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Complicações em prostatectomia radical videolaparoscópica
Mirandolino B. Mariano
Membro Titular da Sociedade Brasileira de Urologia
Vice-Presidente da Sociedade Brasileira de Videocirurgia
Endereço para correspondência Rua Costa 30/803 CCHMD/ Porto Alegre, RS
Cep:90110-270 Fone (51)32302730 Fax (51) 32317247.
Marcos V. Tefilli
Médico do Serviço de Urologia do Hospital Mãe de Deus, Porto Alegre, RS
Fellow em Uro-Oncologia pela Wayne State University, MI, USA
Endereço para correspondência: Rua Costa 30/ 604 – CCHMD/Porto Alegre, RS
CEP: Fone: (51) 3230-2676/ Fax: (51) 3230-2675.
Introdução
Desde sua introdução no meio urológico no início da década de 90, todos
os procedimentos urológicos abertos tem sido realizados por laparoscopia. No
início, apenas procedimentos diagnósticos eram realizados, tendo avançado
progressivamente para procedimentos ablativos complexos e, mais recentemente,
procedimentos reconstrutivos que são realizados em bases quase rotineiras por
alguns serviços. Apesar do maior tempo cirúrgico consumido, necessidade de
treinamento específico, logística e custos envolvidos com procedimentos
laparoscópicos, a redução da morbidade e menor período de recuperação são
vantagens evidentes e muito bem documentadas dos procedimentos cirúrgicos
minimamente invasivos.
Prostatectomia radical é hoje o tratamento mais eficaz para carcinoma
prostático localizado e é o tratamento recomendado pela maioria dos urologistas
para seus pacientes.
A abordagem laparoscópica é hoje responsável por até 25% das
prostatectomias radicais realizadas, tornando-se a terceira técnica mais utilizada e
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com potencial exponencial de crescimento no tratamento do carcinoma localizado
da próstata. Embora ainda faltem dados oncológicos finais, baseado nas séries
atuais, parece provável que os resultados preencherão as expectativas.
Adicionalmente, questões relacionadas a qualidade de vida, que entraram em
destaque na cirurgia oncológica, são favoráveis a cirurgia laparoscópica,
particularmente em termos de estresse operatório, morbidade e retorno as
atividades habituais. Entretanto, complicações cirúrgicas potenciais inerentes ao
procedimento laparoscópico em si e curva de aprendizado tem sido descritas e
serão discutidas.
Complicações possíveis e suas incidências
Complicações das mais variadas tem sido relatadas em até 35% dos casos,
sendo a maioria de pequena repercussão clínica: hipercarbia, hemoperitôneo ou
hematomas pélvicos, lesões retais e ureterais, fístulas urinárias, acidentes de
punção como lesões de alças intestinais ou de vasos epigástricos, íleo pós-
operatório prolongado, estenoses da anastomose uretro-vesical, hidroceles etc.
Mortalidade tem sido relatada em torno de 0,5 a 1%, sempre relacionadas a
condições cardíacas ou casos de embolia pulmonar.
1. Complicações intra-operatórias
1.1 Tempo cirúrgico
Embora o tempo cirúrgico médio das primeiras prostatectomias radicais, no
início dos anos 90, foi de 9 horas, atualmente, vários grupos conseguiram
padronizar o procedimento e, após um período de aprendizado, conseguiram
reduzir o tempo cirúrgico para 2 a 4 horas. Além do treinamento do cirurgião,
outros fatores que influenciam no tempo cirúrgico são o tamanho da próstata,
extensão da doença neoplásica, dissecção linfonodal, prostatectomias radicais
com robô e preservação nervosa no protocolo cirúrgico que aumentariam o tempo
cirúrgico.
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1.2 Sangramento
A prostatectomia radical aberta é uma cirurgia que apresenta potencial de
sangramento, com algumas séries de prostatectomias radicais retropúbcas
relatando taxas de hemorragia média de até 800 ml e índices de transfusão de 9 a
12%.
A abordagem laparoscópica reduz o sangramento intra-operatório,
principalmente devido a elevação da pressão intra-abdominal que resulta em
compressão de veias pélvicas, hemostasia meticulosa que se impõe, melhores
condições de iluminação e visualização magnificada, sendo o sangramento médio
em torno de 300 ml. Fatores que influenciam no sangramento trans-operatório da
prostatectomia radical laparoscópica são o treinamento do cirurgião, a técnica
empregada e o estadiamento da neoplasia.
