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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
BOLIVIANAS E TRABALHO DOMÉSTICO EM SÃO PAULO
Eloah Maria Martins Vieira1
RESUMO: O trabalho doméstico remunerado é uma das atividades mais executadas por mulheres
migrantes internacionais. Este trabalho está entre os trabalhos desempenhados por bolivianas na
cidade de São Paulo desde 1950. Muitas bolivianas executam os trabalhos de cozinha e limpeza em
oficinas de costura. Além disso, algumas bolivianas moram em seus trabalhos, o que inclui não só
oficinas como também casas de terceiros. Estas características adicionam complexidades às análises
das experiências destas mulheres, porém pouco são estudadas. Há estudos sobre mulheres migrantes
trabalhadoras domésticas, mas poucos abordam estas experiências na América Latina ou as
conexões entre trabalho doméstico remunerado e não remunerado. Dada esta lacuna, temos como
objetivo apresentar a pertinência de refletir sobre como trabalhadoras domésticas bolivianas, que
moram em São Paulo, articulam a execução do trabalho doméstico remunerado e não remunerado.
Ser imigrante e trabalhadora doméstica pode dar contornos específicos a forma como o trabalho
doméstico não remunerado é organizado. Esta mulher pode ter dificuldades para estabelecer redes
de apoio, assim como pode integrar cadeias globais de cuidado. Além disso, o trabalho doméstico
pode envolver negociações com empregadores, companheiros, familiares e instituições. Assim,
buscamos mostrar como a análise de relações entre trabalho doméstico remunerado e não
remunerado elucida complexidades deste trabalho e diferentes dimensões das vidas das bolivianas.
Palavras-chave: Bolivianas. Trabalho doméstico remunerado. Trabalho doméstico não
remunerado. São Paulo.
1. Bolivianos e bolivianas em São Paulo
Neste artigo2, apresentaremos considerações sobre a pertinência de se refletir sobre a forma
como trabalhadoras domésticas bolivianas em São Paulo articulam o trabalho doméstico
remunerado e não remunerado. Para isso, inicialmente, faremos breves considerações sobre a
história desse movimento migratório, para, na sequência, comentar sobre as relações entre trabalho
doméstico e migrações e, por fim, apresentar possibilidades de articulações de trabalho doméstico
remunerado e não remunerado. Considerando que até o momento, fizemos apenas um mapeamento
do campo, este artigo é construído com base em revisão bibliográfica.
1 Mestranda em Antropologia na Universidade Federal de Pernambuco – Recife, Brasil. 2 O presente artigo é resultado de reflexões que vêm sendo construídas para minha pesquisa de mestrado. Em
2017.1, ingressei no mestrado em Antropologia na Universidade Federal de Pernambuco com o objetivo de estudar
como trabalhadoras domésticas bolivianas na cidade de São Paulo articulam estratégias para a realização do trabalho
doméstico em suas casas e famílias.
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O fluxo migratório de pessoas vindas de outros países da América Latina para o Brasil é
intenso. Em 2010, os fluxos de bolivianos, paraguaios e peruanos foram os que tiveram maior
crescimento dentre os fluxos de pessoas provenientes de outros países latino americanos para o
Brasil (OLIVEIRA, 2012). Sendo assim, bolivianos estão entre os grupos de latino americanos em
maior número no Brasil (BAENINGER, 2012) e dada sua expressividade numérica têm atraído a
atenção de estudos como o que aqui propomos.
A partir dos anos 1980, o fluxo de bolivianos para o Brasil se intensificou. Entretanto, desde
1950, já era possível observar bolivianos em São Paulo. Sobre este período, Iara Xavier (2012)
comenta que, entre os bolivianos, migraram mulheres que, chegando em São Paulo, trabalhavam
como trabalhadoras domésticas. Atualmente, a maioria dos bolivianos na cidade trabalham em
oficinas de costura (SILVA, 2006). Além desta ocupação, pode-se encontrar bolivianos trabalhando
em outras atividades como artesanato, indústria, comércio e trabalho doméstico (FREITAS, 2012).
