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Castelo Branco Científi ca - Ano III - Nº 06 - julho/dezembro de 2014 - www.castelobrancocientifi ca.com.br 1
Faculdade Castelo Branco ISSN 2316-4255
CONGO: A IDENTIDADE ÉTNICO CULTURAL
DO ESPÍRITO SANTO
Advalter Pereira1Lucas Almeida1
Mismana Machado1Roldney Carvalho1
Wesley Alves1Rogério Costa dos Reis2
RESUMO
O Brasil é um grande mosaico cultural repleto de diversas manifestações linguísticas, religiosas,
culinárias. Esse aspecto entrelaça-se com a história de cada região, portanto com a sua identidade. A
soma de todos os critérios da miscigenação de europeus, índios e negros resulta a criação de, não
somente um novo homem, um rico empreendedor de idéias, movimentos e legados. Oriundo deste
processo aflora o congo – manifestação peculiar do Espírito Santo. Aspecto este que não se apresenta
apenas como uma dança, um rito ou uma história: é o aspecto de caráter histórico e folclórico do nosso
estado. É o reflexo de um povo, cuja bagagem étnica mantém além da epiderme. Atinge patamares
religiosos e preenche as diversas lacunas da sociedade espírito-santense. Para tanto, justificamos nesta
pesquisa que o congo é a nossa identidade mais característica.
PALAVRAS-CHAVE: Identidade. Manifestação Cultural. Congo do Espírito Santo.
INTRODUÇÃO
Pode-se dizer que o estudo étnico cultural do Congo insere-se num processo histórico e geográfico do
Espírito Santo. É um aspecto típico deste estado e, portanto mantido por este povo. E interessante notar
1Alunos do curso de História da faculdade Castelo Branco, Colatina-ES. E-mail: advalter22@hotmail.com /
lucasalmeida_02@hotmail.com / mismana_cm@hotmail.com /
roldneycarvalho@hotmail.com / wesleyalvestecsegtrab@gmail.com
2 M.Sc. Gestão Integrada de Território, Historiador, professor da Faculdade Castelo Branco, Colatina-ES. E-mail:
rogerio.costa.reis@hotmail.com
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que “A diversidade dos testemunhos históricos é quase infinita. Tudo o que o homem diz ou escreve,
tudo que fabrica, tudo que toca, pode e deve informar sobre ele” (BLOCH 2002, p. 79). E, por ser feito
por mentes distintas, a congada apresenta-se de maneiras mais diversas. O congo mostra-se
interessante por suas milhares de faces. Destarte, as sociedades são marcadas por suas manifestações
culturais e, assim: “Os fragmentos do passado humano reunidos em nossa mente e em nossos livros
pelo trabalho de muitas gerações, começam aos poucos, a se encaixar num quadro consistente da
historia e do universo humano em geral” (ELIAS, 1993, p. 263) Seguindo por menores, as experiências
e vivências de um povo confundem com sua própria história. Desta forma, fez-se necessário a pesquisa
histórica do Espírito Santo em sua vertente cultural, sob consulta bibliografia e documental, no estudo
de campo, no levantamento historiográfico e iconográfico concomitantemente de todos os objetos
citados
MATERIAL E MÉTODOS
A pesquisa em questão foi pautada sob análise historiográfica da escola Annales. Desta forma,
analisamos os aspectos etnológicos – o estudo da minoria, que, por vezes, não possui voz - entrelaçado
com outras vertentes científicas do entendimento humano. Tendo por objetos históricos, além das
próprias comunidades visitadas, os instrumentos musicais e as diversas pinturas decorativas desta
mesma sociedade. Na busca de conhecer mais sobre o congo nos pautamos nossa pesquisa na
observação, entrevista e levantamento bibliográfico. A análise de campo se ateve a questionamentos,
entrevistas, registros fotográficos, observância e a análise de causa, dos aspectos etnográficos e
culturais daquelas pessoas cuja própria existência co-dependem da manifestação do congo.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Para se entender o congo basta compreender como se deu a própria colonização do solo espírito-
santense. Ou seja, esta manifestação folclórica decorre da simbiose cultural de índios, africanos e
europeus. As bandas de congo nada mais são do que “grupos de homens simples, a cantar, quase sem
descanso, ao som de cuícas, bombos, chocalhos, congos e casacas – instrumentos rudes, fabricados por
esses mesmos homens rudes.” (NEVES, 1980). Os membros da congada, os quais Neves cita,
discorrem principalmente sobre assuntos da natureza, amor e principalmente sobre a sua religiosidade
