Post on 04-Feb-2018
Convivendo e Aprendendo com o Violão e as Canções
MARCOS CUCA
INTRODUÇÃO
A prática do violão acompanhando canções é uma ação
cultural vivenciada em múltiplos contextos sociais e em
diversos períodos históricos da humanidade.
Este livro apresenta uma perspectiva sobre este fazer e tem
como foco o processo de iniciação, desde os exercícios básicos
até a execução das primeiras composições.
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O COMEÇO: “INVENTO EM MIM, O SONHADOR”
O dia que pela primeira vez tive a sensação de tocar o
violão acompanhando uma canção, remete a uma dessas
buscas de menino investigando o que tinha para se fazer
dentro de casa e meio sem querer acabei encontrando num
quarto o instrumento junto de uma letra cifrada para a
execução.
Além de verificar a contribuição de alguns conhecimentos
prévios desenvolvidos nos contextos culturais que já tinha
vivenciado, é preciso reconhecer que a convergência
favorável do potencial genético, da oportunidade, do
interesse e da motivação, também se fizeram presentes
naquele momento.
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Oficina de Violão da Casa de Cultura Cine Santana , SJC - 2014
“SONHAR, MAIS UM SONHO IMPOSSÍVEL”
Vivemos hoje o paradigma de muitos estarem aptos a
alcançarem a capacidade de executar o violão acompanhando
canções. Isso é extremamente revolucionário, tanto para os
que se julgavam incapazes, quanto para os crentes em
missões divinas ou que se identificam como a última estrela
da constelação musical.
Apesar da perspectiva inclusiva, há uma persistente
ausência de garantia de sucesso na iniciação à prática do
violão e do canto e isso sinaliza duas medidas que podem ser
assumidas pelo aprendiz. A primeira é desconfiar de métodos
e educadores que prometem resultados do tipo: “Aprenda a
tocar em quatro meses” ou “Toque fácil”. A segunda é a de
fazer o máximo para não desistir diante dos obstáculos
surgidos.
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A iniciação ao violão acompanhando canções tem a
influência de variáveis como: o potencial genético, os
contextos culturais, a força motivadora dos resultados
alcançados, o exercício da profissão de educador, a
autoaprendizagem, o uso de diferentes métodos e a prática
inserida nas diversas instâncias da vida.
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CONTEXTOS CULTURAIS: “GELÉIA GERAL”
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Na perspectiva da iniciação ao violão acompanhando
canções os contextos culturais abrangem a diversidade de
lugares onde esta prática se insere, os instantes
singulares desta aprendizagem e as inúmeras situações e
períodos onde experiências musicais são vivenciadas pelos
aprendizes.
Cada instrumento, cada aprendiz, cada lugar e cada
situação, são contextos culturais vivos, pulsam os
instantes e as transformações, se ajustam sempre de
forma diferente num espaço-tempo imprevisível, às vezes
assustador, sem muito controle e que exige maior atenção
sobre o todo e o individual.
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A convivência com a diversidade de aprendizes e seus
diferentes contextos culturais, tem sido e ainda é um dos
maiores desafios da experiência profissional do educador
musical. A exclusão é o botão mais simples de acionarmos
quando algo não sai com o devido encantamento que
buscamos.
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EDUCADOR: “TE QUERO VER, TE QUERO SER, ALMA”
Foto: André Luiz de Toledo
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Muito além de um mediador, como dizem por aí, sou
também um sujeito interagindo a procura da melodia
correta, dos acordes soando melhor, da letra perdida,
da forma adequada, dos ritmos se alinhando à
pulsação do sentimento.
Minha adesão à proposta de aprendizagem inclusiva,
pressupõe a aceitação da enorme dificuldade de
conviver com a diversidade humana. O desafio é não
colonizar os aprendizes.
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AUTOAPRENDIZAGEM: ”EU SOU MEU GUIA”
Era um menino com o destino
Do mundo nas mãos
Olhos no dilúvio
E os dedos num violão...
Dançam cordilheiras
Ondeando, ofegando no ar
Roda, minha vida
Se eu quiser
Posso abrir um mar...
E eu irei
Em qualquer direção
E voltarei
Eu sou meu guia
Eu sou meu guia...
