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CONVIVÊNCIA ESCOLAR E JUVENTUDE
Marcio Bernardes de Carvalho*
RESUMO
A área de estudo sobre “convivência escolar” vem ganhando cada vez mais adeptos e
produção, bem como a área da “juventude”. Este artigo visa uma reflexão sobre os dois
conceitos desmembrando-os e reconectando-os olhando para a escola. Este exercício
visa criar um instrumental para uma reflexão crítica sobre estas áreas de estudo e a
escola.
Palavras-chaves: Convivência, conflito, empatia, cooperação, disciplina, valores,
juventude, emancipação e autonomia.
RESUMEN
El área de estudio de "la vida escolar" está ganando más adeptos y producción, así como
el área de "la juventud". Este artículo tiene como objetivo reflexionar sobre los dos
conceptos desmembrar ellos y volver a conectarlos mirando a la escuela. Este ejercicio
tiene como objetivo crear un instrumento para la reflexión crítica sobre estas áreas de
estudio y la escuela.
Palabras clave: Vida, los conflictos, la empatía, la cooperación, disciplina, valores,
empoderamiento de los jóvenes y la autonomía.
* = CARVALHO, M. B. - Historiador formado pelas Faculdades Integradas Espírita (FIES), Curitiba- Paraná, assessor da Fundação Ulysses Guimarães Nacional – FUG. Email: marciojr8@yahoo.com.br
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1 INTRODUÇÃO
Ao pesquisarmos sobre juventude e convivência escolar, identificamos
“lacunas” conceituais e uma distância entre a produção acadêmica sobre juventude e a
produção sobre convivência.
É recorrente (na experiência do autor) em debates com professores e
profissionais da educação sobre jovens e o ensino médio, ouvirmos a utilização de
termos e expressões como “desinteresse”, “não se importa”, “rebelde”, “aborrescente”
“não querem nada” e outros termos e expressões que não convergem diretamente para o
foco deste artigo. Quando tratamos da relação destes jovens entre si, com seus
professores e com o conjunto do corpo diretivo da escola e demais servidores, esta
avaliação (na maioria das vezes) tende a ser ainda mais negativa.
Aqui é necessário esclarecer, que nosso olhar será para jovens estudantes do
Ensino Médio (idade “ideal” entre 15 e 17 anos, porém não excluindo as idades
consideradas “fora do ideal”), seus professores e equipe de servidores da educação.
A faixa etária predominante em questão é de 15 a 17 anos, considerada por
alguns autores na separação de períodos da juventude como jovem-adolescente (18 a 24
jovem-jovem e de 25 a 29 anos jovem-adulto). Segundo o Estatuto da Juventude (Brasil,
2013), jovens são pessoas com idade entre 15 e 29 anos.
O conceito contemporâneo de “juventude” no Brasil não é muito debatido no
dia-a-dia das escolas. Segundo a Professora Regina Novaes (2012), da UFRJ, na
“sociedade e nos governos, ainda são vigentes muitos (pré)conceitos e projeções sobre
‘a juventude’ que dificultam o (re)conhecimento das atuais vulnerabilidades e
potencialidades dos jovens brasileiros”.
As questões que podem surgir ao refletirmos sobre essa condição são:
1) É possível trabalhar a convivência escolar criativa e produtiva
sem a assimilação do contexto e do conceito sobre juventude pelos atores
envolvidos?
2) Quais conceitos podem auxiliar na compreensão das funções
educativas e nos desafios dos demais atores sociais da escola (professores,
direção administrativa, coordenação pedagógica e serviços gerais)?
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3) Unindo estes contextos à realidade pedagógica e estrutural da
escola, quais serão os resultados? E com a não compreensão destes conceitos e
contextos pelos atores, quais resultados surtem na convivência dentro da escola?
O artigo vai trabalhar na área de convivência escolar com os conceitos de
convivência, conflito, empatia, cooperação, disciplina, indisciplina e valor. Na área de
juventude serão abordados os conceitos de emancipação e juventude. Após a exposição
conceitual de alguns autores sobre estes conceitos, faremos um exercício de análise do
contexto geral da juventude, através dos dados apresentados pela pesquisa “Agenda
Juventude Brasil – Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros 2013” da
Secretaria Nacional de Juventude – SNJ do Governo Federal. A análise realiza uma
aproximação entre os conceitos de convivência escolar, juventude e práticas
pedagógicas na escola.
2 SOBRE CONVIVÊNCIA ESCOLAR
Desmontando os conceitos da área de “convivência escolar”, percebemos que
é necessária a avaliação de outros termos para a sua compreensão, como o próprio
conceito de convivência, além de conflito, empatia, cooperação, disciplina, indisciplina
e valores.
