brasileiros e até mesmo aos portugueses, trazendo autores
como Adolfo Casais, Afonso Duarte, Alberto de Serpa, Alfredo Pedro Guisado,
Ângelo de Lima, António Botto, Carlos Queiroz, Fernanda de Castro, João de Castro
Osório, José Régio, Luís de Montalvor, Miguel Torga, Natércia Freire, Vitorino
Nemésio e Armando Côrtes-Rodrigues. Também podemos lembrar das inúmeras
contribuições de Cecília em revistas lusitanas como: Presença, Revista de Portugal,
Pensamento, Távola Redonda, Primeiro de Janeiro, Lusíada, Ocidente, Mundo
Português, Atlântico, Colóquio Letras, Colóquio Artes, Açores, A Águia, Insulana,
Jornal de Letras, Seara Nova, Litoral, Mundo Literário, Orpheu, Portugal Futurista, A
Rajada, entre tantas outras.
Cecília Meireles estreitou a sua rede de relações e esta amizade se
transformou em uma frutífera rede epistolar, com diferentes intelectuais portugueses:
Adolfo Casais Monteiro, Afonso Duarte, Armando Côrtes-Rodrigues, Carlos Queiroz,
Diogo de Macedo, Fernanda de Castro, Irene Lisboa, Jaime Cortesão, João Afonso,
João de Barros, José Osório de Oliveira e Raquel Bastos, José Régio, Maria Dulce
Lupi Cohen Osório de Castro (Maria Valupi), Maria Helena Vieira da Silva e Arpad
Szenes, Natércia Freire, Manuel Mendes, Luis de Montalvor, João de Barros e
Vitorino Nemésio, entre tantos outros. A amizade e o apreço integraram-se e
transformaram-se dedicatórias de diversos poemas. Ressaltamos a existência de
inúmeros textos de Cecília oferecidos aos amigos portugueses, entre os quais
podemos citar: Cancioneirinho de Moledo da Penajóia (1934), dedicado a Fernanda
de Castro; Viagem (1939), dedicado aos amigos portugueses; Vaga Música (1942)
com poemas dedicados a Diogo de Macedo, João de Castro Osório, José Osório de
Oliveira, Afonso Duarte, Alberto de Serpa, Maria Dulce (Maria Valupi), Maria Helena
Vieira da Silva e Carlos Queiroz; Mar Absoluto e Outros Poemas (1945), um poema
920 MEIRELES, Cecília. Romanceiro da inconfidência. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977. 921 MEIRELES, Cecília. Mar absoluto e outros poemas. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1945. 922 Meireles, Cecília. Poetas novos de Portugal. Rio de Janeiro: Dois Mundos, 1944.
dedicado a Raquel Bastos e em vários outros livros editados e em poemas
dispersos.
Os portugueses também escreveram sobre e para Cecília Meireles. Entre os
anos de 1930-1998, foram encontrados textos de cerca de cinqüenta autores que
escreveram sobre a poesia de Cecília Meireles, perfazendo um total aproximado a
cem estudos.923 Além disso, realçamos também a existência de inúmeros textos de
autores portugueses dedicados a ela. Entre os autores destacamos: Alberto de
Serpa, Afonso Duarte, Armando Côrtes-Rodrigues, José Bruges, David Mourão
Ferreira, João Afonso, Sophia de Mello Breyner, Maria Germana Tanger, Vitorino
Nemésio, Fernanda de Castro e José Augusto Seabra.
Quanto à interlocução com educadores portugueses, entre os quais Afonso
Duarte, Fernanda de Castro, Irene Lisboa, Armando Côrtes-Rodrigues,924 João de
Barros, Fernanda de Castro e outros, salientamos que muito ainda poderá ser
descoberto e conhecido após a abertura dos arquivos (e o da própria Cecília) aos
pesquisadores. As cartas e outros documentos que até o presente momento estão
sob a guarda de familiares, herdeiros e particulares, serão úteis no estabelecimento
de outros diálogos cruzados entre Cecília e os educadores portugueses. O acesso a
essa documentação também poderá oferecer mais informações sobre a organização
ibero-americana que ela fundou na Biblioteca Infantil do Pavilhão Mourisco no
momento da criação da biblioteca e antes mesmo de viajar a Portugal, em agosto de
1934. Certamente Cecília aprendeu com a experiência portuguesa e soube extrair
alguma contribuição para a sua reflexão profissional, levando-a aos seus leitores,
aos professores e estudantes brasileiros. Através de palestras e conferências que
proferiu ao retornar ao Brasil, sob a forma de crônicas e de artigos publicados na
imprensa, informou sobre as experiências pedagógicas que vinham sendo
desenvolvidas do outro lado do Atlântico.
Consideramos que em todas essas colaborações Cecília Meireles procurou
concretizar e conseguiu criar uma ponte entre os dois povos a partir da
compreensão de qual era ou deveria ser o papel da cultura, da educação e dos
923 A esse respeito consultar: GOUVÊA, Leila V.B. Cecília em Portugal: ensaio biográfico sobre a presença de Cecília Meireles na terra de Camões, Antero e Pessoa. São Paulo: Iluminuras, 2001. p. 85. 924 O poeta açoriano também foi professor e trabalhou no Liceu Antero de Quental em Ponta Delgada, nos Açores. Em muitas das 246 cartas trocadas com Cecília Meireles entre os anos de 1946 e 1964 os correspondentes tratam de assuntos relativos à educação, diálogo que poderá ser o foco de outros estudos. Consultar: MEIRELES, Cecília. A lição do poema. Cartas de Cecília Meireles a Armando Côrtes-Rodrigues. (organização e notas de Celestino Sachet). Ponta Delgada: Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1998.
educadores na consecução desse objetivo. De acordo com Mota (2002) a obra de
Cecília Meireles oscilou entre a sua vivência brasileira e o desejo de Portugal:
Talvez seja por isso que Cecília ancore o seu anseio utópico de fundar um reino de poesia, espécie de ‘margem intermediária’ onde se dedicaria ao labor poético, no meio do Atlântico (na Ilha de Nanja?). O reino, não o fundou, mas construiu uma ponte através da obra que deixou. Fundiu modos e imaginários poéticos, explorou vetores estruturantes do caráter lusitano, olhando, não inocentemente, para um passado sobremaneira marcado pela saudade.925
O trabalho com as fontes e com a produção acadêmica sobre Cecília
Meireles bem como os demais assuntos pesquisados e analisados foram
importantes e suficientes para que ficasse nítida a contribuição e a importância da
poeta e da educadora no Brasil e em Portugal. Oportunizaram ainda o entendimento
de como essa primeira viagem da educadora brasileira contribuiu para a troca de
informações do que vinha sendo elaborado e discutido em educação e como Cecília
vislumbrou e concretizou o seu projeto de intercâmbio educacional entre os povos
dos dois lados do Atlântico. Algumas indagações e/ou constatações permitiram
compreender essa viagem como um instante dentro desse grande movimento de
aproximação entre Brasil e Portugal e ajudaram a entrever a presença das idéias
dos escolanovistas brasileiros naquele país e de como os intelectuais vislumbraram
o estabelecimento de uma articulação entre o pensamento educacional brasileiro e
português.
Do outro lado do Atlântico e mais precisamente em Portugal estavam as
raízes familiares de Cecília Meireles e também os amigos com quem estabeleceu o
início de uma rede de amizade e de relações profissionais que se estenderia pelas
próximas três décadas de sua vida. Em resposta às cartas enviadas pelos amigos
que a convidaram para as conferências outras mais seriam escritas e atravessariam
o oceano. Cecília ainda escreveria e receberia centenas de cartas das mais diversas
personalidades do mundo cultural português. Aquele convite recebido em meados
de 1930 contribuiu para a concretização de um sonho antigo da educadora:
conhecer a terra de seus avós e de seu marido Fernando Correia Dias e materializar
o seu projeto de integração entre os povos dos dois lados do Atlântico.
925 MOTA, Luisa Maria Gonçalves da. O canto repartido: Cecília Meireles e Portugal. Tese de Mestrado Estudos Portugueses e Brasileiros. Universidade do Porto, 2002. p. 133.
Com o sucesso alcançado em Portugal, possivelmente a poesia tenha sido
responsável pelas importantes conquistas pessoais que aconteceram nos anos
seguintes. Perdidos os sonhos, esquecidas e expurgadas as idéias renovadoras na
educação, a educadora foi chamada a atuar num nível de maior liberdade de
criação, onde pode se expressar e educar a sensibilidade dos homens. Ou pelo
menos tentar. Sensibilidade esta que foi trazida pela sua poesia, pela sua lírica
invulgar, livre de regras, de leis, de limites e barreiras que pudessem oferecer
obstáculos ao seu pleno desenvolvimento. Tudo foi possível em termos de poesia
em confronto do que foi negado (ou por pouco tempo permitido) em termos de
educação. Cecília agora era apenas poeta, mas no seu mais pleno significado:
tornara-se uma educadora da alma.
Muitas questões embora estivessem entre as inquietações que
atravessaram a construção deste trabalho, não puderam ser respondidas, mas
poderão ser averiguadas em trabalhos futuros: como os intelectuais portugueses
receberam os relatos da experiência brasileira? Quais os pontos de articulação entre
o pensamento educacional brasileiro e português e quem eram os seus
representantes? Que concepções de educação emergiram, direta ou indiretamente,
dessa mútua influência, se é que esta realmente existiu? Que elementos históricos e
sociais influenciaram essas concepções a respeito da educação nos dois países?
De que forma essa permuta de idéias proporcionou a circulação bibliográfica entre
Brasil e Portugal?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Cecília Meireles 1.1. Correspondência MEIRELES, Cecília. A lição do poema. Cartas de Cecília Meireles a Armando Côrtes-Rodrigues. (organização e notas de Celestino Sachet). Ponta Delgada: Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1998. ______. Carta a Fernando de Azevedo. Moledo da Penajóia, 6 de novembro de 1934. (FA - Cp. Cx. 21, 75). IEB-USP (Instituto de Estudos Brasileiros). ______. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 02 de maio de 1934. FA - Cp, Cx. 21, 72. IEB-USP (Instituto de Estudos Brasileiros). ______. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 07 de março de 1934. FA - Cp, Cx. 21, 70/1. IEB-USP (Instituto de Estudos Brasileiros). ______. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 16 de agosto de 1934. FA - Cp, Cx. 21, 74/1. IEB-USP (Instituto de Estudos Brasileiros). ______. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 15 de novembro de 11/33. FA - Cp, Cx. 21, 69. IEB-USP (Instituto de Estudos Brasileiros). ______. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 21 de março de 1934. FA - Cp, Cx. 21, 71/1. IEB-USP (Instituto de Estudos Brasileiros). ______. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 22 de fevereiro de 1935. (FA - Cp. Cx. 21, 77/1). Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP). ______. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 23 de maio de 1935. FA - Cp. Cx. 21, 78. Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP). ______. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 28 de janeiro de 1935. (FA – Cp. Cx. 21, 76). Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP). ______. Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 8 de agosto de 1934. (FA - Cp. Cx. 21, 73). Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP). ______. Carta a José Osório de Oliveira. Moledo da Penajóia, 6 de novembro de 1934. Biblioteca Nacional de Portugal. Seção de Reservados, Espólio Osório de Oliveira, ESP N24/336. ______. Carta a José Osório de Oliveira. Rio de Janeiro, 12 de março de 1934. Acervo do Prof. Arnaldo Saraiva, Porto, Portugal. ______. Carta a José Osório de Oliveira. Rio de Janeiro, 24 de junho de 1935. Acervo do Prof. Arnaldo Saraiva, Porto, Portugal.
