Centralização do Fluxo Sangüíneo Fetal Diagnosticado pela Dopplervelocimetria em Cores:...

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avaliar os resultados perinatais do exame de dopplervelocimetria alterado comcentralização de fluxo sangüíneo fetal.

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659RBGO - v. 23, nº 10, 2001

Trabalhos Originais23 (10): 659-665, 2001RBGO

RESUMOObjetivos: avaliar os resultados perinatais do exame de dopplervelocimetria alterado comcentralização de fluxo sangüíneo fetal.Metodologia: foram analisados 32 casos de centralização de fluxo sangüíneo fetaldiagnosticados no Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher da Universidade Estadualde Campinas. O diagnóstico de centralização foi confirmado quando a relação entre o índicede pulsatilidade da artéria cerebral média fetal (IPACM) e o índice de pulsatilidade da artériaumbilical (IPAU) era menor que a unidade (IPACM/IPAU menor que 1). Detectou-se fluxoarterial usando equipamento ultra-sonográfico equipado com mapeamento em cores, marcaToshiba, modelo SSH-140A.Resultados: houve necessidade de cuidados intensivos em 26 fetos (89,6%). O número dedias de internação em unidade de terapia intensiva variou de 1 a 83, com média de 22 dias.A ocorrência de óbito fetal foi de 3/32 (9,4%) e de óbito perinatal de 9/29 (31%).Considerando-se a idade gestacional avaliada pelo método de Capurro, a incidência denascimento de fetos com menos de 36 semanas foi de 21/32 (65,6%). Crescimento intra-uterino restrito ocorreu em 71,8% dos fetos e hipoglicemia em 44,8%.Conclusão: a centralização de fluxo sangüíneo é um marcador de situação danosa ao bem-estar fetal e seu estudo será de grande valia na orientação da conduta obstétrica.

PALAVRAS-CHAVE: Dopplervelocimetria. Centralização de fluxo sangüíneo. Morbidadeperinatal.

Centralização do Fluxo Sangüíneo Fetal Diagnosticado pelaDopplervelocimetria em Cores: Resultados PerinataisBrain-sparing Effect Detected by Color Doppler: Perinatal Outcome

Cleide Mara Mazzotti Oliveira Franzin, João Luiz Pinto e Silva,Emílio Francisco Marussi, Silvana Varella Parmigiani

Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de CiênciasMédicas da Universidade Estadual de Campinas(UNICAMP).CorrespondênciaCleide M. M. FranzinA/C - Assessoria Técnica e Científica do CAISMRua Alexander Fleming, 101 - Cidade Universitária �ZeferinoVaz�13083-970 � Campinas � SP

IntroduçãoA ultra-sonografia, como método propedêu-

tico, revolucionou a prática obstétrica, possibili-tando acesso a informações até então desconhe-cidas, que facilitaram muito o desempenho clíni-co. O aperfeiçoamento e a introdução do efeitoDoppler aos equipamentos ultra-sonográficos pro-piciaram estudo in vivo das circulações feto-placentária e útero-placentária, permitindo ava-liar o grau de resistência ao fluxo sangüíneo e sua

relação com o estado de saúde do concepto.Antes do advento da ultra-sonografia, os co-

nhecimentos de anatomia e fisiologia da circula-ção feto-placentária eram obtidos por meio de es-tudos invasivos com animais1,2, pela placentogra-fia com rádioisótopos3 ou estudos com óxido nitrosopara avaliar o fluxo sangüíneo na placenta huma-na4. FitzGerald e Drumm5 realizaram os primei-ros registros de fluxo sangüíneo com Dopplerpulsátil em Obstetrícia5.

Utilizando-se o mecanismo Doppler, obtém-se a análise do perfil de velocidade de fluxo, refle-tindo as condições circulatórias nas direçõesanterógrada e retrógrada6. Para avaliar a resis-tência vascular periférica, são utilizados váriosíndices, denominados índice de resistência7, ín-dice de pulsatilidade8 e relação sístole/diástole9.