No Brasil, São Paulo é a cidade que tem o maior número de imigrantes bolivianos e este
grupo é o maior entre os hispano-americanos moradores da cidade (SILVA, 2006). Sendo assim,
ainda que já tenha existido a predominância da migração boliviana na fronteira, atualmente, esta
migração tem grande importância em São Paulo (BAENINGER, 2012). Estes são fatores que nos
motivaram a escolher São Paulo como a cidade onde pesquisar sobre a população boliviana.
Quando falamos sobre migração, além de pensarmos de onde vêm e para onde vão os
migrantes, também é importante pensarmos quem são estes migrantes. As mulheres correspondem a
uma grande parcela dos/as migrantes internacionais. Com relação aos/às bolivianos/as imigrantes
residindo na Região Metropolitana de São Paulo, as mulheres correspondem a 44,1% de acordo
com o Censo 2000 (XAVIER, 2012). Sendo assim, o grupo de bolivianas em São Paulo tem
percentual expressivo, fundamentando também nossa escolha e a pertinência de estudá-las.
Ao refletir sobre as bolivianas em São Paulo, Ribeiro (2016) faz interessantes ponderações a
respeito do “crescimento” do número de mulheres na população imigrante. Segundo a autora, seria
difícil afirmarmos que este número cresceu pois existem poucos dados sobre a migração feminina
em décadas e séculos passados. Ribeiro (2016) destaca que mais do que afirmar este aumento,
pode-se dizer que houve um acirramento das contradições de gênero e uma maior atenção teórica
sobre o tema. Em consonância com Ribeiro (2016), Assis (2007) afirma os estudos de migração não
estavam atentos às diferenças de gênero, raça e etnia até o início dos anos 70. Sendo assim, o
presente artigo pretende ser uma contribuição aos recentes estudos que refletem sobre as
experiências das mulheres migrantes. Na sequência, apresentaremos demais aspectos que baseiam a
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pertinência de nosso estudo, mostrando a importância de estudar conjuntamente as temáticas de
migrações e trabalho doméstico.
2. Trabalho doméstico e migrações
Atualmente vêm sendo realizados estudos sobre as vivências de mulheres migrantes
internacionais e parte deles aborda os trabalhos que as mulheres executam quando migram
(DUTRA, 2012; 2013; RIBEIRO, 2016; ILLES; TIMÓTEO; PEREIRA, 2008; HIRATA e
KERGOAT, 2007; ZANELLA, 2015; VILELA e NORONHA 2013). Segundo algumas autoras
(DUTRA, 2013; HIRATA e KERGOAT, 2007), a mulher imigrante executa trabalhos
tradicionalmente femininos, como as atividades em confecção, comércio e trabalho doméstico
remunerado e não remunerado. Dessa forma, relaciona-se a migração feminina com a divisão sexual
do trabalho (HIRATA e KERGOAT 2007) e constata-se que muitas mulheres imigrantes se inserem
no setor de serviços domésticos (ASSIS, 2007), fazendo com que o trabalho doméstico remunerado
ou não remunerado ocupe posição central na experiência migratória das mulheres. Esta
centralidade, assim como a recorrência de mulheres imigrantes internacionais executando trabalho
doméstico remunerado ou não, são fatores que compõe a pertinência desta pesquisa.
Hirata e Kergoat (2007) destacam que muitas imigrantes exercem o trabalho doméstico que
é repassado a elas por outras pessoas que ocupam diferentes posições no mercado de trabalho. Esta
externalização do trabalho doméstico é nomeada por estas autoras como “delegação”. Segundo
Dutra (2012), empregadores conseguem exercer suas profissões e manter seus padrões de vida uma
vez que as imigrantes executam o trabalho doméstico na casa deles, e assim, elas concederiam
grande parte de seu tempo para cuidar dos filhos e das casas dos outros e não dos seus e das suas,
respectivamente. Dado que as trabalhadoras domésticas executam o trabalho doméstico nas casas e
famílias de outras pessoas, nos perguntamos e discutimos mais adiante: como que as trabalhadoras
domésticas organizam o trabalho doméstico em suas casas e famílias?