2.1 Conceito de Convivência
O ambiente escolar vem sendo cada vez mais objeto de estudos de diversos
pesquisadores nas mais diversas áreas do conhecimento. Ao analisar o conceito de
convivência, buscamos o descrito por Evans (2013) e outros, no artigo “Conversando
sobre la convivencia em la escuela: Uma Guía para el auto-diagnóstico de la
convivencia escolar desde las perspectvias docentes” que define dois enfoques gerais
para o estudo da convivência escolar, são eles:
1. Normativo-Prescritivo: Aborda a convivência em função de um
conjunto de premissas referidas na prevenção da violência ou da qualidade da
educação; e
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2. Analítico: Se interessa por desvendar e compreender a
convivência como fenômeno relacional e como experiência subjetiva.
O mesmo artigo citado acima define convivência escolar como “el conjunto
de prácticas relacionales de los agentes que participan de la vida cotidiana de las
instituiciones educativas, las cuales, constituyen um elemento sustancial de la
experiência educativa, em tanto que la qualifican” ( EVANS, Cecília Fierro e outros,
2013 , pg. 106).
O estudo da convivência na escola não se limita ao tema indisciplina ou
somente sobre a violência que muitas vezes ocorre dentro da escola. O estudo da
convivência na escola expõe muitos outros temas e também se interessa pelas relações e
contextos entre os agentes dentro do espaço escolar. Vários autores analisam os
problemas destas relações e propõem uma nova perspectiva para estas visando o
cumprimento da função social da escola como espaço de desenvolvimento da
emancipação e autonomia dos jovens.
Estêvão (2008) sintetiza novas dimensões de uma escola comunitativa e
convivencial:
Assim, esta escola deve estruturar-se de modo a levar os seus actores:
a reaprenderem a depender do outro, sem se transformarem em
escravos, mas como partilha de poder; a não substituírem a alegria de
viver pelo prazer de aplicar uma medida ou de cumprir normas; a
saberem acompanhar os educandos, evitando apassivá-los; a
aprenderem a cooperar, a partilhar, a respeitar diferenças, a ser
solidários, a ser tolerantes; desenvolverem as pessoas, não enfocando
o trabalho educativo somente no rendimento académico; a
promoverem a confiança (não criando barreiras, por exemplo, entre os
que sabem e os que não sabem); a praticarem uma pedagogia
diferenciada no desenvolvimento do currículo comum; a fomentarem
a reciprocidade e a justiça do reconhecimento; a dinamizarem a
participação; a educarem para a autonomia que não anule a rebeldia.
(ESTÊVÃO, Carlos Vilar 2008, p. 509).
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A convivência escolar exige, dos seus atores, diagnóstico (e/ou
autodiagnóstico), planejamento e comunicação intensa. Como definiu Evans e outros
(2013):
La convivencia se entende como un proceso constructivo continuo, a
base de transaciones, negociación de significados, elaboración de
soluciones, el cual va creando um referente común que genera um
sentido de familiaridad, que llega a formar parte de la identidade del
grupo y quienes participan em él (Hirmas y Eroles, 2008). (EVANS e
outros, 2013, p. 106).
A escola de viés conteudista transforma o espaço escolar em uma mini-
fábrica onde mais vale a produção em massa, tornando os conteúdos fragmentados e a
formação meramente instrumental. Agregar ao planejamento institucional a análise das
relações entre os atores torna perceptível a realidade e contexto social em que escola
está inserida. Algumas tensões e dificuldades vividas na escola tem características locais
e até mesmo pontuais, o não entendimento deste processo pode gerar soluções
generalistas e rasas que, por princípio, não será resolutivas.
Os próximos conceitos visam oferecer um leque de possibilidades de
conexões entre temas e áreas.
2.2 Conflito
Entrar numa escola onde os jovens, cheios de energia, extravasam alegria e
contentamento, muitas vezes, pode parecer uma cena de possível conflito. O termo tem
sido utilizado muitas vezes para retratar fatos ou momentos de forma negativa. Nessa
perspectiva, as ações voltam-se para a prevenção de conflitos ou até para que os
mesmos não existam. É preciso separar o conflito nocivo e entender que, na fase de
desenvolvimento dos jovens, o conflito é uma questão presente. Qual profissão?
Entretenimento ou estudo? Qual rumo darei à minha vida? Quem são minhas
referências?
Ao não entender o conflito como parte integrante das relações na escola, a
ação pelo não conflito acaba por criá-lo. A escola não pode querer abafar as
contradições individuais e coletivas do contexto em que está inserida, poderíamos
resumir esta ideia com a frase “a escola não é uma ilha”.