Os índices de transfusões reduzem-se a medida que aumentamos nossa
experiência com o método reduzindo-se de 18% nos primeiros 50 pacientes, para
menos de 3% após a realização de 100 casos. Quando o complexo da veia dorsal
é seccionado e a seguir secciona-se a uretra, utilizando-se a técnica retrógrada
ascendente, o índice de sangramento é mais alto se comparado a técnica
anterógrada descendente. O índice de transfusão sangüínea cai de 45% em
tumores pT3 para menos de 15% em tumores pT2. Esta perda sangüínea em
menor quantidade explicaria os baixos índices de complicações cárdio-vasculares
como infartos e acidentes vasculares cerebrais, além de índices de mortalidade
próximos de zero.
Os pontos nevrálgicos para sangramento em prostatectomia radical, tanto
aberta como laparoscópica, residem no momento do controle do complexo da veia
dorsal do pênis e na ligadura dos pedículos prostáticos laterais. A ligadura segura
do complexo da veia dorsal do pênis é realizada com a boa visualização lateral do
plexo venoso e de seu limite inferior junto a uretra, imagem clara e precisa durante
a cirurgia laparoscópica. Adicionalmente, temos utilizado uma sonda metálica
uretral neste tempo da cirurgia para identificação uretral precisa e passagem
segura da sutura. A ligadura dos pedículos prostáticos arteriais laterais pode ser
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feita seguramente com bisturi harmônico, cautério bipolar ou utilizando clips a
escolha do cirurgião.
Outra causa de sangramento são as lesões de vasos epigástricos pelo
trocarte, fato que pode ocorrer em até 5% dos casos. Em geral ocorrem em
indivíduos obesos onde os vasos epigástricos não são bem identificados por
transiluminação. Para reduzir esta complicação, sugerimos revisar o sítio dos
trocartes antes da sua retirada com pneumoperitônio ainda insuflado; se houver
sangramento, em nossa opinião, é ilusória as tentativas de eletrocagulação, sendo
mais apropriado a passagem de uma sutura transfixante.
1.3 Lesões retais
Lesões retais são complicações potenciais de prostatectomia radical, sendo
descritas em séries de prostatectomias radicais laparoscópicas com índices de 0 a
9%. Elas geralmente ocorrem no final da excisão da glândula prostática, ou
durante a dissecção dos pedículos laterais ou na secção do músculo reto uretralis
junto ao ápice prostático. Fatores que predispõem a lesões retais são aqueles
associados a fibrose peri-prostática como cirurgias prostáticas ou retais prévias,
radioterapia e infecções. Hormonioterapia neoadjuvante distorce os planos
teciduais periprostáticos e dificulta a dissecção cirúrgica, bem como tumores
localmente avançados.
Quando reconhecida no trans-operatório, deverão ser corrigidas por
laparoscopia com sutura primária, sendo a área da sutura “reforçada” com epíplon
ou gordura pré-peritoneal. A maioria dos casos evoluem bem com sutura primária
e eventualmente colostomia protetora, se necessário, dependendo da extensão da
lesão e grau de contaminação local.
1.4 Lesões ureterais
Os índices de lesões ureterais são da ordem de 0,5% em prostatectomias
radicais laparoscópicas, ocorrendo predominantemente em três situações: 1)
quando confundimos o ducto deferente com o ureter, somente ocorre em
indivíduos pouco treinados, ou 2) quando há RTU prévia o que impossibilita a
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visualização adequada dos meatos ureterais junto ao colo vesical; 3) quando o
ureter é envolvido na anastomose uretro-vesical.
O tratamento consiste no reimplante ureteral laparoscópico. Em casos
selecionados, quando o ureter está envolvido na anastomose uretrovesical e é
identificado, podemos desfazer a sutura, liberar o ureter e refazer a anastomose.
Alternativamente podemos recosntruir com a raquete posterior afastando os
meatos ureterais da área da anastomose.
1.5 Complicações da anastomose uretro-vesical
A anastomose uretrovesical é a parte tecnicamente mais exigente do
procedimento. Embora a laparoscopia proporcione condições de luminosidade e
magnificação ideais para a sutura, a colocação precisa das mesmas depende de
treinamento em sutura intracorpórea que precisa ser padronizada para ganharmos
tempo. Pode-se utilizar pontos separados ou sutura contínua, a qual temos dado
preferência em nossos casos já que reduz o número de nós, presumivelmente
facilitando o procedimento e ganhando tempo. A dissecção adequada da uretra,
mantendo-se um bom coto, e a preparação adequada do colo vesical, sem lesão
traumática ou coagulação excessiva do mesmo, são fatores fundamentais no
sucesso da anastomose.