No Brasil, também podemos observar a presença de mulheres imigrantes trabalhando nos
postos de trabalho doméstico. Ainda que, este trabalho seja mais executado por migrantes nacionais
do que por imigrantes internacionais no Brasil (GUIMARÃES; HIRATA; SUGITA, 2012), existem
imigrantes internacionais que trabalham como trabalhadoras domésticas no país. Vilela e Noronha
(2013) destacam que considerável quantidade de paraguaias (35,2%) trabalha em serviços como
trabalho doméstico, vendedoras ambulantes e coletoras de lixo no Brasil. Além das paraguaias,
também há relatos sobre as peruanas em Brasília (DUTRA, 2012) e as bolivianas em São Paulo
trabalhando como trabalhadoras domésticas (ZANELLA, 2015; XAVIER, 2012).
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Trabalhadoras domésticas bolivianas em São Paulo não é uma realidade apenas
contemporânea. Como dissemos anteriormente, em 1950 já havia bolivianas em São Paulo
trabalhando como trabalhadoras domésticas (XAVIER, 2012). Zanella (2015) observa que as
bolivianas imigrantes em São Paulo atualmente também estão inseridas no trabalho doméstico como
babás, cozinheiras e empregadas domésticas. Entretanto, não há estudos que foquem nas
experiências das trabalhadoras domésticas bolivianas. Dado esta lacuna, defendemos que pesquisas
sobre suas experiências, como aqui propomos, são de extrema pertinência.
Sobre as bolivianas em São Paulo, destacamos que elas podem ser trabalhadoras domésticas
nas casas de terceiros, assim como nas oficinas de costura. Segundo Ribeiro (2016), Illes, Timóteo e
Pereira (2008) as bolivianas executam o trabalho de cozinha e limpeza das oficinas. Considerando
que o contrato de trabalho nas oficinas inclui a moradia no emprego na maioria das vezes, a oficina
se caracteriza como domicílio (RIBEIRO, 2016). Por isso, os trabalhos de limpeza e cozinha destes
espaços também são por nós tidos como trabalho doméstico, e assim, compreendemos que as
pessoas que executam este trabalho nas oficinas são trabalhadoras domésticas.
Segundo Ribeiro (2016), o trabalho doméstico nas oficinas de costura tem uma menor
remuneração que o trabalho de costura, é executado exclusivamente pelas mulheres e naturalizado
como feminino. Além disso, o trabalho doméstico executado pelas mulheres nas oficinas pode não
ser remunerado (RIBEIRO, 2016), o que para nós configuraria uma precarização ainda maior. A
remuneração ou não do trabalho doméstico depende, em geral, do porte da oficina. As oficinas
grandes tendem a contratar uma mulher para executar os trabalhos de limpeza dos ambientes
comuns e de preparação de comida (RIBEIRO, 2016). Ainda que estas mulheres sejam
remuneradas, elas recebem o menor salário da oficina. Além disso, haveria mulheres que não são
remuneradas pelo trabalho doméstico nas oficinas. Estes seriam os casos de oficinas familiares
quando a mãe e as filhas executam o trabalho doméstico. Nestes casos, o trabalho doméstico é tido
como uma obrigação destas mulheres (RIBEIRO, 2016).
Considerando que a maioria da população boliviana em São Paulo trabalha nas oficinas de
costura, acreditamos que o trabalho doméstico pode estar presente na vida de muitas bolivianas
nestas confecções, mas invisibilizado por ser realizado de forma associada ao trabalho de costura
e/ou sem remuneração. Sendo assim, estudar as bolivianas trabalhadoras domésticas das oficinas e
não só as bolivianas trabalhadoras domésticas que trabalham nas casas de terceiros, é uma forma de
visibilizar essas experiências. Além disso, dada a situação de precarização destes postos de trabalho,
estudá-los é uma oportunidade de problematizar desigualdades e contradições.
