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PROGRAMAO DAS APRESENTAES
3
CADERNO DE RESUMOS
Monografias de concluso
do curso de Bacharelado e Licenciatura em
Histria da Universidade Federal do Paran
2. SEMESTRE 2014
Programao das
apresentaes e
resumos das
monografias de
concluso de curso
de Bacharelado e
Licenciatura
PROGRAMAO DAS APRESENTAES
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Banca 1 Dia 02/12 das 08h00 s 10h00 sala 612
Titulares Prof. Dr. Marcos Gonalves e Profa. Ms. Rachel Marques
Suplente Prof. Ms. Thiago Henrique Felcio
Franciele de Souza
O POST-MORTEM EM RIO GRANDE DE SO PEDRO: HIERARQUIAS
INDGENAS NA DINMICA FNEBRE CATLICA (1738-1763)
Orientadora: Prof. Dr. Martha Daisson Hameister
Andressa Lopes de Oliveira
RECONSTITUIO DE DINMICA FAMILIARES ENTRE CATIVOS E FORROS A
PARTIR DO REGISTRO PAROQUIAIS: SANTO ANTONIO DA LAPA
Orientadora: Prof. Dr. Maria Luiza Andreazza
Isabelle Giotto Rocker
A DIMENSO DOMSTICA DO DISCURSO DE JOAQUIM NABUCO SOBRE
ESCRAVIDO E ABOLIO NO SCULO XIX
Orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Lima
Alexandre Boing
A QUESTO DO INDGENA LATINO-AMERICANO NO PENSAMENTO DE JOS
CARLOS MARIATEGUI
Orientadora: Prof. Dr. Martha Daisson Hameister
Banca 3 Dia 02/12 das 14h00 s 16h00 sala 612
Titulares Prof. Dr. Vinicius Nicastro Honesko e Prof. Ms. Luis Carlos Sereza
Suplente Prof. Dr. Rodrigo Tavares
Daniele Cristina Viana
POR QUE MUSEU DE ARTE DO PARAN? A CRIAO DO MAP, EM CURITIBA
(1986-1991)
Orientadora: Prof. Dr. Rosane Kaminski
Carmelina Ferrari Passos Pimenta
O GRANDE CIRCO MSTICO: REPRESENTAES DE CORPO E GNERO NA
COMPANHIA DE DANA BALLET TEATRO GUAIRA (DCADA DE 1980)
Orientador: Prof. Dr. Clovis Gruner
Patrcia Govaski
A VALORIZAO DA FIGURA FEMININA NAS OBRAS DE CRISTINA DE PIZN
E BALDASSARE CASTIGLIONE (1403-1528)
Orientadora: Prof. Dr. Ana Paula Vosne Martins
PROGRAMAO DAS APRESENTAES
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Banca 2 Dia 03/12 das 08h00 s 10h00 sala 612
Titulares Prof. Dr. Pedro Plaza e Profa. Ms. Ana Luiza Mendes
Suplente Profa. Dra. Liz Andrea Dalfr Amanda Cristina Zattera
UMA ANLISE HISTRICA SOBRE O DECAMERON DE GIOVANNI BOCCACCIO
(1313-1375): RISO E REGENERAO Orientadora: Prof. Dr. Marcella Lopes Guimares Lucca Zanetti O PRNCIPE E O MERCENRIO A SUGESTO DE UM MODELO IDEAL,
ATRAVS DE LA VITA DI CASTRUCCIO CASTRACANE, DE NICOLAU
MAQUIAVEL (1518-1520) Orientadora: Prof. Dr. Ftima Regina Fernandes Willibaldo Ruppenthal Neto A PSYKH ENTRE OS GREGOS: DO MITO HOMRICO S CONCEPES PR-
SOCRTICAS Orientador: Prof. Dr. Renan Frighetto Paula Marinelli Martins CONTRA CALUNIADORES DA PROVIDNCIA DIVINA: OS COIMBRICENSES
NA PROPOSTA PEDAGGICA CONTRA REFORMISTA DOS JESUTAS
Orientadora: Prof. Dr. Andrea Dor
Banca 4 Dia 03/12 das 14h00 s 16h00 sala 612 Titulares Prof. Dr. Rafael Benthien e Prof. Ms. Ozias Paese Neves Suplente Prof. Dr. Luiz Geraldo Silva Brbara Caramuru Teles EGITO NA ENCRUZILHADA DA SECULARIZAO: DESDE GAMAL ABD AL-
NASSER AT A PRIMAVERA RABE. UM OLHAR LOCAL Orientador: Prof. Dr. Jos Roberto Braga Portella Luan Fernando Leal Ferreira ENTRE A TERRA PROMETIDA E A FORTALEZA VERMELHA: A REVOLTA DE
PORECATU E O IMAGINRIO ANTICOMUNISTA EM JORNAIS PARANAENSES
(1944-1951) Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Rodriguez Tavares Mariela Passarin A EXPANSO DO CATOLICISMO MIDITICO: PADRE REGINALDO MANZOTTI
E A RELIGIOSIDADE VIRTUAL NO BRASIL (2005-2014) Orientadora: Prof. Dr. Karina Kosicki Bellotti Rafael Jos Hina A VISO DE JULIO MESQUITA SOBRE A PARTICIPAO DA ALIANA, COM
NFASE NO IMPRIO TURCO-OTOMANO NA PRIMEIRA GRANDE GUERRA
Orientadora: Prof. Dr. Marcella Lopes Guimares Coorientador: Prof. Dr. Dennison de
Oliveira
PROGRAMAO DAS APRESENTAES
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RESUMOS BANCA I
Tera-feira, 02 de
dezembro de 2014
Das 08h00 s 10h00
Local: Sala 612
6. andar
DEHIS/UFPR
Banca I Tera-feira, 02 de dezembro de 2014 Das 08h00 s 10h00 Sala 612
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O POST-MORTEM EM RIO GRANDE DE SO PEDRO: HIERARQUIAS INDGENAS NA DINMICA FNEBRE CATLICA (1738-1763)
Aluna: Francielle de Souza
Orientadora: Prof.a Dr.
a Martha Daisson Hameister
Palavras-chave: hierarquia social; registros paroquiais; populaes indgenas; dinmica espacial fnebre
Este trabalho tem como objetivo analisar a distribuio espacial dos enterramentos
da populao de Rio Grande de So Pedro, atual cidade de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, com especial enfoque nos locais que os indgenas, aproximados ou transferidos, cujas mortes foram registradas pelos procos da regio, foram sepultados, na tentativa de compreender a participao destes na dinmica morturia catlica. Para isso, utilizou-se o primeiro livro de bitos da localidade, disponvel no domnio familysearch.com, que apresenta os registros das mortes que tiveram encaminhamento eclesistico, ocorridas entre 1738 e 1763, ano em que chegou o primeiro proco na localidade recm-fundada e ano em que a mesma foi tomada por tropas castelhanas, interrompendo o domnio luso contnuo de 25 anos. Com o material transcrito, foi possvel analisar as informaes quantitativa e qualitativamente, o que forneceu os dados para o desenvolvimento da pesquisa.
O contexto da parte meridional do territrio sul-americano do sculo XVIII envolto em disputas territoriais entre a coroa portuguesa e a espanhola, que eclodiram em diversos momentos. Estes conflitos foram registrados pela historiografia tradicional como principais eventos de contato entre portugueses e espanhis nesse momento, prevendo a posse portuguesa como determinao histrica
1. Mais recentemente, procura-se explorar o
carter mais complexo que estas relaes possuam2. A produo acadmica a partir da
primeira dcada do sculo XXI tem trazido tona aspectos relativos interao entre lusos e castelhanos, tambm nas atividades econmicas legais e ilegais. O que ambas as historiografias possuem em comum a caracterizao desta regio meridional como uma regio de fronteira colonial, como expe Fbio Kuhn:
Sugerimos um novo quadro de referncia, em que o espao fronteirio colonial deve ser compreendido como uma fronteira em movimento, com Intensa circulao de homens e mercadorias, em um contexto demogrfico heterogneo e numa conjuntura de instabilidade poltica
3.
As localidades portuguesas nessa rea foram construdas, em sua maioria, a partir de fortes militares que se constituam em fortalezas feitas para servir de morada e concentrao de militares auxiliando a conquista e a proteo do local, assim como apoio e retaguarda poro mais meridional pleiteada pelos lusos, a Colnia do Sacramento. Com o tempo, estes fortes concentraram pessoas de diversas origens, muitas delas evadidas da prpria Colnia do Sacramento, constantemente alvo de ataques das tropas castelhanas e de seus aliados indgenas. Alguns tornaram-se povoados, desenvolvendo a agricultura e o artesanato, mas basicamente, at ano de 1763, dedicadas produo de animais bovinos, cavalares e muares, sua principal fonte de receitas. Formava-se assim, um ambiente em que portugueses, castelhanos, indgenas, escravos e luso-brasileiros vindos de outras partes do territrio colonial, conviviam e morriam neste espao compartilhado.
De maneira a burlar o Tratado de Tordesilhas (1494), os fortes portugueses foram sendo colocados cada vez mais ao sul, caso da Colnia do Sacramento, fundada em 1680, na foz do Rio da Prata, pelo ento governador do Rio de Janeiro. Aps um longo cerco promovido pelos castelhanos Colnia, e outras tantas tentativas de dominar a localidade e expulsar os portugueses, em fins da dcada de 1730, a maioria de seus habitantes se dispersaram pelo territrio sulino. Alguns destes acabaram se deslocando para a regio que, posteriormente, seria a Freguesia de Rio Grande de So Pedro, fundada em 1737, pela
1 VELLINHO, Moyss. Capitania Del rei, aspectos polmicos do RS. 2 ed. Porto Alegre: Globo, 1975.
2 KUHN, Fbio. Uma Breve Histria do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Leitura XXI, 2004. 2
a Edio.
3 Ibidem, p. 27.
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expedio do Brigadeiro Silva Pais. Nas margens da barra do Rio Grande, construiu-se o presdio de Jesus Maria Jos (que iria dar nome igreja matriz do povoado), provocando uma concentrao de populao em seguida
4. Rio Grande representou a maior e mais
prxima fora de apoio defesa militar da Colnia do Sacramento5. Com base na
historiografia6, compreende-se que a sociedade colonial luso-brasileira se constituiu
atravs da sociedade portuguesa de Antigo Regime, cujas relaes de hierarquia, reciprocidade e equidade tiveram influncia decisiva em sua formao
7. Assim como em
Portugal, os membros do corpo social que se formava na colnia possuam lugar prprio dentro da hierarquia vigente, submetendo seu funcionamento s demandas do rei, ao procurar manter certo prestgio que produziria sua diferenciao entre os demais. A presena da Igreja Catlica nas aes e mentes dos colonizadores outro ponto importante de se levar em considerao, pois esta influenciava o modo de organizao social desses europeus, direcionando seu entendimento acerca do que encontravam ao seu redor no Novo Mundo. Nesse sentido, a assimilao dos povos indgenas dentro da cronologia catlica aconteceu simultaneamente ao contato direto entre colonizadores e nativos, provocando a insero desses dentro da hierarquia social lusitana.
