Post on 07-Nov-2018
PROFº NEY JANSEN.
SOCIOLOGIA
MESTRE EM SOCIOLOGIA POLÍTICA
PELA UFSC.
BACHAREL E LICENCIADO EM
CIÊNCIAS SOCIAIS PELA PUC-SP.
CLASSES SOCIAIS E DESIGUALDADE
DEFININDO DESIGUALDADE SOCIAL
Quando falamos em desigualdade isso significa que
determinadas posições sociais podem ser econômicas, sociais
ou políticas, conferem vantagens ou desvantagens de acordo
com o lugar ocupado na estrutura social e revelam a existência
de desigualdades com base em atributos sociais.
É possível identificar diversos atributos com base nos quais
pessoas e grupos se organizam em posições ou estratos sociais:
a classe social, o fato de ser homem ou mulher, a ocupação, a
renda, a etnia/raça/cor
Dados globais de concentração de renda
O ano de 2010 foi também aquele no qual o banco Credit Suisse publicou o seu primeiro
Global Wealth Report (Relatório da Riqueza Global).
Naquele ano, os 50% mais pobres dos 4,44 bilhões de adultos possuíam pouco menos de 2%
dos ativos mundiais estimados em 194,5 trilhões de dólares, “embora a riqueza esteja
crescendo rapidamente para alguns membros deste segmento”, acrescentava esperançosamente
o relatório. Os 10% superiores possuíam 83% da riqueza mundial e o centésimo superior,
43%. A riqueza média equivalia a 43,8 mil dólares líquidos. Era preciso possuir 4 mil para
deixar de pertencer aos 50% mais pobres, 72 mil para chegar aos 10% mais ricos e 588 mil
para o centésimo superior.
Cinco anos depois, o relatório de 2015, publicado em 13 de outubro, mostra que a
concentração de renda mundial alcançou níveis tão críticos quanto o do mundo
industrializado antes da Primeira Guerra Mundial. Apesar do relativo otimismo de 2010, a
metade mais pobre dos 4,8 bilhões de adultos ficou ainda mais depauperada: agora possui
menos de 1% da riqueza planetária estimada em 250,1 trilhões de dólares, enquanto o
décimo mais alto controla quase 90% (87,7%, para ser exato) e o centésimo no topo, exatos
50%.
Fonte: A desigualdade social chega a níveis alarmantes. Carta Capital. 05/01/2016.
http://www.cartacapital.com.br/revista/873/no-mundo-de-os-miseraveis-5584.html
Classe social não é um conceito pacífico na ciências sociais e humanas em geral.
Destacaremos aqui alguns pontos de convergência e divergência do conceito de classe.
Nas ciências biológicas classe está associada à uma classificação (identificação) de seres vivos, por exemplo, de plantas ou animais.
E nas ciências sociais e humanas?
Em termos sociológicos gerais classe é uma categoria
social que nos ajuda a apreender de que forma
diferenças no acesso às condições de vida (renda,
habitação, saneamento, alimentação, saúde, educação,
trabalho) geram desigualdades entre pessoas e grupos,
na medida em que situam pessoas e grupos em
posições desiguais na hierarquia social, de tal modo
que geralmente os mais favorecidos encontram-se no
topo, e os menos privilegiados estão mais próximos da
base.
Portanto, pensar classe social envolve diferenças,
desigualdades e posições desiguais numa hierarquia
social
Economistas tendem a basear suas análises em dados sobre renda individual
(per capita) e familiar. Ex: “classes” A, B, C, D, E...alta, média, baixa...
Porém, o critério renda não é utilizado como sinônimo de classe em
algumas análises sociológicas.
Na tradição sociológica herdada, sobretudo, das teorias de Marx e Weber, os
esquemas de classe contemporâneos são construídos com base na estrutura
ocupacional, isto é, de acordo com as posições ocupacionais de indivíduos
dentro de unidades produtivas e mercados de trabalho.
Em Marx, a apropriação privada dos meios de produção é o fundamento da existência das classes. Uma classe é um grupo de pessoas que se encontram em uma relação comum com os meios de produção – os meios pelos quais elas extraem o seu sustento-. Aqueles (a classe) que trabalha/produz a riqueza social e aqueles que se apropriam da riqueza social produzida por outros é o fundamento da existência de classes sociais para Marx.
Tal distinção (de classes) não é natural, é histórica (socialmente construída). Em resumo: classe social para Marx é uma relação social de exploração do trabalho social.