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Assim como algumas trabalhadoras domésticas das oficinas de costuras moram em seus
trabalhos, algumas trabalhadoras domésticas que trabalham nas casas de terceiros residem em seus
empregos. Segundo Ávila (2009), morar no emprego pode significar uma maior dificuldade de
delimitar a jornada de trabalho. Ademais, Dutra (2012) destaca que aquelas que trabalham e moram
no serviço viveriam um autoconfinamento em seus quartos e, assim, teriam um sentimento de
isolamento ainda maior do que demais imigrantes. Sendo assim, surgem outras complexidades
quando pensamos as vivências das trabalhadoras domésticas que moram em seus trabalhos.
Na sequência refletiremos sobre como que as trabalhadoras domésticas bolivianas podem
articular suas demandas por trabalho doméstico no que se refere ao cuidado de seus filhos e/ou
parentes idosos e animais, à cozinha, à organização e à limpeza em suas casas ou seus espaços
privativos, no caso de morarem em seus trabalhos.
3. Articulação do trabalho doméstico em suas casas e famílias
Neste tópico refletiremos sobre as formas como trabalhadoras domésticas bolivianas podem
articular o trabalho doméstico em suas casas e famílias. Tratando-se de uma reflexão a partir de
outros autores, nem sempre as experiências abordadas por estes referem-se a trabalhadoras
domésticas bolivianas em São Paulo, mas sim a experiências de trabalhadoras domésticas e/ou
imigrantes. É a partir destas experiências que levantaremos hipóteses sobre o que podemos
encontrar em campo ao longo da pesquisa de mestrado e fundamentaremos a pertinência de estudos
que pensam as relações entre trabalho doméstico remunerado e não remunerado a partir das
experiências de trabalhadoras domésticas bolivianas em São Paulo.
Autoras como Jurema Brites (2013) e Betânia Ávila (2009) reconhecem que surgem
complexidades quando pensamos as relações entre o trabalho doméstico remunerado e não
remunerado. Ávila (2009), por exemplo, elenca que há tensões na forma como a administração do
tempo é organizada em função do trabalho doméstico não remunerado e remunerado. A autora
ainda elenca que quando estamos refletindo sobre as vivências de trabalho doméstico remunerado e
não remunerado das trabalhadoras domésticas, podemos pensar não só nas relações de sexo/gênero,
como também nas relações de classe e de trabalho.
Dado que trabalhadoras domésticas executam o trabalho doméstico remunerado nas casas e
famílias de outras pessoas, questionamos: como que as trabalhadoras domésticas organizam o
trabalho doméstico geralmente não remunerado em suas casas e famílias? Quem realiza este
trabalho? São as mulheres? Outras pessoas participam? Como? Acreditamos que estas questões
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apontam para a complexidade do tema. Muito desta complexidade se deve ao fato de que quando
refletimos sobre o embricamento entre o trabalho doméstico remunerado e não remunerado,
podemos pensar sobre as relações que as trabalhadoras domésticas estabelecem com diferentes
atores, como: seus companheiros, empregadores, familiares e amigos no país destino ou no país de
origem.
3.1. Quando a mulher executa sozinha o trabalho doméstico em sua casa e família
Ao lermos sobre a realização do trabalho doméstico nas casas e famílias de trabalhadoras
domésticas, percebemos que muitas vezes elas também se responsabilizam pelo trabalho doméstico
em suas casas e famílias. Ribeiro (2016) mostra que nas oficinas, onde muitas bolivianas trabalham,
o trabalho de costura é intercalado com o trabalho doméstico da oficina, com o cuidado de filhos e
com limpeza do próprio quarto.
Quando são mulheres solteiras ou divorciadas com filhos, a mulher precisa sozinha
conjugar trabalho produtivo, limpeza do próprio quarto (...) e cuidado com as
crianças. (…) Vale ressaltar que essa é uma condição ocupada apenas pelas
mulheres, que sempre ficam com os filhos após a separação do casal. Acaba
colocando as mulheres em situação ainda mais precarizada, já que têm que
sustentar a si e aos filhos, lidar com a sobrecarga de trabalho produtivo e
atividades de reprodução também de si e das crianças(…). (RIBEIRO, 2016, p.112.