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MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 02 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 02/10/1934 e publicado juntamente com o relato dos dias 03 e 04 de outubro de 1934). ______. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 02 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 03/10/1934 e publicado juntamente com o relato dos dias 02 e 04 de outubro de 1934). ______. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 04 de novembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 25/09/1934). ______. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 11 de novembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 26/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 27 de setembro de 1934). ______. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 11 de novembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 27/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 26 de setembro de 1934). ______. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 07/10/1934 e publicado juntamente com os relatos dos dias 08 e 09 de outubro de 1934). ______. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 08/10/1934 e publicado juntamente com os relatos dos dias 07 e 08 de outubro de 1934). ______. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 09/10/1934 e publicado juntamente com os relatos dos dias 07 e 08 de outubro de 1934). ______. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 28/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 29 de setembro de 1934). ______. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 06/10/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 05 de outubro de 1934). ______. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 30/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 01 de outubro de 1934). ______. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 01/10/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 30 de setembro de 1934). ______. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 05/10/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 06 de outubro de 1934). ______. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 21 de outubro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 22/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 23/09/1934). ______. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 21 de outubro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 23/09/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 22/09/1934).
MEIRELES, Cecília. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 23 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 10/10/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 11 de outubro de 1934). ______. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 23 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 11/10/1934 e publicado juntamente com o relato do dia 10 de outubro de 1934). ______. Diário de Bordo. A Nação, Rio de Janeiro, 30 de dezembro de 1934, p. 2. “Suplemento Literário”. (escrito em 12/10/1934). 1.3. Livros, conferências, artigos e crônicas BANDEIRA, Manuel, MEIRELES, Cecília. 3 conferências sobre cultura hispano-americana. Rio de Janeiro: MEC, 1959. MEIRELES, Cecília, CASTRO, Josué de. A festa das Letras. 3a impressão. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1996. ______. A arte de educar. Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 18 de agosto de 1932. (Página de Educação). ______. A escola para as crianças. Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 23 de novembro de 1930. ______. A Gravidade de ser Interventor. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 07/10/31. ______. A paz pela educação. Diário de Notícias, 11 de agosto de 1932. In: ______. Crônicas de Educação, v. 4. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, p. 301-303. ______. A propósito de colônias de férias. In: ______. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.5, 2001. p. 103-106. ______. A responsabilidade da imprensa. Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 23 de setembro de 1930. ______. A visita de um pedagogo notável. Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 5 de setembro de 1930. ______. Ainda os museus. In: ______. Crônicas de Viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.1, 1998. p. 291-293. ______. As artes plásticas no Brasil. Artes populares. Rio de Janeiro, Edições de Ouro, 1968. ______. Até Lisboa. In: ______. Crônicas de Viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.3, 1999. p. 95-98. ______. Baladas para El-Rei. Rio de Janeiro: Ed. Brasileira Lux, 1925. ______. Boa vizinhança. In: ______. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.5, 2001. p. 87-90.
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VIDAL, Diana Gonçalves. Da sonhadora para o arquiteto: Cecília Meireles escreve a Fernando de Azevedo (1931-1938). In: NEVES, Margarida de Souza, LÔBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. (orgs.). Cecília Meireles: a Poética da Educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, 2001. VIEIRA, Nelson H. Brasil e Portugal: a imagem recíproca: o mito e a realidade na expressão literária. Lisboa: Ministério da Educação. Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1991. VIÑAO FRAGO, Antonio, ESCOLANO, Agustín. Currículo, espaço e subjetividade: a arquitetura como programa. Rio de Janeiro: DP&A, 1998. VIÑAO FRAGO, Antonio. Las autobiografias, memorias y diários como fuente histórico-educativa: tipologia y usos. Teias: Revista da Faculdade de Educação/UERJ, n. 1, (jun. 2000). Rio de Janeiro: UERJ, Faculdade de Educação, 2000. p. 82-97. WARDE, Miriam Jorge. Estudantes brasileiros no Teachers College da Universidade de Columbia: do aprendizado da comparação. CBHE - Congresso Brasileiro de História da Educação, 2002. XAVIER, Libânia Nacif. A reforma do ensino no Distrito Federal (1930-1935): experimentalismo e liberalismo em Anísio Teixeira. Cadernos de História da Educação, n. 6, jan./dez. 2007. p. 145-159. ______. Para além do campo educacional: um estudo sobre o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932). Bragança Paulista: EDUSF, 2002. XAVIER, Maria do Carmo. (org.). Manifesto dos pioneiros da educação: um legado educacional em debate. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. 7. Manuscritos DAMASCENO, Darci. Cronologia de publicação de Cecília Meireles em várias revistas: 1929-1940. Rio de Janeiro, [s.d.]. N. p. Original. Manuscrito. Inclui textos de crítica e ocorre referência à bibliografia de Cecília Meireles de 1940-1965. 26,2,36. Arquivo Darci Damasceno, Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, Brasil. ______. Notas acerca da poesia, da crítica e da correspondência de Cecília Meireles. [Rio de Janeiro], [s.d.]. N. p. Original. Manuscrito. 26,2,71. Arquivo Darci Damasceno, Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, Brasil. 8. Monografias, Teses e Dissertações ABDANUR, Elizabeth França. Os "ilustrados" e a política cultural em São Paulo: o Departamento de Cultura na gestão Mário de Andrade (1935-1938). Dissertação de Mestrado, Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/Unicamp, 1992.
ACCÁCIO, Liéte de Oliveira. Docentes e catedráticos: os concursos para professor da Escola Normal do Distrito Federal (1928-1930). Universidade de São Paulo, Faculdade de Educação. Tese de Doutorado, 2001. ALVES, Maria da Conceição Marques Matos. A expansão do método da Cartilha Maternal João de Deus em Portugal: no período de 1910-1925. Tese mestrado. Psicologia Educacional, Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho, 2003. BANDEIRA, Filomena A Universidade Popular Portuguesa nos anos 20. Os intelectuais e a educação do povo: entre a salvação da República e a revolução social. Dissertação de Mestrado. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 1994. BARRETO, Laís Karla da Silva. Cecília Meireles: mulher ao espelho, imaginário poético e metafísica do amor em Viagem e Mar absoluto. Dissertação de Mestrado. Departamento de Letras, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2006. CARUSO, Andrea. “Traço de União” como vitrine: educação feminina, ideário católico e práticas escolanovistas no periódico do Colégio Jacobina. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: UERJ – Faculdade de Educação, 2006. CARVALHO, Walkiria Pinto de. A ludicidade em Cecília Meireles como sensibilização para a Leitura na Educação Fundamental. Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação, Universidade Federal da Paraíba, 2006. CHAMON, Carla Simone. Maria Guilhermina Loureiro de Andrade: a trajetória profissional de uma educadora (1869-1913). 2005. Tese (Doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Educação. CHEOLA, Maria Laura van Boekel. Infância e Folclore: as Crônicas de Cecília Meireles sob o Estado Novo. Dissertação (Mestrado em Literatura Brasileira), Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2004. CORRÊA, Luciana Vial B. Infância, escola e literatura infantil em Cecília Meireles. Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação/PUC-RJ, 2001. DUCATI, Cássia. Viagem à Índia: crônicas de Cecília Meireles. 2002. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Paraná, Departamento de Educação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Departamento de Letras. FERNANDES JUNIOR, Elidio. A poesia de Cecília Meireles no contexto do livro didático. 2004. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal do Rio de Janeiro. Departamento de Letras. FERNANDES, Moíza de Castro. Emily Dickinson e Cecília Meireles: entre o eterno e o efêmero, duas vozes femininas em dois diferentes séculos de poesia. Dissertação de Mestrado. Departamento de Letras, Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, 2006. FERREIRA, Rosângela Veiga Júlio. No veio da esperança a essência etérea da criança diversa na escola: o jogo inquieto do discurso jornalístico de Cecília Meireles. Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação, Universidade de Juiz de Fora, 2007. FREIRE, Eunice Rocha. A tradição romântica na construção das imagens de Cecília Meirelles. Dissertação de Mestrado. Departamento de Letras, Universidade Federal do Ceará, 2005.
GOUVEIA, Maria Margarida de Maia. Cecília Meireles: uma poética do “Eterno Instante". Tese de Doutoramento. Estudos Luso-Brasileiros, Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 1993. LOPES, Sonia Maria de Castro Nogueira. A oficina de mestres do Distrito Federal: história, memória e silêncio sobre a Escola de Professores do Instituto de Educação do Rio de Janeiro (l932/39). 2003. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Educação. MAGALDI, Ana Maria Bandeira de Melo. Lições de casa: discursos pedagógicos destinados à família no Brasil. Tese de Doutorado. Universidade Federal Fluminense, UFF, 2001. MARQUEZI, Rosangela Aparecida. Um estudo sobre poemas de “Ou isto ou aquilo” de Cecília Meireles. 01/12/2000. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho/Marília. Departamento de Educação. MELO, Ana Maria de Oliveira. A Sombra, o Sangue e o Sonho no Romanceiro da Inconfidência de Cecília Meireles. Dissertação de Mestrado. Departamento de Letras, Universidade Federal do Ceará, 2006. MENDES, Maria Madalena Cabrita. As faces de Janus: as políticas educativas em matéria de cidadania nos anos 90 em Portugal. Dissertação de Mestrado (Ciências da Educação), Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa, 2004. MENDONÇA, Ana Waleska. Universidade e formação de professores: uma perspectiva integradora : a "universidade de educação", de Anísio Teixeira. 1993. 352f. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Educação. MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Baú de memórias, bastidores de histórias: legado pioneiro de Armanda Álvaro Alberto. 1997. 326f. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Educação. MONTEIRO, Lígia Cláudia Gonçalves. Educação e direitos da criança: perspectiva histórica e desafios pedagógicos. Mestrado (História da Educação), Universidade do Minho, Portugal, 2006. MOREIRA, Maria Edinara Leão. Estética e Transcendência em O Estudante Empírico, de Cecília Meireles. Dissertação de Mestrado. Departamento de Letras, Universidade de Passo Fundo, 2006. MORENO, Inácia Maria Vasconcellos Godoy. Poesia e Teatro no Romanceiro da Inconfidência de Cecilia Meireles. Dissertação de Mestrado. Departamento de Letras, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2005. MOTA, Luisa Maria Gonçalves da. O canto repartido: Cecília Meireles e Portugal. Tese de Mestrado Estudos Portugueses e Brasileiros. Universidade do Porto, 2002. NEVES, Maria de Fátima de Barros. A Representação da Natureza na poesia de Emily Dickinson e Cecília Meireles e uma proposta de leitura na Internet. Tese de Doutorado. Departamento de Letras, Universidade Federal da Paraíba, 2006. NUNES, Clarice. Anísio Teixeira: a poesia da ação. Rio de Janeiro: Puc/Departamento de Educação, 1991. (Tese de Doutorado).