– aspecto este que nunca se apresenta alheio à vida de seus colaboradores. Mais do que conjunto
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musical, o congo é o perfeito reflexo do sincretismo que ocorreu no Espírito Santo. Como vimos, é um
aspecto religioso atrelado ao exercício de contar histórias, é uma brincadeira e principalmente a forma
mais concisa de remeter a um passado recheado de nostalgia em que santos homens transformavam
frutos em flores. E outros aspectos como se mostrará no decorrer do resumo. No entanto, tentaremos
transformar em palavras o que só as ruas onde ecoam os cantos da congada conseguem ensinar:
“O congo é considerado por estudiosos das tradições populares do Espírito Santo, como uma dança
folclórica, por ser um grupo musical de estrutura simplificada, com dançadores e um dirigente (mestre),
possui coreografia própria, sem texto dramático, e outras pessoas podem ser incluídas, isto quer dizer:
podem participar desta manifestação, que possui características próprias sem igual em outros estados
do país. (DIAS, 2001)”
A origem do estudo do congo se dá a partir dos relatos do Padre Antunes de Siqueira e do naturalista e
pintor francês, Auguste François Biard. Ambos, a partir de visões antagônicas tentaram descrever as
manifestações ritualísticas dos índios. Rituais que se perderam entre os cipós e raízes das matas e
séculos. O que se fazia ali, o padre Siqueira, rudemente classifica como “bandas de índio”. E assim
considera: “Nas danças acocoram-se todos em circulo, batendo com as palmas das mãos nos peitos e
nas coxas, e soltando guinchos horríveis. Fazem caretas e trejeitos, acompanhados de uma música
infernal. (Neves apud Siqueira, 1980, p. 3)”. No entanto, eram cantos e rituais envoltos de um manto
sagrado e de pura pajelança cujo espírito contundente Biard descreve em seus diários de viagem
tornando-o concreto em suas pinturas a respeito da natureza humana. Entrementes, os negros traziam
de suas terras seus costumes. O encontro inevitável entre os escravos e índios resultou numa mistura
congruente de ritmos. O negro adiciona aos ritos indígenas sua religiosidade, dança e instrumentos
musicais. Como destaca Neves: “Modo de dançar dos negros e mais as toadas onde se encaixam aqui e
ali, termos e expressões africanas, referencia a escravidão, entoadas dentro do ritmo negro, quente e
sensual”. (NEVES, 1980, p. 3). Por sua vez, o clero influenciou principalmente no estudo das primeiras
bandas de índios – como vimos nos estudos tendencioso de Padre Siqueira - e consequentemente, com o
catecismo jesuíta, tornando assim simbiótico à aculturação e aos eventos cristãos. Com certo repúdio
era tratado as manifestações indígenas. No entanto, em um segundo momento, a Igreja percebeu que o
congo era um movimento alienador e pacificador. Como explana Dias:
"Os padres jesuítas (portugueses e espanhóis), tiveram participação nesse processo, ao cuidarem da
catequese dos índios, e prestar assistência moral aos colonos portugueses, passaram a introduzir total
ou parcialmente as expressões nativas nas artes (música, teatro e dança); com o intuito de reunir toda a
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gente, e apaziguar os ânimos entre os indígenas e os colonizadores, que como sabemos, viviam em
conflito. (DIAS, 2001).
Para a formação cultural do Espírito Santo faltava-lhe uma pitada fantasiosa envolta num manto
místico. Para tanto, a história contribui de forma categórica. Por volta de 1856 o navio Palermo
naufraga próximo ao litoral de Nova Almeida e deste acaso 25 escravos se salvam agarrando-se a um
mastro do navio que continha a imagem de São Benedito – santo este conhecido por sua descendência
negra e escrava. Desde então, as comunidades litorâneas incrementaram as festividades religiosas a
“Fincada do Mastro” em agradecimento a outro milagre do santo em respeito aos seus irmãos negros e
escravos. Podemos observar agora a formação de um movimento estabelecido e com características
peculiares unitárias. O encontro das massas, ao longo dos passos da sobrepujança de algumas faz de
aspectos individuais o choque friccional daqueles que fornecem e é recusado impulsionando para um
processo de coisificação chamado congo. Não é possível descrever o movimento do congo apenas pelas
vias literais. É necessário, portanto a contextualização visual, ou seja, sentir e respirar a sua atmosfera.
