Post on 17-Dec-2014
description
Doenças agudas de vias aéreas superiores - 2010
Dario Palhares
Pediatra do Hospital Universitário de Brasília
Email: dariompm@unb.br
Esta aula está disponível em www.slideshare.com, sob o título: Aula Gripe.
Revistas
Revista Brasileira de Medicina: www.moreirajr.com.br
Jornal Brasileiro de Medicina: www.epuc.com.br
British Medical Journal (Brasil): www.bmjbrasil.com.br
JAMA Brasil (suspenso)
Objetivos da aula
1) Conhecer os principais vírus causadores de infecções de vias aéreas superiores
2) Diferenciar clinicamente as doenças virais das bacterianas (reconhecendo que há sobreposição de sinais e sintomas)
3) Escalonar, racionalmente, com base na microbiota prevalente e no perfil de sensibilidade, os antimicrobianos a serem prescritos
Objetivo secundário
Convencer a ler todo o tratado de Clínica (ou Pediatria) e todo o tratado de Farmacologia antes da entrada no Internato
Avisar e convencer a efetivar a assinatura de uma revista médica.
Roteiro de aula
Breve revisão de anatomia e fisiologia das vias aéreas superiores
Os vírus da gripe Quadro clínico da gripe Otite média aguda Microbiota da otite bacteriana Sinusite aguda
Particularidades dos seios paranasais na infância
Ao nascimento: seios maxilares
algumas células etmoidais
Seios esfenoidais: após 3 anos
Seios frontais: após 6 anos.
Revestimento mucoso
Mucosa produtora de muco
Células ciliadas, movimento ciliar contínuo
Rinofaringe: colonizada por bactérias aerofílicas
Fisiologicamente, bactérias da rinofaringe e também do trato digestivo (episódios fisiológicos de refluxo) atingem tubas auditivas e seios paranasais
Mecanismos para manutenção da esterilidade de tubas auditivas e seios da face:
Limpeza mucociliar (dirige as secreções ao trato digestório)
Espirros
Limpeza nasal (assoar)
Conclusão: o sistema respiratório é muito vulnerável
“Tudo aquilo que nasce traz dentro de si o germe da própria destruição”
Rinofaringite viral aguda: vulgarmente, gripe.
Otite média secretora
Otite média aguda
Crise asmática Paralisia facial
GRIPE Mastoidite
Rinite alérgica Pneumonia
Sinusite bacteriana aguda Trombose seio cavernoso
Celulite periorbitária Abscesso cerebral
Descompensação dedoença crônica de
base
Convulsão febril
Rinofaringite viral aguda
Gripe: causada pelo vírus influenza
Resfriado comum: outros vírus:
Rinovírus ( > 100 sorotipos)CoronavírusParainfluenzaSincicial respiratório (causa também bronquiolite)
Adenovírus
Todos os vírus de transmissão aérea (doenças exantemáticas, rotavírus, etc).
Gripe X resfriado comum: clinicamente, indistintos.
Epidemiologicamente, o influenza causou pandemias com grande mortalidade
Vírus Influenza
Etimologia: influência, do italiano influenza. Termo cunhado na epidemia de 1733, em alusão a castigos divinos.
RNA – vírus
Família Orthomyxoviridae
Classificação conforme antígenos da proteína de superfície e proteína matriz:
Influenza A, B, C.
Vírus influenza
Influenza B e C: estabilidade antigênicaInfluenza A: variações nas proteínas de superfície
(Hemaglutinina e Neuraminidase), com recombinações diversas.
As aves são reservatórios naturais desses vírus
Foram descritos 16 grupos antigênicos de hemaglutininas e 9 de neuraminidases
Influenza
Em humanos, somente foram isolados três grandes grupos de Hemaglutinina (H1, H2 e H3) e dois de neuraminidase (N1 e N2).
Ciclo natural dos vírus nas populações humanas: epidemias a cada 3 anos, pandemias a cada 40 anos em média
Influenza
Pandemias históricas:
1918: vírus do tipo H1N1. Mortalidade de 2,5%. Em meio ao caos da Primeira Guerra.
1958: vírus do tipo H2N2. Mortalidade 0,03%
1968: vírus do tipo H3N2. Mortalidade 0,03%
Influenza
“Gripe do frango asiático” de 2008:
373 casos confirmados, 236 óbitos.
Vírus do tipo H5N1.
Ou seja, zoonose com reduzida capacidade de transmissão humana.
Gripe suína de 2009: vírus H1N1
Influenza
Epidemias sazonais: estimativa dos EUA: 30 mil óbitos anuais, principalmente no inverno e em populações debilitadas (idosos, doentes crônicos).
