Post on 19-Nov-2018
1
COMISSÃO GERAL DE ÉTICA DO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
Anotações sobre suas origens, história e o Código de Ética
JOSÉ GERALDO BRITO FILOMENO
Procurador de Justiça (aposentado), e atualmente consultor jurídico na área de direito do consumidor, é membro e
coordenador em exercício da Comissão Geral de Ética do Governo do Estado de S. Paulo,
“A história é êmula do tempo, depósito de ações,
testemunha do passado, exemplo e aviso do
presente, advertência do porvir” (Cervantes, Dom
Quixote, parte segunda, Cap. IX)
Sumário: 1. Notas introdutórias. 1.1 ética em geral; 1.2
ética e direito; 1.3 o viés jurídico. 2. O código de ética:
lineamentos básicos e versões discutidas; 2.1 “a roda já fora
inventada”; 2.2 a gênese do código; 2.3 versão
prevalecente. 3. O código de ética na íntegra e breves
comentários. 4. Conclusões.
1. Notas introdutórias: ética e um código para promovê-la
Contando com apenas dois anos e meio de existência, a Comissão Geral de
Ética do Governo do Estado de São Paulo já tem algo a relatar não apenas sobre o
código que elaborou, como também sobre as suas atividades, ricas em providências e,
sobretudo, debates.
Destarte, sem embargo de relatório técnico e estatístico já elaborado e
divulgado no site correspondente do Governo Estadual, pareceu aos seus membros
igualmente oportuno e útil, principalmente para o futuro, que cada qual procedesse a
um testemunho de sua experiência e manifestasse suas ideias e concepções sobre
tema tão candente, mormente nos dias que correm, em que escândalos eclodem a
todo instante em nosso país.
Este trabalho, por conseguinte, visa a esse desiderato, com a nossa
contribuição para o início da história dessa respeitável instituição.
1.1 Ética em geral – Principiamos, nosso despretensioso ensaio, portanto,
analisando o pensamento de JOSÉ MANUEL DOS SANTOS1 que pondera: “‘Esta
1 Introdução à Ética, Sistema Solar, CRL – Documenta (editora), Lisboa, Portugal, 1ª edição, 2012, p. 14.
Texto original consultado não obedece às novas regras ortográficas já dotadas pelo Brasil, mas não por Portugal.
2
disciplina’, escreve Aristóteles, referindo-se à ética, ‘não tem apenas um objetivo
puramente teórico, como as outras disciplinas filosóficas; nós não pretendemos saber o
que é a essência da virtude apenas para o saber, mas para nos tornarmos virtuosos’”.
Referido autor destaca, ainda, que “... a importância da teoria ética num
mundo como o nosso no qual as decisões mais relevantes, nomeadamente decisões
institucionais e colectivas, são tomadas no âmbito de discussões que têm lugar na
chamada esfera pública. Num tal mundo, não basta pensar que o ‘uso da razão’ por
cada um leva à resolução de todos os problemas; é necessário defender o bem na
discussão pública generalizada, o que só se faz através do rigor de juízos que
apresentem razões. Neste contexto, a função, e a utilidade, da teoria ética é contribuir,
com as suas ´evidências e razões’ (Hegel), para a tomada de boas decisões colectivas,
ou seja, políticas, em matérias tão importantes como a justiça social ou a guerra e a
paz. Neste sentido, uma boa teoria ética poderá contribuir para conceber e justificar
leis ou instituições”2.
Ao também se referir à ótica aristotélica, FERNANDO QUINTANA3 observa que
sua moral e ética “estão baseadas na virtude da qual depende a vida boa em
comunidade, diferentemente de filósofos modernos e contemporâneos para quem a
justiça não depende de uma ´concepção particular de virtude´ ou ´melhor forma de
vida´ -- a sociedade justa é aquela que ´respeita a liberdade de cada indivíduo para
escolher a própria concepção do que seja uma vida boa´(Sandel, 2012: 16-17); tratar-
se-ia do conflito sobre a melhor maneira de viver: livremente para escolher a melhor
forma de vida (modernidade) ou virtuosamente para promover o modo de vida de uma
boa sociedade (antiguidade). Dois princípios – justiça e solidariedade – que postulam
respeito e direitos iguais para cada indivíduo e empatia e cuidado em relação ao bem-
estar do próximo. Em linguagem dos modernos: a justiça que diz respeito à liberdade
subjetiva de indivíduos inalienáveis, a solidariedade que diz respeito ao bem-estar das
partes que compartilham uma vida em comum (Habermas, 1999: 19)”.
“Em Ética”, prossegue o autor retro citado4: “Aristóteles esclarece que esta
disciplina se ocupa dos bons comportamentos a serem seguidos pelos homens em
comunidade, ela diz respeito a condutas ou formas de agir boas a serem praticadas
para atingir um fim supremo, absoluto, a felicidade, sobretudo, como destaca o autor,
em nível social e político – ´ainda que tal fim seja o mesmo para o indivíduo e para o
Estado (a eudaimonía), o deste último parece ser algo maior e mais completo, quer a
atingir, quer a preservar. Embora valha bem a pena atingir esse fim para um indivíduo
só, é mais belo e mais divino alcança-lo para uma nação ou para as Cidades-Estados
(Aristóteles, 1987:10)´”.
2 Op. cit., p. 15, com destaques nossos.
33 Ética e Política: da antiguidade clássica à contemporaneidade, Ed. Atlas, SP, 1ª edição, 2014, p. 6.
4 Op. cit., p. 8.
3
Segundo JEAN-CASSIEN BILLIER5, outrossim: “Para uma grande maioria dos
pensadores que têm explorado recentemente a filosofia moral, aquela, dos meios, uma
vez que ela aceita o princípio mesmo da construção de uma ´teoria moral´(até porque
existem também correntes ditas ´anti-teóricas´ em filosofia moral), pode ser dividida
em três ramos, que correspondem tanto às teorias como aos métodos fundamentais:
o consequencialismo, que sustenta que é moral aquilo que promove o bem, sendo este,
bem entendido, a ser conceituado antes de mais nada; a deontologia, que afirma que é
moral uma ação praticada honrando princípios absolutos que se lhe aplicam, quaisquer
que sejam as consequências; a ética das virtudes, que defende de sua parte a ideia
segundo a qual o que verdadeiramente conta antes de tudo, é o aperfeiçoamento do
ser humano contanto que aja de acordo com a moral virtuosa”.
Os destaques linhas atrás refletem, com efeito, uma aparente distinção entre
ética e moral. Tanto assim que, em evento realizado em Porto Alegre, em 1999,
havíamos sustentado, ao tecer considerações sobre a ética que deve presidir os meios
publicitários, que seriam conceitos diversos: a moral, mais pragmática e derivada dos
costumes transformados em normas obrigatórias e, sobretudo, da filosofia estoica
romana; já a ética, de inspiração grega, decorreria mais dos sentimentos nobres que
deveriam governar os atos humanos, uma vez que, etimologicamente, significa
especificamente caráter, escrúpulo, decência6.
Dependeria ela, por conseguinte, muito mais dos bons propósitos de que
seriam naturalmente imbuídos os seres humanos, do que de sua educação e cultura.
Seria, por assim dizer, uma consciência e intuição quase que inatas, impulsionando o
homem na escolha do bem em rejeitando o mal, preferindo o honesto ao desonesto, e
assim por diante.
JOSÉ MANUEL SANTOS, com efeito, acentua que: “Etimologicamente o termo
‘ética’ provém do grego êthos, que significa ‘modo de ser’ ou ‘carácter’. O termo tanto
pode ser aplicado aos animais como ao homem, no sentido de carácter natural ou
inato. No caso do homem, todavia, o termo pode designar quer uma maneira de ser
considerada ‘natural’, aquilo a que se chamada em português o ‘feitio’, quer o
resultado de uma formação da personalidade que se faz ao longo da vida, muito
particularmente nas primeiras fases da vida (infância e juventude). Neste sentido o
êthos é um carácter adquirido, não natural. E como o carácter a adquirir, já é, de certo
modo, objeto de escolhas humanas e deverá ser um ‘bom’ carácter, este sentido do
termo já é ‘ético’. Para Aristóteles, esta aquisição tem lugar --- paradigmaticamente no
processo educativo --- através da aquisição de hábitos, que, por seu turno, se ganham
pela execução reiterada de actos correspondentes. Adquirir um bom hábito passa por
5 Introduction à l´éthique, Quadrige Manuels, Presses Universitaires de France, 1er. Edition, 2014, p. 1-2.
6 Ética na Relação Empresa-Consumidor, painel de debates, publicado no anais do I Fórum FEDERASUL
de Ética, Porto Alegre, RS, 2000, p. 127-134.
4
repetir as boas acções correspondentes. Socialmente, os hábitos considerados bons
correspondem aos (bons) costumes ou usos de uma dada sociedade7.
Com efeito, acentua ainda JOSÉ MANUEL SANTOS que: “Paralelamente aos
termo êthos, carácter, o grego antigo tem ainda um outro, foneticamente quase
idêntico, ethos, que significa ‘hábito’ ou ‘costume’ e só se distingue do primeiro pela
vogal inicial. Êthos (carácter) escreve-se com a vogal inicial longa eta (µ); ethos
(hábito, costume) escreve-se com a vogal inicial épsilon (y), que é curta. Se a ética,
hoje, se chama ética, isso deve-se à importância central destes dois conceitos da ética
de Aristóteles. Para a etimologia do termo ética, contudo, o primeiro é,
manifestamente, o mais importante. O étimo de ‘ética’ é êthos e não ethos. Para
Aristóteles a ética começa por uma ‘disciplina relativa às questões do carácter,
enquanto, por exemplo, para Kant será uma metafísica dos costumes”8.
Para JEAN-CASSIEN BILLIER, contudo, são exatamente a mesma coisa. Com
efeito: “O estudo da ética remete por outro lado a três domínios distintos. Aquele
desde logo, da ética normativa, isto é, da ética enquanto propõe normas, que, por
definição, prescrevem aquilo que é ´bem´ ou ´mal´, ´o que deve ser feito´ e ´o que não
deve ser feito´. É geralmente nessa que as pessoas pensam espontaneamente quando
lhes vem à cabeça as palavras ´moral´ ou ´ética´. As três teorias ou métodos éticos que
esta obra vai examinar representam as três grandes opções da ética normativa ... O
leitor pode se perguntar sobre a questão, assaz tradicional, de saber se há uma
diferença entre a ´ética´ e a ´moral´. Certos filósofos têm tentado, é verdade, teorizar,
com sucesso variado, uma tal diferença. De nossa parte, nós nos filiamos a uma estrita
equivalência conceitual: o termo ´ética´ provém do grego, o termo ´moral´ provém do
latim, sendo essa a única diferença de nota. Dizer, como se entende às vezes, que a
´ética´ seria mais ligada do que a ´moral´ à articulação das normas privadas relativas à
vida social, ou ainda que a ´ética´ seria mais orientada a uma concepção do bem do
que a ´moral´, que seria, ela, uma questão de respeito a regras, não nos parecem senão
assaz vãs e sobretudo falsas distinções: muito frequentemente se encontra em filosofia
a expressão e o conceito de ´moral política´, da mesma forma que se constata muito
rapidamente que a ética normativa não é necessariamente orientada em face de uma
concepção teleológica do bem, mas talvez, por exemplo, puramente ´deontológica´, de
outra forma dita inteiramente fundada sobre um corpo de deveres a honrar”.
