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ATM 1750-‐1820 (2013-‐2014)
Textos de apoio 1 (Fonte: Grove 2001)
Nota prévia: A informação nos rodapés é da autoria da tradutora. Todos os
aditamentos ao original inseridos no corpo do texto estão entre [ ].
Empfindsamkeit (al.)
Estética musical associada ao norte da Alemanha em meados do século XVIII e
personificada naquilo que foi designado por “Empfindsamer Stil”. Os seus objectivos
eram conseguir uma expressão íntima, sensível e subjectiva; delicadas lágrimas de
melancolia eram uma das respostas mais desejadas. O termo é habitualmente
traduzido por “sensibilidade” (no sentido do século XVIII ou de Jane Austin, o qual
deriva do francês sensibilité). “Sentimental” é uma outra tradução, sancionada por
Lessing1 quando traduziu a Sentimental Jurney [Viagem Sentimental] de Sterne como
Empfindsame Reise. Um intelectual moderno, W. S. Newman, propõe
“ultrasensitive” [ultra sensitivo] como um equivalente inglês.
A “Empfindsamkeit” alemã foi parte de um amplo fenómeno literário e estético
europeu, em grande parte de origem britânica (cf. o culto do sentimento de
Shaftesbury e a novela Pamela de Richardson, 1741), o qual considerou a iminência
de uma resposta emocional como um guia mais seguro do que o intelecto para um
comportamento moral adequado. C. P. E. Bach2 (daqui para a frente designado
simplesmente por Bach), que era próximo de Lessing e de outras personagens
literárias progressistas, foi quem melhor corporizou os ideais da ‘Empfindsamkeit’ no
que diz respeito à música. No seu Versuch über die wahre Art das Clavier zu spielen
(1753) [Ensaio sobre a verdadeira arte de tocar instrumentos de tecla] declarou que
os principais objectivos da música eram tocar o coração e mover os afectos; para
fazer isso, especificou que era necessário tocar com alma (“aus der Seele”). O estilo
de música que escolheu não se distinguiu geralmente do idioma internacional,
1 Gotthold Ephraim Lessing (1729-‐1781). Poeta, dramaturgo, filósofo e crítico de arte alemão. 2 Carl Philip Emanuel Bach (1714-‐1788). Segundo filho de Johann Sebastian Bach. Mestre de capela da corte de Frederico o Grande da Prússia.
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caracterizado por uma melodia periódica de nuances subtis sustentada por um
acompanhamento de textura ligeira: era uma reacção ao estilo “rigoroso” ou
“académico” e, noutros lugares, podia aparecer com o nome de “galante”. Uma
diferença importante era que os alemães tendiam a evitar uma ornamentação
demasiado abundante: tanto Bach como Quantz3 advertiram contra o excesso de
ornamentos. Antes deles, Marpurg tinha escrito de forma aprovadora acerca da
escola de Berlim dizendo “As execuções de Graun, Quantz, Bach e outros nunca são
caracterizadas por grande quantidade de ornamentos; qualidades impressivas,
retóricas e comoventes brotam de coisas totalmente diferentes que não provocam
tanta agitação mas tocam o coração de uma forma mais directa”. O dispositivo
“retórico” mais facilmente identificável era o recitativo instrumental. Envolvia a
imitação do recitativo elaborado ou obbligato [p. 191] da ópera séria, do qual Hasse
e o seu círculo em Dresden foram os maiores alvos de admiração na Alemanha. Bach
providenciou um belo exemplo nas suas Sonatas “Prussianas”, escritas em 1740. O
chamado “redende Prinzip” de Bach parte do recitativo mas vai muito para além
dele na sua música de tecla e de câmara, por exemplo, no trio que representa um
“Diálogo entre um Sanguinário e um Melancólico” (1749).
[... Referência a autores literários com vários exemplos de obras musicais]
Um crítico que publicou no Magazin der Musik de Cramer em 1783 (i/2, p.1352)
preferia ainda Der Tod Jesus de Graun a uma versão mais recente, dizendo que
“Gethsemane! Gethsemane!” “levava as pessoas a chorar por causa do seu
sentimento comovente e dilacerante”. No entanto, logo muito cedo ergueram-‐se
vozes contra a sentimentalidade que tornou Graun tão popular. [...]
