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BACIA DO LAGO COMARI
Segmento Geológico-Geotécnico Comari (OAE Represa Guinle km 85+950 ao km 89+370)
O segmento geológico-geotécnico Comari (Figura 186) situa-se em região de relevos de degradação
em áreas montanhosas de relevo acidentado, com vertentes predominantemente retilíneas a
convexa-côncavas, escarpadas e topos de cristas alinhadas, aguçados ou levemente arredondados.
Predomínio de amplitudes topográficas superiores a 300m e gradientes médios a elevados, solos
com espessuras variáveis, prevalecendo os rasos, e afloramentos de rocha. O segmento é
caracterizado por seção meia encosta (Figura 187), com taludes de jusante para o lado direito (pista
1), onde há áreas residenciais edificadas (por vezes ferindo o pé do talude). Entre os quilômetros km
87 e km 88, a montante do morro Comari em cota superior ao corpo estradal, tem-se um vale
alúvio-coluvionar aplainado na contra encosta dos contrafortes da Serra dos Órgãos formando uma
área com potencial de infiltração (Figura 186). Nos taludes de montante (contra encosta da Serra do
Mar ou dos Órgãos) predominam os escorregamentos de tipo translacional, principalmente
associados à interface de materiais com diferentes propriedades mecânicas e hidráulicas.
Escorregamentos rotacionais ocorrem em geral em taludes mais íngremes com camada de solo mais
espessa. Os afloramentos de rocha são fraturados pouco alterados a sãos formando blocos e lascas
de rocha em condições precária de equilíbrio (Figura 188). Verificam-se surgências d’água,
principalmente nas fraturas das rochas e no contato solo rocha. Também ocorrem bombeamentos de
água subterrânea no pavimento, principalmente entre os quilômetros km 87 e km 88. Aterros a meia
encosta apresentam mecanismo de ruptura circular (ou composta) com superfície de deslizamento
passando pelo contato do aterro com o solo residual (Figura 189).
Figura 186 – Morfologia do relevo do segmento geológico-geotécnico Comari (OAE represa Guinle km
85+950 ao km 89+370). Verifica-se a montante do morro Comari vale aplainado com potencial de infiltração
de água na direção da rodovia ente os quilômetros km 87 e km 88.
Fonte de infiltração
de água
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Figura 187 – Segmento Comari caracterizado por seção meia encosta com talude de jusante para o lado
direito (pista 1). Os taludes de montante pertencem à contra encosta dos contrafortes da Serra do Mar ou dos
Órgãos. Os taludes são muito influenciados pela presença de água subterrânea.
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Figura 188 – Corte em rocha fraturada mergulhando na direção da rodovia, com formação de blocos e lascas
de rocha em condição precária de equilíbrio e muita surgência d’água (km 88+390 e km 88+515, pista 2).
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Aterros a meia encosta apresentam mecanismo de ruptura circular com superfície de deslizamento
passando pelo contato do aterro com o solo residual. Trata-se de aterros de menor permeabilidade
(silte argilo-arenoso) posicionado sobre camadas do terreno natural de maior permeabilidade (areias
finas siltosas e siltes arenosos). O aterro menos permeável pode vir a bloquear o fluxo da água
subterrânea quando da subida do nível d'água em período de chuvas intensas. No km 87+300 a
carga hidráulica na base do aterro coincidiu com o nível da pista, ocasionando o colapso do talude,
que avançou na forma de uma corrida de lama em direção ao Condomínio da Granja Comary
(Figura 189).
Figura 189 – Aterros a meia encosta apresentam mecanismo de ruptura circular com superfície de
deslizamento passando pelo contato do aterro (material de menor permeabilidade) com o solo residual (solo
de maior permeabilidade - areias finas siltosas e siltes arenosos). O fluxo da água subterrânea é bloqueado
quando da subida do nível d'água em período de chuvas intensas (km 87 +300).
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SERRA DOS ÓRGÃOS
Segmento Geológico-Geotécnico Dedo de Deus (km 89+370 ao km 97+675)
Segmento Geológico-Geotécnico Santo Antônio (km 97+675 ao km 100+300)
Segmento Geológico-Geotécnico Monte Olivette (km 100+300 ao km 101+700)
Segmento Geológico-Geotécnico Bananal (km 101+700 ao 106+570)
O trecho rodoviário km 89 ao 104 (Escarpa da Serra dos Órgãos) foi inaugurado no ano de 1959,
tendo ficado até 22 de março de 1996 sob a responsabilidade do Departamento Nacional de Estrada
de Rodagens (DNER) e, a partir de então, tem sido mantido e operado pela Concessionária Rio -
Teresópolis (CRT). A abertura desta estrada (transformação de trilha para mulas em uma via
propícia ao trânsito de carruagens), entretanto, remonta ao Século XVIII quando, em 1704 se
iniciou a construção da Estrada Nova Minas com o objetivou de encurtar, em quatro dias, o trajeto
entre a Cidade do Rio de Janeiro e Minas Gerais (Ferrez, 1970, Limongi et al., 1998).