Para JOHN G. SLATER, tratando de comentar o pensamento de BERTRAND
RUSSEL9: “Se nós estivéssemos todos de acordo sobre nossos desejos e nossas aversões,
não haveria qualquer conflito ético. Infelizmente, nós não estamos sempre ´de acordo´.
Nós devemos portanto nos esforçar para encontrarmos as razões, habitualmente
7 In op. cit., p, 39-40.
8 Idem, p. 40.
9 BERTRAND RUSSEL in Éthique et Politique, Éditions Payot & Rivages, Paris, 2014, p. 9-10.
5
invocando as consequências possíveis, para mostrar que nossos desejos gozam de uma
certa propriedade que faz falta aos desejos de nossos adversários e que, nós
esperamos, os convença de ver as circunstâncias de um ângulo diferente e, portanto,
experimentar um desejo diferente, que por sua vez os levará a se entenderem conosco
sobre o valor de concordar a respeito dos objetivos possíveis nas circunstâncias em
questão. A ética, então, consiste em encontrar as razões que levem um grupo de
pessoas a desejar as mesmas coisas. Em 1914 na sua [obra] ´Sobre o método científico
em filosofia´, Russell escreveu em um tom provocativo: ´A ética está na origem da arte
de se recomendar aos outros os sacrifícios exigidos para a cooperação consigo mesmo.
Assim, por reflexo, deriva dela mesma o recomendar o sacrifício através da operação
da justiça social, mas toda ética, por mais refinada que ela seja, torna-se mais ou
menos subjetiva´. A argumentação ética não entra em jogo a não ser que haja
discordância; ela não é extraordinária, pensa Russell, pois que ela não tende a uma
concordância em um grande número de casos. Por sua própria natureza, a ética está
estreitamente ligada à política, uma vez que ambas tendem a fazer nascer desejos
coletivos e de os levar a influir sobre os que não estão ainda no grupo”.
RUSSEL fala, ainda, em síntese, que embora o ser humano, fundamentalmente
complexo, seja dotado de inteligência, capaz de leva-lo a optar por comportamentos
éticos ou antiéticos, sobre ele incidem dois impactos extremamente vigorosos: a
educação, dependente sempre do ambiente em que vive, e a herança genética, sem
necessariamente haver a dominação total de uma pela outra.
Mais radical, todavia, ATHUR KOESTLER10 afirma que: “Só há duas concepções
de ética humana e estão em polos opostos: uma delas, cristã e humana, declara que o
indivíduo é sagrado e afirma que as regras da aritmética não devem ser aplicadas a
unidades humanas. A outra parte do princípio básico de que um fim coletivo justifica
todos os meios, e não somente permite, mas pede que o indivíduo seja de todas as
maneiras subordinado e sacrificado à comunidade --- que pode dispor dele como de
sua cobaia ou de um cordeiro sacrificatório, A primeira concepção poderia ser
chamada de moralidade antivivisseccional, a segunda de moralidade vivisseccional”.
A segunda hipótese, como curial, está umbilicalmente ligada às lições de
NICCOLÒ MACHIAVELLI, em seu célebre opúsculo O Príncipe11, dedicado a Lorenzo di
Medici, como que a transmitir-lhe lições de política, não apenas pelo fato de
despontar, em 1514, como o herdeiro do trono de Florença, como também como
maneira de tentar --- ele, Machiavelli ---, recuperar seu prestígio, perdido dois anos
antes e que lhe acarretou o caimento em desgraça e confinamento em seu sítio em
Sant´Andrea.
10
In O Zero e o Infinito, palavras de Ivanov, apud PAULO RÓNAI, in Dicionário Universal Nova Fronteira de Citações, Ed. Nova Fronteira, RJ, 1985, verbete ética. 11
Il Principe, a cura de Raffaele Ruggiero, Bur Rizzoli, Classici Italiani, Milano, Italia, 2010, p. 163-164.
6
Trata-se, em última análise, de um verdadeiro tratado de ciência política ---
para o bem e para o mal --- onde, conforme já assinalado linhas atrás, os fins justificam
os meios, ficando claro, outrossim, a diferença entre moral (ou ética) e a política.
Assim, no capítulo XVIII, intitulado Como os Príncipes Devem Respeitar os
Pactos, aconselha12: “[5] A um príncipe então não é necessário ter de fato todas as
supracitadas qualidades, mas é assaz necessário parecer tê-las; aliás, ousarei dizer o
seguinte: que, tendo-as e observando-as sempre, é prejudicial, e, parecendo tê-las, elas
são úteis; como [por exemplo] parecer piedoso, fiel, humano, íntegro, religioso, e ser:
mas estar de tal modo consolidado com vontade que, necessitando não ser, possas tu e
saibas tornar-te o contrário. E possas entender isso, que um príncipe e máxime um
príncipe novo não pode obedecer a todas aquelas coisas pelas quais os homens são
chamados de bons, sendo frequentemente necessário, para manter o Estado, operar
contra a fé, contra a caridade, contra a humanidade, contra a religião. E por isso
necessita que ele tenha têmpera disposta a mover-se segundo os ventos da fortuna e a
mudança e conforme o andamento das coisas o exijam; e, como acima se disse, não
apartar-se do bem, podendo, mas saber imiscuir-se no mal, se preciso for”.
Conforme revela FERNANDO QUINTANA13, todavia: “As virtudes aristotélicas se
relacionam com o sentimento, a disposição da alma, o caráter ou temperamento, mas
também com o comportamento. Dentre as virtudes morais, adquiridas pelo hábito,
podemos citar seguindo a Ética, certos jeitos de ser e condutas que supõem sempre o
triunfo do meio-termo (andreia) entre dois extremos (o excesso e a falta). Ou seja, o
triunfo do bem entre dois vícios, uma cumeada entre dois abismos. Uma forma de ser
moderada e uma forma de agir prudente que constituem talvez um dos traços mais
importantes da moral e ética aristotélica. Assim, por exemplo, a coragem que implica
evitar a temeridade e cobardia; a calma: a irascibilidade e apatia; a temperança: a
intemperança e insensibilidade; a magnificência: a vulgaridade e mesquinharia; a
honra: a ambição e humildade; a magnanimidade: a soberbia e modéstia; a
veracidade: a jactância e falsidade; a jocosidade: a bufonaria e rusticidade; a amizade:
a adulação e grosseria; e a justiça: que dia respeito a um modo de ser e agir pautado
pelo equilíbrio, pela mediania, o justo ou meio-termo (lembrando o símbolo da justiça
representada pela balança). Tais jeitos de ser, cristalizados em condutas são
importantes na medida em que permitem determinar o êthos de cada cité e, por
tabela, as diferentes formas de governo (boas e ruins).”
De qualquer forma, todavia, a verdade é que o estudo do comportamento do
ser humano e concita-lo a práticas tendentes à realização do bem é curial, não apenas
em prol do coletivo, como também da busca de satisfação pessoal de cada um. Até
12
Edição citada traz o título original em latim, com anotação em italiano: Quomodo Fides a Principibus sit Servanda (i.e., Come i principi debbano rispettare i patti). 13
Op. cit., p. 9.
7
porque conforme ponderada ULPIANO, “os preceitos do direito são estes: viver
honestamente, não ofender ninguém, dará a cada um o que é seu”14.
1.2 Ética e direito – A primeira advertência que nos vem à mente, feita no início
do Curso de Direito na veneranda Faculdade de Direito do Largo São Francisco,
notadamente nas magníficas aulas do saudoso Prof. Gofredo da Silva Telles Jr., em
Introdução ao Estudo do Direito, é a de que “non omne quod licet honestum est”.
E, efetivamente, não apenas ao longo de toda a nossa vida profissional, seja
como advogado, seja como membro do Ministério Público e, sobretudo, como
membro da Comissão Geral de Ética do Governo Paulista, defrontamo-nos com essa
verdade inquestionável a respeito da distinção entre o direito positivo e a moral ou
ética.
Referida expressão latina igualmente nos remete à célebre teoria
tridimensional do direito (fato – valor – norma) do igualmente saudoso Prof. Miguel
Reale, de quem infelizmente não fomos aluno, mas cuja monumental obra --- Filosofia
do Direito --- nos fora indicada para acompanhar as aulas dessa disciplina.
Ora, ao tecer considerações acerca da temática ética (moral) e direito, CHAÏM
PERELMAN15, aduz que: “Tradicionalmente os estudos consagrados às relações do
direito com a moral insistem, sob um espírito kantiano, sobre aquilo que os distingue;
o direito regendo o comportamento exterior, a moral estabelecendo enfoque sobre a
intenção; o direito estabelecendo uma correlação entre os direitos e as obrigações, a
moral prescrevendo deveres que não fazem nascer direitos subjetivos; o direito
estabelecendo a sanções organizadas, e a moral subtraindo-se a elas”.
E mais adiante arremata essa ordem de ideias, ponderando que: “Mas a regra
geral, ou ao menos por meio da presunção, é a da conformidade entre as normas
morais e as normas jurídicas. É a razão pela qual o estudo do direito, em reconhecendo
sua pertinência habitual com o estudo da moral, impedirá o teórico de se lançar às
simplificações até as últimas consequências concernentes assim bem mais ao contido
nas normas do que sua aplicação a situações concretas. Ele observará, então, que os
diversos princípios que os filósofos apresentaram como a norma supre na ética não
são, na realidade, senão ´lugares comuns´, no sentido da retórica clássica, que
fornecem as razões em que tem lugar o levar em consideração em cada situação
concreta, antes do axioma, como aqueles da geometria, em que as consequências
práticas poderiam ser obtidas por via de simples dedução”.
JOSÉ MANUEL DOS SANTOS ao cuidar dessa dicotomia, assim se manifesta: “A
ética e o direito são dois domínios e duas ‘ciências’ muito próximas, cuja delimitação,
14
Apud PAULO RÓNAI, idem. “Juris praecepta sunt haec: honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere”. 15
Éthique et droit, Editions de L´Université de Bruxelles, 2èm. Edition, 2012, p. 364-366.
8
ou relação, é complexa e controversa. E não é só a delimitação que põe problemas.
Uma vez delimitados os domínios do ético e do jurídico, é preciso pensar como eles de
articulam, quais as relações entre ética e direito. Sobre esta questão há duas
tendências de resposta: os juristas tentam normalmente delimitar um domínio onde
reina a pura racionalidade jurídica, tentam, porquanto, mostrar a autonomia e a
independência do direito em relação à moral e à ética. Os éticos, ao contrário, tentam
mostrar que os princípios mais fundamentais do direito --- à frente dos quais os direitos
fundamentais, os chamados direitos humanos --- só podem ter uma justificação de
ordem ética”16.
