Post on 07-Nov-2018
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
Daniel Rodrigues Aurélio
Bibliografia Básica
A coleção Grandes Cientistas Sociais e a relação o entre mercado editorial e a expansão do
ensino superior brasileiro nas décadas de 1970 e 1980.
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para a obtenção
do título de Mestre em Ciências Sociais, sob a
orientação da Profa. Dra. Maria Celeste Mira.
São Paulo
2014
AURÉLIO, D.R. Bibliografia básica. A coleção Grandes Cientistas Sociais e a relação entre o mercado editorial e a expansão do ensino superior brasileiro nas décadas de 1970 e 1980, 2014, 145 p. Mestrado em Ciências Sociais. Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PEPGCSO-PUC-SP), São Paulo, 2014.
ERRATA
Página Linha Onde se lê Deve-se ler
1 6 “o entre mercado editorial”
“entre o mercado editorial”
6 13 “Programa de Pós-Graduação em
Ciências Sociais”
“Programa de Estudos Pós-
Graduados em Ciências Sociais”
(PEPGCSO) 10 3 “Projeto” “Dissertação”
10 19 “moderno parque gráfico”
“parque gráfico”
38 Subtítulo 1.1 “Reforma de 1968” “Reforma Universitária de
1968” 87 Subtítulo 2.4 “Os organizadores” “Perfil dos
organizadores” 94 Subtítulo 2.5 “os autores
selecionados” ‘ “análise dos autores
selecionados” 118 9 “anos 1990...” “anos 1970...” 121 29 (12ª Ref.
Bibliográfica da página)
“Ed. Unesp, 2011” “Ed. Unesp, 2012”
124 1 (1ª Ref. Bibliográfica da
Página)
“(2005)” Excluir “(2005)”, pois foge ao padrão adotado no texto.
125 23 (11ª Ref. Bibliográfica da
página)
“(2004)” Excluir “(2004)”, pois foge ao padrão adotado no texto.
Folha de Aprovação
Banca Examinadora
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Agradecimentos
Verão de 1998. Subi em um ônibus Praça Ramos / Jd. Líbano - 8677-10, e sai da
minha casa, na periferia de São Paulo, para uma entrevista de emprego em uma
copiadora especializada em trabalhos de graduação e pós-graduação localizada na Rua
Ministro Godói, em Perdizes, em frente ao chamado Prédio Novo da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. Ao chegar lá, deparei-me com um pequeno espaço,
hoje sequer em funcionamento, mais ou menos do tamanho do quartinho que dividia
com meu irmão quatro anos mais velho. Alguns alunos e a própria dona do
estabelecimento acharam graça de ver um jovem de 17 anos, recém-saído do ensino
médio, vestido em trajes sociais, camisa uns dois números acima, calças largas presas
por um cinto preto. Transpirava muito, estava tenso, precisava daquele emprego, mas a
minha imagem, para eles pitoresca, foi motivo de riso discreto dos clientes e de certa
compaixão da dona da lojinha: ela me avisou que ter experiência no ofício era
fundamental (eu não tinha), que agradecia minha presença, quem sabe na próxima...
Respirei fundo, bem fundo mesmo, limpei o suor do rosto, cravei o olhar no
prédio da PUC-SP, rodeado por muitos alunos da minha faixa etária, e senti pela
primeira vez percorrer em mim o desejo de entrar em uma faculdade, algo até então
utópico para um aluno medíocre no ensino médio e que não tinha recursos financeiros
para bancar as mensalidades. Desci a Ministro Godói meio triste, mas jurando, sabe-se
lá por qual motivo, que um dia entraria naquela universidade. Pela porta da frente.
Fevereiro de 2012. Lá estava eu, em uma sala no quinto andar do Prédio Novo
da PUC-SP, preparado para assistir a minha primeira aula como aluno do programa de
Mestrado em Ciências Sociais. Tão nervoso quanto naquela tarde quente de 1998. Pela
porta da frente jurei entrar. Pela porta da frente entrei.
Eu não queria cair aqui na armadilha da narrativa autobiográfica, sempre um
tanto melodramática, mas acho que ao menos nos agradecimentos posso me permitir
uma breve, brevíssima, concessão. Será que posso? Imaginei que, ao me matricular na
pós-graduação da PUC-SP, sentiria vingança pelas gozações contidas daquela molecada
de anos atrás, depois de construir uma trajetória aos trancos, barrancos, leituras,
incontáveis leituras, madrugadas insones, boas notas na graduação e nas duas pós-
graduações lato sensu cursadas na Fundação Escola de Sociologia e Política de São
Paulo. Mas essas pessoas desapareceram do horizonte da minha existência. Sequer me
lembro de seus rostos. Quanta bobagem seria destilar ódio e ressentimentos tardios! Eu
os compreendo: era coisa de meninada. A eles agradeço pelo estímulo involuntário. E,
convenhamos, o que seria de mim se excluísse aquele dia de meus pensamentos?
Sinto orgulho do que construí, tenho otimismo por aquilo que pretendo fazer
daqui em diante, mas ao refletir seriamente sobre minha vida até este momento não
consigo simplesmente me ver como um exército (de um homem só) invencível, ainda
que se fosse menor a minha disposição para o bom combate talvez tivesse capitulado
diante do primeiro, ou do segundo, dos percalços que surgiram nesse tempo de luta pelo
conhecimento. Apenas olho para trás e penso: “ultrapassei mais uma barreira”. E sigo
em frente. Minha caminhada não terminou. Nem os percalços.
Essas barreiras não foram vencidas sozinhas. Meus pais, mesmo sem entender
direito do que se tratava essa tal Sociologia – “Você vai ser presidente da República?”–
não impediram o meu ingresso, em 2002, no curso de Sociologia e Política na FESPSP.
Até porque era uma oportunidade de diploma superior. Mas angustiaram-se, como pais
remediados, com a ausência de retorno financeiro imediato. Enquanto meu irmão
prosperava como analista de sistemas, eu patinava em empregos de operador de
telemarketing, vendedor de loja, estagiário em editoras, ou passava longas temporadas
desempregado. Sou honestamente grato por quem eles são, por seus valores e práticas,
que somente agora compreendo sociologicamente, pois assim pude entender melhor
quem eu sou, minha origem social e, principalmente, aquilo com que preciso romper
para me tornar um cientista social e um ser humano melhor, sem rancores, traumas e
excessiva autodefesa, apesar de ter fraquejado algumas vezes nessa tarefa.
Gostaria de agradecer nominalmente a todos os professores da FESPSP e da
PUC-SP por incentivarem um aluno cujas virtudes são o esforço e a teimosia para
superar as limitações. Nunca fui o aluno mais promissor da minha geração, tampouco
aquele com as perguntas e argumentos mais criativos e estimulantes, mas tirava notas
altas porque a cada livro a ser fichado, a cada prova ou trabalho, depositava todas as
minhas esperanças. Era vencer ou vencer. É como escreveu Ricardo Lísias em um
romance: “só morro mais uma vez”. Está certo, admito, é piegas, não consegui resistir, é
assim que me motivo e penso minha história. E nela passaram grandes professores:
Eliana Asche, Paulo Fontes, Carlos Alberto Bello, Rosemary Segurado, Roseli Coelho,
Francisca Severino, Eduardo Brandão, Paulo Levorin, Rogério Schmitt, Fernando
Antonio Pinheiro Filho, Ronaldo Rômulo de Almeida, Luiz Carlos Jackson, Maria
Palmira da Silva, Aldo Fornazieri, Clarice Cohn, Marcia Tosta Dias, Ana Bellan,
Rogério Baptistini, Fraya Frehse, Gabriel Pugliese, Carla Diéguez, Caroline Freitas,
Fábio Cardoso Keinert, Daniela Ribas, Fernando Megale, Magdalena Nigro, Sérgio
Braghini (FESPSP), Silvia Borelli, Maura Pardini Bicudo Véras, Mariza Werneck,
Josildeth Gomes Consorte, Carmen Junqueira e Miguel Wady Chaia (PUC-SP).
Sobre o processo de produção desta dissertação de Mestrado, agradeço
imensamente aos integrantes da banca de qualificação, os professores Guilherme
Simões Gomes Jr. (PUC-SP) e Alessandra El Far (Unifesp), pelas críticas e sugestões.
Incorporei várias delas na redação final – espero que da maneira como imaginavam.
Outras tantas, excelentes, decidi guardar para um futuro doutorado ou talvez para uma,
quem sabe, versão em livro destas páginas. Tive ainda o privilégio de ter como
professora e orientadora Maria Celeste Mira, cujo rigor metodológico e contenção nos
elogios me desconcertava, mas a ideia era essa: fazer com que me concentrasse no
núcleo da pesquisa, sem desviar o foco, mas com a mente aberta para receber e
assimilar novas informações. É preciso exaltar a paciência monumental com a qual Mira
lidou com este orientando tão agitado e ansioso. Fica aqui minha gratidão. Também
aproveito para saudar os entrevistados Fernando Paixão, Roberto DaMatta, Edson
Passetti e Edgard de Assis Carvalho, que contribuíram para esclarecer dúvidas.
Esta pesquisa foi viabilizada com o apoio da bolsa concedida pela Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), obtida em maio de 2012
em processo seletivo organizado pela Comissão de Bolsas do Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da PUC-SP. Agradeço também aos funcionários do
PPGCS, Kátia e Rafael, pela gentileza e atenção.
Para Isa, minha linda companheira, e
Gabriel, obra-prima do artesanato de nosso amor.
Resumo
Esta pesquisa tem como objetivo empreender uma análise da Grandes Cientistas
Sociais (Ática), coleção com 60 títulos publicada entre 1978 e 1990, relacionando-a
com o contexto do mercado editorial de livros de sua época e com o processo de
expansão do ensino superior decorrente da Reforma Universitária de 1968, Lei 5.540. A
proposta inclui examinar em que sentido a coleção serviu – e de certo modo ainda serve
– como suporte para a formação de cientistas sociais, e mesmo de graduandos de áreas
correlacionadas, e como se realiza a articulação entre os campos editorial e acadêmico,
enfatizando o papel do editor como mediador, representado na coleção da Ática pelo
cientista social Florestan Fernandes (1920-1995). Os “efeitos paradoxais” decorrentes
dessa conjuntura também estarão presentes ao longo desta dissertação.
Palavras-chave
I. Mercado Editorial II. Ciências Sociais III. Educação IV. Brasil
Abstract
This research aims to undertake an analysis of "Grandes Cientistas Sociais"–
Great Social Scientists (Ática Publisher), collection of 60 titles published between 1978
and 1990, relating it to the context of the publishing market of books of its time and the
process of the expansion of higher education due the Brazilian 1968 University Reform
Law #5540. The proposal includes examining in what sense the collection has been
serving as support for the training of social scientists, and even undergraduates in
related areas, and how the link between the editorial and academic fields works,
emphasizing the editor role as mediator, represented in the collection of Ática by social
scientist Florestan Fernandes (1920-1995). The "paradoxical effects" resulting from this
situation will also be present throughout this dissertation.
Keywords
I. Publishing II. Social Sciences III. Education IV. Brazil
Sumário
Introdução, pg.12.
Apontamentos sobre a gênese deste projeto, pg. 17.
Mercado editorial, Ciências Sociais e ensino superior, pg.20.
Metodologia adotada e estrutura da pesquisa, pg.25.
CAPÍTULO 1
Ciências Sociais, Educação e Mercado Editorial nos anos 1970 e 1980, pg.32.
1.1 Educação e autoritarismo: as “consequências paradoxais” da Reforma Universitária
de 1968, pg.38.
1.2 A expansão na oferta de cursos superiores e as Ciências Sociais nesse contexto,
pg.46.
1.3 A política das coleções e o mercado de obras educacionais durante a ditadura, pg.51.
1.4 Arma subversiva ou consumo elitista? As lacunas no sistema de censura aos livros,
pg.57.
1.5 Ciência e política: a difusão de livros e revistas de conhecimento durante a Abertura
Política, pg.60.
CAPÍTULO 2
A história da coleção Grandes Ciências Sociais (1978-1990), pg.63.
2.1 Do mimeógrafo ao moderno parque gráfico: a trajetória da editora Ática, pg.65.
2.2 Um agente fundamental: funções e significados do editor, pg. 71.
2.3 O editor-mediador Florestan Fernandes e o nascimento da Grandes Cientistas
Sociais, pg.76
2.4 Mapa da coleção I: o perfil dos organizadores, pg.87.
2.5 Mapa da coleção II: análise dos autores selecionados, pg.94.
CAPÍTULO 3
“Está tudo na ementa”: A coleção GCS na atualidade, pg. 105.
3.1 Na pasta da copiadora: um suporte didático para professores e alunos, pg. 106.
3.2 A atualidade da GCS: a orientação da Abril Educação e o destino da coleção,
pg.109.
3.3 O tempo não para: as novas coleções de Ciências Sociais, pg.113.
Considerações finais, pg.117.
Referências Bibliográficas, pg.120.
Anexos, pg.129.
Caderno de imagens, pg.138.
O cientista do passado viu-se, quase sempre, como produtor ou
criador de uma espécie de saber. Mas, o cientista não é só isso.
Ele também é o agente humano de uma nova concepção de
mundo, que pretende fazer da ciência um novo padrão de
medida das coisas, do homem e do futuro da humanidade. Cabe
ao cientista o dever de propagar, defender e expandir essa
concepção de mundo, isto é, de aceitar e atribuir-se papeis
intelectuais relacionados com a sua condição de agente
humano de um modo de ser, pensar e agir.
- Florestan Fernandes. A sociologia numa era de revolução
social
O intelectual precisa ter uma tarefa crítica, ele goste ou não.
Aliás, tarefa crítica não é só uma, que só se exerce quem pensa
como eu. Existem várias maneiras de reagir. A omissão é que é
injustificável.
- Florestan Fernandes. Entrevista à Folha de S. Paulo,
24/06/1977.
Faz parte da minha pequena utopia privada que a sociologia
seja orientada no sentido de reintegrar à vida social dos
cidadãos reflexivos, racionais e conscientes, e deixe a
pretensão de ser uma área do saber isolada. O cerne da
Sociologia só faz sentido no momento em que não só o
conhecimento que ela produz como também o tipo específico de
sensibilidade para o mundo social que lhe é própria forem
incorporados pelo conjunto da cidadania.
- Gabriel Cohn. Conversas com sociólogos brasileiros.
Se a cientificidade socialmente reconhecida é uma aposta tão
importante é porque, embora não haja uma força intrínseca de
verdade, há uma força de crença na verdade, da crença que
produz a aparência de verdade: na luta das representações, a
representação socialmente reconhecida como científica, isto é,
como verdadeira, contém uma força social própria e, quando se
trata do mundo social, a ciência dá ao que detém, ou que
aparenta detê-la, o monopólio do ponto de vista legítimo, da
previsão autovericadora.
- Pierre Bourdieu. Homo Academicus
Quem gosta de livros evidentemente gosta de edição.
- José Mindlin. Depoimento para o doc. José Mindlin, editor.
Quem será o verdadeiro produtor do valor da obra (...) o
escritor ou o editor?
- Pierre Bourdieu. A produção da crença.
12
Introdução
Desde que iniciei minha trajetória como cientista social na Fundação Escola de
Sociologia e Política de São Paulo, instituição pela qual me graduei em Sociologia e
Política (2005), com pós-graduação em Globalização e Cultura (2007), o mercado
editorial na área de livros tem sido objeto das minhas pesquisas e reflexões. Ambas as
monografias defendidas na Fespsp versavam sobre a temática. No bacharelado, procurei
analisar o discurso de cidadania produzido pelos autores de literatura infantojuvenil
durante a Abertura Política1; na especialização, a abordagem concentrou-se no processo
de mundialização do mercado editorial brasileiro, intensificado no final dos anos 1990.
Em considerável medida, o interesse por esse universo advém das observações e
inquietações suscitadas por minha experiência profissional no ramo editorial/livreiro.
No percurso iniciado em novembro de 1998, aos 18 anos, trabalhei como atendente nas
redes de livraria Siciliano e Saraiva; preparador de originais, assistente editorial, redator
de orelhas e quarta-capas; resenhista de lançamentos; editor de coleções, consultor de
redação, revisor técnico e autor. As circunstâncias fizeram-me conhecer de perto as
etapas da produção, distribuição, divulgação e comercialização do objeto-livro.
Não há, porém, motivo plausível para temer esta assumida proximidade com o
objeto pesquisado: quando tratada com equilíbrio e rigor, ela tende a produzir resultados
convincentes, conforme preconizam, entre outros, Todorov (2013)2 e Thiollent (1981).
Ao questionar o pressuposto da neutralidade, Thiollent defende o estabelecimento de
1 Uma versão revisada, rebatizada e atualizada desta monografia foi publicada em livro,
intitulado Transgressão e adaptação: discurso de cidadania e literatura infantojuvenil na
Abertura Política (Editora Ixtlan, 2013, 96 p.), cujo exemplar foi entregue aos funcionários da
Biblioteca Nadir Gouvêia Kfouri, no campus Monte Alegre, para inserção no catálogo.
2 Indagado a respeito de seus critérios de pesquisa, Tzvetan Todorov afirmou preferir tratar de
fatores ligados à sua “experiência pessoal”. “No domínio das ciências humanas”, ratificou
Todorov, é “essencial uma relação entre o objeto de trabalho e o sujeito que o faz”. (2013:48).
13
formas renovadas de interação e reflexão entre o pesquisador e seu objeto. Para o crítico
da ortodoxia metodológica, não devemos com isso solapar princípios éticos; o que o
autor propõe é a criação de alternativas metodológicas capazes de superar a falsa
premissa da neutralidade científica, tratada como um mito por Japiassu (1975).
Radicalmente contrária à fixidez metodológica e empírica dos manuais, Limoeiro
Cardoso (1971) corrobora a exposição de Thiollent e Japiassu ao afirmar que “fazer
ciência transforma incessantemente o método” (1971:16). Já o filósofo da ciência Paul
K. Feyerabend (1924-1994) radicalizava diante dos paradigmas e das regras do método
já tão questionados por Todorov, Thiollent e Limoeiro Cardoso. Para Feyerabend, a
ciência seria um “empreendimento essencialmente anárquico.” (2007:31).
Não acredito, sinceramente, que esta dissertação de mestrado seja resultado de
uma atitude de pesquisa movida por uma espécie de anarquia metodológica, tal como
sugere o autor de Contra o método, mas não recuo da minha temática em favor de outro
assunto, como se a guinada para um novo objeto ou especialidade significasse um
distanciamento impassível, “equilibrado”, pretensamente “necessário”. Do contrário,
assegura Todorov, “o trabalho corre o risco de se tornar apenas uma reprodução do que
já existe”. (2013:48). Um caso famoso de enfrentamento do familiar é a tese de Gilberto
Velho (1945-2012), defendida em 1975 e publicada em 1998, Nobres e anjos – um
estudo sobre tóxicos e hierarquia. Velho estudou seu círculo boêmio de amizades
formado por artistas, acadêmicos e profissionais liberais. Nessa pesquisa, o antropólogo
realizou, na expressão consagrada por Clifford Geertz (1926-2006), uma descrição
densa das práticas de lazer, consumo, sexualidade, sociabilidade e fruição estética desse
grupo, preservando apenas as identidades, para evitar os dissabores da repressão.
Então, com o transcorrer do tempo, e convicto da validade de continuar a
pesquisar o mercado editorial, passei a cogitar a hipótese de investigar livros que
14
contribuíram (e ainda contribuem) para a formação de cientistas sociais. Faltava, porém,
um objeto e um recorte com os quais pudesse elaborar uma intersecção amadurecida
entre as Ciências Sociais e o mercado editorial. Uma declaração de José de Souza
Martins, professor emérito do Departamento de Sociologia da Universidade de São
Paulo (USP), enfim despertou minha atenção para uma coleção de livros cujos
principais volumes3 integram desde o final dos anos 1970 a bibliografia básica de
cursos em nível de graduação e pós-graduação nas áreas das Ciências Humanas e
Sociais: refiro-me a coleção Grandes Cientistas Sociais4, lançada pela Editora Ática.
Composta por 60 títulos, 58 deles publicados entre 1978 e 1986, a GCS esteve sob o
comando do cientista social e professor Florestan Fernandes (1920-1995), cuja função
foi creditada nas capas como Organizador, no expediente como Consultoria Geral e no
texto padrão da contracapa como responsável pela Supervisão Geral5.
No depoimento publicado no livro de entrevistas Conversas com sociólogos
brasileiros (Bastos et. al., 2006), José de Souza Martins recordava a negativa de sua
proposta para um volume dedicado a Robert Nisbet (1913-1996) 6, sociólogo americano
associado ao pensamento conservador7. Entre 1978 e 1986, Nisbet colaborou com o
think tank American Enterprise Institute (AEI), um dos vetores teóricos e programáticos
3 Dentre os quais cito os números sobre Durkheim, Weber, Adorno, Radcliffe-Brown, Mauss,
Bourdieu, Malinowski, Marx, Keynes e Benjamin.
4 A partir daqui denominada pela sigla GCS, exceto no início de cada capítulo.
5 Tratarei no capítulo 2 sobre a importância do editor/mediador.
6 Segundo a versão de José de Souza Martins, “(...) quando propus ao professor Florestan
Fernandes que incluísse um volume sobre [Robert] Nisbet na sua coleção de clássicos da
Editora Ática [Grandes Cientistas Sociais], fui procurado por Octavio Ianni. Insistiu ele comigo
para que eu desistisse de propor esse autor, um desconhecido, explicou-me, um sociólogo
“menor”. De fato, a antologia de Nisbet acabou não sendo incorporada ao programa editorial
coordenado por Florestan Fernandes.” (2006: 150).
7 Autor de Conservatism: Dream and Reality (1986) Nisbet influenciou neoconservadores e
liberais. Em 1980, porém, a Zahar lançou no Brasil História da análise sociológica. Neste livro,
Nisbet realizou uma salutar parceria com um sociólogo ligado ao marxismo, o britânico Thomas
“Tom” Bottomore (1920-1992). A edição integra a Biblioteca de Ciências Sociais.
15
do neoconservadorismo. Situado em Washington, DC, a organização é uma das fontes
de inspiração do Instituto Millenium (Imil), entidade de orientação liberal-conservadora
sediada no Rio de Janeiro, com patrocínio de conglomerados de mídia – ex-presidente
do Banco Mundial, e secretário de Defesa durante o governo de George W. Bush, Paul
Wolfowitz, um dos tecnocratas do Partido Republicano, é professor visitante na AEI. O
veto, ao que tudo indica, teve razões ideológicas. Curiosamente, porém, Nisbet foi
citado logo na primeira nota de rodapé de “A sociologia de Durkheim” (1978:7), texto
de abertura do volume um da GCS, assinado pelo professor da Universidade Federal de
São Carlos (UFSCar) José Albertino Rodrigues (1928-1992), também responsável pelo
número sobre o sociólogo e economista italiano Vilfredo Pareto (1848-1923).
Antes de apressar-me em conjeturas dessa natureza, e reduzir o assunto a uma
cizânia político-ideológica entre Octavio Ianni (1926-2004) e José de Souza Martins, é
preciso entender quais motivações e sentidos urdiram e orientaram as articulações que
projetaram e viabilizaram o empreendimento da GCS, isto é, os diálogos entre as
lideranças acadêmicas e as tratativas de Florestan com a cúpula da Ática, empresa com
marcante presença na área educacional desde os anos 1960. Mapear e compreender as
relações entre os agentes dos campos acadêmico e editorial, no significado consagrado
por Bourdieu (1930-2002) 8, complementado pela noção de “pluralidade de campos”
editoriais trabalhada por Thompson (2013:10), coloca em questão o desafio de examinar
a nossa própria área de formação. Desafio, aliás, capaz de abrir veredas importantes.
Um exemplo: ao justificar a opção por utilizar livros como “material empírico” em sua
tese sobre a “vocação das ciências sociais no Brasil”, Gláucia Villas Bôas afirma que
8 O conceito de campo é um dos esteios da teorização bourdiana. Cito, para exemplificar, o livro
Homo academicus (2011) e “O campo intelectual: um mundo à parte”, entrevista publicada em
Coisas ditas (1990). O campo seria, em uma definição bastante didática de Pierre Bourdieu
proferida em um congresso para pesquisadores da área de agronomia, um “espaço relativamente
autônomo” e “um microcosmo dotado de leis próprias” (2004: 20).
16
o registro escrito é, sem dúvida, um elo
indispensável entre a produção e a recepção das
ideias. Ao materializar o saber adquirido, a
publicação completa uma etapa do saber,
evidenciando o interesse em divulgá-lo para um
público mais amplo (...) o uso do livro delimita
um tipo específico de procedimento. Com o
decorrer do tempo, não só guarda e acumula
ideias, como registra a memória de ações e a
maneira de pensar de seus autores. (2007:31)
Produção e recepção, etapa do saber, memória, pensamento. A autora debruçou-
se sobre uma lista de 872 títulos classificados na categoria Ciências Sociais, publicados
entre 1945 e 1966 e catalogados no acervo da Biblioteca Nacional, localizada no Rio de
Janeiro. Seu esforço oferta aos leitores um levantamento histórico de publicações
lançadas em um momento crucial para a institucionalização das Ciências Sociais no
país, a despeito do caráter diletante, e por vezes aventureiro, de parcela daquelas obras.
Gláucia Villas Bôas registra o momento da troca de guarda do ensaio
interpretativo de aspirações totalizantes e, em certos casos, literárias, para uma ciência
social em busca de afirmação teórica e metodológica – ou seja, em busca de afirmar sua
legitimidade científica9. Em seu argumento, a socióloga detectou ainda uma noção
abrangente de Ciências Sociais; um significado para além da hoje regulamentar tríade
Antropologia, Ciência Política e Sociologia. Essa percepção elástica das Ciências
Sociais esteve também na base das premissas editoriais da GCS, pois a coleção
dispunha de volumes nas áreas de Economia (oito títulos), Geografia (três), Psicologia
(cinco) e História (sete) 10
. Nesse e em outros aspectos, esta dissertação tem como um
de seus faróis teórico-metodológicos o trabalho de Villas Bôas.
9 Alessandra Santos Nascimento propõe uma interessante análise, que não deve deixar de ser
mencionada, sobre o processo de institucionalização das Ciências Sociais no Brasil, ressaltando
a presença marcante de Fernando de Azevedo desde a década de 1930, e não apenas a atuação
de Florestan Fernandes, oferecendo uma visão diferente de como se configurou “a imbricação
entre a valorização da Sociologia (...) e sua institucionalização” (2012:14).
10 Para uma compreensão sobre os “ramos disciplinares” das Ciências Sociais ver Ortiz (2002).
Encontram-se também reflexões sobre a abrangência desse campo em Wright Mills (2009) e
17
Sendo assim, não se trata aqui apenas de revisitar a trajetória de uma coleção de
livros, encerrada em 1990 com volumes sobre Ratzel e Bukharin, mas de resgatar,
embora com alcance modesto, um capítulo da história da difusão e recepção da teoria
social no Brasil, em um período marcado pela elevação das vagas no ensino superior,
fato decorrente da Reforma Universitária de 1968, e de um movimento de abertura
conciliada, “lenta, gradual e segura”, proposta pelo governo de Ernesto Geisel (1907-
1996), presidente da República entre o início de 1974 e o primeiro trimestre de 1979.
Esta abertura, segundo Raymundo Faoro (1925-2003), seria um “caminho controlado”
com vistas a manter a “base ideológica” que sustentou o regime ditatorial (2008:27-28).
Apontamentos sobre a gênese desta dissertação
Em sua origem, isto é, de meados do ano de 2009 até a apresentação do projeto
de pesquisa à banca examinadora da PUC-SP em novembro de 2011, esta pesquisa tinha
o intuito de se concentrar nos embates no interior do campo das Ciências Sociais, a
partir de um olhar sobre o processo de seleção dos títulos e dos organizadores da
coleção GCS. A ideia original era entender como a coleção seria representativa do
triunfo de Florestan Fernandes e de seu círculo de alunos e interlocutores. Nas palavras
de Sylvia Garcia, o objetivo de Florestan, homem de origem humilde, mas que em
diversos momentos da vida obteve o auxílio de detentores de capital cultural, social e
mesmo econômico, era “dominar a cultura dominante pela razão, não se entregando a
ela, mas dominando-a a partir de outra posição” (2002: 28).
Em 1978, quando foram lançados pela editora paulistana os primeiros volumes
da GCS Florestan Fernandes já era um nome consagrado, uma autoridade moral na sua
Dahrendorf (1991). Ambos os autores discutiram, em suas obras, o papel do cientista social no
final dos anos 1950, em debate com a sociologia proposta por Talcott Parsons (1902-1979).
18
área, apesar de cassado pela ditadura civil-militar11
. Ele havia conseguido, dentro e fora
do universo das Ciências Sociais produzidas em São Paulo, impor-se como uma
referência, quer como sistematizador rigoroso da teoria e do método sociológico,
período no qual sobreleva seu livro Fundamentos empíricos da explicação sociológica
(1959), quer em sua militância mais intensa na práxis marxista, acentuada nos anos que
se seguiram à sua aposentadoria compulsória da USP, momento refletido com nitidez
nas escolhas dos autores e organizadores da coleção da Ática.
Como não poderia deixar de acontecer, tais questões aparecem ao longo de toda
esta dissertação, até porque estão intrinsecamente relacionadas a qualquer menção que
se faça ao cientista social, educador e político paulistano nascido em 1920. Aos poucos,
porém, fui convencido a ajustar o recorte inicial ao qual me propus, e não por causa de
sua ausência de pertinência e vitalidade. As palavras dos professores Luiz Eduardo W.
Wanderley (integrante da banca examinadora para ingresso no PPGCS), Silvia Borelli,
Josildeth Gomes Consorte, Carmen Junqueira e, claro, da minha orientadora Maria
Celeste Mira, foram convergentes no sentido de apontarem para a dificuldade que teria,
no exíguo tempo de um Mestrado, de reconstituir esta história espinhosa, repleta de
rusgas delicadas, sobretudo porque muitos desses agentes faleceram e pouco ou
absolutamente nada deixaram de depoimentos sobre a GCS.
Observar a coleção pelo prisma originalmente pensado é altamente sedutor, mas
certamente deixaria vazios e, na melhor das hipóteses, seu resultado seria equivalente ao
11
O termo “civil-militar” está em consonância com a avaliação de historiadores como Kushnir
(2004) e Aarão Reis (2012), segundo os quais mesmo com as Forças Armadas no centro do
poder, havia vasto apoio de políticos, empresários e religiosos antijanguistas, de parte da classe
média urbana e até no aparato burocrático do Estado, todos a serviço da sustentação aos
militares, desde a preparação para o golpe de 1964 até a ação conciliada da abertura “lenta e
gradual”. Preeminentes ministros de Estado durante a ditadura, como Luis Antônio da Gama e
Silva (1913-1979), Armando Ribeiro Falcão (1919-2010), Alfredo Buzaid (1914-1991),
Antonio Delfim Netto e Roberto de Oliveira Campos (1917-2001) não eram militares de
carreira. Ressalto, todavia, que esta não é uma classificação consensual.
19
de outros trabalhos desenvolvidos com indiscutível competência sobre as “versões
conflitivas” do fazer ciências sociais, a exemplo das produções de Miceli (2001),
Jackson (2004; 2007), Pulici (2008) e outros de elevada categoria. Seria, enfim, apenas
a variação sobre o mesmo tema, ainda que merecedor de toda a atenção.