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Teixeira (2011) ao apresentar sua perspectiva sobre conflito cita:
Segundo o ponto de vista tradicional, o conflito é entendido numa
perspectiva negativa, algo que deve ser prevenido e evitado. Esta
visão restringe-se apenas a algumas dimensões e aspectos do conflito.
Segundo os seus defensores, o conflito deve ser evitado, centrando
esforços nas suas causas e corrigindo os defeitos e as danificações
dele produzido. (TEIXEIRA, 2011, p. 29).
O conflito está presente na vida cotidiana da escola e de seus atores.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2012 apresenta os
seguintes números: 18 milhões de pessoas entre 15 e 24 anos estão fora da escola e 1,8
milhão não cursaram o ensino médio (17,9% do total de jovens). Entre 18 e 24 anos,
fase de ingressar em uma universidade, mais de 14,6 milhões não estudam (64,8% do
total de jovens nesta faixa etária).
A escola de ensino médio brasileira ruma para uma excessiva pressão e
submissão ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), como se o mesmo fosse o
objetivo único da formação nesta etapa da educação. Aqui cabe ressaltar que o exame
como avaliação tem seus méritos, porém, alcançar uma boa nota no Enem não pode ser
considerado o “objetivo único” dos estudantes de ensino médio. Ao refletir o conjunto
do processo, o próprio jovem sabe que não há vagas para todos os inscritos. É
necessário que a escola de ensino médio tenha uma função social clara para a sociedade
e, principalmente, para o jovem.
Ainda sobre conflito, Teixeira (2011) conclui:
Torna-se necessário fazer uma boa gestão dos conflitos para
solucioná-los podendo passar pela negociação ou por outras
estratégias e não a sua eliminação (Rahim, 2001). Como o conflito é
um fenómeno incontornável é essencial compreendê-lo e geri-lo da
melhor maneira possível para que os seus aspectos positivos sejam
utilizados e os negativos anulados (Cunha, 2004). (TEIXEIRA, 2011,
p. 34)
Não eliminar o conflito e entendê-lo como parte do processo educacional,
dentro de um contexto específico que a escola está inserida, passa também a ser um
desafio do sistema educacional brasileiro.
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2.3 Empatia
Nos estudos sobre convivência escolar encontramos muitos textos sobre
empatia. É preciso entender o espaço escolar como espaço completo, de trocas e de
vivências.
Segundo Sampaio (2009):
Apesar das divergências conceituais e metodológicas envoltas na
temática, existe consenso entre os teóricos a respeito da forte
influência que a empatia pode exercer nos processos de tomada de
decisão, especialmente quando esta se refere a questões ligadas ao
cuidado, respeito e moralidade. Por outro lado, constatou-se que a
avaliação causal da situação, bem como de outras habilidades
cognitivas (principalmente a capacidade de tomada de perspectiva),
tem o potencial para mediar e influenciar as respostas afetivas que
serão experimentadas no self. Outros dados sugerem haver diferentes
tipos de afetos quando o indivíduo experiência aquilo que os
pesquisadores têm chamado de episódios empáticos. Mais
especificamente, os dados de pesquisa indicam a existência de
sentimentos de perturbação e desconforto que são sentidos no self
quando se observa alguém sofrendo, em perigo ou desvantagem.
Todavia, observa-se também que, diante do sofrimento de alguém, as
pessoas podem sentir piedade, compaixão e um desejo claro de ajudar
quem está sofrendo, o que indica existência de diferenças qualitativas
nas respostas emocionais da empatia e reforça a tese de que a empatia
deve ser compreendida como construto multidimensional.
(SAMPAIO, 2009, p. 224-225)
O sistema capitalista reforça a cultura do individualismo e de mercado, onde a
competição é regra básica, não há espaço para todos, somente poucos conseguirão
chegar ao topo do pódio, e, na maioria das vezes, à custa da exploração do trabalho de
muitos. Pensando em uma escola e uma juventude criativa e inovadora é necessário
superar esta cultura. Entender e estimular os “episódios empáticos” visa contribuir para
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uma reflexão do indivíduo em coletivo, onde o afeto e a colaboração são parte do
processo educacional.
2.4 Cooperação
A cooperação muitas vezes é tratada como uma “obrigação” do sujeito.
Segundo Camargo (2012) “na Espistemologia Genética, o conceito de cooperação é
compreendido de, pelo menos, duas formas: como metodologia e como produto”.