De interesse deste trabalho a relao entre nativos sul-americanos e os rituais catlicos que acompanhavam o fiel na hora de sua morte, neste contexto. Para tanto, sabe-se que alguns costumes fnebres, como a feitura de testamentos, o cuidado de preparar a roupa desejada pelo falecido, entre outros, eram praticados com similar importncia por toda a sociedade crist em diversas partes do territrio colonial
8. o que Joo Jos Reis
9
chama de boa morte: um conjunto de rituais perseguidos a fim de tornar a passagem pra o outro plano a mais digna e sagrada possvel. Estes rituais tradicionais so, segundo o autor, expresso da interpretao singular que a sociedade luso-brasileira tinha sobre a morte: esta seria um momento de transio gradativa da alma desde o mundo material at o mundo espiritual, sendo o sucesso desta passagem responsabilidade, em parte, daqueles que continuavam vivos. Meio de se alcanar a boa morte, segundo Reis, as Irmandades catlicas seriam organizaes laicas, que adotavam como padrinho um santo especfico e que promoviam, atravs de auxlios em caso de doenas, injustias, alforrias e garantia de sepultura santa, uma rede de relacionamentos e solidariedade entre seus membros, refletindo a hierarquia social existente na sociedade
10. Estas organizaes estariam
comprometidas em garantir o direito da boa morte queles que a elas recorressem, sendo a presena de escravos e forros nestas instituies, j percebida pela historiografia
11.
Nesse contexto, a importncia do local que receberia o corpo do falecido tambm ressaltada pelo autor, uma vez que se acreditava estarem mais prximas de Deus as sepulturas localizadas no interior das igrejas, deixando seu ocupante mais seguro de seu destino no dia do juzo final. Teoricamente, os locais mais sagrados eram reservados para aqueles cuja existncia na parquia era reconhecidamente importante: cristos ativos,
4 QUEIROZ, Maria Luiza Bertulini. A Vila do Rio Grande de So Pedro 1737/1822. Rio Grande do Sul:
Editora da Furg, 1987. 5 KUHN, Fbio. Uma Breve Histria do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Leitura XXI, 2004. 2
a Edio.
6 FRAGOSO, Joo; GOUVA, Maria de Ftima S.; e BICALHO, Maria Fernanda B., Uma Leitura do
Brasil Colonial: Bases da materialidade e da governabilidade no Imprio. Penlope. Revista de Histria e
Cincias Sociais. Lisboa, n. 23 (novembro de 2000): 67-88. 7 LEVI, Giovanni. Reciprocidade Mediterrnea. In: OLIVEIRA, Mnica Ribeiro; ALMEIDA, Carla Maria
Carvalho (Orgs). Exerccios de Micro-histria. Rio de Janeiro: FGV, 2009. p.51-86. 8 CAMPOS, Adalgisa Arantes. Locais de sepultamentos e escatologia atravs de registros de bitos da
poca barroca* A freguesia de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto In: Varia Histria. (31). 2004. 9 REIS, Joo Jos. A Morte uma Festa: ritos fnebres e revolta popular no Brasil do Sculo XIX. So
Paulo: Companhia das Letras, 1991. 10
Joo Jos Reis afirma isto aps perceber que as irmandades de Salvador tinham o costume de aceitar
apenas determinado tipo de membro, expresso nos compromissos de fundao, que direcionavam cargos
administrativos para determinado grupo majoritrio: Todas as irmandades exigiam que o cargo mximo
de juiz ou presidente [...] fosse ocupado por algum da raa. Irmandades de brancos eram presididas
por brancos, de mulatos por mulatos [...] p. 54. 11
ibidem, p. 53.
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mantenedores da ordem e da f. A historiografia j se dedicou a investigar o lugar do escravo africano e seus descendentes dentro das necrpoles da Amrica portuguesa, mas muito ainda pode ser falado sobre o espao que os indgenas ocupam nesse mbito: este trabalho uma tentativa de iniciar este debate
12.
A fonte selecionada para este trabalho o Primeiro Livro de bitos de Rio Grande de So Pedro (1738/1763), que possui 846 registros. Para esta pesquisa, todo o contedo legvel foi transcrito e organizado em tabelas, a partir de classificaes escolhidas para lidar com as informaes apresentadas nos registros, preenchendo campos com o nome, idade, sexo, local de origem, sacramentos recebidos, feitura de testamento e local de enterramento. Outras tabelas se originaram desta inicial e abrangeram grupos especficos, por exemplo, tabelas apenas com as informaes dos registros de indgenas, tanto no mbito quantitativo (quantos foram enterrados em tal lugar), quanto abarcando seus nomes e outras diversas informaes contidas na fonte. Os registros de escravos e da populao branca
13, tambm ganharam este tratamento. Foram comparados apenas dados de
indgenas e escravos neste trabalho, pois procurou-se ampliar o conhecimento das maneiras como se deu a assimilao dos grupos indgenas na dinmica morturia catlica e as dinmicas morturias deste segmento social inegavelmente subalterno - tanto os escravos quanto a maioria dos indgenas, no compunham as elites locais. Dentre os indgenas, trs etnias foram identificadas, Tape, Charrua e Minuano; entre os escravos, quatro naes aparecem: Angola, Mina, Baguela e Congo
14. Como visto, os requisitos para a boa morte
incluam a obteno de sepultura em campo santo, prtica em Rio Grande tanto entre os indgenas quanto entre os escravos. Nove locais de enterramento foram indicados como recebedores de sepulturas indgenas, enquanto que os escravos foram aceitos em cerca de doze lugares sagrados, entre eles adros, cemitrios e interiores de igrejas e capelas. Como fica explcito nas tabelas a seguir, alguns dos lugares que aceitaram indgenas tambm recebiam escravos (e inclusive brancos, como o caso da Matriz de Jesus Maria Jos); tambm notvel a existncia de determinados locais que no se repetem entre os grupos. Isso demonstra a pluralidade de locais de inumao nesta rea e as especificidades que rondavam o morrer de escravos e indgenas nesse perodo.
12
Autores como Sheila de Castro Faria, Jos Roberto Ges, Jlio Cesar M. da Silva, Carlos Engemann,
Marcelo de Assis, Manolo Florentino, entre outros, j escreveram sobre mortalidade e hierarquia escrava. 13
Os falecidos que chamarei de "brancos" nesta exposio so aqueles cujos registros no mencionam nem
cor nem grupo tnico, sendo marcados pela ausncia de designao especfica, eventualmente anotando seu
local de nascimento em terras lusas ou castelhanas, na pennsula ou na Amrica. 14
Ao todo, dos 846 registros, 554 so de brancos, 185 de escravos, 85 de indgenas, sete de pardos e quinze
ilegveis.
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Chega-se a constatao de que os indgenas que morreram naquela localidade
participavam da dinmica morturia que se desenvolvia na Amrica portuguesa, assim como a parcela cativa, pois foram enterrados em diversos lugares, aparentemente, seguindo uma lgica ainda no desvendada, mas que, provavelmente, convinha tanto a proco quanto aos indgenas. Disso, afirma-se que havia uma hierarquia interior a este grupo indgena, pois nem todos da mesma etnia foram sepultados no mesmo lugar; muito pelo contrrio, por mais que houvesse uma tendncia em se enterrar tapes na Matriz e em suas posses, isto no impedia que outros tapes fossem enterrados em outras capelas e cemitrios. Possvel explicao para este fato seria que os ndios ditos Tape eram oriundos das Estncias dos Padres Jesutas
15, enquanto que o Minuano estiveram mais reticentes
aproximao e assimilao do catolicismo16
. Importante lembrar que converter-se ao catolicismo no significava o abandono de sua antiga religio, estando a convivncia das duas fs atrelada a mecanismos de negociao entre grupo indgena e colonos. A exemplo dos tapes, acredito que nenhum outro grupo de nativos que possuam certa aproximao com os portugueses fossem compreendidos como um todo homogneo: os conquistadores reconheciam as posies de destaque dentro dos grupos indgenas
17.
15
NEUMANN, E. Uma fronteira tripartida. In: GRIJ, L.; KUHN, F.; GUAZZELLI, E.; NEUMANN, E.
Captulos de histria do Rio Grande do Sul, Porto Alegre: UFRGS, 2004 16
GARCIA, Rodolfo. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Rio de janeiro, 1939. Disponvel em:
http://objdigital.bn.br/acervo_digital/anais/anais_057_1935.pdf 17
HAMEISTER, Martha Daisson. Contestando muitas e ratificando poucas das vises acerca dos indgenas
expostas em Casa-Grande & Senzala atravs do exemplo dos gentios Minuano do extremo-sul do Estado
do Brasil (C.1612- C.1786). Trabalho de concluso da disciplina Gilberto Freyre e a herana da
escravido: um debate em historiografia comparada, ministrada pelas Profas
Dras
Ana Maria L. Rios e
Mnica Grin no Programa de Ps-graduao em Histria Social/UFRJ. Rio de Janeiro/UFRJ, 2003 (cpia
dactiloescrita).
http://objdigital.bn.br/acervo_digital/anais/anais_057_1935.pdf
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RECONSTITUIO DE DINMICAS FAMILIARES ENTRE CATIVOS E
FORROS A PARTIR DE REGISTROS PAROQUIAIS: SANTO ANTONIO DA
LAPA, 1769 1830
Aluna: Andressa Lopes de Oliveira
Orientadora: Prof Dra. Maria Luiza Andreazza
Palavras-chave: Famlia; Escravido; Santo Antonio da Lapa
A introduo da famlia escrava como objeto de estudo na historiografia brasileira
foi recente. Embora a famlia em cativeiro figurasse nas discusses em torno da escravido
no Brasil, mesmo que fosse para negar sua existncia, foi somente a partir dos anos 1980
que os cativos comearam a ser vistos como agentes histricos e suas relaes sociais se
tornaram o foco de muitos pesquisadores.