1.6 Índice de conversão
O índice de conversão tem sido na faixa de 2,4% (0 a 14%)
predominantemente por razões técnicas como sangramento, aderências ou tempo
cirúrgico excessivo, sem complicações de alta gravidade tendo sido relatadas.
1.7 Hipercarbia
Muitas das alterações sistêmicas relacionadas à laparoscopia ocorrem
durante a instituição e manutenção do pneumoperitôneo, sendo agravadas pela
posição de Trendelemburg acentuado exigido para cirurgias pélvicas.
A posição de Trendelemburg, especialmente se associada a
pneumoperitôneo, reduz o retorno venoso aumentando a incidência de
complicações tromboembólicas e contribui com uma série de alterações
cardiovasculares. Edema facial de proporções consideráveis são muito comuns
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após cirurgias laparoscópicas pélvicas reduzindo-se consideravelmente após as
primeiras horas de pós-operatório.
O CO2, o gás mais utilizado atualmente em laparoscopia, é absorvido
gerando acidose e outras alterações metabólicas. Atualmente, modernos
insufladores mandam CO2 aquecido e mantém as pressões intra-abdominais
constantes durante todo o procedimento, sendo de grande valia para cirurgias de
longa duração. Também é fato que somente pequenas alterações sistêmicas
ocorrem se a pressão intra-abdominal é mantida abaixo de 18 mmHg. Os efeitos
de altas pressões intra-abdominais seriam de aumento da pressão intratorácica e
da resistência vascular, causando aumento da resistência pulmonar e vascular,
com redução do débito cardíaco. Isto levaria a aumentos nas concentrações
séricas de catecolaminas e cortisol.
A pressão intra-abdominal em nossas cirurgias tem sido limitada a 12
mmHg, podendo ser elevada até 18 mmHg se necessário por dificuldades
técnicas. Sempre que isto for necessário, o anestesista tem papel importante pois
necessita ajustar o mecanismo ventilatório e ficar atento para hipercarbia.
Outro fator que deve sempre ser considerado em relação a hipercarbia é o
tipo de abordagem cirúrgica. A insuflação retroperitoneal de CO2 tem maior
potencial para acúmulo de CO2 em vista que o retroperitôneo oferece uma
barreira menos eficaz a difusão do CO2, é mais vascularizado e contém mais
tecido adiposo.
1.8 Tromboembolismo
A combinação de cirurgia laparoscópica pélvica e neoplasia aumenta o
risco de tromboembolismo. A profilaxia é realizada com heparina subcutânea,
compressão de panturrilhas e mobilicação precoce no pós-operatório. Com estas
medidas básicas, os índices realtados em cirurgias laparoscópicas de
prostatectomia radical tem sido de 0,3%.
2. Complicações pós-operatórias e tardias
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2.1 Internação hospitalar
O período de internação hospitalar pós prostatectomia radical laparoscópica
depende nitidamente do sistema de saúde. Em séries européias o período médio
de internação foi de 4 dias (2 a 15 dias), já em séries americanas o período de
internação foi de 1,6 dia. Classicamente sabe-se que no sistema europeu as
internações são mais longas, já que na prostatectomia radical aberta, o período de
internção é, respectivamente, 14,2 dias contra 4 dias no sistemas europeu e
americano.
2.2 Tempo de sondagem
A sonda vesical tem sido removida entre o 20 e 100 pós-operatório
em 85% dos casos, baseado unicamente na análise subjetiva do cirurgião em
relação a sua anastomose. Em alguns casos com extravasamento, o cateter
poderá ser mantido até o 140 dia da cirurgia (10% dos casos). Em 5% dos casos
pode-se necessitar manter a sonda vesical por até 21 dias secundária a drenagem
supra-púbica com resolução espontânea. A retirada muito precoce da sonda
vesical é associada com altos índices de retenção urinária, provavelmente
relacionada a edema local, sendo de 100% para dias um e dois, caindo para 25%
a partir do terceiro dia pós-operatório e 3% quando retirada após o quarto dia da
cirurgia.
2.3 Fístula uretro-retal
Quando não reconhecida no trans-operatório ou quando ocorre falha no
reparo primário, a complicação estabelecida é a fístula uretro-retal, fato que ocorre
em 15 a 25% das vezes em que uma lesão retal é suturada por via laparoscópica.