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Desde os seus primórdios, a competência para a
execução do violão e do canto foi adquirida por meio de
transmissões difusas, ocorridas em diversos contextos
culturais, sem contar com rigidez de planejamento e
principalmente sem ter um profissional formalizado
para o seu desenvolvimento e aprimoramento.
A modalidade da autoaprendizagem é um universo
amplo, complexo e nas últimas décadas ainda conta
com as novas tecnologias, o que abre outras
possibilidades de interação e aquisição de habilidades
por meio de diferentes caminhos.
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MOTIVAÇÃO: “VRUM,VRUM,VRUM,VRUM”
Grupo de Violão das crianças do município de São José do Jacuípe - Bahia.
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Violão e voz são pulsos de vida e a motivação para
sua prática está no próprio aprendiz e no seu outro,
na força impulsionadora do mundo de dentro e de
fora.
Para tornar constante a motivação que impulsiona a
aprendizagem, além da convivência em contextos
culturais favoráveis, é preciso que a tarefa proposta
não seja algo fácil demais e nem além do que o
aprendiz é capaz de realizar naquele momento.
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MÉTODOS: “SE ORIENTE RAPAZ”
Foto disponível em:<http://pt.clipart.me/>
O método é sem dúvida a mais intrigante das
variáveis que compõem a iniciação e pode influenciar
decisivamente na prática do violão acompanhando
canções. Sua essência se constrói no caminho e este
ninguém pode atravessar pelo outro.
Mesmo considerando a dimensão da multiplicidade
de trajetórias, é possível constatar que os métodos de
iniciação ao violão acompanhando canções possuem
uma base constituída de:
Conteúdos interpretativos, procedimentais e
atitudinais;Organização e afetos.
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Sugestão de um caminho para iniciantes no acompanhamento das primeiras
canções.
O aprendiz deverá ser capaz de:
Reconhecer as partes que constituem o violão, tais como: madeiras utilizadas, tarrachas,
braço, trastos, divisões em casas, tampo, boca, leques internos, rastilho, cavaletes,
possíveis tamanhos do instrumento, colocação, tipos e nome das cordas, manutenção,
cuidados na forma de guardar e saber como é feita a afinação.
Tocar e cantar com postura adequada, observando: apoio dos pés, colocação do violão sobre
as pernas, local de assento para execução, posicionamento da coluna vertebral, da cabeça,
dos braços e dos dedos das mãos, descontrair a musculatura corporal e respirar de forma a
conseguir sustentar a pronuncia e entonação das palavras.
Executar a digitação de ambas as mãos realizando e memorizando o sentido dos toques nas
cordas, o espaçamento e a forma de apertar os dedos nas casas, organizando e coordenando
os movimentos de modo a atingir uma razoável qualidade sonora.
Continua
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Distinguir e ajustar a afinação do instrumento, cantar em entonação vocal compatível com
a tonalidade de execução no violão realizando contornos, extensões, sustentações e divisões
melódicas aplicadas ao repertório escolhido para está etapa da aprendizagem.
Memorizar a posição dos dedos para a execução de acordes maiores e menores sem pestana
e trocar de um para outro em sequências harmônicas com dois, três ou até quatro acordes.
Executar arpejos de 4 e 6 notas e padrões de ritmo com toques num único sentido e
alternado para baixo e para cima, distinguindo pulsos fortes e fracos, utilizando o polegar
e os dedos indicador, médio e anular, juntos ou individualmente.
Tocar e cantar repertório de canções adequadas a esta etapa do aprendizado, integrando:
postura do corpo e do violão, movimento das mãos, entonação vocal, afinação do
instrumento, gosto pessoal e apreciação de novos discursos musicais.
Avaliar e valorizar as capacidades adquiridas, tanto no instante da prática, quanto num
período maior de treinamento e potencializar positivamente as dificuldades a serem
ultrapassadas em relação aos conteúdos teóricos e práticos em desenvolvimento.
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PRÁTICA: “CADA UM DE NÓS COMPÕE A SUA HISTÓRIA”
Oficina de Violão da Casa de Cultura Cine Santana, SJC - 2016
Um importante aspecto quando nos referimos a
prática inicial do violão acompanhando canções, diz
respeito a constatação e aceitação de que o aprendiz
não deve se enganar, sem muitas horas de
treinamento não é possível atingir resultados
positivos.