PAIVA, Kelen Benfenatti. Histórias de Vida e Amizade: as cartas de Mário, Drummond e Cecília para Henriqueta Lisboa. Dissertação de Mestrado. Departamento de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, 2006. PARAENSE, Silvia Carneiro Lobato. Introdução ao Romanceiro da Inconfidência de Cecília Meireles. Dissertação de Mestrado. Departamento de Letras. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1991. PEREIRA, Isolina Rosa Prior Ladeira Alves. História de um paradigma: o método de João de Deus e as Escolas Móveis. Tese de Doutorado. História das Idéias, Universidade Nova de Lisboa, 1998. PESSOA, Ana Maria Pires. A educação das mães e das crianças no Estado Novo: a proposta de Maria Lúcia Vassalo Namorado. 4v. Tese (Doutorado em Ciências da Educação). Universidade de Lisboa. Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação. 2005. PIMENTA, Jussara Santos. Fora do outono certo nem as aspirações amadurecem. Cecília Meireles e a criação da biblioteca infantil do Pavilhão Mourisco (1934-1937). Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação/PUC-RJ, 2001. PIMENTEL, Thaís Velloso Cougo. De viagens e de narrativas: viajantes brasileiros no além-mar (1913-1957). 1998. Tese (Doutorado). Universidade de São Paulo, Departamento de História. REZENDE, Jussara Neves. A simbolização nas imagens Cronotopos poéticos em Cecília Meireles e Sophia de Mello Breyner Andresen: tempo e espaço. Tese de Doutorado. Departamento de Letras, Universidade de São Paulo, 2006. SANTOS, Claudete Daflon dos. A viagem e a escrita: uma reflexão sobre a importância da viagem na formação e produção intelectual de escritores-viajantes brasileiros. 2002. 225 f. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Letras. SILVA, Luzia Batista de Oliveira. O imaginário poético-pedagógico de Cecília Meireles. 2004. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, Departamento de Educação. SOUZA, Aline Vieira de. Cecília Meireles no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Monografia. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, 2007. SOUZA, Anlene Gomes de. O estrangeiro e a cidade: o Rio de Janeiro e o imaginário da viagem na primeira metade do século XX. 1995. 173f. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. SOUZA, Ida Vicenzia Dias de. Cecília Meireles - de liberdade e outros assuntos. 1999. 169 f. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Letras. SOUZA, Ida Vicenzia Dias de. O Teatro Poético de Cecília Meireles. Tese de Doutorado. Departamento de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2006. STRANG, Bernadete de Lourdes Streisky. Sob o signo da reconstrução: os ideais da Escola Nova divulgados pelas Crônicas de Educação de Cecília Meireles. Dissertação de Mestrado. Departamento de Educação, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2003.
TOLEDO, Maria Rita de Almeida. Fernando de Azevedo e a Cultura Brasileira ou as Aventuras e Desventuras do Criador e da Criatura. Dissertação de Mestrado. PUC-SP, 1995. VALLADÃO, Tânia Cristina Tavares Corrêa. Canção da flor da infância: Cecília Meireles. Tese de Doutorado, Departamento de Letras Vernáculas/UFRJ, 1997. VENANCIO, Giselle Martins. A trama do arquivo: análise da trajetória de Oliveira Vianna (1883-1951). 2003. Tese (Doutorado). Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ. Doutorado em História Social. VIEIRA, Maurício Baptista. A música da perda em Cecília Meireles. Dissertação de Mestrado. Departamento de Letras, Universidade de São Paulo, 2005. XAVIER, Libânia Nacif. Para além do campo educacional: um estudo sobre o manifesto dos pioneiros da educação nova (1932). 1993. 88f. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Educação.
ANEXOS
Anexo 1 Instituições de Pesquisa 1. Brasil Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro;
Arquivo Histórico de Bagé (RS);
Arquivo Nacional;
Arquivo Público da Cidade do Rio de Janeiro;
Biblioteca "Carmem Jordão" da Associação Brasileira de Educação (ABE);
Biblioteca da Academia Brasileira de Letras;
Biblioteca da Associação Brasileira de Imprensa (ABI);
Biblioteca da Fundação Casa de Rui Barbosa;
Biblioteca da PUC-Rio;
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro;
Biblioteca Pública de Rio Grande (RS);
Centro de Pesquisas e Documentação de História Contemporânea do Brasil –
CPDOC/FGV;
Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP);
Museu Hipólito José da Costa – Porto Alegre;
PROEDES/Faculdade de Educação/UFRJ;
Real Gabinete Português de Leitura.
2. Portugal Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa;
Biblioteca da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de
Lisboa;
Biblioteca da Fundação Arpad Szénes - Vieira da Silva;
Biblioteca do Museu João de Deus Bibliográfico, Pedagógico e Artístico;
Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra;
Biblioteca Municipal da Casa de Cultura de Coimbra;
Biblioteca Municipal do Porto;
Biblioteca Nacional de Portugal;
Casa Fernando Pessoa;
Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema;
Hemeroteca Municipal de Lisboa;
Museu Acadêmico da Universidade de Coimbra;
Torre do Tombo.
Anexo 2
Teses e Dissertações sobre Cecília Meireles – Banco de Teses da CAPES (em ordem alfabética)
AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE
CONHECIMENTO ORIENTADOR
1. Ana Maria de Oliveira Melo
A Sombra, o Sangue e o Sonho no
Romanceiro da Inconfidência de Cecília Meireles
01/02/2006 M Universidade Federal do Ceará
Letras Letras -
2. Ana Maria Domingues de
Oliveira
Estudo crítico da bibliografia sobre Cecília Meirelles
01/02/1988 M Universidade Estadual de Campinas
Letras Teoria Literária -
3. Ana Maria Domingues de
Oliveira
De Caravelas, Mares e Forcas: um estudo de
Mensagem e Romanceiro da Inconfidência
01/04/1995 D Universidade de São Paulo
Letras Est. Comp. de Liter. De Língua Portuguesa
Benjamin Abdala Junior
4. Ana Maria Gouveia
Cavalcante Aguilar
Imagem e Poesia em Cecília Meireles: Uma
Leitura de Viagem
01/12/2002 M Universidade Est.Paulista Júlio de Mesquita Filho/Sj.R
Preto
Letras Letras Arnaldo Franco Junior
5. Ana Maria Ziccardi
A Busca de Sentidos no Texto - Estudo Aplicado sobre a
Produção de Inferências em Textos
Escritos
01/03/2003 M Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Língua Portuguesa
Língua Portuguesa Anna Maria Marques Cintra
6. Antonio Rodrigues Belon
O Tempo na Poesia de Cecília Meireles
01/03/1993 M Universidade Est.Paulista Júlio de Mesquita Filho/Sj.R
Preto
Letras Letras Zequi Elias
AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO
ORIENTADOR
7. Antonio Rodrigues Belon
A Poesia de Cecília Meireles em Solombra
01/12/2001 D Universidade Est.Paulista Júlio de Mesquita Filho/Assis
Letras Literatura Brasileira Ana Maria Domingues de
Oliveira 8. Bernadete de Lourdes Streisky
Strang
Sob o signo da reconstrução - os
ideais da escola nova divulgados pelas
crônicas de educação de Cecília Meireles
01/08/2003 M Universidade Federal do Paraná
Educação Educação Carlos Eduardo Vieira
9. Cássia Ducati Viagem à Índia: crônicas de Cecília
Meireles
01/01/2002 M Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Letras Literatura Brasileira Ana Maria Lisboa de Mello
10. Christianne Barbosa Coelho
Ecos da lírica trovadoresca em
poesias de Cecília Meireles
01/08/2002 M Universidade Federal de Pernambuco
Letras Literatura Brasileira Sônia Lúcia Ramalho de Farias
11. Chrystiane Carla Silva
Nunes
"Argumentação Ideológica na Linguagem
Literária:Produção e Recepção"
01/09/1995 M Universidade Federal de Pernambuco
Letras Letras Yaracilda Oliveira Farias
12. Cladismari Zambon de
Moraes
Do retrato ao epitáfio de Cecília Meireles: a identidade feminina na
literatura e na psicanálise
01/07/2004 M Universidade Estadual de Londrina
Letras Literatura Brasileira Henrique Manuel Ávila
13. Delvanir Lopes
A Poética de Cecília Meireles e a Relação
com a Filosofia da Existência - Ou da
angústia e transcendência em
Metal Rosicler
01/03/2004 M Universidade Est.Paulista Júlio de
Mesquita Filho/Araraquara
Letras Literatura Brasileira Guacira Marcondes Machado Leite
AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO
ORIENTADOR
14. Denilson Albano Portácio
Romanceiro da Inconfidência:
resíduos poéticos do ouro das Minas Gerais
01/12/1999 M Universidade Federal do Ceará
Letras Letras Francisco Roberto Silveira de Pontes
Medeiros
15. Eduardo Kanemoto
Tempo e Memória nos Poemas de Cecília
Meireles
01/10/2004 M Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Letras Teoria Literária Fernando Segolin
16. Eliane Patrícia Grandini
Serrano
Em que tela eu perdi a minha face? Cecília e
Vincent
01/02/2003 D Universidade Est.Paulista Júlio de
Mesquita Filho/Araraquara
Letras Teoria Literária Nelyse Apparecida Melro Salzedas
17. Elidio Fernandes Junior
A poesia de Cecília Meireles no contexto
do livro didático
01/08/2004 M Universidade Federal do Rio de Janeiro
Letras Literatura Brasileira Rosa Maria de Carvalho Gens
18. Elinor de Oliveira Carvalho
A Metonímia No Romanceiro da Inconfidência
01/05/1988 M Universidade Federal de Minas Gerais
Letras Letras -
19. Eunice Rocha Freire
A tradição romântica na construção das imagens de Cecília
Meirelles
01/05/2005 M Universidade Federal da Bahia
Letras e Lingüística
Teoria Literaria Lígia Guimarães Telles
20. Fernanda Ribeiro Queiroz
de Oliveira
Canto e Corte – o épico e o drama nas
vozes de Cecília Meireles e João
Cabral de Melo Neto
01/03/2002 M Universidade Federal de Goiás
Letras Letras e Lingüística Manoel de Souza e Silva
AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO
ORIENTADOR
21. Flavia Brocchetto
Ramos
Leitura do livro de poesia infantil
brasileira: a gangorra entre a obra e a
criança
01/08/2001 D Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Letras Teoria Literária Vera Teixeira de Aguiar
22. Glória Mercedes
Valdívia Kirinus
Meia volta - Volta e meia - em torno das cantigas de roda de Cecília Meireles e Gabriela Mistral
01/03/1999 D Universidade de São Paulo
Letras (Teoria Literária e Literatura
Comparada)
Literatura Brasileira Lígia Chiappini Moraes Leite
23. Hiudea Tempesta Rodrigues
Boberg
O Canto e a Lida - Percurso Esotérico a Místico da Poesia de Fernando Pessoa e
Cecília Meireles
01/04/1990 M Universidade Est.Paulista Júlio de Mesquita Filho/Assis
Letras Letras -
24. Humberto Mendonça da
Costa
Cecília e Florbela aquém e além mar:
Aproximações e Distâncias Imagéticas
01/11/2004 M Centro de Ensino Superior de Juiz de
Fora
Letras Literatura Brasileira Maria de Lourdes Abreu De Oliveira
25. Ida Vicencia Dias de Souza.
O Teatro Poético de Cecília Meireles
01/04/2006 D Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro
Letras Literatura Brasileira Marília Rothier Cardoso
26. Ida Vicenzia Dias de Souza
Cecília Meireles - de Liberdade e Outros
Assuntos
25/02/1999 M Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro
Letras Literatura Brasileira Pina Maria Arnoldi Coco
27. Iêdo de Oliveira Paes
Ecos do Arcadismo No Romanceiro da
Inconfidência: uma Leitura Transtextual
01/05/2002 M Universidade Federal da Paraíba/João
Pessoa
Letras Letras Milton Marques Júnior
AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO
ORIENTADOR
28. Inácia Maria Vasconcellos
Godoy Moreno
Poesia e Teatro no Romanceiro da Inconfidência de Cecilia Meireles
01/11/2005 M Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Literatura e Crítica Literatura Brasileira Maria José Pereira Gordo Palo
29. Iolanda Cristina dos
Santos
Minas: Seus Tropeiros Risonhos, Um Herói
Descoroado
01/12/1995 M Universidade Federal de Juiz de Fora
Letras Letras Nancy Campi de Castro
30. Irene da Silva Coelho
A Lavra da Palavra na Crônica de Cecília
Meireles: discurso e Estilo
01/04/2002 M Universidade de São Paulo
Língua Portuguesa
Língua Portuguesa Norma Seltzer Goldstein
31. Isalino Silva de Albergaria
Um Altar Na Neblina: Ouro Preto e o
Imaginário Moderno
01/03/2002 D Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais
Letras Letras Ivete Lara Camargos Walty
32. Isolda Maria Santos Bezerra
Um Pouso em Viagem: o efêmero em
Cecília Meireles
01/06/1999 M Universidade Federal da Paraíba/João
Pessoa
Letras Literatura Brasileira João Batista Barbosa de Brito
33. Ivanise Maria de Oliveira
Rossini
As Recorrências Sonoras e Cromáticas
em "Ou Isto Ou Aquilo" de Cecília
Meireles
01/04/2002 M Universidade Est.Paulista Júlio de Mesquita Filho/Assis
Letras Literatura Brasileira Ana Maria Domingues de
Oliveira
34. José Carlos Zambolli
A Poeta ao Espelho (Cecília Meireles e o
Mito de Narciso)
01/03/2002 M Universidade de São Paulo
Literatura Brasileira
Literatura Brasileira Luiz Dagobert de Aguirra Roncari
AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO
ORIENTADOR
35. José Maria Rodrigues Filho
O Barão, de Branquinho da
Fonseca: de sua fortuna crítica a um Estudo Temático-
Comparativo
01/02/2001 D Universidade de São Paulo
Letras (Est.Comp. de Liter. de
Língua Portuguesa)
Literatura Comparada Maria Aparecida de Campos Brando
Santilli
36. Jurema Teixeira
Singularidades Femininas: Tecendo Alguns Fios do Devir-
Feminino
01/05/1995 M Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Psicologia (Psicologia
Clínica)
Tratamento e Prevenção Psicológica
Luis Cláudio Mendon Figueiredo
37. Jussara Neves Rezende
A simbolização nas imagens Cronotopos poéticos em Cecília
Meireles e Sophia de Mello Breyner
Andresen: tempo e espaço.