O diagnóstico é suspeito por fecalúria, pneumatúria ou diarréia com urina e
estabelecido por cistoscopia e exame digital retal. Conduta conservadora com
colostomia derivativa por até três meses tem sido a abordagem inicial destes
casos, desde que não haja quadro septico associado. Entretanto, cabe salientar
que o fechamento espontâneo é extremamente raro e a maioria dos pacientes
requer tratamento cirúrgico para a resolução do caso. Abordagens abdominais
(aberta ou laparoscópica), perineais ou posteriores transesfincterianas tem sido
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utilizadas para correção destas fístulas reto-uretrais, embora não haja um
consenso sobre a melhor abordagem terapêutica.
O procedimento para fechamento das fístulas reto-urinárias aos nossos
cuidados tem sido abdominal via laparoscópica, apesar de reconhecermos que a
abordagem sagital transesfinctérica seja uma boa opção. Utilizando a via
laparoscópica transperitoneal acessa-se posteriormente entre a bexiga e o reto,
realiza-se a cistostomia com identificação dos meatos ureterais e trajeto fistuloso
que é ressecado; fecha-se o reto em dois planos, interpõe-se epíplon ou outro
tecido local e fecha-se a bexiga.
Em casos selecionados de pacientes com pequena fístula retouretral de
baixo débito e sem quadro sético associado, podemos tentar manejo conservador
com sondagem vesical de demora e correção primária da fistula via laparoscopica
ou transretal sem a utilização de colostomia protetora.
2.4 Lesão ureteral tardia
A clínica, quando a lesão não é identificada no trans-operatório, é de
hidronefrose com seus comemorativos (dor lombar, febre, etc) ou fístula urinária
com acúmulo de urina no peritôneo e abdômen agudo ou íleo adinâmico com
elevação nos níveis séricos de creatinina. Em casos em que os dois ureteres são
envolvidos na anastomose uretro-vesical, a clínica será de anúria obstrutiva. O
tratamento, geralmente, é o reimplante ureteral laparoscópico.
2.5 Fístula urinária e esclerose do colo vesical
Em relação a complicações relacionadas a anastomose uretrovescial
laparoscópica, tem-se relatado um índice de vazamento anastomótico em torno de
10%, a imensa maioria delas se resolve espontaneamente com drenagem vesical
e manutenção do dreno supra-púbico. Raramente é necessária a revisão cirúrgica,
aberta ou laparoscópica, da anastomose uretrovesical nestes casos.
O índice de fístulas urinárias da anastomose uretrovesical, são baixos em
prostatectomias radicais laparoscópicas, estando em torno de 1%, fato este
relacionado possivelmente as condições de luminosidade e magnificação que
facilitam tecnicamente o procedimento.
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A laparoscopia permite sutura precisa da mucosa vesical e uretra,
reduzindo os casos de estenose da anastomose uretrovescial que nas séries
laparoscópicas estão em torno de 2 a 3% comparado com 7 a 9% nas cirurgias
abertas.
As estenoses da anastomose uretro-vesical pós-prostatectomia radical
laparoscópica são tratadas com dilatação coaxial ou incisão endoscópica.
2.6 Re-intervenções
Re-intervenções estariam na faixa de 2,7% (0,3 a 7,7%), requerendo
cirurgia aberta em 1,4% das vezes, revisões laparoscopicas em 0,2% e
intervenções endourológicas em 1,1%. As indicações mais comuns para este tipo
de procedimento são extravasamento urinário (2,4%), sangramento (2,2%) e
lesões retais (1,7%).
2.7 Continência urinária
As taxas de continência urinária pós prostatectomia radical aberta tem
índices variáveis de 31% a 92%. Esta variação é explicada por diferenças nas
definições de continência, métodos de avaliação e experiência cirúrgica do grupo
que realizou.
Na maioria das séries laparoscópica relatadas, os índices de controle
urinário tem estado aos 3, 6 e 12 meses em torno de 58%, 68% e 82 a 91%,
respectivamente. Devemos lembrar que os índices de continência urinária são
maiores e melhores em indivíduos mais jovens e nos quais se preservou os feixes
vásculo-nervosos.