Como percebido no dia de Reis Magos – 06 de janeiro – durante a entoada em que participamos da
Banda de Congo de Nova Almeida – Serra, festejando este dia na Igreja de Reis Magos. É perceptível o
engajamento em prol do movimento em diversos aspectos. Os adereços e enfeites das pessoas
representam um respeito e alegria de participar do Congo como se fosse a última vez. Movimento que
agrega toda comunidade. Uma cultura que vive pelo amor desta e consequentemente pelo próprio
congo. O fim deste movimento representa inexoravelmente o próprio fim da comunidade. Num
segundo momento, na comunidade de Barra do Jucu – Vila Velha – podemos perceber a forte presença
do Congo não somente no interior destas pessoas, mas também na arquitetura local. A partir de
entrevistas de pessoas proeminentes desta comunidade, percebemos um pouco da história local. O
ressurgimento cultural que se deu a partir da década de 1960, fazendo de lá referência no que tange
aspectos do congo. Além disso, segundo os próprios moradores falta incentivo do governo, não
somente financeiro, mas dar-lhes oportunidades na divulgação e perpetuação dessa cultura. Além
disso, encontrar figuras emblemáticas como o Mestre Daniel e Mestre Vitalino, exímios artesãos de
tambores e casacas, respectivamente, enriquecem o nosso conhecimento a respeito destes instrumentos
peculiares do congo. O primeiro, instrumento negro, mas tocado em ritmo indígena, o segundo, artefato
ritualístico indígena, cuja cabeça esculpida remete aos totens e aos feitores e tocado em ritmo negro.
Para justificar nosso estudo, visitamos o Convento da Penha em Vila Velha no Sábado de Aleluia –
única data em que é permitida a participação efetiva das bandas de congo no Convento. Pudemos
perceber a atmosfera supra citada, o envolvimento (ou falta deste) da Igreja e da comunidade. Envolto
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em um clima festivo e religioso percorremos juntamente com a “Banda de Congo da Barra do Jucu” os
caminhos que levam ao convento e daí percebemos o que é participar de uma banda de congo. Para
finalizar nosso estudo de campo, no dia 25 de maio deste ano, acompanhamos a apresentação da
“Banda de Congo São Benedito”, da comunidade de Novo Brasil – Governador Lindenberg – em
nossa cidade Colatina, durante a “7ª. Feira Regional de Agroturismo”. A Banda se apresentou durante
a feira e após nos concedeu uma entrevista da qual pudemos perceber como o congo se demonstra
imanente a seus tocadores de forma religiosa. Notamos o orgulho que transpira de seus integrantes em
participar da banda.
CONCLUSÃO
Assim como o Oceano Atlântico banha as areias do Espírito Santo, traz jesuítas colonizadores,
escravos e mastros santos. Essa relação natural fez surgir concepções culturais e movimentos
semelhantes as vagas do mar. Assim é o congo. Reflexo perfeito das coisas naturais e o desejo humano
de controlá-las. Observar o congo é perceber os movimentos sutis e de espírito avassalador e
aconchegante das pessoas que o compõe e compreender como o congo se configura como expressão
do âmago da alma espírito-santense.
Concomitantemente ligado a história deste estado, o congo demonstra a força da música, da cultura, da
alegria e principalmente da fé. Os instrumentos musicais, os autos de milagre e principalmente os
temas de nossa geografia que apenas aqui são encontrados justificam a composição deste estudo. A
partir dos aspectos apresentados neste trabalho podemos concluir que o congo é o aspecto que melhor
representa a alma e a identidade espírito-santense. O que dá vida às cabeças esculpidas da casaca é o
mesmo que nos impulsiona à frente: o amor ao Espírito Santo.
REFERÊNCIAS
BLOCH, Marc. Apologia da História: Ou o Ofício de Historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador: Uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1993.
NEVES, Guilherme Santos. Bandas de Congo: Cadernos de Folclore. Rio de janeiro: Funarte. 1980
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