01/04/2006 D Universidade de São Paulo
Letras (Est.Comp. de Liter. de
Língua Portuguesa)
Outras Literaturas Vernáculas
Hélder Garmes
38. Jussara Santos Pimenta
Fora do Outono Certo Nem as Aspirações
Amadurecem - Cecília Meireles e a Criação da Biblioteca Infantil
do Pavilhão Mourisco - (1934-1937
)
01/06/2001 M Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro
Educação Educação Ana Waleska Pollo Campos Mendonça
39. Karin Lilian Hagemann
Backes
Natureza e Transcendência Na
Lírica de Cecília Meireles: Abordagem
Fenomenológica
01/01/2004 M Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Lingüística e Letras
Teoria Literária Maria da Gloria Bordini
AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO
ORIENTADOR
40. Kelen Benfenatti Paiva
Histórias de vida e amizade: as cartas de Mário, Drummond e
Cecília para Henriqueta Lisboa
01/11/2006 M Universidade Federal de Minas Gerais
Estudos Literários Literatura Brasileira Constancia Lima Duarte
41. Laís Karla da Silva Barreto
Cecília Meireles: mulher ao espelho, imaginário poético e
metafísica do amor em Viagem e Mar
absoluto
01/08/2006 M Universidade Federal do Rio Grande do
Norte
Estudos da Linguagem
Literatura Comparada Ilza Matias de Sousa
42. Leila Carolina Vilas-Boas
Gouvêa
Pensamento e Lirismo Puro na Poesia de
Cecília Meireles
01/06/2003 D Universidade de São Paulo
Literatura Brasileira
Literatura Brasileira Alcides Celso Oliveira Villaça
43. Lícia Cristina Dalcin de Almeida
Poesia de Cecília Meireles: a Posição
Significante d'o Aeronauta
01/03/1999 M Universidade Federal de Santa Maria
Letras Letras Robson Pereira Gonçalves
44. Lucia Helena Alves de Sá
A Poesia-Imagem de Cecília Meireles
01/08/1997 M Universidade de Brasília
Literatura (Teoria Liter. e Literat.
Brasileira)
Lingüística, Letras e Artes Ana Maria Lisboa de Mello; Rita de Cassi Pereira dos Santos
45. Luciana Borgerth Vial
Corrêa
Infância, Escola e Literatura Infantil em
Cecília Meireles
01/05/2001 M Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro
Educação Educação Sonia Kramer
46. Luis Hellmeister de
Camargo
Poesia Infantil e Ilustração: Estudo Sobre 'Ou Isto Ou Aquilo' de Cecília
Meireles
01/08/1998 M Universidade Estadual de Campinas
Teoria e História Literária
Teoria e História Literária Marisa Philbert Lajolo
AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO
ORIENTADOR
47. Luzia Batista de Oliveira Silva
O Imaginário Poético-Pedagógico de Cecília
Meireles
01/10/2004 D Universidade de São Paulo
Educação Educação Maria Cecília Sachez Teixeira
48. Maria Aparecida da
Silva Lima
Hipertextualidade No Romanceiro da Inconfidência
01/12/1996 M Universidade Federal da Paraíba/João
Pessoa
Letras Letras Andrea Ciacchi; Maurice Joseph
Felix Van Woensel
49. Maria de Fátima de Barros
Neves
A Representação da Natureza na poesia de
Emily Dickinson e Cecília Meireles e uma proposta de leitura na
Internet
01/04/2006 D Universidade Federal da Paraíba
Letras Letras João Batista Barbosa de Brito
50. Maria Deosdedite
Giaretta Chaves
Do Fundo da Memória Extrai-de o Metal
Rosicler - Um Estudo da Poesia de Cecília
Meireles
01/10/2000 M Universidade de São Paulo
Filologia e Língua Portuguesa
Língua Portuguesa Norma Seltzer Goldstein
51. Maria Edinara Leão Moreira
Estética e Transcendência em O Estudante Empírico, de Cecília Meireles
01/04/2006 M Universidade de Passo Fundo
Letras Letras Paulo Ricardo Becker
52. Maria Helena Miscow Ferraz de
Mendonça
A Crônica e as Cronistas Brasileiras: Questão de Gêneros
01/07/2002 D Universidade Federal do Rio de Janeiro
Letras (Letras Vernáculas)
Literatura Brasileira Elodia Carvalho de Formiga Xavier
53. Maria Laura van Boekel
Cheola
Infância e Folclore: as Crônicas de Cecília
Meireles sob o Estado Novo
01/03/2004 M Universidade Federal Fluminense
Letras Literatura Brasileira Claudia Neiva de Matos
AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO
ORIENTADOR
54. Maria Rejane Araújo Tito
Tempo de Flor: os Motivos da Rosa de
Cecília Meireles
01/03/2001 M Universidade de São Paulo
Literatura Brasileira
Literatura Brasileira Alcides Celso Oliveira Villaça
55. Maurício Baptista Vieira
A música da perda em Cecília Meireles
01/04/2005 M Universidade de São Paulo
Letras (Teoria Literária e Literatura
Comparada)
Literatura Brasileira Viviana Bosi
56. Miriam Bauab Puzzo
A Condição Feminina Na Literatura
Brasileira: Cecília Meireles e Adélia
Prado
01/12/1997 M Universidade de São Paulo
Literatura Brasileira
Literatura Brasileira Nádia Battella Gotlib
57. Miriam Bauab Puzzo
O Problemático Não-Lugar do Fazer
Poético de Cecília Meireles
01/08/2004 D Universidade de São Paulo
Letras Letras (Teoria Literária e Literatura Comparada)
Maria Augusta Bernardes Fonseca
Weber Abramo
58. Miriam Silvia Schuartz
O Mistério e a Medida: Um Estudo da
Metamorfose na Poesia de Cecília
Meireles
01/05/2002 M Universidade Presbiteriana
Mackenzie
Letras Letras Elisa Guimarães Pinto
59. Moíza de Castro
Fernandes
Emily Dickinson e Cecília Meireles: entre o eterno e o efêmero, duas vozes femininas
em dois diferentes séculos de poesia
01/01/2006 M Centro de Ensino Superior de Juiz de
Fora
Letras Letras William Valentine Redmond
60. Murilo Marcondes de
Moura
Três Poetas Brasileiros e a
Segunda Guerra Mundial: Carlos Drummond de
Andrade, Cecília Meireles e Murilo
Mendes
01/09/1998 D Universidade de São Paulo
Letras (Teoria Literária e Literatura
Comparada)
Literatura Brasileira Davi Arrigucci Júnior
AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO
ORIENTADOR
61. Paola Maria Felipe dos Anjos
Cecília Meirelles: O Modernismo Em Tom
Maior
01/06/1996 M Universidade Estadual de Campinas
Letras (Teoria Literária)
Letras (Teoria Literária) Berta Waldman
62. Raquel Maria Carvalho Naveira
Maria Egipcíaca: Prostituta e Santa
Penitente - um Caso de Intertextualidade na
Literatura Brasileira
01/06/2001 M Universidade Presbiteriana
Mackenzie
Letras Letras José João Cury
63. Rosana Rodrigues da
Silva
A Contemplação Em "Viagem": um Estudo de Olhar na Poesia de
Cecília Meireles
01/08/1997 M Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Letras Literatura Brasileira Ana Maria Lisboa de Mello
64. Rosana Rodrigues da
Silva
A Face Velada: Estudo Sobre a Poesia
Religiosa no Modernismo
01/03/2003 D Universidade Est.Paulista Júlio de Mesquita Filho/Sj.R
Preto
Letras Letras Antonio Manoel dos Santos Silva
65. Rosangela Aparecida Marquezi
Um Estudo Sobre Poemas de Ou Isto Ou
Aquilo de Cecília Meireles
01/12/2000 M Universidade Est.Paulista Júlio de
Mesquita Filho/Marilia
Educação Educação Maria do Rosário Longo Mortatti
66. Rosângela Veiga Júlio
Ferreira
No veio da esperança a essência etérea da
criança diversa na escola: o jogo inquieto do discurso jornalístico
de Cecília Meireles
01/05/2007 M Universidade de Juiz de Fora
Educação Educação Marlos Bessa Mendes da Rocha
AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO
ORIENTADOR
67. Rosenice Pagliarim Crestani
Leitura de Um Percurso Erótico na Poesia de Manuel Bandeira e Cecília
Meireles
01/06/1996 M Universidade Federal de Santa Maria
Letras Letras José Luiz Foureaux de Souza Júnior
68. Rosiane Maria Soares de
Andrade
A Vida Só é Possível Reinventada: as
Representações da Morte na Obra Poética
de Cecília Meireles
01/04/2004 M Universidade Federal de Pernambuco
Letras Literatura Brasileira Luzilá Gonçalves
69. Satira Pereira Machado
Os Poemas Animados Pelo Castelo Rá-Tin-Bum: Aproveitamento da Poesia Infantil na
Televisão
01/08/2000 M Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Lingüística e Letras
Lingüística E Letras Vera Teixeira de Aguiar
70. Silvia Carneiro Lobato
Paraense
Introdução ao Romanceiro da Inconfidência de Cecília Meireles
01/03/1991 M Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Letras Letras Flávio Loureiro Chaves
71. Silvia Craveiro Gusmão
Garcia
A Poesia na Escola: 'Viva' a Poesia
01/12/2002 D Universidade Est.Paulista Júlio de Mesquita Filho/Sj.R
Preto
Letras Letras Antonio Manoel dos Santos Silva
72 Sílvia Helena Miguel Trevisan
"Sobrevivências Românticas na Poesia de Florbela Espanca e
Cecília Meireles"
01/11/2001 M Universidade de São Paulo
Letras (Est.Comp. de Liter. de
Língua Portuguesa)
Literatura Comparada Maria Aparecida de Campos Brando
Santilli
73. Silvia Maria Eleuterio
O Ato Poético e o Ato Analítico (Alguns
Poemas de Cecília Meireles)
01/10/1988 M Universidade Federal do Rio de Janeiro
Letras (Letras Vernáculas)
Letras Nome Não Informado
74. Tânia Cristina T. Corrêa Valadão
Canção da Flor da Infância: Cecília
Meireles
01/07/1997 D Universidade Federal do Rio de Janeiro
Letras (Letras Vernáculas)
Literatura Brasileira Gilda Salem Szklo
AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO
ORIENTADOR
75. Valeria Fernandes
Lamego
A Farpa na Lira - O Jornalismo de Cecília
Meireles na Revolucao de 30
01/06/1995 M Universidade Federal do Rio de Janeiro
Comunicação Comunicação Heloisa Buarque de Holanda
76. Valéria Lice de Oliveira
O Universo Imagético Na Palavra de Cecília
Meireles
01/12/2003 M Universidade Est.Paulista Júlio de
Mesquita Filho/Araraquara
Estudos Literários Teoria Literária Laura Beatriz Fonseca de Almeida
77. Walkiria Pinto de Carvalho
A Ludicidade em Cecília Meireles como Sensibilização para a Leitura na Educação
Fundamental
01/05/2006 M Universidade Federal da Paraíba
Educação Educação Ed Porto Bezerra
Fonte: http://servicos.capes.gov.br/capesdw/Teses.do. (Quadro atualizado em 26/03/2008).
