caseiras? Com T-shirts de...

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CORONAVÍRUS

Como melhorar as máscarascaseiras? Com T-shirts de algodãoEspecialistas portugueses recomendam uso generalizado de máscaras pela populaçãoe, à falta de máscaras cirúrgicas, dizem que as caseiras servem como último recurso,ajudando a evitar que doentes assintomáticos de covid-19 infectem outras pessoas

Teresa Firmino

Apopulação portuguesa deveusar máscaras de formageneralizada para ajudar acombater a pandemia dacovid-19? Não havendo más-

caras cirúrgicas para toda a

gente, devemos usar máscaras casei-

ras? E, no caso de sermos nós a fazer-mos as máscaras, que materiais sãomelhores? Questões em análise numdocumento de apoio científico elabo-rado a pedido do Conselho de Escolas

Médicas Portuguesas (CEMP) e ondesão apresentadas "receitas" de más-caras caseiras, sempre rodeadas demuita precaução no uso, ao mesmo

tempo que se mantém rigorosamen-te a lavagem frequente das mãos e odistanciamento social.

O documento de 26 páginas "Argu-

mentação e Evidência Científica parao Uso Generalizado de Máscaras pelaPopulação Portuguesa" foi elaborado

pelas médicas Marisa Sousa e SofiaGersão e as conclusões foram endos-sadas pelo CEMP, que integra os direc-tores de oito faculdades de Medicinado país. Nele apresentam-se provascientíficas que fundamentam por querazão toda agente deve usar máscarae apontam-se soluções viáveis paracontornar a escassez de máscaras

cirúrgicas e de respiradores N95 ouFFP2. O objectivo, diz-se, é que as pes-soas assintomáticas para a covid-19

protejam os outros ao usarem umamáscara, servindo de barreira ao novocoronavírus SARS-CoV-2 que estejama expelir em gotículas.

"Se todos usarem máscara, esta-mos a proteger-nos uns aos outros.Eu protejo-a a si e protege-me a mim",resume Fausto Pinto, presidente doCEMP e director da Faculdade deMedicina da Universidade de Lisboa.

"Quatro em cinco pessoas [infectadas

pelo vírus] são assintomáticas, nãosabem que estão a contaminaroutras." Por isso, Fausto Pinto discor-da de que a Direcção-Geral (DGS),alinhada pelas recomendações da

Organização Mundial da Saúde(OMS), não tenha recomendado o uso

generalizado de máscaras.A prioridade tem sido para os pro-

fissionais da saúde, os doentes e

quem cuida deles, alargando depoiso uso em Portugal a bombeiros, quemtrabalhe em lares, forças de seguran-ça ou trabalhadores de limpeza.

A questão do uso generalizado écontroversa e não tem uma respostasimples e directa, porque as máscaras

(caseiras ou não) podem dar uma fal-

sa sensação de segurança, ser malutilizadas, acumular agentes patogé-nicos que contaminam quem as usaou passar a mensagem errada de quejá podemos sair do confinamentosocial e ir todos para a rua.

"Vários países recomendam o uso

compulsivo de máscara, não só asiá-

ticos, mas também europeus, comoa República Checa, a Áustria, a Bélgi-ca, a Eslováquia e Bósnia Herzegovi-na", argumenta Fausto Pinto. A Repú-blica Checa, acrescenta, também temdez milhões de habitantes e teve oprimeiro caso de covid-19 a 1 de Mar-

ço, um dia antes de Portugal. A lB de

Março, o uso máscara por toda a

população checa tornou-se obrigató-rio. "Hoje tem menos de metade dos

casos que temos em Portugal", notaFausto Pinto. "A OMS não é contra a

indicação do uso de máscaras, masnunca irá fazer uma recomendaçãogeneralizada para todos os países. Há

países em que as pessoas vivem comum dólar por dia."

O uso de máscaras foi reavaliadopelo Centro Europeu para Preven-

ção e Controlo de Doenças (ECDC),

que na quarta-feira passou a reco-mendar o uso como medida comple-mentar, se se estiver em espaçosfechados (como supermercados),transportes públicos ou locais detrabalho em que as pessoas estejampróximas umas das outras. Nãoestendeu o uso generalizado a todaa gente, mas alargou-o para incluir

pessoas assintomáticas de forma areduzir a propagação do coronaví-rus. Até aí, só aconselhava o uso demáscaras a profissionais de saúde edoentes com sintomas, que conti-nuam ainda a ter prioridade.