E, mais adiante, pondera o autor retro citado que: “A proximidade entre ética e
direito já está patente nas questões mais gerais das duas disciplinas. A ética na sua
versão moderna, responde à pergunta ‘o que devo fazer?’; o direito responde à
pergunta ‘o que é permitido fazer’, ‘o que tenho o direito de fazer?”17
1.3 O viés jurídico – Falando em nosso modesto entendimento, e em coerência
com nosso passado de membro do Ministério Público, sobretudo, como fiscal da lei,
secamente por vezes, é um tanto quando dificultoso raciocinarmos a respeito de
determinada situação de fato colocada à luz exclusiva da ética.
E para ilustrarmos essa realidade, trazemos à colação a abordagem sumariada
de um de nossos votos, em abordagem verbal e prévia, antes mesmos da designação
de relator, num dos quatro casos até o momento trazidos à apreciação da Comissão
Geral de Ética18, e cujo enunciado segue abaixo:
“Existem óbices ou impedimentos para o regular exercício das atividades de
jornalista e/ou advogado, no âmbito da área pública ou privada, por pessoa
que ocupe ou tenha ocupado cargo no Governo do Estado de São Paulo
(administração direta ou indireta) na esfera da comunicação?”
Nossa opinião preliminar e verbalmente pronunciada, fora no sentido de que, à
luz tanto da lei que disciplina a profissão de jornalista como do estatuto da Ordem dos
Advogados do Brasil, não haveria quaisquer óbices ou impedimentos para regular o
exercício das atividades que seriam exercitadas pelo consulente em conjunto com suas
atividades junto ao governo estadual.
16
Op. cita., p. 68. 17
Idem, p. 68. 18 Conforme relatório elaborado pela mesma comissão, foram dois em duas questões de que atuamos como relator, e noutros como participante da sessão de julgamento das consultas e uma representação até agora formuladas.
9
Em voto vencedor do relator designado, Dr. Luiz Fernando Amaral, e à
unanimidade, entretanto, foi deliberado que, embora não houvesse óbices do ponto
de vista estritamente jurídico, havia-os, sim, do ponto de vista ético, já que, em se
tratando de alto servidor da Administração Pública Estadual na área da comunicação e
informação, poderia, por exemplo, estar a exercitar função privilegiada junto à mídia
em geral. Desta forma, deliberou-se ponderar que não seria ético que isso pudesse
ocorrer, não apenas no caso específico então apreciado, como também em outros
futuros, servindo a recomendação como um entendimento recomendável a outros
setores da Administração, por intermédio da Corregedoria Geral Administrativa do
Estado de São Paulo.
Reputamos de toda importância o destaque de alguns trechos do mencionado
voto, a saber:
“5. É certo que, sendo o estudo da moral, a ética acaba servindo de alicerce às
normas jurídicas. Muitos valores éticos fundamentam preceitos jurídicos.
Impossível, porém, que o legislador consiga prever a diversidade de hipóteses
fáticas nas quais existirá uma infração ética a ponto de aplicar à ética o escrito
positivismo jurídico.
6. O Código de Ética elaborado por este colegiado busco a concisão. Nossa
intenção, mais do que criar um complexo de normas que gerasse difícil
compreensão, foi estatuir princípios e valores que devem pautar a conduta dos
agentes públicos. Jamais tivemos a pretensão de criar uma espécie de ´estatuto
puramente repressivo´. Ao contrário, nosso intento sempre foi a construção de
um modelo de Código de Ética que tivesse por base diretriz pedagógica e a
mudança de cultura por parte dos agentes públicos.
7. Todos esses argumentos me fazem apreciar a consulta em questão com olhos
no Código de Ética recentemente aprovado. Não tomarei por base o Estatuto da
Advocacia ou as normas que regem a profissão de jornalista. Ambos estão no
mundo do direito19, ainda que, obviamente, contemplem valores éticos. Se o
consulente pretende a avaliação do objeto de sua consulta sob o prisma
estritamente legal, deverá se valer dos órgãos estaduais que têm competência
para isso, especialmente aqueles que integram o organograma da Procuradoria
Geral do Estado. Não somos um órgão de consulta jurídica, mas sim de consulta
em termos éticos20”.
Na chamada lei de improbidade administrativa – Lei Federal nº 8.429, de 2-6-
1992 ---, aliás, fica clara a distinção entre esses dois aspectos, quando, em seus arts. 9º
a 11, ao tratar dos atos de improbidade administrativa, distingue os que importam
19
Destaque em negrito no texto original. 20
Destaques, idem.
10
enriquecimento ilícito (art. 9º), dos que resultam em prejuízo ao erário (art. 10º), e,
principalmente, dos que, embora não acarretem num uma coisa nem outra, atentam
contra os princípios da administração pública (art. 11).
Dentre tais princípios destaca-se, à evidência o da moralidade. Consoante o
magistério de JOSÉ AFONSO DA SILVA21: “A probidade administrativa é uma forma de
moralidade administrativa que mereceu consideração especial pela Constituição, que
pune o ímprobo com a suspensão de direitos políticos (art. 37, § 4º). A probidade
administrativa consiste no dever de o ´funcionário servir a Administração com
honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou
facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira
favorecer´. Cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada. A improbidade
administrativa é uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente
vantagem ao ímprobo ou a outrem”.
Todavia, dispondo o art. 11 da lei de improbidade administrativa que “constitui
ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração
pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade,
legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente (...)”, está a dizer que, ainda que
não haja prejuízo ao erário ou enriquecimento ilícito, ou outro tipo de dano material
a terceiro, o agente público responderá pelos atos que violem dos mencionados
princípios, antes de mais nada eminentemente éticos ou morais. Ainda, arrematamos,
que igualmente resvalem em um preceito legal propriamente dito. Ou seja, que
estabeleça formalmente uma obrigação ou dever dotado de outro tipo de sanção
jurídica, e não apenas de reprovação ética ou moral.
2. O Código de Ética: lineamentos básicos e versões discutidas
Por deliberação unânime tomada em reunião da Comissão Geral de Ética do
Governo do Estado de São Paulo ao cabo de dois anos de sua existência, recomendou-
se a elaboração de um sintético e objetivo relatório de suas atividades.
Ao mesmo tempo, todavia, sugerimos que se procedesse, igualmente, a um
relato livre a respeito dessas mesmas atividades, sobretudo, no que concerne à
elaboração de seu mais importante instrumento, qual seja, o Código de Ética da
Administração Pública Estadual, e conforme a ótica particular de cada colaborador na
consecução dessa relevante tarefa.
Fiel, todavia, à brevidade e síntese que devem nortear tais trabalhos, optamos,
de nossa parte, por tratar dos trâmites e inspirações do mencionado Código,
notadamente as técnicas dialéticas empregadas. Se não, vejamos.
21
Apud MARINO PAZZAGLINI FILHO in Lei de Improbidade Administrativa Comentada, Ed. Atlas, SP, 5ª edição, 2011, p. 2.
11
2.1 “A roda já fora inventada”
Com o mesmo propósito de que fôramos imbuído ao ensejo da elaboração do
então anteprojeto do vigente Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal nº 8.078,
de 11-9-1990), partimos da premissa óbvia de que não se trataria de produzir algo
totalmente novo e inédito, porquanto outras unidades da federação brasileira já o
haviam feito, além do próprio governo central, além de empresas públicas e outros
setores específicos da Administração Pública em geral. Ou seja: não se tratava de
reinventar a roda, porquanto já objeto de outros diplomas legais, mas sim de um que
servisse aos nossos propósitos e de acordo com nossas próprias peculiaridades,
atentos, entretanto, aos outros como modelos e inspiração.
Desta forma, analisamos códigos de ética dos Servidores Públicos Civis do
Poder Executivo Federal, da Alta Administração Federal, dos Estados do Amapá,
Alagoas, Bahia, Ceará, Goiás, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais,
bem como outros da Secretaria da Fazenda do Estado de S. Paulo, da Agência de
Desenvolvimento Paulista, do Conselho Estadual de Defesa dos Contribuintes, da
Companhia Energética, o de Conduta Profissional dos Servidores do Instituto de Pesos
e Medidas, dos Servidores Públicos da Fundação Instituto de Terras do Estado de S.
Paulo “José Gomes da Silva”, da SABESP, da Universidade de São Paulo e outros.
Além do mais, nossa Comissão foi prestigiada pelo comparecimento e valiosos
ensinamentos de prestigiosas autoridades no assunto, como os Doutores Américo
Lacombe e João Geraldo Piquet Carneiro, membro da Comissão Federal de Ética e José
Renato Nalini, à época Corregedor Geral da Justiça e hoje Presidente do Egrégio
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Transmitiram-nos suas valiosas
experiências e nos fizeram respeitáveis recomendações de pronto acatadas.
2.2 A gênese do código
O art. 4º, inc. IX do Decreto nº 57.500, de 8-11-2011, que reorganizou a
Corregedoria Geral da Administração Pública do Estado de São Paulo, coloca a
Comissão Geral de Ética como integrante de sua estrutura.
Sua previsão expressa, aliás, está no art. 37, a saber: “Artigo 37 - A Comissão Geral de Ética tem por finalidade promover a ética pública e conhecer das consultas, denúncias e representações formuladas contra agente público por infringência a princípio ou norma ético-profissional, adotando as providências cabíveis, nos termos da Lei n° 10.294, de 20 de abril de 1999, e do Código de Ética da Administração Pública22.”
Em última análise, essa lei dispõe sobre a devida, pelo Estado, e exigida pela população, qualidade dos serviços públicos, bem como de como se deve buscar essa
22
Redação dada pelo art. 3º do Decreto Estadual nº 60.427, de 8-5-2014
12
qualidade. Ou seja, por meio de canais de comunicação estabelecidos entre os órgãos governamentais (i.e., ouvidorias, comissões internas de ética etc.).
Grosso modo, e em se fazendo uma comparação com a qualidade que se busca
em produtos e serviços em geral e a dos serviços públicos, diríamos que se equivalem. Ou seja, qualidade pressupõe não apenas a adequação de um produto ou serviço a uma norma técnica, como também à expectativa do consumidor final.
Ora, o serviço público --- quer aquele propiciado pelas atividades do Poder
Público precípua e diretamente, graças ao custeio propiciado pelos tributos dos cidadãos e mesmo pelas tarifas pagas, por conseguinte, uti universi ---, ou indiretamente pelas empresas permissionárias ou concessionárias, essas mediante preço público tarifados --- uti singuli --, pressupõe boa qualidade. Ou seja, não apenas no que concerne à sua adequação técnica e jurídica, como também à expectativa dos cidadãos ou consumidores, conforme o caso, aí incluída, primordialmente, o preparo dos seus agentes, que devem agir com presteza, cordialidade, imparcialidade, eficiência e outros atributos esperados pelos cidadãos23.
Vê-se, por conseguinte, que ao vincular-se a essa epistemologia, o Código Geral
de Ética visa a, mediante ações de receber e analisar reclamações ou consultas
formuladas contra agentes públicos, auxiliar a Corregedoria Geral da Administração
Pública e, em última análise, ao próprio Governo Estadual, garantir à população
paulista serviços públicos de boa qualidade, já que possibilitados pela sua própria
contribuição tributária24.
