Post on 16-Oct-2020
CONSTRUÇÃO CURRICULAR:
A REALIDADE DO EDUCANDO COMO PONTO DE PARTIDA
Maria Emilia de
Castro Rodrigues -
FE/UFG
12 de maio/2014
“Quem ensina aprende ao ensinar
E quem aprende
Ensina ao aprender”
Paulo Freire – 1996
Sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me
insere na busca, não aprendo nem ensino"
(Paulo Freire - 1996)
1. A CONSTRUÇÃO CURRICULAR NA PEDAGOGIA DO OPRIMIDO
•CURRÍCULO TRADICIONAL X CURRÍCULO LIBERTADOR
Currículo e conhecimento
Como os saberes são criados e recriados? Que saber/saberes cabe a escola difundir,
como organizá-los, para que e sob que interesses?
• OPÇÃO POLÍTICO PEDAGÓGICA POR UM CURRÍCULO CRÍTICO E POPULAR –
REALIDADE DO EDUCANDO COMO PONTO DE PARTIDA
•DIFERENÇAS ENTRE AS CONCEPÇÕES CURRICULARES (SUJEITOS, OBJETO
DE ESTUDO, CONTEÚDO, METODOLOGIA)
• *Que sociedade temos e queremos construir? Qual o
papel social que a escola deve desempenhar para
contribuir com o compromisso de construção da sociedade
que queremos? Como a escola tem assegurado a função
socializadora e cultural dos(as) educandos(as): proposta
político-pedagógica – intenções, grau de compromisso
social. Que aluno temos e queremos formar? concepção
de sociedade, ser humano e educação.
concepção tradicional (currículo formal – prescrito por normativas,
academicista ou livros didáticos; currículo humanista): a priori, sem
conhecer o aluno e a realidade em que se insere; reprodutivo, cultura do
silêncio, manutenção da sociedade (natural e imutável); professores e
alunos adaptarem-se e reproduzirem o que outros pensaram e
estabeleceram. Tradição seletiva do conhecimento da cultura dominante
Pensar um currículo está assentado na reflexão sobre por que
se ensina isto e não aquilo? Quem produziu e a quem pertence
esse conhecimento? Quem o selecionou? Por que é organizado
e transmitido dessa forma? Atendendo a que interesses?
Currículo crítico, socioconstrutivista: humanização, princípios da
Educação Popular (intencionalidade política, pesquisa em educação,
valorização dos conhecimentos populares e científicos, prática
educativa baseada na totalidade concreta, consciência crítica,
dialogicidade); construído no processo; professor (pesquisador) e
alunos -> sujeitos ativos na construção, desenvolvimento e avaliação.
*Para quem, o que, por que e como ensinar e aprender?
Por que e como considerar os interesses e necessidades dos sujeitos da EJA?
- O que difere um currículo basista, academicista e crítico?
Análise de um exemplo: Americanópolis (Periferia de S. Paulo) alunos EJA 6 série – Abril/92
Prática pedagógica:
valoriza o senso comum, saberes científicos
sistematizados, conhecimento crítico (parte da realidade
do aluno, dos saberes dos educandos; escola abre espaço
para a luta social e resistência à dominação - mediação
humana, saberes significativos e críticos); perspectiva
interdisciplinar;
relação significativa entre conhecimento e realidade;
educador(a), na prática cotidiana: constrói o currículo, relação
dialética entre a realidade local e o contexto mais amplo;
vincula educação - trabalho/prática social.
•Resta-nos responder:
“Os alunos jovens e adultos, pela sua experiência de vida, são plenos
deste saber sensível. A grande maioria deles é especialmente receptiva
às situações de aprendizagem: manifestam encantamento com os
procedimentos, com os saberes novos e com as vivências
proporcionadas pela escola. Essa atitude de maravilhamento com o
conhecimento é extremamente positiva e precisa ser cultivada e
valorizada pelo (a) professor (a) porque representa a porta de entrada
para exercitar o raciocínio lógico, a reflexão, a análise, a abstração e,
assim construir um outro tipo de saber: o conhecimento científico”
(BARRETO, 2006, p. 7).
“Ler e declamar poesia, escutar música, ilustrar textos
com desenhos e colagens, jogar, dramatizar histórias,
conversar sobre pinturas e fotografias são algumas
atividades que favorecem o despertar desse saber
sensível” (Idem).
Como organizar o currículo que parta da
realidade do aluno, valorizando os saberes dos
educandos produzidos no cotidiano e indo além,
abrindo espaço na escola para a luta social e a
resistência à dominação? Que saberes
precisamos trabalhar na escola? Como organizar
e sequenciar estes saberes? Como viabilizar para
que as aprendizagens significativas efetivamente
ocorram?