A decisão de recortar o meu problema sociológico para o papel da Ática e,
especificamente, da coleção GCS, dentro do contexto de expansão do ensino superior
decorrente da Reforma de 1968, lançando à baila as conexões entre mercado editorial,
Ciências Sociais, educação superior e política foi, a meu ver, a decisão mais acertada no
esforço conjunto com a orientadora desta dissertação, autora de respeitada pesquisa
sobre o mercado editorial de revistas (2001). Entender a GCS sob o ângulo do ensino
superior de sua época consolidou-se como um recorte viável, produtivo e
intelectualmente estimulante. Afinal, conforme escreveu o historiador Rodrigo Patto Sá
Motta a respeito da universidade em tempos de ditadura:
(...) As universidades constituem espaço
privilegiado para observar os entrechoques das
diferentes forças que moveram o experimento
autoritário brasileiro. Elas eram lugares
importantes para a modernização do país, bem
como campo de batalha entre os valores
conservadores e os ideais de esquerda e de
vanguarda; instituições que o regime militar,
simultaneamente, procurou modernizar e
reprimir, reformar e censurar (2014:57-58)
Com a nova proposta, abraçada com entusiasmo, pude movimentar a bibliografia
disponível e todos os dados estatísticos e históricos que consegui coletar para produzir
um material sociologicamente relevante – ao menos em sua intencionalidade – acerca
do impacto das políticas educacionais, em um momento histórico determinado, na
dinamização do mercado editorial de livros, tendo como mote a GCS.
20
Mercado editorial, Ciências Sociais e ensino superior
Em linhas sumárias, este trabalho analisa a relação do mercado editorial,
representado pela Ática e sua GCS, com a expansão do ensino em nível superior
decorrente da Lei 5.540, datada de 28 de novembro de 1968, denominada Reforma
Universitária, revogada, mas na prática não totalmente abandonada, em 20 de dezembro
de 1996, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394). A LDB de
1996 teve como relator o senador pelo PDT-RJ Darcy Ribeiro (1922-1997) 12
. A
propósito, em um texto de 1962 sobre a Universidade de Brasília Ribeiro afirmava que a
palavra adequada para os clamores pela reformulação do sistema de ensino
universitário, apropriados pela ditadura em 1968, era “instauração”, e não “reforma”,
afinal, “tão pouco há de universitário em nosso ensino superior” (2007:17).
A hipótese, portanto, é a de uma correlação entre o aumento no número de
instituições de ensino superior (públicas e, principalmente, privadas) e a urgência do
mercado editorial em atender a um público-leitor formado por professores, estudantes e
até mesmo vestibulandos 13
. Já estabelecida no segmento de didáticos e paradidáticos, e
com os cofres abastecidos, os diretores da Ática vislumbraram a oportunidade de se
destacar perante a concorrência, como a Abril Cultural fizera cinco anos antes com a
sua coleção de Humanidades Os pensadores (Pereira, 2010). Daí porque optei, no
processo de pesquisa, por focalizar o editor Florestan Fernandes. Naquele momento de
12
Darcy Ribeiro, senador, e Florestan Fernandes, deputado federal, divergiram acerca da
redação final da LDB. Vice-presidente da Comissão de Educação, Florestan apoiava o texto
formulado pela Câmara ratificado pelo senador Cid Saboia, então relator da pauta, mas Ribeiro
fez valer seu status de relator das comissões de Educação e de Justiça e Cidadania e, com uma
rápida manobra política, vetou o projeto da Câmara, considerado inconstitucional, apresentando
em seguida um substitutivo aprovado no plenário do Senado. (Soares, 1997; Sereza, 2005;
Heckert, 2005). Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, Florestan Fernandes lamentava a
atitude de quem considerava um “amigo íntimo” (Sereza, 2005: 199).
13 A aparente contradição entre a mercantilização do ensino superior do após-1968, focado em
cursos de maior rentabilidade, e o surgimento de uma coleção de natureza crítica e, por conta de
alguns volumes, tida até como subversiva, será problematizada nos próximos capítulos.
21
tímida abertura política, o acadêmico e intelectual paulistano foi percebido pela
contratante como uma grife de altíssimo valor simbólico, pois, para Bourdieu,
a eficácia quase mágica da assinatura não é outra coisa
senão o poder, reconhecido por alguns, de mobilizar a
energia simbólica produzida pelo funcionamento de
todo o campo, ou seja, a fé no jogo e lances produzidos
pelo próprio jogo (2008:28)
Florestan Fernandes, por sua vez, não desperdiçou a oportunidade de colocar as
suas ideias para circular, com uma proposta editorial bastante crítica, mobilizando para
tanto um grupo de renomados acadêmicos, entre os quais os sociólogos Octavio Ianni,
Gabriel Cohn e Evaristo de Moraes Filho, o economista Paul Singer, os historiadores
Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) e Jacob Gorender (1923-2013) e os
antropólogos Roberto DaMatta e Julio Cezar Melatti. Além de ser utilizada como
material bibliográfico, a GCS caracterizou-se por auxiliar no processo de vulgarização
do conhecimento produzido pelas Ciências Sociais - vulgarizar na acepção de
“popularizar”, para o bem e para o mal, os autores selecionados.
Não se pode ainda excluir dessa questão o panorama sócio-político e histórico
no tocante ao concerto das nações e à conjuntura antidemocrática do Brasil, bem como
os duelos para saber qual seria a ciência (ou teoria) social “adequada” para ser
retransmitida aos estudantes, docentes e pesquisadores. O período era de radicalização
política e ideológica. Na geopolítica, a arena diplomática permanecia cindida em dois
blocos: capitalistas versus socialistas. OTAN versus Pacto de Varsóvia. No Brasil, a
ditadura perdia gradativamente a sua força por conta de um princípio de turbulência
após o “milagre econômico”, instabilidade agravada pela repercussão da morte, em
1975, de Vladimir Herzog, diretor de jornalismo da TV Cultura de São Paulo, ocorrida
nos porões do DOI-CODI, na Rua Tutóia, Vila Mariana, zona sul da capital, junto ao
QG do II Exército, comandado pelo general Ednardo D´Ávila Mello (1911-1984).
Ednardo D´Ávila foi exonerado do cargo no dia 19 de janeiro de 1976, três dias após a
22
captura, tortura e assassinato do operário Manoel Fiel Filho, funcionário da fábrica
Metal Arte Indústrias Reunidas, localizada na Mooca, bairro da zona leste paulistana.
As greves na região do ABC, comandadas pelo torneiro mecânico Luiz Inácio da Silva,
o Lula, na ocasião dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos e futuro presidente da
República [2003-2010] 14
, contribuíam para pressionar as autoridades, mas ainda assim
as Forças Armadas e seus apoiadores civis continuavam a dar as cartas. E essa
efervescência obviamente afetava o cotidiano nas universidades.
Essa polarização política se refletia também no âmbito das Ciências Sociais,
mormente na Sociologia, e se deu por muitos anos entre o pensamento de Gilberto de
Mello Freyre (1900-1987), com suas ideias tropicológicas e a declarada adesão aos
golpistas de 1964 e a sociologia crítica liderada por Florestan Fernandes, opositor do
regime, aposentado compulsoriamente de seu posto de professor catedrático na USP por
meio de um decreto datado de 25 de abril de 1969, publicado no Diário Oficial da União
três dias depois15
. Essa competição pelo “trono das ideias” teve um saldo problemático,
segundo o jurista e historiador Joaquim Falcão, colaborador de Gilberto Freyre na
Fundação Joaquim Nabuco (FJN), em Pernambuco: “O resultado da radical politização
é óbvio. Um é cego do outro. A luta não tem fim. Mutuamente se acusam de produtores
e reprodutores de ideologias” (2001: 160). Para Falcão, aquela dicotomia ideologizada,
a despeito de ter sido intelectualmente criativa e reveladora de dilemas nacionais,
ergueu muros e fronteiras, suspendeu diálogos, e só nos últimos anos parece ser mais
bem resolvida pelos pesquisadores, pois estes já possuem “certo distanciamento para
poder se ver melhor” (2001:164). As divergências entre Florestan Fernandes e Gilberto
Freyre não impediram manifestações de respeito mútuo, intercaladas por alfinetadas.
14
Sobre os movimentos grevistas e sindicais ver, entre outros, Karepovs & Leal (2008).
15 Cf. ASSOCIAÇÃO DE DOCENTES DA USP. O Controle ideológico na USP (1964-1978).
São Paulo: ADUSP, 2004, p. 46-47.
23
A atitude de Florestan perante seus antagonistas, projetada na própria linha
editorial da coleção GCS, é radicalizada por um de seus seguidores, o historiador Carlos
Guilherme Mota – organizador do volume dedicado a Lucien Febvre (1878-1956) –,
expressa em sua tese de livre-docência defendida em 1975 e lançada pela Ática em sua
coleção Ensaios em 1977 16
. A obra de Mota operava como um marcador de posição de
seu grupo. O “Senhor de Mello e Freyre” seria, nas palavras do historiador, propagador
de uma “ideologia da cultura brasileira”, sob a égide de um “estamento dominante,
embora em crise”. Casa grande & Senzala (1933) conteria, em sua “visão senhorial do
mundo”, uma “perspectiva modernizante, conjugada ao mandonismo do senhor de
engenho” (1994: 54-55). Aglutinados na Escola Paulista de Sociologia, denominação
rejeitada por Florestan17
, os intelectuais e professores “progressistas” insurgiram-se
contra as ideias gilbertianas, núcleo pensante de uma modernização conservadora18
.
Embora o conceito de ciência social de Florestan tenha em geral triunfado em seu
tempo, dentro ou fora da USP, não é despropositado lembrar que a luta dentro do campo
é contínua e que “a história do campo é a história da luta pelo monopólio da imposição
das categorias de percepção e apreciação legítimas” (Bourdieu, 2008: 88).
Em que pesem os elogios e as reavaliações a posteriori, tais como as de Araújo
(1994), Vianna (2001), Burke & Pallares-Burke (2009) e Cardoso (2013), o confronto
16
O livro foi reeditado em 2008 pela Ed. 34. No ano de 2000, durante conferência no Instituto
de Estudos Avançados da USP (“A universidade brasileira e o pensamento de Gilberto Freyre”),
Mota suavizou a contundência de suas críticas ao autor de Casa Grande & Senzala. Talvez o
clima tenha contribuído para a polidez, mas o historiador parecia empenhado em rever certas
posições, sem abrir mão de suas restrições à análise gilbertiana da “cultura brasileira”.
17
Entrevistado por José Albertino Rodrigues para a revista Ciência Hoje (1983), depoimento
reproduzido em livro de entrevistas concedidas por Florestan (2008), o autor de A revolução
burguesa no Brasil foi enfático: “Quando falo que não existiu uma escola paulista de sociologia,
na verdade não estou contra nada, apenas repudio uma ideia inadequada” (2008:150).
18 Credita-se o conceito de modernização conservadora ao cientista político americano
Barrington Moore Jr, autor de As origens sociais da ditadura e da democracia (1966).
Barrington Moore tinha o intuito de examinar o desenvolvimento do “capitalismo tardio” na
Alemanha e no Japão (Domingues, 2002; Pires & Ramos, 2009).
24
Freyre versus São Paulo se repetia na arena do mercado editorial voltado para o
segmento universitário. Mas havia espaço suficiente para as duas faces daquela moeda.
Enquanto os livros de Freyre rompiam com as barreiras da segmentação e extrapolavam
as fronteiras nacionais, os departamentos de Ciências Humanas e Sociais do sistema
universitário, especificamente nas principais instituições de ensino superior do Estado
de São Paulo (USP, PUC-SP, Unicamp, UNESP), optaram pela vertente do grupo de
Florestan. No artigo “A necessidade do pluralismo sociológico”, publicado na edição de
18/05/1982 do jornal Folha de S. Paulo, Freyre disparava contra o predomínio das
“supersociologias” ou “sociologias monolíticas”, em óbvia alusão aos adversários 19
.
De polêmica em polêmica, e a cada instituição ou curso superior privado
aprovado pelo Ministério da Educação (Martins, 1988), as editoras aproveitaram para
aumentar a sua lucratividade e prestígio, disputando entre si a fração de leitores das
obras rotuladas de Ciências Sociais, embora cursos desse tipo fossem combatidos pelos
arautos das graduações “aplicadas”, com foco no atendimento às ofertas do mercado de
trabalho. Mesmo diante desse cenário adverso, Renato Ortiz demonstra que a
institucionalização das Ciências Sociais esteve, sim, atrelada ao alargamento da “rede
universitária” do após-1968: “A institucionalização das Ciências Sociais se consolida
nos anos 70 e 80 com a expansão das universidades e a emergência de um sistema
nacional de pós-graduação” (2002: 26). A Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) foi fundada em 1977 e desde então mantém
encontros anuais ininterruptos. Além do mais, no dia 10 de dezembro de 1980, foi
sancionada pelo presidente João Figueiredo (1918-1999) a Lei 6.888, regulamentando a
19
Neste artigo, incluído no livro O imperador das ideias (2001), Gilberto Freyre comenta
entusiasmado sobre a 6ª edição de seu compêndio Sociologia – introdução ao estudo dos seus
princípios, que preparava para a Ed. Globo, obra com a qual acreditava ter “aberto nova
perspectiva brasileira a esse difícil estudo” (2001:260).
25
profissão de sociólogo. É precisamente esse contexto contraditório, portanto não
facilmente apreensível, que pretendo abordar nos próximos capítulos.
Metodologia adotada e estrutura dos capítulos
As citações dos livros de Robert Darnton e Roger Chartier, dois dos maiores
historiadores contemporâneos, realizadas no transcurso da dissertação, não representam
uma maneira polida de inserir outra área de conhecimento nestas páginas. A História
desempenha uma função primordial nesta pesquisa. Como, por exemplo, compreender a
iniciativa da GCS sem resgatar o momento histórico que a fez surgir? É correto ou não
associar o crescimento da Ática, e do sistema editorial no ramo da Educação, com os
efeitos da Reforma de 1968 – e das leis subsequentes – e do ulterior processo de
transição política moderada e conciliada? Como ignorar os embates políticos e o
acirramento ideológico presentes no meio universitário daqueles tempos?
Embora não esteja formalmente vinculado ao campo da História, o pesquisador
inglês Laurence Hallewell, doutor pela University of Sussex, produziu um material de
densidade indiscutível, não obstante pequenos equívocos que trarei à baila nas
passagens oportunas. A versão econômica (com o texto integral, mas sem as ilustrações)
de O livro no Brasil, sua história, possui 1.015 páginas de informações coletadas a
partir de fontes primárias e secundárias; acesso a materiais e documentos de difícil
localização; e um elaborado cotejamento de dados. Bibliotecário, Hallewell é um autor
incontornável para quem pretende estudar a história do livro e do mercado editorial
brasileiro, sejam quais forem o campo de conhecimento e o olhar do pesquisador.
Realizar uma sociologia da leitura ou do mercado editorial requer o auxílio de
todo o instrumental desenvolvido pela História e posto a serviço das mais diferentes
áreas disciplinares. As pesquisas de Borelli (1996), El Far (2006), Bôas (2007) e
Jackson (2004; 2007), entre tantas outras, recorreram ao acesso, coleta, organização e
26
mensuração de documentos históricos; visitas sistemáticas a bibliotecas; entrevistas
narrativas e outras técnicas relacionadas ao ofício do historiador. Em um ensaio sobre o
assunto, Octavio Ianni foi taxativo ao observar que “a análise sociológica sempre se
depara com o problema de historicidade do seu objeto” (2011: 185). Para Ianni, o
diálogo entre esses campos não seria apenas uma questão de método, mas um vigoroso
problema epistemológico: “as teorias sociológicas efetivamente apanham a história [em]
distintas formas: formulam muitas ou várias histórias” (2011:188).
É, pois, no mínimo uma atitude contraproducente isolar a tríade disciplinar das
Ciências Sociais e transformá-las em guardiãs de um saber abstrato, a-histórico e até
anti-histórico, ranço de uma leitura rudimentar, pedestre e equivocada do estruturalismo
lévi-straussiano. Os pesquisadores mencionados nesta monografia sabem-se cientistas
sociais, e a praticam com zelo, mas não renegam a força da interdisciplinaridade teórica
e metodológica. Esse caráter gregário é um dos primados do pensamento complexo
proposto pelo filósofo, educador e sociólogo francês Edgar Morin (2011), autor
admirado por uma esquerda não ortodoxa; e está na essência da teoria de Ralf
Dahrendorf (1929-2009), sociólogo liberal alemão, discípulo de Karl Popper (1902-
1994) e pouco conhecido no Brasil, para quem
certamente a sociologia é uma ciência do homem, mas
nem é a única de tal tipo, nem terá condições de atacar
o problema humano em sua extensão e profundidade. O
homem total não só foge das dimensões de uma única
disciplina, como provavelmente deverá permanecer
sempre uma figura esquemática ao fundo do esforço
científico (1991:39).
O historiador Peter Burke (2012) decidiu enfrentar o que supõe ser um “diálogo
de surdos” entre historiadores e sociólogos e escreveu um livro-manifesto no qual
pretende demonstrar a ambos os lados os benefícios de “se libertar de diferentes tipos de
paroquialismo.” (2012:17). Admirador confesso de Gilberto Freyre, a ponto de incluir
Casa-grande & Senzala na lista de clássicos da história cultural (2005:179), Burke
27
advoga a prática interdisciplinar, sublinha as similaridades entre história e antropologia
e aconselha os “empréstimos de disciplina”, pois
os historiadores, como os etnógrafos, oferecem
advertências sobre a complexidade e a variedade da
experiência humana e das instituições que a teoria
inevitavelmente simplifica (...) o que a teoria social
pode fazer, por outro lado, é sugerir novas perguntas
para os historiadores formularem acerca da “sua” época,
ou novas respostas a perguntas bem conhecidas
(2012:278)
Compreendo o sentido da proposta de Burke, no entanto, ao menos nos trabalhos
relativos à minha esfera de pesquisa e atuação, História e Teoria Social “ouvem” e se
“fazem ouvir” sem maiores ruídos comunicativos. Darnton e Chartier, dois ícones da
história da leitura e do livro20
, apropriaram-se muito bem de categorias sociológicas e
antropológicas. Chartier, inclusive, estabeleceu vínculo de colaboração com Bourdieu,
do qual resultou O sociólogo e o historiador (2011), livro baseado em entrevista do
sociólogo ao historiador concedida em 1988 e reproduzida em uma série de cinco
programas na Radio France Culture, frequência 93,5 MHz no dial parisiense.
No caso específico deste trabalho, creio não ter sucumbido aos vícios da revisão
histórica e bibliográfica maçante, à maneira das duas caricaturas apontadas por Alves-
Mazzotti & Gewandsznadjer (2000): as revisões summa e arqueológica. Afinal, é
desnecessário regressar a Johannes Gutenberg (1398-1468) para analisar o mercado
editorial da virada dos anos 1970 e 198021
. No entanto, sem um levantamento
consistente a respeito do mercado editorial brasileiro e da trajetória da GCS, em
cruzamento com o período da reforma universitária e da transição política, a dissertação
20
Darnton escreveu livros como Os best-sellers proibidos da França pré-revolucionária
(Companhia das Letras, 1998), A questão dos livros (Companhia das Letras, 2010) e desde 2007
dirige a biblioteca da Harvard University. Chartier publicou, entre outras, as obras Práticas de
leitura (Estação Liberdade, 2011); e Cultura e escrita: literatura e história (Artmed, 2000).
21 Em relação à história do livro no Brasil, além do tratado de Hallewell, há obras mais sucintas
e de leitura agradável, como O livro e a leitura no Brasil (2006), de Alessandra El Far.
28
não se sustentaria. Ou seja, somente a partir de uma compilação preliminar, obtida na
leitura e fichamento de biografias, artigos, indicadores sociais e arquivos de revistas e
jornais, é que poderei tentar juntar as peças, confrontar ideias, comparar fontes, elaborar
hipóteses, lançar mão de teorias e atribuir significados.
Desde o início da elaboração do projeto, as entrevistas com os agentes dessa
história transformaram-se em um ponto delicado. Os dois principais nomes do projeto
GCS, Anderson Fernandes Dias e Florestan Fernandes, respectivamente o diretor-
presidente da Ática e o coordenador da coleção, já faleceram, assim como o autor do
primeiro volume (José Albertino Rodrigues) e o escudeiro de Florestan na elaboração da
GCS (Octavio Ianni). Contando Ianni, Albertino Rodrigues e Florestan, 19 dos 53
organizadores dos volumes morreram. Outros estavam impossibilitados de responder ao
meu questionário por motivos de saúde ou compromissos profissionais.
Restaram, portanto, um número reduzido de organizadores dos volumes e
editores identificados com essa fase da Ática, como José de Granville Ponce e Fernando
Paixão22
. Granville Ponce – soube durante a pesquisa – está com a saúde fragilizada, ao
passo que Paixão, atualmente docente no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB/USP),
gentilmente concedeu-me entrevista em seu escritório, situado na zona oeste de São
Paulo, na tarde do dia 16 de maio de 2013. O depoimento de Paixão complementou as
fontes bibliográficas sobre a Ática, tais como o subcapítulo “A Ática e outras novas
editoras didáticas”, presente na obra de Hallewell; os escritos de Silvia Borelli a respeito
da editora, capítulo em que entrevista personagens como Jiro Takahashi e Ponce (1996);
e o caderno especial incluído em Momentos do livro no Brasil (2005), coordenado por
Fernando Paixão, com participação de Maria Celeste Mira.
22
Responsável pela preparação de originais e pelos contatos com autores e tradutores, a
coordenadora interna da coleção GCS, Maria Carolina de Araújo, não foi localizada.
29
Organizadores de volumes foram contatados, sobretudo após a generosa
sugestão da professora e pesquisadora Alessandra El Far durante o exame de
qualificação. Como amostra, procurei entrevistar cinco participantes (Heloísa
Fernandes, filha de Florestan, Edgard de Assis Carvalho, Roberto DaMatta, Edson
Passetti e Gabriel Cohn), para acrescer suas experiências ao depoimento de Renato
Ortiz (volume sobre Bourdieu) concedido ao CPDOC/FGV 23
. O antropólogo e
professor da PUC-SP Edgard de Assis Carvalho, articulador do número sobre o
antropólogo francês Maurice Godelier, concedeu-me respostas esclarecedoras por e-
mail, em arquivo word.doc enviado para minha caixa-postal eletrônica na tarde do dia
cinco de novembro de 2013. Roberto DaMatta, igualmente gentil e por mensagem
eletrônica, respondeu meu breve questionário seis dias após Assis de Carvalho. Edson
Passetti enviou seus comentários no início de 2014. Gabriel Cohn e Heloísa Fernandes
não me deram retorno. Evidentemente, como adverte Bernardo Sorj, “entrevistas com
cientistas sociais constituem um desafio particular” e não pelas razões acima expostas.
Eles – escreve Sorj – “nos oferecem permanentemente sua própria interpretação
sociológica dos acontecimentos” (2001:8). Os depoimentos a mim concedidos
resvalaram na nostalgia, na memória afetiva, mas tinham, sim, caráter interpretativo.
Outro problema encontrado no percurso da pesquisa foi a quase ausência de
dados concretos sobre o período. IBGE, Inep e Anpocs nos fornecem um material não
desprezível, porém, insuficiente. É notável como as estatísticas dos anos 1990 para cá
são mais elaboradas, organizadas, especificadas. Mesmo nos documentos oficiais da
Anpocs não é possível determinar quais foram os participantes do I Encontro Anual.
Mas, ainda assim, acredito que os números obtidos, combinados aos depoimentos,
abrem perspectivas para a compreensão do que foi, e como se procedeu, esse processo.
23
O depoimento de Renato Ortiz, transcrito de uma entrevista em vídeo aos pesquisadores do
CPDOC/FGV, está parcialmente reproduzido no capítulo 2.
30
Um dos objetivos deste trabalho é deixar para os futuros pesquisadores uma
fonte de pesquisa satisfatória sobre uma coleção de livros lançada em um momento
político agitado. Primordial para a formação de novos quadros de docência e pesquisa, a
GCS é raríssimas vezes mencionada, como objeto de análise, em artigos, livros,
dissertações e teses, mas os volumes da coleção são inúmeras vezes citados nas
referências bibliográficas de obras dessa natureza. Reiteradas consultas às bibliotecas
(físicas e digitais) de universidades públicas e privadas, à Plataforma Lattes (CNPq), à
rede Scielo.org e ao Google Acadêmico surpreendentemente não retornaram resultados
a respeito de pesquisas sobre a coleção GCS, razão pela qual optei por realizar uma
revisão minuciosa em torno de datas, eventos, conexões, trajetórias, apesar de ter
encontrado diversos problemas para a obtenção de dados confiáveis sobre, por exemplo,
a tiragem e a vendagem de cada volume – Edson Passetti esclarece um pouco este
aspecto ao informar que a tiragem inicial do volume sobre Proudhon saiu com dois mil
exemplares. A troca de controle acionário da Ática, assunto a ser discutido no capítulo
3, contribuiu para a dispersão dos dados e das estatísticas oficiais.
A estrutura deste presente trabalho está organizada em três capítulos, além desta
introdução, das considerações finais, referências, anexos e caderno de imagens.
Intitulado “Ciências Sociais, Educação e Mercado Editorial nos anos 1970 e 1980”, o
primeiro capítulo procura realizar um exercício de resgate dos fatores políticos, culturais
e educacionais que propiciaram o nascimento e desenvolvimento da GCS. A Reforma
Universitária de 1968, com sua nova maneira de organizar os cursos superiores será
analisada em comparação à dinamização do mercado editorial, centrado nas vendas de
didáticos e paradidáticos e na proliferação de séries, coleções e selos editoriais para o
nível universitário. Neste diapasão, as publicações acadêmicas e de divulgação
científica teriam ou não se transformado em arma de denúncia e politização, ainda que
31
de potencial restrito quando comparadas aos meios de comunicação de massa
controlados pela repressão? Como funcionava o sistema de censura às editoras?
Na sequência, “A história da coleção Grandes Cientistas Sociais (1978-1990)”
narra os antecedentes, o surgimento, a trajetória, a seleção de organizadores, autores e
tudo aquilo que envolve a coleção. Para completar, o terceiro capítulo, “Está tudo na
ementa: a importância da GCS na atualidade” examina a herança da GCS e procura
verificar se existem no mercado coleções que podem ser consideradas sucessoras da
iniciativa de Florestan Fernandes e da direção executiva e editorial da Ática.
32
[Capítulo 1]
Ciências Sociais, Educação e Mercado Editorial nos anos 1970 e 1980
Domingo, cinco de novembro de 1978. A edição de número 18.113, ano 57, do jornal
Folha de S. Paulo reportava o clima pesado às vésperas das eleições legislativas em um
país ainda sob o chicote da ditadura civil-militar. A manchete da edição dominical
(“Figueiredo condena apelo do PC”) repercutia o repúdio do general Figueiredo, ex-
chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), escolhido por Geisel para “concorrer”
nas eleições indiretas para a sua sucessão, às declarações de Luiz Carlos Prestes (1898-
1990), principal integrante do banido PCB. Exilado na União Soviética, o veterano líder
comunista pedia o apoio dos eleitores aos candidatos do MDB ao Congresso Nacional e
às assembleias legislativas estaduais. Temerosos de uma eventual repercussão negativa
desse apelo em meio à Guerra Fria, próceres do MDB minimizaram a fala de Prestes.
No editorial “Sufrágio e Ordem”, o diário pertencente, diga-se, a um grupo de
mídia acusado de colaborar regularmente com o regime autoritário (Kushnir, 2004),
repelia as articulações palacianas para evitar a derrota dos arenistas nas urnas24
: “Há
sinais de evidência de que os processos eleitorais do situacionismo pretendem reduzir o
sentido livre e democrático do pleito”, acusou o jornal em sua editoria “Opinião” (1978:
2). Em termos de eleições para cargos executivos, a população seguia alijada do direito
a votar em seus representantes. Tutelada em nível municipal, estadual e federal por
governos impostos, ditos biônicos, o povo brasileiro seguia, na expressão do jornal, em
24
Vacinado pelo resultado das eleições de 1974, quando o MDB faturou 16 das 22 cadeiras do
Senado, e para evitar a perda da maioria no Congresso Nacional, o governo Geisel lançou, em
13 de abril de 1977, um conjunto de decretos para manter o controle do poder legislativo,
independentemente do resultado nas urnas em 1978: entre outras medidas, o Pacote de Abril
instituiu a figura do senador biônico, eleito indiretamente pelas respectivas assembleias
estaduais, e cujo nome era levado para a chancela do presidente. Mesmo diante desse quadro
regressista, o MDB obteve vitórias estratégicas em estados como São Paulo, Minas Gerais, Rio
de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Goiás e Paraíba, embora a Arena tenha conservado a sua
supremacia numérica no Congresso – insuficiente, todavia, para obter no Senado dois terços de
vantagem sobre a oposição (42 cadeiras arenistas contra 25 dos mdebistas).
33
“estado de menoridade”. Quatro editoriais auxiliares traziam a expectativa do sufrágio
em Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte.
Quanto ao noticiário internacional, a Folha destacava a promessa do líder
oposicionista iraniano, Ruhollah Khomeini (1902-1989), de promover uma guerra civil
em Teerã, enquanto na cidade de Moscou representantes da URSS e do Vietnã
divulgavam os termos do Tratado de Amizade e Cooperação. Situação bem diversa das
rusgas entre Argentina e Chile, países controlados por governos ditatoriais que
reivindicavam a soberania sobre o Canal de Beagle, estreito pelo qual navegou a bordo
do HMS Beagle Charles Darwin (1809-1882). A matéria informava a recusa dos
argentinos à proposta chilena de submeter o caso à Corte Internacional de Haia.
Naquele domingo de notícias acaloradas, a editoria “Livros” trazia uma pequena
matéria (cf. “Movimento editorial”) em que eram mencionados lançamentos a
contrapelo do ideário anticomunista e antidemocrático. Os quatro primeiros parágrafos
do texto divulgavam a noite de autógrafos de Medicina e política (Cebes/Hucitec), do
médico psiquiatra e professor italiano Giovanni Berlinguer, militante do Partido
Comunista Italiano (PCI). O evento seria realizado no dia seguinte, às 20 horas, no
Teatro Ruth Escobar; logo depois, é citado o livro Lições sobre o fascismo, escrito pelo
dirigente comunista Palmiro Togliatti (1893-1964). Na sequência, em um único
parágrafo, o redator anunciava o nascimento de “uma inciativa editorial de peso”:
Iniciativa editorial de peso é a coleção Grandes
Cientistas Sociais, coordenada pelo professor Florestan
Fernandes e editada pela Ática, que se destina a colocar
ao alcance do grande público, textos dos mais
importantes cientistas sociais do século 20. Cada autor
foi entregue a um especialista de categoria, responsável
pela seleção dos textos e por uma apresentação inicial.
Até agora, foram publicados Radcliffe-Brown, por Julio
Cesar Melatti; Wolfgang Köller, por Arno Engelmann;
Lenin, por Florestan Fernandes; Durkheim, por José
Albertino Rodrigues; Comte, por Evaristo de Morais
34
Filho; Keynes, por Tamás Szmrecsanyi; e Lucien
Febvre, por Carlos Guilherme Mota (1978:59). 25
A exposição resumida das notícias narradas pelo jornal do Grupo Folha revela
de modo exemplar o contexto sócio-histórico e político na ocasião do lançamento da
coleção GCS. As manchetes da Folha sobre as eleições legislativas, o teor do editorial,
e a sequência de livros anunciados naquela edição exibiam as frestas paulatinamente
concedidas pelo sistema de vigilância governamental a determinados veículos de mídia
impressa. No entanto, a concretização da Abertura Política seguia nos passos vagarosos
propostos por Geisel. Revogado em 13 de dezembro daquele ano, o AI-5 permaneceria
em vigência até o dia 1o de janeiro de 1979. Além disso, a instauração da Lei Falcão, em
1976, e o Pacote de Abril de 1977 foram dois golpes traiçoeiros contra a expectativa de
distensão gradual. O Departamento de Censura continuava ativo e a vertente “linha-
dura” dos militares, alimentada pelos discursos do general Sylvio Frota (1910-1996),
ministro do Exército exonerado por Geisel em 1977, ameaçava endurecer o regime.