23
Cfr. nosso Manual de Direitos do Consumidor, Ed. Atlas, SP, 13ª edição, 2015, p. 91-98 e 616-624. 24 Lei Nº 10.294, de 20 de abril de 1999
Dispõe sobre proteção e defesa do usuário do serviço público do Estado
de São Paulo e dá outras providências - O GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO
PAULO: Faço saber que a Assembleia Legislativa decreta e eu promulgo a
seguinte lei: CAPÍTULO I - Das Disposições Gerais - Artigo 1º - Esta
lei estabelece normas básicas de proteção e defesa do usuário dos
serviços públicos prestados pelo Estado de São Paulo. § 1º - As normas
desta lei visam à tutela dos direitos do usuário e aplicam - se aos
serviços públicos prestados: a) pela Administração Pública direta,
indireta e fundacional; b)pelos órgãos do Ministério Público, quando
no desempenho de função administrativa; c)por particular, mediante
concessão, permissão, autorização ou qualquer outra forma de delegação
por ato administrativo, contrato ou convênio. § 2º - Esta lei se
aplica aos particulares somente no que concerne ao serviço público
delegado. Artigo 2º - Periodicamente o Poder Executivo publicará e
divulgará quadro geral dos serviços públicos prestados pelo Estado de
São Paulo, especificando os órgãos ou entidades responsáveis por sua
realização. Parágrafo único - A periodicidade será, no mínimo, anual.
CAPÍTULO II - Dos Direitos dos Usuários - Seção I - Dos Direitos
Básicos - Artigo 3º - São direitos básicos do usuário: I - a
informação; II - a qualidade na prestação do serviço; III - o controle
adequado do serviço público. Parágrafo único - Vetado. Seção II - Do
Direito à Informação - Artigo 4º - O usuário tem o direito de obter
informações precisas sobre: I - o horário de funcionamento das
unidades administrativas; II - o tipo de atividade exercida em cada
13
órgão, sua localização exata e a indicação do responsável pelo
atendimento ao público; III - os procedimentos para acesso a exames,
formulários e outros dados necessários à prestação do serviço; IV - a
autoridade ou o órgão encarregado de receber queixas, reclamações ou
sugestões; V - a tramitação dos processos administrativos em que
figure como interessado; VI - as decisões proferidas e respectiva
motivação, inclusive opiniões divergentes, constantes de processo
administrativo em que figure como interessado. § 1º - O direito à
informação será sempre assegurado, salvo nas hipóteses de sigilo
previstas na Constituição Federal. § 2º - A notificação, a intimação
ou o aviso relativos à decisão administrativa, que devam ser
formalizados por meio de publicação no órgão oficial, somente serão
feitos a partir do dia em que o respectivo processo estiver disponível
para vista do interessado, na repartição competente. Artigo 5º - Para
assegurar o direito à informação previsto no artigo 4º, o prestador de
serviço público deve oferecer aos usuários acesso a: I - atendimento
pessoal, por telefone ou outra via eletrônica; II - informação
computadorizada, sempre que possível; III - banco de dados referentes
à estrutura dos prestadores de serviço; IV - informações demográficas
e econômicas acaso existentes, inclusive mediante divulgação pelas
redes públicas de comunicação; V - programa de informações, integrante
do Sistema Estadual de Defesa do Usuário de Serviços Públicos -
SEDUSP, a que se refere o artigo 28; VI - minutas de contratos -
padrão redigidas em termos claros, com caracteres ostensivos e
legíveis, de fácil compreensão; VII - sistemas de comunicação visual
adequados, com a utilização de cartazes, indicativos, roteiros,
folhetos explicativos, crachás, além de outros; VIII - informações
relativas à composição das taxas e tarifas cobradas pela prestação de
serviços públicos, recebendo o usuário, em tempo hábil, cobrança por
meio de documento contendo os dados necessários à exata compreensão da
extensão do serviço prestado; IX - banco de dados, de interesse
público, contendo informações quanto a gastos, licitações e
contratações, de modo a permitir acompanhamento e maior controle da
utilização dos recursos públicos por parte do contribuinte. Seção III
- Do Direito à Qualidade do Serviço - Artigo 6º - O usuário faz jus à
prestação de serviços públicos de boa qualidade. Artigo 7º - O direito
à qualidade do serviço exige dos agentes públicos e prestadores de
serviço público: I - urbanidade e respeito no atendimento aos usuários
do serviço; II - atendimento por ordem de chegada, assegurada
prioridade a idosos, grávidas, doentes e deficientes físicos; III -
igualdade de tratamento, vedado qualquer tipo de discriminação; IV -
racionalização na prestação de serviços; V - adequação entre meios e
fins, vedada a imposição de exigências, obrigações, restrições e
sanções não previstas em lei; VI - cumprimento de prazos e normas
procedimentais; VII - fixação e observância de horário e normas
compatíveis com o bom atendimento do usuário; VIII - adoção de medidas
de proteção à saúde ou segurança dos usuários; IX - autenticação de
documentos pelo próprio agente público, à vista dos originais
apresentados pelo usuário, vedada a exigência de reconhecimento de
firma, salvo em caso de dúvida de autenticidade; X - manutenção de
instalações limpas, sinalizadas, acessíveis e adequadas ao serviço ou
atendimento; XI - observância dos Códigos de Ética aplicáveis às
várias categorias de agentes públicos. Parágrafo único - O
planejamento e o desenvolvimento de programas de capacitação gerencial
e tecnológica, na área de recursos humanos, aliados à utilização de
equipamentos modernos, são indispensáveis à boa qualidade do serviço
público. Seção IV - Do Direito ao Controle Adequado do Serviço -
Artigo 8º - O usuário tem direito ao controle adequado do serviço. §
1º - Para assegurar o direito a que se refere este artigo, serão
instituídas em todos os órgãos e entidades prestadores de serviços
14
públicos no Estado de São Paulo: a) Ouvidorias; b) Comissões de Ética.
§ 2º - Serão incluídas nos contratos ou atos, que tenham por objeto a
delegação, a qualquer título, dos serviços públicos a que se refere
esta lei, cláusulas ou condições específicas que assegurem a aplicação
do disposto no § 1º deste artigo. Artigo 9º - Compete à Ouvidoria
avaliar a procedência de sugestões, reclamações e denúncias e
encaminha-las às autoridades competentes, inclusive à Comissão de
Ética, visando à: I - melhoria dos serviços públicos;
II - correção de erros, omissões, desvios ou abusos na prestação dos
serviços públicos; III - apuração de atos de improbidade e de ilícitos
administrativos; IV - prevenção e correção de atos e procedimentos
incompatíveis com os princípios estabelecidos nesta lei; V - proteção
dos direitos dos usuários; VI - garantia da qualidade dos serviços
prestados. Parágrafo único - As Ouvidorias apresentarão à autoridade
superior, que encaminhará ao Governador, relatório semestral de suas
atividades, acompanhado de sugestões para o aprimoramento do serviço
público. Artigo 10 - Cabe às Comissões de Ética conhecer das
consultas, denúncias e representações formuladas contra o servidor
público, por infringência a princípio ou norma ético - profissional,
adotando as providências cabíveis. CAPÍTULO III - Do Processo
Administrativo -
Seção I - Disposições Gerais Artigo 11 - Os prestadores de serviços
públicos responderão pelos danos que seus agentes, nesta qualidade,
causarem ao usuário, a terceiros e, quando for o caso, ao Poder
Público, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos
casos de dolo ou culpa. Artigo 12 - O processo administrativo para
apuração de ato ofensivo às normas desta lei compreende três fases:
instauração, instrução e decisão. Artigo 13 - Os procedimentos
administrativos advindos da presente lei serão impulsionados e
instruídos de ofício e observarão os princípios da igualdade, do
devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, da
celeridade, da economia, da proporcionalidade dos meios aos fins, da
razoabilidade e da boa - fé. Artigo 14 - Todos os atos administrativos
do processo terão forma escrita, com registro em banco de dados
próprio, indicando a data e o local de sua emissão e contendo a
assinatura do agente público responsável. Artigo 15 - Serão observados
os seguintes prazos no processo administrativo, quando outros não
forem estabelecidos em lei: I - 2 (dois) dias, para autuação, juntada
aos autos de quaisquer elementos e outras providências de simples
expediente; II - 4 (quatro) dias, para efetivação de notificação ou
intimação pessoal; III - 5 (cinco) dias, para elaboração de informe
sem caráter técnico; IV - 15 (quinze) dias, para elaboração de
pareceres, perícias e informes técnicos, prorrogáveis por mais 10
(dez) dias a critério da autoridade superior, mediante pedido
fundamentado; V - 5 (cinco) dias, para decisões no curso do processo;
VI - 15 (quinze) dias, a contar do término da instrução, para decisão
final; VII - 10 (dez) dias, para manifestações em geral do usuário ou
providências a seu cargo. Seção II - Da Instauração - Artigo 16 - O
processo administrativo será instaurado de ofício ou mediante
representação de qualquer usuário de serviço público, bem como dos
órgãos ou entidades de defesa do consumidor. Artigo 17 - A instauração
do processo por iniciativa da Administração far-se-á por ato
devidamente fundamentado. Artigo 18 - O requerimento será dirigido à
Ouvidoria do órgão ou entidade responsável pela infração, devendo
conter: I - a identificação do denunciante ou de quem o represente; II
- o domicílio do denunciante ou local para recebimento de
comunicações; III - informações sobre o fato e sua autoria; IV -
indicação das provas de que tenha conhecimento; V - data e assinatura
do denunciante. § 1º - O requerimento verbal deverá ser reduzido a
termo. § 2º - Os prestadores de serviço deverão colocar à disposição
15
do usuário formulários simplificados e de fácil compreensão para a
apresentação do requerimento previsto no “caput” deste artigo,
contendo reclamações e sugestões, ficando facultado ao usuário a sua
utilização. Artigo 19 - Em nenhuma hipótese será recusado o protocolo
de petição, reclamação ou representação formuladas nos termos desta
lei, sob pena de responsabilidade do agente. Artigo 20 - Será
rejeitada, por decisão fundamentada, a representação manifestamente
improcedente. § 1º - Da rejeição caberá recurso no prazo de 10 (dez)
dias a contar da intimação do denunciante ou seu representante. § 2º -
O recurso será dirigido à autoridade superior, por intermédio da que
praticou o ato recorrido, a qual poderá reconsiderar sua decisão ou
faze-lo subir devidamente informado. Artigo 21 - Durante a tramitação
do processo é assegurado ao interessado: I - fazer - se assistir,
facultativamente, por advogado, salvo quando obrigatória a
representação, por força de lei; II - ter vista dos autos e obter