Anexo 3
Teses e Dissertações sobre Cecília Meireles – Banco de Teses da CAPES (por data de defesa)
AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE
CONHECIMENTO ORIENTADOR
1. Ana Maria Domingues de
Oliveira
Estudo crítico da bibliografia sobre Cecília Meirelles
01/02/1988 M Universidade Estadual de Campinas
Letras Teoria Literária -
2. Elinor de Oliveira Carvalho
A Metonímia No Romanceiro da Inconfidência
01/05/1988 M Universidade Federal de Minas Gerais
Letras Letras -
3. Silvia Maria Eleuterio
O Ato Poético e o Ato Analítico (Alguns
Poemas de Cecília Meireles)
01/10/1988 M Universidade Federal do Rio de Janeiro
Letras (Letras Vernáculas)
Letras Nome Não Informado
4. Hiudea Tempesta Rodrigues
Boberg
O Canto e a Lida - Percurso Esotérico a Místico da Poesia de Fernando Pessoa e
Cecília Meireles
01/04/1990 M Universidade Est.Paulista Júlio de Mesquita Filho/Assis
Letras Letras -
5. Silvia Carneiro Lobato Paraense
Introdução ao Romanceiro da Inconfidência de Cecília Meireles
01/03/1991 M Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Letras Letras Flávio Loureiro Chaves
6. Antonio Rodrigues Belon
O Tempo na Poesia de Cecília Meireles
01/03/1993 M Universidade Est.Paulista Júlio de Mesquita Filho/Sj.R
Preto
Letras Letras Zequi Elias
7. Ana Maria Domingues de
Oliveira
De Caravelas, Mares e Forcas: um estudo de
Mensagem e Romanceiro da Inconfidência
01/04/1995 D Universidade de São Paulo
Letras Est. Comp. de Liter. De Língua Portuguesa
Benjamin Abdala Junior
AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO
ORIENTADOR
8. Jurema Teixeira
Singularidades Femininas: Tecendo Alguns Fios do Devir-
Feminino
01/05/1995 M Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Psicologia (Psicologia
Clínica)
Tratamento e Prevenção Psicológica
Luis Cláudio Mendon Figueiredo
9. Valeria Fernandes
Lamego
A Farpa na Lira - O Jornalismo de Cecília
Meireles na Revolucao de 30
01/06/1995 M Universidade Federal do Rio de Janeiro
Comunicação Comunicação Heloisa Buarque de Holanda
10. Chrystiane Carla Silva
Nunes
"Argumentação Ideológica na Linguagem
Literária:Produção e Recepção"
01/09/1995 M Universidade Federal de Pernambuco
Letras Letras Yaracilda Oliveira Farias
11. Iolanda Cristina dos
Santos
Minas: Seus Tropeiros Risonhos, Um Herói
Descoroado
01/12/1995 M Universidade Federal de Juiz de Fora
Letras Letras Nancy Campi de Castro
12. Paola Maria Felipe dos Anjos
Cecília Meirelles: O Modernismo Em Tom
Maior
01/06/1996 M Universidade Estadual de Campinas
Letras (Teoria Literária)
Letras (Teoria Literária) Berta Waldman
13. Rosenice Pagliarim Crestani
Leitura de Um Percurso Erótico na Poesia de Manuel Bandeira e Cecília
Meireles
01/06/1996 M Universidade Federal de Santa Maria
Letras Letras José Luiz Foureaux de Souza Júnior
14. Maria Aparecida da
Silva Lima
Hipertextualidade No Romanceiro da Inconfidência
01/12/1996 M Universidade Federal da Paraíba/João
Pessoa
Letras Letras Andrea Ciacchi; Maurice Joseph
Felix Van Woensel
15. Tânia Cristina T. Corrêa Valadão
Canção da Flor da Infância: Cecília
Meireles
01/07/1997 D Universidade Federal do Rio de Janeiro
Letras (Letras Vernáculas)
Literatura Brasileira Gilda Salem Szklo
16. Lucia Helena Alves de Sá
A Poesia-Imagem de Cecília Meireles
01/08/1997 M Universidade de Brasília
Literatura (Teoria Liter. e Literat.
Brasileira)
Lingüística, Letras e Artes Ana Maria Lisboa de Mello; Rita de Cassi Pereira dos Santos
AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO
ORIENTADOR
17. Rosana Rodrigues da
Silva
A Contemplação Em "Viagem": um Estudo de Olhar na Poesia de
Cecília Meireles
01/08/1997 M Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Letras Literatura Brasileira Ana Maria Lisboa de Mello
18. Miriam Bauab Puzzo
A Condição Feminina Na Literatura
Brasileira: Cecília Meireles e Adélia
Prado
01/12/1997 M Universidade de São Paulo
Literatura Brasileira
Literatura Brasileira Nádia Battella Gotlib
19. Luis Hellmeister de
Camargo
Poesia Infantil e Ilustração: Estudo Sobre 'Ou Isto Ou Aquilo' de Cecília
Meireles
01/08/1998 M Universidade Estadual de Campinas
Teoria e História Literária
Teoria e História Literária Marisa Philbert Lajolo
20. Murilo Marcondes de
Moura
Três Poetas Brasileiros e a
Segunda Guerra Mundial: Carlos Drummond de
Andrade, Cecília Meireles e Murilo
Mendes
01/09/1998 D Universidade de São Paulo
Letras (Teoria Literária e Literatura
Comparada)
Literatura Brasileira Davi Arrigucci Júnior
21. Ida Vicenzia Dias de Souza
Cecília Meireles - de Liberdade e Outros
Assuntos
25/02/1999 M Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro
Letras Literatura Brasileira Pina Maria Arnoldi Coco
22. Glória Mercedes
Valdívia Kirinus
"Meia volta - Volta e meia - em torno das cantigas de roda de Cecília Meireles e Gabriela Mistral"
01/03/1999 D Universidade de São Paulo
Letras (Teoria Literária e Literatura
Comparada)
Literatura Brasileira Lígia Chiappini Moraes Leite
23. Lícia Cristina Dalcin de Almeida
Poesia de Cecília Meireles: a Posição
Significante d'o Aeronauta
01/03/1999 M Universidade Federal de Santa Maria
Letras Letras Robson Pereira Gonçalves
AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO
ORIENTADOR
24. Isolda Maria Santos Bezerra
Um Pouso em Viagem: o efêmero em
Cecília Meireles
01/06/1999 M Universidade Federal da Paraíba/João
Pessoa
Letras Literatura Brasileira João Batista Barbosa de Brito
25. Denilson Albano Portácio
Romanceiro da Inconfidência:
resíduos poéticos do ouro das Minas Gerais
01/12/1999 M Universidade Federal do Ceará
Letras Letras Francisco Roberto Silveira de Pontes
Medeiros
26. Satira Pereira Machado
Os Poemas Animados Pelo Castelo Rá-Tin-Bum: Aproveitamento da Poesia Infantil na
Televisão
01/08/2000 M Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Lingüística e Letras
Lingüística E Letras Vera Teixeira de Aguiar
27. Maria Deosdedite
Giaretta Chaves
Do Fundo da Memória Extrai-de o Metal
Rosicler - Um Estudo da Poesia de Cecília
Meireles
01/10/2000 M Universidade de São Paulo
Filologia e Língua Portuguesa
Língua Portuguesa Norma Seltzer Goldstein
28. Rosangela Aparecida Marquezi
Um Estudo Sobre Poemas de Ou Isto Ou
Aquilo de Cecília Meireles
01/12/2000 M Universidade Est.Paulista Júlio de
Mesquita Filho/Marilia
Educação Educação Maria do Rosário Longo Mortatti
29. José Maria Rodrigues Filho
O Barão, de Branquinho da
Fonseca: de sua fortuna crítica a um Estudo Temático-
Comparativo
01/02/2001 D Universidade de São Paulo
Letras (Est.Comp. de Liter. de
Língua Portuguesa)
Literatura Comparada Maria Aparecida de Campos Brando
Santilli
30. Maria Rejane Araújo Tito
Tempo de Flor: os Motivos da Rosa de
Cecília Meireles
01/03/2001 M Universidade de São Paulo
Literatura Brasileira
Literatura Brasileira Alcides Celso Oliveira Villaça
31. Luciana Borgerth Vial
Corrêa
Infância, Escola e Literatura Infantil em
Cecília Meireles
01/05/2001 M Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro
Educação Educação Sonia Kramer
AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO
ORIENTADOR
32. Jussara Santos Pimenta
Fora do Outono Certo Nem as Aspirações
Amadurecem - Cecília Meireles e a Criação da Biblioteca Infantil
do Pavilhão Mourisco - (1934-1937)
01/06/2001 M Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro
Educação Educação Ana Waleska Pollo Campos Mendonça
33. Raquel Maria Carvalho Naveira
Maria Egipcíaca: Prostituta e Santa
Penitente - um Caso de Intertextualidade na
Literatura Brasileira
01/06/2001 M Universidade Presbiteriana
Mackenzie
Letras Letras José João Cury
34. Flavia Brocchetto
Ramos
Leitura do livro de poesia infantil
brasileira: a gangorra entre a obra e a
criança
01/08/2001 D Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Letras Teoria Literária Vera Teixeira de Aguiar
35. Sílvia Helena Miguel Trevisan
"Sobrevivências Românticas na Poesia de Florbela Espanca e
Cecília Meireles"
01/11/2001 M Universidade de São Paulo
Letras (Est.Comp. de Liter. de
Língua Portuguesa)
Literatura Comparada Maria Aparecida de Campos Brando
Santilli
36. Antonio Rodrigues Belon
A Poesia de Cecília Meireles em Solombra
01/12/2001 D Universidade Est.Paulista Júlio de Mesquita Filho/Assis
Letras Literatura Brasileira Ana Maria Domingues de
Oliveira 37. Cássia Ducati Viagem à Índia:
crônicas de Cecília Meireles
01/01/2002 M Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Letras Literatura Brasileira Ana Maria Lisboa de Mello
38. Fernanda Ribeiro Queiroz
de Oliveira
Canto e Corte – o épico e o drama nas
vozes de Cecília Meireles e João
Cabral de Melo Neto
01/03/2002 M Universidade Federal de Goiás
Letras Letras e Lingüística Manoel de Souza e Silva
AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO
ORIENTADOR
39. Isalino Silva de Albergaria
Um Altar Na Neblina: Ouro Preto e o
Imaginário Moderno
01/03/2002 D Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais
Letras Letras Ivete Lara Camargos Walty
40. José Carlos Zambolli
A Poeta ao Espelho (Cecília Meireles e o
Mito de Narciso)
01/03/2002 M Universidade de São Paulo
Literatura Brasileira
Literatura Brasileira Luiz Dagobert de Aguirra Roncari
41. Irene da Silva Coelho
A Lavra da Palavra na Crônica de Cecília
Meireles: discurso e Estilo
01/04/2002 M Universidade de São Paulo
Língua Portuguesa
Língua Portuguesa Norma Seltzer Goldstein
42. Ivanise Maria de Oliveira
Rossini
As Recorrências Sonoras e Cromáticas
em "Ou Isto Ou Aquilo" de Cecília
Meireles
01/04/2002 M Universidade Est.Paulista Júlio de Mesquita Filho/Assis
Letras Literatura Brasileira Ana Maria Domingues de