Camargo (2012) define:
Existe, de acordo com Piaget, um paralelismo entre o
desenvolvimento intelectual e o desenvolvimento moral. O segundo
depende do desenvolvimento do primeiro, tendo-o como uma
condição necessária. Isso porque o desenvolvimento moral supõe a
saída de um estado predominantemente egocêntrico e regido pelo
respeito unilateral para outro que se compõe a capacidade de se
descentrar cognitivamente – essa capacidade é cognitiva. Em
contrapartida, se a capacidade cognitiva possibilita o desenvolvimento
moral instrumentalizando o pensamento, a moral fundamenta este
instrumento ao capacitar o sujeito para levar em consideração tanto o
contexto em que se inserem as relações sociais como o sentimento de
respeito, possibilitando autonomia de consciência. (CAMARGO,
2012, p. 528).
A sociedade das regras de “mercado” costuma castrar a possibilidade de levar
em consideração o outro. Nesta sociedade é o individualismo que impera, a
competitividade e o pensamento no outro (na sociedade de mercado) é uma simples
análise de público potencial. A superação destas regras passa por uma prática
educacional alicerçada em outros princípios, na compreensão de cooperação em outra
lógica.
Ainda citando Camargo (2012):
No texto Os Procedimentos da Educação Moral, Piaget (1930/1998)
apresenta quatro formas de compreender a cooperação:
1) Como um elemento da moral autônoma que tem sua fonte no
sentimento de respeito – neste caso, respeito mútuo. O sentimento
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de respeito é o que levará ao sentimento de obrigatoriedade, fonte
da moral. Assim: “[...] o respeito constitui o sentimento
fundamental que possibilita a aquisição das noções morais”
(Piaget, 1930/1998, p.27).
2) A personalidade é possível a partir da cooperação e não anula o
egocentrismo e heteronomia (eles coexistem), assim, mesmo a
relação de cooperação sendo uma superação das relações, essas
duas morais coexistem. Assim: “[...] a verdadeira cooperação é tão
frágil, e tão rara no estado social dividido entre os interesses e as
submissões, assim como a razão permanece tão frágil e tão rara
em relação às ilusões subjetivas e aos pesos das tradições.”
(Piaget, 1951/1965, p.111).
3) A cooperação inicia sua manifestação com o princípio de
igualdade, amparado na noção de justiça, como um fator de
igualitarismo, é a primeira manifestação da cooperação. Assim “A
adesão aos grupos e a cooperação se convertem em fatores de
igualitarismo. A partir daí, a criança colocará a justiça acima da
autoridade e a solidariedade acima da obediência” (Piaget,
1930/1998, p.31).
4) O respeito mútuo é o limite do respeito unilateral. Piaget
(1930/1998, p.37). (CAMARGO, 2012, p. 530).
Quando trabalhamos com juventude, necessitamos entender com
profundidade o conceito de “autonomia”. No caso específico do conceito de
cooperação, Camargo (2012) define que “o produto do respeito mútuo é a superação da
heteronomia moral”. A autonomia é a não sujeição a uma lei exterior ou vontade de
outros. Não há cooperação entre pessoas com relações desiguais. As relações baseadas
em coação ou dependência não produzem situações de cooperação. No espaço escolar
se torna necessário criarmos situações e vivências de cooperação, na acepção da
palavra, Camargo (2012) define:
As definições destacadas que caracterizam a cooperação podem ser
agrupadas da seguinte forma:
1) Uma relação que se fundamenta na reciprocidade, por considerar
os sujeitos envolvidos na interação como iguais (assumindo-se
sem hierarquia).
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2) Uma situação ideal de relação que exige dos sujeitos um
desenvolvimento intelectual e moral, capaz de possibilitar a
dissociação do pensamento de si do pensamento do outro com
quem se relaciona. Essa dissociação, e o respeito mútuo que se
possibilita a partir dela, é a lógica das relações de cooperação.
(CAMARGO, 2012, p. 532).
Conforme o autor (idem ibid) cita “chamamos de cooperação toda relação
entre dois ou “n” indivíduos iguais ou acreditando-se como tal, dito de outro modo,
toda relação social na qual não intervém qualquer elemento de autoridade ou de
prestígio”.
Este é um dos conceitos que necessitamos fomentar, debater e praticar na
escola.
2.5 Disciplina e indisciplina
É fácil encontrarmos em um debate sobre a realidade da escola brasileira
argumentações que “elegem” a disciplina (ou a falta dela) como uma das questões
centrais “à boa ordem da escola”. Aqui é necessário ressaltar que existe certa confusão
conceitual na definição de “disciplina”.