Também a OMS não defende o uso

generalizado, mas na terça-feiraadmitiu o alargamento em paísesonde o distanciamento social e a lava-

gem das mãos não possam ser garan-tidos. As declarações de ontem de

Graças Freitas, a directora-geral da

Saúde, também vão no sentido de umalargamento do uso das máscaras em

Portugal, depois do relatório do ECDC

e de um parecer do Programa Nacio-

nal de Prevenção das Resistências aosAntimicrobianos. "Muito brevemen-te", disse, será emitido um documen-to para orientar esse uso. "Vai serexactamente o que diz o ECDC, com-

plementado e concretizado para a

nossa realidade nacional pelo Progra-ma Nacional de Prevenção das Resis-

tências aos Antimicrobianos", expli-cou. "Vamos adaptar à realidade

portuguesa o que são as indicaçõesda ciência e das organizações inter-nacionais e dos peritos nacionais."

Proteger os outrosQual a diferença, antes de mais, entreuma máscara cirúrgica e um respira-dor? As máscaras cirúrgicas desti-nam-se a evitar a dispersão de gotícu-las - e assim de vírus e bactérias - porparte do utilizador quando fala, tosse

ou espirra. Também oferecem algu-ma protecção contra gotículas deentrada expelidas por outras pessoas.Mas não têm como principal funçãoproteger o utilizador de agentes pato-génicos externos. Como não se ajus-tam totalmente à cara, não oferecema protecção adequada contra partícu-las aerossolizadas - partículas infe-riores às gotículas, ou seja, inferioresa cinco micrómetros que estejam em

suspensão no ar. Para protecção con-tra essas partículas muito pequenas,já são necessários respiradores FFP2ou N95. Por isso, os respiradores des-

tinam-se sobretudo a proteger o uti-lizador em relação ao ambiente e,segundo as recomendações da OMS,devem ser usados por quem prestacuidados de saúde.

Perante a escassez mundial das

ideais máscaras cirúrgicas e dos res-

piradores mais eficientes a todos os

níveis e descartáveis, segundo se

avança no documento, "propomos,para a população em geral, a realiza-

ção de máscaras caseiras de eficácia

testada, de fácil acesso e confecção,baratas e reutilizáveis" . Como últimorecurso então, diz-se que a soluçãocaseira que se revelou como melhor- em comparação com vários tiposde materiais - é aquela que aplica otecido de uma T-shirt de 100% de

algodão, tecido que pode ainda ser

conjugado com outros materiais.

Atenção: é preciso deixar claro queuma máscara caseira não serve tanto

para proteger a pessoa que a usa -uma vez que não a protege das partí-culas mais pequenas no ar -, queserve principalmente para protegeros outros ao reter as gotículas expeli-das e que, à falta de máscaras cirúrgi-cas e respiradores, é melhor do quenada para uma protecção generaliza-da na comunidade. Há várias formasde fazer uma máscara. Se não tiveruma máscara, usar até um cachecol",considera Fausto Pinto.

Comparações várias"Ao oferecermos esta possibilidade à

população, libertamos as máscaras

cirúrgicas e respiradores para os pro-fissionais de saúde e outros trabalha-dores que lidam directamente comdoentes de covid-19 (bombeiros, for-

ças de segurança, cuidadores emlares ou no domicílio. . .), e ainda paradoentes de covid-19 positivos em tra-tamento domiciliário", refere-se porsua vez no documento.

Para concluir que uma máscara de

algodão pode ser uma solução viável,as autoras do documento analisaramtrabalhos científicos que compararamas máscaras cirúrgicas com máscaras

caseiras de vários materiais.Não são muitos esses estudos. Des-

taca-se, no entanto, um trabalho de2013 da Universidade de Cambridge,publicado na revista Disaster Medicineand Public Health Preparedness na

sequência da pandemia pelo vírusinfluenza A (H1N1) em 2009, que com-

parou vários materiais passíveis deuso numa máscara caseira: saco de

aspirador, pano de cozinha, T-shirtcom mistura de algodão, almofadaantimicrobiana, linho, fronha de algo-dão, seda, T-shirt 100% de algodão ecachecol de mistura. Neste estudo,analisaram-se a respirabilidade, a

adaptação à cara e a capacidade debarreira contra bactérias (com cercade um micrómetro) e contra vírus(com cerca de 0,02 micrómetros; oSARS-CoV-2 é maior ao ter 0,1 a 0,2micrómetros).