TEMA GERADOR
TEMA
GERADOR
Assuntos da realidade concreta – problema.
Se desdobra em diversos subtemas.
Os temas geradores colocam ao povo, sua situação
existencial, concreta, presente, como problema que desfia e,
fazendo-o, lhe exige uma resposta, não ao nível intelectual,
mas ao nível da ação. (Paulo Freire, 1988, p. )
Universal, epocal, contempla a realidade socioeconômica,
perspectiva dialética, articula temas da vida e
conhecimento historicamente acumulado.
CARACTERÍSTICAS
registro
e
sistema-
tização
pesquisa-
ação
Os saberes que a escola trabalha na perspectiva
crítica, se constroem a partir das redes de relações
estabelecidas entre os vários sujeitos que compõem a
comunidade escolar, ampliando-se da realidade local,
regional, estadual, nacional e internacional e
retornando à localidade compreendida em suas
contradições, limites e possibilidades de superação
dos problemas que esta comunidade enfrenta.
A REDE TEMÁTICA
Para a construção de um
currículo inovador, dinâmico,
humanizador que possibilite à/
ao educanda/o interferir de
forma crítica na realidade, o
ponto de partida necessita ser
o diálogo com a realidade dos
educandos(as).
PESQUISA DO
UNIVERSO
VOCABULAR/
PESQUISA DE
CAMPO (PESQUISA
PARTICIPANTE)/
DIGNÓSTICO
- alunos trabalhadores;
- costumes, valores, atitudes;
- interesses/necessidades;
- problemas na comunidade;
- perspectivas de futuro;
- realidade em que se
inserem;
- concepção de escola;
• Diagnóstico/escuta...
-Responsabilidade diante da vida;
-Líderes na comunidade – focos
de competência;
- Marginalização do idoso:
improdutivo, cuida dos netos;
-Predomínio da racionalidade;
-Mais objetivo;
- Conhecimentos: que domina
(sensível, cotidianos), que busca
(contradição);
-Reflexão sobre aprendizagem...
Aluno/ Aluna
Que faz atualmente
Saberes envolvidos
Jonas
Servente de pedreiro
Medidas de peso e comprimento; domínio de área (espaço e cálculo), volume; visão espacial e estética; materiais, produtos e quantidades; domínio do tempo cronológico; noções de misturas, proporções
Ana Paula Babá
Nutrição; saúde, vacinação; comunicação; desenvolvimento das crianças; Repertório: canções, histórias, brincadeiras infantis, medidas
PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA REDE TEMÁTICA
a) Diagnóstico da realidade local: colher falas dos
alunos/comunidade – problemas/assuntos comunitários
recorrentes e o que pensam sobre eles
Observação, escuta, análise documental - pesquisa
Equipe de educadores define; o que observar e
escutar/onde/quando/como (preparar roteiro de observação,
entrevista), análise documental – coleta de dados
Organização de um roteiro de pesquisa a ser realizada com alunos
e comunidade. A pesquisa precisa prever: Quem? Como?
Quando? Para que?
• Comunidade local: rural/urbana, interesses, necessidades, visão
em relação à escola, expectativas, como se dá a vivência local,
habitação, aspectos físicos, movimentos sociais, lideranças,
nível socioeconômico da população (trabalho, salário,
escolaridade), lazer, cultura/arte, valores/religiosidade, histórico
da comunidade, problemas que enfrenta, como explica esses
problemas na vida concreta da comunidade etc.
• Educanda/o: quem sou, trabalho, com quem e onde vivo,
sonhos, gostos, interesses e necessidades, visão de mundo,
problemas que enfrenta e como os explica...
É importante colher dados qualitativos: falas originais
dos pesquisados, “dialetos” (jeitos de falar), mais
frequentes da comunidade.
• Comunidade escolar: interesses, necessidades, expectativas,
relações com a comunidades, aspectos físicos-histórico-sociais,
organizacionais, pedagógicos, lideranças, valores, religião,
cultura/arte, desafios e dificuldades, entre outros.
O que observar e escutar? Quando? Onde? Quem?
Como?
• Trabalho de campo: visitas, entrevistas, questionários,
conversas com moradores, pais, alunos, movimentos
sociais organizados (associação, sindicato...) etc.
• Diferentes dinâmicas: colher informações dos alunos,
pais, comunidade (peça de teatro, diálogos, escrita, relatos
orais, discussão de textos, vídeos...), entre outras.
• Análise documental: ficha de matrícula, questionários,
textos, dados estatísticos, atividades escritas com os
alunos (desenhos, histórias, casos, relatos escritos), fotos,
vídeos etc.