Oliveira
43. Iêdo de Oliveira Paes
Ecos do Arcadismo No Romanceiro da
Inconfidência: uma Leitura Transtextual
01/05/2002 M Universidade Federal da Paraíba/João
Pessoa
Letras Letras Milton Marques Júnior
44. Miriam Silvia Schuartz
O Mistério e a Medida: Um Estudo da
Metamorfose na Poesia de Cecília
Meireles
01/05/2002 M Universidade Presbiteriana
Mackenzie
Letras Letras Elisa Guimarães Pinto
45. Maria Helena Miscow Ferraz de
Mendonça
A Crônica e as Cronistas Brasileiras: Questão de Gêneros
01/07/2002 D Universidade Federal do Rio de Janeiro
Letras (Letras Vernáculas)
Literatura Brasileira Elodia Carvalho de Formiga Xavier
46. Christianne Barbosa Coelho
Ecos da lírica trovadoresca em
poesias de Cecília Meireles
01/08/2002 M Universidade Federal de Pernambuco
Letras Literatura Brasileira Sônia Lúcia Ramalho de Farias
AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO
ORIENTADOR
47. Ana Maria Gouveia
Cavalcante Aguilar
Imagem e Poesia em Cecília Meireles: Uma
Leitura de Viagem
01/12/2002 M Universidade Est.Paulista Júlio de Mesquita Filho/Sj.R
Preto
Letras Letras Arnaldo Franco Junior
48. Silvia Craveiro Gusmão
Garcia
A Poesia na Escola: 'Viva' a Poesia
01/12/2002 D Universidade Est.Paulista Júlio de Mesquita Filho/Sj.R
Preto
Letras Letras Antonio Manoel dos Santos Silva
49. Eliane Patrícia Grandini
Serrano
Em que tela eu perdi a minha face? Cecília e
Vincent
01/02/2003 D Universidade Est.Paulista Júlio de
Mesquita Filho/Araraquara
Letras Teoria Literária Nelyse Apparecida Melro Salzedas
50. Ana Maria Ziccardi
A Busca de Sentidos no Texto - Estudo Aplicado sobre a
Produção de Inferências em Textos
Escritos
01/03/2003 M Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Língua Portuguesa
Língua Portuguesa Anna Maria Marques Cintra
51. Rosana Rodrigues da
Silva
A Face Velada: Estudo Sobre a Poesia
Religiosa no Modernismo
01/03/2003 D Universidade Est.Paulista Júlio de Mesquita Filho/Sj.R
Preto
Letras Letras Antonio Manoel dos Santos Silva
52. Leila Carolina Vilas-Boas
Gouvêa
Pensamento e Lirismo Puro na Poesia de
Cecília Meireles
01/06/2003 D Universidade de São Paulo
Literatura Brasileira
Literatura Brasileira Alcides Celso Oliveira Villaça
53. Bernadete de Lourdes Streisky
Strang
Sob o signo da reconstrução - os
ideais da escola nova divulgados pelas
crônicas de educação de Cecília Meireles
01/08/2003 M Universidade Federal do Paraná
Educação Educação Carlos Eduardo Vieira
AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO
ORIENTADOR
54. Valéria Lice de Oliveira
O Universo Imagético Na Palavra de Cecília
Meireles
01/12/2003 M Universidade Est.Paulista Júlio de
Mesquita Filho/Araraquara
Estudos Literários Teoria Literária Laura Beatriz Fonseca de Almeida
55. Karin Lilian Hagemann
Backes
Natureza e Transcendência Na
Lírica de Cecília Meireles: Abordagem
Fenomenológica
01/01/2004 M Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Lingüística e Letras
Teoria Literária Maria da Gloria Bordini
56. Delvanir Lopes
A Poética de Cecília Meireles e a Relação
com a Filosofia da Existência - Ou da
angústia e transcendência em
Metal Rosicler
01/03/2004 M Universidade Est.Paulista Júlio de
Mesquita Filho/Araraquara
Letras Literatura Brasileira Guacira Marcondes Machado Leite
57. Maria Laura van Boekel
Cheola
Infância e Folclore: as Crônicas de Cecília
Meireles sob o Estado Novo
01/03/2004 M Universidade Federal Fluminense
Letras Literatura Brasileira Claudia Neiva de Matos
58. Rosiane Maria Soares de
Andrade
A Vida Só é Possível Reinventada: as
Representações da Morte na Obra Poética
de Cecília Meireles
01/04/2004 M Universidade Federal de Pernambuco
Letras Literatura Brasileira Luzilá Gonçalves
59. Cladismari Zambon de
Moraes
Do retrato ao epitáfio de Cecília Meireles: a identidade feminina na
literatura e na psicanálise
01/07/2004 M Universidade Estadual de Londrina
Letras Literatura Brasileira Henrique Manuel Ávila
AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO
ORIENTADOR
60. Elidio Fernandes Junior
A poesia de Cecília Meireles no contexto
do livro didático
01/08/2004 M Universidade Federal do Rio de Janeiro
Letras Literatura Brasileira Rosa Maria de Carvalho Gens
61. Miriam Bauab Puzzo
O Problemático Não-Lugar do Fazer
Poético de Cecília Meireles
01/08/2004 D Universidade de São Paulo
Letras Letras (Teoria Literária e Literatura Comparada)
Maria Augusta Bernardes Fonseca
Weber Abramo
62. Eduardo Kanemoto
Tempo e Memória nos Poemas de Cecília
Meireles
01/10/2004 M Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Letras Teoria Literária Fernando Segolin
63. Luzia Batista de Oliveira Silva
O Imaginário Poético-Pedagógico de Cecília
Meireles
01/10/2004 D Universidade de São Paulo
Educação Educação Maria Cecília Sachez Teixeira
64. Humberto Mendonça da
Costa
Cecília e Florbela aquém e além mar:
Aproximações e Distâncias Imagéticas
01/11/2004 M Centro de Ensino Superior de Juiz de
Fora
Letras Literatura Brasileira Maria de Lourdes Abreu De Oliveira
65. Maurício Baptista Vieira
A música da perda em Cecília Meireles
01/04/2005 M Universidade de São Paulo
Letras (Teoria Literária e Literatura
Comparada)
Literatura Brasileira Viviana Bosi
66. Eunice Rocha Freire
A tradição romântica na construção das imagens de Cecília
Meirelles
01/05/2005 M Universidade Federal da Bahia
Letras e Lingüística
Teoria Literaria Lígia Guimarães Telles
67. Inácia Maria Vasconcellos
Godoy Moreno
Poesia e Teatro no Romanceiro da Inconfidência de Cecilia Meireles
01/11/2005 M Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Literatura e Crítica Literatura Brasileira Maria José Pereira Gordo Palo
AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO
ORIENTADOR
68. Moíza de Castro
Fernandes
Emily Dickinson e Cecília Meireles: entre o eterno e o efêmero, duas vozes femininas
em dois diferentes séculos de poesia
01/01/2006 M Centro de Ensino Superior de Juiz de
Fora
Letras Letras William Valentine Redmond
69. Ana Maria de Oliveira Melo
A Sombra, o Sangue e o Sonho no
Romanceiro da Inconfidência de Cecília Meireles
01/02/2006 M Universidade Federal do Ceará
Letras Letras -
70. Ida Vicencia Dias de Souza.
O Teatro Poético de Cecília Meireles
01/04/2006 D Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro
Letras Literatura Brasileira Marília Rothier Cardoso
71. Jussara Neves Rezende
A simbolização nas imagens Cronotopos poéticos em Cecília
Meireles e Sophia de Mello Breyner
Andresen: tempo e espaço.
01/04/2006 D Universidade de São Paulo
Letras (Est.Comp. de Liter. de
Língua Portuguesa)
Outras Literaturas Vernáculas
Hélder Garmes
72. Maria de Fátima de Barros
Neves
A Representação da Natureza na poesia de
Emily Dickinson e Cecília Meireles e uma proposta de leitura na
Internet
01/04/2006 D Universidade Federal da Paraíba
Letras Letras João Batista Barbosa de Brito
73. Maria Edinara Leão Moreira
Estética e Transcendência em O Estudante Empírico, de Cecília Meireles
01/04/2006 M Universidade de Passo Fundo
Letras Letras Paulo Ricardo Becker
AUTOR TÍTULO DATA M/D UNIVERSIDADE PROGRAMA ÁREA DE CONHECIMENTO
ORIENTADOR
74. Walkiria Pinto de Carvalho
A Ludicidade em Cecília Meireles como Sensibilização para a Leitura na Educação
Fundamental
01/05/2006 M Universidade Federal da Paraíba
Educação Educação Ed Porto Bezerra
75. Laís Karla da Silva Barreto
Cecília Meireles: mulher ao espelho, imaginário poético e
metafísica do amor em Viagem e Mar
absoluto
01/08/2006 M Universidade Federal do Rio Grande do
Norte
Estudos da Linguagem
Literatura Comparada Ilza Matias de Sousa
76. Kelen Benfenatti Paiva
Histórias de vida e amizade: as cartas de Mário, Drummond e
Cecília para Henriqueta Lisboa
01/11/2006 M Universidade Federal de Minas Gerais
Estudos Literários Literatura Brasileira Constancia Lima Duarte
77. Rosângela Veiga Júlio
Ferreira
No veio da esperança a essência etérea da
criança diversa na escola: o jogo inquieto do discurso jornalístico
de Cecília Meireles
01/05/2007 M Universidade de Juiz de Fora
Educação Educação Marlos Bessa Mendes da Rocha
Fonte: http://servicos.capes.gov.br/capesdw/Teses.do. (Quadro atualizado em 26/03/2008).
Anexo 4
CRÔNICAS DE CECÍLIA MEIRELES NO
“DIÁRIO DE BORDO” - 1934 Data de produção Data de Publicação
21 de Setembro 14 de Outubro ** 22 e 23 de Setembro 21 de Outubro
24 de Setembro * 28 de Outubro ** 25 de Setembro 04 de Novembro
26 e 27 de Setembro 11 de Novembro 28 e 29 de Setembro 18 de Novembro **
30 de Setembro e 01 de Outubro
25 de Novembro **
02, 03 e 04 de Outubro 02 de Dezembro 05 e 06 de Outubro 09 de Dezembro **
07, 08 e 09 de Outubro 16 de Dezembro 10 e 11 de Outubro 23 de Dezembro
12 de Outubro 30 de Dezembro
* Data presumida para a escrita e a publicação dessa crônica, originalmente sem data no documento. ** Datas presumíveis de publicação das crônicas.
Tabela 1: Crônicas de Cecília Meireles: datas de produção e publicação no “Diário de
Bordo”. Anexo 5
IMAGENS DE FERNANDO CORREIA DIAS NAS
CRÔNICAS DO “DIÁRIO DE BORDO” - 1934 Data de produção Data de Publicação Número de
Imagens 21 de Setembro 14 de Outubro 1
22 e 23 de Setembro 21 de Outubro 2 24 de Setembro 28 de Outubro 3 25 de Setembro 04 de Novembro -
26 e 27 de Setembro 11 de Novembro 4 28 e 29 de Setembro 18 de Novembro 4
30 de Setembro e 01 de Outubro
25 de Novembro 4
02, 03 e 04 de Outubro 02 de Dezembro 5 05 e 06 de Outubro 09 de Dezembro 3
07, 08 e 09 de Outubro 16 de Dezembro 4 10 e 11 de Outubro 23 de Dezembro 4
12 de Outubro 30 de Dezembro 2 Total de Imagens 36
Tabela 2: Relação de Correia Dias publicados no “Diário de Bordo”.