Gilberto Freyre 1
cunhou o conceito de famlia patriarcal, a qual era composta por
todos os indivduos que encontravam sob o poder e proteo do senhor: esposa, filhos,
netos, avs, agregados e escravos. Tendo o seu olhar mais voltado para a casa-grande 2 e
existncia de uma famlia extensa e multifuncional, no houve, em sua obra, espao para se
pensar a existncia da famlia escrava nuclear. Caio Prado Jnior 3, por sua vez, ao analisar
a sociedade colonial brasileira por um vis econmico, acreditava que a baixa taxa de
reproduo natural dos escravos e a insignificante incidncia de famlias entre eles,
estariam ligadas ao fato de que as relaes entre senhor e escravo ou e entre os prprios
cativos eram determinadas pelo fator econmico. 4
Nas dcadas de 1950 e 1960 a Escola Paulista de Sociologia, representada por
nomes como Florestan Fernandes, Roger Bastide e Fernando Henrique Cardoso, emergiu
nos estudos voltados escravido. Do ponto de vista destes autores, a famlia escrava
no apenas a linhagem, mas tambm a famlia conjugal/nuclear, com o pai presente na vida
dos filhos foi praticamente inexistente; no s pelo fato de o nmero de homens cativos
ser superior ao de mulheres cativas, mas tambm pela suposta prtica dos proprietrios de
tolher e solapar todas as formas de solidariedade entre os cativos. 5
vlido destacar que
esta corrente historiogrfica, sobretudo Florestan Fernandes, relacionava o comportamento
dos escravos diretamente ao poder dos senhores, no deixando espao para que o cativo
fosse visto como um agente histrico, atribuindo-lhe a qualidade de coisa ou objeto.
A reificao ou coisificao do escravo considerada, por Sidney Chalhoub,
como um dos mais clebres mitos da historiografia. 6 Podemos considerar Perdigo
Malheiro como precursor da teoria do escravo-coisa Embora a obra A escravido no
Brasil: ensaio histrico, jurdico, social de Malheiro, publicada pela Imprensa Nacional
durante a dcada de 1860, tenha carter de fonte e no de um estudo historiogrfico, no se
pode ignorar as reflexes do jurista acerca da sociedade escravagista da qual fazia parte.
Em seu estudo, o cativo apresenta a condio de coisa, estando sujeito ao poder e ao
domnio de outro como sua propriedade, tendo todos os direitos e os sentimentos, como os
1 FREYRE, G. Casa Grande e Senzala. Formao da Famlia Brasileira sob o Regime de Economia
Patriarcal. So Paulo: Global, 2003. 2 SCHWARTZ, S. B. Segredos internos; engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835. So Paulo:
Cia. das Letras, 1988. p. 311. 3 PRADO Jr., C. Formao do Brasil Contemporneo. So Paulo: Brasiliense, 1979.
4 RAMOS, V. G. A famlia entre os escravos da religio. Revista Eletrnica Cadernos de Histria, vol. VII,
ano 4, n. 1, julho de 2009. p. 83. 5 SLENES, R. W. ; FARIA, S. S. C. Famlia escrava e trabalho. Tempo, Vol. 3 - n 6, Dezembro de 1998.
p.1. 6 CHALHOUB, S. Vises da liberdade: uma histria das ltimas dcadas da escravido na Corte. So Paulo:
Companhia das letras, 2011. p. 40.
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10
de famlia, negados. A definio legal do escravo como coisa vinha acompanhada de uma
violncia social que parecia inerente escravido. 7 Fernando Henrique Cardoso resgatou o
estudo de Malheiro e reproduziu a viso reificada do escravo ao afirmar que a condio
jurdica de coisa era correspondente condio social do negro, ou seja, o prprio cativo
acreditava ser um pouco mais que um ser irracional. Ainda nesse sentido, para Cardoso, os
escravos no eram capazes de produzir valores e normas prprios, apenas espelhavam
passivamente os significados sociais que eram impostos pelos senhores. 8
A teoria do escravo-coisa prosseguiu presente na historiografia, podendo ser
encontrada ainda no trabalho de Jacob Gorender, que na dcada de 1970 acentuou o vis
economicista nos estudos sobre escravido. Em sua obra, a violncia vista como a forma
mais significativa de perpetuao do escravismo e como base das relaes sociais no
cativeiro. Em decorrncia da violncia e opresso, o escravo tornava-se incapaz de realizar
interaes sociais; a vida em cativeiro o despia de humanidade e lhe atribua uma condio
anmica. Esta suposta anomia ausncia de leis ou de organizao impossibilitava ao
cativo prticas scio-culturais, como a de constituir famlia e de participar de forma ativa
em seu processo de manumisso. A disparidade entre o nmero de homens e mulheres, a
interveno do senhor nas relaes impondo a separao por venda ou herana, apresentar-
se-iam como obstculos a unies estveis, ocasionando um comportamento promscuo
entre os cativos.
Ainda nos anos 70, emergiram historiadores que comearam a questionar o que
vinha sendo escrito sobre famlia escrava, dentre os quais possvel destacar Katia
Mattoso. Em Ser escravo no Brasil, publicado em 1982, a mudana de paradigmas na
histria social iniciada no final da dcada de 1960 notvel. Embora Mattoso ainda no
questionasse a base emprica da viso tradicional da famlia escrava, ela j percebia que
os africanos e seus descendentes podiam construir outras solidariedades significativas, para
alm do parentesco, para orientar suas vidas.
A partir dos anos 80, as mudanas na historiografia em questo passaram a ser mais
acentuadas. A teoria do escravo-coisa deixa de existir, dando lugar nfase na autonomia
escrava. Os cativos comearam a ser vistos como agentes histricos ativos no processo de
formao da sociedade brasileira. Conceitos como os de resistncia e autonomia entre
escravos passaram a ser apontados, de forma recorrente, como foco para a reconstruo de
uma histria empenhada em reverter as perspectivas tradicionais e integrar os grupos
escravos em seus comportamentos histricos, como agentes efetivamente transformadores
da instituio. Esta conjuntura marca, inclusive, a explorao de novos tipos de fonte e o
surgimento de novas metodologias, sobretudo a demografia histrica sob a influncia da
historiografia estadunidense.
Mais recentemente a produo historiogrfica tem estado voltada questo da
formao de relaes sociais prprias aos cativos, especialmente, a formao de relaes
de parentesco e de sociabilidade. 9 Robert Slenes um dos nomes de maior destaque no
que se refere ao tema, podendo ser considerado o precursor dos estudos sobre a natureza do
parentesco entre cativos. Procurou demonstrar que o elemento familiar contribuiu para a
constituio de uma comunidade escrava, em que a unio se dava por suas experincias,
valores e memrias compartilhadas. Com a influncia de Slenes, diversos pesquisadores
buscaram ir alm da interpretao de dados empricos, questionando-se sobre seus
mecanismos de viabilizao, em que a observao de costumes africanos, o parentesco e a
linhagem aparecem como objetos privilegiados. 10
Nessa linha de investigao vlido
7 Idem, p. 43.
8 CHALHOUB, S. op. cit, p. 44.
9 RAMOS, op. cit, p. 85.
10 SLENES, R. W. ; FARIA, S. S. C. op. cit, p. 4.
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11
enfatizar os trabalhos de Manolo Florentino e Jos Roberto Ges, que apresentaram dados
que assinalam uma relao entre os desembarques de africanos e o mercado matrimonial
cativo, no Rio de Janeiro do o final do sculo XVIII e primeira metade do XIX.
Acrescentaram ainda que a insero em uma rede familiar foi uma maneira que os escravos
encontraram para melhorar a convivncia entre seus pares. Florentino e Ges lanaram
uma crtica aos estudos que entendem a vontade e o poder senhorial como princpios
determinantes na vida familiar dos cativos ao demonstrar que, os prprios escravos
procuravam inserir-se em redes familiares.
Embora os estudos acerca das relaes sociais prprias aos cativos, especialmente a
formao de relaes de parentesco e de sociabilidade, venham sendo recorrentes na
historiografia brasileira, as relaes familiares em cativeiro ainda foram pouco exploradas
em regies pequeno-escravistas e com plantis majoritariamente crioulos, como o caso
do Paran setecentista. Visando contribuir com este tema, o objetivo desta monografia o
de verificar a viabilidade e as nuances na constituio de famlias cativas na regio de
Santo Antonio da Lapa, onde as atividades econmicas e a estrutura da posse de escravos
eram totalmente distintas dos grandes centros exportadores: a mo-de-obra escrava era a
base de sua economia voltada pecuria e agricultura de subsistncia.
Santo Antonio da Lapa caracterizou-se como local de passagem e de invernagem de
tropas cujo destino era Sorocaba. A abertura do Caminho do Viamo, iniciada em 1730,
impulsionou a ocupao desta localidade; e deste modo, ela foi se transformando,
paulatinamente, em um pequeno povoado, conquistando a qualidade de freguesia em 1769. 11
A economia da nova freguesia, como a de outras regies do Brasil colonial, era baseada
na mo-de-obra escrava. Em 1777, Santo Antonio da Lapa contabilizava 877 habitantes,
subindo para 1.132 em 1783 e chegando a 1.240 no ano de 1792. A freguesia somava 1.360
habitantes em 1798, sendo que, 84,5% eram livres e libertos. Embora a populao fosse
pequena, se comparada a outras vilas e povoados, ela no estava demograficamente inerte.
No decorrer do crescimento populacional, o ndice escravos permaneceu relativamente
estvel: em torno de 15% da populao. No mesmo ano (1798), os 210 cativos
encontravam-se distribudos em 38 domiclios. 12
A maioria dos proprietrios lapeanos,
assim como os de outras regies do territrio paranaense, possua entre 1 e 5 cativos. 13
Os
maiores plantis pertenciam a um pequeno nmero de fazendeiros, que possuam entre 16 e
30 escravos. De todo modo, esses nmeros so muito inferiores se comparados aos das
reas de plantation.
As fontes usadas neste estudo foram os registros paroquiais de casamento, batismo
e bito da Freguesia de Santo Antnio da Lapa, do perodo situado entre 1769 e 1830. A
baliza inicial dada pela criao da Freguesia e a final marcada em 1830 quando estaria
terminando o grande sculo XVIII, nos termos sugerida por Srgio Odilon Nadalin. A
existncia de uma famlia no Brasil colonial no se restringia apenas ao casamento
consagrado pela Igreja. Apesar de a frequncia dos concubinatos e relacionamentos
estveis sem reconhecimento religioso serem mais recorrentes entre os cativos, esta
pesquisa no se estendeu aos mesmos, tendo sido analisadas apenas as unies firmadas
pela Igreja.
Os registros de catolicidade passaram a ser obrigatrios a partir do Conclio de
11
VALLE, M. S. Movimento populacional da Lapa: 1769 1818. Curitiba, 1976. Dissertao de mestrado
em Histria. UFPR. 12
ANDREAZZA, M. L. Olhares para a ordem social de Santo Antonio da Lapa (1763-1805). In: XII
Encontro Nacional da ABEP, 2002, Ouro Preto. Anais do XII Encontro Nacional da ABEP, 2002. p. 8. 13
PENA, E. S. O Jogo da Face. A Astcia Escrava frente aos Senhores e Lei na Curitiba Provincial.
Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1999. p. 29; GUTIRREZ, H. Crioulos e africanos no Paran, 1798-1830.
Revista Brasileira de Histria, So Paulo, n.16, 1988, p. 161-188.