Projeto de “fôlego”, realizado a partir da união entre o maior sociólogo brasileiro
e uma poderosa editora do ramo de livros educacionais, a GCS respondia aos impulsos e
demandas de sua época. A proposta dos volumes assumia uma atitude politizada,
expressa desde o layout das capas, assinado pelo premiado artista Elifas Andreato, com
imagens alusivas a movimentações populares, até a escolha de alguns dos autores
contemplados com um volume. A materialidade do livro, como adverte Chartier (2003),
produz sentidos e representações – por isso, o design de Andreato, e a produção gráfica
de Virgínia Fujiwara e Eliazar Sales convergiram para dar uma aparência capaz de
equilibrar um perfil acadêmico, político e popular para os volumes da coleção. A forma
25 A íntegra desta edição da Folha de S. Paulo está disponível no site especial Acervo Folha:
<http://acervo.folha.com.br/fsp/1978/11/05/2> Acesso em: 04 abr. 2013.
35
como os livros da GCS foram desenvolvidos materialmente (capa, gramatura do papel,
tipografia, organização) reforçava um sentido de unidade e rápida identificação.
A coleção da editora Ática, por sinal, vinha ao encontro de uma juventude
universitária ávida por transformações e autores associados ao pensamento crítico ao
sistema vigente. No final da década de 1970, o movimento estudantil voltava a se
reagrupar e a promover manifestações, como o III Encontro Nacional de Estudantes (III
ENE), em fins de setembro de 1977, sediado na PUC-SP. O Ato Público em
comemoração à realização, após inúmeras tentativas, do encontro, foi reprimido
duramente pela polícia comandada pelo coronel linha-dura Antonio Erasmo Dias (1924-
2010), secretário de Segurança Pública de São Paulo (Cancian, 2010).
Ainda que o desejo da Ática, insinuado na brevíssima matéria, fosse de alcançar
o “grande público”, a GCS posicionava-se na prática como um instrumento pedagógico
consideravelmente útil para professores de cursos superiores em fase de franco
crescimento. Autoritária em sua gênese, modernizante em sua promessa e privatista em
sua consequência, a Reforma de 1968 produziu “efeitos paradoxais”, nos dizeres de
Benedito Martins (2009:16-17). Ao eliminar, de forma abrupta, os supostos
“superpoderes” dos catedráticos, a reforma universitária propiciou condições para o
desenvolvimento da carreira de docentes e pesquisadores, pois ratificava a integração
entre ensino, pesquisa e extensão26
, mas trouxe na esteira instituições preocupadas
unicamente em auferir lucros com suas graduações de qualidade duvidosa (Martins,
1988; Chaui, 2001; Tragtenberg, 2004; Cunha, 2007).
Segundo Maurício Tragtenberg (1929-1998), “o Estado pós-64 reabsorve as
pressões de professores e estudantes para a reestruturação do ensino superior,
26
Pimenta & Anastasiou (2010:141) esclarecem os tipos de instituição de ensino superior
existentes: universidade, centro universitário, faculdades integradas, institutos e escolas
superiores. Nem todas tem a obrigação de prover a tríade ensino, pesquisa e extensão, mas é
altamente aconselhável que procedam internamente como nas universidades.
36
especialmente das camadas médias urbanas, deflagrando o processo de expansão pela
privatização” (2004: 116). Na visão de Tragtenberg, a formalização da nova lei relativa
ao ensino superior “institucionalizava” uma estratégia gradualmente adotada pelos
militares, com o aval das elites econômicas, desde os primeiros dias do golpe. Nessa
mesma linha, o educador Paulo Roberto Carvalho de Sousa afirma que o objetivo da
Reforma Universitária de 1968 “era relacionar educação e mercado de trabalho” de tal
maneira que o “sistema educacional deveria preparar a força de trabalho para o sistema
produtivo, de acordo com a Teoria do Capital Humano.” (2008: 120) 27
.
É seguro afirmar que a maioria das vagas abertas no ensino superior após 1968
correspondiam às graduações com maior inclinação para o mercado de trabalho dentro
do modelo capitalista: administração, economia, direito, ciências contábeis, cursos
tecnológicos. Como, então, relacionar uma coleção de Ciências Sociais, repleta de
autores e organizadores vinculados à esquerda (a começar pelo coordenador, socialista
aposentado por decreto), com esse período de expansão incentivado pela ditadura?
A resposta está na grade curricular desses cursos de apelo mercadológico e na
amplitude temática da GCS. Administradores leem Weber e Marx; a formação de
economista exige a leitura, além dos teóricos citados, dos escritos de Keynes, Malthus,
Kalecki e Furtado, contemplados com um volume. Frankfurtianos como Habermas e
Adorno são estudados em cursos variados (jornalismo, direito, pedagogia, publicidade,
psicologia, um pouco em economia) e assim por diante. O ensaio de apresentação,
assinado pelo organizador de cada coletânea, contribuía para elucidar dúvidas dos
alunos e, principalmente, servia como roteiro para a aula a ser preparada pelos
27
Em uma entrevista reproduzida em Microfísica do poder, o filósofo francês Michel Foucault
(1926-1984) tem uma percepção cética sobre aqueles que bradam contra a mercantilização do
ensino. “Não é possível que o poder se exerça sem saber, não é possível que o saber não
engendre poder. ´Libertemos a pesquisa científica das exigências do capitalismo monopolista´ é
talvez um excelente slogan, mas não será jamais nada além de um slogan” (1986: 142).
37
professores. A introdução de Gabriel Cohn ao volume de Adorno, por exemplo, é até
hoje tida como uma primorosa interpretação sobre a Teoria Crítica. Dessa forma,
incentivada pela distensão negociada, e pelo interesse na divulgação científica, a Editora
Ática conseguiu fazer circular sua coleção dentro e fora dos muros da academia.
O desconforto do governo autoritário com as Ciências Sociais não foi seguido de
uma exclusão sumária do curso das universidades e demais instituições superiores.
Houve perseguições, cassações, vigilância dentro e fora das salas, mas as graduações
existentes foram mantidas, inclusive com o desenvolvimento de um sistema de pós-
graduação, como já mencionado neste texto a partir das palavras de Renato Ortiz. Desde
que “não transpusesse os muros da universidade”, escreve Sá Motta, “maiores as
chances de ser tolerado e de não atrair medidas repressivas” (2014: 59). Uma das
características da modernização conservadora à brasileira era sua capacidade de
negociar, acomodar, dosar repressão violenta com concessões. A estratégia foi aplicada
à tradicional Escola de Sociologia e Política de São Paulo, criada em 1933 como Escola
Livre de Sociologia e Política de São Paulo (ELSP). Perseguições a professores e alunos
foram sistemáticas desde 1964, com agentes infiltrados, ameaças constantes e eventuais
portões fechados. No entanto, a graduação em Sociologia e Política não foi suprimida
pelo MEC. A asfixia financeira à fundação mantenedora, uma forma menos explícita de
perseguição, levou a instituição a entrar em crise nos anos 1970, de tal maneira que a
Fespsp teve seu programa strictu sensu descredenciado na década de 1980.
Em 2013, foi instalado na Fespsp a sua própria Comissão da Verdade para
apurar, entre outros assuntos pendentes, a presença de integrantes do Comando de Caça
aos Comunistas (CCC) no corpo diretivo da instituição e as razões para o ingresso como
aluno da escola do capitão do exército americano, Charles Rodney Chandler, suposto
instrutor de tortura do Dops. Chandler foi assassinado em 1968 por integrantes das
38
futuras Ação Libertadora Nacional (ALN) e Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).
O episódio da morte do oficial dos EUA é relatado no livro Combate nas trevas, de
Jacob Gorender, publicado pela Ática em 1987.
O tratamento da ditadura às Ciências Sociais seguiu, portanto, a mesma lógica
política instaurada pelos militares com o suporte das elites civis conservadoras. Voltarei
a este ponto em outra passagem. Na fachada, concessões para manter a situação nas
rédeas e um véu de legalidade, ainda que por meio de atos institucionais impostos; nos
subterrâneos, vigilância e repressão. Em tempo: os programas de pós-graduação em
Ciências Sociais seguiram os ditames da Reforma de 1968, significando que existiu, de
fato, um aumento gradativo na oferta de mestrados e doutorado. O site da Anpocs, no
qual estão disponibilizados documentos históricos, não fornece estatísticas precisas
sobre esse crescimento, mas a própria data de fundação da organização (1977) aponta
para essa tendência. Os dados entre 1977 e 1983 estão agrupados e apontam para a
presença, no total, de 293 participantes dos encontros, mas não especifica quais
programas foram representados nem os dados anuais. Somente a partir de 1984
consegue-se obter informações detalhadas de ano a ano. Sequer o “Livro dos Nomes da
Anpocs” foi capaz de trazer esclarecimentos sobre os primórdios da associação.
Com enfoque no ensino superior, abordarei a seguir a educação durante o regime
civil-militar, marcada pelo polêmico acordo MEC-USAID. Compreender essa história,
a reação dos educadores frente à imposição do governo, e suas consequências em curto,
médio e longo prazo, nos permite entender o período de desenvolvimento da GCS.
1.1 Educação e autoritarismo: as “consequências paradoxais” da Reforma de 1968
“Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e
gravidade o da educação”. Assim começa o Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova, lançado em 1932, e subscrito por educadores da estirpe de Fernando de Azevedo
39
(1894-1974) e Anísio Teixeira (1900-1971). A presença entre os signatários do
manifesto do empresário de imprensa Júlio de Mesquita Filho (1892-1969), herdeiro do
jornal O Estado de S. Paulo, esclarece o objetivo daquele grupo de defensores da Escola
Nova. Diretor de um jornal liberal-conservador, Mesquita Filho jamais concederia seu
aval caso o manifesto dos educadores fosse um texto de viés francamente socialista, mas
ele estava convencido de que a displicência dos governos republicanos com relação à
Educação, em todos os seus níveis, constituía um obstáculo ao desenvolvimento social e
econômico do Brasil. A Constituição de 1891, ainda vigente em 1932, praticamente
ignorava o tema. Apenas na Seção II (Declaração de Direitos), art.72, § 6, a carta possui
assertividade: “Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos” – e ainda
assim a prerrogativa muitas vezes foi descumprida no cotidiano das salas de aula, com a
anuência de professores e diretores escolares. A rigor, a palavra “Educação” sequer
aparece na Carta de 1891. Assim, a escola pública, um pilar do ideário republicano,
manteve-se como privilégio das elites. Iniciativas progressistas, como a Escola Normal
Secundária de São Carlos, eram exceções (Arce & Nery, 2011).
A luta por uma escola pública de qualidade e modernizadora, difundida para o
conjunto da população, atravessou as primeiras décadas do século XX e teve os mesmos
protagonistas: Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo, expoentes da Escola Nova e não
por acaso criadores da Biblioteca Pedagógica Brasileira, da Companhia Editora
Nacional, coleção de livros sobre a qual tratarei adiante. O debate entre correntes
progressistas e conservadoras permanecia tenso, à espera de uma legislação clara e
objetiva. Escola laica versus Igreja Católica, “educadores profissionais” versus
“pensadores autoritários” (Miceli, 2001:219). Na década de 1920, por exemplo, o
Estado brasileiro, constitucionalmente laico, estava nas mãos das instituições de ensino
confessionais, sobretudo aquelas de orientação católica. Segundo Miceli,
40
nas condições em que se encontrava o sistema
de ensino na década de 1920, o Estado não
poderia estender sua tutela à esfera educacional
sem negociar as reformas previstas com a Igreja
Católica, que era o principal investidor e
concorrente nessa área (2001:222).
O panorama não se alterou significativamente nas décadas seguintes, de modo
que a Educação não era exatamente um problema recente por ocasião do conjunto de
regras estabelecidas ao longo das décadas de 1960 e 1970, a saber, a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB), identificada pelo número 4.024 e datada de 20 de
dezembro de 1961, sancionada pelo presidente João “Jango” Goulart (1919-1976); a já
mencionada Reforma Universitária de 1968; e a versão de 11 de agosto de 1971 da LDB
(n. 5.692), ordenada pelo Governo Médici no pináculo da repressão política.
No referente ao foco desta pesquisa, isto é, o ensino superior, um primeiro e
menor processo de expansão, observado por Miceli (2001) e Fávero (2006), delineou-se
a partir das reformas empreendidas durante o governo Vargas, implantadas pelo seu
ministro da Educação, o jurista Francisco Campos (1891-1968), artífice de um
pensamento nacionalista autoritário (Fausto, 2001). Se as normas para a abertura de
cursos superiores, especialmente na área de Ciências Jurídicas, eram um tanto confusas
no transcurso da denominada República Velha, os decretos voltados para o ensino
superior, quais sejam, o Estatuto das Universidades Brasileiras (Lei 19.851/31) e o
Conselho Nacional de Educação (Lei 19.850/31), assinados por Vargas e Campos,
enfim pareciam anunciar o esboço de um “projeto universitário” pelo governo federal
(Fávero, 2006:23). Miceli demonstra que o aumento na oferta de cursos fazia com que o
diploma superior perdesse na década de 1930 seu “símbolo de apreço social” para os
filhos de proprietários de terra, transformando-se em um instrumento utilizado para
obter “vantagens de caráter profissional” para as famílias emergentes (2001:119).
41
Em um país com alto índice de analfabetismo, cuja população negra permanecia
apartada de facto de seus direitos elementares, inclusive de professar suas crenças
religiosas e realizar suas práticas culturais, conforme previa o Código Penal de 1890 28
,
falar em uma “popularização” do ensino superior após os decretos acima mencionados é
um erro crasso de interpretação. A expansão realmente existente beneficiou, e de
maneira parcial, membros das camadas médias, e permaneceu como fator de distinção,
não somente de uma elite latifundiária – herdeiros do baronato do café –, mas de uma
geração de especialistas para um nascente mercado de trabalho no âmbito industrial. O
Manifesto dos Pioneiros é taxativo na sua crítica à precariedade da escola brasileira em
sua base e não recebe com otimismo as estratégias do Governo Vargas para a Educação.
Em resumo, as instituições de ensino no Brasil, sejam elas públicas ou religiosas,
ignoravam o axioma do filósofo e sociólogo Theodor W. Adorno (1903-1969), segundo
o qual “a exigência da emancipação parece ser evidente numa democracia”. (2011:169),
premissa de um ideal iluminista que, a propósito, seu livro A Dialética do
esclarecimento, escrito em parceria com Max Horkheimer (1895-1973), colaborou para
apontar as incoerências. Ora, tanto os decretos dos anos 1930, o que inclui a menção à
necessidade de uma LDB na Constituição Federal de 1934 (criação, porém, protelada
por quase três décadas), quanto à Reforma Universitária de 1968 e a versão de 1971 da
LDB ocorreram em governos de exceção, autoritários, com nenhum apreço por
democracia e emancipação em suas acepções utópico-modernas. Além disso, como
pensar o ensino superior se na Educação de base a situação era insatisfatória?
28
No capítulo XIII do Código de 1890 prevê-se um conjunto de punições a “Vadios e
Capoeiras” [grifo meu]. O jogo da capoeira era considerado como prática criminosa, vadiagem.
No art. 402, era proibido: “fazer nas ruas e praças publicas exercícios de agilidade e destreza
corporal, conhecidos pela denominação capoeiragem”, uma prova documental da permanência,
no bojo da República, de preconceitos étnico-culturais contra a população negra.
42
O sociólogo Howard S. Becker e o antropólogo Clifford Geertz, ambos nascidos
nos anos 1920 explicaram, em entrevistas e textos autobiográficos, de que forma
ocorrera o alargamento do ensino universitário dos Estados Unidos, fundado no
aumento da oferta de vagas (via incentivos governamentais) e na ambição, nem sempre
triunfante, de explorar a interdisciplinaridade. Foi um processo de natureza diferente da
ocorrida no Brasil e não apenas por conta das características locais. Os depoimentos de
Becker e Geertz, marcados ora pela memória afetiva, ora pela crítica severa, servem
aqui como uma comparação que apenas reforça o caráter autoritário e conservador das
mudanças empreendidas pelo governo brasileiro, sobretudo após a Reforma de 1968.
Nos EUA, ao final da Segunda Guerra Mundial, ex-combatentes e jovens oficiais das
Forças Armadas foram beneficiados por uma lei cujo intuito era reintegrá-los, via
universidade, ao cotidiano de trabalho dentro da sociedade norte-americana. Oferecia-se
a eles, a partir da concessão do diploma superior, uma porta para recomeçar. “Quando
dei baixa da marinha americana em 1946, salvo por pouco – pela Bomba – de ser
obrigado a invadir o Japão”, relembra Geertz, “mal começara o boom do ensino
universitário dos EUA” (2001:15). Ainda de acordo com o antropólogo
a enxurrada de veteranos de guerra, quase dois
milhões e meio de combatentes decididos que
invadiram os campi universitários na segunda
metade da década de 1940, mudou por
completo, repentina e definitivamente, a face do
ensino superior no país. Estávamos mais velhos,
tínhamos passado por uma experiência que a
maioria dos colegas e professores desconhecia
(...) e não estávamos absolutamente
interessados nos rituais e máscaras acadêmicas.
(Idem: 16).
Howard S. Becker oferece um depoimento similar ao de Geertz:
Em 1946, logo após o término da guerra, havia
uma grande expansão nas universidades
americanas. Os jovens que haviam servido o
Exército durante a guerra tiveram o direito de ir
para a universidade, recebendo ajuda financeira
para pagar as anuidades e se manter. Muitos se
43
aproveitaram desse benefício, sem o qual
jamais poderiam fazer um curso universitário.
(2004: 85).
Clifford Geertz e Howard S. Becker convergem no sentido de demonstrarem que
parcela expressiva dos “jovens/ veteranos” da Segunda Guerra decidiu-se pelas Ciências
Sociais – o Departamento de Sociologia da University of Chicago recebeu cerca de 200
calouros, segundo Becker (Idem: 85). Ou seja, tanto a expansão universitária norte-
americana dos anos 1940 quanto a brasileira a partir dos anos 1930 e, mais
acentuadamente, no final dos anos 1960, com efeitos nas décadas subsequentes,
partiram de leis e incentivos governamentais, mas com características e resultados
bastante distintos. A orientação brasileira determinou uma elevação de faculdades e
centros universitários ligados aos interesses de mercado, mas nos EUA, pátria do
espírito self made man, esse tipo de preocupação não se colocava; embora no rescaldo
da crise de 1929 e após a Segunda Guerra Mundial, havia um sistema de ensino superior
razoavelmente consolidado, graduações de diversas naturezas, com variadas
expectativas de projeção de carreira e rentabilidade, e o sentido da expansão era mesmo
o de reintegrar os soldados à vida no país.
Nas recordações de Becker, houve em um primeiro momento desconforto e
confusões para docentes antes acostumados a classes reduzidas, mas Geertz observou
que a medida transformou “a composição de classes, étnica, religiosa, e mesmo racial
até certo ponto, do corpo discente americano” (2001: 16) 29
. No caso brasileiro, é
indiscutível que o sistema universitário abriu suas portas para os estratos sociais médios,
porém, a má distribuição de renda, a concentração dos cursos no eixo Sul-Sudeste, as
elevadíssimas taxas de analfabetismo e mortalidade infantil, e as caraterísticas das
29
Clifford Geertz esbanja sarcasmo ao ironizar a pretensão dos empresários americanos que
apoiaram a lei dos ex-combatentes, pois evidentemente eles não tinham o intuito de gerar um
novo perfil de corpo docente no futuro, com atitudes mais progressistas e simpáticas à
elaboração de pesquisas de caráter interdisciplinar. (2001:16).
44
instituições de ensino apoiadas política e financeiramente pela ditadura são fatores que
singularizam as mudanças em nosso ensino superior. Portanto, o único elo visível entre
o boom universitário nos EUA e no Brasil é a existência de um conjunto de leis
formulado para responder a uma situação sócio-política específica. Contudo, na
medida em que os três poderes do Estado são as entidades formuladoras e guardiãs das
leis, sequer esse ponto comum pode ser tratado como uma aproximação singular.
Mesmo assim, a comparação entre as situações internas de Brasil e EUA faz
sentido e merece comentários. Às vésperas do AI-5, a Reforma Universitária de 1968
(Lei 5.540, de 28 de novembro de 1968) foi formalizada pelo Congresso Nacional no
bojo do acordo do Ministério da Educação (MEC) da ditadura civil-militar com a
United States Agency for International Development (Agência dos Estados Unidos para
o Desenvolvimento Internacional), órgão fundado em 1961 por iniciativa da Casa
Branca, sob a presidência do democrata John F. Kennedy (1917-1963), na época de
maior tensão da Guerra Fria – a Crise dos Mísseis de Cuba ocorreria em 1962. O
Acordo MEC-USAID, um dos principais focos de descontentamento da oposição,
conciliava os interesses dos governos brasileiro e norte-americano de afastar a “ameaça
vermelha” do comunismo e incorporar os valores de consumo e mercado entre os
brasileiros. Se a expansão do ensino superior nos dois países seguiram rumos
aparentemente diferentes, a política externa dos EUA era rigorosa ao introduzir e
uniformizar nos países da Operação Condor (Dinges, 2005) seu conjunto de ideias a
partir de produtos culturais de massa (televisão, cinema, rádio) e da Educação.
Ratificado em 1966, o acordo MEC-USAID visava, sobretudo, abarcar o que
atualmente denominamos ensinos fundamental e médio, com a assessoria direta de
técnicos e pedagogos americanos, mas naquele momento intelectuais e educadores de
viés progressista, que bradavam por melhorias na Educação pública de base, também
45
pretendiam reformular o sistema universitário. A ditadura incorporou à sua maneira
parte das demandas dos opositores (Tragtenberg, 2004), para em seguida desfechar seu
ataque ao corpo docente das universidades brasileiras, em uma “caça às bruxas” à moda
macarthista na tentativa de eliminar os focos de resistência à Reforma. A modernização
conservadora do ensino superior provocou, em médio e longo prazo – entre os anos
1970 e 1980 –, a elevação no número de faculdades, cursos e alunos matriculados e
desenvolveu um mercado editorial para a área, no qual se inserem as iniciativas da
editora Ática. É por isso que recorro à ideia de “efeitos paradoxais”, proposta pelo
sociólogo e educador Carlos Benedito Martins.
Em um subcapítulo dedicado aos livros para o ensino superior (Cf. §121 “Livros
de nível universitário”), Hallewell defende que a “expansão realmente significativa” do
ensino superior “teve início no governo de Juscelino Kubitschek, quando aumentou o
envolvimento direto do Governo Federal” (2012:416). A opinião de Hallewell ampara-
se no aumento das instituições federalizadas, mas as medidas durante o Governo JK não
dilataram significativamente a oferta de vagas no que diz respeito à proporção
população/alunos matriculados; tiveram pouco impacto no ramo privado; e não se
ancoravam em uma legislação específica para o setor, tal como ocorrera com a Reforma
Universitária de 1968. Ora, sequer havia uma LDB nos Anos JK. Portanto, a tese central
aqui colocada se mantém, embora seja imperioso ressaltar o caráter processual de toda
mudança cultural e socioeconômica, daí porque regressei à década de 1930 para
apresentar um primeiro ensaio de expansão no plano educacional30
.
30
Hallewell relata que no início da década de 1950, anos por ele denominados de “República
Populista”, período anterior ao desenvolvimentismo romantizado do Governo JK, as matrículas
de estudantes em universidades dobraram, saltando para 44.097 (2012:416). O pesquisador,
porém, se equivoca em dois aspectos: 1) não esclarece bem com qual época faz a comparação e
2) ignora estatísticas sobre a população brasileira, pois em sua argumentação ele não recorre,
tampouco cita dados censitários.
46
1.2 A expansão na oferta de cursos superiores e as Ciências Sociais nesse contexto
Em sua resenha reflexiva de Sobre a universidade: o poder do Estado e a dignidade
da profissão acadêmica, de Max Weber, um dos ensaios compilados na obra Sobre a
universidade, à época lançada pela editora Cortez (1989), o sociólogo Mauricio
Tragtenberg, com seu peculiar estilo a um só tempo erudito nas referências e sem
rodeios no tom, definia assim o sistema de ensino universitário brasileiro à época da
ditadura: “Se houve instituição que no período da ditadura militar sofreu arranhões
profundos na sua dignidade acadêmica foi a universidade brasileira” (2012: 139). Para
Tragtenberg, que no momento em que escrevera o texto, relançado pela Ed. da UNESP
em 2012, observava as consequências da Reforma de 1968 quase vinte anos depois, “o
resultado foi a proliferação de faculdades isoladas pelo país, sem tradição de pesquisa,
quando democratização de ensino converte-se em ensino pago”(Idem: 140).
Como se sabe, Tragtenberg foi, ao lado de Florestan Fernandes, um dos autores
dos dois contundentes prefácios31
que abrem o livro de Carlos Benedito Martins, Ensino
pago: um retrato sem retoques, dissertação de mestrado de Martins defendida na PUC-
SP, publicada pela Global Editora em 1981 e relançada pela Cortez em 1988 – esta a
edição que utilizo. Benedito Martins analisa sociologicamente a trajetória de uma
instituição de ensino superior considerada modelar das ambições do regime autoritário:
a Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), centro universitário fundado em São Paulo
em 11 de julho de 1968, poucos meses antes da formulação do conjunto de leis da
Reforma Universitária, e que é tomado pelo autor como símbolo da expansão, seguindo
a lógica da mercantilização do ensino superior e de seu nivelamento por baixo,
decorrente das medidas adotadas pela ditadura. Para tanto, Martins cunhou o termo
“empresa cultural”, como tantas outras que surgiram pelo país entre os anos 1970 e
31
O prefácio de Florestan chama-se “Robotização pedagógica”; o de Tragtenberg, “A Escola do
regime” – este relançado no livro Educação e burocracia, de 2012.
47
1980, período que circunscreve minha pesquisa32
. A FMU é uma empresa cultural que,
lembra Tragtenberg, destacando dados obtidos por Martins, elevou seu patrimônio e
número de matriculados de forma excepcional em um espaço de dez anos – de 800
alunos em 1968 passou para 30 mil em 1978! (2004:117).
Como observam, entre outros pesquisadores, Tragtenberg (2004), Cunha (2007)
e Martins (2009), a Reforma Universitária de 1968 não era simplesmente uma “reforma
universitária dos militares”, pois trazia em seu corpo de artigos um conjunto expressivo
de demandas “gestadas no âmbito das próprias instituições de ensino” (Cunha, 2007: 9-
10). Havia, assim, uma mescla de anseios autoritários de militares, reitores, empresários
do ramo educacional, pedagogos de orientação conservadora, temperada por um
reformismo consentido. Assim como os políticos de linhagem populista absorvem e
instrumentalizam as demandas da base da pirâmide, os formuladores da lei 5.540
souberam atender as necessidades oriundas dos setores progressistas, tais como a
supressão do regime de cátedras nas universidades, substituída pela constituição de
departamentos, com projetos modernizadores de extensão, pesquisa e ensino, mas
fizeram calando vozes estudantis e cassando professores com atos institucionais.
A Reforma Universitária de 1968 começou a ser elaborada em julho, quando o
decreto 62.937 institui que o presidente da República escolheria onze membros para
compor um colegiado no MEC, para a produção de um esboço do projeto de lei com as
diretrizes básicas, cujas discussões e resultados são bem explicados no capítulo “A
produção da lei da reforma universitária”, do livro A universidade reformanda, de Luiz
Antonio Cunha (2007). O fato é que, como esclareceu Benedito Martins, “a Reforma de
1968 produziu efeitos paradoxais no ensino superior brasileiro” (2009:16). Dentre os
fatores positivos, o autor destaca o fim das cátedras vitalícias, a integração entre ensino
32 Não vou adentrar as discussões sobre a proliferação dos cursos superiores nos anos 1990 em
diante por não ser o objeto nem o objetivo desta dissertação.
48
e pesquisa que instituiu condições para uma carreira docente e, ao menos em teoria,
atrelou a progressão nos quadros internos à titulação acadêmica. Todavia, a lei abriu
caminho para a abertura indiscriminada de centros de ensino privados, que prometiam
expandir a oferta de cursos profissionalizantes, acarretando o sucateamento das
premissas de uma universidade crítica, criativa, voltada para a população como
instrumento transformador, e não para vender-lhes a ilusão de oportunidades de
emprego. Ninguém de boa-fé se opõe à ideia de uma população com acesso crescente à
Educação e ao ensino superior, mas a maneira como a Reforma foi articulada e
conduzida proporcionou consequências desastrosas para a construção de uma
universidade plural, produtora de saber, questionadora, cientificamente vigorosa. O
resultado acarretou na criação de faculdades “especializadas” em mercado de diplomas,
um ramo sedutor para uma população que, de acordo com os dados censitários, estava
em crescimento e com taxas de analfabetismo formal em levíssimo declínio. De acordo
com as estatísticas publicadas pelo IBGE (Livro 1979, Cap. 22, Indicadores de Ensino),
o índice total de analfabetos da chamada “idade escolar” no país caiu de 32,4% em 1970
para 21, 5% em 1976, embora tal constatação seja relativizada pelo aumento de 1,6% na
taxa de analfabetos com idades entre sete e nove anos. Neste censo comparativo, o
percentual de frequentadores do ensino superior subiu de 3,3% para 5,1%.
Segundo Marilena Chaui, “desvinculando educação e saber, a reforma da
universidade revela que sua tarefa não é produzir e transmitir a cultura (...) mas treinar
indivíduos a fim de que sejam produtivos para quem for contratá-los”. Chaui então
arremata na mesma sentença: “a universidade adestra mão de obra e fornece força de
trabalho” (2001:52). Com os críticos silenciados, quer por algumas reivindicações
atendidas, quer pela censura a seus artigos, a ditadura alimentou entre as classes
populares o sonho, por si legítimo e desejável, de chegar à matrícula universitária. E não
49
foram poucos aqueles que, de fato, obtiveram sucesso nas carreiras que optaram (um
país em desenvolvimento necessita de mão-de-obra técnica, oferecida pelos cursos
superiores “aplicados”). O que se questiona é o tipo de ensino superior instituído.
A Reforma de 1968 já estava comprometida desde a sua origem, com os
diversos acordos firmados entre o MEC e o USAID entre 1964 e 1968. Em um dos
convênios, afirma Carlos Benedito Martins, “uma comissão mista de cinco educadores
brasileiros e cinco norte-americanos” receberam “a missão de determinar o que poderia
constituir um sistema ideal de ensino superior no Brasil” (1988:60). O autor cita um
artigo de 1967, assinado pelo pesquisador Ted Goertzel, que foi professor de sociologia
da Rutgers University New Jersey. Goertzel identificou na ideologia do USAID teóricos
ligados à economia da educação, que concebem o sistema da educação como elemento
fundamental para a formação de “recursos humanos para incremento da atividade
industrial”. Martins resgata no texto de Goertzel a visão que esses pensadores influentes
para o USAID tinham das Ciências Humanas, cuja função era, para eles, de treinamento
de profissionais para “atender necessidades específicas do setor privado e público”
(1988:60). Isso me faz recordar de uma declaração de Bourdieu que se encaixaria a
esses propósitos: “é notável que as mesmas pessoas que olham com suspeita as Ciências
Sociais, e entre elas a Sociologia, acolham com entusiasmo as pesquisas de opinião, que
frequentemente são uma forma rudimentar de Sociologia” (1990: 221).
Esta, digamos, função destinada às Ciências Humanas e Sociais explicam, em
parte, as razões pelas quais elas não foram simplesmente abolidas pela ditadura civil-
militar, embora seu ensino fosse vigiado de perto para tentar evitar uma “doutrinação
comunista” entre os alunos. Até mesmo a regulamentação da profissão de Sociólogo é
datada do período ditatorial, mas isso não deve ser entendido como um diálogo entre
Estado e lideranças acadêmicas, mas como uma tentativa de enquadramento à diretrizes.