Weber, por sua vez, trabalha com a noção de posição de classe. A posição de classe é determinada pela “situação de mercado”, que depende, também, da posse de bens, do nível de educação e do grau de habilidade técnica.
Para Weber, as desigualdades sociais se originam de fatores mais complexos do que a posse ou não dos meios de produção. A posição de mercado, as qualificações, titulações, grau de escolaridade, diplomas e habilidades adquiridas modificam sensivelmente as oportunidades e as possibilidades de ascensão social dos indivíduos.
Outro aspecto significativo das classes é o fato de elas estarem associadas a diferentes status adquiridos, isto é, a uma distribuição desigual da honra e do prestígio social.
O contexto histórico e social do capitalismo industrial
contemporâneo caracteriza-se pelo aumento da divisão do
trabalho e pela crescente complexificação da estrutura
ocupacional.
A ocupação é um dos fatores mais críticos na determinação do
posicionamento social, das oportunidades de vida e do nível de
conforto material dos indivíduos.
Por essa razão, cientistas sociais têm usado extensivamente a
ocupação como um indicador da classe social, por acreditarem
que indivíduos da mesma ocupação tendem a vivenciar
níveis semelhantes de vantagem ou desvantagem social, a
manter estilos de vida comparáveis e a partilhar oportunidades
de vida igualmente semelhantes.
No Brasil, nos últimos anos, tem sido corrente a afirmação do
crescimento de uma “nova classe média”, de uma “ascensão da
classe D e E para a classe C”, etc.
Tal visão seria corroborada pelo aumento do poder de consumo de
parcelas significativas da população brasileira vinculadas a políticas
de governo nos últimos anos (2003 em diante) como:
Valorização do salário mínimo,
Políticas de crédito facilitada,
Incorporação de segmentos antes excluídos do consumo de massa e de
bens e serviços antes restritos a determinados segmentos da sociedade.
Geração de emprego e renda
Políticas de redução da pobreza extrema via políticas assistenciais
O Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade acaba de publicar um trabalho mostrando que o número de pobres tem caído de maneira consistente no país nos últimos anos. O levantamento indica que de 2006 para cá o número de pobres no Brasil caiu de 33% para 23% na população. Isso significa 19 milhões a menos de pessoas na linha da pobreza.
A pesquisadora responsável pelo trabalho, Sônia Rocha, afirma que não foram apenas as políticas de transferência de renda que influenciaram aqui. Mas é perceptível que o dinheiro faz diferença na renda dos mais pobres. Atualmente, segundo o estudo, entre as famílias mais pobres, a transferência de renda é responsável, em média, por 18% de tudo o que entra na casa.
Mas e a acomodação? Talvez esse pessoal desista de trabalhar, diz um outro argumento. A Folha de S.Paulo achou, esses dias, beneficiários do programa no interior do Nordeste que não queriam carteira assinada para não perder o benefício. Tratava-se de trabalho temporário e mal pago, numa situação pontual, mas o jornal preferiu o caminho fácil de dizer que essa era a prova de que o programa “dificulta a formalização do trabalho no campo”. Os números oficiais são de que 2 milhões de beneficiários devolveram o cartão por terem conseguido emprego ou melhorado de renda. E 77% dos beneficiários trabalham. [...]
O resumo da ópera é que programas de renda mínima, em primeiro lugar, funcionam, sim, para dar melhores condições de vida da pobreza. Segundo, não há nenhum prova de que, como regra, as pessoas se acomodam por receber R$ 120 do governo (o que seria, inclusive, difícil de se imaginar, a não ser que a teoria venha de alguém que não tenha a mínima ideia de como seria viver com tão pouco).
.
Trecho do
artigo:
Segundo estudo da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE)
da Presidência da República, na última década 35 milhões de
brasileiros passaram a integrar a classe média no Brasil.
Em 2002, 38% da população pertencia a essa classe;
atualmente, estima-se que 53% da população brasileira faz parte
da classe média, que totaliza 104 milhões de pessoas. Do
restante da população, 20% estão na classe alta e 27% na baixa.
A SAE considera como famílias de classe média, aqueles que
tem renda per capita entre R$ 291 e R$ 1019 por mês. De
acordo com esse critério, quem vive com mais de R$ 1019
pertence a classe alta.
(Sociologia em Movimento. Moderna. São Paulo. p. 251. Fonte: SAE/PR 2012).