Registro organizado do diagnóstico das informações
coletadas -> DOSSIÊ
Dados qualitativos (falas)
Aspectos socioculturais e da infraestrutura local
Dados quantitativos (quantas vezes a fala
esteve presente)
Situações significativas
Quadro Sintético - Pesquisa e Ação Educativa
b) Análise do material coletado (dados obtidos):
1)Seleção das falas significativas que expressem:
•o cotidiano da comunidade;
•conflitos/problemas e contradições, temas recorrentes que
a comunidade enfrenta - na visão da comunidade e na
perspectiva dos educandos – falas que se opõem, falas
cujas explicações os educadores não concordam e que
podem intervir para mudar/ampliar/organizar;
•falas originais dos pesquisados (jeitos de falar);
•o pensamento da coletividade e não apenas de um pessoa;
•uma totalidade orgânica (que se articule entre si).
Falas significativas da comunidade e dos alunos
Caracterização e justificativa das falas selecionadas: limites explicativos dos conflitos e contradições na visão da comunidade
Contraponto: visão dos educadores
2) seleção da fala síntese - que agrega as demais,
apresenta maior grau de aceitação do grupo, eleita para
representar o possível tema (pré-tema);
3) organização dos dados obtidos.
Só então os temas geradores começam a aparecer.
c) Círculo de investigação temática ou devolução à
comunidade do(s) pré-tema(s):
•Pré-temas são codificados* e devolvidos à comunidade
(decodificação): confirma-se se o pré-tema selecionado é
significativo e necessário àquela comunidade ->
ampliação dos dados.
* codificações: situações significativas -> apresentação
do pré-tema à comunidade - cartaz, filme, desenho,
fotos, peça de teatro...
d) Escolha do tema gerador (é a tese de partida, o
problema) e construção do contra tema (antítese):
educandos e educadores levantam o objetivo final, o
ponto de chegada.
e) Problematização das falas em diferentes planos da
realidade (nível local, micro, macro, local): educadores
indagam as falas explicitando os conflitos presentes
na visão de mundo da comunidade/ educandos (limites
conceituais) -> questões geradoras dos educadores às
falas/visão dos educandos - de onde advém a lista de
conceitos, saberes e tópicos de
conhecimento(s)/conteúdos interdisciplinares a
trabalhar para verticalização e superação do tema. Falas significativas da
comunidade e dos alunos
Visão da comunidade
(limite explicativo do/s conflito/s e contradição/ões) > tipo de conflito/ núcleo central da contradição
Problematização das falas em diferentes planos da realidade (local> micro> macro> local)
Visão dos educadores:
conceitos selecionados e
tópicos de conhecimento a
serem trabalhados
Local
Micro
Macro
local
Falas
significativas da comunidade e
dos alunos
Visão da
comunidade (limite explicativo do/s conflito/s e contradição/ões) > tipo de conflito/ núcleo central da
contradição
Problematização das falas em diferentes planos da realidade
(local> micro> macro> local)
Visão dos educadores: conceitos analíticos
selecionados e tópicos de conhecimento a serem
trabalhados
1. “Para melhorar minha vida em todos os aspectos: igual eu mexo com minhas vendas eu necessito de pessoas para assinar prá mim as coisas, pois é muito ruim depender dos outros, esperar para a hora que a pessoa quer fazer para a gente, eu acho melhor ajudar alguém do que ser ajudado.”
1 - Melhorar a sua condição de vida:
venda/estudo;
depender dos
outros/ruim;
melhor ajudar
alguém que ser
ajudado;
analfabetismo -
> dificulta o
trabalho
● Local Em sua comunidade todas as pessoas que
têm estudo melhoraram a sua condição de vida? Para termos uma melhor qualidade de vida o que é fundamental? Qual a relação entre escolaridade e trabalho? Além de contribuir no trabalho, em que a escolarização pode contribuir na sua vida?
Como as pessoas se relacionam em
nossa comunidade? Sempre foi assim ao
longo do tempo? Numa vida em
sociedade podemos viver sem depender
dos outros? O que você pensa dos
dizeres “...eu acho melhor ajudar alguém
do que ser ajudado”.
Há pessoas analfabetas em sua
comunidade? Como elas se sentem e são
tratadas?
Estudo X melhoria de
condição de vida
H,C,P,G,M,EF
Qualidade de vida
C,P,G.M,EF
Relação escolaridade e
trabalho; sentido do
estudo/educação
H,C,P,G.M
Relações
interpessoais: na família,
na escola, na
comunidade
H,C,P,G,M,EF,A
Vida em com-unidade;
regras de com-vivência;
auxílio ao próximo;
relações de poder
H,C,P,G,EF
● Micro Que políticas têm sido efetivadas no
município, Estado e país que propiciam a melhoria da qualidade de vida?