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12
Trento, e na Amrica portuguesa sua obrigatoriedade foi reiterada nas Constituies
Primeiras do Arcebispado da Bahia, de 1707. 14
Se foram estabelecidos com a inteno de
contabilizar as almas, ao historiador tm servido para estudos de natureza variada,
notadamente no que se refere histria da famlia. Visto que os indivduos passavam por
vrios rituais, que eram devidamente registrados at a sua morte, para enfrentar a tarefa de
recuperar o mximo de informaes sobre os mesmos, a composio de uma ficha que
pudesse agrupar tudo o que era possvel recuperar dos registros uma possvel
metodologia para recompor uma imagem da famlia e da sociedade. 15
No final da dcada
de 1950, o demgrafo francs Louis Henry apresentou um mtodo de explorao dos
registros paroquiais que atraiu o interesse dos historiadores da famlia, que viam com esta
metodologia abrirem-se portas de investigao que at a lhes estavam vedadas as
dinmicas demogrficas das sociedades dos sculos passados. 16
Utilizando o mtodo de
Henry, organizei os casamentos em fichas de reconstituio de famlias que contam com
gama de campos a serem preenchidos com dados do casal, de seus pais e seus filhos.
Ao realizar o levantamento dos casamentos ocorridos em Santo Antonio da Lapa,
no perodo situado entre 1769 e 1830, em que ao menos um dos cnjuges tinha ou teve
relao com a escravido, pude contabilizar 116 casamentos entre escravos, forros e
administrados. Em 73,2% dos matrimnios ambos os cnjuges eram cativos. Entre cativos
e forros o ndice de npcias contradas foi de 18,1%, enquanto que a unio entre forros
somou 2,5% e cativos e administrados 6%. Dos 85 casamentos entre escravos, 91,1% se
deu dentro do mesmo plantel, contra apenas 3,5% de indivduos de plantis diferentes.
Iraci Costa e Horacio Gutirrez, em um estudo acerca dos casamentos de escravos
em So Paulo e no Paran, puderam observar que, no territrio paranaense, no ano de
1830, 79,6% dos escravos eram solteiros, enquanto 17,5% deles eram casados e 2,9%
vivos. 17
A dupla notou, igualmente, uma maior concentrao de casamentos na faixa
etria dos 30 a 40 anos de idade: dos 872 escravos pertencentes a esse grupo, 311 eram
casados ou vivos, um total de 35,6%. 18
Ao demonstrar que uma parcela substantiva de
cativos compunha-se de casados ou vivos, estes mesmos autores expressam um ponto de
vista divergente dos historiadores que afirmam que poucos deles chegaram a conhecer o
casamento sacramentado pela Igreja. 19
Em Santo Antonio da Lapa foram contabilizados
apenas 116 casamentos em um perodo de 61 anos, o que daria, em mdia, 2 deles por ano;
um nmero relativamente baixo de escravos que tiveram acesso celebrao do
matrimnio reconhecido pela f catlica.
Luna e Costa demonstraram que os plantis crioulos tendiam a ter um equilbrio
entre os sexos, enquanto que, os plantis com maior presena africana se caracterizavam
pela disparidade entre o nmero de homens, que costumava ser mais elevado, e o de
mulheres. 20
Neste mesmo estudo, sobre Vila Rica, puderam tambm observar a maior
incidncia de matrimnios entre cativos africanos e parceiros do mesmo grupo tnico de
14
NADALIN, S. O. Histria e demografia: elementos para um dilogo. Campinas: Associao Brasileira de
Estudos Populacionais ABEP, 2004. p. 41. 15
NADALIN, op. cit., p. 116. 16
FERREIRA, J. A. G. Contributos da reconstituio de parquias para a investigao genealgica.
Comunicao apresentada Reunio Americana de Genealogia, Santiago de Compostela, 2002. Disponvel
em: https://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/902. Acessado em: 20/02/2014. 17
COSTA, I. N.; GUTIRREZ, H. Nota sobre casamentos de escravos em So Paulo e no Paran (1830). In:
Escravismo em So Paulo e Minas Gerais. So Paulo, EDUSP, Imprensa Oficial do Estado de So Paulo.
2009. p. 513. 18
Idem, p. 518. 19
COSTA, I. N.; GUTIRREZ, H. op. cit, p. 516. 20
COSTA, I. N.; LUNA, F. V. Vila Rica: nota sobre casamentos de escravos (1727 1826). In: Escravismo
em So Paulo e Minas Gerais. So Paulo, EDUSP, Imprensa Oficial do Estado de So Paulo. 2009. p. 493
498.
https://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/902
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origem. No universo de 22 africanos que casaram na Igreja, houve uma maior incidncia
de cnjuges crioulos.
Os escravos crioulos, ou seja, nascidos na colnia e no seio do sistema escravagista,
indivduos que no possuam um passado africano, eram maioria em territrio paranaense.
Como assinala Gutirrez, a avalanche de africanos teve, aparentemente, escasso eco no
Paran. 21
Embora a freguesia de Santo Antonio da Lapa estivesse inserida neste contexto,
no se pde deixar de observar a presena, ainda que pequena, de africanos contraindo
npcias: 1 de Nao Benguela, 2 de Nao Mina, 3 de Nao Angola, 14 de Nao Guin e
2 no especificados; totalizando 18,9% de unies em que ao menos um dos noivos era
africano. Devido ao baixo ndice de habitantes de origem africana, torna-se um pouco
difcil observar se, proporcionalmente, estes tinham realmente uma maior predisposio ao
casamento religioso que os crioulos. 22
Fragoso e Florentino trazem para esta discusso, alm da famlia dita nuclear, as
famlias extendidas, ou seja, aquelas que eram formadas por, no mnimo, trs geraes.
Para estes autores, a simples existncia de tais famlias demonstra a solidificao do
parentesco no tempo. 23
Foi possvel localizar duas famlias extendidas; embora
apresentassem trs geraes de cativos, no figuraram entre as que contavam com os
maiores nmeros de filhos.
Apesar de a famlia cativa ter se desenvolvido no seio das relaes paternalistas
estabelecidas entre senhores e escravos, consolidou-se na manifestao da vontade dos
cativos, expressando os elementos culturais prprios deste grupo. Foi, de um lado,
instrumento de controle social por parte dos proprietrios e de outro, estratgias de
sobrevivncia empreendidas pelos escravos. Ainda que de forma tardia, tem sido revelada
pela historiografia, de modo a impossibilitar a perpetuao do esteretipo de
promiscuidade deveras atribudo ao universo escravo. 24
Professora Doutora Maria Luiza Andreazza
21
GUTIRREZ, H. Crioulos e africanos no Paran, 1798-1830. Revista Brasileira de Histria, So Paulo,
n.16, 1988, p. 161-188. 22
Idem, p. 169. 23
MOTTA, op. cit., p. 223 24
Idem, p. 225.
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A DIMENSO DOMSTICA DO DISCURSO DE JOAQUIM NABUCO
SOBRE ESCRAVIDO E ABOLIO NO SCULO XIX
Aluna: Isabelle Giotto Rocker
Orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Lima
Palavras-chave: famlia, abolio brasileira, liberalismo
A investigao histrica sobre a famlia e referencial domstico do advogado,
jornalista, deputado, historiador e diplomata pernambucano Joaquim Nabuco (1849-1910)
permite abordar seu posicionamento sobre o mbito privado no Brasil na segunda metade
do sculo XIX e refletir como esta percepo compe seu ideal liberal para o pas. O
recorte do universo familiar nabucoano e que tipo de laos fariam parte dele, com traos
essencialmente patriarcais, alimenta uma discusso sobre as caractersticas conservadoras
do liberalismo do autor. Se a distino entre o pblico e o privado faz parte de uma viso
liberal clssica, os relatos de Joaquim Nabuco no apresentam fronteiras ntidas entre estas
duas esferas, levando a uma anlise da particularidade brasileira na manifestao da
doutrina por meio de um representante da elite intelectual e poltica do perodo.
A obra central analisada O Abolicionismo, escrito por Joaquim Nabuco em
Londres e publicado em 1883, sendo o livro mais crtico1 do autor sobre a escravido e a
abolio no pas. Em uma edio com 196 pginas, foram identificadas 120 menes
famlia, casa, descendncia, me, pai, filhos, hereditariedade e moral familiar, o que
demonstra constncia e relevncia da temtica sobre famlia para o autor. As referncias ao
mbito domstico embasaram abordagens sobre as relaes familiares negadas aos
escravos, as famlias patriarcais e o imaginrio organicista2. Estes ngulos apresentam os
aspectos familiares valorizados e dirigidos aos escravos, o trao patriarcal vigoroso, como
a famlia comps um enredo metafrico entre natureza e poltica, e foram relacionados
com o pensamento liberal conservador de Nabuco segundo Marco Aurlio Nogueira
(1984). A ligao com o liberalismo clssico do perodo foi feita de acordo com a leitura
de Ian Shapiro (2006) sobre o ingls John Stuart Mill (1806-1073).
Escravido e abolio no Brasil
Seymour Drescher (2011) apresenta um panorama da escravido e abolio no
Brasil, ressaltando o carter dependente da sociedade brasileira dos cativos, mesmo quando
houve declnio em outros pases no segundo quartel do sculo XIX, um contexto diferente
de seus equivalentes no Caribe anglo-francs e na Amrica do Norte. Na Amrica,
Estados Unidos, Cuba, Porto Rico e Brasil foram movidos de forma significativa pelo
trabalho escravo. Nunca haviam sido criados tantos povoamentos onde seres humanos
como propriedades eram da metade a 90% da populao (DRESCHER, 2011).
As relaes de dependncia das respectivas metrpoles eram distintas e Portugal
dependia muito mais da sua colnia que esta da metrpole. As exportaes do Brasil
correspondiam a 80% das importaes coloniais do Brasil, sendo mais dependente que
qualquer colnia na Amrica Espanhola. O Brasil teve a utilizao do trabalho escravo
1 So obras de Joaquim Nabuco: Cames e os Lusadas (1872), LAmour est Dieu (1874), O
Abolicionismo (1883), Campanha Abolicionista no Recife (1885), O Erro do Imperador (1886),
Escravos (1886), Por que continuo a ser monarquista (1890), Balmaceda (1895), O Dever dos
Monarquistas (1895), A Interveno Estrangeira Durante a Revolta (1896), Um Estadista do
Imprio (1897-1899), Minha Formao (1900), Escritos e Discursos Literrios (1901), Penses Detaches
et Souvenirs (1906), Discursos e Conferncias nos Estados Unidos (1911). 2 MARZON, Isabel. Poltica, histria e mtodo em Joaquim Nabuco: tessituras da revoluo e da
escravido. Uberlncia, EDUFU, 2008.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Minha_Forma%C3%A7%C3%A3o
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intensificado no ltimo quarto do sculo XVIII e a economia era fortemente atrelada ao
cativo, especialmente a produo do caf no centro sul do pas.