Embora constitua um segmento rodoviário relativamente curto, em apenas 15 quilômetros de
extensão deste trecho da Rodovia vence um desnível topográfico de 950m, fato este que demandou,
para sua construção, um grande número de obras de arte (pontes e viadutos) e a realização de
escavações e de aterros – com consequentes obras de estabilização de taludes - ao longo de vários
intervalos da vertente leste da Serra dos Órgãos, nome local da Serra do Mar naquela região do
Estado do Rio de Janeiro. As Figuras 190 e 191 apresentam a localização do trecho da rodovia.
Figura 190 – Trecho da rodovia englobando alguns segmentos geológico-geotécnicos da Serra dos Órgãos:
Dedo de Deus, Santo Antônio e Monte Olivette (parcial).
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Figura 191 – Imagem de satélite dos segmentos Dedo de Deus, Santo Antônio, Monte Olivette e Bananal
(parcialmente) situados no trecho da serra da BR-116/RJ (km 89+370 ao km 106+570).
Recentemente, integrando e atualizando o conhecimento geológico acumulado nos estudos
anteriores, o Projeto Rio de Janeiro, desenvolvido pelo atual Serviço Geológico do Brasil, produziu
o Mapa Geológico do Estado do Rio de Janeiro na escala 1:500.000 (CPRM, 2000). Nesse mapa,
apresentado parcialmente na Figura 192, está indicado o trecho da Serra dos Órgãos da BR-116/RJ.
Observa-se que o trecho de interesse desenvolve-se por sobre duas macro-unidades lito-
estratigráficas: a Unidade Serrados Órgãos (Ng2s) e a Unidade Santo Aleixo (Ng2ss).
As rochas da macro-unidade Serra dos Órgãos possuem idade neoproterozóica (aproximadamente
600 m.a) e são basicamente constituídas Hornblendabiotita granitóides, de granulação grossa e
composição expandida de tonalítica agranítica. Estas rochas mostram texturas e estruturas
magmáticas preservadas, com foliação tangencial em estado sólido superimpostas. Enclaves de
paleodiques anfibolíticos são comuns e facilmente observados.
A macro-unidade Santo Aleixo também foi datada como de idade neoproterozóica, contudo com
alguns poucos milhões de anos a mais do que as rochas macro-unidade Serra dos Órgãos. Esta
macro-unidade corresponde a um fácies marginal do Batólito Serra dos Órgãos e apresenta como
litologias predominantes os granada-hornblenda-biotita granodioritos, ricos em xenólitos de
paragnaisse, parcialmente fundido e assimilado (migmatito de injeção). Intrusões tardias (veios e
diques) de leucogranito tipo-S de variadas espessuras são comumente observados.
km 100
km 89
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Figura 192 – Mapa Geológico Regional (Cunha et al., 2000 adaptado por D’Orsi, 2011) com a indicação do
trecho entre os quilômetros 86 e 104 da Rodovia BR 116/RJ (segmento da Serra dos Órgãos). De acordo com
o este Mapa, o trecho da Rodovia atravessa duas macro-unidades lito- estratigráficas: Unidade Serra dos
Órgãos (Ng2s) e Unidade Santo Aleixo (Ng2ss).
A evolução deste conhecimento geológico sobre a Serra dos Órgãos levou ao atual consenso de que
suas formas escarpadas e puntiformes são devidas a dois principais fatores de origem geológica: um
complexo sistema de falhas e o desenvolvimento de processos de erosão diferencial devido à
intercalação de rochas com diferentes resistências às ações intempéricas. A formação e as
reativações do sistema de falhas (planos de ruptura nas rochas onde ocorre movimento relativo entre
os blocos rochosos) possibilitaram o levantamento de grandes blocos enquanto que outros foram
rebaixados, gerando assim grandes desníveis no relevo com imponentes escarpas associadas. Os
processos de erosão diferencial ocorrem tão intensamente na Região da Serra dos Órgãos porque as
rochas graníticas, com composições homogêneas e propriedades isotrópicas possuem maior
resistência à alteração do que as rochas gnáissicas, cuja presença de estruturas planares
(principalmente a xistosidade) e o arranjo linear dos minerais favorecem a percolação da água e a
consequente aceleração dos processos de alteração e degradação das rochas. No caso da Serra dos
Órgãos, as rochas graníticas encontram-se topograficamente por sobre as rochas gnáissicas e assim
os pontos mais altos das montanhas resistem mais do que os gnaisses, que se alteram rapidamente
quando em contato com a água que penetra pelas fraturas. A Figura 193 apresenta desenhos
esquemáticos que explicam a morfologia atual da Serra dos Órgãos em função de suas caraterísticas
geológicas.