Em termos de capacidade de bar-reira contra vírus, o saco de aspiradore o pano de cozinha obtiveram osmelhores resultados na eficiência de

filtração de partículas com 0,02micrómetros de diâmetro: filtraram

86% e 73%, respectivamente, emcomparação com 89% das máscaras

cirúrgicas. A T-shirt 100% de algodão

(51%) está em penúltimo lugar, acimado cachecol (49%). Mas a respirabili-dade de uma máscara com tecido deuma T-shirt 100% de algodão é muitomais fácil do que a de um pano decozinha ou saco de aspirador, o quefoi tido em conta no cômputo final.

Como fazer"Apesar dos resultados superioresobtidos com o pano de cozinha e osaco de aspirador, os autores con-cluem que os melhores tecidos paraa realização de máscaras serão o teci-do de almofada (que será provavel-mente de 100% de algodão) e as

T-shirts de 100% de algodão, pois con-ferem melhor respirabilidade e con-forto, mesmo com duas camadas de

tecido", lê-se no documento. "Isto

permitirá não só uma melhor adap-tação à máscara como uma maiorcoaptação à face, com o consequenteaumento da adesão ao uso, diminui-ção de toques indesejados na face e

aumento da eficácia", explica-se, parase concluir: "Podemos inferir queuma máscara caseira com duas cama-das de tecido 100% de algodão (seja

pano de T-shirt ou pano de almofadaou lençol, que qualquer portuguêsterá em casa) terá uma eficiência debarreira na dispersão de partículasligeiramente inferior à de uma más-cara cirúrgica, ou seja, protegerá de

alguma forma os outros das gotículas

emitidas pelo utilizador, que é o prin-cipal objectivo."

Ainda assim, essa máscara caseirade tecido 100% de algodão tambémtem alguma eficácia como barreira na

protecção do próprio utilizador, na

ordem dos 50% a 60%, diz-se, comuma única camada de tecido.

Para aumentar a eficiência e segu-

rança dessa barreira, recomenda-seainda a junção de duas camadas detecido de algodão interpostas poruma terceira camada de "tecido nãotecido" (TNT) de polipropileno, mate-rial usado em objectos como sacos

biodegradáveis, porta-fatos, sacos de

aspirador, rolos de marquesa ou fral-das e outros produtos higiénicos.

Aliás, as máscaras cirúrgicas sãoconstituídas sobretudo por TNT de

polipropileno, disposto em trêscamadas, funcionando a do meiocomo filtro. À semelhança de umamáscara cirúrgica, é este material

que se aponta agora como um filtroalternativo posto no meio de cama-das exteriores de algodão. Caso oTNT de polipropileno seja muito fino,acrescenta-se, a máscara de algodãopoderá ter duas camadas deste mate-rial dos sacos e porta-fatos ou, aindaem alternativa, usá-lo como matéria-

-prima única da máscara caseira emduas ou três camadas.

Resumindo, a máscara pode ter só

duas camadas de tecido de algodão,ou duas camadas de tecido de algo-dão com outra no meio de TNT de

polipropileno; ou só duas ou trêscamadas de TNT de polipropileno.

Muito importante é a lavagem das

máscaras caseiras, para que nãosejam um foco de contaminação doutilizador por agentes patogénicosacumulados ali e, por outro lado,possam voltar a ser usadas. Se foremde algodão e TNT de polipropileno,podem ser lavadas e reutilizadas,constituindo "uma alternativa con-fortável, económica e prática às más-

caras cirúrgicas". Têm de ser lavadascom água e detergente (a 40 grausCelsius) ou esterilizadas (em água aferver durante 15 minutos).

Juntamente com estas cautelas, a

lavagem regular das mãos não podeser descurada. Também é precisolavar ou desinfectar as mãos antese depois de pôr a máscara, bemcomo antes e depois de tocar namáscara durante o uso. Para quesejam uma das soluções para a pan-demia e não um problema, as más-caras têm de ser usadas de formacorrecta e informada. Para esse uso

correcto, defende-se no documen-to, são necessárias campanhas de

sensibilização da população.teresa.firmino@publico.pt