Durante o meio sculo antes de 1775 o Brasil recebia 20 mil escravos por ano, em
1780 o contingente subiu para 25 mil ao ano e em 1800 para 35 mil ao ano (DRESCHER,
2011). O pas no passou, na metade do sculo XIX, por conflitos sociais, polticos ou
ideolgicos significativos, que colocassem em cheque a escravido, como nos Estados
Unidos. Neste perodo o Brasil no tinha tido um grande conflito que fosse uma ameaa
escravido como aconteceu nos Estados Unidos. Os fazendeiros permaneciam confiantes
na durao de sua prpria instituio na poca da secesso sulista norte-americana.
A primeira proposta de legitimao da abolio na legislao brasileira aparece em
1871, a Lei Rio Branco, que assegurava a emancipao a todos os escravos nascidos depois
de sua aprovao. Os opositores do projeto de lei eram dependentes da averso dos
proprietrios de terras e da no atuao da populao, despolitizada. O poder pblico
girava em torno dos monarcas, donos de escravos e aliados. Alm da diviso
constitucional de poderes, na qual o papel do monarca era claramente dominante, todo
esforo foi feito para garantir a influncia da elite dentro da sociedade mais ampla,
dominada pelo clientelismo e pelas redes hierrquicas de influncia.
Foi na dcada de 1880 que o pas experimentou uma nova onda de articulao em
favor da abolio. As transferncias internas de escravos de uma provncia para outra
influenciaram as insurreies neste perodo, por gerarem novas separaes e
desenraizamento nos cativos. Uma rede de intelectuais com ideias humanistas despertava.
A tentativa dos fazendeiros em prolongar ao mximo as restituies pela libertao de seus
escravos foi fracassada e a aprovao da Lei urea em maio de 1888 foi feita com a
eliminao de todas as regulamentaes neste sentido. Os recm-libertados entraram ento
em um novo universo livre, porm ainda limitado. No obtiveram direito ao voto e foram
marginalizados. De qualquer forma, passaram a uma experincia de ir e vir, trabalhar e se
relacionar antes negada. O Brasil comeava agora a incorporar imigrantes brancos
europeus e muito em breve, em 1889, se tornaria uma Repblica. Drescher acentua
frequentemente em sua obra Abolio o longo tempo de maturao de alguns avanos em
relao a experincias de outras naes.
Vivncias Negadas ao Escravo
O indivduo ou o corpo familiar de escravos estariam, sob o regime de servido ao
qual estavam submetidos, privados de determinadas vivncias, que Joaquim Nabuco
julgava positivas e necessrias. Esta constatao est presente em diversas menes do
total de trechos selecionados em O Abolicionismo, abordados na monografia. Ao escravo
estava negada a experincia de segurana do acolhimento familiar, j que sua vida do
bero ao tmulo3 era embaixo do chicote e antes de nascer j estremecia na vibrao do
chicote nas costas da me4, bem como ao afeto maternal no h refgio ao escravo,
nem nos braos da me. Tambm lhe eram restritas as boas recordaes da infncia se
fosse pedido para contar sobre sua vida seria exemplo de drama e animao
abolicionista para escravo recordao indelvel da infncia, perdida.
Ao homem escravizado eram tolhidas as possibilidades de formar famlia, todas as
privaes extraordinrias da escravido: fechar escravo em casa, privar de formar famlia,
separar da famlia, aoitar mulher. Assim, ele no tem deveres para com Deus, famlia,
mulher e filhos. A lei Rio Branco (1871) teve o aspecto da proibio de dividir a famlia
deixada de lado, ou seja, foi mantida a negao de unio familiar. As benesses da
hereditariedade eram igualmente no vivenciadas pelo escravo, pois nem por si nem pela
3 NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo. Petrpolis, Vozes, 2012.
4 Ibid. p. 29.
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me tem direito liberdade. As restries da lei, que concedia liberdade aos filhos de
escravos depois dos 21 anos, foram abordadas por Nabuco com crticas a no extenso a
todos os escravizados, criando uma diviso entre pais e filhos. A agitao da lei no teve
o cuidado de dizer aos escravos que os benefcios eram a seus filhos, no a eles.
As vivncias negadas aos escravos de acordo com Nabuco indicam estar em um
mbito de segurana do acolhimento vinculado integridade fsica, afeto, possibilidade de
formao familiar e de pertencimento a uma unidade estvel de vnculos familiares. Estes
aspectos parecem estar referenciados a um nvel de sobrevivncia mnima digna. As
experincias de relao familiar que eles poderiam ter no fazem referncia autoridade
materna ou paterna (experincia que o prprio autor viveu com seu pai, tendo neste caso
autoridade como referencial de vida), a um projeto familiar (tambm experincia que ele
mesmo vivenciou, quando seu pai facilitou sua primeira eleio como deputado) e
felicidade de um lar (que Nabuco demonstra ter experimentado na infncia).
Famlias Patriarcais
Goran Therborn (2006) apresenta um panorama da famlia no mundo no sculo
XIX, contemplando a Europa Ocidental e Oriental e as colnias americanas. Therborn
aponta um ambiente patriarcal at os 1900, mesmo que o sculo XIX j comece a
apresentar algumas fissuras neste modelo. Quanto sociedade afro-crioula forjada
juntamente escravido nos Estados Unidos, Caribe e Brasil, Therborn considera que ela
representou um fortalecimento e enrijecimento do patriarcado, onde se vivia com um
padro familiar europeu, segregacionista e com hierarquia entre os sexos.
Em relao figura paterna, Nabuco constantemente assinala, sobre sua
experincia, a atuao desta como guia, linha mestra. Esta era a relao que ele tinha com
o prprio pai. Na dimenso da vida dos escravos, mesmo citando frequentemente a me
escrava nas menes selecionadas em O Abolicionismo, geralmente relacionando-a a
alguma funo de afeto e proteo, ao homem escravo que ele projeta deveres mais
ordenadores da famlia (deveres para com mulher e filhos).
Ao apontar a escravido como costume ou instituio que no pertence
naturalmente ao estdio a que chegou o homem, Nabuco a compara a poligamia,
autoridade irresponsvel do pai, cativeiro da mulher e antropofagia, fazendo concluir que
seu modelo familiar englobava monogamia, autoridade responsvel do pai (embora no
descreva qual seria) e relao consentida por parte da mulher, mesmo que provavelmente
sob a tutela masculina.
Ao se referenciar recordao de infncia, da vivncia que teve no engenho
Massangana, onde morou at os 8 anos, Nabuco narra o que l havia.
...espcie particular de escravido em propriedades muito antigas, administradas durante geraes seguidas com o mesmo sentimento de humanidade, e onde uma
longa hereditariedade de relaes fixas entre o senhor e os escravos tivessem
feito de um e outros uma espcie de tribo patriarcal isolada do mundo. (NABUCO, 2005)
Nesta tribo patricarcal, as relaes de senhor e escravos parecem conter uma
orientao nica de famlia, uma linhagem nica de patriarca (prprio senhor). Da maneira
como o autor coloca, este modelo parecia ser um ideal de dignidade humana possvel
dentro da condio de escravido existente. Considerando que, em O Abolicionismo,
Nabuco no destaca ou reivindica a necessidade de afastamento do indivduo ora
escravizado de seu (ora) senhor (e sim a liberdade do escravo e seu ajuste a um sistema de
trabalho reorganizado), possvel concluir que ele no traa uma vida em famlia privada
ideal ao escravo.
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A famlia, para Nabuco, parece representar uma fonte de consolidao moral em O
Abolicionismo. Em Minha Formao ele tambm acentua esta viso de famlia como
molde do indivduo foram nos seus primeiros oito anos de vida que teve sua formao
moral e instintiva, que pouco mudaria. Para ele, a escravido representa a destruio de
todos os princpios da moralidade religiosa ou positiva, a famlia, a propriedade, a
solidariedade, considerando que quase impossvel acompanhar a ao de tal processo
nessa imensa escala. Outro movimento da sociedade brasileira, este no firmado por lei,
era a adeso de descendentes de proprietrios de terras ao funcionalismo pblico, trao
corrompido da hereditariedade, ocasionado pela estrutura econmica do pas.
A interao entre natureza e poder, o imaginrio orgnico
Isabel Marzon (2008) assinala a integrao de natureza e poltica feita por Joaquim
Nabuco, que representou o Imprio como um ser vivo e articulou sua histria combinando
os depoimentos de Nabuco de Arajo, Armitage, Justiniano Rocha e Ottoni. As
associaes entre a vida de Nabuco de Arajo e a monarquia em 1823, as guerras da
independncia com o falecimento da me, em 1878, o desaparecimento do senador e o
declnio do regime so um apelo ao imaginrio orgnico e uma experincia
testemunhal para a compreenso do regime e do liberalismo no pas.
Em O Abolicionismo, Joaquim Nabuco mescla constantemente a noo de ptria a
elementos familiares e mais uma vez desenha a experincia da nao junto a uma esfera de
domnio da constituio natural da vida do homem em vrias das menes coletadas por
este estudo na obra. A ptria uma me e como tal quando no existe para os filhos mais
infelizes, no existe para os mais dignos. Escravido, apesar de hereditria uma
verdadeira mancha de Caim, que o Brasil traz na fronte, o que pressupe que a
caracterstica de hereditariedade a concederia algo de bom.
Estaria uma nao livre, filha da Revoluo e dos Direitos do Homem, a forar
homens, mulheres e crianas a trabalhar noite e dia, sem salrio. E, ao mesmo tempo seria
entre os descendentes de escravos, que a escravido condena a dependncias e misria,
que se sentiu bater o corao de uma nova ptria, uma referncia ao patriotismo daqueles
que prestaram servio militar na Guerra do Paraguai. De acordo com estas colocaes, a
ptria seria uma me, os escravos e homens livres seus filhos, a hereditariedade algo
positivo, a nao livre tem uma me para este condio e o corao da autoestima nacional
bate naqueles que ela oprime.
Estas analogias reforam o imaginrio orgnico de Nabuco e permitem questes
sobre sua concepo liberal, que parece no traar fronteiras entre o pblico e o privado.
Nas suas referncias nao, esta se configura como uma grande famlia, com filhos
dignos, omissos e injustiados. Os desequilbrios dentro desta grande unidade familiar
deveriam ser ajustados, para o seu funcionamento harmonioso e o desenvolvimento digno
de seus membros.
O liberalismo conservador de Joaquim Nabuco
Marco Aurlio Nogueira (1984) relaciona a natureza do pensamento liberal
descontinuado de Joaquim Nabuco com a concepo de liberalismo exercida no Brasil
neste perodo, onde ele se afirmou como liberdade da nao mais que como liberdade do
indivduo, ou seja, um posicionamento autoritrio transmitido com ares de moderno. Em
Nabuco, o liberalismo, um legado hereditrio que carregou, esteve manifestado fortemente
em sua longa luta pela abolio, defendida mediante uma reforma social para eliminar toda
a obra5 da escravido.