Com a evolução da gestação normal, ocorrediminuição da resistência ao fluxo sangüíneo na

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circulação umbilical e aumento progressivo nocomponente diastólico final10 em decorrência daproliferação do sistema viloso terciário, amplian-do, portanto, as áreas de trocas nas vilosidades11 .

Usando estes conhecimentos, vários pesqui-sadores começaram a relatar a possibilidade deavaliar alterações na circulação útero-placentáriaassociadas às patologias fetais. Constatou-se as-sociação entre a redução do componente diastólicofinal da artéria umbilical e, portanto, aumento daresistência vascular, com retardo de crescimentointra-uterino e aumento da mortalidadeperinatal12.

O fenômeno de centralização fetal (brain-sparing effect) é um mecanismo conhecido desdeo final da década de 6013-15, mediante estudos comanimais. Constatou-se que a hipoxemia fetal es-tava associada à redistribuição hemodinâmica dofluxo sangüíneo, resultando em perfusão preferen-cial do sangue para órgãos nobres, tais como: cé-rebro, coração e glândulas adrenais, em detrimen-to da perfusão de pulmão, rins, baço e esqueleto,ou seja, havia vasoconstrição periférica e vasodi-latação cerebral.

Posteriormente constatou-se que os fetoshumanos que acionavam este mecanismo de de-fesa apresentavam maior risco de mortalidade emorbidade perinatais.

Wladimiroff et al.16 introduziram o estudo dofluxo sangüíneo cerebral com o Doppler, consta-tando que em fetos com crescimento intra-uterinorestrito (CIUR), o índice de pulsatilidade (IP) da ar-téria carótida interna apresentava-se reduzido(com vasodilatação), embora estivesse aumenta-do na artéria umbilical e aorta torácica, sugerin-do aumento da resistência vascular placentária eperiférica fetal, com redução compensatória da re-sistência ao fluxo sangüíneo cerebral .

O diagnóstico da centralização pode ser rea-lizado pela relação entre o IP da artéria umbilicale o IP da artéria cerebral média (IPAU/IPACM),que reflete, melhor que o estudo de um único vaso,as modificações hemodinâmicas que ocorrem du-rante o fenômeno de �preservação cerebral�17.

Tais estudos foram confirmados com a rela-ção inversa, ou seja, com a relação entre o IP daartéria cerebral média e o IP da artéria umbilical.Todos os valores superiores a 1,08 entre a 3a e a41a semanas foram considerados normais. Pararesultados perinatais adversos a acuráciadiagnóstica desta relação foi de 90%, comparadacom 78,8% e 83,3% para as artérias cerebral mé-dia e umbilical, respectivamente18.

Para determinar a acurácia da relação en-tre o IR (índice de resistência) da artéria cerebralmédia e o IR da artéria umbilical, na predição deprognóstico fetal, Arias, em 199419, estudou paci-

Franzin et al Centralização

entes cujo exame ultra-sonográfico tinha sido re-alizado até duas semanas antes do nascimento.Concluiu que a relação menor ou igual à unidadeidentificava o alto risco para CIUR e paramorbidade neonatal grave, sugerindo ser inade-quada a avaliação de fetos apenas com o Dopplerumbilical, e que se poderia obter melhor indica-dor do prognóstico fetal pela avaliação conjunta dacirculação umbilical e cerebral.

A redistribuição sangüínea que ocorre emfetos com restrição de crescimento intra-uterinoé regulada por mais de um mecanismo. Ahipercapnia isoladamente, ou associada àacidemia, desempenha um papel de controle dasrespostas vasculares da carótida e aorta, ao passoque a hipoxemia isoladamente, ou por meio dahipercapnia, seria responsável pela respostavascular cerebral20.

Estudos recentes têm confirmado a associa-ção significativa entre a centralização sangüíneafetal e o aumento da mortalidade e morbidade emfetos com restrição de crescimento com menos de34 semanas de gestação, sugerindo que não ha-veria associação com resultados adversos após a34a semana21.