Anexo 6
IMAGENS DE FERNANDO CORREIA DIAS
PUBLICADAS NO “DIÁRIO DE BORDO” – 1934 Cecília
Meireles Correia Dias Passageiros Paisagens e
cidades portuárias
Cenas do cotidiano do
“Cuyabá”
Diversos
(1) No convés (21/09)
(1) Desenhando no convés
(22/09)
(1) Marechal (22/09)
(3) Vitória (s/data)
(1) *Conversinhas
no Convés (26/09)
(1) Jangadas
(27/09)
(1) Olhando estrelas (05/10)
(1) Amélia Borges (26/09)
(1) Crespúsculo em Recife
(27/09)
(1) Banhistas na piscina
(29/09)
(1) Os Retirantes
(29/09)
(1) Olhando para as vagas
e para o vento (11/10)
(1) Wolkowyski
(05/10)
(1) Marinha em Recife
(28/09)
(1) A orquestra do
“Cuyabá” (02/10)
(1) Céu estrelado (01/10)
(1) Desembarque
(12/10)
(1) Mocambos em Recife
(29/09)
(1) A sanfoninha
dos imigrantes (03/10)
(1) Carta de bordo
(02/10)
(1) Pico do Frade (30/09)
(1) *Passageiras na amurada do “Cuyabá”
(05/10)
(1) Aldeias da África (02/10)
(1) Fernando
de Noronha (30/09)
(1) Velas do navio (08/10)
(1) Marinheiro
(02/10)
(1) Rochedos
São Pedro e São Paulo
(01/10)
(1) Marujinho no mastro do navio (12/10)
(1) Louva-deus
(09/10)
(1) Fuerte Ventura (07/10)
(1) Navios portugueses
(10/10) (1) Torre de
Belém (09/10)
(1) Fundo do Mar (11/10)
(1) Rádio (11/10)
4 1 3 11 7 10
*Cecília Meireles aparece entre os demais passageiros do navio.
Tabela 3: Relação de desenhos de Correia Dias publicados no “Diário de Bordo”.
Anexo 7
Correspondência de Cecília Meireles – Ativa
REMETENTE DESTINATÁRIO DATA No DE
CARTAS
LOCALIZAÇÃO LOCAL PUBLICAÇÃO OBSERVAÇÕES
Cecília Meireles Adolfo Casais
Monteiro
1938-1956 4 Biblioteca
Nacional de Lisboa
Lisboa - 3 cartas manuscritas, 1
datilografada e dois
poemas manuscritos
(“Descripção” e
“Amor”).
Cecília Meireles Afonso Duarte - - - - - Não localizadas – Em
poder de familiares do
poeta português
Cecília Meireles Alberto de Serpa 1938-1957 19 Biblioteca
Municipal
do Porto
Porto - 14 cartas manuscritas e
5 datilografadas
Cecília Meireles Alfonso Reyes - - Capilla Alfonsina México - -
Cecília Meireles Armando Côrtes-
Rodrigues
1946-1964 246 - - SACHET, C. A
lição do Poema,
Ponta Delgada,
1998.
-
REMETENTE DESTINATÁRIO DATA No DE
CARTAS
LOCALIZAÇÃO LOCAL PUBLICAÇÃO OBSERVAÇÕES
Cecília Meireles Armando Côrtes-
Rodrigues
1956 1 - - Diário dos
Açores,
26/11/1964, p.2.
-
Cecília Meireles Carlos Queiroz - - - -
- Não localizadas
Cecília Meireles Diogo de Macedo 1952-1953 2 Biblioteca Nacional Rio de
Janeiro
- Arquivo Darcy
Damasceno
Cecília Meireles Diogo de Macedo A partir de
1935
- - Portugal - Roberto Arruda -
Sobrinho de Diogo de
Macedo
Cecília Meireles Fernanda de Castro
1936-1939 2 Biblioteca Nacional Rio de
Janeiro
- Arquivo Darcy
Damasceno
Cecília Meireles Fernanda de Castro - - Lisboa - Não localizadas – Em
poder de familiares da
poeta portuguesa
Cecília Meireles Fernando de
Azevedo
1931-1938 20 Instituto de Estudos
Brasileiros – USP
São Paulo - -
REMETENTE DESTINATÁRIO DATA No DE
CARTAS
LOCALIZAÇÃO LOCAL PUBLICAÇÃO OBSERVAÇÕES
Cecília Meireles Fernando de
Azevedo
1931-1938 9 - - LAMEGO,
Valéria. A farpa
na Lira. Rio de
Janeiro: Editora
Nova Fronteira,
1996.
-
Cecília Meireles Gabriela Mistral
- - Santiago do Chile
Chile - -
Cecília Meireles Henriqueta Lisboa 1947 1 - - Jornal Minas
Gerais,
Suplemento
Literário, 12/-
8/1967.
-
Cecília Meireles Henriqueta Lisboa
- 1 - - Jornal de Letras,
dez. 1964
-
Cecília Meireles Henriqueta Lisboa
1931-1963 42 cartas e
7 cartões
Acervo de
Escritores Mineiros
da UFMG
Belo
Horizonte
- -
REMETENTE DESTINATÁRIO DATA No DE
CARTAS
LOCALIZAÇÃO LOCAL PUBLICAÇÃO OBSERVAÇÕES
Cecília Meireles Irene Lisboa 1948-1950 3 - - - Datilografadas
Cecília Meireles Isabel do Prado - 77 Casa de Rui
Barbosa
Rio de
Janeiro
- Informações arquivo
pessoal no Rio de
Janeiro
Cecília Meireles Jaime Cortesão 1943-1949 4 cartas e
1 cartão, 1
postal, 3
envelopes
Biblioteca
Nacional de Lisboa
Lisboa - 2 cartas manuscritas, 2
datilografadas.
Cecília Meireles João Afonso 1963 1 - - Colóquio/Letras,
n. 61, Lisboa,
Maio, 1981, p.
39-40.
-
Cecília Meireles João de Barros 1936-1951 4 cartas e
2 cartões
Biblioteca Nacional
de Lisboa
Lisboa - 3 cartas, 2 cartões de
visita e 1 cartão de
Boas Festas
REMETENTE DESTINATÁRIO DATA No DE
CARTAS
LOCALIZAÇÃO LOCAL PUBLICAÇÃO OBSERVAÇÕES
Cecília Meireles João de Barros 1946 1 - - AZEVEDO,
Manuela de.
Cartas a João de
Barros. Lisboa:
Livros do Brasil,
p. 333-334.
Os originais
encontram-se sob a
guarda do Museu João
de Deus, em Lisboa.
Cecília Meireles José Osório de
Oliveira
1934-1956 48 - Porto - Em poder do Prof.
Arnaldo Saraiva -
Compradas de Raquel
Bastos em 1967 (das
48 cartas, 7 para
Raquel Bastos, 1 para
o casal e outra para os
amigos).
Cecília Meireles José Osório de
Oliveira
1934-1940 4 cartas e
4 postais
Biblioteca Nacional
de Lisboa
Lisboa - 2 cartas manuscritas, 1
datilografada e 4
postais
Cecília Meireles José Régio - - - - - Não localizadas
REMETENTE DESTINATÁRIO DATA No DE
CARTAS
LOCALIZAÇÃO LOCAL PUBLICAÇÃO OBSERVAÇÕES
Cecília Meireles Maria Dulce Lupi
Cohen Osório de
Castro (Maria
Valupi)
1937-1938 2 Gabinete Português
de Leitura
Rio de
Janeiro
Colóquio Letras,
n. 66, março
1982, p. 65-69.
-
Cecília Meireles Maria Dulce Lupi
Cohen Osório de
Castro (Maria
Valupi)
24/04/1938 1 Biblioteca Nacional Rio de
Janeiro
- Arquivo Darcy
Damasceno
Cecília Meireles Maria Dulce Lupi
Cohen Osório de
Castro (Maria
Valupi)
- 30 - Lisboa - Espólio – Antônio
Osório, sobrinho de
Maria Dulce Lupi de
Castro Osório
Cecília Meireles Maria Dulce Lupi
Cohen Osório de
Castro (Maria
Valupi)
13 - - Valupi, Maria.
Antologia.
Lisboa: Quasi,
2007.
-
REMETENTE DESTINATÁRIO DATA No DE
CARTAS
LOCALIZAÇÃO LOCAL PUBLICAÇÃO OBSERVAÇÕES
Cecília Meireles Maria Dulce Lupi
Cohen Osório de
Castro (Maria
Valupi)
1937 e 1938 2 - - CRISTÓVÃO,
Fernando.
Cruzeiro do Sul, a
Norte. Estudos
Luso-Brasileiros.
Lisboa: Imprensa
Nacional/Casa da
Moeda, 1983. p.
507-522.
-
Cecília Meireles Maria Helena Vieira
da Silva/Arpad
Szenes
1954-1960 5 Fundação Arpad
Szenes - Vieira da
Silva
Lisboa - 2 cartas estão sem data,
as demais são de 1954,
1958 e 1960.
Cecília Meireles Mário de Andrade 1935-1945 15 - - MEIRELES,
Cecília. Cecília e
Mário. Rio de
Janeiro: Nova
Fronteira
-
Cecília Meireles Natércia Freire - - - - - Não localizadas
REMETENTE DESTINATÁRIO DATA No DE
CARTAS
LOCALIZAÇÃO LOCAL PUBLICAÇÃO OBSERVAÇÕES
Cecília Meireles Vários amigos
(Diogo de Macedo,
Manuel Mendes,
Luis de Montalvor,
José Osório de
Oliveira e Raquel
Bastos)
1936 1 - - Terceira Margem:
Revista do Centro
de Estudos
Brasileiros, Porto,
n.1, 1998. p. 57-
59.
Publicada pelo Prof.
Arnaldo Saraiva.
Cecília Meireles Vitorino Nemésio
1939-1946 5 Biblioteca Nacional
de Lisboa
Lisboa - 4 cartas manuscritas e
1 datilografada
TOTAL 565 cartas,
10 cartões,
5 postais e
3
envelopes
293 cartas publicadas
Tabela 4: Correspondência de Cecília Meireles – Ativa
Anexo 8
Correspondência de Cecília Meireles – Passiva
REMETENTE DESTINATÁRIO DATA No DE
CARTAS
LOCALIZAÇÃO LOCAL PUBLICAÇÃO OBSERVAÇÕES
Afonso Duarte Cecília Meireles 1939 1 Biblioteca Nacional Rio de
Janeiro
- ArquivoDarcy
Damasceno
Afrânio Peixoto Cecília Meireles 1939 1 Biblioteca Nacional Rio de
Janeiro
- Arquivo Darcy
Damasceno
Alberto de Serpa
Cecília Meireles 1938-1939 5 Biblioteca Nacional Rio de
Janeiro
- Arquivo Darcy
Damasceno
Alfonso Reyes Cecília Meireles 1931 1 Biblioteca Nacional Rio de
Janeiro
- Arquivo Darcy
Damasceno
Anita Malfatti Cecília Meireles s.d. 1 Biblioteca Nacional Rio de
Janeiro
- Arquivo Darcy
Damasceno
Assinatura
ilegível
Cecília Meireles 1935 1 Biblioteca Nacional Rio de
Janeiro
- Arquivo Darcy
Damasceno
Provavelmente
Afonso Duarte
Augusto Meyer Cecília Meireles 1927-1928 2 Biblioteca Nacional Rio de
Janeiro
- Arquivo Darcy
Damasceno
REMETENTE DESTINATÁRIO DATA No DE
CARTAS
LOCALIZAÇÃO LOCAL PUBLICAÇÃO OBSERVAÇÕES
Carlos
Drummond de
Andrade
Cecília Meireles 1939 1 Biblioteca Nacional Rio de
Janeiro
- Arquivo Darcy
Damasceno
Carlos Queiroz Cecília Meireles
1937 1 Biblioteca Nacional Rio de
Janeiro
- Arquivo Darcy
Damasceno
Diogo de
Macedo
Cecília Meireles 1935-1939 2 Biblioteca Nacional Rio de
Janeiro
- Arquivo Darcy
Damasceno
Fernanda de
Castro
Cecília Meireles 1935 1 Biblioteca Nacional Rio de
Janeiro
- Arquivo Darcy
Damasceno
(anotações)
Fernanda de
Castro
Cecília Meireles - 1 - - CASTRO,
Fernanda de.