Além das ocupações técnicas diretamente influentes
na execução do violão e do canto, não dá para
considerar esta prática sem a compreensão de seu
pertencimento à dimensão da vida humana,
sujeitas, portanto, aos movimentos de expansão e
resistência, característicos de cada existência.
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“MEU MELHOR AMIGO É MEU VIOLÃO”
Quando dizem por aí que a voz do violão tem uma particular
magia, deve haver um sentido de verdade. Existem momentos
em que até parece não ter como viver sem essa forma tão
singular de perceber a realidade. Não se trata de procedimento
para fuga do cotidiano e sim de aprofundamento na maneira
como o mundo pode ser apresentado e representado por cada
ser humano.
Eu tive o meu primeiro violão ainda na juventude e depois de
quase três décadas, apesar de nossos machucados decorrentes
do tempo, ele continua pulsando forte junto de mim. Sinto que
pelo andar dos acontecimentos vamos permanente nessa
convivência.
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Ter conseguido tocar o violão acompanhando canções foi,
para mim, uma conquista difícil e demorada, mas trouxe e
ainda traz uma enorme satisfação. É interessante
constatar que depois de algumas décadas ainda manifesto
uma vontade parecida com a do começo, misturando a dor
do que ainda falta à alegria de estar de alguma forma
manifestando sensações. Caetano tem razão quando
canta: “Como é bom poder tocar um instrumento”.
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CANTO EM QUALQUER CANTO
“Canto porque é precisoPorque esta vida é árduaPra não perder o juízo”
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Cantar é desenhar formas do impalpável, contornos
que sobem e descem para além das molduras,
movimentos que viram e reviram, avançam por outros
espaços, por lugares rasos e profundos de onde
estamos. É curioso como este fazer, muitas vezes
gratuito, pode se apresentar mais do que necessário,
indispensável a ponto de, quase sem pensar,
entoarmos uma melodia simplesmente porque é bom.
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A que será que se destina?
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Tornar-se um músico profissional não é a grande
motivação da maioria dos aprendizes que iniciam a
prática do violão acompanhando canções. Mesmo
considerando essa realidade, que curiosamente também
foi a minha, tem alguns que depois de certo tempo
acabam prosseguindo na sua formação e à medida que
vão se envolvendo com a área, como no meu caso,
constroem um caminho que os leva ao exercício da
profissão.
Uma obviedade às vezes esquecida é a de que sem o
começo, não tem meio e nem fim. Nesta perspectiva, a
iniciação ao violão acompanhando canções foi
fundamental para minhas convivências e aprendizagens.
Sem a vitalidade deste processo, jamais teria atingido
estágios de aprimoramento e considerações para novos
momentos.
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O universo da aprendizagem musical é muito amplo e
diversificado. Minha perspectiva, neste livro, foi
apresentar algumas interpretações que pudessem dar
certo sentido ao meu exercício cotidiano e
possibilitasse saborear o doce amargo das escolhas
preteridas. Depois de percorrer todo este caminho, sei
que mesmo considerando todas as vivências, o desafio
permanece grande e intransferível.
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Os versos e suas canções: “Invento em mim, o sonhador”. Cais - Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, 1972. “Sonhar, mais um sonho impossível”. Sonho Impossível - J. Duran / M. Leigh,
versão de Chico Buarque e Ruy Guerra, 1972. “Geleia Geral” - Gilberto Gil, 1968. “Te quero ver, te quero ser, Alma”. Ânima - Milton Nascimento e Zé Renato, 1982 “Eu sou meu guia” - Lenine e Bráulio Tavares, 1999. “Vrum, vrum, vrum, vrum”. Vrum - Luiz Tatit, 1985. “Se oriente rapaz”. Oriente - Gilberto Gil, 1972. “Cada um de nós compõe a sua história”. Tocando em Frente - Almir Sater e
Renato Teixeira, 1990. “Como é bom poder tocar um instrumento”. Força Estranha - Caetano Veloso,
1978. “Meu melhor amigo é meu violão”. Meu Refrão - Chico Buarque, 1966. “Canto em qualquer canto” - Ná Ozzetti e Itamar Assumpção, 1999. “A que será que se destina”. Cajuína - Caetano Veloso, 1979.
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