50
O regramento visava o adestramento. Mas no interior das instituições de ensino com
cursos de Humanidades a contestação continuou a dar o tom, reprimida quando
ameaçava ultrapassar os muros acadêmicos. Como as Ciências Humanas e Sociais não
foram proscritas do ensino superior 33
, e outros cursos necessitavam de material auxiliar
desses campos, a coleção GCS veio atender a uma fração do mercado. E mercado era
uma palavra sagrada para o acordo MEC-USAID.
Para efeito estatístico, Franco (2008) apresenta dados sobre a oferta de vagas no
ensino superior em um espaço de tempo de vinte anos entre 1965, no início da vigência
da ditadura civil-militar, porém antes da Reforma de 1968, e o ano de 1985.
Oferta de vagas no Ensino Superior – Dados comparados (1965 e 1985)
Ano Instituições públicas Instituições privadas Total de vagas
1965 182.986 (56,2%) 142.386 (43,8%) 325.082
1985 556.680 (40,7%) 810.929 (59,3%) 1.367.609
Fonte: FRANCO, Alexandre de Paula. “Ensino superior no Brasil: cenário, avanços e contradições”
(2008), com base no Censo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – INEP/2005.
Os números, coletados a partir de uma fonte pública (INEP), são contundentes em
apontar o aumento no número de vagas e de instituições de ensino superior. Um
observador que pretenda contestar os dados provavelmente utilizará como argumento
que a população brasileira também cresceu no período, mas a tabela acima é
inquestionável sobre a inversão de papeis entre as instituições públicas e privadas, com
vantagem para as últimas (de 43,8% em 1965 para 59,3% em 1985) embora o fator de
distinção continuasse a ser o ingresso nas universidades públicas, cujos cursos de maior
rentabilidade para os formandos continuavam a ser um loteamento das elites.
33
A expansão privatista do ensino das Ciências Sociais data de um período recente, como
resultado da Lei 11.684, de dois de junho de 2008, assinada pelo presidente em exercício José
Alencar (1931-2011) tornando obrigatório o ensino da Filosofia e da Sociologia no Ensino
Médio. Para atender a demanda de profissionais, surgiram cursos de licenciatura oferecidos por
instituições de ensino particulares.
51
O historiador Sá Motta, em artigo para uma coletânea sobre os 50 anos do Golpe de
1964, apresenta informações que reforçam o caráter da expansão, amparada por uma
“modernização conservadora autoritária”, do sistema de ensino superior após 1968:
Para se ter uma ideia da mudança em números, alguns
exemplos: em 1964, havia 23 cursos de pós-graduação no
Brasil, enquanto em 1974 eles passaram a quatrocentos; o
número de universitários subiu de 400 mil em 1964 para 1
milhão e 300 mil em 1979; as bolsas de pós-graduação
financiadas pelas agências federais (Capes e CNPq) passaram
de aproximadamente mil em 1964 para cerca de 10 mil em 1976
(2014:57)
De qualquer maneira, se foi criado um mercado de diplomas, com elevação na oferta
de vagas, outro mercado relacionado, qual seja, o mercado editorial no setor de livros
universitários, com suas estratégicas coleções, igualmente teve suas publicações e lucros
elevados, e dentro dessa lógica a Ática era uma das forças – inclusive no plano das
políticas educacionais e culturais, de modo que a GCS esteve amparada e se tornou
bibliografia básica mesmo com a postura a rigor subversiva de alguns de seus títulos.
1.3 A política das coleções e o mercado de obras educacionais durante a ditadura
Desde os primórdios do mercado editorial, as coleções de livros constituem uma
prática comum no Brasil e no mundo. Elas ajudam a orientar compradores (atacado e
varejo), uniformizar linhas editoriais, popularizar ao máximo a “cultura do livro” 34
e,
no que tange às obras educacionais, facilita a escolha dos educadores integrantes de
comitês avaliadores de órgãos governamentais e privados. Como esta dissertação versa
sobre uma coleção educacional publicada em nosso país, é necessário lembrar que tal
prática não se iniciou durante a ditadura civil-militar; as ideias escolanovistas oriundas
da Europa e dos EUA desde meados do século XIX, e reivindicadas nos primórdios da
34
Alessandra El Far cita a Biblioteque Bleue, “composta pelos impressores de Troyes, na França
do século XVII” como uma tentativa de popularização da leitura. Segundo a autora, “essa
coleção de livros brochados de capa azulada foi, por décadas a fio, bem recebida nas áreas
rurais.” (2006:28). O barateamento do papel e a prensa a vapor, ofertadas no século seguinte ao
da coleção de Troyes, facilitou o desenvolvimento do mercado editorial na Europa.
52
nossa República, impulsionaram a produção de pequenas coleções de livros, boa parte
delas editada pelos próprios centros de ensino, nos quais as premissas de uma pedagogia
moderna, reflexo das revoluções burguesas do final do século XVIII, fazia-se presente.
O livro Ideias pedagógicas em movimento (2011), organizado por Alessandra
Arce, docente do Departamento de Educação da UFSCar, e Ana Clara Bortoleto Nery,
livre-docente em História da Educação pela UNESP de Marília, apresenta ao menos
dois artigos em que são analisadas coleções incluídas na biblioteca da Escola Normal
Secundária de São Carlos, fundada em 1911 e reconhecida como um dos baluartes de
uma educação progressista: a primeira é a Escola Nova Brasileira, série de cinco
volumes escrita por José Scaramelli, lançada nos anos 1930 (Baldan & Arce, 2011); a
outra é a Biblioteca da Educação, publicada entre 1927 e 1947, com o apoio de Manuel
Bergströn Lourenço Filho (1897-1970), também pautada pelo espírito escolanovista.
Lourenço Filho publicou quase uma dezena de obras pela Ed. Melhoramentos (Oliveira
& Arce, 2011). Não é minha intenção ignorar as séries de livros chanceladas por
conceitos tradicionais de educação, mas sim de demonstrar que na história das coleções
educacionais à qual se filia a GCS, o ideário da Escola Nova ocupa uma posição de
destaque. Trata-se, a meu ver, de uma linha de continuidade.
As duas referidas coleções, Escola Nova Brasileira e Biblioteca da Educação, se
inscrevem em um momento histórico de afirmação da luta dos “pioneiros” da Educação
Nova. Elas foram lançadas um pouco antes, um pouco depois, do Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova de 1932, que fora por sua vez precedido pela mais
importante coleção de obras educacionais do Brasil nos anos 1930, a Biblioteca
Pedagógica Brasileira, lançada em 1931 pela Companhia Editora Nacional (CEN), com
a participação ativa de Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira. A promessa da
Revolução de 1930, depois afundada por violenta ditadura capitaneada por Getúlio
53
Vargas e sua polícia política, incentivou os educadores vinculados à Escola Nova a
baterem de frente com os conservadores, embora estes dominassem o sistema de ensino,
até por conta das lacunas deixadas pela Constituição federal de 1891.
No artigo “Companhia Editora Nacional e a política de editar coleções”, Maria
Rita de Almeida Toledo, doutora em Educação pela PUC-SP e professora da Unifesp de
Guarulhos, define com clareza a função das coleções de livros, que são
compreendidas como modalidade específica de
impresso, que carrega em sua materialidade dupla
estratégia de intervenção cultural: a intervenção
editorial, que, por meio da reorganização dos textos,
objetiva a ampliação do mercado do livro; a intervenção
no campo da cultura, que é fruto da seleção e adaptação
do conjunto de textos e autores, assim como da
prescrição de seus usos em um programa para a
formação do leitor destinatário da coleção. (2010: 139).
De acordo com a pesquisa de Toledo, “a Nacional [CEN] converteu as coleções
em instrumento de organização de seu fundo editorial” (Idem: 140). A CEN, com o
perdão do trocadilho, fez sua escola, e é por isso que Hallewell ressalta a importância de
Octalles Marcondes Ferreira e Monteiro Lobato (1882-1948) na constituição do campo
editorial brasileiro e na prática, em geral bem-sucedida, de organizar coleções. Ora, se o
sentido da política de coleções da CEN era de “intervenção cultural”, ainda que
assentada na necessidade de lucratividade, nada melhor do que lançar, no ano de 1931,
em meio ao debate sobre os rumos da Educação brasileira, a Biblioteca Pedagógica
Brasileira (BPB), com a organização de um professor como Fernando de Azevedo.
Assim, “a editora participou ativamente dos embates estabelecidos na década de 1930,
em torno da reforma da cultura pela reforma da escola” (Toledo, 2010: 147). Havia à
época um duelo ferrenho entre católicos e escolanovistas, embora não se possa
enquadrar todas as instituições e educadores católicos como furiosos reacionários. O
catálogo da BPB era formado por cinco séries: I, dedicada à literatura infantil; II, de
Livros Didáticos; III, formada por Atividades Pedagógicas; IV, especializada em
54
Iniciação Científica e, claro, o volume V, a Brasiliana, atualmente com seu catálogo de
415 volumes pertencente ao acervo da UFRJ, com apoio da FAPERJ 35
.
A Brasiliana é tema de um elucidativo artigo de Eliana de Freitas Dutra (2006),
o qual visa relacionar a formação desta “biblioteca ideal” como componente de um
projeto maior de nação. Segundo Dutra, “a Coleção Brasiliana pretendeu disponibilizar
para um público amplo, de maneira compacta e enciclopédica, títulos raros e novos
lançamentos – antes restritos aos privilegiados” (2006: 304-305). A Brasiliana
subdividia-se em vários campos disciplinares, da Antropologia à Botânica, da Educação
à Medicina e Higiene. Autores considerados “intérpretes” do Brasil tiveram suas obras
editadas pela CEN, via Brasiliana, a exemplo de Gilberto Freyre, Oliveira Viana (1883-
1951) e Alberto Torres (1865-1917). Percebe-se, por esses autores acima arrolados, que
o caráter progressista da iniciativa da CEN não excluía pensadores com alguma noção
renovadora, mas que hoje seriam enquadrados como politicamente conservadores.
Prenunciada pelos títulos acima mencionados, o mercado editorial baseado em
uma política de coleções recebeu impulso após as reformas empreendidas pela ditadura
nos anos 1960 e o surgimento e/ou desenvolvimento de editoras didáticas voltadas para
as Humanidades. Como informa Laurence Hallewell, o subsídio aos livros didáticos, a
ser detalhado no capítulo 2, ajudou a estabelecer um modelo de obras didáticas
organizadas por coleções, facilitando a análise do comitê do Programa Nacional do
Livro Didático (PNLD) e, no âmbito do estado mais rico do país, da Fundação para o
Livro Escolar de São Paulo (2012:612). Para uma melhor compreensão do crescimento
da Ática, e do mercado de livros didáticos de uma forma geral, os dados referentes ao
setor serão explorados no capítulo subsequente.
35
Cf. Brasiliana UFRJ <www.brasiliana.com.br> Acesso em: 09 nov.2013.
55
É indispensável lembrar que parcela expressiva do mercado editorial auxiliou a
ditadura, por meio de aporte financeiro a uma organização da sociedade civil de
característica muito similar ao Instituto Millenium: o Instituto de Pesquisa e Estudos
Sociais (IPES). Nas palavras de Hallewell, “entre as editoras (...) ofereceram apoio
financeiro a Agir, Paulo de Azevedo (Francisco Alves), Globo, Kosmos, LTB,
Monterrey, Nacional, José Olympio e Vecchi”, enquanto “a Saraiva cuidou de
publicações e forneceu espaço de publicidade na TV” (2012:607). Institutos como o
GEIPAG (indústria gráfica) e GEIL (indústria editorial) – esta extinta em 1971 por
Médici – foram criados pelo governo para facilitar a expansão da produção e comércio
de livros, com foco evidente nas obras educacionais, setor fundamental para a
concretização da hegemonia do regime.
O contexto descrito acima provocava um efeito reverso ao desejado pelos órgãos
de repressão, ou seja, abria espaço para a edição de livros combativos, nem sempre
censurados, em especial as coleções de Ciências Sociais, favorecido pela demanda após
a Reforma Universitária. A GCS fora lançada no período de transição política, mas o
fato, que será demonstrado no próximo tópico, é que a coleção da Ática vivenciou um
instante de maior atenção do sistema de censura aos livros, aponta Reimão (2010). Até
porque o mercado estava aquecido e, consequentemente, com maior visibilidade.
Na página seguinte, para finalizar este tópico, e a título de caracterização do
espírito paradoxal da época, segue uma lista sumária com coleções de Ciências
Humanas e Sociais lançadas entre 1960 e 1980. Elas estavam a serviço das escolas
públicas e privadas, do ensino médio ao universitário.
56
Outras Coleções de livros com títulos na área de Ciências Sociais – Anos 1960 a 1980
Título Editora Lançamento Áreas Descrição
Os pensadores
Abril Cultural
1972-1973
Filosofia,
Psicanálise,
Linguística,
Pedagogia e
Ciências Sociais.
Livros em capa dura,
papel especial, com
textos de grandes
pensadores ocidentais.
Receberam várias
reedições ao longo das
décadas, as últimas
pela Nova Cultural. A
coleção do Abril
Cultural lançou
volumes sobre
Durkheim, Marx,
Weber e Benjamin.
Biblioteca de
Ciências Sociais
Zahar Editores
1968
Ciências Sociais
A coleção agregava
livros de autores como
Charles Wright Mills,
Karl Mannheim e
Samuel Koenig. O
antropólogo Gilberto
Velho chegou a dirigir
a coleção.
Recentemente, a Zahar
lançou a Nova
Biblioteca de Ciências
Sociais.
Biblioteca Tempo
Universitário
Tempo Brasileiro
1969
Diversas.
Com o slogan “A
coleção reclamada
pelas universidades
atuais da Universidade
Brasileira”, a
biblioteca publicou
títulos de Ralf
Dahrendof, Herbert
Marcuse, Claude Lévi-
Strauss, entre outros.
Primeiros Passos
Brasiliense
1979-1980
Diversas.
Livros com
características de
introdução, sempre
iniciados com o título
“O que é...”. As obras
eram assinadas por
intelectuais
renomados.
57
1.4 Arma subversiva ou consumo elitista? As lacunas no sistema de censura aos
livros
Em 1970, meses depois de decretado o AI-5, o crítico literário e sociólogo de
orientação marxista Roberto Schwarz escreveu um ensaio intitulado “Cultura e política,
1964-1969”, inicialmente uma comunicação proferida na França e reeditada em diversas
compilações de ensaios e artigos do autor. No texto, Schwarz demonstra que, naquele
espaço de tempo determinado com clareza no título, “apesar da ditadura de direita”, do
ponto de vista cultural e artístico havia “uma relativa hegemonia (...) de esquerda no
país” (2009: 8). Isso não significava, todavia, que a esquerda saia-se vencedora no
debate de difusão de ideias para a população em geral, pois essa produção de livros,
cinema e teatro era elaborada e consumida por e para “grupos diretamente ligados à
produção ideológica”, ou seja, um campo que se retroalimentava.
O poder de alcance dessas obras estava limitado em função das restrições
político-policiais. As cassações nas universidades em 1969, o recrudescimento da
repressão nos anos Médici e o estabelecimento de um sistema de censura prévia, além
da eficiência dos meios de contrainformação e propaganda do governo (vide o ufanista
slogan “Brasil, ame-o ou deixe-o” e as canções e marchas de teor nacionalista)
combateram com virulência o “terrorismo cultural de esquerda” (Idem: 17) 36
. Dessa
forma, peças teatrais, exposições de arte e, acima dessas manifestações estéticas,
novelas, filmes, notícias e a crescente indústria fonográfica (isto é, os produtos culturais
de massa) passaram a sofrer cortes violentos e, por vezes, intervenção direta e interna.
36
Integrante dos “Seminários Marx”, Roberto Schwarz recorda que a caça aos membros do
Partidão fez com que o “estudo acadêmico” das obras de “Lênin e Marx” ganhasse respiro e
“vitalidade” dentro do ambiente intelectual (2009:18), apesar das aposentadorias compulsórias.
A densidade teórica do marxismo praticado em ambiente acadêmico, combinado ao
estruturalismo, ao existencialismo e a outras referências teórico-metodológicas confundiam de
certa forma aqueles que pretendiam combater a ameaça comunista da militância armada.
58
Segundo Sandra Reimão, no tocante à censura aos livros durante os primeiros
anos da ditadura civil-militar, “entre o golpe militar de 1964 e a decretação do AI-5, em
1968”, vigorava uma “atuação confusa e multifacetada, pois, além de apresentar
ausência de critérios, mesclava batidas policiais, apreensão, confisco e coerção física”
(2010:271-272). Ênio Silveira, da Civilização Brasileira, era o “alvo predileto dessa
atuação aleatória das forças de repressão”. (Idem: 272). Silveira foi preso várias vezes,
mas é preciso lembrar que ele era um veterano de outras batalhas contra o arbítrio.
Renato Ortiz (2014:117) faz um brevíssimo comentário a respeito dos títulos censurados
nesse período atabalhoado da censura aos livros. Títulos como A universidade
necessária, de Darcy Ribeiro, A revolução brasileira, Caio Prado Jr., e História militar
do Brasil, de Nelson Werneck Sodré (1911-1999) foram “interditados” 37
. A fama do
trio de autores com certeza contribuiu para a perseguição, enquanto outros títulos, de
teor similar ou até mais radicais, passaram incólumes.
Reimão, porém, demonstra que apesar dessas ações pontuais, não se consolidou
“um sistema único de censura a livros”. (Idem: 272). O decreto-lei número 1077/70
regulamentava a censura prévia a livros (em especial os artigos 1º e 2º) em que se batia
na tecla do atentado à “moral e os bons costumes”. Ainda assim, quando comparado ao
cerco realizado aos veículos de massa, o controle à publicação de livros era um tanto
quanto relapso nos anos mais duros do regime (1968-1974) e tornou-se, veja só, mais
atento quando se iniciou o processo de abertura “lenta e gradual”, isto é, nos anos em
que a Ática lançou suas coleções Ensaios e GCS (1975 a 1979), como demonstrado em
tabela compilada por Reimão (2010:280), com índices de “livros vetados” que ficaram
na casa dos 82% (1975), 61% (1976 e 1977), 73% (1978) e 80% (1979). Essa situação,
37
Utilizo-me aqui de um artigo do autor, “Revisitando o tempo dos militares”, que condensa
ideias trabalhadas com maior vigor em outras obras mais conhecidas, entre elas Cultura e
identidade nacional (1985) e A moderna tradição brasileira (1988), resultados de uma
autodeclarada “inquietação intelectual” de Renato Ortiz (2014:112).
59
evidentemente, vai ao encontro das premissas desta pesquisa, pois o aumento da censura
prévia nesse período se deve a uma melhor estruturação do mercado editorial brasileiro,
sobretudo no referente a livros voltados ao meio universitário.
No entanto, esse crescimento deve ser matizado, pois muitos livros com fortes
elementos de militância foram liberados, o que demonstra aleatoriedade e lacunas do
regime, que estava mais preocupado com as grandes produções – daí porque novelistas
como Dias Gomes (1922-1999) transformaram-se em campeões no quesito perseguição
e retaliação. O livro é tido como um produto destinado ao consumo de uma elite letrada,
detentora de elevado capital cultural, este conceito-chave na obra bourdiana.
Andreucci (2006), quando relata a situação dos intelectuais em outra ditadura
brasileira [1930-1945], apresenta, como faz Reimão sobre a ditadura civil-militar, um
número relativamente pequeno de livros apreendidos, mas mostra que o governo Vargas
preocupava-se muito com obras que fizessem referência ao comunismo – eram
consideradas “prova de crime” (Andreucci, 2006: 225). Em certo momento, até os livros
de autores da extrema-direita, como os integralistas Miguel Reale (1910-2006), Gustavo
Barroso (1888-1959) e Plínio Salgado (1895-1975) passaram a ser vigiados e
recolhidos, embora em menor índice (36% contra 9,8%). Já no levantamento de Sandra
Reimão sobre os anos de 1964 a 1985, percebe-se que romances e peças teatrais
publicadas em formato livro, e que apresentavam violência e promiscuidade (critérios
mais morais do que propriamente políticos) eram objetos de análise e apreensão, às
vezes posteriores ao lançamento, por meio da denúncia de leitores indignados.
À parte a autocensura das editoras, não muito diferente do ocorrido nas redações
de jornais e revistas, conclui-se que os livros não eram o problema principal para a
ditadura. Alguns antigos combatentes de esquerda ironizam os censores ao dizer, em
tom de galhofa, que eles tinham preguiça de ler. O certo, porém, é que mesmo os
60
volumes de Política da GCS conseguiram convencer a vigilância – alguns sequer foram
avaliados – possivelmente por sua aparente proposta didática. E, para um governo que
expandia seu sistema universitário, talvez as vistas grossas não fossem de todo mal.
1.5 Ciência e política: a difusão de livros e revistas de conhecimento durante a
Abertura Política.
A efetiva aproximação da ciência com os movimentos políticos teve uma espécie
de marco inicial. Em julho de 1977, a 29ª Reunião da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SBPC) recebeu a presença de estudantes organizados. Juntos,
pesquisadores e estudantes criaram o Comitê 1º de Maio (Cancian, 2010: 84). No ano
seguinte, entre os dias 9 e 15 de julho, foi realizada na Universidade de São Paulo a 30ª
Reunião da SBPC. O tema do encontro, “Os dilemas da produção científica no Brasil”,
teve participação ativa de cientistas sociais, incluídos na SBPC desde o início dos anos
1970, apesar das pressões do governo autoritário. Na época o presidente da organização
era o físico Oscar Sala (1922-2010), nascido em Milão, mas que construiu sua carreira
acadêmica no Brasil como docente do Instituto de Física da USP. Sala comandou a
SBPC entre 1973 e 1979 e foi presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de São Paulo (FAPESP) entre 1985 e 1995. A participação de acadêmicos das
Humanidades ainda era tímida no corpo diretivo da SBPC no ano de lançamento da
coleção GCS, mas as preocupações com a relação ciência e política eram debatidas.
Afinal, como conciliar um país sob a custódia da ditadura, ainda que em fase
inicial de abertura, com os deveres de cidadania dos pesquisadores de alto nível? Qual
deveria ser o modo de agir do cientista em face à realidade? Ele deveria ou não se abster
desse debate? A homenagem feita ao médico e jornalista José Reis (1907-2002), que por
décadas manteve uma coluna de divulgação científica na Folha de S. Paulo, era um dos
indicativos de que a SBPC estava disposta a se aproximar dos anseios de popularização
da ciência e, subjacente a isso, a uma vontade de agir em prol da democracia.
61
No entanto, a guinada para uma maior articulação entre ciência e sociedade se
sucedeu a partir da 34ª Reunião da SBPC, organizada no campus da Universidade
Estadual de Campinas – Unicamp entre os dias 6 e 14 de julho de 1982. O presidente da
associação era o biólogo Crodowaldo Pavan (1919-2009), professor na USP e na
Unicamp. A participação de cientistas sociais na composição do corpo diretivo da SBPC
ficou mais expressiva, com a presença de José Albertino Rodrigues como secretário-
geral da organização. Nessa reunião, segundo Luiz Rosalvo Costa (2010), foi lançada a
revista Ciência hoje. Segundo o autor,
Ciência hoje é interpretada (...) como expressão de um
marco dialógico por meio do qual a SBPC, articulando
determinações de sua própria história com as injunções
da realidade histórico-social, busca afirmar ante o
grande diálogo travado na sociedade brasileira do
período uma posição concernente tanto à divulgação
científica no país quanto às relações da ciência e dos
cientistas com o cidadão comum e a população em
geral, refletindo e refratando, nesse processo, as mais
importantes posições ideológicas em interação e disputa
no panorama discursivo no país. (2010:17).
Costa identifica quatro posições ideológicas em franco embate naquele momento
de transição política (quais sejam, a autoritário-tutelar; a legal-representacionista; a
basista-diretista; e a revolucionária) e examina como a revista Ciência hoje adota uma
linha editorial segundo a qual o povo38
se torna não meramente um “objeto”, mas
“sujeito” da história. (2010:88-92). Essa intencionalidade da Ciência hoje, porta-voz da
SBPC, de estar atenta aos movimentos sociais e às novas configurações históricas, está
nitidamente presente nos editoriais da publicação, analisados minuciosamente por Costa
em sua dissertação transformada em livro, e também na histórica entrevista concedida
por Florestan Fernandes, publicada em 1983.
38
Para uma visada histórica do pensamento sociológico sobre as “classes populares”,
recomendo a leitura do artigo de Sader & Paoli (1986).
62
O projeto acima destacado é uma espécie de marco simbólico de uma atitude
propositiva dos pesquisadores brasileiros, e que se expressa em outras iniciativas
editoriais, notadamente coleções de livros como a Primeiros passos, da editora
Brasiliense, que conta com a colaboração de vários acadêmicos, e da GCS, que de
maneira alguma está excluída desse contexto de luta política em que a divulgação
científica exerce função primordial.
A academia vê-se na contingência de abrir as portas dos laboratórios e salas de
aula e, enfrentando ameaças da linha-dura do regime, falar a uma população para eles
capaz de transformar a História. Não é por coincidência que uma firme aliança entre
acadêmicos, políticos, jornalistas, figuras públicas (atores, músicos, radialistas,
jogadores de futebol) e os ditos “cidadãos comuns” sairá às ruas pelas “Diretas Já” em
gigantescos comícios entre 1983 e 1985, até que, após a rejeitada Emenda Dante de
Oliveira, o Colégio Eleitoral, pela via indireta, elegeu o primeiro presidente civil desde
1964, Tancredo Neves (1910-1985).
63
[Capítulo 2]
A História da coleção Grandes Cientistas Sociais (1978-1990)
“[As editoras] Ática e Moderna criaram o livro didático da nova era”. A frase de
Fernando Paixão, em depoimento para esta pesquisa, não contém nenhum exagero
retórico, como comprovam os escritos de Hallewell (2012) e Borelli (1996). Para
Hallewell, a Ática foi um “dos mais conspícuos exemplos de sucesso entre os que se
iniciaram no campo do livro didático após a “revolução” de 1964” (2012: 618).
Testemunha do exponencial crescimento da editora paulistana, na qual ingressou em
1972 e da qual se desligou em 2007, Paixão, poeta, editor e professor do IEB/USP
admitiu a este pesquisador que, apesar de ideologicamente conservadora, as reformas
educacionais promovidas pela ditadura contribuíram para a ampliação da rede de ensino
e, por consequência, aumentaram a procura por livros didáticos.
Impulsionadas pelo golpe de 1964, a Ática (1965) e a Moderna (1968), como
outras editoras do segmento de didáticos e paradidáticos, aproveitaram com inteligência
os subsídios provenientes do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), cuja
Comissão Nacional do Livro Técnico e Didático (Colted), instituída pelo decreto
número 59.355, assinado a 04 de outubro de 1966, ficara incumbida de analisar, aprovar
e selecionar para a aquisição as obras do PNLD (Hallewell, 2012:613) 39
. O
financiamento do governo era distribuído a partir das prerrogativas do MEC-USAID,
acordo considerado pelos críticos, muitos deles associados à campanha em defesa da
escola pública entre os anos 1950 e 1960, uma negociação altamente nociva à soberania
39
Em novembro de 1966, o governo publicou o decreto-lei n. 74, instituindo o Conselho Federal
de Cultura (CFC). A tarefa do comitê composto por 24 membros nomeados pelo presidente da
República seria de “formular a política cultural nacional”, dentre as quais as diretrizes para o
setor livreiro. O Conselho tomou posse em fevereiro de 1967 e tinha entre seus primeiros
integrantes Gilberto Freyre, Raquel de Queiroz (1910-2003) e João Guimarães Rosa (1908-
1967). O CFC foi extinto em 1990. O decreto-lei pode ser acessado no site da Câmara, por meio
do link <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1960-1969/decreto-lei-74-21-novembro-
1966-375931-republicacao-35524-pe.html> Acesso em: 13 jul. 2013.
64
nacional. A interferência do USAID era uma forma de “imperialismo cultural”, nos
dizeres do jornalista e deputado federal pelo MDB Márcio Moreira Alves (1936-2009).
Hallewell apresenta em seu livro uma estimativa, publicada na edição de
maio/junho do Correio do Livro, informando que em 1968 aproximadamente 2.500
livros didáticos estavam à venda no Brasil, dos quais 80% foram lançados por 16
editoras. Ática e Moderna ainda não constavam nessa lista (2012:612). Em 1969,
relatório do Sindicato dos Editores de Livros (SNEL), à época presidida pelo fundador
da Ed. Agir, Cândido Guinle de Paula Machado (1918-2000), demonstrou uma
extraordinária elevação no número de publicações de didáticos: 5.986. Os números mais
do que dobraram em menos de um ano. A propósito, a presença de Cândido Guinle
como ator estratégico do mercado editorial naquele período de afirmação do ramo
didático/ paradidático é revelador das intenções do governo. Ao contrário de outros ex-
presidentes da SNEL, conhecidos pelos perfis intelectualizados e combativos, casos
emblemáticos de José Olympio (1902-1990) e Ênio Silveira (1925-1996) 40
, Cândido
Guinle estava ligado ao mercado financeiro, tendo atuado como diretor do Banco
Boavista. Era, portanto, um nome confiável para o regime ditatorial.
Existem duas justificativas para essa explosão de títulos. A primeira é oferecida
por Hallewell e diz respeito às traduções de obras “universitárias e técnicas”
estimuladas pela Colted. Hallewell cita a opinião do sociólogo franco-belga Armand
Mattelart, conselheiro do governo de Salvador Allende (1908-1973) no Chile e
consultor da Organização das Nações Unidas (ONU). Para Mattelart, a intenção da
Colted era favorecer a publicadora americana McGraw-Hill (Hallewell, 2012: 614). A
segunda explicação, a meu ver, está no surgimento da Moderna e na consolidação da
Ática, pois estas editoras trouxeram inovadoras técnicas produtivas, como esclarece
40
Ênio Silveira formou-se em Ciências Sociais pela USP e militou no PCB.
65
Paixão. Em 1971, a Colted foi substituída pelo Instituto Nacional do Livro, de modo
que a difusão de didáticos em nível primário e secundário terminou, segundo Hallewell,
suplantada por um modelo com supostas características de livre-mercado proposto por
Jarbas Passarinho, ministro da Educação do governo Médici e um dos signatários do
AI-5. Essa visão de mercado ampliava a força e a lucratividade das maiores editoras,
pois, além de não cessar as compras do poder público, logrou potencializar as vendas
para famílias com condições de arcar com os custos do material didático.
É indiscutível que a Editora Ática beneficiou-se dessa circunstância propícia à
realização de ótimos negócios com governos e instituições particulares, mas é curioso
pensar que tanto seus fundadores como parcela nada desprezível de seus diretores e
funcionários tinham inclinações à esquerda ou, no mínimo, antiautoritárias. Este é um
dos “paradoxos” das reformas educacionais realizadas pela ditadura. Vinte e dois anos
transcorreram entre o surgimento do embrião da empresa – a abertura do Curso de
Madureza Santa Inês em 1956, no alvorecer dos anos desenvolvimentistas de Juscelino
Kubitschek (1902-1976) – e o lançamento, em 1978, dos primeiros volumes da coleção
Grandes Cientistas Sociais. Eis a história que este capítulo pretende narrar.
2.1 – Editora Ática, do mimeógrafo ao parque gráfico
Brasil, décadas de 1940 a 1960. As perspectivas de oportunidades de emprego
em um país em processo de industrialização e modernização institucional encontrava
barreira no difícil acesso à matrícula escolar. O sistema de ensino brasileiro permanecia
insuficiente para atender aos anseios de uma população urbana em busca de formação
básica e instrução técnica para assumir os postos de trabalho à disposição. Para não
deixar de fora aqueles que pretendiam retomar o ciclo escolar surgiram os cursos de
Madureza41
, ainda desprovidos de regulamentação, o que só aconteceria por meio do
41
A nomenclatura “Madureza” seria substituída, na década de 1970, por “Curso Supletivo”.
66
art. 99 da LDB de 1961, mas já com a aquiescência do poder público. Um dos mais
famosos beneficiários desse expediente, Florestan Fernandes obteve seu diploma em
1941, após realizar madureza no Ginásio Riachuelo, habilitando-se depois dos exames a
ingressar no curso de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da
USP. (Garcia, 2002; Sereza, 2005).