A proposta deste trabalho é analisar a re-percussão fetal e neonatal da doppervelocimetriaalterada com centralização de fluxo sangüíneofetal, e contribuir para estabelecer sua validadeclínica.

Pacientes e MétodosForam analisados retrospectivamente 32

casos de centralização de fluxo sangüíneo fetal,diagnosticados no Setor de Ultra-Sonografia doCentro de Atenção Integral à Saúde da Mulher(CAISM) da Universidade Estadual de Campinas(UNICAMP). Fizeram parte do estudo pacientesgrávidas com centralização de fluxo sangüíneofetal, atendidas entre fevereiro de 1995 e novem-bro de 1997, selecionadas pelo banco de dados dosetor de ultra-sonografia. O diagnóstico de centra-lização foi realizado por meio da análise da rela-ção entre o IP da artéria cerebral média e o daartéria umbilical, considerando-se anormais va-lores menores que a unidade (IPACM/IPAU me-nor que um). Para os casos com diástole ausenteou reversa na artéria umbilical, utilizamos a re-lação entre o IR da artéria cerebral média e o daartéria umbilical menor que a unidade (IRACM/IRAU menor que um).

Foram excluídas as gestações gemelares, ascom malformações fetais e com doenças auto-imu-

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nes fetais. Excluímos também as pacientes cujoparto não ocorreu nesta instituição.

A faixa etária das gestantes variou de 15 a44 anos, com valor médio de 29 anos. A média donúmero de gestações foi de 3,2, com média de pa-ridade de 1,6. A análise da paridade revelou que18% das pacientes estavam grávidas pela primei-ra vez e 31% tiveram de 1 a 3 partos anteriores.

A maioria das gestantes foi considerada dealto risco (condição clínica que pudesse represen-tar algum dano para a saúde materno fetal), sen-do as doenças mais freqüentes: DHEG (doençahipertensiva específica da gestação) - 18 casos(56,2%) e hipertensão arterial crônica - 6 casos(18,7%). Houve um caso de diabetes gestacional eum de amniorrexe prematura (Tabela 1). Não apre-sentaram doença aparente seis gestantes, sendoa indicação do exame para elas a suspeita clínicade restrição de crescimento intra-uterino ouoligoâmnio.

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Analisamos os seguintes resultadosneonatais: idade gestacional, peso do concepto,adequação do peso à idade gestacional, mortalida-de fetal, mortalidade perinatal, índices de Apgar(1953)22 de 1o e 5o minuto, necessidade deinternação em unidade de terapia intensiva emorbidade fetal avaliada através da presença de:hipoglicemia, membrana hialina, septicemia,hemorragia cerebral, hemorragia pulmonar eenterocolite necrosante. Analisamos também amicroscopia placentária.

A idade gestacional foi calculada pelo índicesomático de Capurro et al.23. Nos fetos com morteintra-uterina a idade gestacional foi avaliada por meioda ultra-sonografia mais precoce, utilizando-se tabe-las de biometria fetal desenvolvidas no setor24.

Restrição de crescimento intra-uterino foidefinido como peso inferior ao percentil 10 para aidade gestacional, de acordo com a curva deHadlock et al.25. Para o diagnóstico pós-natal, uti-lizamos a curva de adequação de peso deLubchenco et al.26, adotada pelo Serviço deNeonatologia do CAISM.

Para o diagnóstico de hipoglicemia, utiliza-mos os seguintes parâmetros de normalidade �maior ou igual a 25 mg% (para o período de 28 a36,6 semanas) e maior ou igual a 30 mg% (acimade 37 semanas de gestação), padronizados pelo ser-viço.

A hemorragia cerebral foi diagnosticada pelapresença de imagem hipoecóica, sugestiva dehemorragia peri ou intraventricular, visualizadapor meio de ultra-sonografia transfontanela.

A microscopia e a macroscopia placentáriaforam realizadas pelo Departamento de AnatomiaPatológica da UNICAMP.