Alguns autores tem relatado que os pacientes adquirem controle urinário
mais precoce pós-prostatectomia radical laparoscópica quando comparados com
cirurgia aberta retropúbica. (1,2)
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2.8 Função sexual
Os índices de preservação da função sexual variam amplamente desde
11% a 85% nas séries relatadas de prostatectomias radicais retropúbicas.
Novamente, os índices de recuperação da função sexual relacionaram-se com
faixa etária e preservação dos feixes vásculo-nervosos. Também houve
recuperação gradativa temporal com análise aos 3, 6, 12 e 18 meses com índices
variando de 38%, 54%, 73% e 86% nas melhores séries relatadas. Nas séries
laparoscópicas relatadas, os índices de função erétil médio tem sido de 59% em 6
meses.
2.9 Controle oncológico
2.9.1. Margens positivas
Juntamente com questões relacionadas à qualidade de vida (potência e
continência), a remoção completa da próstata e vesículas seminais com a
obtenção de margens cirúrgicas livres de tumor são os principais objetivos da
prostatectomia radical.
A localização anatômica da próstata na pélvis limita a possibilidade de
ressecções amplas durante prostatectomia radical. Além do mais, nos
procedimentos com preservação dos feixes neurovasculares pode-se aumentar
ainda mais os riscos de margens positivas, estando estas claramente associadas
com taxas de recorrência bioquímica e progressão sistêmica.
Além do diagnóstico precoce, que gerou uma grande mudança no perfil de
pacientes que se submetem a tratamento cirúrgico de câncer prostático, a técnica
cirúrgica tem importância fundamental na obtenção destes bons resultados em
termos de controle local da doença e redução dos índices de margens positivas.
As taxas de margens positivas variam amplamente na literatura de 5% a
45% dependendo de estádio tumoral, grau de diferenciação do tumor, técnica
utilizada e treinamento do cirurgião.
A boa documentação da cirurgia laparoscópica em vídeo, nos permite
revisão posterior nos casos de margens positivas, podendo identificar falhas
técnicas e proporcionar melhoria cirúrgica com redução de margens positivas e
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melhor controle oncológico em casos de tumores localizados de próstata (margem
iatrogênica). A margem positiva em pacientes com tumores T1/2, é a única
situação em que o cirurgião tem influência direta e decisiva sobre o prognóstico e
controle da doença.
Porque os resultados oncológicos a longo prazo das prostatectomias
radicais laparoscópicas ainda não estão dispóníveis, as magens cirúrgicas
representam hoje um critério direto para controle cirúrgico da doença neoplásica e
normatização da técnica laparoscópica.
Para prostatectomia radical laparoscópica, que é uma técnica recente,
princípios cirúrgicos sólidos são os principais fatores em termos de margens
cirúrgicas. Dois princípios técnicos tem sido sugeridos para melhorar os índices
de margens cirúrgicas: 1) a transecção uretral é realizada no final do procedimento
após a liberação dos dois feixes vásculo-nervosos, facilitando a dissecção apical
pois a próstata está completamente livre; 2) exame macroscópico da peça
cirúrgica antes de iniciar a anastomose uretro-vesical,o que permitiria a obtenção
de biópsias de congelação de áreas suspeitas.
Outro aspecto importante em relação as margens cirúrgicas em
prostatectomias radicais laparoscópicas diz respeito ao controle tumoral local. Em
vista de que as séries relatadas de prostatectomias radicais laparoscópicas não
tem seguimento adequado em termos de tempo para comparação com
prostatectomias radicais retropúbicas, o estudo das margens cirúrgicas no
espécime passa a ter uma grande importância em termos de informações sobre
controle oncológico.
Os índices de margens positivas em prostatectomias radicais retropúbicas
varia de 16% a 28% para tumores pT2 até 47% a 52% para tumores pT3. Se
considerarmos pacientes com tumores não palpáveis e diagnosticados por PSA
elevado, os índices de margens positivas poderão ser tão baixos quanto 8%.
Em várias séries de prostatectomias radicais laparoscópicas, os índices de
margens postivas tem sido muito semelhantes aos descritos para prostatectomias
retropúbicas, dependendo basicamente da extensão da doença. A média de
margens positivas para tumores pT1/pT2 tem sido entre 11% e 26%, sendo em
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média 4% para pT1/pT2a, 18% para pT2b; observando-se margem cirúrgica
positiva única em 17% dos casos e múltiplas em até 10% dos casos. Para tumores
estádio avançado, os índices são de 33% a 39% para pT3a, 81% para pT3b e
100% para T4. As localizações mais comuns de margens positivas em
prostatectomias radicais laparoscópicas tem sido apicais em 70%, basais em 10%,
póstero-lateral em 10%, anterior em 5% e múltiplas em 5%.