Lactentes e pré-escolares apresentam grande volume de consultas médicas e internações, mas com baixa mortalidade.
Influenza
Vacina: não protege contra a gripe Protegeria contra formas graves e contra a
pneumonia pós-gripal Os estudos mais recentes têm mostrado que
a vacinação dos idosos não altera a mortalidade por doenças respiratórias: é possível que seja retirada do calendário vacinal (mas há grandes interesses financeiros em jogo).
Duas classes: inibidores da proteína M2 (proteína de superfície, menos variável que as hemaglutininas e
neuraminidases): rimantadina e amantadina.
Foram retiradas do mercado porque rapidamente (cerca de três dias nos pacientes infectados) selecionam vírus resistentes ao fármacos, os quais preservam infectividade e virulência.
Amantadina: liberada como antiparkinsoniano
Influenza
Antiviral: inibidores da neuraminidase: oseltamivir e zanamavir.
A pandemia de 2009 mostrou: não altera o curso da virose, nem mesmo nos casos muito graves
Influenza
Denúncia grave:
“ Os dados sobre a efetividade do oseltamivir (...) advêm principalmente de um estudo (...) uma metanálise de 10 ensaios clínicos que continham uma mistura de dados publicados e não publicados (...) inacessível ao escrutínio adequado”
Jefferson e cols, BMJ Brasil, fev/2010.
Adenovírus
Além de rinofaringite aguda, podem causar:
Conjuntivite Parotidite Gastrenterite Cistite hemorrágica (incomum) Meningite viral
Quadro clínico
Febre: qualquer valor Tosse Rinorreia, obstrução nasal Lacrimejamento Otalgia Faringite: comum haver edema de tonsilas,
hiperemia leve a moderada (subjetividade clínica) Cefaleia: leve, relacionada à febre, melhora com o
antitérmico Inapetência Crises de laringospasmo
Febre
Horários de piora: entre 4 e 6 da tarde
Surgimento comum durante a madrugada
Pode aumentar de intensidade e frequência nos primeiros três dias, estabiliza até o quinto dia, começa a defervescer
Rinorréia
Inicialmente, aquosa Evolui para mucosa Termina como mucopurulenta Comum estar mais purulenta pela manhã que
ao longo do dia
Rinoscopia anterior: mucosa hiperemiada. Palidez, mucosa violácea: rinite alérgica, uso de vasoconstritor
Otalgia
Hiperemia de tímpanos e/ou de condutos auditivos SUGERE INFECÇÃO VIRAL
Início súbito, quando da exposição ao frio: SUGERE INFECÇÃO VIRAL.
Inapetência
Pelo aumento na ingestão de secreção nasal (limpeza mucociliar)
Não é fator prognóstico, no entanto, a retomada do apetite indica melhora clínica
Crises de laringospasmo
Comum ocorrer durante a madrugada Aliviam rapidamente com inalação de vapor
Atenção: febre muito alta de início súbito + laringospasmo: laringite maligna por Haemophilus (rara após vacinação em massa)
Sazonalidade
Varia conforme o local Relacionada a períodos climáticos
desfavoráveis.Ex: regiões temperadas: inverno no Alasca: início da primavera (o inverno
impõe isolamento absoluto) em Brasília: março/abril (outono): dias muito
quentes e noites frias em Salvador: setembro/outubro: período
chuvoso
Exposição à friagem
Por si, não causa rinofaringite viral (óbvio)
Porém, pode desencadear rinite alérgica (cujo quadro clínico é muito semelhante)
Pode desbalancear as defesas respiratórias (principalmente mudanças bruscas de temperatura) e evoluir com sinusite, otite, pneumonia.
Acometimento anual
No geral, de 3 a 12 episódios/ano
O início da socialização aumenta a incidência (creche, escola)
Laboratório
Hemograma: primeiros 2 dias: pode haver leucocitose (até 15.000 leucócitos/ml) com neutrofilia
Após 2 dias: leucometria normal ou leucocitose discreta (até 12.000 leucócitos/ml) com linfocitose ou neutrófilos e linfócitos em igual proporção
Radiografia de tórax
Pode haver infiltrado intersticial difuso (correlacionar com a clínica)
Profilaxia
Retardar a entrada em creches ou escolinhas
Existe vacina apenas contra o vírus influenza Indicada para idosos (imunossenescência) e
para grupos especiais
Tratamento
1) Medir temperatura e administrar antitérmicos: dipirona, ibuprofeno, paracetamol. AAS é formalmente contra-indicado.