A dopplervelocimetria foi realizada com equi-pamento marca Toshiba, modelo SSH-140 A. Ob-teve-se fluxo arterial usando equipamento deDoppler duplex, com mapeamento em cores, comtransdutor convexo de 3,75 MHz. Após boa audiçãoe visualização dos sinais, a imagem foi congela-da, realizando-se planigrafia da onda comcalibradores eletrônicos. Após ajuste adequado doângulo entre o cursor e o vaso, as medidas de ve-locidade sistólica, diastólica e média foramfornecidas automaticamente pelo equipamento.

A potência acústica do modo Doppler com ma-peamento em cores manteve-se abaixo dos padrõesestabelecidos pela Food and Drug Administration (FDA)em 1976 e pela Federation International Gynecologyand Obstetrics (FIGO) em 199127 para a ultra-sonografia fetal, com intensidade média do pico es-pacial temporal de 57 mW/cm².

Após visualização da artéria umbilical commapeamento em cores, colocou-se o cursor nolúmen do vaso que se apresentava paralelo à onda

Tabela 1 - Doenças maternas dos 32 casos de centralização.

DHEGDHEG + ca de coloDHEG + síndrome HELLPDHEG + hipertiroidismoHACHAC + aneurisma cerebralHAC + HIVDiabetes gestacionalAmniorrexe prematuraSem patologia

n

15 1 1 1 4 1 1 1 1 6

%

46,8 3,1 3,1 3,112,5 3,1 3,1 3,1 3,118,7

DHEG, doença hipertensiva específica da gestação;HELLP, �hypertension elevated liver enzymes low platelet counts�;HAC, hipertensão arterial crônica; HIV, �human immunodeficiency virus�.

À época da interrupção da gravidez, a idadegestacional variou de 24 a 39 semanas. A propor-ção de recém-nascidos com menos de 36 sema-nas de gestação foi de 21/32 (65,6%) (Figura 1).

1

4

1

3

7

3

8

5

0123456789

24-25 26-27 28-29 30-31 32-33 34-35 36-37 38-39

SemanasFigura 1 � Distribuição dos casos segundo a idade gestacional.

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ultra-sônica, com ângulo de incidência inferior a30 graus. Foram realizadas medidas longe da in-serção placentária e fetal28.

Para a localização da artéria cerebral mé-dia, primeiramente obteve-se corte transversal dopólo cefálico, incluindo o tálamo e o cavum do septopelúcido (plano em que o diâmetro biparietal émedido). A seguir, movimentando o transdutorcaudalmente, no plano paralelo ao plano previa-mente tomado, identificou-se a asa maior do ossoesfenóide entre as fossas média e anterior29. Usou-se o mapeamento em cores para identificar opolígono de Willis e a artéria cerebral média foifacilmente identificada como o maior ramo ântero-lateral do polígono, dirigindo-se à borda lateral daórbita. Posicionou-se o cursor no lúmen da arté-ria cerebral média próxima ao transdutor, no tre-cho compreendido entre 1 cm da sua origem naartéria carótida interna19. O ângulo entre o cursore o vaso não excedeu 30 graus.

Os resultados obtidos neste estudo foramapresentados em números absolutos epercentuais, dispensando análise estatística maisacurada devido ao pequeno número de casos.

A conduta obstétrica preconizada para a de-cisão final considerou os diversos recursospropedêuticos utilizados no serviço, após discus-são em conjunto.

ResultadosO peso ao nascimento variou de 520 g a 3.320

g, com valor médio de 1.420 g. Peso inferior a 1.000g foi observado em 10 crianças, sendo que oitoapresentaram peso entre 500 g e 750 g.

A corticoterapia profilática foi ministradapara 62,5% das pacientes, fazendo parte da rotinado serviço. As mulheres que não receberam o tra-tamento profilático geralmente foram encaminha-das de outras instituições, não havendo tempohábil para sua realização, considerando a gravi-dade do caso.