Menção especial deverá ser dada a chamada prostatectomia laparoscópica
intra-fascial descrita pelo grupo do Dr. Gaston (Clinique St Augustin, Bordeaux).
Alguns passos são chave na realização da técnica intra-fascial: 1) não realiza-se
abertura da reflexão da fáscia endopélvica; 2) presevação do colo vesical; 3)
secção de estruturas próximas do feixe neurovascular a frio; 4) dissecção da
fáscia peri-prostática; 5) controle do complexo da veia dorsal do pênis após a
secção uretral. Prostatectomia radical intra-fascial aumenta os riscos de incisão
intracapsular e margens positivas. Os índices gerais de margens positivas foram
de 30%, a maior relatada na literatura de prostatectomias radicais laparoscópicas,
especialmente para tumores pT2 (24%). Os autores defendem sua técnica
justificando que: 1) a maioria das suas margens são focais (59%) e não teriam
implicação prognóstica maior; 2) alguns pacientes com margens positivas na peça
cirúrgica não teriam correspondência no leito cirúrgico já que células seriam
destruídas por isquemia ou injúria tecidual cirúrgica; 3) a margem cirúrgica positiva
na peça poderia ser iatrogênica, sem extensão extra-capsular, e não atingiria
novamente o leito cirúrgico (ex. manipulação cirúrgica por instrumentos). De fato,
embora esta técnica demonstre resultados muito bons em relação a continência
urinária (95% aos seis meses) e função sexual (58,5% em 12 meses), os
resultados em termos de controle oncológico necessitam de mais tempo antes que
se possa oferecer esta técnica no lugar da técnica laparoscópica clássica de
preservação do feixe neurovascular (interfascial).
O valor da biópsia de congelação em prostatectomia radical laparoscópica
tem sido alvo de estudo por alguns autores, sendo negativo para doença maligna
em pelo menos 80% dos casos e mostrando resultados positivos de 6% para
margens apicais, 0,5% para colo vesical e 1% para área lateral (feixes
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neurovasculares). Especialmente no ápice prostático, o uso de biópsias de
congelação podem reduzir os índices de margens positivas de 8% para 3%,
podendo predizer acuradamente o estado das margens em até 95% dos casos.
Portanto, as biópsias de congelação trans-operatórias só são recomendadas para
redução de margens positivas a nível de ápice prostático, sendo de baixo valor
para margens de colo e laterais.
Em vista de que muitas vezes a margem positiva não representa
progressão bioquímica obrigatória, alguns autores sugerem que o uso rotineiro de
biópsias de congelação no trans-operatório de prostatectomias radicais
laparoscópicas poderia refletir de maneira mais confiável doença residual. Em até
48% dos pacientes com margens positivas no espécime cirúrgico no estudo de
Dillemburg e cols, não se encontrou doença residual nas biópsias de congelação
sugerindo que a biópsia de congelação nos mostrou o real estado residual da
doença.
Em relação a margens positivas e biópsias de congelação para
prostatectomias radicais laparoscópicas intra-fasciais, relato de Gaëlle e
Cathelineau merece menção; estes mostraram uma taxa de margens positivas
póstero-laterais de 17,2%, sendo a incidência de tumor residual no feixe vásculo-
nervoso ressecado de 29,7%. Concluem que margem positiva em biópsias de
congelação póstero-laterais são muito associadas com tumor residual em feixe
vásculo-nervoso com implicações oncológicas. Definem também que se estas
margens póstero-laterais forem de até 1 mm, não se associariam com invasão de
feixe vásculo-nervoso em nenhum dos casos, sendo o inverso verdadeiro, quanto
mais extensa ao exame de congelação, maior a chance de invasão do feixe
neurovascular.
Margem cirúrgica positiva pós-prostatectomia radical é definida com
extensão de tumor até a margem inkada ou marcada do espécime cirúrgico ao
exame microscópico, sendo consideradas fatores prognósticos independentes
para recidiva local e doença sistêmica. Apesar de alguma controvérsia, alguns
fatos são bem aceitos em relação a margens positivas: 1) multifocalidade: se
forem multifocais resultam em taxas de progressão maiores do que se forem
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solitárias, bem como se forem extensas terão pior prognóstico do que se forem
focais; 2) localização: alguns acham que a localização da margem positiva não é
significativo, tendo todas os mesmos riscos de progressão, outros consideram
margens no colo vesical e póstero-laterais como tendo maior risco de progressão,
considerando margens apicais como as de menor agressividade. No entanto,
alguns pacientes com margens positivas não progridem pós-prostatectomia
radical. Explicações para este fato são: 1) mínima doença residual destruída pelo
cautério ou injúria cirúrgica com isquemia, 2) a margem positiva na peça foi
limítrofe e não deixou doença residual no paciente, 3) o tumor irá progredir mais
tardiamente.