Cartas para além
do tempo,
Odivelas, 1990.
-
Fernando de
Azevedo
Cecília Meireles
1931 2 Biblioteca Nacional Rio de
Janeiro
- Arquivo Darcy
Damasceno
José Osório de
Oliveira
Cecília Meireles 1934 1 Biblioteca Nacional Rio de
Janeiro
- Arquivo Darcy
Damasceno
REMETENTE DESTINATÁRIO DATA No DE
CARTAS
LOCALIZAÇÃO LOCAL PUBLICAÇÃO OBSERVAÇÕES
M. Fernanda Cecília Meireles 1936-1939 5 Biblioteca Nacional Rio de
Janeiro
- Arquivo Darcy
Damasceno
Cartas atribuídas
a Fernanda de
Castro
Manuel Mendes Cecília Meireles 1934 1 Biblioteca Nacional Rio de
Janeiro
- Arquivo Darcy
Damasceno
(Anotações de
Darcy Damasceno)
Mário de
Andrade
Cecília Meireles 1935-1945 7 - - MEIRELES,
Cecília. Cecília e
Mário. Rio de
Janeiro: Nova
Fronteira
-
Michailowsky Cecília Meireles 1932 1 Biblioteca Nacional Rio de
Janeiro
- Arquivo Darcy
Damasceno
Miroel Silveira Cecília Meireles 1939 1 Biblioteca Nacional Rio de
Janeiro
- Arquivo Darcy
Damasceno
Telmo Vergara Cecília Meireles 1933 1 Biblioteca Nacional Rio de
Janeiro
- Arquivo Darcy
Damasceno
REMETENTE DESTINATÁRIO DATA No DE
CARTAS
LOCALIZAÇÃO LOCAL PUBLICAÇÃO OBSERVAÇÕES
William Berrien
Cecília Meireles 1938 1 Biblioteca Nacional Rio de
Janeiro
- Arquivo Darcy
Damasceno
TOTAL 38 cartas 8 cartas
publicadas
Tabela 5: Correspondência de Cecília Meireles – Ativa
Anexo 9
Intelectuais portugueses e a sua presença em periódicos
Intelectuais
Portugueses
Orpheu Rajada Águia Atlântida Presença Revista
Educação
Seara
Nova
Ocidente
D C D C D C D C D C D C D C D C
Adolfo
Casais
Monteiro
Afonso
Duarte
X X X X X X
Alberto de
Serpa
Almada
Negreiros
X X X
Álvaro Pinto X X X X
António
Ferro
X
António
Sérgio
X X X X
Aquilino
Ribeiro
X X X
Armando
Côrtes-
Rodrigues
X
Carlos
Queiroz
Diogo de
Macedo
X X X
Faria de
Vasconcelos
X X
D C D C D C D C D C D C D C D C
Fernando
Correia Dias
X X X
Fernando
Pessoa
X X
Jaime
Cortesão
X X X X
Intelectuais
Portugueses
Orpheu Rajada Águia Atlântida Presença Revista
Educação
Seara
Nova
Ocidente
D C D C D C D C D C D C D C D C
João de
Barros
X X X
João de Deus
Ramos
X X X
Jorge de
Sena
X
José Osório
de Oliveira
José Régio
Luis de
Montalvor
X X
Legenda: D = direção e C = colaboradores.
Anexo 10 Decálogo do Estado Novo Datado de 1934, este documento, da responsabilidade de António Ferro, sintetiza
em dez pontos os princípios basilares do regime. António Ferro, jornalista e político,
seria uma das personagens centrais da propaganda do novo regime,
nomeadamente durante o período (1933-1950) em que assumiu a chefia do SNI -
Secretariado Nacional de Informação.
1. O ESTADO NOVO representa o acordo e a síntese de tudo o que é permanente e
de tudo o que é novo, das tradições vivas da Pátria e dos seus impulsos mais
avançados. Representa, numa palavra, a VANGUARDA moral, social política.
2. O ESTADO NOVO é a garantia da independência e unidade da Nação, do
equilíbrio de todos os seus valores orgânicos, da fecunda aliança de todas as suas
energias criadoras.
3. O ESTADO NOVO não se subordina a nenhuma classe. Subordina, porém, todas
as classes á suprema harmonia do interesse Nacional.
4. O ESTADO NOVO repudia as velhas fórmulas: Autoridade sem liberdade,
Liberdade sem Autoridade e substitui-as por esta: Autoridade e liberdades.
5. No ESTADO NOVO o indivíduo existe, socialmente, como fazendo parte dos
grupos naturais (famílias), profissionais (corporações), territoriais (municípios) e é
nessa qualidade que lhe são reconhecidos todos os necessários direitos. Para o
ESTADO NOVO, não há direitos abstratos do Homem, há direitos concretos dos
homens.
6. “Não há Estado Forte onde o Poder Executivo o não é”. O Parlamentarismo
subordinava o Governo à tirania da assembléia política, através da ditadura
irresponsável e tumultuária dos partidos. O ESTADO NOVO garante a existência do
Estado Forte, pela segurança, independência e continuidade da chefia do Estado e
do Governo.
7. Dentro do ESTADO NOVO, a representação nacional não é de ficções ou de
grupos efêmeros. É dos elementos reais e permanentes da vida nacional: famílias,
municípios, associações, corporações, etc.
8. Todos os portugueses têm direito a uma vida livre e digna - mas deve ser
atendida, antes de mais nada, em conjunto, o direito de Portugal à mesma vida livre
e digna. O bem geral suplanta - e contém - o bem individual. Salazar disse: “Temos
obrigação de sacrificar tudo por todos: não devemos sacrificar-nos todos por
alguns”.
9. O ESTADO NOVO quer reintegrar Portugal na sua grandeza histórica, na
plenitude da sua civilização universalista de vasto império. Quer voltar a fazer de
Portugal uma das maiores potências espirituais do mundo.
10. Os inimigos do ESTADO NOVO são inimigos da Nação. Ao serviço da Nação -
isto é: da ordem, do interesse comum e da justiça para todos - pode e deve ser
usada a força, que realiza, neste caso, a legítima defesa da Pátria.
Fonte: <http://groups.msn.com/xiconhoca/general.msnw?action=get_message&mview=0&ID_Message=11128&LastModified=4675641476373198669>
Anexo 11 Cronologia
1901 Nasce, no Rio de Janeiro, a 7 de novembro;
1910 Recebe medalha de ouro na Escola Estácio de Sá das mãos de
Olavo Bilac, então Inspetor Escolar do Distrito;
1916 Estagia na Escola Gonçalves Dias, em São Cristóvão;
1917 Conclui o curso da Escola Normal do Distrito Federal;
1918 Leciona na Escola Municipal Deodoro, na Rua da Glória;
1919 Lança o livro de poemas Espectros;
1921 Casa-se com o artista plástico português Fernando Correia Dias
1920 Leciona desenho na Escola Normal, a convite do professor
Fernando Nerêo de Sampaio, diretor daquele departamento;
1922 Publica poemas na revista Árvore Nova;
1923 Lança os livros Nunca Mais..., Poema dos Poemas e Criança
Meu Amor;
1924 Publica poemas na revista Terra de Sol;
1925 Lança o livro Baladas para El-Rei;
1927-28 Publica poemas na revista Festa (primeira fase);
1929 Concorre com a tese O Espírito Victorioso à cadeira de Literatura
Vernácula da Escola Normal do Distrito Federal
1930-33 Escreve a “Página de Educação” (de 12/06/30 a 12/01/33) e a
“Página das Crianças” (de 22/06 a 31/08/1930 – durante apenas
11 domingos) no Diário de Notícias;
1931 Início do Inquérito sobre leituras infantis;
1932 Assina o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova;
1933 Escreve uma página do suplemento literário do jornal A Nação;
1934 É designada em 11/01 para ter exercício no Instituto de
Pesquisas Educacionais;
Poemas publicados na revista Festa (segunda fase);
Criação da Biblioteca Infantil do Pavilhão Mourisco/Centro de
Cultura Infantil;
Viagem a Portugal para uma série de conferências em Lisboa e
Coimbra sobre assuntos de literatura e educação, a convite do
Secretariado de Propaganda de Portugal;
1935 Publica o livro Batuque, Samba e Macumba, em Lisboa;
É nomeada professora de Literatura Luso-Brasileira da
Universidade do Distrito Federal;
Morte de Correia Dias;
1937 Transfere-se para a cadeira de Teoria e Técnica Literária;
Integra a Comissão Nacional de Folclore;
1938 Ganha o prêmio da Academia Brasileira de Letras com o livro
Viagem
1939 Publica o livro Olhinhos de Gato e Viagem, em Lisboa;
Trabalha como repórter para o jornal Observador Econômico e
Financeiro;
1940 Casa-se com o engenheiro Heitor Grillo, diretor da Universidade
Rural do Distrito Federal;
Leciona Literatura e Cultura Brasileira na Universidade do Texas,
nos Estados Unidos;
1941 Edita a revista Travel in Brazil, do Departamento de Imprensa e
Propaganda;
1941-45 Escreve uma série de artigos sobre educação no jornal A
Manhã, na coluna Professores e Estudantes;
1943 Publica o livro Vaga Música;
1944 Viaja ao Uruguai e à Argentina;
1945 Publica o livro Mar absoluto e outros poemas;
Visita o Rio Grande do Sul;
Publica crônicas intituladas Rumo ao Sul;
1946 - Ministra cursos de teatro de bonecos na Sociedade Pestalozzi;
Escreve O menino Atrasado e Nau Catarineta;
1948 Participação em Seminário sobre Educação em Minas Gerais
1949 Publica o livro Rui - pequena história de uma grande vida;
1949-51 Retorna ao magistério e se aposenta com diretora da Escola
Bahia, na Avenida Brasil;
1951 Publica o livro Problemas da Literatura Infantil;
1952 Publica Doze Noturnos de Holanda e O Aeronauta
1953 Visita a Índia, Goa, Itália, França e Holanda;
Lança o livro Romanceiro da Inconfidência e Folclore, um estudo
sobre arte popular;
Publica Poemas Escritos na Índia;
1954 Visita a Europa e Açores;
1955 Publica Pequeno Oratório de Santa Clara, Pistóia, Cemitério
Militar Brasileiro e Panorama Folclórico dos Açores;
1957 Visita Porto Rico;
Ministra o Curso de Literatura Oriental na Fundação Dulcina;
1958 Visita Israel;
Primeira edição de Obras Completas da Editora Aguilar;
1960 Publica Metal Rosicler;
1963 Publica Solombra;
1964 Publica o livro Ou isto ou aquilo, Giroflê e Escolha o seu sonho;
Inaugura uma biblioteca com o seu nome e recebe o título de
Comendador da Ordem do Mérito no Chile;
Falece, aos 63 anos de idade, no Hospital dos Servidores do
Estado do Rio de Janeiro;
1965 A Academia Brasileira de Letras concede-lhe, post-mortem, o
prêmio Machado de Assis, pelo conjunto de sua obra;
Publicação póstuma de Crônica Trovada da Cidade de San
Sebastian do Rio de Janeiro, O estudante empírico, Sonhos,
Cânticos, Morena pena de amor e Poemas 1, 2, 3.
Créditos:
Ilustração: Bico de pena de Fernando Correia Dias Cecília Meireles no passadiço do “Cuyabá”.
(21 de Setembro de 1934, publicado no jornal A Nação em 14 de Outubro de 1934).
Projeto Gráfico: Thales Pimenta thales_pimenta@hotmail.com
Correção lingüística e ‘Abstract’: Débora Pimenta daspimenta@yahoo.com
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