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Figura 193 – Seções geológicas esquemáticas (DRM-RJ, adaptado por D’Orsi, 2011).
A Figura 193(a) mostra o processo de soerguimentos e rebaixamentos ao longo de um sistema de
falhas geológicas que dão origem a grandes desníveis de relevo em parte do Estado do Rio de
Janeiro como, por exemplo, a região da Serra dos Órgãos (sub-trecho da Serra do Mar) que se
elevou e a região da Baía de Guanabara que se rebaixou. A Figura 193(b) apresenta uma seção
parcial da Serra dos Órgãos onde se observa a presença de rochas graníticas nos topos das
montanhas, mais resistentes à alteração, sobrepostas as rochas gnáissicas, menos resistentes.
Os segmentos geológico-geotécnicos Dedo de Deus (Figura 194), Santo Antônio (Figura 195),
Monte Olivette (Figura 196), Bananal (Figura 197), km 89+370 ao km 106+570, situa-se em região de
relevos de degradação em áreas montanhosas de relevo extremamente acidentado, com vertentes
predominantemente retilíneas a côncavas, escarpadas e topos de cristas alinhadas, aguçados ou
levemente arredondados. Predomínio de amplitudes topográficas superiores a 500m e gradientes
muito elevados, com ocorrência de colúvios e depósitos de tálus, com composição e dinâmicas
próprias, solos rasos e afloramentos de rocha. Ocorrem movimentos de massa nas escarpas
florestadas (Serra), desplacamento e queda de blocos, avalancha de detritos, rastejos e
escorregamentos de tipo translacional, principalmente associados à interface de materiais com
diferentes propriedades mecânicas e hidráulicas. Escorregamentos rotacionais ocorrem em geral em
taludes mais íngremes com camada de solo mais espessa. Aterros a meia encosta apresentam
mecanismo de ruptura circular com superfície de deslizamento passando pelo contato do aterro com
o solo residual. Nos aterros com taludes estendendo-se no sentido do fundo dos vales, próximos às
(a)
(b)
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margens dos talvegues, comumente ocorrem situações de risco geológico-geotécnico relacionado a
trincas, abatimentos, solapamentos, erosões e escorregamentos.
Figura 194 - Segmento geológico-geotécnico Dedo de Deus (km 89+370 ao km 97+675).
Figura 195 - Segmento geológico-geotécnico Santo Antônio (km 97+675 ao km 100+300).
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Figura 196 - Segmento geológico-geotécnico Monte Olivette (km 100+300 ao km 101+700).
Figura 197 - Segmento geológico-geotécnico Bananal (km 101+700 ao 106+570).
As Figuras a seguir mostram alguns deslizamentos que ocorreram no trecho da Serra, incluindo
condicionantes geotécnicos associados.
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Figura 198 – Região do Alto do Soberbo (final da subida da Serra). Presença de obras de contenção e de
escorregamentos a montante e a jusante da pista. Entre os 100m finais do km 89 e os 200m iniciais do km 90,
existe um paredão rochoso a montante da pista com alta suscetibilidade escorregamentos (D’Orsi, 2011) -
km 89+500, pista 1.
Figura 199 – Desprendimento de blocos e lascas de rocha do paredão rochoso do km 89+900 que
interditaram as duas pistas da rodovia. Este evento ocorreu em 15 de setembro de 2011 às 10:20. O maciço
rochoso apresenta histórico de instabilização: deslizamento de lasca rochosa; queda e rolamento de blocos de
rocha; e corrida de lama (hidrofluxão de solo).
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Figura 200 – Escorregamento planar que interrompeu toda a pista (km 90). Pode-se observar também outro
deslizamento mais a montante que não atingiu a pista (D’Orsi, 2011).
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Figura 201 – O deslizamento com quedas de blocos de rocha no km 90+230 ocorreu, mesmo sem haver uma
chuva significativa. Talude de corte em rocha alterada a pouco alterada fraturada com mergulhos
predominantemente sub-vertical e com formação de lascas rocha e alguns blocos. O maciço apresenta muita
surgência de água subterrânea. Este evento ocorreu em 08 de outubro de 2013 às 10:53 e interditou a pista 1
da rodovia. Medidas de pluviométricas disponibilizadas pela CRT assinalaram uma chuva acumulada de 24
mm em 9 horas. No momento do acidente não estava chovendo. O volume de chuvas não foi elevado, mas
não se pode descartar a influência direta desta no processo de instabilização. Os blocos e vegetação
desplacaram-se da face do corte em dois locais de uma altura de cerca de 6 m (Cicatriz 1) e 10 m (Cicatriz
2). Um total de cerca de 35 toneladas de blocos de rocha atingiram a rodovia.