cópia dos documentos nele contidos; III - ter ciência da tramitação do
processo e das decisões nele proferidas, inclusive da respectiva
motivação e das opiniões divergentes; IV - formular alegações e
apresentar documentos, que, juntados aos autos, serão apreciados pelo
órgão responsável pela apuração dos fatos. Seção III - Da Instrução -
Artigo 22 - Para a instrução do processo, a Administração atuará de
ofício, sem prejuízo do direito dos interessados de juntar documentos,
requerer diligências e perícias. Parágrafo único - Os atos de
instrução que exijam a atuação do interessado devem realizar - se do
modo menos oneroso para este. Artigo 23 - Serão assegurados o
contraditório e a ampla defesa, admitindo - se toda e qualquer forma
de prova, salvo as obtidas por meios ilícitos. Artigo 24 - Ao
interessado e ao seu procurador é assegurado o direito de retirar os
autos da repartição ou unidade administrativa, mediante a assinatura
de recibo, durante o prazo para manifestação, salvo na hipótese de
prazo comum. Artigo 25 - Quando for necessária a prestação de
informações ou a apresentação de provas pelos interessados ou
terceiros, estes serão intimados para esse fim, com antecedência
mínima de 3 (três) dias úteis, mencionando - se data, prazo, forma e
condições de atendimento. Parágrafo único - Quando a intimação for
feita ao denunciante para fornecimento de informações ou de documentos
necessários à apreciação e apuração da denúncia, o não atendimento
implicará no arquivamento do processo, se de outro modo o órgão
responsável pelo processo não puder obter os dados solicitados. Artigo
26 - Concluída a instrução, os interessados terão o prazo de 10 (dez)
dias para manifestação pessoal ou por meio de advogado. Seção IV - Da
Decisão - Artigo 27 - O órgão responsável pela apuração de infração
às normas desta lei deverá proferir a decisão que, conforme o caso,
poderá determinar: I - o arquivamento dos autos; II - o encaminhamento
dos autos aos órgãos competentes para apurar os ilícitos
administrativo, civil e criminal, se for o caso; III - a elaboração de
sugestões para melhoria dos serviços públicos, correções de erros,
omissões, desvios ou abusos na prestação dos serviços, prevenção e
correção de atos e procedimentos incompatíveis com as normas desta
lei, bem como proteção dos direitos dos usuários. CAPÍTULO IV - Das
Sanções - Artigo 28 - A infração às normas desta lei sujeitará o
servidor público às sanções previstas no Estatuto dos Funcionários
Públicos Civis do Estado de São Paulo e nos regulamentos das entidades
da Administração indireta e fundacional, sem prejuízo de outras de
natureza administrativa, civil ou penal. Parágrafo único - Para as
entidades particulares delegatárias de serviço público, a qualquer
título, as sanções aplicáveis são as previstas nos respectivos atos de
delegação, com base na legislação vigente. CAPÍTULO V - Do Sistema
Estadual de Defesa do Usuário de Serviços Públicos – SEDUSP - Artigo
29 - Fica instituído o Sistema Estadual de Defesa do Usuário de
16
E, merecendo o devido destaque, seu parágrafo único prescreve que: “A Comissão deverá apresentar ao Presidente da Corregedoria Geral da Administração
Serviços Públicos - SEDUSP, que terá por objetivo criar e assegurar: I
- canal de comunicação direto entre os prestadores de serviços e os
usuários, a fim de aferir o grau de satisfação destes últimos e
estimular a apresentação de sugestões; II - programa integral de
informação para assegurar ao usuário o acompanhamento e fiscalização
do serviço público; III - programa de qualidade adequado, que garanta
os direitos do usuário; IV - programa de educação do usuário,
compreendendo a elaboração de manuais informativos dos seus direitos,
dos procedimentos disponíveis para o seu exercício e dos órgãos e
endereços para apresentação de queixas e sugestões; V - programa de
racionalização e melhoria dos serviços públicos; VI - mecanismos
alternativos e informais de solução de conflitos, inclusive
contemplando formas de liquidação de obrigações decorrentes de danos
na prestação de serviços públicos; VII - programa de incentivo à
participação de associações e órgãos representativos de classes ou
categorias profissionais para defesa dos associados; VIII - programa
de treinamento e valorização dos agentes públicos; IX - programa de
avaliação dos serviços públicos prestados. § 1º - Os dados colhidos
pelo canal de comunicações serão utilizados na realimentação do
programa de informações, com o objetivo de tornar os serviços mais
próximos da expectativa dos usuários. § 2º - O Sistema Estadual de
Defesa do Usuário de Serviços Públicos - SEDUSP divulgará, anualmente,
a lista de órgãos públicos contra os quais houve reclamações em
relação à sua eficiência, indicando, a seguir, os resultados dos
respectivos processos. Artigo 30 - Integram o Sistema Estadual de
Defesa do Usuário de Serviços Públicos - SEDUSP: I - as Ouvidorias; II
- as Comissões de Ética; III - uma Comissão de Centralização das
Informações dos Serviços Públicos do Estado de São Paulo, com
representação dos usuários, que terá por finalidade sistematizar e
controlar todas as informações relativas aos serviços especificados
nesta lei, facilitando o acesso aos dados colhidos; IV - os órgãos
encarregados do desenvolvimento de programas de qualidade do serviço
público. Parágrafo único - O Sistema Estadual de Defesa do Usuário de
Serviços Públicos - SEDUSP atuará de forma integrada com entidades
representativas da sociedade civil. Artigo 31 - Esta lei e suas
Disposições Transitórias entrarão em vigor na data de sua publicação.
CAPÍTULO VI - Das Disposições Transitórias Artigo 1º - As Comissões de
Ética e as Ouvidorias terão sua composição definida em atos
regulamentadores a serem baixados, em suas respectivas esferas
administrativas, pelos chefes do Executivo e do Ministério Público, no
prazo de 60 (sessenta) dias a contar da publicação desta lei. Artigo
2º - Até que seja instituída a Comissão de Centralização das
Informações dos Serviços Públicos do Estado de São Paulo, suas
atribuições serão exercidas pela Fundação Sistema Estadual de Análise
de Dados - SEADE, criada pela Lei nº 1.866, de 4 de dezembro de 1978.
Artigo 3º - A primeira publicação do quadro geral de serviços públicos
prestados pelo Estado de São Paulo deverá ser feita no prazo de 90
(noventa) dias, contados da vigência desta lei. Artigo 4º - A
implantação do programa de avaliação do serviço público será imediata,
devendo ser apresentado o primeiro relatório no prazo de 6 (seis)
meses, contados da vigência desta lei. Palácio dos Bandeirantes, 20 de
abril de 1999. MÁRIO COVAS - Celino Cardoso (Secretário-Chefe da Casa
Civil)- Antonio Angarita (Secretário do Governo e Gestão Estratégica)
Publicada na Assessoria Técnico - Legislativa aos 21 de abril de 1999.
17
proposta de Código de Ética destinado a todos os agentes públicos integrantes de órgãos do Sistema Estadual de Controladoria”.
Ainda de interesse, vejam-se os dispositivos seguintes, ainda em destaque: “Artigo 38 - São atribuições da Comissão Geral de Ética: I - subsidiar o Governador, os Secretários de Estado e o Procurador Geral do Estado em questões que envolvam normas do Código de Ética; II - encaminhar sugestões de aprimoramento do Código de Ética; III - dirimir dúvidas a respeito da interpretação e de casos omissos do Código de Ética; IV - dar ampla divulgação ao Código de Ética; V - responder a consultas de autoridades em matéria regulada pelo Código de Ética. Artigo 39 - Os membros da Comissão Geral de Ética serão designados pelo Governador do Estado, a partir de indicações feitas pelo Presidente da Corregedoria Geral da Administração e aprovadas pelo Secretário-Chefe da Casa Civil. “§ 1º - A participação na Comissão é considerada serviço público relevante não remunerado. § 2º - Os membros da Comissão serão designados para mandato de 3 (três) anos, admitida uma recondução por igual período.25” Aliás, discorrendo sobre os sistemas internos de Controle Interno e Controle Social da Administração Pública, o eminente Dr. GUSTAVO GONÇALVES ÚNGARO, então Presidente da Controladoria Geral do Estado de São Paulo26, enfatizou que: Por certo que a implementação da Lei de Acesso à Informação encontrou cenário favorável para sua efetividade no Estado de São Paulo, vez que vigorava, desde a década de 90, a chamada Lei de Defesa do Usuário do Serviço Público do Estado, a Lei Estadual nº 10.294/99, a reconhecer três direitos básicos do cidadão como usuário de serviços públicos: direito à informação, direito à qualidade do serviço e direito ao controle adequado sobre o serviço prestado, assegurado por meio de ouvidorias e comissões de ética, dentre outras estratégias e instrumentos estabelecidos”. Entendemos, por conseguinte, que nãos pode olvidar da gênese da Comissão
Geral de Ética em pauta, ou seja, a referida Lei de Defesa do Usuário do Serviço Público
do Estado de S. Paulo, de iniciativa do saudoso governador Mário Covas.
2.3 Versão prevalecente - Graças à paciência e boa vontade dos demais
colegas de Comissão, procedemos, então, ao primeiro boneco de código, valendo-nos,
em grande parte, à guisa de modelo e inspiração, nos códigos federal e do Estado de
Alagoas.
O resultado foi, como de resto o fora o primeiro esboço ou versão do
anteprojeto de Código de Defesa do Consumidor, um mal ajambrado monstrengo
contendo nada mais, nada menos que quase uma centena de artigos e dezenas de
incisos, parágrafos e alíneas, e o qual certamente não caberia neste trabalho que,
como já asseverado se pretenda ser curto e objetivo.
25
Redação desses dois parágrafos dada pelo art. 4º do Decreto Estadual nº 60.428, de 8-5-2014. 26
Artigo publicado em obra coletiva, Controle da Administração Pública, pela Corregedoria-Geral do Estado de São Paulo, com a colaboração da FGG-Direito, coordenada por Eloísa Machado, S.P., 2014, págs. 63-71.
18
Embora o teor do Código de Ética, conforme já assinalado, tenha sido fruto de
um consenso entre seus membros, não podemos de assinalar que algumas questões
foram discutidas, porém, não acolhidas.
Referimo-nos, mais especificamente, à questão do lobby ou grupos de pressão,
até o momento não regulamentado, mas certamente existente em todos os níveis da
Administração Pública.
Não se há de negar a legitimidade desses grupos de pressão da sociedade, já
que representam os interesses de suas parcelas significativas e importantes. Nos
Estados Unidos, por exemplo, a questão é regulamentada há décadas, demandando,
entretanto, alguns aprimoramentos27. O que se havia esboçado na ocasião, era algo
bastante modesto, e foi parcialmente regulado no dispositivo que cuida das audiências
concedidas por agentes públicos a particulares, em que são feitas algumas exigências,
conforme se verá em passo seguinte.