5 NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo. Petrpolis, Vozes, 2012.
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Esta reforma social, que precede assuntos presentes hoje nos debates nacionais,
inclua distribuio agrria, valorizao do trabalho e educao. A face conservadora de
Nabuco estaria manifestada segundo Nogueira nas suas concepes monrquicas de
governo, na crena no poder central dinstico de longa durao e na averso repblica.
Nabuco no rompeu com o paternalismo, e j estava sob a impresso irresistvel da
realeza, capaz de lhe encobrir a viso daquele autoritarismo disfarado.
Ian Shapiro (2006) apresenta a posio do ingls John Stuart Mill (1806-1873)
sobre o utilitarismo fundamentado nos interesses permanentes do homem como ser de
progresso e seu confronto com a ideia iluminista de liberdade individual. Ou seja, como
Mill pensava as liberdades do indivduo e como elas caberiam dentro da coletividade
social, determinando a partir de qual ponto o direito de ao de uma pessoa deve ser
limitado em nome da proteo dos demais. O autor elabora como Mill visualiza a coibio
do Estado liberdade pessoal apenas em nome da utilidade social e sugere um modelo em
que h uma separao do mbito pblico do privado.
Ao referenciar a liberdade, Mill6 abre exceo ao que chama de estados atrasados
da sociedade. Para ele:
... as dificuldades iniciais que se encontram nas vias do progresso espontneo so to grandes que raramente possvel escolher os meios para suplant-las,
autorizando-se por isso a um governante inteiramente imbudo do esprito do
aprimoramento fazer uso de quaisquer expedientes para alcanar certo fim que
talvez de outra maneira fosse inalcanvel. O despotismo um modo legtimo de
governo para tratar com brbaros, desde que a finalidade seja aprimor-los...
(MILL, 2001).
Concluso
A investigao sobre as posies de Nabuco a respeito do universo domstico
mostrou uma faceta adicional das especificidades de seu liberalismo. A sua concepo do
mbito privado era muito marcada pela organizao patriarcal da famlia, em relao tanto
aos livres quanto aos escravizados. O limite entre a esfera pblica e a privada no tinha
fronteiras ntidas, dada a organizao familiar que mantinha como modelo, e que seria um
dos atores das mudanas que projetava para o Brasil. A famlia patriarcal estaria entre os
resultados das transformaes idealizadas, dentro de outro contexto de relaes internas
(entre homens livres). Este ngulo contribui com a historiografia sobre o autor, j que o
aspecto do papel da famlia em Nabuco tem amplo campo de pesquisa. Outras abordagens
se consolidaram na anlise do personagem como fonte histrica brasileira do sculo XIX,
com destaque para Clia de Azevedo (2011), que referencia O Abolicionismo como uma
obra de busca de salvao da propriedade agrcola, e Marco Aurlio Nogueira (1984), que
o apresenta como um meio de visualizar a expresso liberal conservadora no Brasil,
caracterizada pela dominao imperial.
6 MILL, John Stuart Mill. A Liberdade Utilitarismo, So Paulo, Martins Fontes, 2000.
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A QUESTO DO INDGENA LATINO-AMERICANO NO PENSAMENTO DE
JOS CARLOS MARIATEGUI
Aluno: Alexandre Boing
Orientadora: Prof. Dr. Martha Hameister
Palavras-chave: Questo Racial; Poltica; Memria
A monografia aqui resumida versou sobre a construo do pensamento de Jos
Carlos Maritegui; a forma como essas elaboraes foram utilizadas, ou silenciadas, na
luta poltica protagonizada por este pensador enquanto estava vivo e tambm no perodo
posterior ao seu falecimento. Sem dvidas Maritegui, pensador, jornalista e dirigente
poltico peruano que nasceu em 1894 e faleceu em 1930, tem espao entre os clssicos do
pensamento latino-americano, que se apoderou do instrumental metodolgico marxista
para fazer uma leitura da realidade do Peru do incio do sculo XX, da Amrica Latina e da
relao deste segmento do continente americano com o mundo.
Para o Desenvolvimento deste trabalho foi utilizado como fonte um texto do autor -
com colaborao do Dr. Hugo Pesce - apresentado no formato de tese poltica na I
Conferncia Comunista Latino Americana, ocorrida em Buenos Aires em 1929, intitulado
O Problema das raas na Amrica Latina. O texto ser contextualizado, descrito e
analisado a fim de compreender sua construo e utilizao nos embates polticos. A
bibliografia utilizada para este estudo se divide em trs grupos: trs biografias de
Maritegui, textos de suporte para contextualizao poltica e econmico-social do Peru e
comentadores da obra de Maritegui na sua relao com o pensamento latino-americano e
movimentos polticos.
O primeiro captulo da monografia dedicado contextualizao do Peru desde a
independncia at o perodo em que Maritegui se forma e atua politicamente. Contm
uma biografia do pensador, localizando-o no tempo, espao, nas disputas polticas e
demonstrando o processo de construo de seu pensamento. O perodo definido para este
texto, e que foi tambm delimitado por Juan Marchena Fernandez, historiador espanhol
latino-americanista, entre a conformao da Repblica Aristocrtica, iniciada com
Nicols de Pirola, at o fim do oncenio de Augusto B. Leguia1 (1879-1930) .
Correspondente a um tero de sculo sobre hegemonia do pensamento civilista ideologia
e ao do Partido Civilista que contava na sua base com os grandes proprietrios urbanos,
os grandes fazendeiros produtores de acar e algodo, os homens de negcios [...], em
suma, a parcela da populao bem posta na vida2. Marchena caracteriza a poltica
realizada pelos civilistas como positivista e desenvolvimentista, relacionada com o
aumento da dependncia com os pases mais industrializados3.
Aps a independncia em 1821 a economia era marcadamente subordinada as
relaes comerciais com a Inglaterra, com aumento paulatino da interveno
estadunidense. A economia dava sinais de transformao, todavia ainda era baseada na
agroexportao e na explorao mineral forte e em larga escala, ambas na regio serrana.
preciso ressaltar que nessa rea produtiva e em seu entorno concentrar-se- um elemento
fundamental e ainda incipiente da classe operria do Peru4. A indstria era ainda bastante
frgil e voltada ao mercado interno.
A fragilidade do pensamento civilista no conseguia dar respostas aos conflitos
1 MARCHENA FERNNDEZ, Juan. Jos Carlos Maritegui. Ediciones de Cultura Hispnia. Madrid,
1988, p.14. [Traduo minha] 2 ESCORSIM, Leila. Maritegui Vida e Obra. So Paulo: Expresso Popular, 2006, p. 16.
3 MARCHENA. opus cit, p.14.
4 ESCORSIM. opus cit, p. 23.
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sociais acumulados, provenientes da forma excludente de gerir e configurar o Estado. O
que pde ser observado nas movimentaes de trs grandes setores da sociedade. As lutas
operrias que deflagram em 1912 e chegam ao auge em 1919, com greve geral em Lima.
As mobilizaes estudantis demonstrando a agitao das camadas mdias urbanas que
eclodem em 1918/19 no bojo dos movimentos da Reforma Universitria. E, finalmente, as
lutas camponesas. As quais apontam pela primeira vez no Peru a necessidade de relacionar
a questo da terra com a questo indgena, tendo sublevaes de mote nacional em 1915,
1921 e 1927.
Esse recorte abrange parcialmente importantes transformaes no Estado e na
sociedade peruana, e contextualiza a sua formao pessoal e poltico-intelectual.
Maritegui nasceu na regio sul do Peru, rebento de um funcionrio pblico com uma filha
de camponeses mestia. O pai ausente, logo partiu para o norte e quase no influiu na
criao do filho, embora tenha legado uma biblioteca que ser essencial para formao do
pensador. A me passou por diversas ocupaes para conseguir manter a famlia. Ainda
infante sofreu uma grave leso na perna esquerda que o impedir de exercer funes que
exigissem esforo fsico, durante o auge de sua atividade poltica e intelectual esteve
dependente da cadeira de rodas5. Aos quinze anos iniciou seu comprometimento com tinta,
papel e obras literrias.
Comea dedicado ao jornalismo literrio, nos seus textos ainda, no diretamente
ligados a poltica, pode-se perceber a preocupao, em cadncia crescente, com a
problemtica social o contraste gerado pela acumulao de riquezas de poucos, a
moralidade, a tica, a preocupao com a vanguarda artstica e a religiosidade popular. No
trabalho de cronista parlamentar tomado por um tdio acerca do parlamentarismo
peruano dessa poca6 e v a vida poltica florescer em outros espaos as lutas populares e
o movimento estudantil com os quais simpatiza.7
Maritegui segue assumindo uma postura anti-academicista de enfrentamento aos
cnones artsticos e sociais tradicionalistas. Fica explicita uma mudana na trajetria
ideolgica, se faz presente em sua perspectivas, a partir desse momento, o inteno de
construir um Peru moderno a servio de seus cidados8. Por causa da presso poltica
Mariategui deixa a redao do El Tiempo e cria junto com Cesr Falcn o dirio La Razn.
O qual, no incio do oncenio de Legua, se torna o meio de informao mais importante
voltado para os trabalhadores e estudantes, carregado de ideias de matriz socialista.
Em 1919 Maritegui viaja para Europa, onde fica at 1923. A estadia no velho
mundo tem um papel central na sua formao e definio poltico ideolgica, permanece
principalmente na Itlia, mas passa pela Frana, Alemanha e pelas cidades Viena e
Budapest. Tem contato com quadros polticos, intelectuais e culturais alinhados com seu
pensamento, a exemplo de Gramsci, Benedetto Groce, Piero Gobetti e Georges Sorel. Esta
viagem ser central para definio de Maritegui como um marxista convicto e
confesso9.
Ao regressar ao Peru, Legua mantinha-se na Presidncia e o pas apresentava um
cenrio poltico, social e econmico bastante fragmentado. Encontrou-se, ento, com Haya
de la Torre que ocupava proeminncia poltica na oposio. Maritegui, enquanto
ministrava conferncias nas Universidades Populares, reassumia os trabalhos editorias. No
ano seguinte funda junto com seu irmo a editora Minerva e publica seu primeiro livro, La
5 MARCHENA. Opus cit, p.14.
6 Idem, p.15.
7 ESCORSIM. opus cit, p.31.
8 Idem, ibidem.
9 PERICS, Luiz Bernardo. Jos Carlos Maritegui e a Rssia. In: MARITEGUI, Jos Carlos. Revoluo
Russa: histria, poltica e literatura. Org.: Luis Bernardo Perics. So Paulo: Editora Expresso Popular, 2012. p. 25.