Ao desmembrar esta definição, Carvalho (1996) nos lembra da aproximação
do conceito de disciplina, nas instituições militares e eclesiásticas, que “implica um
controle sobre o comportamento como um valor, em que a rigidez do hábito invariável
centra-se em um único objetivo para cada instituição: ter uma força armada pronta para
o conflito ou atingir a beatitude”. Esta é uma perspectiva, mas é necessário entender
outras para compreender o processo geral.
Para Carvalho (1996), é necessário entender que existe uma acepção do
conceito que está vinculada a “respeito e imposição”, mas também há uma que nos leva
a “regras e métodos”. Ao aprofundar esta perspectiva, o autor cita o filósofo inglês
Gilbert Ryle, que afirma: “contrariamente ao que muitos afirmam, um método não é
uma pauta sequencial estereotipada, ou uma rotina de ações, que se grava mediante a
memorização pura, como apresentar armas ou recitar o alfabeto... Um método é uma
maneira de fazer algo que é passível de ser aprendida. A palavra maneira designa algo
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mais do que simples memorização ou rotina. Uma maneira de fazer algo é um modus-
operandi...” (CARVALHO, 1996, p.5).
A vivência no espaço escolar nos mostra que existem diversos momentos em
que a necessidade de interação entre os jovens é muito mais produtiva. Ou seja, é a
técnica e o contexto que definem se haverá interação ou não em uma sala de aula.
Ao comentar sobre “disciplina e indisciplina” dentro da escola Carvalho
(1996) conclui:
O trabalho do professor não é do de fixar, através de comportamentos
invariáveis, mas o de criar, segundo seus objetivos e as características
daquilo que ensina, disciplinas e métodos de ação e pensamento que
consideramos valiosos. Ter um método para transmitir disciplinas não
é ter um discurso sobre a disciplina, mas é criar uma maneira de
trabalhar! Tal maneira será tanto mais eficaz quanto mais o professor
tiver clareza de objetivos e procedimentos dos conteúdos ou áreas de
conhecimento com as quais deseja trabalhar. Nesse sentido, o
problema da disciplina escolar desloca-se do âmbito e da perspectiva
moral e comportamental para situar-se no âmbito da apropriação de
práticas e linguagens públicas, em cuja a difusão reside a principal
atividade das instituições escolares. (CARVALHO, 1996, p.138).
Aqui cabe a reflexão sobre relação entre os atores da escola, seja em sala de
aula ou fora dela, e o objetivo central da ação educativa. Quando este objetivo não está
centrado no indivíduo em sociedade e suas relações há uma tendência de “mecanização”
das atividades pedagógicas, onde a principal tarefa do educador é cumprir os seus
objetivos, não importando a realidade do aluno. Neste cenário é necessário criar corpos
dóceis, disciplinados e obedientes.
2.6 Conceito de valor
Para finalizar a primeira parte de conceitos, expressões e desafios do
entendimento sobre convivência escolar é necessário conceituar “valor”. Goergen
(2005) cita André Lalande (1999) no seu dicionário técnico e crítico de filosofia e
define assim o conceito:
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a) característica das coisas que consiste em serem elas mais ou menos
estimadas ou desejadas por um sujeito ou, mais comumente, por um
grupo de sujeitos determinados. Este é um significado subjetivo.
b) característica das coisas que consiste em merecerem elas maior ou
menor estima. Este é um significado objetivo.
c) característica das coisas que consiste em elas satisfazerem um certo
fim. Trata-se do caráter objetivo/hipotético.
d) característica de coisas que consiste no fato de, em determinado
grupo social e em determinado momento, serem trocadas por uma
quantidade determinada de uma mercadoria tomada como unidade.
e) Preço que se estima do ponto de vista normativo deva ser pago por
um determinado objeto ou serviço (justo valor).
f) a significação não só literal, mas efetiva e implícita que possuem
uma palavra ou expressão (Lalante, 1999, verbete ‘valores’).
(GOEGEN, 2005, p.986).
Vários pensadores conceituaram e até hoje refletem e tentam conectar este
conceito na “educação moral” dentro do espaço escolar. Muitas críticas surgem ao
iniciar este debate, em especial que existe uma idealização nos valores ensinados aos
mais jovens, pois eles não condizem com as práticas sociais recorrentes. A escola
sussurra uma coisa, a sociedade berra outra. Isso se intensifica quando subestimamos o
papel reflexivo do estudante, em especial do jovem como observador/pensador/ator do
processo. Ao refletir sobre o conceito de valor, Goegen (2005) cita:
Uma das características desta compreensão moral é a concepção de
valor como processo. O valor não é algo estático que possa ser
conhecido e depois conservado. Ele depende das experiências e do
processo de amadurecimento dos sujeitos. No processo educativo, isso
significa que o adulto deverá renunciar a qualquer tentativa de
persuadir os jovens a aceitar um conjunto predeterminado de valores.