A maioria dos recém-natos (89,6%) neces-sitou de cuidados em unidade de terapia intensi-va (Tabela 2). O número total de dias de internaçãovariou de 1 a 83, com média de 22 dias. Óbito intra-uterino ocorreu em 3 casos (9,4%). Estes fetos ti-nham peso ao nascimento entre 520 g e 580 g, eapresentaram diástole zero ou reversa na artériaumbilical. A ocorrência de óbito pós-natal foi de31% (9/29). A análise destes casos de óbito pós-natal mostrou que sete apresentaram componen-te diastólico ausente ou reverso na artéria umbi-lical e peso entre 500 g e 750 g. Dois fetos apre-sentaram peso acima de 2.500 g.

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Ao nascimento, o valor do índice de Apgar do1o minuto foi menor que sete em 10 casos (34,5%).Índice de Apgar do 5o minuto menor que sete ocor-reu em dois casos (6,8%).

Ocorreu restrito de crescimento intra-uterino em 71,8% dos fetos e hipoglicemia em44,8% (Tabela 2). Outras intercorrências maisfreqüentes no período pós-natal foram: membra-na hialina (13,8%), septicemia (17,2%), hemor-ragia cerebral, hemorragia pulmonar, policite-mia e íleo prematuro (2 casos cada). Neste estu-do ocorreu apenas um caso de enterocolitenecrosante, com recém-nascido pesando 1.030g ao nascimento. Evoluiu com rotura intestinal,com ressecção de segmento de cólon transversoe íleo terminal, necessitando de cuidados inten-sivos durante 83 dias. Ao Doppler apresentavadiástole reversa na artéria umbilical. Teve altaem bom estado.

Não foi possível a obtenção de exame mi-croscópico em todas as placentas. Em apenas trêscasos o resultado anatomopatológico foi normal.Áreas de infarto placentário foram diagnostica-das em 13 casos (40,6%). Detectaram-se também:cisto septal, congestão intensa, hematoma de seiomarginal, autólise extensa e vilosite crônica(Tabela 3).

Tabela 2 - Resultados perinatais adversos dos 32 casos de centralização.

Internação em UTIÓbito fetalÓbito perinatalCIURHipoglicemiaMembrana hialinaSepticemiaHemorragia cerebralHemorragia pulmonar

n

26 3 92313 4 5 2 2

%

89,6 9,431,071,844,813,817,2 6,9 6,9

CIUR, crescimento intra-uterino restrito.

Tabela 3 - Microscopia placentária de alguns casos de centralização.

Resultado

NormalInfartoCisto septalCongestão intensaVilosite crônicaHematoma do seio marginalAutólise extensa

n

313 1 1 1 1 1

%

9,440,6 3,1 3,1 3,1 3,1 3,1

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DiscussãoAnalisando a mortalidade neonatal geral em

nosso Serviço, entre fevereiro de 1995 a novem-bro de 1997, observamos que para fetos com pesoao nascimento entre 500 g e 749 g, a taxa de mor-talidade foi de 70%; entre 750 g e 999 g, 35%; en-tre 1.000 g e 1.499 g, 14%, diminuindo progressi-vamente; entre 2.500 g e 2.999 g, 2,5%, e acimade 3.000 g, 0,6% de mortalidade. Em 32 casos decentralização de fluxo analisados, a mortalidadeneonatal foi de 28%. Na faixa de peso entre 500 ge 749 g, a mortalidade foi de 87%; entre 2.500 g e2.999 g, foi de 66%, maiores, portanto, que a taxaobtida para a população geral.

Constatamos que neste grupo de fetos �cen-tralizados�, aqueles com componente diastólicoausente ou reverso apresentaram maiormorbidade, pois entre os nove recém-nascidos quemorreram, sete apresentaram componentediastólico ausente ou reverso na artéria umbilical.

A presença de diástole zero ou reversa naartéria umbilical indica parada do fluxo sangüí-neo para frente em uma parte de cada ciclo cardí-aco, refletindo o grau máximo de alteração doDoppler na artéria umbilical. Comparando-se osresultados perinatais dos fetos com centralizaçãode fluxo com estudo anterior em fetos com diástolezero ou reversa30, constatamos resultados pioresneste último, com 93,3% de restrição de cresci-mento, 43,3% de mortalidade perinatal e 100% denecessidade de cuidados em unidade de terapiaintensiva.