Como as instituições/setores, município, Estado e país(ses) se relacionam entre si? Há articulação entre eles? E entre as políticas estabelecidas? Sempre foi assim ao longo do tempo? Numa vida em sociedade podemos viver sem depender uns dos outros?
O que o município, Estado e o país tem feito para diminuir o índice de analfabetismo?
Políticas públicas do município, Estado e país que propiciam a melhoria da qualidade de vida: ambientais, saúde, moradia,
trabalho, educação, etc. H,C,P,G,M Relação/articulação/de- pendência entre: instituições/ setores, município, Estado e país(ses); políticas públicas
H,P,G,M
● Macro Para que o processo de humanização
ocorra é fundamental a vida em sociedade? Sempre foi assim? O homem é um ser social? Que valores humanos são fundamentais? Que valores a sociedade capitalista tem priorizado? Como eles atuam na formação dos homens e das mulheres? Que valores precisamos resgatar em nossa sociedade? Qual o papel da família, da escola, da igreja e da sociedade em geral nesse processo? É a sociedade que temos, que queremos deixar para os nossos filhos e entes queridos?
Homem ser social; vida em sociedade H,C,P,G,M,EF,A Valores humanos X valores da sociedade capitalista H,P,M,EF,A Valores a resgatar H, P, EF,A Papel da família, escola, igreja e sociedade na formação humana rumo a humanização H,P,G,M,A Sociedade atual X sociedade que almejamos H,C,P,G,M,EF,A
● Local Como nossa comunidade pode se organizar
para cobrar do poder público (municipal, estadual e federal) políticas que propiciem a melhoria da qualidade de vida?
Como em nossa comunidade (local, municipal, estadual, federal e internacional) as pessoas, instituições/setores/organismos podem construir um ambiente de relações fraternas e de ajuda mútua que favoreçam a humanização?
Como a família e a escola (tem contribuído)/pode contribuir nesse processo?
O que podemos fazer individual e coletivamente para diminuir os índices de analfabetismo em nossa comunidade? E para garantir a escolarização das pessoas?
Organização comunitária (individual e coletiva) na luta por melhores condições/ qualidade de vida H,P,G,M,EF Ações individuais e da comunidade (local, municipal, estadual, federal e internacional) - instituições/ setores/organismos – na construção/ vivência de relações fraternas, de ajuda mútua (valores), auto-estima que favoreçam a humanização H,C,P,G,EF,A,I Papel da escola, da família e da sociedade: valores, processo de humanização, realidade social e seus problemas (concepção de educação, homem e sociedade) H,C,P,G,M Ações individuais e coletivas e do poder público frente ao analfabetismo/escolarização das pessoas. H,P,G,M
Exemplo de uma situação do ensino escolar formal.
Elementos da estrutura social ampla - Contexto local
Falta D’água em Americanópolis-SP
e) Elaboração da rede temática: professores desdobram
subtemas articulando os núcleos centrais dos
conhecimentos/conceitos e conteúdos (necessários
dominar, para compreensão e análise da realidade local,
micro, macro, local) -> sequência programática e visão geral
do tema, subtemas e seus desdobramentos -> rede
interdisciplinar do programa a ser trabalhado (coletivo).
f) Redução temática:
•visão por área/disciplinas dos saberes/conteúdos que
cada uma trabalhará;
•negociação das interfaces, ampliações e ações
interdisciplinares;
•sequenciação dos conteúdos por área/disciplina;
•Adequação à faixa etária, série, nível de cada turma.
g) planejamento e execução das aulas e atividades: a partir
do Projeto, Eixo Temático, TG, Rede Temática, contra tema e
questão geradora geral do tema gerador, cada professor
programa as aulas envolvendo as relações presentes na rede
temática e considerando três momentos: estudo da
realidade, aprofundamento teórico/organização do
conhecimento e plano de ação/aplicação na realidade.
Execução da proposta demanda:
• dimensão coletiva da organização do trabalho pedagógico,
com reuniões coletivas semanais e/ou quinzenais, previstas no
PPP;
•compromisso ético-político com a EJA/classe trabalhadora;
•integração dialógica / trabalho interdisciplinar dos
profissionais e dos conhecimentos em suas dimensões:
cultural, científica, histórica, social, religiosa, estética, política,
econômica, filosófica e ética;
•intercâmbio das práticas – troca de experiências dos trabalhos
desenvolvidos;
•estudo, pesquisa, formação, condições de trabalho.
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