O estado cirúrgico das margens pós-prostatectomia radical depende da
extensão do tumor e de detalhes técnicos. Fatores que se correlacionam com
índices de margens positivas são o PSA > 10 ng/ml, Gleason > que 7 e estádio
patológico > pT3a, existindo também diferenças na localização das margens
positivas dependendo da técnica cirúrgica utilizada, sendo mais apicais nas
prostatectomias retropúbicas, junto ao colo vesical nas prostatectomias perineais e
póstero-laterais nas prostatectomias laparoscópicas.
Abbou demonstrou que a boa dissecção apical com secção dos ligamentos
pubo prostáticos e a não preservação do colo vesical reduziu seus índices de
margens positivas para 0% no colo vesical e de 12% para 6% a nível apical. A
preservação dos feixes vásculo nervosos não modificou seus índices de margens
positivas sendo este o sítio mais comum de margem positivas em sua série (8%).
2.9.2. Recorrência bioquímica
Os índices de recorrência bioquímica, definido com PSA acima de 0,1 ng/ml
em pelo menos duas medidas, pós prostatectomia radical laparoscópica tem
ficado na faixa de a 11% para pacientes com doença clinicamente localizada e
seguimento de até 5 anos, taxas estas superponíveis as estatísticas das grandes
séries de prostatectomias radicais retropúbicas.
Se observados mais especificamente, os índices de recorrências
bioquímicas em prostatectomias radicais laparoscópicas tem sido de 8,6% (4 a
15,3%) para pT2 e 17,5% (15 a 20,6%) para pT3 em períodos de até 5 anos. As
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taxas de sobrevida livres de doença de 92% para pT2aN0; 88% para pT2bN0;
77% para pT3aN0; 44% para pT3bN0 e 50% para pT1-3N1. As prostatectomias
radicais abertas apresentam índices de controle bioquímico de 88% a 93% para
pT1-2N0, 75% para pT3aN0 e 47% para pacientes com invasão de vesículas
seminais.
2.9.3. Recorrência local
O tópico dos riscos de recidiva local pós cirurgia urológica laparoscópica,
especialmente prostatectomias radicais, tem sido muito discutido. Na realidade, as
metástases parietais ou em portais relatadas em pacientes com câncer e tratados
por laparoscopia, são esporádicas e principalmente em tumores ginecológicos e
gastrotrointestinais, muitos deles mais relacionados a agressividade do tumor
primário e biologia tumoral. Em favor da laparoscopia, estão os raros casos de
implante de células prostáticas tumorais nos trajetos da biópsias transretais de
próstata e implantes vesicais ou uretrais pós RTU de próstata para pacientes com
tumores avançados, o que sinaliza com uma baixa propensão para implante de
células tumorais prostáticas em leitos cirúrgicos. Não há relatos de implantes em
portais de prostatectomias radicais laparoscópicas até o momento.
Reconhecimento e análise da complexidade das complicações
A prostatectomia radical é considerada uma cirurgia de baixa morbidade e
com excelentes resultados oncológicos. A redução adicional dos índices de
complicações com a abordagem laparoscópica hoje é uma realidade irrefutável e
com vantagens, uma vez vencida a curva de aprendizado. O conhecimento
antômico e das complicações potenciais pode nos auxiliar no desenvolvimento de
artifícios técnicos na prevenção das mesmas, já que vantagens com magnificação
e iluminação perfeitas, associadas ao efeito tamponante do pneumoperitônio são
únicas da laparoscopia.
A ligadura do complexo da veia dorsal do pênis é um dos pontos chaves na
prostatectomia radical laparoscópica. Se passada adequadamente a sutura com
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fio trasnfixante o sangramento é mínimo, principalmente associado ao efeito
tamponante da pressão exercida pelo CO2 sobre o sistema venoso. Se a sutura
do complexo soltar, em geral o sangramento é facilmente controlado com nova
passagem da sutura agulhada, uma vez que o sistema venoso encontra-se
colapsado pelo pneumoperitôneo.