Nesse vácuo do ensino público, os irmãos Anderson e Vasco Fernandes Dias,
descendentes de portugueses, juntaram economias com Antônio Narvaes Filho, colega
de Anderson na Faculdade de Medicina da USP, e fundaram em São Paulo, no dia 15 de
outubro de 1956, o Curso de Madureza Santa Inês. O trio de sócios-professores
escolheu a data comemorativa do Dia dos Professores para o início de suas atividades.
É, porém, improvável que imaginassem que aquele negócio, inaugurado com uma classe
de alunos e na esteira dos anos JK, tornar-se-ia uma das maiores editoras do ramo
educacional no Brasil. Aliás, a ideia de elaborar apostilas didáticas, escritas pelos
docentes do Santa Inês e rodadas “num “paleolítico” mimeógrafo a álcool” (Paixão et.
al., 1995: 213) era somente uma maneira de reduzir os custos dos alunos.
A pedagogia adotada pelo professorado, e a necessidade de ampliação da rede
escolar estadual, foram fatores decisivos para o sucesso do empreendimento. Em poucos
anos, o Curso de Madureza Santa Inês saltou para três mil alunos matriculados, e o
processo de edição das apostilas passou a ser feito por funcionários equipados com
mimeógrafos elétricos. Logo os sócios-professores perceberam que havia se
prenunciado um nicho de mercado tão ou mais lucrativo que a escola. Em 1962, nascia
a Sociedade Editora Santa Inês Ltda. – Sesil, departamento criado “exclusivamente para
a publicação e aprimoramento das apostilas” (Idem, 1995: 213). Em curto espaço de
tempo a Sesil já conseguia produzir material didático para outras instituições de ensino,
apoiada pela reputação de excelência dos seus professores-autores.
67
Ciente das necessidades geradas pela LDB de 1961, e da promessa de expansão
educacional após o golpe civil-militar, Anderson F. Dias, empreendedor de origem
modesta, nascido no ano do Manifesto dos Pioneiros, professor e médico infectologista,
encabeçou o projeto de uma editora de livros didáticos, gestado no interior do Curso
Santa Inês e concretizado em 1965. Borelli (1996:94) afirma que a editora nasceu no dia
3 de junho de 1965; na obra coordenada por Paixão (1995:214), porém, o dia não é
especificado, mas os leitores são informados de que o marco inicial seria agosto daquele
ano. Hallewell, por sua vez, comete um deslize ao escrever que a editora foi “fundada
em 1964” (2012: 616). Após o encaminhamento do projeto, seguramente firmado em
196542
, restava batizar a empresa de Anderson, Vasco e Antônio43
.
De acordo com a obra Momentos do livro no Brasil, a sala de professores do
Santa Inês era palco de “discussões acaloradas em torno de sugestões” (1995:214). Em
uma dessas reuniões, os debatedores chegaram a um primeiro consenso de que o nome
da editora deveria fazer referência à Grécia Antiga. Teria partido de um professor de
História a proposta, aceita prontamente pelos sócios, de batizá-la como “Ática”, em
referência à Península Ática, região na qual se localiza Atenas, cidade-símbolo do
conhecimento por sua importância para a história do pensamento ocidental.
Todavia, a ideia de uma editora denominada Ática não era sacada original do
docente. Em 1930, Luiz de Montalvor, pseudônimo do cabo-verdiano radicado em
Lisboa Luis Filipe de Saldanha da Gama da Silva Ramos (1891-1947) fundou em
Portugal a Editora Ática, detentora dos direitos sobre os livros de Fernando Pessoa
(1888-1935) de 1942 até a entrada em domínio público das obras do poeta lisboeta. Não
42
O ano de 1965 é reconhecido no site da editora <http://www.atica.com.br/SitePages/A-
editora/Conheca-nossa-historia.aspx?Exec=1> e na página dedicada à Ática na enciclopédia
virtual Wikipédia <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ática_(editora)>. Acesso em: 29 ago. 2013.
43 Em nenhum dos livros, depoimentos e fontes oficiais encontram-se esclarecidos o momento e
as razões para que Anderson Fernandes Dias adquira o protagonismo nesse empreendimento.
68
é possível determinar se os professores do Santa Inês perceberam essa coincidência,
mas a editora de Montalvor jamais atingiu a projeção de sua homônima brasileira.
Sediada na Rua da Assembleia, no bairro da Liberdade, a Ática começava suas
atividades herdando o catálogo da Sesil. Entre os livros-apostilas figuravam os títulos
Geografia do Brasil (Antonio Narvaes Filho) e Noções de literatura brasileira (Y.
Fujyama). Nos anos de transição da produção quase artesanal da Sesil à estrutura
profissionalizada da Ática, coexistiram apostilas mimeografadas e livros impressos em
gráficas contratadas44
. Já se fazia presente uma arrojada estratégia comercial, com
divulgação em colégios e cursos preparatórios, distribuição de exemplares para
apreciação e contatos com professores. “Essa atividade intensa” – informa o capítulo do
livro coordenado por Paixão –, “permitiu a formação de um expressivo cadastro de
professores (...) onde constavam informações sobre a disciplina ministrada, as séries de
atuação, o endereço, o telefone e até a data do aniversário” (1995:215).
Em depoimento para a pesquisa de Borelli, o editor José de Granville Ponce
confirma que um dos diferenciais da Ática sempre foi o relacionamento direto com os
professores, inclusive após a sua modernização produtiva e de mentalidade corporativa.
A Ática nunca abandonou sua estratégia inicial de destinar uma remessa da tiragem dos
livros didáticos para seu cadastro de professores: “grande parte do seu sucesso no
campo dos livros didáticos resulta dessa prática”, explica Ponce (apud Borelli, 1996:
97). Em entrevista para Borelli, concedida em fevereiro de 1995, José Bantim Duarte
explicitava que a editora “caminha no sentido da informatização e da modernização”,
com um estilo de administração “mais autônomo, descentralizado, participativo”
(1996:102), movimento iniciado após a morte de Anderson Fernandes Dias em 1988.
44
Segundo o editor Jiro Takahashi, “os livros eram editados com textos mimeografados, mas
capa e acabamento de livro brochurado (...) entre 1967 e 1968, alguns já são compostos em
tipografia, pelo sistema de linotipia” (Takahashi apud Borelli, 1996: 95-96).
69
Volto, pois, no tempo para tratar de um episódio considerado como divisor de
águas na história da empresa. Ainda ostentando a logomarca do Panteão com as letras
EA interligadas – símbolo substituído em meados da década de 1970 – a Ática deu um
salto arriscado no ano de 1970, ao enviar à gráfica AGGS a ordem de serviço para a
impressão de 400 mil exemplares do Estudo dirigido de português, do professor
Reinaldo Mathias Ferreira, obra que condensava os pressupostos didáticos sonhados
pelo “Professor Anderson”, isto é, um livro capaz de agradar tanto aos professores
(conteúdo qualificado) quanto aos estudantes (por sua escrita leve e informal).
Inicialmente, o Estudo dirigido de português teve recepção modesta. No entanto,
após dois pareceres sobre a versão da obra para a 5ª série, um deles feito pela Comissão
do Livro Didático do Estado de São Paulo, e o outro por avaliadores da Ática, foram
detectados problemas de organização do conteúdo. Então, autor e editora tomaram uma
decisão que mudaria de vez os rumos e o estatuto da editora: dividir o livro em duas
partes, uma com técnicas e exercícios de redação e leitura e a outra dedicada à
gramática. Enfim, com o aval da comissão do Estado, o Estudo dirigido transformou-se
em obra referencial e vendeu mais de um milhão de exemplares (Paixão et. al., 1995:
216-217). Daí em diante, nos dizeres de Jiro Takahashi, deflagrou-se a “moda
pedagógica do estudo dirigido” (Borelli, 1996: 97), com Estudos Dirigidos de diversas
disciplinas e alto índice da adoção nas escolas públicas e privadas, o que permite a
Fernando Paixão declarar o protagonismo da Ática na elaboração do moderno livro
didático. Opinião similar à de Borelli, para quem “a Ática cria um padrão e compartilha
com outras editoras” (1996: 105).
No transcurso da década de 1970, a Ática demonstrou sua força ao criar coleções
até hoje nas prateleiras das livrarias, como a série Bom Livro, com obras clássicas da
literatura em língua portuguesa com o suporte de um encarte de exercícios; a Vaga-
70
lume, com romances dedicados aos leitores infantojuvenis; e a Para Gostar de Ler, com
crônicas, contos e poesias de autores consagrados. Assim, a editora paulistana
consolidou sua liderança no mercado de paradidáticos. E os números da editora falam
por si. De acordo com Hallewell, “a produção anual saltou de nove livros, em 1968,
para 22 em 1970 e para 180 em 1980” (2012: 617). Nos anos 1980, a editora teve
dinheiro em caixa suficiente para comprar a concorrente Scipione, dinamizar seu parque
gráfico e ingressar no mercado externo, sobretudo nos países lusófonos. Um dos
diferenciais da publicadora, para Laurence Hallewell, seria a aposta em autores
nacionais, correspondendo a até 95% de seus títulos.
A expansão do ensino superior após a Reforma de 1968 atiçou nos editores o
desejo de voltar-se para o público universitário. Soma-se a esta ambição comercial as
convicções político-ideológicas do editor Granville Ponce que, com o aval da diretoria,
tocou adiante a proposta, fruto de bate-papo com Antonio Candido, de uma coleção
destinada a publicar teses acadêmicas da área de Humanidades (Paixão et. al., 1995:
230). Surgia dessa forma a Ensaios, cujo catálogo era selecionado por um conselho
editorial de notáveis do mundo acadêmico, entre os quais o crítico literário Alfredo Bosi
e o sociólogo Ruy Coelho (1920-1990). Dois livros renomados da coleção são No calor
da hora (1975), de Walnice Nogueira Galvão, título inaugural da série, e Ideologia da
cultura brasileira (1977), de Carlos Guilherme Mota, sucesso improvável de vendas.
Portanto, o excelente desempenho da Ensaios abriu caminho para o lançamento da
coleção tematizada nesta dissertação: a GCS.
Longe de pretender esgotar o assunto, entendo ser adequado elaborar na
sequência comentários sobre uma figura-chave para o gerenciamento dessa complexa
rede: o editor como mediador, personificado, na GCS, por Florestan Fernandes.
71
2.2 Um agente fundamental: funções e significados do editor
Endereçada ao escritor e tradutor Godofredo Rangel (1884-1951), uma carta de
Monteiro Lobato demonstra toda a sua euforia com o desempenho da Companhia
Editora Nacional (CEN), fundada no ano de 1925 em parceria com Octalles Marcondes
Ferreira: “a nossa nova empresa editora vai com todos os ventos favoráveis”, exultava
Lobato, apresentando como evidência ao amigo um significativo aumento na tiragem
inicial dos lançamentos, para depois arrematar: “editar é fazer psicologia comercial”
(Lobato apud Toledo, 2010:141). A agressiva divulgação da CEN, com anúncios
exibidos nas maiores cidades do Brasil, seria uma “psicologia comercial” capaz de
provocar um efeito desnorteador – e o verbo desnortear parece mesmo ajustar-se às
intenções de Monteiro Lobato e Octalles Ferreira: “O público tonteia, sente-se asfixiado
e engole tudo” (Idem, 2010:141).
A nova casa publicadora surgia em substituição à Monteiro Lobato & Cia, criada
em 1919 e atirada à falência em função de um contexto desfavorável. Após adquirir
uma gráfica de grande porte, com a expectativa de dinamizar e elevar a produção,
Lobato e Ferreira viram-se diante de um cenário de conflagração civil em São Paulo – a
Revolução de 1924 – somado à política econômica de Artur Bernardes (1875-1955),
“baseada na retração de créditos” (Toledo, 2010:141). Das cinzas daquela massa falida
surgira a CEN. Para Hallewell, o empreendedorismo de Lobato serviu como um norte
para os editores brasileiros: “o que realizaram editoras posteriores (...) somente foi
possível porque puderam trilhar o caminho que Lobato já havia explorado” (2012: 363).
A maneira como Lobato descrevia a função do editor estava em sintonia com as
técnicas de produção, circulação e divulgação do ramo livreiro. Embora fosse escritor
renomado, voz forte e ativa da intelectualidade brasileira, sua visão do livro como
negócio, afinado com a opinião de Octalles Ferreira, aproximava-se do conceito de
72
Publisher, na prática o editor com funções de administrador de empresas45
. Essa
imagem do editor como gerenciador de um negócio, ou como um comerciante, remete
às figuras do “livreiro-editor” e do “gráfico-editor”, atuantes entre os séculos XVI a
XVIII – anteriores, portanto, à consolidação do chamado moderno mercado editorial.
Nas palavras do historiador Roger Chartier, “primeiro se é livreiro, primeiro se é
impressor e, porque se é livreiro ou gráfico, se assume uma função editorial” (1998:53).
A definição acima é, sem dúvida, uma das maneiras apropriadas de classificar o
trabalho de um editor; editar, porém, na linguagem corrente do segmento, igualmente
remete ao delicado exercício de “carpintaria” do texto, tarefa destinada a preparadores
de originais, revisores e, não raramente, ghost-writers. De uma perspectiva formal,
retomando a etimologia da palavra, Targino & Garcia informam que o editor é “o
responsável pela supervisão e preparação de textos em distintas publicações” (2008:41).
O editor opera, assim, como agente designado para ser o intermediário entre o
objeto-livro, com todas as suas particularidades materiais e de conteúdo, e seu conjunto
potencial de leitores. Conhecedor das estratégias do campo (ou dos campos, segundo
Thompson), ele aciona sua autoridade para avaliar, avalizar, legitimar e distinguir, em
um duplo movimento intelectual e comercial. Uma função, aliás, comum no meio
livreiro desde o terço inicial do século XIX. Para Chartier,
nos anos 1830, fixa-se a figura do editor que ainda
conhecemos. Trata-se de uma função de natureza
intelectual e comercial que visa buscar textos, encontrar
autores, ligá-los ao editor, controlar o processo que vai
da impressão da obra até a sua distribuição. O editor
pode possuir uma gráfica, mas isto não é necessário e
(...) não é isto que fundamentalmente o define. [grifo
meu] (1998:50) 46
.
45
Thompson elenca as seis funções do Publisher: “1- aquisição de conteúdo e construção do
catálogo; 2- investimento financeiro e avaliação de riscos; 3- desenvolvimento de conteúdo; 4-
controle de qualidade; e 5 – gerenciamento e coordenação; 6- vendas e marketing.” (2013: 25). 46
Roger Chartier adverte que as “transformações do capitalismo mundial (...) provocaram um
certo enfraquecimento desse vínculo que unia a figura do editor e a atividade de edição.”
73
Nesse sentido, ser editor não é somente ter o voluntarismo de um proprietário ou
o plano de negócios de um diretor-executivo, com o olhar atento aos fluxos e influxos
do mercado; o editor ou, em nomenclatura alternativa, coordenador editorial pode,
mesmo sem possuir vínculos societários ou empregatícios formais, assumir a condição
de selecionador e mediador, e realizar o ajuste fino entre a obra, a editora e o leitor
(Lima & Mariz, 2010). E pensar nesses termos de modo algum significa igualar as
vantagens obtidas pelo editor/proprietário às do editor técnico/ mediador. A ideia deste
tópico é justamente sublinhar tais diferenças. O editor especialista é elemento vital para
atender aos interesses conjunturais – no limite, o editor não é necessariamente quem
assina o cheque, mas certamente é detentor de um carimbo de qualidade 47
. Para
Bourdieu, “o editor faz parte dos padrinhos prestigiosos (...) que garantem os
testemunhos obsequiosos de reconhecimento” (2008: 22-23). Em opinião muito
parecida à do sociólogo francês, o historiador Robert Darnton informa que
como insistem os historiadores do livro, autores
escrevem textos, mas livros são produzidos por
profissionais do livro, e esses profissionais exercem
funções que vão muito além de manufaturar e difundir
um produto. Editores são guardiões de portais,
responsáveis por controlar o fluxo do conhecimento. Da
variedade sem limite de material suscetível de ser
tornado público, selecionam o que, acreditam, irá
vender ou deve ser vendido [grifo meu] (2010:16).
É a partir desse sentido do editor como mediador que se compreende o papel
decisivo de Florestan Fernandes ao colocar, no final da década de 1970, sua posição de
líder intelectual e moral das Ciências Sociais a serviço do projeto editorial GCS da
(1998:53). É nesse vácuo que surgem os coordenadores de coleção, editores técnicos e demais
profissionais especializados, com a missão de recompor esse papel de legitimador. 47
Octavio Ianni manifesta a seguinte opinião a respeito da atividade do editor de livros: “O livro
é uma mercadoria como outra qualquer. Mesmo que [o pesquisador] tenha escrito por
diletantismo, ou para revolucionar ciências e filosofias, nas mãos do editor o trabalho intelectual
se transforma em mercadoria, produz lucro.” (2011:206).
74
Ática, gigante do ramo educacional em fase de crescimento, conforme ressalta Borelli:
“[o] projeto editorial da Ática [foi] bem sucedido comercialmente por desenvolver um
esquema produtivo que responde, oportunamente, aos sinais enviados pela realidade do
mercado em transformação” (1996:104). Borelli assinala ainda a capacidade dessa
editora de mobilizar com agilidade seu corpo editorial para responder aos estímulos do
sistema educacional, “pensado como totalidade, do 1º ao 3º graus”.
A articulação entre os elos primordiais da cadeia atende a interesses pragmáticos
(retorno financeiro) e simbólicos (distinção da marca) da editora contratante48
, mas nada
é efetivado sem a devida negociação e acomodação entre os agentes situados no panteão
hierárquico dos diferentes campos acionados. O renome do cientista social e mediador
Florestan Fernandes, isto é, seu acúmulo de respeitabilidade como cientista, educador e
militante político, garantiu à Ática a legitimidade e a repercussão da coleção, lançada
em uma ocasião comercial e política oportuna; por outro lado, a editora ofereceu ao
cientista social, então professor na pós-graduação da PUC-SP, condições para propor
critérios teóricos e orientações de fulcro ideológico. Basta uma vista rápida na lista dos
60 volumes da GCS, em especial aqueles classificados na série de Política, para
verificar quais eram as suas convicções como militante político49
.
Tal liberdade o ajudava também a valorizar (ainda mais) sua posição no âmbito
da política acadêmica e intelectual50
. Para Gerárd Leclerc, “a entrada e a pertença ao
48
Sobre essa relação entre o comercial e o simbólico daqueles que Bourdieu denominou, em A
produção da crença, de “banqueiros culturais” (entre eles o editor de livros e o marchand) é
importante lembrar-se da ideia de denegação, que não se trata absolutamente de “negação real
do econômico”, nem de simples “disfarce ideológico”, mas de uma composição na qual se
levaria em conta na narrativa de apelo para aquisição aspectos essencialistas e pretensamente
“desinteressados” próprios da “produção e circulação dos bens culturais”. (2008:21).
49 Ver a lista completa de títulos da coleção GCS no subitem 2.5.
50 Um resumo sobre a definição do intelectual encontra-se em Pinheiro Filho (2011). O livro de
Fuller (2006), ainda que pretenda historiar e analisar o perfil do intelectual tem como objetivo
alcançar o público leigo com uma linguagem bem-humorada.
75
mundo da edição fornece aos (...) seus beneficiários uma espécie de “poder
intelectual”.” Em resumo, “dirigir uma coleção numa editora” é, no limite, “um meio de
avaliar, controlar e administrar a produção de seus pares” (2004:78). Detentor de um
discurso autorizado, Florestan Fernandes a um só tempo legitimava seu time de
organizadores e reafirmava, como coordenador editorial, seu poder legitimador. Para
completar a simbiose editora-editor, a militância de Florestan Fernandes era vista com
simpatia por figuras influentes dentro da editora Ática, como o jornalista e ex-preso
político José Adolfo de Granville Ponce, um homem com “formação política de
esquerda” (Paixão et. al., 1995: 230). Granville Ponce é um dos autores/ organizadores
do livro Tiradentes, um presídio da ditadura (Scipione, 1998) e personagem decisiva
para a criação da coleção Ensaios, lançada no ano de 1975.
Em matéria publicada no “Segundo Caderno” do jornal O Globo de 19 de agosto
de 1995, alguns dias após a morte de Florestan Fernandes (cf. “A origem da rebeldia”),
o então gerente editorial da Ática, José Bantim Duarte51
, destacava a contribuição do
cientista social para o êxito da coleção GCS: “Era ele [Florestan] quem lia e indicava
textos, sugeria tradutores, enfim, fazia quase o papel de editor” (1995:5). A expressão
“quase” na fala de Bantim Duarte não deve ser interpretada como uma negação de que
Florestan seria o verdadeiro editor da GCS, mas sim como uma forma de demarcar a
hierarquia interna da editora, afinal, o autor de A revolução burguesa no Brasil (1975)
não era funcionário registrado, tampouco gozava de poderes administrativos na Ática.
O refinamento intelectual e a radicalização do socialismo de Florestan naquele
final dos anos 1970, início dos 1980, encontraram a sua síntese na coleção da Ática.
Como se verá a seguir, um dos pontos de partida da GCS foi uma seleta de escritos de
Lênin, compilada por Florestan em 1972 (Soares, 1997), provavelmente a pedido de
51
José Bantim Duarte deixou a gerência editorial da Ática para fundar, em 2002, a Disal.
76
Octalles Ferreira, da CEN, o primeiro entusiasta do projeto da GCS. Com a morte de
Ferreira, a crise financeira e a “estatização” da editora, via BNDE, em 1974, o projeto
foi transferido para a Ática, explica Hallewell (2012:418). Dessa forma, a ação política,
acadêmica, editorial e comercial beneficiaria às partes envolvidas, servindo para
reafirmar posições dentro dos respectivos campos.
2.3 O editor-mediador Florestan Fernandes e o nascimento da coleção Grandes
Cientistas Sociais.
Desde o início de suas atividades como acadêmico e militante político, Florestan
Fernandes realizou constantemente trabalhos editoriais. Para bem exercer a ciência e a
política uma das prerrogativas é a utilização adequada das publicações impressas – e
atualmente também das plataformas digitais. Livros, panfletos, jornais e revistas
(científicas ou não) servem como meios para comunicar resultados de pesquisas,
ideologias políticas e informações diversas. Mas o ato de publicar, como escreve Villas
Bôas, não apenas “completa uma etapa do saber”; deter um papel dentro do sistema
editorial é, em si, uma maneira de contribuir para o processo de difusão do
conhecimento e, evidentemente, confere ao agente poder legitimador.
O editor-mediador tem sido uma função desempenhada por vários cientistas
sociais nas últimas décadas. Para Leclerc, esta é uma forma de “promover a obra dos
colegas, influenciar sua produção, agir sobre a notoriedade dos pares” (2004:78).
Complemento o argumento de Leclerc com a convicção de que dirigir uma editora ou
editar/ coordenar uma coleção é um meio para afirmar o que é ou não é considerado
legítimo, clássico, recomendável, digno de atenção. O desconforto de Martins com Ianni
após o imbróglio Nisbet segue nessa linha. Florestan Fernandes não é um caso isolado
de cientista social na condição de editor. No próximo quadro, apresento uma breve lista
com profissionais gabaritados das Ciências Sociais, de diferentes países, que
enveredaram pelo mundo editorial:
77
Cientistas sociais como editores/ coordenadores: alguns exemplos
Cientista Social Posição Editorial
Ricardo ANTUNES Coordena a coleção Mundo do Trabalho, da
Boitempo Editorial.
Pierre BOURDIEU (1930-2002) Desenvolveu para a Le Éditions de Minut o selo
editorial Le sens commun.
Anthony GIDDENS Dirigiu a Polity Press, de Cambridge, editora
especializada em obras de ciências humanas.
Bernard LAHIRE Coordena, desde 2002, a coleção Laboratoire des
Sciences Sociales, da Éditions la Découverte.
John B. THOMPSON Diretor editorial da Polity Press.
Gilberto VELHO (1945-2012) Coordenou as coleções Biblioteca de Ciências
Sociais e Antropologia Social, da Zahar.
No mercado editorial de livros, a primeira atuação de Florestan representaria a
simbiose teoria-ação que décadas mais tarde consagraria o cientista social paulistano.
Em um trabalho orientado pelo Partido Socialista Revolucionário (PSR), agremiação
dirigida pelo jornalista trotskista Hermínio Sacchetta (1909-1982), editor da Folha da
manhã, Florestan Fernandes traduziu e escreveu o texto introdutório de Contribuição à
crítica da economia política, de Karl Marx, livro publicado em 1946 pela Flama, braço
editorial do PSR (Soares, 1997; Sereza, 2005). Esta teria sido a “tarefa de maior
envergadura da militância trotskista de Florestan” (Sereza, 2005: 75). Colaborador
regular da Folha, Florestan fora convencido pelo amigo Sacchetta para a ação
revolucionária, concomitantemente ao seu mergulho na pesquisa antropológica sobre os
tupinambá, tese de mestrado realizada e defendida na Escola Livre de Sociologia e
Política de São Paulo (ELSP). Naquela época, Florestan dava seus primeiros passos na
trajetória docente como segundo-assistente da cátedra de Sociologia II na FFCL/USP.
Embora tenha posteriormente optado pela carreira acadêmica na USP, com o
alegado consentimento dos dirigentes do PSR (Sereza, 2005; Sacchetta, 2011),
Florestan Fernandes jamais deixou de reconhecer o efeito de sua militância de esquerda,
ideologia política da qual jamais se afastou, conforme demonstram Soares (1997),
78
Souza Martins (1998) e Garcia (2002) 52
. Nunca houve uma cisão absoluta entre o
“Florestan cientista” e o “Florestan político”, apenas períodos em que a balança pendeu
para um lado ou para o outro 53
. Segundo o jornalista Vladimir Sacchetta, filho de
Hermínio, a origem do conflito íntimo de Florestan 54
, que nos anos 1940 estava
dividido “entre duas forças não antagônicas, mas igualmente absorventes representadas
pelo PSR e pela Universidade”, seria plenamente resolvido na década de 1980, com a
filiação, em 1986, ao Partido dos Trabalhadores (PT), agremiação com a qual tinha
divergências (Cerqueira, 2004); as aulas e palestras proferidas em universidades,
seminários e cursos livres no Instituto Sedes Sapientiae55
; nos discursos como deputado
constituinte entre 1987-1988; e nos artigos publicados na Folha de S. Paulo, quando
“tornara-se o homem-síntese que, aliando teoria à prática, personificava a ciência como
instrumento transformador” (2011: 9). A meu ver, o “homem-síntese” a qual Sacchetta
se refere encontra-se em sua atuação como coordenador editorial da coleção GCS.
A experiência de Florestan Fernandes na editora Flama colocou-o em contato
com a literatura marxista (Marx, Engels, Trotsky, Lênin), de modo a suprir uma
insuficiência das Ciências Sociais, então dominada pela sociologia americana
(funcionalismo parsoniano, Escola de Chicago), fonte bebida por Florestan na ELSP e
no debate com Donald Pierson (1900-1995); e pela tradição francesa representada por
52
De acordo com Garcia, a amizade de Florestan com Hermínio Sacchetta foi uma “referência
fundamental” para a abertura de horizontes de combate e diálogo intelectual (2002: 115).
53 Retomando neste tópico a famosa discussão weberiana sobre as “duas vocações”, pode-se
afirmar que, em Florestan Fernandes, ciência e política são vocações que não se repelem; antes
se entrecruzam. “O predomínio da ciência natural acabou excluindo a ciência da esfera do
político”, argumenta Florestan: “Esta perspectiva não pode ser mantida após o aparecimento das
ciências sociais”, completa. (2006:44).
54 Nas palavras de José Paulo Netto, “num processo de dilaceramento intelectual e emocional,
cuja dramaticidade é cristalina em seus depoimentos retrospectivos, [Florestan Fernandes] opta
por uma carreira acadêmica stricto sensu (...)” (2004:204).
55 Sobre o Instituto Sedes Sapientiae, ver <http://sedes.org.br/site/>.
79
Durkheim e Mauss, orientação teórica vivida intensamente por ele em sua relação com
Roger Bastide (1898-1974) na USP. Entre as duas vertentes, havia espaço para autores
de outras bandeiras, como Weber e Mannheim, e Glaucia Villas Bôas é segura ao
afirmar que havia “interesse pelos autores alemães, assim como boas traduções e
publicações”, desde o processo de institucionalização das Ciências Sociais no Brasil
(2006:17), relativizando a visão consagrada de sociologia brasileira como uma
combinação entre a sociologia americana e francesa. Mas, nos anos 1940, Karl Marx era
pouquíssimo lido fora dos círculos das organizações de esquerda. Para Florestan,
os debates eram sérios e profundos [dentro da
organização trotskista PSR]; a documentação
externa, vinda do movimento internacional,
alargava a visão dos problemas da revolução
mundial e dos seus entraves. Era nisto e nos
lançamentos da editora Flama que se
concentravam os verdadeiros vínculos com a
aprendizagem marxista e o processo
revolucionário como aspiração política decisiva
[grifo meu] (Florestan apud Garcia, 2002: 115).
O contato de Florestan Fernandes com os mecanismos de imprensa fornecia um
espaço estratégico para que transmitisse a sua, na adequada definição de Sereza,
“inteligência militante”. Sobretudo quando a ditadura retirou à força o autor de
Mudanças sociais no Brasil (1960) da FFCL/USP na Rua Maria Antônia. Mas já em
seus primeiros anos como intelectual na década de 1940, Florestan colaborava nas
mencionadas Folha da manhã e Flama, via Hermínio Sacchetta; no Estado de S. Paulo,
incentivado pelo crítico literário, jornalista e agitador cultural Sérgio Milliet (1898-
1966), um dos fundadores da ELSP; e no extinto Jornal de São Paulo. Como
pesquisador bastante produtivo, Florestan publicava ainda artigos em revistas
acadêmicas como Sociologia, Anhembi e Revista do Arquivo Municipal. No ano de
1949, lançou seu primeiro livro, derivado de seu mestrado, intitulado A organização
social dos tupinambá (Instituto Progresso Editorial).
80
Pouco depois de ser “aposentado compulsoriamente” de sua cátedra na USP em
1969, Florestan Fernandes aceitou lecionar na University of Toronto, posição de
prestígio com a qual nunca se acostumou, enquanto vários de seus colegas cassados,
muitos deles ex-alunos do próprio Florestan, optaram por fundar o Centro Brasileiro de
Análise e Planejamento (CEBRAP), com subsídio da Ford Foundation, uma das razões
alegadas para a recusa de Florestan participar do projeto conduzido por, entre outros,
Fernando Henrique Cardoso, Octavio Ianni, que ingressou no instituto no ano posterior
à sua fundação56
, Francisco de Oliveira, Ruth Cardoso (1930-2008) e Paul Singer.
Assim como os integrantes do CEBRAP criaram a revista Novos Estudos,
Florestan investiu seus esforços em iniciativas editoriais, quer na autoria e organização
cada vez mais frequente de livros, quer na codireção, entre 1972 e 1978, das revistas
Debate & Crítica e Contexto, em conjunto com José de Souza Martins, Jaime Pinsky e
Tamás Szmrecsányi (1936-2009). Nas conversas em torno dessas publicações, afirma
Souza Martins em depoimento para o livro Conversas com sociólogos brasileiros, “a
USP cassada se encontrava com a USP não cassada, em torno de um trabalho intelectual
de grande relevância acadêmica”. (2006:157). Em tempo: Pinsky utilizou o nome
Contexto para a sua editora de livros fundada em 1987, situada no bairro da Lapa, zona
oeste da cidade de São Paulo, com um catálogo voltado para as Ciências Humanas.