3. O Código de Ética na íntegra e breves comentários
DECRETO Nº 60.428, DE 8 DE MAIO DE 2014 Aprova o Código de Ética da Administração Pública Estadual e dá nova redação a dispositivos do Decreto nº 57.500, de 8 de novembro de 2011 GERALDO ALCKMIN, Governador do Estado de São Paulo, no uso de suas atribuições legais, Considerando que a Administração Pública se rege pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, nos termos do artigo 37, “caput”, da Constituição da República; Considerando que o controle dos atos da Administração Pública, imperativo da boa governança, é imprescindível à democracia, constituindo-se em um direito do cidadão; Considerando que o Decreto nº 57.500, de 8 de novembro de 2011, em seu artigo 37, parágrafo único, incumbiu a Comissão Geral de Ética de apresentar proposta de Código de Ética destinado a todos os agentes da Administração Pública; Considerando que, sem prejuízo das normas legais que impõem deveres aos agentes da Administração Pública, existem imperativos éticos que devem ser observados; Considerando que a Comissão Geral de Ética possui atribuições deliberativas e consultivas, podendo formular recomendações; Considerando, por fim, a conveniência de que os membros da Comissão Geral de Ética possuam mandato para o exercício de suas atribuições, Decreta:
27
Cf. nosso Manual de Teoria Geral do Estado e Ciência Política, Ed. Forense, RJ, 8ª edição, 2013
19
Artigo 1º - Fica aprovado o Código de Ética da Administração Pública, na forma do Anexo que faz parte integrante deste decreto. Artigo 2º - O Código de Ética da Administração Pública deverá estar disponível em todos os órgãos e entidades da Administração Pública sujeitos às suas normas, em local visível e de fácil acesso ao público. Artigo 3º - O artigo 37 do Decreto nº 57.500, de 8 de novembro de 2011, passa a vigorar com a seguinte redação: “Artigo 37 - A Comissão Geral de Ética tem por finalidade promover a ética pública e conhecer das consultas, denúncias e representações formuladas contra agente público por infringência a princípio ou norma ético-profissional, adotando as providências cabíveis, nos termos da Lei n° 10.294, de 20 de abril de 1999, e do Código de Ética da Administração Pública.”. Artigo 4º - O artigo 39 do Decreto nº 57.500, de 8 de novembro de 2011, passa a vigorar acrescido do § 2º, ficando designado o atual parágrafo único como § 1º, com a seguinte redação: “§ 1º - A participação na Comissão é considerada serviço público relevante não remunerado. § 2º - Os membros da Comissão serão designados para mandato de 3 (três) anos, admitida uma recondução por igual período.”. Artigo 5º - Este decreto e sua disposição transitória entram em vigor na data de sua publicação. Disposição Transitória Artigo único - O primeiro mandato da Comissão Geral de Ética observará os seguintes períodos, objetivando evitar a coincidência total de mandatos: I - 2 (dois) anos, para 3 (três) membros e 1 (um) suplente; II - 3 (três) anos, para 2 (dois) membros e 1 (um) suplente. Palácio dos Bandeirantes, 8 de maio de 2014 GERALDO ALCKMIN Publicado na Casa Civil, aos 8 de maio de 2014. ANEXO a que se refere o artigo 1º do Decreto nº 60.428, de 8 de maio de 2014
CÓDIGO DE ÉTICA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ESTADUAL
20
Artigo 1º - Todos os agentes da Administração Pública do Estado de São Paulo têm deveres éticos aos quais aderem automaticamente no momento de sua investidura. Além de observar os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, interesse público, cortesia, razoabilidade, finalidade e motivação, devem pautar-se pelos padrões da ética. Artigo 2º - É dever do agente público ter sempre em vista o interesse público e o bem comum, observando, em sua função ou fora dela, a dignidade, o decoro, o zelo e os princípios morais, evitando qualquer conflito de interesses. Artigo 3º - A remuneração do agente público é custeada pelos tributos pagos direta ou indiretamente por todos. Toda pessoa tem direito a ser tratada com atenção, cortesia e eficiência pelos agentes públicos.
Comentário: a) Primeiramente é mister que se diga que se preferiu a terminologia agente da Administração Pública a servidor ou funcionário público, já que mais consentânea com a responsabilidade exigida de cada personagem que exerce funções públicas com vistas à consecução do bem comum que deve ser buscado pelo Estado. Valor esse --- bem comum ---, que nada mais é do que a circunstância de o poder público constituído, por intermédio de seus agentes, propiciar as condições indispensáveis para que a população se realize plenamente dos pontos de vista biológico e psíquico.28. Ou seja, desempenho o melhor possível em benefício daqueles que, afinal de constas, lhes paga os subsídios. b) Em segundo lugar, anotamos que, além dos preceitos insculpidos na Constituição Federal no que concerne aos princípios norteadores da Administração Pública (e.g., art. 37), imprimiu-se com destaque a expressão padrões de ética. Ética, como tivemos já ocasião de expressar linhas atrás, no sentido do respeito a princípios que ultrapassam as normas jurídicas propriamente ditas, e dizem respeito à honestidade, decência, pudor, escrúpulo, busca do bem, boa fé, equidade, equilíbrio, sobriedade, dentre outros.
Artigo 4º - A observância do interesse público, especialmente no que diz respeito à proteção e manutenção do patrimônio público, implica o dever de abster-se o agente público de qualquer ato que importe em enriquecimento ilícito, gere prejuízo à Fazenda Pública, atente contra os princípios da Administração Pública ou viole direito de particular.
Comentário: Outra vertente do código de ética sob comento diz respeito à proteção e manutenção do patrimônio público, consistente no erário e bens de quaisquer natureza. essenciais para a própria consecução dos fins visados pelo Poder Público e que, por conseguinte, deve ficar longe da cobiça e alcance de apetites inconfessáveis e antirrepublicanos, seja de agentes públicos, seja de particulares. Cuida-se, até por razões óbvias, de lembrete assaz evidente e demonstrável por si só, de reforço ao combate à corrução, que tantos males
28
Cf. nosso Manual de Teoria Geral do Estado e Ciência Política, Ed. Forense, RJ, 8ª edição, 2013, capítulo referente aos Elementos Constitutivos do Estado.
21
têm causado à Administração Pública e, em última análise, ao povo, destinatário dos serviços por ela geridos. E já que se tocou no termo republicano, foi no período do Segundo Reinado do Brasil que encontramos verdadeiro exemplo dessas virtudes. Com efeito, ao falar do perfil e caráter de D. Pedro II, LAURENTINO GOMES29 ressalta que: “Do pai, herdou a austeridade no uso do dinheiro público. A dotação da família real, de oitocentos contos por ano, nunca mudou durante todo o Segundo Reinado e acabou corroída pela inflação. No início representava 3% da despesa do governo central. No final, estava reduzida a 0,5%. Para não depender de dinheiro público, recorria a empréstimos dos amigos e aliados. Foram 24 empréstimos no total. Em 1867, mandou descontar 25% de sua dotação orçamentária como contribuição para o esforço de guerra contra o Paraguai. Também usava o dinheiro para custear bolsas de estudos no exterior para jovens que julgava talentosos. Ao todo, 151 estudantes obtiveram ajuda de custo do imperador, 41 dos quais para estágios fora do país. Entre eles estavam os pintores Pedro Américo e Almeida Júnior e a carioca Maria Augusta Generoso. Estrela, primeira brasileira a obter o diploma de Medicina (formada em Nova York, porque até então o ensino superior era proibido para mulheres no Brasil). ´Nada devo, e quando contraio uma dívida cuido logo de pagá-la´, anotou dom Pedro II em seu diário. ´E a escrituração de todas as despesas de minha casa pode ser examinada a qualquer hora. Não ajunto dinheiro´. Como pai, era também meticuloso na administração dos negócios públicos. Envolvia-se em tudo, mesmo nos detalhes mais insignificantes. Essa característica fazia dele ´um modelo de empregado público, um exemplar burocrata, (...) sisudo, metódico, pautado, grave...”, na definição do folclorista potiguar Luís da Câmara Cascudo”.
Artigo 5º - Os nomeados, designados ou contratados para cargos, funções ou empregos de direção, nos órgãos e entidades da Administração Pública, afirmam, desde a investidura, conhecer as normas deste Código, comprometendo-se a cumpri-las integralmente.
Comentário: Embora os princípios éticos, conforme já tivemos ocasião de salientar no início deste trabalho, sejam praticamente intuídos por todos, só que não respeitados por muitos, a norma estabelecida nesse artigo ora comentado faz pressupor esse conhecimento adrede colocado a qualquer agente da Administração Pública seja conditio sine qua non para um bom e integral cumprimento de seus deveres.
Artigo 6º - O agente público não utilizará bens ou recursos públicos, humanos ou materiais, para fins pessoais, particulares, políticos ou partidários, nem se valerá de sua função para obtenção de qualquer tipo de vantagem.
Comentário: A lamentável confusão entre coisa públicas e privadas, fruto de nosso atávico patrimonialismo, exige, com efeito, que essa regra se apresente
29
1889: como um imperador cansado, um marechal vaidoso e um professor injustiçado contribuíram para o fim da Monarquia e a Proclamação da República no Brasil. Editora Globo S/A, SP, 2013, p. 126.
22
de maneira clara e objetiva. Ou seja, proscrevendo qualquer tipo de, em última análise, peculato material ou mesmo de uso. Quem é que desconhece, por exemplo, designadamente em épocas de pleitos eleitorais, a utilização de máquinas de terraplenagem e tratores de Prefeituras Municipais em propriedades rurais de “amigos” do prefeito? Ou, então, a utilização de material de informática, impressos e outros artigos de escritório, ainda à guisa de exemplificação, para atender a trabalhos de cunho pessoal do agente público? Ou então, como escreveu, tout court, CAPISTRANO DE ABREU em seu projeto de constituição: “Art. 1º - Todo brasileiro deve ter vergonha na cara. Art. 2º - Revogam-se as disposições em contrário”!
Artigo 7º - O agente público deverá esclarecer a existência de eventual conflito de interesses, bem como comunicar qualquer circunstância, suspeição ou fato impeditivo de sua participação em decisão individual ou em órgão colegiado.
Comentário: Da mesma maneira como ocorre junto aos órgãos do Poder Judiciário, quando julgadores se dão por suspeitos ou impedidos dadas determinadas circunstâncias previstas pela legislação processual, o que se visa com esse dispositivo é que também o agente público se declare suspeito ou impedido de firmar decisões, seja no plano individual, seja no coletivo, quando sentir haver um desses motivos impedientes. Lembramo-nos, particularmente, à guisa de exemplo, ainda, que quando exercíamos o cargo de Procurador Geral de Justiça do Estado de S. Paulo, e, por conseguinte, por força de lei, Presidente da Banca de Concurso de Ingresso na Carreira do Ministério Público, demo-nos como impedido em dois certames, em que o então nosso futuro genro concorria, legando a presidência à nossa então substituta automática.
Artigo 8º - O agente público não poderá receber salário, remuneração, transporte, hospedagem ou favor de particular que possa caracterizar conflito de interesses ou violação de dever. Parágrafo único - O agente público pode participar de seminários, congressos e eventos, desde que a remuneração, vantagens ou despesas de viagem não sejam pagas por pessoa que, de forma direta ou indireta, possa ser beneficiada por ato ou decisão de sua competência funcional.