A única coisa que a educação pode fazer é estimular o aluno a assumir
o próprio processo de valoração. A formação moral é um processo
complexo que abriga diversos aspectos, desde a incorporação das
convenções sociais até a formação da consciência moral autônoma. As
formas de aquisição de tais requisitos incluem a reflexão e as atitudes
pessoais até os sentimentos e comportamentos que são estimulados
pela educação formal ou informal, como também pela simbiose ou
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mimese cultural. A educação moral, entendida como conjunto de
todos este movimentos, é um processo de construção sócio-cultural da
personalidade ou do sujeito moral. (GOERGEN, 2005, p.1005).
Até aqui aprofundamos alguns conceitos, agora é necessário jogar luz nas
questões, desafios e conceitos que circundam o contexto juvenil brasileiro.
3 CONCEITOS DE EMANCIPAÇÃO E JUVENTUDE
Dois conceitos darão norte nesta parte do artigo, são eles: juventude e
emancipação. Aqui cabe ressaltar que a legislação brasileira (Estatuto da Juventude)
indica também “autonomia” como diretriz da política. Este autor acredita que o conceito
de emancipação se adapta melhor ao foco deste artigo. Vamos aos conceitos.
3.1 Emancipação
Uma melhor ação educacional é concretizada a partir da análise do contexto
em que o jovem está inserido, sua trajetória, anseios e perspectivas. Sendo assim é
necessário entender o conceito norteador das políticas para juventude no Brasil, a
“emancipação”.
Segundo o Estatuto da Juventude, no parágrafo I do seu artigo 2°, as políticas
públicas de juventude tem como princípio a “promoção da autonomia e emancipação
dos jovens”.
O termo “emancipação” muitas vezes é limitado a questões financeiras ou de
sustento dos jovens, ou da sua ligação financeira com a família. Marx (2003) sugere que
a emancipação humana está vinculada a um ganho de consciência dos sujeitos em seus
contextos aliado a uma nova perspectiva da sua força de trabalho em sociedade. O autor
destaca que:
Somente quando o homem individual real recupera em si o cidadão
abstrato e se converte, como homem individual, em ser genérico, em
seu trabalho individual em suas relações individuais somente
reconhecido e organizado suas “forces propes” como forças sociais e
quando, portanto já não separa de si a força social sob forma de força
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política, somente então se processa a emancipação humana. (MARX,
2003, p. 42, grifos do autor).
Na filosofia também pode se considerar emancipação a luta de grupos ou
setores sociais por igualdade ou por direitos.
A emancipação está ligada à cidadania que tem origem do latim civitas,
significando os direitos atribuídos ao cidadão ou até mesmo “cidade”. Civitas também
foi utilizada para designar a situação política de uma pessoa na cidade. O conceito
evoluiu durante o tempo e hoje cidadão é aquele nascido em um dado país, possuidor de
direitos. É necessário afirmar que esta condição “cidadã” exige consciência de sua
situação individual, e em coletivo, bem como conhecimento dos seus direitos.
Se forem necessários consciência e conhecimento dos seus direitos para
garanti-los, também é necessário compreender o momento biológico e social da
juventude, visando aproximar a educação do sujeito.
3.2 Juventude
Definindo o termo “juventude” é importante aproximar-se do dos escritos
internacionais, sobre o tema a UNESCO descreve:
O termo “juventude” refere-se ao período do ciclo da vida em que as
pessoas passam da infância à condição de adultos e, durante o qual, se
produzem importantes mudanças biológicas, psicológicas, sociais e
culturais, que variam segundo as sociedades, as culturas, as etnias, as
classes sociais e o gênero. Convencionalmente, para comparar a
situação de jovens em distintos contextos e fazer um acompanhamento
da evolução no tempo, se estabelecem ciclos de idade. Sua
mensuração não apresenta maiores problemas de confiabilidade e é
uma informação investigada na maioria das fontes disponíveis de
coleta periódica de dados. (UNESCO, 2004, pg 23)
Esta etapa da vida, mais especificamente a adolescência, também é marcada
por, segundo Vera Wrobel e Clélia Ehlers de Oliveira (2005), “uma intensidade
energética que marca esse momento de agitação que é biologicamente determinada”.
Muitos conflitos e desafios durante esta fase, ainda segundo as autoras o jovem-
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adolescente “estando em pleno processo de construção de sua identidade, ele se vê
imerso em um imenso turbilhão de sentimentos e emoções”.
Neste processo de construção e desconstrução de conceitos e modelos, o
jovem passa a acessar novos circuitos de relações e inicia, com mais intensidade, um
processo de questionamento de modelos e padrões, a partir da comparação entre outros
modelos.