Nos anos 1970 e 1980, Florestan Fernandes lançou ou reeditou seus livros por
nada menos do que doze editoras: Nacional, Difusão Europeia do Livro, Hucitec, Zahar,
Vozes, Alfa-Ômega, T.A Queiroz, Paz e Terra, Brasiliense, Estação Liberdade, Cortez e
Ática. Ao circular por todas essas casas publicadoras, Florestan emprestou seu prestígio
intelectual e, em troca, alargou suas instâncias de legitimação. Na Hucitec, além de
publicar livros de sua autoria, dirigiu a coleção Pensamento Socialista.
56
Segundo Bernardo Sorj, “Octavio Ianni, que no início não participou da criação do CEBRAP
– pois se opunha ao financiamento da Ford –, veio, um ano depois, a integrar-se” (2001: 32).
81
Florestan Fernandes compreendeu com argúcia a dinâmica do campo editorial e
soube desatar as amarras da censura justamente na época em que assumia de vez sua
convicção socialista e a sua vocação de militante. Radicaliza, assim, a sua postura de
“pedagogo da revolução”, esboçada entre “1964 e 1968”, quando “ultrapassa o terreno
da Sociologia (...) e franqueia a fronteira do socialismo revolucionário”. (Netto, 2004:
207). E os campos acadêmico e editorial encaixavam-se aos seus propósitos. No
“terreno” editorial, escreve José Paulo Netto,
é notável a sua contribuição à dinamização da
produção editorial, especialmente através das
chancelas Hucitec e Ática – nesta última, avulta
o empreendimento da coleção “Grandes
Cientistas Sociais”. (2004:215, n. 20).
A coleção GCS, citada por Netto, não surgiu na mesma velocidade de sua
profusão de títulos lançados, especialmente no período entre 1978 e 1986. Começou
timidamente no princípio dos anos 1970, quando Florestan Fernandes, cada vez mais
apaixonado pela teoria marxista-leninista, decidiu realizar leituras sistemáticas dos
textos de Vladimir Lênin. A admiração pelo autor de O que fazer? (1902), expoente da
Revolução Russa, é declarada em carta datada de 26 de outubro de 1972 a uma amiga e
confidente, a socióloga Barbara Freitag, graduada, mestra e pós-doutora pela Freie
Universtität Berlin e que viria a organizar, em parceria com o marido, o filósofo e
diplomata Sergio Paulo Rouanet, o volume sobre Habermas da GCS (1980):
Ando relendo Lênin... Volto a um universo que
me fascina, hoje ainda mais que no passado.
(...) O mundo perdeu um “scholar” completo e
apaixonado. Espanta-me como aos 23 e aos 24
anos já tinha um domínio profundo de Marx e
plena segurança no manejo do método dialético
(Fernandes apud Soares, 1997: 78).
Não é difícil vislumbrar no discurso de Florestan Fernandes, revelado pela carga
emotiva característica de suas missivas escritas à Freitag, o sentimento de ter
82
encontrado na figura de Lênin um “homem-síntese” da teoria e da ação, tal como
Vladimir Sacchetta definiria, anos depois, Florestan. O retorno ao – e em certo sentido a
redescoberta do – pensamento leninista tinha ganas de divulgação teórica e ação
revolucionária. O cientista social paulistano preparava naquele ano de 1972 uma
compilação de escritos de Lênin. “Em 1972”, informa Eliane Veras Soares, “[Florestan]
preparou um livro de leituras básicas de Lênin, que viria a ser publicado em 1978.”
(1997: 78). Era este o quinto volume da coleção GCS, mas o hiato de seis anos entre a
elaboração da coletânea e sua definitiva publicação nos permite brechas para investigar
as razões para tamanha demora, na medida em que Florestan Fernandes continuava a ter
reputação dentro do sistema editorial de livros para o mercado universitário.
A resposta com maior coerência e consistência para esta questão parte da pena
de Hallewell. A ideia, em princípio, era que Florestan Fernandes fosse o supervisor de
uma coleção de livros de “estudos universitários”, mais precisamente de Ciências
Sociais, a ser editada pela Companhia Editora Nacional, dirigida por Octalles
Marcondes Ferreira. Como Hallewell afirma que as tratativas eram diretas entre
Florestan e Ferreira, e as conversas se deram “pouco antes” da morte deste último57
,
presume-se que o volume sobre Lênin entraria nessa série de livros cujo nome estava
definido. Seria denominada de Grandes Cientistas Sociais. O falecimento de Octalles
Ferreira, e a crise financeira da CEN, fizeram com que o projeto fosse abortado, ainda
mais com o cenário claustrofóbico do governo Médici. A descrição do bibliotecário é
primorosa, mas novamente peca por um erro: ao contrário do que está transcrito no livro
de Hallewell, a Ática lançou a coleção em 1978, e não em 1980. (2012: 418).
57
Há controvérsias sobre o ano de nascimento e morte de Octalles Marcondes Ferreira. Alguns
livros e sites colocam sua data de nascimento e morte como 1889-1972 ou 1901-1972; outros
como 1901-1973; e ainda 1900-1973. Nem o livro de Hallewell (2012), nem o estudo de Toledo
sobre a CEN (2010), arriscam-se a precisar tais datas, uma praxe em pesquisas históricas. É,
porém, seguro afirmar que em 1974 Octalles Ferreira já havia falecido.
83
Na entrevista que me concedeu em maio de 2013, o editor Fernando Paixão não
conseguiu precisar quando a coleção começou a ser realmente ventilada pelos
corredores da editora Ática, mas o projeto “provavelmente” foi gestado por volta de
1975, um ano após a crise financeira na CEN, que redundaria na “estatização”, via
BNDE, da histórica editora, após a frustrada tentativa de aquisição por parte da Livraria
e Editora José Olympio. Em 1980, o catálogo da Companhia Editora Nacional foi
comprado pelo Instituto Brasileiro de Edições Pedagógicas (IBEP).
Ao perceber que o projeto seria suspenso por tempo indeterminado pela
turbulenta CEN, Florestan Fernandes iniciou rapidamente conversas com os diretores da
editora Ática, que, cientes da expansão do ensino superior, buscavam justamente
aproximar-se do público universitário, em diálogo iniciado com a coleção Ensaios,
gerenciada por Granville Ponce e colocada nas prateleiras das livrarias em 1975.
Quando a coleção GCS foi, enfim, lançada com a chancela da Ática no ano de
1978, sete títulos saíram de forma quase simultânea e pela seguinte ordem numérica:
Durkheim, Febvre, Radcliffe-Brown, Köhler, Lênin, Keynes e Comte. E apesar da
resposta tímida da imprensa – foram escassas as matérias – os primeiros números de
vendas foram, segundo a lembrança de Paixão, favoráveis. Além disso, nenhum dos
títulos sofreu censura prévia. Em parte, porque o caráter de coleção didática voltada
para o ensino superior inibia os órgãos de repressão a fazer reparos. E havia em jogo,
claro, todo o poderio de negociação e produção da editora Ática. Boa parte dos livros,
publicados em etapas, foram elaborados pelos organizadores anos antes do acerto de
Florestan Fernandes com a Ática, demonstrando que a coleção estava em andamento
pela CEN. Lançado em 1982, o volume sobre Karl Mannheim foi organizado por
Marialice Mencarini Foracchi, falecida em 1972.
84
Interessada tanto na lucratividade quanto na distinção que a marca GCS poderia
lhe conferir, em situação parecida à ocorrida com a Ed. Abril Cultural e sua coleção Os
pensadores ou, décadas antes, o prestígio acumulado pela CEN com sua Brasiliana, a
Ática conseguiu lograr a não interferência do governo no lançamento dos livros. E, para
completar, a coleção GCS saía da gráfica com se já tivesse passado por cinco instâncias
de legitimação: 1) o peso do selo editorial Ática; 2) a grife do coordenador Florestan
Fernandes; 3) a respeitabilidade e titulação acadêmica dos organizadores; 4) o projeto
gráfico de um artista prestigiado, Elifas Andreato; 5) o autor abordado em cada volume.
Acompanhar os livros escritos e organizados por Florestan Fernandes desde o
final dos anos 1940 até seus últimos dias de vida, é ter uma visão clara das
preocupações do cientista social em cada momento de sua carreira. Quando descrevi
que uma separação entre o “Florestan cientista” e o “Florestan militante” era imprecisa
e simplória, em consonância com a opinião da maioria de seus comentadores (Soares,
1997; Souza Martins, 1998; Cerqueira, 2004; Sereza, 2005; Ianni, 2011; Sacchetta,
2011), deixei como adendo que o movimento era pendular, e durante parte expressiva
de sua trajetória, a ambição de ser o “inventor” e autoridade legitimadora da, nos dizeres
de Miceli (2012), “sociologia científica” no país também o motivou intensamente.
A Ática evidentemente estava interessada nesta faceta, apresentada por ele nos
seus livros entre 1949 e 1975, ainda que fossem outras as circunstâncias por ocasião do
lançamento da GCS. Leitor de Lênin, Trotsky e orador de discursos socialistas,
Florestan Fernandes antes investiu seus esforços para vencer batalhas internas e
externas à USP e afirmar e regrar as Ciências Sociais. Ninguém assina uma obra com
traços biográficos com o título de A sociologia no Brasil (1977), em postura meio
arrogante, se não tivesse essa pretensão de ser o sistematizador teórico, metodológico e
mesmo burocrático-administrativo das Ciências Sociais, e da Sociologia em particular
85
no Brasil. É uma marca de abnegação e combatividade que Garcia (2002), Cerqueira
(2004) e Sereza (2005) querem revelar em várias passagens de seus respectivos livros.
Garcia, por sua formação e linha de pesquisa, tinha maior inclinação a desconfiar dessa
narrativa heróica. Cerqueira e Sereza embarcam facilmente na exaltação. O menino
engraxate que enfrentava a concorrência dos grandalhões, o atendente de bar que lia
vorazmente no balcão e no sacolejar dos bondes, o sociólogo de alto nível que recusava
subsídios estrangeiros. O começo, o meio, o fim. Em “A ilusão biográfica”, Bourdieu é
taxativo em sua crítica a esse tipo de narrativa:
Essa propensão a tornar-se ideólogo da própria
vida, selecionando, em função de uma intenção
global, certos acontecimentos significativos e
estabelecendo entre eles conexões para lhes dar
coerência, como as que implica a sua condição
como causas ou, com mais frequência, como
fins, conta com a cumplicidade natural do
biógrafo que, a começar por suas disposições
como profissional da interpretação, só pode ser
levado a aceitar essa criação artificial de sentido
(1996: 184-185).
Em meu ponto de vista, as considerações bourdianas são convincentes – embora,
no livro Esboço de autoanálise, Bourdieu tenha procurado sociologizar e explicar sua
história, disfarçando-a habilmente com uma linguagem intrincada e a epígrafe “Isto não
é uma autobiografia”. No entanto, para efeito desta pesquisa, os livros de depoimentos
de e sobre Florestan são uma fonte da qual não posso fugir. Elas são reveladoras
inclusive naquilo que ocultam. Assim sendo, a certa altura dos fatos, o projeto oficial de
Florestan era fazer da Sociologia uma ciência digna e austera, sem interferência de
militância política explícita. Os livros Fundamentos empíricos da explicação
sociológica (1959), Ensaios de Sociologia Geral e Aplicada (1960), Elementos da
Sociologia Teórica (1970), além das coletâneas que organizou para a CEN Comunidade
e sociedade no Brasil: leituras básicas de introdução ao estudo macrossociológico no
Brasil (1972) e Comunidade e sociedade: leituras sobre problemas conceituais,
86
metodológicos e de aplicação (1973) nos mostram um acadêmico imbuído do espírito
de cientista, mesmo após sua cassação. E ele incentivava seus alunos na prática: Homem
e sociedade: leituras básicas de Sociologia, organizado por Fernando Henrique Cardoso
e Octavio Ianni em 1961, possui essa marca. Dai porque separar Florestan em esferas,
ou romantizar sua biografia como guerrilheiro de ideias e ideais, é um desserviço e
dificulta o entendimento da complexidade e das contradições, de sua vida e obra. Netto
(2004) não está equivocado ao chamá-lo de “pedagogo da revolução”, mas às vezes
Florestan revelou-se um conservador em termos de teoria e método sociológico (e essa
ambivalência progressismo-conservadorismo é uma discussão que vale, quem sabe, uma
tese de doutorado). Por melhor que fossem suas intenções, como o desejo de reduzir o
descompasso entre a modernização institucional do país e os comportamentos políticos
e culturais retrógrados, ele também se apegava aos analistas positivistas, como pontuou
Freitag a respeito dos trabalhos de Florestan antes de sua cassação:
Como conclusão de minha dissertação defendida em
1967, deparei-me com um paradoxo. Por um lado,
Fernandes recorria a uma sociologia positivista, com
teorias baseadas em Durkheim, Weber, Radcliffe-
Brown, Mannheim e Hans Freyer, essencialmente
"acadêmicas" e "conservadoras"; e, por outro, o nosso
autor demonstrou ser um cientista social crítico e
engajado, que na Campanha em defesa da Escola
Pública (1962), voltada para os oprimidos, excluídos e
marginalizados, defendeu com veemência uma causa
política, quebrando a "neutralidade" do cientista,
exigida pelo positivismo (2005:235)
Essa capacidade de Florestan apontada por Freitag, o trânsito do sociólogo nos
campos editorial e acadêmico, foram absorvidas na GCS e conferiu à coleção uma
autoridade única, em que ciência e política, teoria e crítica, caminhavam juntas.
87
2.4 – Mapa da coleção I: Os organizadores
Como esclarece Gerard Leclérc (2004), em passagem citada anteriormente, o
trabalho de edição e coordenação editorial confere ao acadêmico um “poder intelectual”
que invariavelmente extrapola o campo universitário. Ao tomar a frente da coleção GCS
nos anos 1970, Florestan Fernandes atuava como um agente legitimador de um conjunto
de intelectuais, jovens ou veteranos, delegando a eles a responsabilidade de estabelecer
a mediação dos clássicos das Ciências Sociais com seu público-leitor. Essa decisão de
ordem editorial implica em questões profundas.
Tome-se como exemplo qualquer um dos autores contemplados com um volume
na GCS. Dificilmente podemos questionar as credenciais do organizador designado,
porém, parece-me acertado dizer que existem outros pesquisadores/ acadêmicos tão ou
mais versados nesse mesmo autor. Em uma editora, diariamente é preciso driblar
circunstâncias como disponibilidade de tempo para o trabalho; problemas familiares e
de saúde do profissional sondado; contratos firmados com outras casas publicadoras; e
assim por diante. Seria leviano excluir fatores dessa monta no processo de seleção dos
organizadores, mas não resta dúvida, de acordo com o levantamento realizado, que
Florestan Fernandes privilegiou, ao menos nos volumes de maior magnitude,
acadêmicos/ intelectuais com quem mantinha afinidade teórica e política.
Na medida em que a coleção estava em curso antes de a editora Ática bater o
martelo e lançá-la no mercado (e a presença de uma organizadora falecida seis anos
antes como Foracchi comprova esta assertiva), Florestan procurou compor seu time
central com ex-alunos, colaboradores, companheiros de militância política, docentes da
USP e da PUC-SP. Isso implicou em afastamentos, mal-entendidos e discordâncias com
velhos amigos. O depoimento de José de Souza Martins, ex-aluno, e autor de uma
laudatória biografia de Florestan é cristalino nesse sentido. Robert Nisbet, que para
88
Souza Martins mereceria um volume, foi cortado da lista por sugestão de Octavio Ianni
e concordância de Florestan Fernandes.
Em relação a Fernando Henrique Cardoso, outro ex-aluno e colega de docência,
a razão provável de sua não participação na GCS se deve à guinada política que o levou
a candidatar-se à suplência do senado pelo MDB. Quanto a Antonio Candido, gozando
do status de maior crítico literário do país, o artigo de Jackson (2007) é revelador de
uma tensão também trabalhada por Pulici (2008), quando a autora se refere às “versões
conflitivas” sobre a “condição de sociólogo” no ambiente uspiano no período das
cátedras de Sociologia I e II. Havia, para Jackson, uma diferença significativa entre a
“sociologia científica” de Florestan e a “cultura humanística” de Candido. “Os dois
encarnavam pontos de vistas quase opostos, expressos em textos decisivos nas décadas
de 1940, 1950 e 1960” (2007:35). A amizade de décadas permaneceu intocada, mas
aparentemente não havia espaço para Candido na coleção. No prefácio à obra de Pulici,
Brasilio Sallum Jr. faz menção a uma dicotomia dentro da FFCL entre “saber
interessado contra engajado, valorização da literatura, da filosofia e do ensaio versus
afirmação da ciência e da sociologia como disciplina autônoma” (2008:17).
Em termos regionais, também fica evidenciado, no quadro geral, que Florestan
Fernandes optou por organizadores vinculados a instituições paulistas, entre elas a USP,
a UNESP, a UFSCar, a Unicamp e a PUC-SP, salvo exceções como Evaristo de Moraes
Filho, Francisco Iglesias (1923-1999), Roberto DaMatta e Barbara Freitag – com esta
última, Florestan mantinha um vínculo afetuoso, cúmplice, comprovado pelas cartas
apresentadas no livro de Soares (1997). Em tempos pré-internet, a opção por
pesquisadores fisicamente próximos era um facilitador para o trabalho da equipe
editorial da Ática, liderada cotidianamente por Maria Carolina de Araújo, profissional
89
incumbida de gerenciar o fluxo de produção, realizar contato com tradutores e revisores,
negociar com editoras estrangeiras e cobrar os textos introdutórios dos organizadores.
De todo modo, o elenco de organizadores da GCS reflete as disputas no campo
das Ciências Sociais e minimizar este aspecto é tapar as vistas para uma problemática
tão comum ao universo acadêmico, conforme esclareceu Bourdieu em dois livros: um
de inquestionável vigor teórico (Homo academicus, 2011) e outro com experiências
pessoais (Esboço de autoanálise, 2010). Sobre o embate com Gilberto Freyre, não resta
muito a comentar. Sua visão política e a própria linha metodológica do autor de Casa-
grande & Senzala não se afinava com a perspectiva teórico-metodológica de Florestan,
e essa separação acentuou-se por conta das críticas contundentes de discípulos uspianos,
que fizeram Freyre ser proscrito por décadas do sistema universitário. Sabe-se, todavia,
que ao se atribuir a função de sistematizador da linguagem sociológica dita científica
(Miceli, 2012), Florestan jamais deixou de reconhecer a grandeza gilbertiana na
conversão da “análise histórico-sociológica da sociedade brasileira (...) em investigação
positiva”. Esse movimento se completa “nas contribuições de Gilberto Freyre,
considerado por muitos o primeiro especialista brasileiro com formação científica”
(Fernandes apud Ianni, 2011: 25).
Em suma, o ensaísmo de Freyre – e de Caio Prado Jr. (1907-1990) e Sérgio
Buarque (1902-1982) – diferia de outras contribuições de caráter diletante, viés literário,
e com insights aproveitáveis, mas com pouca consistência metodológica. A versão fac-
simile de uma carta datada de 15 de maio de 1961, inserida no livro O imperador das
ideias – Gilberto Freyre em questão (2001) enfatiza o respeito de Florestan por Freyre.
O primeiro insistia para que o “mestre de Apipucos” participasse de bancas de
90
doutoramento na USP58
. As frequentes recusas parecem ter aprofundado discórdias,
aumentadas após o Golpe de 1964. Para se diferenciar, a sociologia da USP precisava de
um paradigma a combater. E este paradigma atendia pelo nome de Gilberto Freyre.
Outros dois centros de referência em Ciências Sociais localizavam-se no Rio de
Janeiro e em Brasília. No Rio, havia o Museu Nacional, mas o norte era mesmo o
Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), fechado após 1964, e seus sociólogos
Hélio Jaguaribe e Alberto Guerreiro Ramos (1915-1982). A excessiva politização dos
ex-isebianos não era vista com tanto desdém pelo “cientista” Florestan, mas a falta de
maior contato os teria afastado da coleção. Fernando Henrique Cardoso, em depoimento
a Sorj definia a sociologia paulista como “anti-ISEB” (2001:14). Mas Gláucia Villas
Bôas coloca-os em certa paridade ao declarar enfaticamente que todos pertenciam a uma
mesma “geração de mannheimianos”. Segundo a autora,
O interesse dos editores na publicação de livros
de Mannheim é um indicativo relevante da
repercussão de suas ideias no Brasil. (...) Na
revista Sociologia, artigos de Emílio Willems,
Roger Bastide, Antonio Candido, Florestan
Fernandes e Costa Pinto atestam que havia uma
leitura exploratória da obra do autor. (...) Na
Revista do Serviço Público, no final da década
de 1940, Guerreiro Ramos analisava diversos
autores e temas da sociologia numa seção
chamada “Bibliografia crítica”, referindo-se
com propriedade a conceitos atribuídos a
Mannheim [grifo meu] (2006:89).
A contenda com a Universidade de Brasília (UnB) tem raízes, diria,
institucionais. De acordo com a fala do sociólogo e ex-presidente da República
Fernando Henrique Cardoso, em documentário sobre sua trajetória (cf. “A Construção
de Fernando Henrique”, 2012), Darcy Ribeiro teria tentado levar todo o núcleo de
Ciências Sociais da chamada Escola Paulista de Sociologia para a capital federal. Após
a negativa, as relações teriam ficado estremecidas.
58
Na carta, Florestan Fernandes afirma ao “prezado amigo”: “devemos quebrar velhas barreiras
e estreitar a nossa cooperação, para favorecer o desenvolvimento da sociologia em nosso país”.
91
Diante dessa rede de implicações e complicações, a equipe de organizadores da
GCS enfim se estabeleceu. E pensar neles é entender que, como Florestan, foram eles os
mediadores, muitas vezes em primeira mão, de uma série de teorias e pesquisas recém-
traduzidas. A leitura crítica que fizeram nos textos de abertura influenciaram gerações.
Para Goulemot, “ler é (...) constituir, e não reconstituir um sentido”, pois “a leitura é
uma revelação pontual de uma polissemia do texto” (2011:108). Ora, o Walter
Benjamin mediado por Flavio Kothe, organizador de tal volume, seria o mesmo se o
organizador fosse outro, ainda que por coincidência escolhessem textos idênticos para
compor o volume? Bourdieu completa o raciocínio ao lembrar a existência de uma
“divisão do trabalho intelectual” entre o lector/ crítico e o auctor/ escritor (2011: 232).
A seguir, confira a lista com o mapeamento dos organizadores da GCS:
Coleção Grandes Cientistas Sociais – Organizadores dos volumes (A-G)59
Nome Volumes Posição acadêmica à época
Amazonas Alves Lima
(? -1993)
Klein Psicanalista sem vínculos institucionais
com a academia. Ex-mulher do cineasta
Sergio Muniz, que possuía ligações com
Vladimir Herzog e Thomas Farkas.
Anna Maria Martinez Corrêa Mariátegui e Bolívar Professora de História na UNESP, campus
de Marília.
Antonio Carlos Robert de
Moraes
Ratzel Professor do Departamento de Geografia
da USP.
Arno Engelmann Köhler Professor do Departamento de Psicologia
da USP.
Barbara Freitag Habermas Professora do Departamento de Sociologia
da UnB.
Carlos Guilherme Mota Febvre Membro da Sociedade de Estudos
Históricos (SEH) e consultor da Editora
Abril. Seria nomeado professor da USP em
1983.
Ciro Marcondes Filho Prokop Professor de Comunicação na USP.
Edgard de Assis Carvalho Godelier Professor de Antropologia na PUCSP
Edson Passetti Proudhon Professor de Política na PUCSP
Emir Sader Mao Tse-Tung e Fidel Castro No período entre os dois volumes, foi
professor na Unicamp (1984-85). Tornou-
se professor da USP em 1988 e da UERJ
em 1993.
Eunice Durham Malinowski Professora do Departamento de
Antropologia da USP.
59
Os números sobre Klein, Habermas e Proudhon foram escritos em parceria.
92
Evaristo de Moraes Filho Comte e Simmel Aposentado compulsoriamente em 1969,
quando lecionava Sociologia na Faculdade
Nacional de Direito, não retornou à
universidade após a anistia. Recebeu da
UFRJ o título de professor emérito em
1983.
Fábio Hermann
(1944-2006)
Klein Psicanalista, doutor em Psiquiatria pela
Unicamp e integrante da Sociedade
Brasileira de Psicanálise de São Paulo
(SBPSP), da qual seria eleito presidente em
1985.
Flavio Kothe Benjamin Professor de Teoria Literária na PUCSP
(1978-1983) e na PUC-Campinas (1980-
1983) preparava-se para assumir o cargo de
professor na UFG
Florestan Fernandes
(1920-1995)
Lenin e Marx & Engels Ex-professor titular da cadeira de
Sociologia I na USP, da qual foi
aposentado por força da ditadura em 1969,
ocupava o posto de professor de Sociologia
na PUCSP. Era o coordenador da coleção.
Francisco de Oliveira Celso Furtado Professor de Teoria Econômica na PUCSP.
Sociólogo e um dos fundadores do
CEBRAP, ele esteve entre os intelectuais
que ajudaram a fundar o Partido dos
Trabalhadores em 1980.
Francisco Iglesias
(1923-1999)
Caio Prado Júnior Professor livre-docente da Faculdade de
Ciências Econômicas da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG).
Aposentou-se naquele ano de 1982.
Gabriel Cohn Weber e Adorno Professor do Departamento de Sociologia
da USP. Em 1987, migraria para o
Departamento de Ciência Política.
Heloísa Fernandes Wright Mills Com doutorado defendido em 1978,
orientada por Luiz Pereira, Heloísa
Fernandes seria professora de Sociologia
na USP. Filha de Florestan Fernandes.
Isaías Pessotti Pavlov Professor de Psicologia na USP
Grandes Cientistas Sociais – Organizadores dos volumes (J-W)
Nome Volume Posição acadêmica à época
Jacob Gorender
(1923-2013)
Bukharin Historiador autodidata, sem
vínculos estreitos com a academia,
Gorender destacou-se pela
militância política no PCB.
Januário Francisco Megale Sorre Doutor em Geografia Humana pela
USP.
José Albertino Rodrigues
(1928-1992)
Durkheim e Pareto Professor de Sociologia na UFSCar.
José Paulo Netto Engels, Lukács e Stálin. Professor no Instituto Superior de
Economia em Portugal (1978-
1979), no Maestría Latinoamericana
de Trabajo Social na Argentina
(1980) e no Instituto dos Arquitetos
do Brasil (1982).
Jorge Miglioli Kalecki Professor de Sociologia e Economia
na Unicamp.
93
Juarez Brandão Lopes
(1925-2011)
Deutscher Professor da FEA-USP. Foi um dos
fundadores do Cebrap.
Julio Cezar Melatti Radcliffe-Brown Professor do Departamento de
Antropologia da UnB.
Lenina Pomeranz Lange Professora da FES-USP.
Leon Pomer Sarmiento Historiador argentino, Pomer foi
professor da Unicamp – instituição
na qual lecionava na época -,
PUCSP e Universidade de Buenos
Aires. Publicou diversas obras pela
editora Brasiliense no início dos
anos 1980.
Manoel Lelo Bellotto
(1932-2011)
Mariátegui e Bolívar Professor de História da UNESP de
Assis. Foi por duas vezes reitor
daquele campus.
Manuel Correia de Andrade
(1922-2007)
Reclus Professor de Geografia Econômica
da UFPE.
Maria José Garcia Werebe
(1925-2006)
Wallon Era professora de Pedagogia na
USP quando, em 1968, foi
declarada persona non grata. Foi
trabalhar em instituições na França,
como o CNRS, e atuava como
consultora da UNESCO.
Maria Isaura Pereira de Queiróz
Bastide Professora do Departamento de
Sociologia da USP.
Maria Odila Leite da Silva Dias Sérgio Buarque de Holanda Professora do Departamento de
História da USP.
Marialice M. Foracchi
(1929-1972)
Mannheim
A obra foi publicada postumamente.
Marta Elena Alvarez Ho Chi Minh
-
Nilo Odália
(1929-2004)
Varnhagen Professor de História na Unesp de
Assis e presidente da Associação de
Docentes da Unesp. Participou
também com livros nas coleções
“Tudo é história” e “Primeiros
Passos”.
Octavio Ianni
(1926-2004)
Florestan Fernandes e Marx. Ex-professor da USP, aposentado
após o decreto do AI-5, era
professor da PUCSP. Voltou, anos
depois, à universidade pública, na
Unicamp. Hoje em dia a Biblioteca
do IFCH/Unicamp leva seu nome.
Orlando Miranda Trotsky -
Paul Singer
Marx (Economia) Nascido na Áustria, Singer teve seu
percurso na USP interrompido pela
cassação após o AI-5. Era então
professor de Economia na PUCSP.
Um dos intelectuais fundadores do
Partido dos Trabalhadores.
94
Paula Beiguelman
(1926-2009)
Joaquim Nabuco A cientista política da USP foi
aposentada compulsoriamente pela
ditadura civil-militar em 1963, mas
em 1982 já retomara sua trajetória
universitária uspiana.
Paulo Edgard Resende
(1933-2011)
Proudhon Professor do Departamento de
Política da PUCSP e ligado à
Teologia da Libertação.
Paulo Silveira Poulantzas Professor de Sociologia da USP.
Rachel Kerbauy Keller Professora do Instituto de
Psicologia da USP.
Renato Ortiz Bourdieu Professor de Sociologia na UFMG.
Ingressaria depois, respectivamente,
na PUCSP e na Unicamp.
Roberto DaMatta Leach Professor da UFRJ. Também
lecionava em universidades
americanas como Wisconsin,
Berkeley e Harvard.
Roberto Cardoso de Oliveira
(1928-2006)
Mauss Professor de Antropologia Social da
UnB. Teve, nos anos 1970,
divergências com a diretoria do
Museu Nacional-UFRJ.
Rolf Kuntz Quesnais Professor do Departamento de
Filosofia da USP
Sergio Buarque de Holanda
(1902-1982)
Ranke Autor de Raízes do Brasil, Sérgio
Buarque foi professor da USP até
1969. Um dos fundadores do
Partido dos Trabalhadores e
reputado como um dos maiores
intelectuais brasileiros.
Sergio Paulo Rouanet Habermas Doutor em Ciência Política pela
USP e diplomata de carreira.
Tamás Szmrecsányi
(1936-2009)
Keynes e Malthus Professor de Economia na
Unicamp.
Walnice Nogueira Galvão Euclides da Cunha Professora do Departamento de
Teoria Literária da USP
Wilcon Joia Pereira
(1936-1996)
Della Volpe Formado em filosofia pela USP,
lecionava na Unesp (em Assis e
depois Marília). Era, no entanto,
conhecido por seus
experimentalismos estéticos e sua
aversão aos formalismos
acadêmicos.
2.5 – Mapa da Coleção II: os autores selecionados
Dentre os depoimentos sobre a coleção GCS, aquele que melhor esclarece os
métodos e a dinâmica autorizados por Florestan Fernandes, incluindo suas afinidades
eletivas, é o de Renato Ortiz, hoje professor na Unicamp, para o projeto “Cientistas
95
Sociais de Língua Portuguesa: Histórias de Vida”, produzido pelo Centro de Pesquisa e
Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas
(CPDOC/FGV). A transcrição abaixo, extraída de trecho do 7º bloco da entrevista de
Ortiz, concedida a Helena Bomeny e Arbel Griner, em vídeo de 1h14min dividido em
onze blocos e gravado no dia 13 de julho de 2009 fala literalmente por si. Confira:
A abordagem do Bourdieu me parecia muito criativa no
contexto da sociologia francesa e mesmo internacional.