2) Limpeza nasal freqüente 3) Hidratação oral 4) Manter dieta e evitar guloseimas 5) Proteger de friagem e sereno 6) Atenção para os sinais de complicação
As formulações ‘antigripais’
LEIA a bula
Geralmente: antitérmico + anti-histamínico + vasoconstritor nasal sistêmico + cafeína
Ou seja: combate à febre, à rinite alérgica e à sonolência induzida pelo anti-histamínico
Evite em crianças, sobretudo, evite em lactentes: fármaco = veneno!
Situações peculiares
1) Febre de início recente, bom estado geral (fase de pródromos infecciosos):
prescrever antitérmico e dar, POR ESCRITO, ordem para reavaliar a criança em 2-3 dias.
Situações peculiares
2) Febre referida, porém não mensurada, bom estado geral:
ensinar a medir temperatura, reavaliação médica se realmente estiver tendo febre
Situações peculiares
3) Febre + coriza hialina EM NEONATO (menos de 30 dias de vida), mesmo com bom estado geral:
INDICADA INTERNAÇÃO.
Se for o caso, dar POR ESCRITO ordem para reavaliar o neném em 48 horas.
Sinais de complicação
Piora clínica (aumento da febre, da prostração, da tosse, da otalgia, da cefaleia): subjetividade do examinador
Surgimento de taquipneia de repouso Recrudescência da febre Demora em melhorar (estado geral bom, mas
com queixa de ‘gripe que não melhora’)
Otite média aguda.
Definição: infecção aguda (menos de 4 semanas) do ouvido médio.
Viral ou bacteriana
Otite média aguda bacteriana
Abaulamento do tímpano Coleção líquida retrotimpânica Otorreia Tímpano de coloração amarelada
Espessamento timpânico: pode ser tanto viral como bacteriana (correlacionar com o tempo de evolução clínica).
Hiperemia de tímpanos em meio a quadro gripal seguramente não é bacteriana
Bactérias mais comuns
As mais comuns:Streptococcus pneumoniaeHaemophilus influenzae
Outras:Moraxella catarrhalisStaphylococcus aureus
-> da microbiota intestinal:Escherichia coliPseudomonas spKlebsiella spEtc.
O pneumococo
Primariamente, era sensível a todos os antibióticos
Atualmente, 50 a 70% de resistência ao bactrim (emblema do uso inapropriado de antibióticos)
Penicilinas: no Brasil:
70 a 90% das cepas são sensíveis.
5 a 10% têm resistência intermediária
menos de 5% com resistência plena
O pneumococo
Sensível à penicilina: concentração inibitória mínima menor que 0,06 µg/mL (isto é, concentração sérica promovida pela penicilina benzatina)
Intermediário: cim de até 2 ou até 4 µg/mL: valor arbitrário, relativo à concentração sérica de uma dose-padrão de amoxacilina
Resistente: cim acima do valor
Resistência: não é produção de betalactamase, é modificação nas proteínas de ligação à penicilina (PBP)
As cepas do pneumococo resistente à penicilina
65% resistentes ao bactrim 8% à eritromicina 9% à clindamicina 2% à cefotaxima 0,8% à ofloxacina Não apresentou resistência ao cloranfenicol,
rifampicina e vancomicina
O Haemophilus
Várias espécies: mais comum é o Haemophilus influenzae
Há cepas com cápsula glicopeptídica que conferem maior poder de invasão
Sorogrupo b: causava 100% das meningites e das
laringites malignas: daí a vacina contra Haemophilus influenza b.
30% produzem betalactamases. Podem produzir cefalosporinases também
Tratamento da otite média aguda bacteriana 1) Tentar isolar a bactéria: suabe de otorreia, timpanocentese,
hemocultura 2) Desobstrução nasal (limpeza freqüente, uso de antialérgicos)
3) Escalonamento de antibióticosEscolha:
a)amoxacilina (dose padrão) b) amoxacilina em dose dobrada/macrolídeoc) cefalosporina de primeira geração ou penicilinas associadas a inibidores
de betalactamase d) outras classes
Em caso de internação: a)oxacilina b) associação com cefalosporina de terceira geraçãoc) outras classes
Duração do tratamento com antibiótico
Maioria dos casos: após o terceiro dia, não se isolam mais bactérias por técnica de PCR
Recomendação CDC: 7 dias completos
Casos associados a obstrução de tuba auditiva: 10 dias (tratamentos curtos propiciam recrudescência)
Otite secretora: 15 dias
Discussões práticas sobre o uso de antibióticos
1) Usar amoxicilina em dose dobrada duas vezes ao dia é tão eficaz quanto usar dose usual três vezes ao dia?
Amoxicilina BID
a) O pico de uma dose de 500 mg de amoxicilina é referência para os pneumococos de resistência intermediária
b) Mesmo a dose dobrada ou quadruplicada é excretada em 8 horas
Amoxicilina BID: Portanto...