O conceito de classe e suas subdivisões (extremamente
pobre, pobre, vulnerável, baixa classe média, média
classe média, alta classe média, baixa classe alta, alta
classe alta) baseadas no indicador “renda” são subjetivas e
relativas.
Por exemplo, na citação, a “classe média” é definida por
quem tem renda per capita entre R$ 291 e R$ 1019 por
mês e a “classe alta” seria quem receberia mais de R$
1019 por mês.
Tais números podem ser questionados a partir do critério
utilizado por este ou aquele pesquisador ou Instituto
governamental.
Outra observação a fazer é que a apresentação das
distinções de classe baseada em diversas
subdivisões (extremamente pobre, pobre,
vulnerável, baixa classe média, média classe média,
alta classe média, baixa classe alta, alta classe
alta) poderia levar a se desconsiderar outros
elementos como a concentração de renda (ver
próxima tabela) de AQUILES (2011).
O pesquisador da Unicamp, Márcio Pochmann, em seu
livro “Nova Classe Média?” (2012) questiona uso do termo.
Segundo Márcio Pochmann:
“Seja, pelo nível de rendimento, seja pelo tipo de ocupação,
seja pelo perfil e atributos pessoais, o grosso da população
emergente não se encaixa em critérios sérios e objetivos que
possam ser claramente identificados como classe média.
Associam-se sim, às características das classes populares
que, por elevar o rendimento, ampliam imediatamente o
padrão de consumo. Não há nesse sentido, qualquer
novidade, pois se trata de um fenômeno comum, uma vez que
o trabalhador não poupa, mas gasta tudo o que ganha”.
(POCHMANN, Márcio. Nova Classe Média? O trabalho na base da pirâmide social
brasileira. Boitempo Editorial. São Paulo. 2012. p.10).
Diversos sociólogos consideram que o critério de classe exposto a
partir do elemento renda é insuficiente para se definir classe.
A abordagem marxista de considerar a posição dos trabalhadores
numa determinada estrutura de produção (ou modo de produção)
e na relação do conjunto de indivíduos em relação com a posse ou
não dos meios de produção passa ao largo da abordagem de classe
baseada apenas no elemento renda.
Na abordagem weberiana a posição de classe de uma indivíduo
por sua vez não estaria baseada na posse ou não dos meios de
produção mas numa determinada posição de mercado, sendo esta
definida por sua vez pela mobilidade social que, certamente está
ligada ao elemento renda, porém depende também, da posse de
bens, do nível de educação e do grau de habilidade técnica.
Pobreza:
condição de nascença,
desgraça, destino?
A pobreza é a expressão
mais visível das
desigualdades sociais.
Mas como a pobreza e a
desigualdade foram
entendidas no decorrer
da história das
sociedades?
Definição de Aristóteles sobre desigualdade:
Não é apenas necessário, mas também vantajoso que haja mando por um lado e obediência por outro; e todos os seres, desde o primeiro instante do nascimento, são, por assim dizer, marcados pela natureza, uns para comandar, outros para obedecer. (...)
(...) A natureza, por assim dizer, imprimiu a liberdade e a servidão até nos hábitos corporais. Vemos corpos robustos talhados especialmente para carregar fardos e outros usos igualmente necessários; outros, pelo contrário, mais disciplinados, mas também mais esguios e incapazes de tais trabalhos, são bons apenas para a vida política, isto é, para os exercícios da paz e da guerra. (...) Não pretendemos agora estabelecer nada além que, pelas leis da natureza, há homens feitos para a liberdade e outros para a servidão (...)”.
(Aristóteles, A Política. Martins Fontes, São Paulo: 1998. pp. 12, 13, 14).
Na antiguidade grega
Na Idade Média, a pobreza era
considerada uma condição de
nascença.
Havia uma visão positiva dessa
condição, pois esta despertava a
compaixão e a caridade.
Na concepção da católica
medieval, os ricos tinham
obrigação moral de ajudar os
pobres. A pobreza é interpretada
como uma desgraça decorrente
das guerras ou de adversidades
como doenças ou deformidades
físicas.
A partir do século XVI, na Inglaterra, com o aumento da produção e do comércio, a pobreza e a miséria passaram a ser interpretadas como resultado da preguiça e da indolência.
Tais interpretações tinham por objetivo fazer que o povo se submetesse às condições de trabalho vigentes (contexto das leis sanguinárias)
Pobreza
fruto da
preguiça?