Na mesma linha, Lessing, o homem que fundou a tragédia sentimental e burguesa na
Alemanha, condenou de forma irónica os poemas de Klopstock dizendo que eles
eram “so voller Empfindung, das man oft gar nichts dabey empfindet” [tão cheios de
sentimento que as pessoas muitas vezes não sentiam nada perante eles”] (Sämtliche
Schriften, iii, Brief 51)
[...]
3 Johann Joachim Quantz (1697-‐1773). Flautista e compositor alemão, músico na corte de Frederico o Grande da Prússia. Autor de um ensaio sobre a arte de tocar flauta.
3
Traduzido de Grove, vol. 8, pp. 190-‐192
Galant (fr; it. galante)
Termo usado de forma generalizada no século XVIII para designar música com
melodias periódicas e com acompanhamento simples bem como a maneira
apropriada de a executar. “Ser galante”, escreveu Voltaire, “significa procurar
agradar”.
[... Referência aos diferentes usos dos termos galante e galanteria entre c. 1630 e c.
1740. Na Alemanha galanteria foi muitas vezes associado à música vocal]
[Segundo Mattheson] a boa música requeria melodia, harmonia e “galanteria” sendo
a última equiparada ao estilo teatral, oposto ao estilo rigoroso ou de igreja, e não
submetida a regras (excepto as de “le bon goût”).
Outros escritores confirmaram esta característica fundamental. Scheibe declarou,
em Der critische Musikus (1737-‐40) que a maneira galante de escrever tinha as suas
origens no estilo teatral italiano. Ao longo do seu Versuch über die wahre Art das
Clavier zu spielen (1753) C. Ph. E. Bach fez a distinção entre os estilos académico e
galante. Marpurg, no seu Abhandlung von der Fuge (1753) fez contrastar a textura
fugada com a liberdade da escrita galante. Quantz estava mais preocupado do que
qualquer dos seus contemporâneos com a definição do novo estilo tanto no seu
Versuch einer Anweisung die Flöte traversiere zu spilen (1752) como na sua
autobiografia (1754; publicada pela primeira vez em Historisch-‐kritische Beyträge de
Marpurg, 1755).
[... p. 431. Resumo de alguma da informação dada por Quantz sobre obras dos seus
contemporâneos]
As peças instrumentais designadas especificamente como “galantes” ou
“galanterias” proliferaram na literatura de câmara ou solista no terceiro quartel do
século que pode ser considerado o ponto alto do estilo galante. Newman afirmou
que os picos qualitativos foram alcançados nas sonatas para tecla de Galuppi (que se
orgulhava de escrever minuetes em compasso 3/8 com a mais ténue das texturas),
Soler e J. C. Bach e na música de câmara de G. B. Sammartini. O “menuet galant”
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representava o epítome do estilo. Rousseau escreveu no seu Dictionnaire (1768): “le
caractère du menuet est une élégante et nobre simplicité” (cf. com o objectivo
principal de C. Ph. E. Bach na execução ao teclado: “edle Einfalt des Gesangs” [a
nobre simplicidade do canto]). Na Allgemeine Theorie der schönen Künste [Teoria
geral das belas artes] (1771-‐4) de Sultzer, o afecto do minuete é apontado como
sendo “nobre e de encantador decoro, e contudo unido à simplicidade”; “mais do
que qualquer outra dança [o minuete]4 é apropriado para sociedades de pessoas que
se distinguem pela sua requintada maneira de viver”.
[...]
O idioma galante libertou os compositores dos grilhões contrapontísticos do estilo
de igreja, até certo ponto mesmo no contexto da música de igreja; as suas
simplicidade e natureza miniaturista impuseram novos grilhões que, por sua vez,
foram retirados com a reintegração de novos meios contrapontísticos na homofonia
obbligato que amadureceu nas últimas três décadas do século.