A administração em dose dobrada:
a) Deixa o paciente exposto por 1/3 do dia
b) Seleciona bactérias resistentes
c) Só ‘pode’ ser indicada em casos leves.
Discussões práticas sobre o uso de antibióticos
2) Qual é melhor: cefalexina ou clavulanato?
Cefalexina x clavulanato
Cefalexina: betalactâmico resistente a betalactamases
Clavulanato: inibidor da betalactamase do Hemófilo: experiência limitada no tratmento de
estafilococos.
Cefalexina x clavulanato
Farmacocinética:
Ambos apresentam concentrações tissulares iguais às concentrações séricas (exceto no líquor, pela barreira hematoencefálica).
Cefalexina x clavulanato
Algumas cepas de hemófilos produzem tanto betalactamases como cefalosporinases.
Essas cepas seriam mortas pelo clavulanato, mas resistentes à cefalexina.
Custo: clavulanato: triplo da cefalexina.
Cefalexina x clavulanato: Portanto...
O alto custo do clavulanato e a não-cobertura de estafilococos e bactérias entéricas faz a relação custo/benefício ser mais favorável à cefalexina.
Sinusite bacteriana aguda.
Definição: infecção dos seios da face de duração inferior a 30 dias.
Até 10% dos pacientes com rinofaringite viral evoluem com sinusite bacteriana
Sinusite bacteriana aguda
Elemento fundamental ao quadro clínico: produção aumentada de secreção nasal: mucoide ou purulenta
Duas classes de sinusite aguda:
-> Sinusite grave: febre alta persistente, produção intensa de muco, cefaléia itensa, hiperemia malar, edema facial
-> Sinusite persistente: bom estado geral, pouca ou nenhuma febre, produção persistente de muco, persistência de tosse ou de obstrução nasal, inapetência, cefaleia moderada, manutenção de crise asmática
Sinusite: evolução temporal
Sinusite bacteriana aguda
Padrão-ouro do diagnóstico: aspirado de seios da face e cultura
Radiografia: mostra acometimento sinusal: inespecífica. Não visualiza todos os seios
achados: espessamento mucoso velamento de seios níveis hidroaéreos
Tomografia: boa acuidade em demonstrar sinusite, porém, não diferencia as sinusites virais das bacterianas.
Etiologia da sinusite bacteriana aguda
Basicamente, a microbiota aerofílica da rinofaringe:
Pneumococo
Hemófilo
Moraxella
Tratamento da sinusite bacteriana aguda 1) Desobstrução nasal: limpeza freqüente, controle da rinite
alérgica 2) Antibioticoterapia Princípio: a maioria das sinusites ‘persistentes’ melhora dentro
de 10 dias. Nesses casos, o antibiótico reduz o tempo de melhora para 3-4 dias
Portanto: quadros leves: 7 dias de antibiótico é o padrãoQuadros graves: antibióticos em maior dose e por mais tempo (10,
15 dias) 3) Corticóide: o uso de tratamento curto com corticóides (3-4
dias) está indicado nos quadros mais graves. Ação: reduzir rapidamente o edema de mucosa, com melhora na expulsão da secreção
Conclusão
Entidades clínicas muito comuns Use antibióticos racionalmente Reavalie seus pacientes Oriente seus pacientes, por escrito.
Bibliografia Cecil Tratado de Medicina Interna Penildon Silva Farmacologia Brasil. Ministério da Saúde. Normas para o controle e assistência das
infecções respiratórias agudas. 3ª edição, 1993. Wald E. Sinusite bacteriana aguda-protocolo da Academia Americana de
Pediatria. IV Manual de Otorrinolaringologia da IAPO. São Paulo: 2005. Almeida e cols. Consenso para o tratamento e profilaxia da influenza no Brasil.
Sociedade Brasileira de Pediatria. http://www.sbp.com.br Jefferson e cols. Inibidores da neuraminidase para prevenção e tratamento da
influenza em adultos saudáveis: revisão sistemática e metanálise. BMJ Brasil 3(21): 24-37, 2010
Lopes e cols. Perfil farmacocinético de três diferentes doses diárias de amoxicilina. Revista Brasileira de Medicina 57(1/2): 70-74, 2000.
Mantese e cols. Prevalência de sorotipos e resistência antimicrobiana de cepas invasivas de Streptococcus pneumoniae. Jornal de Pediatria 79(6): 537-542, 2003.
Pereira e cols. Prevalência de bactérias em crianças com otite média com efusão. Jornal de Pediatria 80(1):41-48, 2004
http://oradiologista.blogspot.com http://www.combustao.org/2009/02/as-10-partes-mais-inuteis-no-seu-corpo/