Apesar dos sérios distúrbios hemodinâmicos,observamos que o índice de Apgar do 5o minuto, emmédia, foi maior que sete. Alguns pesquisadores31

ignoram o Apgar do 5o minuto por considerá-lo ina-dequado no diagnóstico de hipóxia neonatal, poissomente 15% dos recém-nascidos afetados por pa-ralisia cerebral têm índices de Apgar baixos. Sykeset al.32 também encontraram fraca correlação en-tre índices de Apgar e valores de pH umbilical.

Neste estudo, apesar do grande número deprematuros, a incidência de doença da membra-na hialina mostrou-se relativamente baixa, pro-vavelmente em decorrência de hipoxemia crôni-ca e pelo uso de corticoterapia antenatal sistemá-tica para estimular a maturação pulmonar fetal.

A morbidade dos fetos com centralização defluxo sangüíneo é considerável. Constatou-se nes-te estudo alta incidência de necessidade deinternação em UTI neonatal por períodos prolon-gados, com média de internação de 22 dias e grandeincidência de doenças fetais graves, tais como he-morragias pulmonar cerebral e enterocolitenecrosante.

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Montenegro et al.33, classificaram a histó-ria natural da centralização em três estágios: cen-tralização normoxêmica, hipoxêmica e descentra-lização. Na centralização normoxêmica, o sanguecoletado por meio de cordocentese exibe acidemia,mas com níveis de PO2 normal-baixo, pois ocorreacúmulo de ácido lático produzido pela respiraçãoanaeróbica nos territórios que apresentamvasoconstrição e deficiente aporte de O2. Nesteestágio, a cardiotocografia basal ainda é reativa,pois o coração e o cérebro têm oxigenação prefe-rencial. Na centralização hipoxêmica, a hipoxemiafetal se agrava e a redistribuição sangüínea nãoassegura normoxemia ao cérebro e ao coração.Neste estágio, o feto apresenta hipoxemia eacidemia. Quando a redistribuição do fluxo san-güíneo entra em colapso pela descompensaçãocardíaca e pelo edema cerebral, a cordocenteseaponta hipoxemia, acidemia extrema ehipercapnia.

Os conhecimentos dos fatores de ajuste cir-culatório e seu mecanismo de ação são incomple-tos. Provavelmente quando a pressão parcial deO2 diminui e a de CO2 se eleva acima de um certonível, os quimiorreceptores aórticos e carotídeospodem ser ativados, regulando a respostavasodilatadora central com a finalidade de garan-tir adequada oxigenação ao cérebro fetal34.

Constatou-se neste estudo grande númerode alterações placentárias. O Doppler alterado daartéria umbilical foi correlacionado, pela primei-ra vez, com anatomia microvascular placentáriapor Giles et al.35, em que a resistência arterialplacentária foi quantificada pelo número de pe-quenas artérias no sistema viloso terciário. Nogrupo com relação sístole/diástole aumentada, onúmero de pequenos vasos arteriais foi significa-tivamente menor (1-2 artérias por campo) do queno grupo normal (7-8 artérias por campo).

Alguns pesquisadores utilizam apenas a ar-téria cerebral média alterada para identificaçãode centralização sangüínea fetal. Acreditamos,assim como outros autores, que o diagnóstico pelarelação IPACM/IPAU reflete melhor que um úni-co vaso as alterações hemodinâmicas da preser-vação cerebral. O Doppler alterado na artéria ce-rebral está associado com pior prognóstico fetal.Mari e Deter29 constataram 60% de sensibilidadee 87% de especificidade da artéria cerebral médiaalterada, para resultados perinatais adversos. To-davia, neste estudo, três crianças com fluxo cere-bral normal morreram, sendo uma intra-útero eduas logo após o nascimento. Observaram que oIP da artéria cerebral média é mais baixo entre a15a e 20a semana e no final da gestação, indican-do diminuição da resistência vascular cerebral aofluxo sangüíneo nestes dois períodos de gestação.