Foi aí que eu propus ao Florestan Fernandes fazermos
um livro sobre o Bourdieu. Porque, a rigor, o Florestan
queria que eu fizesse um livro sobre o Frantz Fanon,
porque achava que eu era negro, e queria que eu fizesse
um livro sobre o Georges Balandier, porque o Balandier
era um antropólogo conhecido e eu havia cruzado com
o Balandier na França, por causa do Bastide. Eu gosto
dos trabalhos do Balandier, mas eu propus a ele –
naquela época, eu estava lendo muito Bourdieu –
fazermos um livro sobre Bourdieu. Ele não gostou da
ideia, o Florestan, porque ele achava que o Bourdieu era
um representante do estrutural funcionalismo. Porque
no Brasil, naquela época, se opunha estrutural
funcionalismo a uma teoria do conflito, e essa teoria do
conflito seria o marxismo. E o Florestan, naquele
momento, ou seja, no final dos anos 70 – isso foi em
1977, mais ou menos –, ele já estava em um processo
de politização muito grande, anterior à formação do
próprio PT, que é de 1980 ou 1981. E o Florestan
estava... E essa divisão era muito comum no Brasil.
Hoje, ninguém mais fala nisso, como se tivesse um
estrutural funcionalismo, que era estático e uma série de
coisas assim, e uma outra coisa que seria a dinâmica,
pensaria a mudança, e em particular, quem faria isso
melhor era o marxismo. Então o Florestan estava nesse
tipo de dicotomia. Eu argumentei com ele que não era
bem assim, que o Bourdieu estava propondo um outro
tipo de teoria. Bom, ele aceitou a minha proposta,
embora ele nunca tenha se convencido. Ele nunca
gostou mesmo do Bourdieu. Mas ele achou ótima a
introdução. E até ele me escreveu... Tem uma carta
dizendo que ele... dizendo: “Você fez um trabalho
maravilhoso, uma introdução... A introdução é uma
reflexão”, e me elogiou muito. Mas, no fundo, eu ainda
acho que ele é um representante do estrutural
funcionalismo (Transcrição, 2009: p.28).
Ortiz prossegue na fala e revela a participação do próprio Bourdieu na coletânea:
96
Eu escrevi para o Bourdieu, para montar o livro, e ele
me respondeu. O próprio Bourdieu me deu uma
sugestão de lista de textos e me enviou os textos e eu
peguei aqueles textos e montei o livro. Eu, na verdade,
tinha alguma ideia e fui montando. Sugeri com ele e ele
fez esse tipo de coisa. Então, eu fiz... O livro ficou
pronto em 1979. Só que a coleção teve problemas, tanto
que não saiu o texto do Fanon, que eu fiz em seguida.
(...) Eu já tinha terminado o texto do Bourdieu. O
Bourdieu não tinha entrado ainda no Collège de France.
E foi nesse contexto que, digamos, o livro saiu aqui no
Brasil, na coleção Grandes Cientistas Sociais
(Transcrição, 2009: 28-29).
A fala de Ortiz demonstra que Florestan Fernandes estava disposto a incluir o
máximo possível de autores que considerava de esquerda, marxistas, “teóricos do
conflito”. Florestan aceitou Bourdieu a contragosto, e sem compreender as intenções
teóricas desse autor. O hiato de quatro anos entre a finalização e a publicação do livro é
ilustrativo dessa hesitação. E, a despeito dos supostos problemas com a GCS, o volume
foi lançado após a entrada de Pierre Bourdieu na Collège de France em 1982. Não
havia, portanto, razões técnica, burocrática, teórica e mercadológica para manter o livro
na gaveta. Nesse sentido, Florestan Fernandes apresentou uma faceta menos autoritária
e consentiu com as necessidades da editora Ática, afinal, Sergio Miceli já havia
introduzido Bourdieu ao leitor brasileiro e os cursos de Ciências Sociais abriam espaço
para novas intepretações como a produzida por Ortiz.
O estranho nessa exposição de Renato Ortiz é que Florestan Fernandes, embora
cada vez mais inclinado ao marxismo militante, não era um inimigo total do estrutural-
funcionalismo. Segundo Florestan, “a análise estrutural-funcional que pratiquei foi
instrumental em todas as suas direções” (2008:42), isto é, como cientista social, ele
mobilizou essa metodologia sempre quando preciso, com pragmatismo e bom senso,
mas jamais acreditou nela como uma doutrina teórico-metodológica. De todo modo, o
estrutural funcionalismo não era alvo de sua predileção naquele final dos anos 1970.
97
Percebe-se, pois, que o processo de escolha dos autores não era estanque. Em
geral, como para Edgard de Assis Carvalho e seu volume sobre Godelier, o pedido
vinha do próprio Florestan: “O convite partiu direto de Florestan, pois trabalhávamos
juntos na pós-graduação em Ciências Sociais na PUC-SP”, explicou-me Carvalho. Em
outros, como de DaMatta, eram interlocutores de Florestan que realizavam o trabalho de
seleção: “O convite veio do meu professor e mentor, Roberto Cardoso de Oliveira que
foi aluno do Florestan e era cunhado do Fernando Henrique. A coleção foi comandada
pelo Florestan, mas ele pediu a Ruth Cardoso organizar a parte de antropologia.” Pode-
se supor, portanto, que havia certa liberdade para sugestões, seguidas de comentários
positivos ou negativos, e não se deve cravar que os 60 volumes da GCS significaram
aquilo que Florestan Fernandes considerava o melhor das Ciências Sociais. Segundo
Carvalho, a recomendação do coordenador [Florestan] era para que os textos
selecionados e a introdução abrangessem o “itinerário intelectual” do autor. A sua
opinião vai ao encontro da proferida por Edson Passetti, que informou que “Florestan
Fernandes estava atento às mudanças que ocorriam no Brasil” e conhecia o vínculo de
Passetti, que organizou com Paulo Resende, o volume sobre Proudhon, “com o Centro
de Cultura Social de São Paulo, associação anarquista fundada em 1933”.
Por mais críticas que à época tivesse aos trabalhos de Talcott Parsons e Claude
Lévi-Strauss60
, para ficar em dois autores não incluídos, é embaraçoso explicar que
ficaram de fora apenas porque Florestan assim o quis. E mais: por que não existiu um
número sobre o marxista Antonio Gramsci? Ora, porque há questões de direitos autorais
e burocráticas envolvidas. E o coordenador editorial deve lidar com elas, e frustrar-se ou
surpreender-se com os resultados. Existem ainda organizadores e tradutores que não
60
Edgard de Assis Carvalho informou-me que Florestan Fernandes chegou a sondá-lo para
elaborar um volume sobre Lévi-Strauss, mas o projeto não foi adiante. Carvalho lamenta a
ausência de um autor “universal”, que para ele está muito acima do mero e limitador
“antropologismo” atribuído ao autor das Mitológicas.
98
entregaram trabalhos no prazo estipulado. Editoras que desistiram de ceder textos.
Traduções melhores lançadas por outras casas publicadoras. Mas, sem dúvida, Florestan
conseguiu concretizar, na média final, seus critérios e realizar um casamento entre o
engajamento político e sua sofisticação como cientista social. Assim, “conviveram” na
mesma seleção Émile Durkheim e Che Guevara, Georg Simmel e Ho Chi Minh,
Radcliffe-Brown e Mariátegui, Max Weber e Fidel Castro.
Coleção Grandes Cientistas Sociais – Todos os títulos
Volume Título/Autor Organizador Lançamento Área
01 Émile Durkheim José Albertino
Rodrigues
1978 Sociologia
02 Lucien Febvre Carlos Guilherme
Mota
1978 História
03 Alfred Radcliffe-
Brown
Julio Cezar Melatti 1978 Antropologia
04 Wolfgang Köhler Arno Engelmann 1978 Psicologia
05 Vladimir Lenin Florestan
Fernandes
1978 Política
06 John Maynard
Keynes
Tamás
Szmrecsányi
1978 Economia
07 Auguste Comte Evaristo de Moraes
Filho
1978 Sociologia
08 Leopold Von
Ranke
Sérgio Buarque de
Holanda
1979 História
09 Francisco
Varnhagen
Nilo Odália 1979 História
10 Karl Marx Octavio Ianni 1979 Sociologia
11 Marcel Mauss Roberto Cardoso
de Oliveira
1979 Antropologia
12 Ivan Pavlov Isaias Pessotti 1979 Psicologia
13 Max Weber Gabriel Cohn 1979 Sociologia
14 Galvano Della
Volpe
Wilcon Joia
Pereira
1980 Sociologia
15 Jürgen Habermas Barbara Freitag e
Sérgio Paulo
Rouanet
1980 Sociologia
16 Michal Kalecki Jorge Miglioli 1980 Economia
17 Friedrich Engels José Paulo Netto 1981 Política
18 Oskar Lange Lenina Pomeranz 1981 Economia
19 Che Guevara Emir Sader 1981 Política
20 Georg Lukács José Paulo Netto 1981 Sociologia
21 Maurice Godelier Edgard de Assis
Carvalho
1981 Antropologia
22 Leon Trotski Orlando Miranda 1981 Política
23 Joaquim Nabuco Paula Beiguelman 1982 Política
24 Thomas Malthus Tamás
Szmrecsányi
1982 Economia
25 Karl Mannheim Marialice M.
Foracchi
1982 Sociologia
99
26 Caio Prado Júnior Francisco Iglesias 1982 História
27 José Carlos
Mariátegui
Manoel Lelo
Belloto e Anna
Maria Martinez
Correa
1982 Política
28 Issac Deutscher Juarez Brandão
Lopes
1982 Política
29 Josef Stálin José Paulo Netto 1982 Política
30 Mao Tse-Tung Emir Sader 1982 Política
31 Karl Marx Paul Singer 1982 Economia
32 Melaine Klein Fábio Herrmann e
Amazonas Alves
Lima
1982 Psicologia
33 Celso Furtado Francisco de
Oliveira
1983 Economia
34 Georg Simmel Evaristo de Moraes
Filho
1983 Sociologia
35 Domingo Faustino
Sarmiento
Leon Pomer 1983 Política
36 Karl Marx e
Friedrich Engels
Florestan
Fernandes
1983 História
37 Roger Bastide Maria Isaura
Pereira de Queiroz
1983 Sociologia
38 Edmund Leach Roberto DaMatta 1983 Antropologia
39 Pierre Bourdieu Renato Ortiz 1983 Sociologia
40 Simon Bolivar Manoel Lelo
Belloto e Anna
Maria Martinez
Correa
1983 Política
41 Fred Keller Rachel Kerbauy 1983 Psicologia
42 Ho Chi Minh Marta Elena
Alvarez
1984 Política
43 Vilfredo Pareto José Albertino
Rodrigues
1984 Sociologia
44 François Quesnais Rolf Kuntz 1984 Economia
45 Euclides da Cunha Walnice Nogueira
Galvão
1984 História
46 Max Sorre Januário Francisco
Megale
1984 Geografia
47 Nicos Poulantzas Paulo Silveira 1984 Sociologia
48 Charles Wright
Mills
Heloísa Fernandes 1985 Sociologia
49 Élisée Reclus Manuel Correia de
Andrade
1985 Geografia
50 Walter Benjamin Flávio Kothe 1985 Sociologia
51 Sergio Buarque de
Holanda
Maria Odila Leite
da Silva Dias
1985 História
52 Henri Wallon Maria J. Garcia
Werebe
1986 Psicologia
53 Dieter Prokop Ciro Marcondes
Filho
1986 Sociologia
54 Theodor Adorno Gabriel Cohn 1986 Sociologia
55 Bronislaw
Malinowski
Eunice Durham 1986 Antropologia
100
56 Pierre Joseph-
Proudhon
Paulo Edgard
Resende e Edson
Passetti
1986 Política
57 Fidel Castro Emir Sader 1986 Política
58 Florestan
Octavio Ianni 1986 Sociologia
59 Friedrich Ratzel Antonio Carlos
Robert de Moraes
1990 Geografia
60 Nicolai Bukharin Jacob Gorender 1990 Economia
Sobre a abrangência da coleção, fica claro que o conceito de Ciências Sociais
adotado pela parceria Florestan Fernandes e Ática considerava não só a Sociologia, a
Política e a Antropologia, matrizes curriculares do referido curso de graduação, embora
elas sejam dominantes na somatória (37). História e Economia, e um pouco menos
Psicologia e Geografia, foram incorporadas à GCS, até porque estão em interface com a
tríade das Ciências Sociais. E também porque um pensador como Marx possuía várias
dimensões de abordagem: histórica, econômica, política...
A distribuição por campo disciplinar ficou então assim:
Coleção Grandes Cientistas Sociais – Divisão por campo disciplinar
Disciplina Número de Títulos
Antropologia 05
Economia 08
Geografia 03
História 07
Política 14
Psicologia 05
Sociologia 18
Em termos de lançamentos anuais, a GCS seguiu, conforme demonstra a tabela
na sequência, uma média sustentável entre 1978 e 1986 – exceto 1980, com apenas três
títulos lançados. Mas o dado mais interessante, talvez uma coincidência, é que a coleção
foi interrompida em 1986, quando Florestan Fernandes candidatou-se (e foi eleito)
deputado constituinte e retomada com dois números em 1990, por ocasião das eleições
para o legislativo, quando Florestan foi reeleito. Depois disso, o cientista social
101
paulistano adoeceu61
e outros fatores, que serão explorados no próximo capítulo,
contribuíram para o declínio e o encerramento da coleção. Mas não deixa de ser
instigante observar que nenhum número saiu enquanto Florestan cumpria seu mandato
legislativo em Brasília, para o qual foi eleito com o célebre lema “contra as ideias da
força, a força das ideias”62
. Em 1982, ano de eleições estaduais diretas, e antes da
filiação do cientista social ao PT, a GCS bateu o recorde de lançamentos, com 10
títulos, seguido de perto por 1983, com nove. Confira o índice de lançamentos/ ano:
Coleção Grandes Cientistas Sociais – Lançamentos/Ano
Ano Número de lançamentos
1978 07
1979 06
1980 03
1981 06
1982 10
1983 09
1984 06
1985 04
1986 07
1990 02
Em 1986, Florestan Fernandes foi contemplado com um número sobre sua
própria obra, compilação realizada por Octavio Ianni, certamente o intelectual com
maior envolvimento com a coleção, a ponto de decretar vetos e eventualmente assumir o
comando da GCS, como ocorreu nesse volume especial, em que, por motivos óbvios, o
nome de Florestan Fernandes não aparece na capa como Coordenador. Pela ordem
numérica (58), foi o último título antes da suspensão da coleção, retomada em 1990.
Não obstante o fato de a coleção ter, em seu saldo final de 60 volumes, muito da
feição intelectual e política de seu coordenador, há na GCS uma série de autores que
61
Em 1972, Florestan Fernandes contraiu Hepatite do tipo C após una transfusão de sangue no
Hospital do Servidor Público de São Paulo, e desde então sua saúde fragilizou-se. (Cerqueira,
2004: 124). Para a maioria de seus amigos e biógrafos, a sequência de péssimos atendimentos,
cirurgias e transplantes desastrosos apressou sua morte, em 1995.
62 Sobre seu período no Congresso Nacional, no qual era tratado pelos colegas de “Professor”,
recomendo a leitura de Cerqueira (2004) e Sereza (2005).
102
aparentemente não se encaixariam em um projeto da área, ao menos não dentro dos
padrões consagrados pela consolidação do campo operada justamente por Florestan
entre os anos 1940 e 1960. Em páginas anteriores, ressaltei o caráter “abrangente” das
Ciências Sociais – sem dúvida um norteador das ações entre Florestan e Ática, mas esta
pode ser na visão de alguns leitores uma resposta demasiado aberta, de sorte que é
preciso reordenar os títulos, para que se possa ter um olhar esquadrinhado da coleção.
Em uma classificação alternativa à de segmentos disciplinares destacados nas
capas, agrupei em cinco segmentos os títulos da coleção: 1) revolucionários políticos de
esquerda; 2) latino-americanos (teóricos ou homens de ação); 3) cientistas sociais
clássicos; 4) teóricos marxistas diversos e da teoria crítica; e 5) outros. Essa tabela nos
ajuda a entender as motivações políticas de Florestan Fernandes; sua herança como
cientista social de guarda-pó e ligado nos clássicos e aos autores que formaram sua
cabeça de professor e pesquisador; e aponta para horizontes que o próprio organizador
não sabia ao certo definir, mas que julgava relevante por serem de uma nova geração ou
traziam temáticas “da moda”. Naturalmente, alguns dos autores escolhidos se
enquadram em mais de uma categoria – como Fidel Castro, Che Guevara, Mariátegui,
Lênin, Marx, Engels, Caio Prado Jr, Habermas –, mas em linhas gerais tal organização
ajuda a iluminar certos aspectos e representações presentes na formulação da coleção.
Parece-me acertado relatar que a militância socialista e o ideal de união latino-
americana contra as ditaduras na região orientaram escolhas da GCS, enquanto outros
autores representavam discussões teóricas mais ou menos identificadas com as
predileções do cientista Florestan Fernandes.
103
Mapeamento dos títulos da coleção*
Em negrito, aqueles que entrariam em mais de um grupo.
Grupo Autores
Revolucionários Lênin, Ho Chi Minh, Fidel Castro, Che
Guevara, Mariátegui, Proudhon, Reclus, Stálin,
Mao Tsé-Tung, Bukharin, Trotsky, Marx e
Engels.
Latino-americanos Simon Bolívar, Sarmiento, Celso Furtado, Sergio
Buarque de Holanda, Euclides da Cunha, Joaquim
Nabuco, Varnhagen e Caio Prado Jr.
Clássicos das Ciências Sociais/ Formação Teórica
de Florestan Fernandes
Weber, Durkheim, Comte, Mannheim, Mauss,
Simmel, Radcliffe-Brown, Roger Bastide,
Malinowski, Keynes, Pareto.
Teóricos marxistas/ Teoria Crítica Della Volpe, Poulantzas, Benjamin, Lange,
Adorno, Wallon, Lukács, Deutscher, Habermas,
Godelier, Kalecki.
Outros/ Modismos/Nova Geração Prokop, Wright Mills, Bourdieu, Klein, Febvre,
Ratzel, Quesnais, Sorre, Ranke, Pavlov, Malthus,
Khöler, Keller, Leach.
A quantidade de autores grifados em negrito na tabela acima não deixa margem
para questionamentos sobre a fluidez dessa ordenação. A classificação acima é apenas
indicativa e, de acordo com o olhar e o contexto, pode simplesmente mudar os autores
de posição. Não existe uma só ordenação capaz de ser definitiva. Por isso, a distribuição
proposta por Florestan em campos disciplinares é mais lógica e de fácil compreensão
para os leitores. De qualquer maneira, observar os agrupamentos demonstra que os
pensadores de esquerda – do marxismo militante à teoria crítica frankfurtiana (da
primeira à segunda geração), passando pelos anarquistas e economistas alinhados ao
reformismo social – eram os protagonistas da coleção. Cerca de dois terços dos
selecionados enquadram-se claramente nessa categoria. Mas Florestan Fernandes não
deu as costas para os autores os “analistas sociais clássicos”, formadores do campo e do
cânone, como adequadamente definia-os Charles Wright Mills. Exceto pela ausência de
Charles de Montesquieu (1689-1755) e Alexis de Tocqueville (1805-1859), os
pensadores listados pelo filósofo e sociólogo liberal francês Raymond Aron (1905-
1983), antagonista de Jean-Paul Sartre (1905-1980), em As etapas do pensamento
sociológico (2008), aparecem na coleção GCS, seja qual for a sua orientação política:
104
Comte, Durkheim, Weber, Pareto e Marx. A vinculação com Karl Mannheim também
não desaparece. Nem o apreço por antropólogos funcionalistas.
O incentivo à leitura de autores latino-americanos, contudo, não obscurece o fato
do Florestan sociólogo ainda estar fortemente ligado à produção das, por assim dizer,
nações centrais das Ciências Sociais. Pensadores que produziram em língua alemã,
francesa e inglesa aparecem, como comprova a lista de 60 títulos, em maior número,
apesar do índice considerável de brasileiros e autores do Leste Europeu63
.
Isso tudo significa que, defesa do socialismo e da América Latina à parte,
Florestan não se omitiu em relação a determinados consensos das Ciências Sociais. Já
em relação às áreas específicas da Psicologia, da História e da Geografia e em alguns
tópicos da Economia, o coordenador pareceu inclinado a aceitar modismos (a
psicanálise de Klein, a psicologia da educação de Wallon) e consagrados (o historiador
Ranke, o geógrafo Ratzel e o economista Keynes). Em suma, coleções possuem a marca
de seu coordenador, mas estão sujeitas a casualidades, desvios de rota, convencimentos.
63
Quanto à questão de gênero, Florestan não fugiu à regra e incluiu apenas uma autora na lista
de 60 volumes (Melanie Klein), em que pese o número até razoável de organizadoras (14). Um
trabalho consistente sobre as “trajetórias intelectuais” das professoras de Ciências Sociais no
âmbito da USP é o de Spirandelli (2011), fruto de sua tese de doutoramento que, por tabela,
também ressalta o desejo de Florestan e seu grupo de instituir um determinado tipo de fazer
sociologia, oposto ao praticado por outros professores da FFCL (2011:149), assunto discutido
com profundidade por Pulici (2008).
105
[Capítulo 3]
“Está tudo na ementa!”: A importância da GCS na atualidade
Sábado, dia 3 de novembro de 1990. Folha de S. Paulo, Caderno Letras, página F2. Na
seção “O que precisaria ser reeditado”, três intelectuais foram convidados a sugerir,
sucintamente, livros ou coleções que mereceriam ser relançados 64
. O pequeno boxe
estava posicionado à direita de um artigo de Umberto Eco e logo acima do ranking
semanal de mais vendidos no Brasil e nos EUA – a lista brasileira era dominada por
Paulo Coelho, com suas obras Brida, O alquimista e Diário de um mago ocupando
respectivamente os 1º, 3º e 4º lugares. Os filósofo e professor da USP Renato Janine
Ribeiro, e os escritores José J. Veiga (1915-1999) e Fernando Sabino (1923-2004)
revelaram aos editores da Folha seus maiores desejos de reedição.
Janine Ribeiro, em especial, sugeria a volta de duas coleções: uma de literatura,
publicada pela Cultrix nos anos 1960, e a Grandes Cientistas Sociais, da editora Ática,
cujos últimos dois volumes foram às livrarias, sem maior alarde, naquele ano de 1990.
Nas palavras do filósofo uspiano, “(...) A editora Ática poderia dar continuidade à
coleção dos grandes cientistas sociais, que era dirigida por Florestan Fernandes. Foram
lançados uns cinquenta títulos [o número exato é 60], mas ainda tem muito material”.
Jovem professor de filosofia da USP quando a coleção se destacava no setor de
publicações para o segmento universitário, Renato Janine Ribeiro apresentava em seu
depoimento à Folha um duplo aspecto: sentimental e profissional. Sentimental no
sentido de que a GCS fora representativa de uma época de luta política, divulgação
científica e de uma atitude pedagógica transformadora, mesmo diante da vigente
ditadura civil-militar; e profissional porque a coleção certamente o auxiliou em seus
cursos na graduação. Janine Ribeiro, que futuramente escreveria títulos para a coleção
64
Cf. Acervo Folha <http://acervo.folha.com.br/fsp/1990/11/03/342/> Acesso em: 14 ago. 2013.
106
Folha explica (Publifolha) lamenta ainda a ausência de outros nomes na lista de
volumes. Vou, então, fixar-me em apenas um pensador excluído, objeto das teses de
mestrado e doutorado do filósofo uspiano: o inglês Thomas Hobbes (1588-1679), autor
contratualista de leitura obrigatória nas disciplinas de filosofia e ciência política, que
não mereceu um volume no selo Política da coleção, embora aparecesse como um dos
números mais procurados d´Os pensadores, da Abril Cultural. A ideia de que a GCS
contemplava apenas autores do século XX, como reportava a matéria da Folha em
1978, era incorreta, na medida em que havia volumes sobre, entre outros, Simón Bolívar
(1783-1830), Auguste Comte (1798-1857), Leopold Von Ranke (1795-1886) e Karl
Marx (1818-1883). Thomas Hobbes não ficaria jamais deslocado.
A nostalgia precoce de Janine Ribeiro se explica: apesar dos dois títulos
lançados em 1990, a coleção perdia seus sinais vitais em função de diferentes fatores,
alguns anteriormente esboçados e outros que serão destacados na sequencia, dentre os
quais a sucessão de planos econômicos malogrados e a frustração dos intelectuais de
esquerda e centro-esquerda com a vitória de Fernando Collor (PRN) sobre o candidato
petista Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno das eleições presidenciais de 1989.
Mas, afinal de contas, qual seria o real legado da GCS? A proposta deste
capítulo é examinar a relevância e a influência da coleção desde o final dos anos 1990
até o início deste século XXI, período em que a Ática deixou de publicar novos volumes
e estabeleceu em 60 o número de títulos da coleção coordenada por Florestan.
3.1 – Na pasta da copiadora: um suporte didático para professores e alunos
“Paradoxo” é, definitivamente, uma palavra-chave aqui. Lidei com vários efeitos
paradoxais em cada um dos capítulos. Carlos Benedito Martins foi feliz na expressão,
embora eu a tenha desdobrado para outros sentidos além da Reforma Universitária de
1968. Assim como outros produtos do mercado editorial destinado ao segmento
107
universitário, a GCS sofreu com as consequências do próprio êxito como difusora de
saber. Ainda que jamais tenha realizado grande esforço ao divulgar os lançamentos da
coleção, a Ática obteve resultados satisfatórios de vendas, principalmente em relação
aos volumes dedicados aos autores de maior destaque, entre eles Marx, Marx & Engels,
Adorno, Benjamin, Keynes e os ainda hoje reimpressos Durkheim e Weber.
Comprada pelo Grupo Abril, e incorporada a Abril Educação, assunto sobre o
qual tratarei no próximo tópico, a atual controladora da editora não quis repassar a este
pesquisador o número oficial de vendas de cada livro da coleção. Os telefonemas foram
infrutíferos. Provavelmente tais dados sequer estão disponíveis na base de dados da
Ática. Muita coisa mudou na administração da casa publicadora, como afirmava Bantim
Duarte a Silvia Borelli antes mesmo da aquisição da marca e do catálogo pela empresa
administrada pelos Civita. Na entrevista concedida a este pesquisador, Fernando Paixão
igualmente não soube precisar o desempenho da GCS, mas recorda-se de que ela não
era deficitária e cumpria as suas metas financeiras e, sobretudo, simbólicas, projetadas
pela diretoria. De qualquer forma, como declara Paixão, a “cultura do xérox” prejudicou
a viabilidade comercial da coleção. Mas eis o paradoxo: por causa de seus excelentes
ensaios introdutórios, e por trazer alguns textos inéditos no Brasil, os professores
incluíam, como ainda incluem, no ementário dos seus cursos, isto é, na bibliografia
básica das disciplinas, capítulos dos livros em suas pastas.
Consagrada pelo costume, a “cultura do xérox” lida com uma problemática de
ordem jurídica, um conflito interminável entre os direitos autorais/de publicação e o
direito ao conhecimento. Não me cabe tecer comentário sobre matéria que não tenho
domínio técnico – a área jurídica –, mas posso reproduzir aqui o que é facilmente
constatado por qualquer aluno de graduação. A frase “o texto está na pasta [x] na
copiadora” é um dado da realidade (por mais que os professores insistiam em sugerir a
108
compra dos volumes) e neste ponto Fernando Paixão tem razão ao ressaltar que este foi
um dos motivos do declínio da GCS como produto do catálogo da Ática. Declínio no
sentido das vendas, claro, pois do ponto de vista didático a coleção coordenada por
Florestan segue como um selo de qualidade. Como apenas os volumes de Weber e
Durkheim continuam reimpressos pela editora, vide o catálogo disponível online, criou-
se uma espiral que em nada facilita o renascimento dos antigos volumes da coleção nas
livrarias. Impossível de ser comprado pelos canais de maior visibilidade, como as
grandes redes de livraria, só existem duas soluções para o aluno desfrutar de uma leitura
que permanece básica e essencial: a compra em sebos, por valores que variam conforme
a raridade e o estado do exemplar, e a aquisição de trechos em copiadoras.
Apesar da profusão de novos títulos lançados pelas editoras, com traduções
vertidas diretas da língua original, muitas delas superiores às cotejadas pela Ática, a
coleção GCS segue na ementa das disciplinas não apenas por trazer textos dos autores
que hoje são amplamente editados no Brasil, mas pelos ensaios introdutórios. Mesmo
neste curso de mestrado em Ciências Sociais, iniciado em fevereiro de 2012, trinta e
cinco anos depois do nascimento da GCS, ementários dos cursos traziam as introduções
de Gabriel Cohn sobre Theodor Adorno; Émile Durkheim, por José Albertino
Rodrigues; e Pierre Bourdieu, nas palavras de Renato Ortiz. Estes escritos são três
clássicos da análise sociológica praticada por brasileiros, que em nada devem aos
melhores “explicadores” do pensamento teórico-metodológico dos respectivos autores.
Em suma, a relevância da GCS como suporte didático – preparação das aulas
dos professores, leitura básica para os alunos – segue inalterada. A reação empolgada ou
crítica dos professores quando, na apresentação dos alunos, eu mencionava meu objeto
de pesquisa, atesta que a coleção da Ática não foi um projeto editorial qualquer. Todos
tinham histórias para contar, e dois professores do atual quadro do PPGCS da PUC-SP
109
participaram do projeto (Edgard de Assis Carvalho e Edson Passetti) e essa memória
ajudou-me a aperfeiçoar a pesquisa e lançar olhar para ângulos antes ignorados. Para
Carvalho, “o legado da coleção foi e continua a ser de extrema importância para a
formação de cientistas sociais”. E completa afirmando que a GCS “dialogiza vida e obra
e apresenta itinerários intelectuais que demonstram que as ideias que professamos e
defendemos tem a ver com nossa subjetividade”.
3.2 – A atualidade da GCS: a orientação da Abril Educação e o destino da coleção
Entre 1986 e 1994, durante a denominada Nova República, os principais focos
de luta da política econômica brasileira era domar a inflação galopante e, se possível,
amortizar a dívida externa. Em 1989, a inflação anual foi de 1.973%65
. No ano seguinte,
no mês da posse de Fernando Collor, quebrou-se o recorde inflacionário mensal (82%).
Os versos do samba “Saco de feijão”, cantados por Beth Carvalho, simbolizavam o
período: “De que me serve um saco cheio de dinheiro/ pra comprar um quilo de feijão”.
Tentativas para conter esses números superlativos não faltaram. Viviam-se os
tempos dos “planos” e das esperanças que se converteram em estelionato eleitoral.
Plano Cruzado, Plano Bresser, Plano Verão, Plano Collor, Plano Real. Apenas o último
conseguiu reverter o quadro. O mercado editorial não escapou às crises. Editoras
surgiam no auge de um plano, para quebrarem tempos depois. Como se sabe, os índices
de leitura no Brasil são baixos, de modo que o livro é um produto supérfluo e
dispensável em tempos de “vacas magras”. A Ática escapou com leves escoriações
desse período, porque mantinha seu faturamento basicamente concentrado nas compras
de livros didáticos e paradidáticos, tanto por parte do poder público, como das
instituições privadas de ensino. Mas nem por isso a editora deixou de realizar escolhas
65
Cf. Informação contida na reportagem de Heraldo Ceravolo Sereza intitulada Complete o
título do filme de Maílson da Nóbrega: “O Brasil Deu Certo. E…”. In: Blog Ágora, Revista
Samuel. Disponível em <http://revistasamuel.uol.com.br/blogs/agora/complete-o-titulo-do-
filme-de-mailson-da-nobrega-o-brasil-deu-certo-e/> Acesso em: 27 set.2013.
110
para o ajuste de seu catálogo. Em 1990, durante o Governo Collor, insistir em uma
coleção como a GCS era uma aposta arriscada. Os melhores volumes circulavam
livremente pelas máquinas de xérox, ao passo que os dois mandatos legislativos,
seguidos do adoecimento do septuagenário Florestan Fernandes, forçaram o afastamento
do coordenador-grife simbólica dessa atividade. A morte de Anderson Fernandes Dias
em 1988 e a saída da coordenadora operacional Maria Carolina de Araújo, eram outros
baques nada desprezíveis para a sobrevida da coleção. A queda do Muro de Berlim, em
novembro de 1989, e o colapso iminente da URSS (concretizado em 1991) tornaram
vários volumes obsoletos para os arautos do “fim da história” propagado pelo cientista
político Francis Fukuyama, porta-voz do neoconservadorismo.