O primeiro que, cercando um terreno se lembrou e dizer: “Isso
me pertence” e, encontrou criaturas suficientemente simples
para acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil.
Quantos crimes, guerras, assassinatos, misérias e horrores teria
poupado ao gênero humano aqueles que, retirando as estacas
ou entulhando o fosso, tivesse gritado aos seus semelhantes:
“Guardai-vos de escutar esse impostor! Estais perdidos se vos
esqueceis de que os frutos a todos pertencem e a terra não é de
ninguém!”.
Rousseau, JJ. Discurso sobre a Origem e o fundamento da desigualdade entre os homens.
Cultrix, São Paulo: 1965. pp 46-47.
No final do século XVIII, com o
fortalecimento do liberalismo,
outra justificativa para a pobreza
foi formulada as pessoas eram
responsáveis pelo próprio destino
e ninguém era obrigado a dar
trabalho ou assistência aos mais
pobres.
Dizia-se que era necessário
manter o medo à fome para que
os trabalhadores realizassem bem
suas tarefas.
Pobreza é
um estímulo?
Para o economista e demógrafo
britânico Thomas Malthus, a
população crescia mais que os
meios de subsistência.
Com base nas ideias de
Malthus, dizia-se que a
assistência social aos pobres
era repudiável, pois os
estimulava a ter mais filhos, o
que aumentava a miséria.
Thomas Malthus
(1776-1834):
teoria da
população
Em meados do século XIX, difundiu-se entre setores da
burguesia a ideia de que os trabalhadores eram perigosos:
poderiam não só transmitir doenças, já que viviam em
condições precárias de higiene, mas também se rebelar,
organizar-se e fazer revoluções, questionando os privilégios das
classes que detinham riqueza e poder.
No Brasil, as classes perigosas eram associadas as pobres, aos
favelados, aos negros, como pessoas potencialmente criminosas
(“higienismo social” no século XX)
Século XIX: a associação perversa entre pobreza e as classes perigosas
Movimentos sociais, políticos e intelectuais que pregavam alguma forma “justiça social” em reação as desigualdades:
textos filosóficos e religiosos (textos bíblicos, al corão, etc);
na Antiguidade encontramos referências críticas ao “uso e abuso das riquezas”, questionamentos contra a concentração de terras (irmãos Graco em Roma);
lutas sociais contra a escravização na Antiguidade ou na época colonial,
movimentos “heréticos” de camponeses na Idade Média contra a nobreza e o Vaticano (séculos XI a XVI);
nas teses iluministas do século XVIII (como a do filósofo francês Jean Jacques Rousseau (1712-1778) que dizia toda desigualdade baseia-se na noção de propriedade) e no liberalismo político;
no nascente movimento operário no século XVIII, XIX (cartismo, niveladores, sindicalismo) e depois nas teses socialistas (comunistas, anarquistas) nos século XIX e XX
Nas lutas feministas, por igualdade de gênero, diversidade sexual e igualdade racial (século XIX e XX)
AQUILES, Affonso Cardoso. O Trabalho no Setor de Telecomunicações do Brasil: Tendências Gerais e Empresa-Espelho. Dissertação de mestrado, UFPEL, 2011.
ARISTÓTELES. A Política. Martins Fontes, São Paulo: 1998.
BEER, Max. História do socialismo e das lutas sociais. Expressão Popular. São Paulo: 2006.
CARTA CAPITAL. A desigualdade social chega a níveis alarmantes. 05/01/2016.
http://www.cartacapital.com.br/revista/873/no-mundo-de-os-miseraveis-5584.html
GAZETA DO POVO. O Bolsa Família deixou de ser a Geni. Rogério Galindo. 22/05/2010.
PIMENTA, Melissa de Mattos. Diferença e Desigualdade In Sociologia. Coleção Explorando o Ensino. Vol. 15. MEC. Brasília: 2010.
POCHMANN, Márcio. Nova Classe Média? O trabalho na base da pirâmide social brasileira. Boitempo Editorial. São Paulo. 2012
ROUSSEAU, JJ. Discurso sobre a Origem e o fundamento da desigualdade entre os homens. Cultrix, São Paulo: 1965.
SILVA, Afrânio et all. Sociologia em Movimento. Moderna. São Paulo. p. 251. Fonte: SAE/PR 2012.
TOMAZZI, Nelson D. Sociologia para o ensino médio. Saraiva. São Paulo: 2010.
Fontes