Comentário: É cediço que agentes públicos, exatamente em decorrência de seu conhecimento e preparo técnicos em determinadas áreas da Administração Público são frequentemente convidados a proferirem palestras, conferências ou aulas sobre determinados assuntos. Assim, longe de se pretender vedar, pura, simples e secamente essas atividades, até porque se comprometeria até mesmo a difusão de conhecimento aos interessados, o que se fez foi, apenas, traçar alguns parâmetros para essas apresentações. Destarte, o caput contemplou a vedação de percepção de salário, remuneração, transporte, hospedagem ou favor de particulares, nessas circunstâncias, mas apenas quando essa aceitação puder caracterizar conflito de interesses ou violação de dever. Embora certamente de difícil solução, o que se espera é que cada qual,
23
no foro de sua consciência, possa aceitar ou rejeitar essas prebendas. O parágrafo único do art. 8º, aliás, abre uma perspectiva para que se tenha um divisor de águas, a saber: a participação em eventos por agente público até poderão receber as referidas vantagens, mas desde que o ofertante, de forma direta ou indireta, possa ser beneficiado por ato ou decisão de sua competência funcional. Somente em casos e hipóteses concretas, todavia, é que a Comissão Geral de Ética, entendemos nós, poderá manifestar-se num ou noutro sentido. Isto é, recomendando que o agente público se abstenha de aceitar convites desse tipo ou, ao contrário, de que não o obsta.
Artigo 9º - O agente público não receberá presentes, salvo nos casos protocolares. Parágrafo único - Não se consideram presentes os brindes que não tenham valor comercial; ou não tenham valor elevado e sejam distribuídos a título de cortesia, divulgação, ou por ocasião de eventos especiais ou datas comemorativas.
Comentário: Permitimo-nos trazer à baila nesse comentário um exemplo
igualmente ocorrido conosco quando do exercício do cargo de Procurador
Geral de Justiça do Estado de S. Paulo. Meses após ter eu assumido a chefia do
Ministério Público de São Paulo recebi um telefonema do Cônsul Geral da
República da Coreia do Sul que, muito respeitoso, me consultava sobre a
possibilidade de recebê-lo em audiência, bem como ao Procurador Geral da
República daquele país. É evidente que respondi que seria um prazer e uma
honra recebe-los, e assim foi feto, numa tarde. Após conversarmos a respeito
das características dos Ministérios Públicos de lá e cá, evidentemente com a
ajuda de um intérprete bem como do próprio cônsul que já falava bem nosso
idioma, fomos surpreendido pela oferta muito respeitosa a mim de um par de
um par de brincos de puro ouro. Explicou-me o colega coreano que eram uma
réplica dos que haviam sido usados por uma imperatriz do século XV, e que se
sentiria honrado se os aceitasse. O assessor Promotor de Justiça que me
acompanhava não pôde conter um sorriso, quase uma risada, uma vez que o
presente foi enfaticamente ---- ou assim foi traduzido --- para mim ou, como
interpretei, para minha esposa, recentemente falecida. Expliquei-lhe que não
poderia aceitar a gentilíssima oferta pessoalmente, mas sim em nome do
Ministério Público do Estado de São Paulo, ao que estranhou, mas depois
entendeu, mediante as explicações do cônsul, ele também, como “quase já
brasileiro honorário”, entendedor da reação do meu assessor. Pedi a este,
então, que formalizasse o termo de doação, e determinei que a preciosa joia
fosse guardara no cofre forte da Instituição. Em contrapartida, ofereci ao
colega Procurador Geral da Coreia do Sul, um modesto volume da história do
Estado de São Paulo editado pela Imprensa Oficial do Estado, ao que agradeceu
efusivamente.
24
Artigo 10 – Os órgãos e entidades da Administração Pública deverá manter registro de todas as reuniões e audiências, conferindo-lhes publicidade; havendo presença de particulares, deverão participar, sempre que possível, ao menos dois agentes públicos.
Comentário: Referida regra é prevista em norma federal, de forma bastante detalhada, e por isso merece aqui ser trazida à colação em nota de rodapé30. No Ministério Público do Estado de S. Paulo, aliás, sempre adotamos essa cautela, cabendo ainda recordar inusitada norma, hoje não mais vigente, baixada pela então Corregedoria Geral daquela Instituição, que exigia que seus membros, Promotores e Procuradores de Justiça trabalhassem, sempre, de portas abertas, determinação essa vigente até a década de 90 do século passado.
Artigo 11 - As divergências entre os agentes públicos serão solucionadas mediante coordenação administrativa, não cabendo manifestação pública sobre matéria estranha à área de atuação de cada um e nem críticas de ordem pessoal.
30 DECRETO Nº 4.334, DE 12 DE AGOSTO DE 2002 – Dispõe sobre as audiências concedidas a
particulares por agentes públicos em exercício na Administração Pública Federal direta, nas autarquias e fundações federais.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, incisos II e VI, alínea "a", da Constituição, DECRETA: Art. 1
o Este Decreto disciplina as audiências concedidas a particulares por
agentes públicos em exercício na Administração Pública Federal direta, nas autarquias e nas fundações públicas federais. Parágrafo único. Para os fins deste Decreto, considera-se: I - agente público todo aquele, civil ou militar, que por força de lei, contrato ou qualquer outro ato jurídico detenha atribuição de se manifestar ou decidir sobre ato ou fato sujeito à sua área de atuação; e II - particular todo aquele que, mesmo ocupante de cargo ou função pública, solicite audiência para tratar de interesse privado seu ou de terceiros. Art. 2
o O pedido de audiência efetuado por particular deverá ser dirigido ao agente
público, por escrito, por meio de fax ou meio eletrônico, indicando: I - a identificação do requerente; II - data e hora em que pretende ser ouvido e, quando for o caso, as razões da urgência; III - o assunto a ser abordado; e IV - a identificação de acompanhantes, se houver, e seu interesse no assunto. Art. 3
o As
audiências de que trata este Decreto terão sempre caráter oficial, ainda que realizadas fora do local de trabalho, devendo o agente público: I - estar acompanhado nas audiências de pelo menos um outro servidor público ou militar; e II - manter registro específico das audiências, com a relação das pessoas presentes e os assuntos tratados. Parágrafo único. Na audiência a se realizar fora do local de trabalho, o agente público pode dispensar o acompanhamento de servidor público ou militar, sempre que reputar desnecessário, em função do tema a ser tratado. Art. 4
o As normas deste Decreto não geram direito a
audiência. Art. 5o Este Decreto não se aplica: I - às audiências realizadas para tratar de matérias
relacionadas à administração tributária, à supervisão bancária, à segurança e a outras sujeitas a sigilo legal; e II - às hipóteses de atendimento aberto ao público. Art. 6
o Este Decreto entra em vigor trinta
dias após sua publicação. Art. 7o Ficam revogados os Decretos n
os 4.232, de 14 de maio de 2002, 4.268,
de 12 de junho de 2002, e o parágrafo único do art. 12 do Decreto no 4.081, de 11 de janeiro de
2002.Brasília, 12 de agosto de 2002; 181o da Independência e 114
o da República. FERNANDO HENRIQUE
CARDOSO - Pedro Parente (Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 13.8.2002).
25
Comentário: Antes de se cuidar de uma norma ética, cuida-se de regra de civilidade e compostura que deve governar o relacionamento entre agentes públicos, especialmente no que diz respeito a matérias sob seus cuidados, devendo abster-se de manifestações públicas a respeito, exceto no afã de bem informar o público, se não se cuidar de questão sigilosa, bem como de outras matérias fora de seu âmbito de atuação ou, ainda, de críticas a colegas, o que pode caracterizar, igualmente, assédio moral.
Artigo 12 - Compete à Comissão Geral de Ética: I – instaurar, de ofício ou em razão de denúncia fundamentada, procedimento para apuração de violação deste Código, nos termos dos artigos 11 e seguintes da Lei nº 10.294, de 20 de abril de 1999; II – sugerir resoluções, com caráter geral, em matéria de ética pública; III – fazer recomendações aos agentes e órgãos públicos, nos casos que lhe forem submetidos; IV – responder às consultas que lhe forem encaminhadas por agentes e órgãos públicos; V – requisitar informações e colher depoimentos; VI – elaborar seu regimento interno.
Comentários: Embora o dispositivo em pauta seja autoexplicativo, impende salientar ao ensejo que a Comissão Geral de Ética não é investida de poder punitivo, circunstância essa que ficou clara desde suas primeiras reuniões bem como à luz dos ensinamentos das ilustres pessoas que foram ouvidas. Cabe-lhe, isto sim, à vista de questão que chegue ao seu conhecimento, ou mesmo de ofício, instaurar procedimentos com o fito de, quando o caso, fazer recomendações a órgãos públicos, responder a consultas que lhe sejam formuladas e, principalmente a nosso ver, sugerir resoluções de caráter geral em matéria de ética pública. E, para tanto, tem a prerrogativa de requisitar informações e colher depoimentos. Além disso, no que tange a questões de gestão interna, incumbe-lhe elaborar seu regimento interno e, certamente, resolução de caráter administrativo interno.
Artigo 13 - Havendo indício de violação deste Código, a Comissão dará ciência ao respectivo agente, que poderá manifestar-se no prazo de quinze dias. § 1º - Durante a apuração, que terá caráter de informalidade e oralidade, usando preferencialmente meios eletrônicos, poderão ser produzidas provas documentais, promovidas diligências, colhidos depoimentos e, se for o caso, solicitada manifestação de especialistas.
26
§ 2º - Ao final da instrução, o agente poderá oferecer alegações finais, no prazo de sete dias. § 3º - A conclusão da Comissão, com suas recomendações, será comunicada ao interessado e encaminhada à autoridade imediatamente superior para que, em caso de procedência, possa tomaras providências cabíveis. § 4º - Aplica-se subsidiariamente, no que couber, o disposto na Lei estadual nº 10.294, de 20 de abril de 1999.
Comentário: Aqui também o dispositivo, que trata do procedimento das questões apreciadas pela Comissão Geral de Ética, é autoexplicativo. Trata-se, além do mais, de normatização bastante singela, objetiva e desburocratizada, de molde a dar andamento rápido e consistente a reclamações, consultas, denúncias ao cabo das quais são expedidas recomendações ou resoluções.
Artigo 14 - Este Código se aplica sem prejuízo de outros Códigos de Ética existentes em órgãos ou entidade da Administração Pública do Estado de São Paulo.
Comentário: Conforme já afirmamos noutro passo, a roda já estava inventada e, por conseguinte, cuidamos de reinventá-la mas, sim, de elaborar a nossa, de acordo com as diretrizes, estudos e inspirações hauridos no decorrer dos trabalhos desenvolvidos. E o presente artigo nada mais faz do que reconhecer essa realidade, ao dizer que o Código Geral de Ética respeita os demais que os precederam ou venham a sucedê-lo, mas se aplica sem prejuízo daqueles.
(Publicado novamente o anexo do decreto por ter saído com incorreções) Publicação: DOE-I 09/05/2014, p. 3 Retificação: DOE-I 10/05/2014, p. 1
4. Substituição do art. 12 da versão original
4.1 Breve retrospecto - O Decreto nº 60.428, de 8-5-2014, que aprovou o
Código Geral de Ética (como anexo), fora publicado no Diário Oficial do Estado, edição
do dia seguinte, exatamente como proposto pelos membros da Comissão Geral de
Ética.