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Escena Contempornea, com o objetivo central de explicar como a revoluo bolchevique
abre espao para construo de um novo tempo para o homem10
. Segue publicando com
mais afinco e certeza do direcionamento poltico. No ano de 1926 funda a revista Amauta
expresso mxima de sua ideologia, foco de vanguarda cultural e pensamento poltico de
toda uma gerao de peruanos e latino-americanos.
A unidade na luta poltica ganhou corpo com a constituio da Aliana Popular
Revolucionria Americana (APRA). Com a plataforma mnima sugeria por Haya de la
Torre e sob anlise de Maritegui constitua uma verdadeira base de ao unitria com
programa anti-imperialista. Porm sofria com a falta de organizao, embora congregasse
grandes referncias e alianas externas.11
Contudo essa aliana se fragilizou com um
rompimento brusco em 1928 quando da transformao da Frente APRA em partido. Nesse
nvel as divergncias quanto a viso e anlise da realidade, a conceituao do marco
terico e ideolgico, o desenvolvimento do caminho a seguir, o mtodo a empregar, as
alianas a estabelecer e, [...], as metas a alcanar.12
Aps o rompimento Maritegui encabea a criao do Partido Socialista Peruano.
Segundo a anlise de Marchena, juntamente com a criao do jornal Labor gerou grande
influncia na poltica peruana. Nesse mesmo ano, Maritegui publicou sua obra mais
conhecida Sete Ensaios de Interpretao da Realidade Peruana que demarcou uma
perspectiva de estudo da realidade peruana, analisada a partir da sua realidade histrica.
Uma realidade que no havia sido considerada como prpria de um universo autnomo: o
americano como gerador de uma dinmica particular e protagonista de um destino
continental13
. A obra demonstra uma interpretao marxista da realidade histrica do
Peru. Sobre essa afirmao metodolgica importante destacar que assume uma postura
heterodoxa, fortemente perceptvel nas teses que escreve para Primeira Conferncia
Comunista Latino-americana realizada na Argentina em 1929.
O Segundo Captulo da monografia dedicado a anlise de uma destas teses: O
problema das raas na Amrica Latina, a qual expressa a fase final do processo de
construo de Maritegui como pensador e dirigente poltico. Esse texto sintetiza
elementos pelos quais o autor ser reconhecido e lembrado. A Conferncia foi um evento
relativamente pequeno, que contou com a participao de delegados de 14 pases,
organizada pelo Secretariado Sul-Americano da Internacional Comunista. Maritegui,
ento secretrio-geral do Partido Socialista Peruano (PSP), embora no possa participar
deste congresso por questes de sade, escreveu e enviou alm da tese j citada, outros
dois documentos: os Princpios Programticos do Partido Socialista do Peru e o Ponto
de Vista Anti-imperialista.
O documento em formato de tese, O Problema das Raas na Amrica Latina
extenso e inclui a descrio dos processos histricos vivenciados pelos indgenas, focando
as mudanas socioeconmicas. Tendo como objetivo abranger todo continente, a maior
parte da tese foca a realidade do Peru. A primeira parte da tese, uma introduo, dedicada
caracterizao histrica e filosfica do debate da questo racial. Refuta as ideias de
inferioridade ou primitivismo como condies inatas e imutveis aos indgenas e afirma
que a anlise deve ser fundamentada nas relaes de classe, organizao do trabalho e
propriedade da terra.
Chamamos de problema indgena a explorao feudal dos nativos na grande
propriedade agrria. O ndio, em 90% dos casos no um proprietrio, mas um servo.14
10
Idem, p.18. 11
ESCORSIM, opus cit, p. 249. 12
MARCHENA, opus cit, p. 20. 13
Idem, p. 22. 14
MARIATEGUI, Jos Carlos. Ideologia y Poltica. Lima: Empresa Editora Amauta. 1987. p. 25. [traduo minha]
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Naquele momento a populao peruana campesina e indgena formava 80% do
contingente. Maritegui rejeita a tese de que somente a miscigenao resolveria o
problema e afirma que "a colonizao da Amrica Latina pela raa branca no teve,
entretanto, como fcil provar, outros efeitos a no ser retardatrios e deprimentes na vida
das raas indgenas.15
O autor tambm nega que algo de inato aos indgenas os levaria a
libertao. Ao racismo dos que depreciam o ndio porque creem na superioridade absoluta
da raa branca, seria insensato e perigoso opor o racismo dos que superestimam o ndio.16
Maritegui segue este raciocnio para afirmar que a transformao da realidade indgena
depende das condies socioeconmicas e polticas e no de fatores raciais, em suas
palavras: A raa, sozinha, no despertou e nem despertaria ao entendimento de uma ideia
emancipadora. Sobretudo, no adquiriria nunca o poder de imp-la e realiza-la. O que
assegura a emancipao o dinamismo de uma economia e uma cultura que porta em suas
entranhas o germe do socialismo17
Na segunda parte da tese o autor destaca o fato de que nem todos os pases latino-
americanos enfrentariam os mesmos problemas raciais. Faz uma critica sutil a
Internacional Comunista que tentou estender para todos os pases a formulao sobre a
questo negra desenvolvida a partir do casos da frica do Sul e dos Estados Unidos.18
Maritegui divide o tema das raas em trs grupos principais: os descendentes dos
imprios Inca e Asteca, ou indgenas das terras altas, os indgenas das terras baixas e os
negros. H uma curta passagem sobre a situao dos indgenas no Brasil, nela aponta para
algumas caractersticas que diferenciam os indgenas brasileiros. Conclui que no passam
pelo processo de insero na economia e proletarizao que so observados nos
descendentes dos Incas e Astecas que trabalhavam nas haciendas, nas minas e
aumentando paulatinamente a presena nas cidades.19
O terceiro captulo da monografia dedicado anlise dos debates gerados e na
utilizao do pensamento de Maritegui aps a sua morte, demonstrando uma disputa da
memria do Maritegui. Nesta tese transparecem algumas questes que geraram
tensionamento entre Maritegui e os delegados do PSP e a III Internacional Comunista,
elas se devem fundamentalmente a formas distintas de encarar a utilizao do marxismo
como ideologia, teoria revolucionria e mtodo de interpretao da realidade.20
Este
pensador se recusa a aplicar mecanicamente o modelo sequencial dos modos de produo
Amrica Latina, pois entende que a interpretao realizada com o mtodo marxista
consistia no estudo das condies concretas de uma realidade especfica.
Sobre a questo racial no Peru e em outros pases como a Bolvia e o Equador, onde
a populao indgena expressiva, o processo de desenvolvimento do capitalismo
apresenta um componente de dominao tnico-racial. Deriva disso a discordncia com o
Cominterm, ao apontar que a questo do ndio no Peru no uma questo nacional de
autodeterminao dos povos como queriam os interpretes soviticos e stalinistas, mas que
estaria relacionada ao problema da terra, da propriedade gamonal (latifundiria) e deteria
tambm um contedo econmico social associado a luta de classes.21
Com o
desenvolvimento dessa anlise o pensador inclu os indgenas entre aqueles que poderiam
defender o socialismo, ele reivindica que as tradies populares coletivistas dos indgenas
15
Idem, pp. 24-25. [traduo minha] 16
Idem, p. 30. [traduo minha] 17
Idem, p .31. [traduo minha] 18
BECKER, Marc. Mariategui y el problema de las razas em Amrica Latina. In Revista Andina, n35, julio 2002. p.204.
19 MARIATEGUI, opus cit. pp. 50-53. [traduo minha]
20 COSTA, Diogo Valena de Azevedo. CLEMENTE, Marcia da Silva. Maritegui e o Brasil: o socialismo indo-americano e os dilemas do marxismo na periferia. 36 Encontro Anual da ANPOCS. Aguas de Lindia, 2012. p. 25.
21 Idem, p.27.
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como componentes de uma cultura e forma de organizao socialista, e o faz sem a
inteno da reconstruo do imprio Inca. Em suas palavras O socialismo pressupe a
tcnica, a cincia e a etapa capitalista, e por isso no pode trazer consigo o mnimo
regresso em relao aquisio das conquistas da civilizao moderna.22
A forma original e criativa como Maritegui articulou o mtodo marxista para
leitura e interpretao da realidade nacional e gerou diretrizes polticas para a construo
do socialismo, fez com que sua obra fosse revisitada e inclusive resignificada por
diferentes sujeitos polticos e intelectuais. Vide os enfrentamentos com a internacional
comunista aps 1930, ano do falecimento de Maritegui, h um movimento de
silenciamento de suas obras levado a cabo pelos quadros da Internacional Comunista. Seus
escritos voltam a circular entre os militantes e pensadores aps 1943, pois a linha poltica
muda, mas com a vitria da revoluo Cubana, que traz elementos para o debate sobre as
estratgias revolucionrias que estavam postas de lado pelo estalinismo.23
Jos Carlos Maritegui uma referncia para os movimentos polticos de esquerda
latino-americanos, seu legado requisitado como legitimador de leituras e prticas
polticas. O historiador Marcos Sorrilha Pinheiro chama a ateno para o fato de ao
lermos as obras que procuram dar conta de decifrar o pensamento do socialista, podemos
encontra-lo relacionado as mais diversas filiaes literrias, polticas e ideolgicas:
romntico, revolucionrio, reformista, populista, indigenista, modernista, entre outros.24
Este mesmo autor chama ateno para um processo que ocorreu no Peru de mitificao da
figura de Maritegui, por alguns setores e transformao em cone nacional.
Fora do Peru Maritegui conhecido e divulgado como intelectual e militante
poltico que aplicou o mtodo marxista de forma criativa e no esquemtica. O pensador
marxista Michel Lowy no o nico a considera-lo como o pai do marxismo latino
americano. Seu pensamento foi alvo, e continua sendo, de disputas intelectuais e polticas
que geraram diferentes narrativas sobre quem foi e o que defendeu o autor. Sendo alvo da
mesma forma de um movimento de disputa para consolidao de uma memria,
apresentando seletividade, negociao com o tempo e com o autor da narrativa.25
Como concluso, a partir desse estudo pde-se verificar que o pensamento de
Maritegui alvo de estudo e suas formulaes polticas so reivindicadas por diferentes
movimentos de diretriz anti-capitalista na atualidade pois em seu tempo foi capaz de
construir uma interpretao coerente e no apenas repetir. No processo de disputa que
envolve seu pensamento h recortes e silenciamentos. Sua obra extensa e expressa as
mltiplas influncias que Maritegui sintetizou, o que facilita a relao de seus textos com
diferentes matrizes de pensamento.