Grifo nosso)
Sendo assim, as bolivianas comumente executam estes trabalhos sozinhas, havendo,
consequentemente, sobrecarga. Esta situação configuraria não apenas sobrecarga, como dupla
jornada de trabalho (SARDENBERG, 1997).
É interessante perceber que esta forma de organização do trabalho doméstico não
remunerado em suas casas não estaria restrito às mulheres solteiras ou separadas destacadas por
Ribeiro (2016). Segundo Ávila (2009), mesmo quando homens companheiros de trabalhadoras
domésticas coabitam com as mesmas e estão desempregados, eles não executam o trabalho
doméstico em suas casas. A autora destaca que quando há algum tipo de divisão, esta divisão se dá
com outras mulheres.
Diferentemente das autoras até aqui elencadas, Assis (2004; 2007) destaca alguns casos de
homens brasileiros imigrantes nos Estados Unidos que executavam o trabalho doméstico em suas
casas. Segundo a autora, isto se deveria ao fato de eles trabalharem como trabalhadores domésticos
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junto com suas companheiras em casas de terceiros. A partir deste trabalho, estes homens passaram
a reconhecer o trabalho doméstico como um trabalho e começaram a participar da sua execução em
suas casas. Além disso, Assis (2004; 2007) também identifica que esta mudança se deve ao fato de
os Estados Unidos ter um outro padrão de relações de gênero, com uma maior divisão das tarefas.
Ainda assim, ela destaca que esta maior divisão não é unanimidade entre os imigrantes e, quando
ocorre, não se dá sem conflitos ou dificuldades. Ademais, as outras autoras aqui elencadas não
identificaram a participação de homens no trabalho doméstico das casas e famílias de trabalhadoras
domésticas e/ou imigrantes.
Quando o trabalho doméstico não remunerado em suas casas é executado apenas pelas
mulheres, há grandes impactos em suas vidas. Como o trabalho doméstico é intermitente e equivale
a grande parte do dia destas mulheres (POMBO, 2010; ÁVILA, 2009), diminuem as chances das
mesmas terem tempo para executar outras atividades e a sua qualidade de vida é impactada
(POMBO, 2010). Considerando a grande parcela de tempo que este trabalho representa na vida
destas mulheres, impactando-a, destacamos a importância e pertinência de estudá-lo. Além disso,
consideramos ser pertinente estudá-lo pois a partir dele podemos refletir sobre sensações e
sentimentos das mulheres trabalhadoras domésticas como: cansaço e sobrecarga, assim como
problematizar sobre as desigualdades que perpassam a vida destas mulheres, quando, por exemplo,
não há divisão do trabalho doméstico em suas casas.
3.2. Redes de mulheres
Muitas vezes as trabalhadoras domésticas executam o trabalho doméstico de suas casas e
famílias sozinhas como dissemos no tópico anterior. Entretanto, também há casos de divisão deste
trabalho com outras pessoas. Quando há algum tipo de divisão é comum que esta ocorra com outras
mulheres, reforçando a divisão sexual do trabalho. Ao falar sobre trabalhadoras domésticas, Ávila
(2009) comenta: “De uma maneira geral, quando da existência de filhos/as pequenos/as, a
ausência da mãe durante o tempo de trabalho remunerado é sustentada por uma rede entre
mulheres. Mãe, sogra, vizinha, ou até a filha mais velha” (p. 205. Grifo nosso).
Assim como Ávila (2009), Hirata e Kergoat (2007) consideram que trabalhadoras
domésticas organizam uma rede de mulheres para conseguir gerir as demandas de trabalho
doméstico em suas próprias casas e famílias. Ávila (2009) ainda acrescenta que esta rede de
mulheres pode ser feita através da solidariedade e também através de pagamento. Sendo assim, o
trabalho doméstico das casas e famílias das trabalhadoras domésticas pode ser remunerado. Sobre
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isto, destacamos que apenas Ávila (2009) elencou esta possibilidade de pagamento. Vasconcelos
(2013) pontua, dentre as brasileiras que migram para a Venezuela, apenas as imigrantes que compõe
famílias nucleares de classe média contratam outras mulheres para executar o trabalho doméstico
em suas casas e famílias no país destino; demais mulheres imigrantes, às quais incluímos as
trabalhadoras domésticas, não teriam esta condição financeira. Sendo assim, ao pensarmos sobre
como o trabalho doméstico é organizado nas casas e famílias, também devemos considerar a
dimensão de classe.