Traduzido de Grove, vol. 9, pp. 430-‐432
Sturm und Drang (al.: “Tempestade e impulso”)5
Movimento das letras alemãs, reflectido nas outras artes, que atingiu o seu ponto
mais alto nos anos 70 do século XVIII. É mais facilmente definido através dos seus
fins artísticos: intimidar, atordoar, subjugar com emoção. Em conjugação com estes
objectivos havia uma ênfase extrema numa abordagem anti-‐racional e subjectiva a
toda a espécie de arte. Segundo Heckscher (1966-‐7), apesar de a sua origem ser
quase acidental, o termo “Sturm und Drang” reflectia antigos conceitos estóicos de
tempestas e affectus, valorizados agora de uma maneira positiva e não negativa no
que diz respeito à criação artística. O jovem Goethe foi a figura principal, com a sua
peça Götz von Berlichingen (1773), sobre um tema medieval alemão.
4 [ ] no original. 5 A expressão “Sturm und Drang” é muitas vezes traduzida, ao nível das correntes literárias, por Impetuosismo ou Titanismo.
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O movimento foi preparado por vários espíritos criativos de meados do século que
estavam ainda parcialmente ligados ao apelo à sentimentalidade em voga na época,
a designada “Empfidsamkeit”. [...] Antecipando também o movimento estava a
redescoberta dos mais terríveis aspectos da natureza feita por Rousseau, desde os
cumes dos Alpes até às profundezas dos oceanos. Uma afinidade especial pode
também ser estabelecida com Diderot por causa dos seus frequentes e influentes
apelos a qualidades sombrias, selvagens e grandiosas na pintura, poesia e música.
Mercier trabalhou estes preceitos num tratado sobre o drama que teve vastas
repercussões entre os escritores alemães, em parte por causa dos seus aspectos
sociais, com ênfase sobre a luta de classes. Não menos importância teve o muito
difundido revivalismo das tragédias de Shakespeare, o qual teve o efeito de libertar
os dramaturgos da subserviência ao estilo e regras do drama clássico dando-‐lhes um
sentido de historicismo. A expressão “Sturm und Drang” vem do título de uma peça
sobre a revolução americana, escrita em 1776 por Friedrich Maximilian Klinger.
Considera-‐se que o movimento atingiu o seu zénite com a peça Die Räuber (1780-‐81)
de Schiller; depois disso, tanto Schiller [p. 632] como Goethe regressaram a padrões
mais geralmente aceites.
Houve movimentos paralelos nas outras artes. A moda das tempestades e dos
naufrágios na pintura, associada particularmente com Joseph Vernet e Philippe de
Loutherbourg criou um capital de transmissão de medo e terror. Pintores
especializados em visões de pesadelo incluem-‐se na mesma categoria. [...] A moda
dos Carceri [prisões] de Piranesi a partir de meados do século representa um outro
aspecto na revelação de sentimentos sombrios e torturados, tanto como o apelo de
um passado remoto e mais romântico. Masmorras góticas à maneira de Piranesi
prestaram-‐se a algumas das mais fortes afirmações em termos visuais sobre os
palcos de ópera da época. [...]
A abordagem a um paralelo musical faz-‐se melhor no teatro, onde se encontram
todas as artes. Estimular respostas fortemente emocionais foi um importante
objectivo da reforma da ópera c. 1760. Aquilo que foi considerado na época como a
mais potente arma para a expressão apaixonada e desenfreada foi o recitativo
obbligato (ou com acompanhamento orquestral). Nas mãos de mestres italianos
como Jommelli e Traetta, esta linguagem de comentário orquestral foi levada a
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extensões nunca ouvidas de pintura sonora. Um território relacionado, em virtude
da sua liberdade de acção e das técnicas fluidas de transição, foi o bailado dramático
onde a música pintava vários gestos da pantomima.
[... Referência a diversos bailados e à influência do movimento sobre Mozart que
contactou com ele em Mannheim em 1777-‐78. Referências também a Haydn nas
obras dos anos 70. É um movimento essencialmente alemão, com poucos reflexos
noutros países mesmo de língua alemã].
[p. 633] C. Ph. E. Bach tem sido considerado como um arquétipo representativo da
música do movimento “Sturm und Drang”. Apesar de se poder pensar isso, a sua
idade e a sua relutância em participar directamente no teatro musical faz com que
seja mais apropriado vê-‐lo como um criador particularmente poderoso dentro da
precedente e relacionada esfera estética da Empfindsamkeit.
Traduzido de Grove, vol. 24, pp. 631-‐633