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Dobbing e Sands36 estudaram cérebros fetaishumanos e estimaram o número total de células,por análise química de ácido desoxirribonucléicono cerebelo, tronco e porção anterior do cérebro.Demonstraram haver dois períodos de maior mul-tiplicação celular, da 15a à 20a semana e outro quecomeça no início do terceiro trimestre e provavel-mente termina no segundo ano de vida, coinci-dindo com o período de menor resistência vascular.Estudos recentes têm indicado associação entrecentralização e pós-datismo com oligoâmnio37.

Devido ao grande avanço tecnológico na áreade diagnóstico médico, freqüentemente o obste-tra fica confuso na interpretação dos exames e emsua confiabilidade, muitas vezes tendo dificulda-de até na escolha do melhor exame a ser solicita-do para um caso específico. A acurácia dos diver-sos métodos de avaliação de vitalidade fetal é va-riável em diferentes estudos, estando na depen-dência de valores de normalidade adotados paraos diferentes métodos e também da população es-tudada. Atualmente existe consenso de que a dop-plervelocimetria é o método mais precoce de ava-liação do bem-estar fetal.

O diagnóstico de centralização de fluxo san-güíneo fetal está intimamente associado com osofrimento fetal. Como já relatado na revisão devários estudos, é um mecanismo de defesa fetalem face da hipoxemia. Portanto, seu diagnósticodeve ser criterioso. Quando informamos ao obste-tra que o feto encontra-se centralizado, geramosgrande ansiedade não apenas no médico, mas tam-bém na paciente e em seus familiares.

Quando o obstetra se depara com um feto�centralizado�, deve ter em mente que os resulta-dos perinatais adversos são maiores nestes fetosdo que os resultados esperados em relação à pre-maturidade apenas. Deve, entretanto, considerarcriteriosamente as perspectivas de interrupção dagravidez, com a visão voltada para o serviço deneonatologia que deverá receber o concepto, e suacapacidade real de atender crianças que asso-ciam freqüentemente prematuridade, restriçãoprolongada de nutrição e dano variável de suascondições de saúde.

O reconhecimento antenatal de gestaçãocom elevado risco de resultados perinatais adver-sos é um dos maiores desafios da prática obstétri-ca. A possibilidade de avaliação qualitativa dascondições hemodinâmicas do feto intra-uterino,de forma não-invasiva, representou um grandeavanço neste contexto. Neste estudo, os fetos comcentralização de fluxo sangüíneo fetal diagnosti-cado através da dopplervelocimetria, apresenta-ram alta mortalidade e morbidade, configurandosua utilidade para apoiar decisões clínicas obsté-tricas.

Franzin et al Centralização

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SUMMARYPurpose: evaluation of perinatal outcome of brain-sparingeffect detected by color Doppler.Methods: brain-sparing effect was detected in 32 fetuses atthe Ultrasound Service of the Center for Integral Attentionto Women�s Health at Campinas State University (UNICAMP).The diagnosis of brain-sparing effect was made when theratio between middle cerebral artery and umbilical arterypulsatility indexes was below one (IPACM/IPAU <1). Themeasurement was obtained with color Doppler equipmentToshiba SSH-140A.Results: admission to neonatal intensive care unit (ICU) wasnecessary in 26 fetuses (89.6%). The number of days in ICUvaried from 1 to 83 days, with a mean of 22 days. Fetalmortality rate was 3 in 32 (9.4%) and perinatal mortalitywas 9 in 29 (31%). Considering the gestational age by theCapurro method, the incidence of birth below 36 weeks was21 in 32 (65.6%). Intrauterine growth restriction occurredin 71.8% of the cases and hypoglycemia in 44.8%.Conclusions: brain-sparing effect is a condition in which thefetus is at serious risk of adverse perinatal outcome andDoppler studies might be helpful in the obstetric management.

KEY WORDS: Doppler velocimetry. Brain-sparing effect.Fetal outcome.

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