Ao tratar de trabalhadoras domésticas brasileiras nos Estados Unidos, Assis (2004) comenta
que algumas delas, quando têm filhos pequenos, recebem a visita de suas mães e irmãs para auxílio
no cuidado de seus filhos. Além disso, Assis (2004) também destaca casos de amigas imigrantes
que auxiliam imigrantes brasileiras neste cuidado. Sendo assim, estas imigrantes comporiam redes
de mulheres no país destino como estratégia de articulação do trabalho doméstico em suas famílias.
Até então, estamos considerando redes de mulheres que se formam quando mãe e filhos
moram no país destino. Iremos considerar portanto em nosso estudo de mestrado a possibilidade de
bolivianas trabalhadoras domésticas dividirem com outras mulheres, também no Brasil, o trabalho
doméstico de suas casas e famílias. Porém, nas trajetórias de migrantes, pode acontecer de as
mulheres migrarem para outro país e seus filhos permanecerem no país de origem. Para o cuidado
destes filhos, as imigrantes teriam que articular redes transnacionais construídas pelo apoio de avós,
irmãs e cunhadas (HIRATA e KERGOAT, 2007; ASSIS, 2004;2007; VASCONCELOS, 2013).
Sobre as relações entre mulheres no país destino e os parentes no país de origem,
Vasconcelos (2013) destaca que as mulheres imigrantes participam do cuidado de filhos e
familiares idosos à distância. A autora evidencia que mesmo separadas de seus filhos, as mulheres
acompanham o crescimento e a educação deles, fazendo uso de estratégias de comunicação como
ligações telefônicas ou contatos pela internet. Assim elas mantêm o contato e monitoram o cuidado
de seus filhos, assim como de familiares idosos. Dessa forma, consideramos que elas participam da
execução do trabalho doméstico em suas famílias e, assim, estas mulheres compõe cadeias globais
de cuidado (PÉREZ OROZCO, 2010) pois o trabalho de cuidado que elas executavam no país de
origem é rearticulado ao mesmo tempo que elas mantêm os vínculos com o país de origem e seus
residentes.
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Com base nestas reflexões, podemos pensar como que as bolivianas trabalhadoras
domésticas podem estabelecer redes de mulheres tanto no país destino como transnacionais para a
execução do trabalho doméstico de cuidado dos filhos e demais familiares no Brasil ou na Bolívia.
3.3. Relação com empregadores
Por fim, destacamos como que a organização do trabalho doméstico nas casas e famílias das
trabalhadoras domésticas pode envolver negociações com empregadores. Ávila (2009) e Ribeiro
(2016) mostram que os empregadores de trabalhadoras domésticas costumam não gostar que as
trabalhadoras tenham filhos, pois isso significaria uma menor disponibilidade de tempo para o
trabalho remunerado, além de mais gastos no caso dos donos de oficina, que teriam que garantir
comida, assim como um quarto privado para a mãe e seu filho.
Dado que nem todos os donos de oficina aceitam trabalhadoras com filhos (RIBEIRO,
2016), acreditamos que a presença dessas crianças nas oficinas e o trabalho doméstico de cuidado
para com elas ocorre mediante tensão e negociação com os empregadores. Essas negociações são
apresentadas por Ávila (2009) ao estudar mulheres que trabalham nas casas de terceiros. Segundo a
autora, as trabalhadoras domésticas têm que negociar com suas patroas a possibilidade, por
exemplo, de acompanhar seus filhos em serviços de saúde.