A dissecção precisa do colo vesical e do ápice prostático são chaves na
obtenção de margens negativas e preservação do controle urinário. A localização
do colo vesical e sua junção com a próstata não é tão nítida e utilizamos algumas
manobras para ajudar sua identificação: inflar o balonete da sonda e tracioná-la ou
manobras gentis com a sonda metálica usando sua ponta para definir a área a ser
seccionada. A dissecção do ápice prostático é chave na preservação da
continência, potência sexual e obtenção de margens negativas. Novamente
utilizamos o recurso da sonda metálica para nos auxiliar na identificação do coto
uretral, sendo os feixes neurovasculares gentilmente afastados lateralmente.
Após a abertura da uretra anteriormente, a ponta da sonda metálica é
exteriorizada e completa-se a secção posterior da uretra e músculo reto-uretral. A
secção adequada do reto-uretral é chave para prevenir-se lesões retais neste
tempo cirúrgico.
Na reconstrução uretro-vesical, além da colocação precisa de suturas
uretrais, cuidado adicional é necessário na passagem da sutura junto ao trígono
vesical para evitar lesão inadvertida dos meatos ureterais. Temos como rotina
visualização dos meatos, utilizando estímulo da diurese neste tempo cirúrgico.
Conclusão
Prostatectomia radical é considerada pela maioria dos urologistas como
sendo o tratamento padrão para o carcinoma prostático localizado oferecendo
índices elevados de cura por períodos superiores a 10 anos. A prostatectomia
radical retropúbica, com princípios anatômicos como descrita por Walsh, tem sido
o padrão cirúrgico aceito mundialmente, obtendo controle oncológico com baixos
índices de incontinência e disfunção sexual. A laparoscopia tem sido incorporada
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ao armamentário urológico como uma opção, combinando os princípios da
prostatectomia radical anatômica às vantagens da cirurgia minimamente invasiva.
Há uma clara tendência a redução nas taxas de complicações pós-
operatórias em todas as séries publicadas de prostatectomias radicais
laparoscópicas de índices gerais de 25% para aproximadamente 3% após os 50
casos iniciais.
Referências bibliográficas
1) Mariano MB, Goldraich IH, Tefilli MV: Experiência com 450
prostatectomias radicais laparoscópicas. Int B J Urol 2005; supl espec
30: 68.
2) Galli S, Simonato A, Bozzola A et al: Oncologic outcome and continence
recovery after laparoscopic radical prostatectomy: 3 years` follow-up in a
“second generation center”. Eur Urol 2006; 49:859-65.
3) Guillonneau B, Cathelineau X, Doublet JD, Vallancien G: Laparoscopic
radical prostatectomy: the lessons learned. J Endourol 2001, 15:441-
445.
4) Türk I, Deger S, Winkemann B et al: Laparoscopic radical prostatectomy:
technical aspects and experience with 125 cases. Eur Urol 2001, 40:46-
53.
5) Rassweiller J, Stolzenburg T, Sulser S et al: Laparoscopic radical
prostatectomy – the experience of the German Laparoscopic Working
Group. Eur Urol 2006, 49:113-119.
6) Guillonneau B, Rozet F, Cathelineau X, Lay F, Barret E, Doublet J-D,
Baumert H, Vallancien G: Perioperative complications of laparoscopic
radical prostatectomy: The Montsouris 3-year experience. J Urol 2002,
167(1):51-56.
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Tabela–1. Taxas de complicações em 600 prostatectomias radicais
videolaparoscópicas / Série dos autores /
Total de complicações 6,29
Reoperações 0,66
Conversão 1,66
TVP 0,33
Lesão ureteral 0,16
Lesão vesical 0,33
Fístula anastomótica 0,16
Lesão retal 0,50
Lesão ileocolônica 0,16
Íleo pós-operatório 2,00
Retenção urinária 0,16
Morte 0,66
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Tabela–2. Taxas de resultados em 600 prostatectomias radicais
videolaparoscópicas / Série dos autores /
Controle bioquímico (PSA < 0,2 ng/dL) 88,33
Continência urinária* 88,00
Potencia** 74,00
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*Considerado como completa em pacientes que não utilizam nenhum tipo de
proteção.
**Disfunção erétil é considerada em pacientes que necessitam droga
vasoativa Intracavernosa ou prótese peniana para intercurso sexual.