Existe ainda a cobrança da idealização de transição para a vida adulta perfeita
da sociedade, onde é imposto um modelo perfeito de transição, demonstrado na figura
abaixo:
Quadro 1: Processos de transição para a vida adulta – Padrões Consolidados após a segunda guerra
Fonte: CARVALHO, M.B. (2015)
Segundo a antropóloga Profa. Dra. Regina Novaes (UFRJ), este padrão foi
consolidado após a segunda guerra e tornou-se um “guia”. O problema é que a grande
maioria da juventude sequer se aproxima desta idealização, principalmente os mais
pobres, que, ao distanciarem-se deste “guia”, são considerados, por comparação, como
“fracassados” ou “desajustados”.
Se este padrão linear pauta o conjunto de atores da educação, qualquer
formato diferenciado tende a ser considerado “menos propenso ao sucesso” (utilizando
aqui um conceito do mundo do trabalho, de avaliação de carreiras e profissões).
Para Pais (2008):
Os jovens são o que são, mas também são (sem que o sejam) o que
deles se pensa, os mitos que sobre eles se criam. Esses mitos não
reflectem apenas a realidade, ajudam-na também a instituir-se como
uma idealização ou ficção social. O importante é não nos deixarmos
contagiar por equívocos conceptuais que confundem a realidade com
as representações que a conformam ou dela emanam (Ruíz, 1995, p.
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81). É que, como disse, as palavras, por vezes, mascaram a realidade,
ou melhor, constroem-na à imagem das máscaras que usam para a
representar. Aliás, as fases de vida e a própria idade são construções
sociais. (PAIS, José Machado – Máscaras, jovens e “escola do
Diabo”)
É necessário que a escola como instituição e seus atores, incorporem a
diversidade “não-linear” de transição para a vida adulta do jovem e de sua família para
compreender, sem nenhum tipo de idealização romântica, o contexto do sujeito e o
processo educacional como um todo. Entre os novos padrões, segundo Novaes (2012)
podemos citar:
Novas relações entre escolaridade e inserção no mundo do
trabalho;
Dissociação entre sexualidade e casamento;
Novos arranjos familiares;
Novas maneiras de “estar no mundo” (tecnologias de informação
e comunicação)
Ao refletir sobre o refrão da letra da música “Não é sério” do grupo Charles
Brown Junior, Dayrell e Gomes citam:
A música também denuncia um outro fenômeno comum: a criação de
imagens e preconceitos sobre a juventude contemporânea,
principalmente pelas mídias, que interferem na nossa maneira de
compreender os jovens. Uma das mais arraigadas é a juventude vista
na sua condição de transitoriedade, onde o jovem é um “vir a ser”,
tendo, no futuro, na passagem para a vida adulta, o sentido das suas
ações no presente. Sob essa ótica, há uma tendência de encarar a
juventude na sua negatividade, como o que ainda não se chegou a ser
(SALEM,1986), negando o presente vivido. Essa concepção está
muito presente na escola: em nome do “vir a ser” do aluno, traduzido
no diploma e nos possíveis projetos de futuro, tende a negar o presente
vivido dos jovens como espaço válido de formação, bem como as
questões existenciais que eles expõem, as quais são bem mais amplas
do que apenas o futuro. Quando imbuídos por esta concepção, os
projetos educativos perdem a oportunidade de dialogarem com as
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demandas e necessidades reais do jovem, distanciando-se dos seus
interesses do presente, diminuindo as possibilidades de um
envolvimento efetivo nas suas propostas educativas. (DAYRELL,
Juarez Tarcísio e GOMES, Nilma Lino – A Juventude no Brasil, pgs
01 e 02)
Ao questionar sobre o jovem e seu contexto é necessário apropriar-se de uma
série de informações que, segundo Novaes (2012), são “situações intermediárias,
reversíveis e coincidentes” do contexto da juventude:
Solteiro ou casado?
Trabalhador ou estudante?
Trabalhador ou desempregado?
Incluído ou excluído?
Longe ou perto da morte?
Isolado ou conectado?
4 VISÃO GERAL SOBRE A JUVENTUDE NO BRASIL
O contexto individual do jovem e suas relações cotidianas precisam ser
assimilados pela escola e seus agentes, mas não é somente isso, existe um contexto
geral, uma nova cultura de relações e conexões em que a juventude brasileira está
envolvida ou é protagonista, que necessita “fazer parte” do cotidiano de diálogos e
formulações dentro da escola.