Além disso, quando os/as filhos/as são pequenos/as, são elas que os/as levam para
o serviço de saúde, e esse é um motivo de problema na relação com as patroas, pois
os horários de atendimento nos serviços de saúde são pela manhã, concorrendo
com o horário do trabalho remunerado. São dois usos do tempo em disputa, para
o cuidado com os/as filhos/as e para o trabalho remunerado. Muitas vezes, para
isso, as empregadas domésticas participantes da pesquisa afirmam que é necessário
recorrer à ajuda de outras mulheres. Para os sujeitos da pesquisa, essa é uma
situação vivida com muita angústia. (ÁVILA, 2009, p.208. Grifo nosso).
Aqui percebemos que para além da negociação com os empregadores, reaparece a rede de
mulheres como uma estratégia para a organização do trabalho doméstico nas casas e famílias das
trabalhadoras domésticas. Sendo assim, a organização deste trabalho pode envolver negociação com
companheiros e outras mulheres, como também, com os empregadores, de forma que várias
estratégias podem ser articuladas concomitantemente. Deste trecho que destacamos de Ávila
(2009), também evidenciamos que ao refletirmos sobre a articulação do trabalho doméstico
remunerado e não remunerado estamos pensando sobre a organização do tempo, o que, como coloca
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Ávila, pode envolver disputa e gerar angústia. Sendo assim, a partir da análise das negociações com
os empregadores surgem novos atores, sentimentos e sensações e, consequentemente, devem ser
consideradas novas complexidades para a análise da organização do trabalho doméstico nas casas e
famílias das trabalhadoras domésticas.
4. Considerações finais
Como mostrado ao longo do artigo, quando pensamos na forma como as trabalhadoras
domésticas bolivianas articulam o trabalho doméstico remunerado e não remunerado surge um
leque de possibilidades. Bolivianas podem trabalhar na casas de terceiros, assim como em oficinas
de costuras. Tantos estes trabalhos como os realizados em suas casas e famílias podem ser
remunerados ou não. Além disso, nas casas e famílias das trabalhadoras domésticas, o trabalho
doméstico pode envolver redes de mulheres, cadeias globais de cuidado, negociações com
empregadores e instituições como serviços de saúde. Ademais, estas diferentes estratégias podem
estar associadas a diferentes tipos de tensões, sentimentos e sensações. A partir das várias
possibilidades de articulação e suas complexidades, esta temática se apresenta como um campo de
estudo rico a ser explorado. São justamente estas complexidades que fundamentam nossa ideia de
estudar as articulações entre trabalho doméstico remunerado e não remunerado executadas pelas
trabalhadoras domésticas bolivianas em São Paulo. Pretendemos, através da pesquisa de mestrado,
aprofundar estes debates visando assim contribuir para o acúmulo de reflexões sobre trabalhadoras
domésticas bolivianas em São Paulo e suas estratégias para execução do trabalho doméstico.
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Bolivian women and domestic work in São Paulo
Abstract: Paid domestic work is one of the activities most performed by international migrant
women. Paid domestic work is among the jobs performed by Bolivian women in the city of São
Paulo since 1950. Many Bolivian women do the work of cooking and cleaning in sewing
workshops. Some of the Bolivian women live in their jobs, which include workshops and homes of
others. These characteristics add complexity to the analysis of these women's experiences, but they
are rarely studied. There are studies about migrant domestic workers women, but few studies
approaches these experiences in Latin America or the connections between paid and unpaid
domestic work. Based on this gap, we aim to present the pertinence of reflecting on how Bolivian
domestic workers women, who live in São Paulo, articulate the performance of paid and unpaid
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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
domestic work. Being an immigrant women and domestic worker can mean a specific shape to how
unpaid domestic work is organized. This woman may have difficulty establishing support networks,
as well as can integrate global care networks. In addition, domestic work may involve negotiations
with employers, partners, family, and institutions. Thus we intend to show how the analysis of the
relationships between paid and unpaid domestic work elucidates the complexities of this work and
different dimensions of the lives of Bolivian women.
Keywords: Bolivian women. Paid domestic work. Unpaid domestic work. São Paulo.