Ou seja, dispondo, designadamente o seu art. 12 que: “Art. 12 – Após deixar a
Administração, o agente não deverá, pelo prazo de seis meses, agir em benefício de
pessoa física ou jurídica em matéria tratada em suas funções ou de qual detenha
informações não divulgadas publicamente”.
27
4.2 Surpreendentemente, entretanto, no dia seguinte, 10-5-2014, foi ele
republicado, simplesmente com a supressão de seu art. 12, substituído pelo
dispositivo que trata dos procedimentos internos da Comissão. Ou seja, dispondo que:
-“Art. 12 - Compete à Comissão Geral de Ética: I – instaurar, de ofício ou em razão de
denúncia fundamentada, procedimento para apuração de violação deste Código, nos
termos dos artigos 11 e seguintes da Lei nº 10.294, de 20 de abril de 1999; II – sugerir
resoluções, com caráter geral, em matéria de ética pública; III – fazer recomendações
aos agentes e órgãos públicos, nos casos que lhe forem submetidos; IV – responder às
consultas que lhe forem encaminhadas por agentes e órgãos públicos; V – requisitar
informações e colher depoimentos; VI – elaborar seu regimento interno.
4.3 Nossa nova visão - Não obstante a indignação de todos os integrantes da
comissão, sobremodo, a brilhante manifestação exarada pela estimada colega de
comissão, Professora Doutora Odete Medauar, permitimo-nos inicialmente ponderar
que o dispositivo omitido se inspirou claramente, se bem que em parte, em outro de
teor semelhante no âmbito da Comissão Federal de Ética, ou seja, o Decreto Federal nº
4.187, de 8-4-2002, que visava exatamente a regulamentar os arts. 6º e 7º da Medida
Provisória nº 2.225-45, de 4 de setembro de 2001.
Salientamos de início, outrossim, que todos os demais pontos questionados
quanto ao anteprojeto de Código de Ética foram rebatidos com admirável proficiência
e brilhantismo pela referida colega de Comissão, e acatados pelas instâncias
competentes, em parecer datado de 16 de janeiro de 2014.
O foco, por conseguinte, é apenas o artigo 12 do referido Código, que fora
suprimido em uma publicação posterior. Se não, vejamos.
Conforme disposto pelo Decreto Federal nº 4.187/2002, art. 2º: “Os titulares
de cargos de Ministro de Estado, de Natureza Especial e do Grupo – Direção e
Assessoramento Superiores – DAS, nível 6, e as autoridades equivalentes, que
tenham tido acesso a informações que possam ter repercussão econômica, ficam
impedidos de exercer atividades ou de prestar qualquer serviço no setor de sua
atuação, por um período de quatro meses, contados da exoneração. § 1º - As
autoridades referidas no caput, e dentro do prazo nele estabelecido, estão ainda
impedidas de: I – aceitar cargo de administrador ou conselheiro, ou estabelecer vínculo
profissional com pessoa física ou jurídica com a qual tenham mantido relacionamento
oficial direto e relevante nos seis meses anteriores á exoneração; e II – patrocinar,
direta ou indiretamente, interesse de pessoa física ou jurídica perante órgão ou
entidade da Administração Pública Federal com que tenham tido relacionamento
oficial direto e relevante nos seis meses anteriores à exoneração. § 2º - Incluem-se no
período a que se refere o caput eventuais períodos de férias não gozadas”.
28
Todavia, no âmbito federal, mediante Medida Provisória, previram-se algumas
salvaguardas para essas hipóteses, sobretudo, a percepção das mesmas vantagens de
quando o exonerado estava no cargo respectivo, a saber:
“Art. 4º - Durante o período de impedimento, as autoridades referidas no art.
2º ficam vinculadas ao órgão ou à autarquia em que atuaram e somente
fazem jus a remuneração compensatória equivalente à do cargo que
ocupavam, cujas despesas correrão por conta dos respectivos orçamentos de
custeio. § 1º - O servidor público federal pode optar pelo retorno ao
desempenho das funções de seu cargo efetivo nos casos em que não houver
conflito de interesse, hipótese em que não faz jus à remuneração a que se
refere o caput. § 2º - A opção a que se refere o § 1º deve ser comunicada à
unidade de pessoal do órgão ou da autarquia em que o servidor exerceu o cargo
de Ministro de Estado ou o cargo em comissão. § 3º - O servidor que não fizer a
opção prevista no § 1º tem apenas o direito de receber a remuneração
equivalente àquela que percebia à época em que exercia o cargo de Ministro de
Estado ou o cargo em comissão”.
4.4 Necessidade de lei específica – Posteriormente, todavia, sobreveio a Lei
Federal nº 12.813, aos 16 de maio de 2013, a qual especificamente dispôs sobre o
conflito de interesses no exercício de cargo ou emprego do Poder Executivo federal e
impedimentos posteriores ao exercício do cargo ou emprego; e revogou dispositivos da
Lei nº 9.986, de 18 de julho de 2000, e das Medidas Provisórias nºs. 2.216-37, de 31 de
agosto de 2001, e 2.225-45, de 4 de setembro de 2001.
Essa lei, em suma, estabelece as situações em que Ministros de Estado,
ocupantes de cargos ou funções de natureza especial ou equivalentes, presidentes,
vice-presidentes e diretores, ou equivalentes, de autarquias, fundações públicas,
empresas públicas ou sociedades de economia mista, além de Grupo-Direção e
Assessoramento Superiores-DAS, níveis 6 e 5 ou equivalentes, devem cumprir em
quarentena um período de 6 (seis) meses, pressupondo-se, em última análise, que
haveria, caso contrário, conflitos de interesses.
Com efeito, seu art. 6º dispõe que:
“Art. 6º - Configura conflito de interesses após o exercício de cargo ou emprego
no âmbito do Poder Executivo Federal:
I – a qualquer tempo, divulgar ou fazer uso de informação privilegiada obtida
em razão das atividades exercidas; e
II – no período de 6 (seis) meses, contado da data da dispensa, exoneração,
destituição, demissão ou aposentadoria, salvo quando expressamente
29
autorizado, conforme o caso, pela Comissão de Ética Pública ou pela
Controladoria-Geral da União:
a) Prestar, direta ou indiretamente, qualquer tipo de serviço a pessoa física ou
jurídica com quem tenha estabelecido relacionamento relevante em razão
do exercício do cargo ou emprego;
b) Aceitar cargo de administrador ou conselheiro ou estabelecer vínculo
profissional com pessoa física ou jurídica que desempenhe atividade
relacionada à área de competência do cargo ou emprego ocupado;
c) Celebrar com órgãos ou entidades do Poder Execução federal contratos de
serviço, consultoria, assessoramento ou atividades similares, vinculadas,
ainda que indiretamente, ao órgão ou entidade em que tenha ocupado o
cargo ou emprego; ou
d) Intervir, direta ou indiretamente, em favor de interesse privado perante
órgão ou entidade em que haja ocupado cargo ou emprego ou com o qual
tenha estabelecido relacionamento relevante em razão do exercício do
cargo ou emprego.”.
Seu art. 7º, todavia, que estabelecia que “durante o período de impedimento de
que trata o inciso II do art. 6º, não será devida por órgão ou entidade do Poder
Executivo federal qualquer remuneração compensatória”, foi vetado pela Presidência
da República, nos seguintes termos:
“A vedação de que o Poder Executivo remunere o ex-ocupante de cargo ou
emprego público durante o período de seis meses, no qual as restrições pela
lei podem vir a impedi-lo de trabalhar, não é razoável e pode levar a um
desinteresse futuro na ocupação de funções públicas”.
Os parágrafos do mesmo art. 7º da referida Lei Federal nº 12.813, de 16-5-
2013, todavia, haviam deixado em aberto alguma possibilidade de remuneração, ad
referendum da Comissão de Ética Pública, a saber:
“§ 1º - Os agentes públicos referidos nos incisos I a IV do art. 2º não ocupantes
de cargos efetivos poderão ser autorizados pela Comissão de Ética Pública a
receber valor equivalente ao da remuneração do cargo, quando caracterizada,
a juízo da Comissão, a impossibilidade do exercício de atividade não conflitante
com o desempenho das atribuições do cargo ou emprego por eles ocupado.
§ 2º - O pagamento de que trata o § 1º será de responsabilidade do órgão ou
entidade ao qual o agente público se encontrava vinculado.
30
§ 3º - Os agentes que sejam servidores públicos ocupantes de cargos de
provimento efetivo ou emprego público, se não tiverem assumido outro cargo
ou se aposentado, reassumirão o exercício do cargo ou emprego de origem.
§ 4º - A autorização referida no § 1º será concedida mediante requerimento do
agente público, que deverá ser apreciado pela Comissão no prazo de até 30
(trinta) dias, com efeitos financeiros, em caso de deferimento, a contar da data
do pedido”.
4.5 Geração de despesas – Ora, sem embargo do veto oposto à regra que
vedava a remuneração pós-saída de agentes públicos de órgãos ou entidades
governamentais federais, embora com ressalvas, isto quer dizer que, submetidos eles
ao regime de quarentena, farão jus, durante esse período, a remuneração
compensatória equivalente à do cargo que ocupavam, cujas despesas correrão por
conta dos respectivos orçamentos de custeio, em última análise.
Trazendo a questão agora para o âmbito do nosso Estado, permitimo-nos
aduzir que, consoante disposto pelo inc. XVII do art. 47 da Constituição do Estado de S.
Paulo, que define as atribuições do Governador, é de sua competência privativa
“enviar à Assembleia Legislativa projetos de lei relativos ao plano plurianual,
diretrizes orçamentárias, orçamento anual, dívida pública e operações de crédito”.
Também no seu art. 169, a Constituição Estadual estabelece que: “A despesa de
pessoal ativo e inativo ficará sujeita aos limites estabelecidos na lei complementar a
que se refere o artigo 169 da Constituição Federal”.
E seu parágrafo único merece destaque, a saber:
“A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação
de cargos ou a alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão de
pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta
ou indireta, inclusive fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público, só
poderão ser feitas:
1. Se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às
projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes;
2. Se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias,
ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista”.
31
4.6 Previsão legal – Quer-nos parecer, portanto, que o dispositivo omitido na
republicação do decreto que institui a Comissão Geral de Ética, somente poderia ser
acolhido pelo Sr. Governador do Estado, caso a quarentena tivesse sido disciplinado
por lei específica, de sua iniciativa, sobretudo, prevendo-se o pagamento de subsídios
aos que a ela se submetessem.
4.7 Questão já apreciada com base no art. 12 suprimido – Em face dessas
considerações, permitimo-nos igualmente ponderar que isso em nada muda a visão do
ilustre membro desta Comissão, Dr. Luiz Fernando do Amaral, quando apreciou
consulta formulada por agente público de primeiro escalão do governo estadual,
quanto ao exercício da advocacia e jornalismo, após deixar o cargo que ocupava.
Apenas o fundamento é que deverá ser, com a devida vênia, a ética em geral, como
conduta desejada e exigível conforme nosso Código de Ética, e não especificamente o
questionado art. 12 de que ora cuidamos.
São Paulo, maio de 2015.