Assim, no início dos anos 1990, o destino da GCS estava selado. Nenhum outro
título foi lançado e as reimpressões foram progressivamente diminuindo com o passar
dos anos. A estabilidade do Plano Real e a consolidação da expansão do ensino
superior, por sua vez, incentivaram editoras de Ciências Humanas a publicarem obras,
com os direitos autorais devidamente comprados, das quais foram extraídos, com muita
negociação, capítulos selecionados pelos organizadores da GCS. Essa concorrência de
certa forma diminuiu o poderio da coleção até inviabilizá-la comercialmente. Do início
dos anos 1990 até os primeiros anos do século XXI, editoras como a Companhia das
Letras, Grupo Editorial Record, Editora 34, Jorge Zahar, Cosac Naify, Boitempo,
Contexto e as editoras universitárias (Edusp, Editora da Unicamp, Editora da UNESP,
Editora UFMG) passaram a lançar sistematicamente, com tradução vertida do original e
prefácios e posfácios de primeira linha, os livros dos pensadores que, até então, tinham
como principal, e às vezes único, meio de contato, a seleção patrocinada pela Ática.
O modelo organizacional da editora Ática modernizou-se após a morte de
Anderson Fernandes Dias, com o fortalecimento de um conselho administrativo
111
formado pelos acionistas Vasco Fernandes Dias, Antonio Narvaes Filho e Marcelo
Fernandes Dias, filho de Anderson, e mais três diretores de departamento. Cresceram,
pois, em importância os setores de divulgação, marketing e comercialização.
Segundo Borelli, a editora organiza-se “ao redor de diretorias especializadas que
vão adquirindo, com o passar do tempo, maior poder de decisão” (1996:100). Desse
conselho administrativo, informa a autora, desdobra-se uma diretoria editorial que por
sua vez se ramifica em seis gerências editoriais, três voltadas para os didáticos; uma de
literatura infantil; outra de literatura juvenil; e a sexta para o segmento de universitários.
O organograma segue o modelo capitalista descentralizado, de modo que o terreno
estava preparado para a Ática ingressar no processo de mundialização do mercado
editorial – mundialização de acordo com a argumentação de François Chesnais (1996).
“A nova racionalidade [da Ática]”, demonstra Borelli a partir da fala de Granville
Ponce, “privilegia o sentido das mercadorias ao priorizar setores de comercialização e
divulgação” (1996:99). Com a transição política consolidada, o esvaziamento do sentido
de confronto com a ditadura, o fim da Guerra Fria e o furor neoliberal que tomou conta
do mundo, certos (supostos?) idealismos editoriais ficaram para trás.
Com as planilhas apresentando dados desfavoráveis, a coleção GCS perdeu seu
espaço para produtos com maior rentabilidade e possibilidade de compras pelo governo,
o que representa a maior fatia do faturamento das editoras didáticas. Outro paradoxo:
organizada ao menos desde o início dos anos 1990 como uma empresa adepta do livre-
mercado, com padrões flexíveis de trabalho, e organograma que desfavorece decisões
centralizadoras e paternalistas, a Ática possui curiosamente uma dependência do Estado
provedor, ainda que o então gerente editorial José Bantim Duarte tentasse, em 1995,
estabelecer uma simetria entre compras particulares e públicas (Borelli, 1996: 102).
112
Em 1999, a editora Ática foi comprada pelo Grupo Abril, em parceria com o
grupo francês Vivendi. A multinacional da França vendeu, em 2002, seu braço editorial
para a Lagardère, mas as suas ações da Ática não entraram no negócio. Dois anos
depois, a Abril finalmente comprou a parte da Vivendi e assumiu todo o catálogo da
Ática, o que incluía o selo editorial Scipione. A editora Ática, então, passou a integrar a
Abril Educação, empresa, com outras do Grupo Abril, turbinadas a partir de 2006 com
aporte financeiro do grupo sul-africano Naspers, organização acusada de colaborar com
o apartheid. A conhecida orientação da empresa da família Civita, associada a um
grupo de mídia com tal fama internacional, foi o tiro de misericórdia na coleção GCS. E
a própria Ática passou a ser uma entre outras empresas do setor educacional controladas
pelo Grupo Abril, incluindo editoras (Ática, Scipione), sistemas de ensino (Anglo, SER,
Maxi, pH) e instituições de ensino (ETB, Anglo Vestibulares e pH Cursos)66
. A Abril
Educação está hoje com suas ações abertas para compra e venda na Bolsa de Valores e é
considerado pelos executivos do Grupo Abril um dos seus negócios mais lucrativos.
Para um grupo de mídia cujo carro-chefe é uma publicação como a Revista
Veja, de perfil abertamente à direita, nada mais elementar do que manter no catálogo da
Ática apenas os dois volumes que preenchem os seus requisitos ideológicos e
comerciais, ou seja, os números dedicados a Max Weber e Émile Durkheim, dois
clássicos da sociologia, lidos obrigatoriamente no ensino médio e na graduação (isto é,
são capazes de gerar vendas contínuas), mas autores que não estão atrelados a uma
concepção relacionada à teoria e práxis de esquerda. Questionada sobre esse ponto, uma
funcionária da Ática, que não identificarei por princípio ético, negou essa prática.
66
Cf. Grupo Abril/Abril Educação, aba “Empresas do Grupo”. Disponível em
<http://www.abrileducacao.com.br/empresas_do_grupo.html>. Acesso em: 27 set. 2013.
113
Alguns dos 58 títulos excluídos do catálogo foram cedidos aos organizadores,
que realizaram atualizações, revisões, e relançaram em 2ª edição por outras casas
publicadoras. São exemplos dessa prática os livros A sociologia de Pierre Bourdieu, por
Renato Ortiz (Editora Olho´d Água, 2003) e Florestan Fernandes: sociologia crítica e
militante (Expressão Popular, 2011), de Octavio Ianni. Outros títulos, em especial
aqueles de maior carga militante, ao feitio do socialismo de Florestan Fernandes, são
encontrados apenas em sebos e bibliotecas de universidades.
3.3 – O tempo não para: as novas coleções de Ciências Sociais
A GCS refletia e respondia à conjuntura histórica, política, cultural e intelectual
de sua época de criação, isto é, era uma coleção ajustada ao período de transição da
ditadura para o regime democrático. Combinava teoria e combatividade, pensadores
clássicos com textos escritos por líderes de esquerda. Dificuldades de comunicação,
produção editorial e de recursos também não devem ser desconsiderados. A ousadia da
Ática tinha precedentes no ramo, mas o conteúdo desafiador dos livros, a estrutura
interna dos volumes e a estratégia adotada tornavam o empreendimento uma ferramenta
interessante para professores e alunos, com reflexos ainda notórios.
A estabilidade econômica desde o governo FHC até a gestão de Dilma Rousseff,
o patrocínio de órgãos estatais ou de economia mista (Petrobras, CEF etc.), de
instituições privadas (Fundação Bradesco, Instituto Ethos) e de fomento à pesquisa e
produção (Fapesp, Capes, CNPq), as facilidades propiciadas pela comunicação via
internet e pelas técnicas de design e produção gráficos, com seus softwares de ponta,
complementados por um período de abertura política, a proliferação de selos editoriais –
apesar de, pouco a pouco, terem sido comprados e concentrados em um número
reduzido de majors do ramo, com aporte financeiro de grupos estrangeiros –, e a
especialização profissional de tradutores, professores, editores transformaram coleções
114
mais centralizadas como a GCS em investimentos um tanto arriscados, a despeito de
serem muito lidos “via xérox”. Uma coletânea com textos de Pierre Bourdieu
praticamente é inviabilizada, na medida em que quase toda a sua obra está traduzida
para a língua portuguesa por editoras de diferentes níveis: universitárias (Ed. da UFSC,
Ed. da UNESP, Edusp), gigantes do ramo (Companhia das Letras, Bertrand Brasil, esta
pertencente ao Grupo Editorial Record), editoras prestigiadas de médio porte (Zahar,
Autêntica, Perspectiva, Brasiliense, Vozes) e até pequenas casas publicadoras (Zouk).
No entanto, a configuração contemporânea do mercado editorial, mundializado e
altamente tecnológico, não impede as editoras de eventualmente de lançarem coleções
voltadas para as Ciências Sociais, como pode ser conferido na sequencia:
Novas coleções de Ciências Sociais
Título Editora Proposta
Aldus Unisinos Transdisciplinar, com livros
de sociólogos, historiadores,
pedagogos e psicanalistas. O
título da coleção é uma
homenagem ao criador do
formato pocket book, o editor
veneziano Aldus Pius
Manutius (1450?-1515).
Entre os títulos, livros de
Gerard Leclérc e Peter Burke.
Antropologia Hoje Terceiro Nome Parceria com a NAU/USP, a
coleção promove novas
pesquisas no campo da
antropologia social, com
ênfase nos “processos sociais
contemporâneos”.
Ciências Sociais Editora Appris A editora curitibana publica
ensaios, dissertações e teses
de ciências sociais de jovens
pesquisadores.
Claro-Enigma Companhia das Letras Na verdade, um selo editorial
da editora Schwarcz, criado
com a intenção de oferecer
um material paradidático
professores, com especial
ênfase em ciências sociais,
pedagogia e teoria literária.
Também funciona como
ensaios para o público leitor
não ligado à academia.
115
Descobrindo o Brasil Zahar Introdução a temas da
sociologia, da ciência
política, da história,
psicologia centrados nas
questões brasileiras, redigidos
por especialistas no tema.
Estado de Sítio Boitempo Editorial Livros de filósofos e
cientistas sociais que
propugnam formas
renovadoras de intervenção e
transformação social. São
autores alçados ao posto de
grandes nomes do
pensamento contemporâneo,
como Agamben e Zizek.
Nova Biblioteca de Ciências
Sociais
Zahar Com coordenação de Celso
Castro, procura resgatar a
tradição da famosa Biblioteca
de Ciências Sociais.
Mundo do Trabalho Boitempo Editorial Com foco na temática do
trabalho, e com coordenação
do sociólogo Ricardo
Antunes, publica os melhores
trabalhos sobre o tema dentro
de uma linha de esquerda.
Trans Editora 34 Embora a maioria dos autores
desta coleção sejam filósofos
pós-estruturalistas,
contemporâneos ou teóricos
da cibercultura, eles são
muito estudados por
sociólogos, antropólogos e
cientistas políticos. Jacques
Rancière, Pierre Levy, Bruno
Latour e Gilles Deleuze
(1925-1995) estão entre os
pensadores que transitam por
esses diferentes campos.
Cumpre destacar alguns pontos para complementar as informações:
1- Algumas coleções lançadas no contexto social e político da GCS – quase todas
com viés paradidático – continuam a ser editadas e/ou reimpressas, a exemplo da
Primeiros Passos, com vendas expressivas para seu público-alvo;
2- Editoras têm apostado em edições caprichadas das obras completas de autores
agora editados no Brasil em traduções vertidas diretamente da língua original
116
por profissionais experientes. É o que a Editora da UNESP tem feito com os
livros de Theodor Adorno e Jürgen Habermas e a Zahar com Zigmunt Bauman;
3- Várias editoras de pequeno e médio porte especializaram-se em editar livros
acadêmicos a partir do auxílio à publicação, autorizados por fundações de
amparo à pesquisa. Entre essas editoras, a Annablume e a Alameda Editorial;
4- As facilidades propiciadas pela era da informação e os mecanismos produtivos,
das gráficas que imprimem em pequenas quantidades aos softwares de
diagramação, facilitaram a autopublicação ou a publicação por editoras voltadas
para livros por demanda, sejam impressos, seja para visualização em leitores
digitais, entre os quais o Kindle e o Kobo.
117
Considerações finais
Uma frase de Carlos Benedito Martins, utilizada como uma expressão-chave
nesta dissertação, que apontava para os “efeitos paradoxais” da Reforma de 1968
acabou, em novos desdobramentos, caindo como luva para descrever como a coleção de
livros Grandes Cientistas Sociais, com uma proposta tão crítica, e que levava em seu
título um campo do conhecimento desprezado pelos paladinos da mercantilização do
ensino, conseguiu espaço em um ambiente de instabilidade política, com a censura ativa
e um crescente aumento na oferta de vagas no ensino superior privado, com foco no
atendimento de demandas para o mercado de trabalho menos afeito às Humanidades. O
preconceito contra as Ciências Sociais, e em maior medida contra a Sociologia, não era
exclusividade do cenário de um Brasil acossado por um regime autoritário de direita.
Pierre Bourdieu descreve algo semelhante na França – a pátria de Comte, Durkheim,
Tarde, Mauss – de meados do século XX. Segundo o autor,
ciência plebeia e vulgarmente materialista das coisas
populares, a sociologia é comumente percebida, em
especial nos países de antiga cultura, como vinculada a
análises grosseiras de dimensões mais vulgares,
comuns, coletivas, da existência humana (2010: 51).
Em meio à luta política, a dupla abertura para as Ciências Sociais (ao se
estabelecer com área de saber e ainda se “fazer ler” via mercado editorial) é um êxito
que não se deve furtar nem de figuras de proa como Florestan, nem das editoras – e elas
não eram escassas (veja a lista nos anexos). A coleção GCS terminou fulminada
ironicamente pelo próprio êxito que, além de gerar a “cultura do xérox” nas faculdades,
proporcionou a abertura de novas alternativas editoriais, com compilações e traduções
muitas vezes superiores às oferecidas pela Ática. A fundação das editoras do porte da
Companhia das Letras (1986) e da Cosac Naify (1997) e o aperfeiçoamento das editoras
universitárias elevaram o padrão de qualidade gráfico/ editorial. A GCS apresentava,
por um lado, cortes inexplicáveis em alguns textos. Mas, por outro, as introduções,
118
escritas com esmero pelos organizadores, com supervisão de Florestan, são celebrados
pela excelência ao conjugar vida e obra do autor selecionado. Conforme visto no
capítulo 3, a morte de Anderson Fernandes Dias (1988) e Florestan Fernandes (1995),
seguido da aquisição da editora Ática pela empresa Abril Educação e da renovação da
estrutura organizacional da editora foram fatores determinantes para o fim da GCS.
Os dados estatísticos e as tabelas apresentadas aqui são fontes seguras para
afirmar que a coleção abordada nesta pesquisa surgiu na esteira da expansão do ensino
superior e ajudou no processo de formação de muitos cientistas sociais desde o final dos
anos 1990 até os dias de hoje. À parte os eventuais erros de tradução e revisão, e o
caráter militante e/ ou efêmero de algumas escolhas, a GCS reuniu méritos suficientes
para enquadrá-la como um instrumento de considerável valor didático para professores
e alunos. E compôs e compõe a bibliografia básica dos mais variados cursos. E é, por
sinal, motivo de orgulho para seus organizadores, como me revelou Roberto DaMatta:
Acho uma bela coleção. Hoje não fazemos mais essas coisas
com a desculpa que tudo está na net. Um erro. Eu adorei
participar, fiquei orgulhoso e quando passei uma breve
temporada em Cambridge como Visiting Scholar e conheci o
Leach pessoalmente ele me escreveu uma nota carinhosa e
emocionada pela coleção que reuni. Foi um momento muito
gratificante da minha vida acadêmica.
Edson Passetti adota tom semelhante ao de DaMatta:
A coleção é importante e permanece atual. Ela apresenta os
autores por meio de estudos sempre convincentes, segundo a
perspectiva adotada pelo organizador do volume, introduz o
leitor à obra destes pesadores e às suas marcas políticas, instiga
a conhecê-los detalhadamente e à história das ciências sociais
(não só europeia e estadunidense, mas principalmente latino-
americana). Enfim, a coleção corresponde ao que se pretende ao
apresentar pensadores marcantes das ciências sociais no Brasil.
Este trabalho permitiu ainda lançar luz sobre a relação comercial e simbólica
entre o sistema educacional e o mercado editorial, na qual ambas as partes obtém
benefícios. As instituições de ensino têm sua demanda atendida pelas editoras, que por
119
sua vez obtém lucro e capital simbólico. No caso específico da Ática, ela conseguiu se
estruturar ao atingir todas as pontas da Educação, do ensino básico à pós-graduação. Ao
lado da coleção Ensaios, a GCS pavimentou uma via para a incorporação da editora no
ramo universitário e, se não popularizou, ao menos ajudou a divulgar para um público-
leitor mais amplo autores das Ciências Sociais, dos teóricos clássicos às novidades.
Some-se a ela uma coleção como Os pensadores e os opúsculos introdutórios lançados
pela Brasiliense (Primeiros Passos, Tudo é história) – e aqui não se coloca opiniões
pessoais acerca da qualidade desses produtos – e verifica-se uma aproximação do
mercado editorial com as demandas do momento histórico, cultural e político do Brasil.
Espero, enfim, que este trabalho sirva aos futuros pesquisadores como uma
contribuição para um debate maior sobre a importância das coleções para a seleção e
constituição dos cânones e, claro, para a legitimação como autoridade acadêmica de
organizadores. E que venham outros trabalhos nesta linha, pois a difusão de
conhecimento, mesmo com o avanço dos mecanismos digitais, não vai perder esse
aspecto de ordenação para um melhor entendimento de educadores e alunos. Seja em
apostila, brochura, áudio-book ou leitores digitais, as coleções seguirão com sua função
de nos ajudar a entender o mundo em que vivemos e as ideias que nos inspiram.
120
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TOLEDO, Maria Rita de Almeida. A Companhia Editora Nacional e a política de editar
coleções: entre a formação do leitor e o mercado de livros. In: BRAGANÇA, Anibal;
ABREU, Márcia (orgs.). Impresso no Brasil. Dois séculos de livros brasileiros. São
Paulo: Ed. Unesp, 2010, p.139-156.
TODOROV, Tzvetan. Só a ficção nos salva. Entrevista concedida a Bruno Garcia. In:
Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, n. 88, p.46-51, jan.2013.
VIANNA, Hermano. A meta mitológica da democracia racial. In: FALÇÃO, Joaquim;
ARAÚJO, Rosa Maria Barboza de (orgs). O imperador das ideias: Gilberto Freyre em
questão. Rio de Janeiro: Topbooks/ Fundação Roberto Marinho, 2001.
128
Sites Consultados
Abril Educação < http://www.abrileducacao.com.br/>
Acervo Estadão <http://acervo.estadao.com.br>
Acervo Folha <www.acervofolha.com>
Acervo O Globo <http://acervo.oglobo.globo.com>
ANPOCS < http://portal.anpocs.org/portal/index.php>
Associação Nacional de Livrarias <www.anl.org.br>
Câmara Brasileira do Livro (CBL) <www.cbl.org.br>
Cientistas Sociais – Língua Portuguesa (CPDOC/FGV) <cpdoc.fgv.br/cientistassociais>
Editora Ática <www.atica.com.br>
Fundação Biblioteca Nacional <www.bn.br>
Fundação Getúlio Vargas (CPDOC) <www.cpdoc.fgv.br>
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) <www.ibge.gov.br>
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) <www.inep.gov.br>
Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) <www.snel.org.br>
Depoimentos concedidos para esta pesquisa
Edgard de Assis Carvalho [por e-mail], dia 05 de nov. 2013.
Roberto DaMatta [por e-mail], dia 11 de nov.2013.
Fernando Paixão [Presencial], dia 13 de mai. 2013.
Edson Passetti [por e-mail], dia 09 de fev. 2014.
Documentários/ Programas de Entrevistas
Florestan Fernandes, o mestre. Direção: Roberto Stefanelli. Depoimentos de
Fernando Henrique Cardoso, Antonio Candido, Florestan Fernandes Filho, José Dirceu,
Ivan Valente, Jarbas Passarinho. Brasília, TV Câmara, 2004.
<http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/tv/materias/DOCUMENTARIOS/162
709-FLORESTAN-FERNANDES---O-MESTRE.html> Acesso em: 08/02/2013
A construção de Fernando Henrique. Direção: Roberto Stefanelli. Depoimentos de
Clóvis Carvalho, Leôncio Martins Rodrigues, Boris Fausto, José Arthur Giannotti.
Gustavo Franco. Brasília, TV Câmara, 2012, 56min51. Disponível em < http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/tv/materias/DOCUMENTARIOS/414641-A-
CONSTRUCAO-DE-FERNANDO-HENRIQUE.html> Acesso em: 10/09/2013.
José Mindlin, editor. Entrevista a Tereza Kikuchi. Direção: Raimo Benedetti. São
Paulo: Edusp, 2004.
129
ANEXOS
130
Editoras não universitárias com títulos na área de Ciências Sociais
(entre 1968 e 1988)
Editora Fundação
Artmed 1973
Abril Cultural 1968
Ática 1965
Brasiliense 1943
Civilização Brasileira 1932
Companhia das Letras 1986
Cia Editora Nacional 1925
Contexto 1987
Cortez Editora 1980
Cultrix 1956
Difusão Européia do Livro – Difel 1951
Duas Cidades 1954
Edições Loyola 1958
Global 1973
Globo 1909*
Guanabara Koogan 1932
Hucitec 1971
Jorge Zahar Editor 1956**
José Olympio 1931
L&PM 1974
LTC Não informado
Nova Fronteira 1965
Paz e Terra 1966
Pioneira Não informado
Perspectiva 1965
Papirus 1982
Summus Editorial 1974
T.A Queiroz Não informado
Tempo Brasileiro 1962
Vozes 1901
*Adquirida em 1986 pelas Organizações Globo
**Tornou-se Jorge Zahar Editor em 1985
131
Cronologia: O Brasil e o mundo entre 1978 e 1990
1978
- A Frente Nacional de Redemocratização lança como candidato à sucessão de Ernesto
Geisel o general moderado Euler Bentes Monteiro (1917-2002), tendo como vice na
chapa o senador e jurista Paulo Brossard.
- No espaço de poucos meses, ocorreram dois Conclaves no Vaticano. No primeiro, em
26 de agosto, o cardeal italiano Albino Luciani foi eleito o Papa João Paulo I, mas sua
morte, em 28 de setembro, resulta em uma nova eleição que aponta o triunfo do polonês
Karol Josef Wojtyla (1920-2005), consagrado Papa João Paulo II.
- Oito países da América do Sul viviam naquele momento ditaduras militares com apoio
explícito de setores civis conservadores: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Equador,
Paraguai, Peru, Uruguai. Guiana e Suriname haviam recentemente obtido sua
independência, respectivamente, de Reino Unido e Holanda, enquanto a Guiana
Francesa permanecia como um departamento ultramarino da França e as Ilhas
Falklands/ Malvinas pertenciam ao Reino Unido, mas com a reivindicação da
Argentina. Apenas Venezuela e Colômbia viviam em regimes ditos democráticos.
- No dia 13 de outubro, o Ato Institucional n.5 (AI-5) é revogado, em decreto assinado
por Geisel. As novas determinações entrariam em vigor no dia 1º de janeiro de 1979.
1979
- O general João Baptista Figueiredo assume a Presidência do Brasil. Ele seria o último
presidente-militar da história do Brasil.
- É deflagrada a Revolução Iraniana. O xá Reza Pahlavi é deposto e em seu lugar
assume o aiatolá Ruhollah Khomeini. O Irã transforma-se em uma república islâmica.
- Líder do Partido Conservador, Margareth Thatcher (1925-2013) assume em maio
posto de primeira-ministra do Reino Unido, cargo que ocupa até 1990.
- Refundação no Brasil da União Nacional dos Estudantes (UNE)
- Com as garantias constitucionais após a anulação do AI-5, diversos políticos e
intelectuais retornam do exílio, entre eles o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho
(1935-2007) e Leonel Brizola (1922-2004). Abre-se também a brecha para a legalização
e criação de novos partidos políticos.
- A União Soviética invade o Afeganistão no final de dezembro, crise que se transforma
no motivo principal para o boicote de países alinhados aos EUA aos Jogos Olímpicos de
Moscou-1980.
132
1980
- Robert Gabriel Mugabe assume o poder do Zimbábue. Ele permanece até hoje como
ditador do país africano.
- No dia 10 de fevereiro é fundado em São Paulo o Partido dos Trabalhadores (PT), sob
a liderança do sindicalista Luis Inácio Lula da Silva e a adesão de sindicatos,
movimentos sociais e intelectuais vinculados a um pensamento de esquerda.
- Em agosto é fundado o Solidariedade, sindicato polonês liderado por Lech Walesa,
prêmio Nobel da Paz em 1983.
- Morre o músico John Lennon, assassinado por um fã em Nova York.
- Um ano marcado pelo falecimento de importantes intelectuais, entre eles o filósofo
francês Jean Paul Sartre, o teórico da comunicação canadense Marshal McLuhan, o
semiólogo francês Roland Barthes e os escritores brasileiros Nelson Rodrigues
(dramaturgo, cronista) e Vinicius de Moraes (poeta).
1981
- Em 20 de janeiro, o republicano Ronald Reagan (1911-2004) assume a Presidência
dos Estados Unidos da América.
- Morre o cineasta brasileiro Glauber Rocha, diretor de Deus e o diabo na terra do Sol
(1963) e Terra em Transe (1967).
1982
- Argentina invade as Ilhas Falklands e declara-a como sua propriedade (Ilhas
Malvinas). O Reino Unido responde com vigor e, em pouco mais de dois meses de
Guerra, retoma o território.
- Eleições para governadores no Brasil. Em São Paulo, é eleito André Franco Montoro
(PMDB). No Rio de Janeiro, após um rumoroso caso de fraude eleitoral (Proconsult),
Leonel Brizola (PDT) obtém nas urnas a vitória.
- Morre o historiador Sérgio Buarque de Holanda, autor de Raízes do Brasil (1936).
1983
- Fim da ditadura na Argentina. Assume a presidência o advogado Raúl Alfonsín (1927-
2009), da União Cívica Radical.
- É fundada no Brasil a Central Única dos Trabalhadores (CUT).
1984
- A Apple Computers Inc. lança a primeira versão do computador pessoal Macintosh, o
Mac, tendo à frente do projeto o empresário e inventor Steve Jobs (1955-2011).
133
- Ocorrem no Brasil diversos comícios em favor da Emenda Dante de Oliveira que
solicitava o retorno às eleições diretas para presidência da República. Milhões de
brasileiros vão às ruas das cidades, sobretudo das capitais, pelas Diretas Já. A Emenda é
rejeitada pelo Congresso Nacional no dia 25 de abril.
- Daniel Ortega, da Frente Sandinista pela Libertação da Nicarágua (FSLN) vence as
eleições no país. O triunfo é um marco simbólico da luta das esquerdas na América
Latina e é inspiradora para muitos militantes no Brasil.
- Em resposta ao boicote a Moscou-1980, o bloco socialista não participa dos Jogos
Olímpicos de Los Angeles-1984.
1985
- Mikhail Gorbachev assume o posto de Secretário-Geral do Partido Comunista da
União Soviética e inicia as reformas que propiciam a abertura política e econômica.
- É lançado pela Microsoft, de Bill Gates, o sistema operacional Windows 1.0.
- Tancredo Neves, do PMDB, vence Paulo Maluf nas eleições indiretas no Colégio
Eleitoral em 15 de janeiro. Enfrenta, logo em seguida, uma dramática luta contra uma
doença e não resistiu e faleceu no Hospital das Clínicas, em São Paulo, no dia 21 de
abril. Assume a presidência o seu vice, José Sarney.
1986
- Acidente nuclear em Chernobyl, na Ucrânia, é considerado o maior desastre radioativo
da história e atingindo, além da Ucrânia, outras nações que compunham a URSS, tais
como a Rússia e a Bielorrússia.
- É criado o Plano Cruzado, sob a presidência de José Sarney e o ministro da Fazenda
Dilson Funaro. Participaram do plano André Lara Resende, Pérsio Arida, Edmar Bacha
e João Sayad. Em princípio, o Plano surte um efeito de otimismo. O mercado
fonográfico, por exemplo, atinge números impressionantes e o mercado editorial entra
na onda. Meses depois, porém, após as eleições para governadores, com vitória
esmagadora do PMDB, o Plano Cruzado naufraga.
1987
- Toma posse a Assembleia Nacional Constituinte, eleita em 1986 e incumbida da tarefa
de elaborar uma Constituição Federal. Entre os congressistas, nomes como Florestan
Fernandes, Vladimir Palmeira, Plinio Arruda Sampaio e Lula, Fernando Henrique
Cardoso, Ulisses Guimarães, Michel Temer, José Serra, Fernando Lyra, Delfim Netto,
Aloysio Teixeira, Guilherme Afif Domingos, Teotônio Vilela Filho, Mario Covas,
Marco Maciel, Afonso Arinos e Itamar Franco.
134
1988
- Promulgação, a cinco de outubro, da Constituição da República Federativa do Brasil,
com discurso do presidente do Congresso Ulysses Guimarães. A Constituição, embora
influenciada pela guinada do bloco Centrão, é denominada Constituição Cidadã.
- Assassinato, em dezembro, do líder seringalista Chico Mendes.
- EUA e URSS finalmente se reúnem nos Jogos Olímpicos de Seul, embora o evento
não esteja imune a boicotes de Cuba e Coreia do Norte.
1989
- URSS retira, enfim, suas tropas do Afeganistão, uma derrota político-militar de alto
impacto para o futuro do bloco socialista.
- Carlos Menem é eleito presidente da Argentina e George Bush assume o poder nos
EUA. Carlos Andrés Perez reassume o poder na Venezuela e o general Alfred
Stroessner é deposto no Paraguai.
- Queda do Muro de Berlim prenuncia o fim da Guerra Fria e da Política de Blocos. Na
Romênia, a revolução pede a cabeça de Nicolae Ceauscescu.
- Fernando Collor de Mello, do PRN, vence no segundo turno petista Luis Inácio Lula
da Silva nas primeiras eleições diretas para presidente da República Federativa do
Brasil. A disputa é marcada por golpes baixos e por manipulações televisivas.
1990
- O Kuwait é anexado ao Iraque, estopim da I Guerra do Iraque.
- No dia 11 de fevereiro, Nelson Mandela (1918-2013) é libertado da prisão na Africa
do Sul. O regime do apartheid se aproxima de seu fim.
- O Plano Collor, anunciado poucos dias após a posse do presidente, confisca poupanças
e gera pânico na população. É mais um plano econômico fracassado.
- Situação na Europa: Reunificação da Alemanha, Lech Walesa eleito presidente da
Polônia e URSS em situação delicada.
135
Reportagens sobre a coleção Grandes Cientistas Sociais*
*Páginas digitalizadas extraídas dos acervos dos respectivos jornais.
Nota publicada na seção “Letras”, Folha de S. Paulo, 5/11/1978.
136
Matéria do jornalista e professor Nilo Scalzo (1929-2007) sobre o volume Benjamin, organizado por
Flávio Kothe. Estado de S. Paulo, 20/10/1985.
137
Matéria sobre coletânea inédita de Florestan Fernandes – O Globo, 19/08/1995.
138
CADERNO DE IMAGENS
139
Figura 1 - Capa do primeiro volume da coleção Grandes Cientistas Sociais - Durkheim, 1978.
140
Figura 2 - Exemplo de capa e contracapa da coleção, padronizada para todos os volumes.
141
Figura 3 - Volume sobre Roger Bastide, professor de Florestan Fernandes.
142
Figura 4 – Volume sobre Lenin, organizado por Florestan Fernandes
143
Figura 5 - Florestan Fernandes (1920-1995), coordenador editorial da coleção Grandes Cientistas
Sociais. Crédito da foto: Sérgio Berezovski Fonte: Educar para Crescer, Ed. Abril.
144
Figura 6 - Organizador de três volumes, José Paulo Netto foi um dos principais colaboradores da
coleção Grandes Cientistas Sociais. A foto acima foi extraída do site do PCB (www.pcb.org.br)
145