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Figura 202 – Deslizamentos translacionais de solo superficial assente diretamente sobre maciço rochoso
pouco alterado. A maioria dos movimentos ocorreu após as 16:30 do dia 02 de dezembro de 1981, quando,
na região da Serra dos Órgãos, foram registradas precipitações pluviométricas de até 288mm/24h. A Figura
202(a) mostra algumas cicatrizes remanescentes dos escorregamentos que atingiram a rodovia no trecho a
jusante do Pico Dedo de Deus. A seta em cor branca aponta para a pista de rolamento da BR-116/RJ. A
Figura 202(b) mostra detalhe de um dos escorregamentos planares que contribuiu para o acidente no Posto
Garrafão, cujo material mobilizado soterrou veículos e produziu vítimas fatais que se abrigavam do
temporal. Imagens obtidas por D’Orsi (2011) em Fernandes e Amaral (1998).
Figura 203 – Corte de perfil misto rocha (afloramento na parte inferior do talude) e solo (residual sob
colúvio, nas partes média e superior do talude) – km 92+600 (D’Orsi, 2011).
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Figura 204 – Grande movimentação de solo e blocos rochosos em talude a montante da pista, ocasionando a
destruição de um muro de concreto existente e interrupção total do tráfego (D’Orsi, 2011). A última foto
mostra o muro já reconstruído (km 93+000).
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Figura 205 – Situação do talude em rocha (condição precária de estabilidade, com avanço dos processos que
reduzem a resistência do maciço): (a) inclinação negativa na crista da ruptura; (b) fraturas sub-verticais –
persistência, abertura, material de preenchimento e surgência de água; (c) bloco de rocha de grandes
proporções sobre plano inclinado (região adjacente a ruptura) – km 93+095.
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Figura 206 – Escalavrado (escarpa rochosa): Obras de contenção da base e a estrada acima. Foto tirada do
Posto do Garrafão (D’Orsi, 2011). Trecho que recebe volume de água muito grande proveniente do Morro do
Escalavrado. Observa-se a existência de 2 segmentos da pista na mesma vertente. Deste modo, um
escorregamento iniciado no trecho a jusante do segmento superior pode atingir e deflagrar movimentações
no talude a montante do segmento inferior. Este fenômeno ocorreu em 02/12/1981.
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Figura 207 – Ruptura total do aterro ocasionando a interrupção do acesso a Teresópolis por vários dias (km
98+700). Grande pressão de percolação, possivelmente verificada dentro da massa de solo saturada. A
experiência tem demonstrado, em varias rodovias do Brasil, que nestes casos, nenhum aterro resistirá,
mesmo sendo bem construído, como é o exemplo do talude, com mais de 30 anos de serviço sem nenhum
problema.
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Figura 208 – Início do desenvolvimento de processos erosivos (oval amarelo tracejado) e diminuição
progressiva do espaço livre entre o pé do talude e a pista, consequentemente aumentando o risco geológico
(km 100+215 – D’Orsi, 2011).
Figura 209 – Páleo-tálus do entorno do km 101 (D’Orsi, 2011).
O mecanismo de ruptura que o governa o comportamento do km 101 é de rastejo, ou seja,
movimentos lentos que ocorrem de forma intermitente, atingindo maiores velocidades nos períodos
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chuvosos e afeta a região há mais de 40 anos. No local tem-se um grande depósito de material
escorregado das altitudes superiores ao longo de milhares de anos, formando um grande paleo-tálus
com profundidades em torno de 70 m. De forma a melhorar as condições de estabilidade do trecho e
promover a minimização das movimentações estabeleceram-se no local, linhas de drenos sub-
horizontais DHPs, de 50 m comprimento, perfazendo um total de 50 drenos (Figura 211). A
montante foram instalados 12 DHPs e a jusante foram instalados 38 DHPs em duas linhas,
posicionadas a 10 m e 15 m abaixo do nível da pista da rodovia. Tinha-se por objetivo promover um
rebaixamento de cerca de 5 m da cota do nível d’água subterrâneo. Após a implantação dos drenos
foi efetuado o renivelamento da pista no trecho, corrigindo imperfeições existentes de forma a
compatibilizá-la com a terceira faixa.
Figura 210 – Corpo de aterro sobre depósito de páleo-tálus (km 101) que se movimentava lentamente
(rastejo) estabilizado com drenagem profunda (DHPs).
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Figura 211 – Solução de estabilização do corpo de aterro sobre depósito de páleo-tálus (km 101).
Figura 212 – Formação do rio Soberbo é resultante de um debri flow (fluxo de detritos).