No caso do texto selecionado para anlise nesta monografia, que no s tem carter
analtico, mas prope diretrizes para organizao e prtica poltica, possvel reconhecer
uma mudana na forma como a questo indgena trabalhada. Seu trabalho supera o
indigenismo romntico e o marxismo esquemtico. A elaborao intelectual sustentada por
uma coerente prtica poltica firma Maritegui como um clssico do pensamento latino-
americano. O resgate de seu pensamento ganha fora com a necessidade de problematizar
aes polticas desgastadas e mais do que repetir seus escritos, vale o esforo de entender
como e porque este autor foi capaz propor algo de novo.
22
MARIATEGUI, Jos Carlos. Ideologia y Poltica. P. 161. 23
PINHEIRO, Marcos Sorrilha. sombra de Jos Carlos Maritegui: socialismo e movimentos polticos de esquerda no Peru (1960-1980). Histria, Franca , v. 28, n. 2, 2009 . p. 830.
24 Idem, p. 853.
25 POLLAK, Michael. Memria, Esquecimento, Silncio. Revista Estudos Histricos, Rio de Janeiro, vol.02, n.3, 1989.p 03.
24
RESUMOS BANCA II
Quarta-feira, 03 de
dezembro de 2014
Das 08h00 s 10h00
Local: 612 6.
andar
DEHIS/UFPR
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UMA ANLISE HISTRICA SOBRE O DECAMERON DE GIOVANNI
BOCCACCIO (1313-1375): RISO E REGENERAO.
Aluna: Amanda Cristina Zattera
Orientadora: Professora Doutora Marcella Lopes Guimares
Palavras Chave: Decameron, Peste Negra, Riso
O sculo XIV foi um perodo de continuidades e mudanas, de crises e
dificuldades, mas tambm de grande otimismo e prosperidade, uma realidade complexa
transfigurada na obra Decameron1, escrita entre 1349 e 1353, pelo literato florentino
Giovanni Boccaccio (1313-1375). Essa obra considerada uma das principais fontes sobre
a pestilncia que assolou a Itlia na Baixa Idade Mdia, pois apresenta no teor de suas
narrativas, elementos de um contexto marcado pela ideia da morte, tendo em vista as
consequncias nefastas que esse acontecimento trouxe de Ocidente a Oriente. No presente
trabalho temos o objetivo de analisar a representao das reaes diversas da sociedade
nesse contexto ambivalente, analisando como o riso e o cmico esto presentes na obra do
erudito, sendo uma das principais formas de fuga nesse momento de provaes e de
presena constante da morte que se fazia presente cotidianamente.
Aps analisarmos o contexto que possibilitou a Boccaccio a escrita de sua obra,
dezoito, das cem novelas que compem o Decameron, foram elencadas como as principais
fontes de nossa pesquisa. Essas novelas foram selecionadas a partir do otimismo presente
nas narrativas, e do riso como uma das formas de fuga e de superao dos personagens em
momentos de dificuldades.
Giovanni Boccaccio nasceu em 1313, na Pennsula Itlica, filho do mercador
Boccaccio di Chelino, funcionrio dos Bardi2. Aps o contato com a vida comercial,
cursou direito cannico, mas passou a se dedicar aos clssicos latinos, tornando-se
estudioso da obra de Dante Alighieri. Foi devido peste de 1348 que Boccaccio refugiou-
se em Npoles, onde escreveu o Decameron, e retornando j famoso a Florena, foi
convidado a ser embaixador da cidade. Aps afastar-se da poltica, isolado e silencioso,
faleceu em dezembro de 1375, no incio do inverno.
O perodo tardo-medieval, conforme nos afirma Jacques Le Goff, em geral
descrito tambm como um perodo de crise da relativa estabilidade e da prosperidade que
se instalaram na Europa do sculo XIII3. A fome, as guerras, as dificuldades econmicas,
alm da peste negra, so alguns dos fatores que fizeram com que esse perodo fosse
analisado atravs desse vis negativo. Os debates historiogrficos surgidos a partir dessas
anlises foram fundamentais para compreendermos as ambiguidades, e a complexidade do
perodo. Johan Huizinga, um dos fundadores da moderna histria cultural, atravs do
clssico Outono da Idade Mdia4, props, a partir da Frana e dos Pases Baixos, um
estudo sobre as formas de vida e pensamento nos sculos XIV e XV. Essa obra suscitou
muitos debates, devido s suas caractersticas emblemticas acerca da ideia da crise que
permeia o perodo, pois o prprio ttulo sugere uma natureza soturna. Um dos autores
questionadores desse vis interpretativo Philippe Wolff, que atravs da obra, Outono da
Idade Mdia ou primavera dos tempos modernos?5, sugere o dilogo com a obra de
1 BOCCACCIO, Giovanni. Decameron. Traduo: Ivone Benedetti. RS: L&PM, 2013.
2 Banqueiros de Florena.
3 LE GOFF, Jacques. As razes medievais da Europa. Petrpolis, RJ: Vozes, 2007, p. 220.
4 HUIZINGA, Johan. Outono da Idade Mdia. Estudos sobre as formas de vida e de pensamento dos sculos
XIV e XV na Frana e nos Pases Baixos. So Paulo: Cosac Naify, 2010. 5 WOLFF, Philip. Outono da Idade Mdia ou Primavera dos Novos Tempos? So Paulo: Martins Fontes,
1988.
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Huizinga, afirmando que o outono certamente a aproximao do inverno, mas tambm
so to belos os frutos que nele se colhem6. O autor no nega as dificuldades, mas ressalta
que provaes ocorreram em vrios momentos da histria.
No podemos deixar de ressaltar as ambiguidades e transformaes que fazem
desse um contexto to complexo, pois prticas se modificaram e sua reverberao mudou
algumas maneiras de viver7. Transformaes ocorridas pela realidade de fome e peste, e
tambm acerca do papado, com o Grande Cisma que dividiu a igreja romana entre 1378 e
1417. Diante dessas questes, segundo Jrme Baschet, os contemporneos tinham razes
para se sentir assolados pela Providncia e as cores outonais pintadas por Johan Huizinga
no saram do nada8. Porm, muitos progressos tecnolgicos ocorreram nesse momento,
sendo responsveis por uma nova forma de guerra, como o aparecimento do canho e da
plvora, alm do aperfeioamento das tcnicas de cerco. Na Pennsula Itlica, chefes
guerreiros alugavam seus servios s cidades e ao aos Estados, que se tornam algumas
vezes, chefes polticos, so os condottieri.
Esse tambm um perodo de desenvolvimento comercial, e maior importncia da
figura do mercador. A prpria Itlia permanecia dividida em estados independentes, que
prosperaram devido atividade comercial. Inovaes significativas ocorreram tambm nos
campos da cincia e da cultura. Essas mudanas no teriam sido possveis sem uma
profunda transformao intelectual, que no se realizaram sem provocar debates interiores,
inquietaes e dramas9.O que buscamos ressaltar que esse um perodo de experincias
ambivalentes, onde dificuldades, morte, renovao e prosperidade eram inseparveis,
segundo nos afirme Baschet, seria preciso considerar que os avanos criativos no
sucedem s cores sombrias do fim da Idade Mdia, mas que ambos so coexistentes10
.
No possvel, contudo, compreendermos o Decameron sem analisarmos os efeitos
da peste negra na sociedade do perodo. Essa pestilncia um dos principais fatores
responsveis pela ideia de extrema dificuldade, considerada um dos acontecimentos mais
catastrficos da Europa Medieval. Essa peste teve sua origem na sia Central, onde existia
em estado endmico, e de acordo com Georges Duby11
, chegou ao ocidente pela rota da
seda, pois o comrcio europeu havia se desenvolvido, e os comerciantes entraram em
contato com mercadores vindos da sia. Com ressalva aos exageros dos cronistas da
contemporaneidade, essa pestilncia ultrapassou tudo o que poderia esperar, tendo uma
relao direta com a crise da economia, afetada tambm pelo clima, que juntamente com as
ms condies sanitrias do perodo, facilitou a difuso da doena.
A peste negra foi assim chamada devido s duas formas sob as quais se apresentou,
a peste bubnica e a peste pulmonar, esta ltima contagiosa de homem pra homem, sua
incubao dura pouco, a evoluo do mal rpida: as chances de sobrevivncia so ainda
menores que a peste bubnica12
. Nenhum dos fenmenos ocorridos no contexto era
desconhecido das fases precedentes, mas tanto sua intensidade como certos aspectos
novos, criavam uma impresso inaudita13
. Segundo Le Goff, essa peste fez cair a curva
demogrfica e transformou a j existente fome generalizada devido s ms colheitas e a
alta dos preos, em uma catstrofe, embora no houvesse afetado igualmente nem todas as
6 WOLFF, Philip. Op. Cit, p. 05.
7 GUIMARES, Mercella Lopes. Cultura na Baixa Idade Mdia in GIMENEZ, Jos Carlos (org.). Histria
Medieval II: a Baixa Idade Mdia. Maring: EDUEM, 2010. 8 BASCHET, Jrme. A civilizao feudal, do ano mil colonizao da Amrica. So Paulo: Globo, 2006, p.
251 9 Wolff, Philip. Op. Cit, p. 159.
10 BASCHET, Jrme. Op. Cit, p. 274.
11 DUBY Georges. Ano 1000 ano 2000 na pista de nossos medos. So Paulo: Unesp, 1999.
12 WOLFF, Philip. Op. Cit, p.19.
13 LE GOFF, Jacques. As razes medievais da Europa. Petrpolis, RJ: Vozes, 2007. pp. 220-221.
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categorias e nem todos os indivduos14
. Esse momento acarretou uma grande
transformao dos Estados, das estruturas sociais e econmicas, assim como das
mentalidades. De acordo com Duby, quando um tero ou metade da populao desaparece
subitamente, so gigantescas as consequncias psicolgicas15
.
importante ressaltar que essa pestilncia fez parte de um contexto geogrfico,
social e psicolgico, que levou os que viveram naquele momento a verem como
apocalptica, associada ira e ao castigo divino devido s ms aes dos homens,
conforme nos afirma Boccaccio:
[...] Digo, pois, que os anos da frutfera encarnao do Filho de Deus j havia
chegado ao nmero 1348 quando, na insigne cidade de Florena, a mais bela de
todas as da Itlia, ocorreu uma peste mortfera, que fosse ela fruto da ao dos
corpos celestes, fosse ela enviada aos mortais por justa ira de Deus para correo
de nossas obras inquas comeara alguns anos antes no lado oriental, ceifando a
vida de incontvel nmero de pessoas, e , sem se deter, continuou avanando de
um lugar a outro at se estender desgraadamente em direo ao Ocidente16
.
Esse acontecimento influenciou de forma significativa a vida, e consequentemente
a produo do erudito medieval, que inicia sua obra, narrando as consequncias da
pestilncia no cenrio italiano. O autor ressalta o incio triste e maante de suas histrias,
devido sua descrio da mortandade florentina, que tanto impactou a sociedade do
perodo. A histria se inicia na igreja de San