Para análise do macro contexto utilizaremos a pesquisa “Agenda Juventude
Brasil – Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros 2013” da Secretaria
Nacional de Juventude – SNJ do Governo Federal. A pesquisa contou com 3.300
entrevistas, distribuídas em 187 municípios, estratificados por localização geográfica
(capital e interior, áreas urbanas e rurais) e em tercis de porte (municípios pequenos,
médios e grandes), contemplando as 27 Unidades da Federação.
4.1 O jovem majoritariamente urbano
18
A primeira questão a ser considerada é que o jovem brasileiro é
majoritariamente urbano, 85% dos jovens da pesquisa declarou que “mora na cidade”.
Quadro 2: Situação domiciliar dos jovens no Brasil - Agenda Juventude Brasil
Fonte: SNJ , Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros 2013, pg 13
Quando pontuamos sobre o contexto do jovem e identificamos sua situação
domiciliar nossa intenção deve ser apropriar-se do conjunto de símbolos que o jovem
traz consigo, lembrando que cada contexto é também único pois nem sempre os jovens
do campo do norte brasileiro possuem as mesmas características culturais ou vivências
dos jovens do campo da região sul do país. Mesmo a pesquisa apresentando os números
gerais, cabe atentar-se aos desdobramentos dela e dar a devida importância à
multiplicidade de combinações de situação domiciliar.
4.2 Sexualidade
Com a questão da sexualidade, vemos que todos os recortes etários da
“juventude” possuem porcentagem de jovens com filhos. Além disso, 81% dos
entrevistados declarou que já teve relações sexuais, o que torna cada vez mais
necessário que a escola seja um local apropriado, acolhedor e promotor do debate sobre
sexualidade e juventude.
19
Quadro 3: Posse de filhos, por sexo e idade (Agenda Juventude Brasil – Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros
2013)
Fonte: SNJ , Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros 2013, pg 14
Ao refletir sobre “Juventude, Sexo e AIDS”, Lima (2008), justifica a
naturalização de um modelo de sexualidade que atua por muito tempo como obstáculo
na percepção da sua importância para a afirmação da identidade sexual dos indivíduos
através de uma citação de Michel Bozon (2004). Para Bozon:
[...] o pudor se apoderou da sexualidade e de todas as suas
manifestações, sobre as quais não se podia mais falar com
espontaneidade, entre próximos, nas conversas cotidianas e, em
particular entre pais e filhos. [...] A educação sexual das crianças
passou a ser um “problema”. A religião por sua vez, teve uma
participação preponderante na condução de uma cultura sexual voltada
para a castidade, justificada apenas, a partir de fins reprodutivos,
qualquer possibilidade diferente dos objetivos da procriação, estaria
fora dos planos de Deus, a idéia do pecado sempre esteve muito
próximo. Essa imposição da igreja modelou comportamentos e impôs
aos homens e mulheres uma sexualidade reprimida, “os textos de
Agostinho (séc. V) teorizam a recusa à concupiscência (desejo) e ao
prazer, de tal forma que levam a uma restrição em direito da atividade
20
sexual apenas à obra de procriação desejada por Deus e pela natureza
(BOZON, 2004).
(LIMA, Juliano Jamisson de Almeida – Juventude, Sexo e AIDS, pg.
20)
Se a legislação já define o jovem como sujeito de direitos, é preciso
compreender suas necessidades e expectativas como indivíduo em sociedade. Não
estamos tratando aqui somente das questões biológicas, é preciso ampliar esta
perspectiva para entender como a sociedade trata estas questões. A mídia e as sociedade
nas redes sociais trabalham com a valoração do tema, uns com princípios morais, outros
com mercadológicos. Como o jovem (individualmente e em grupo) fica neste cabo de
guerra?
4.3 Novas tecnologias da informação
Os jovens e suas relações com as novas tecnologias da informação também
auxiliam na compreensão sobre os temas a assuntos que a juventude acessa. É fácil
identificar o peso da internet no cotidiano escolar com a crescente relevância da mesma
para “comunicar” e “informar” os jovens.
Diferentes dos jovens estudantes de décadas passadas, que conviveram
exclusivamente com tecnologias como o rádio e a televisão, os jovens estudantes de
hoje possuem acesso a smartphones e a internet, estão “conectados” e dominam com
agilidade a relação com a internet, redes e mídias sociais.
Um importante dado desta realidade (apresentado no quadro 4) mostra que
mesmo com acesso a internet, a grande maioria dos jovens ainda se informa pela
televisão aberta.
Quadro 4: Meios como costuma se informar sobre o que acontece no Brasil e no mundo (Agenda Juventude Brasil – Pesquisa
Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros 2013)
21
Fonte: SNJ , Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros 2013, pg 22
Outro dado importante é a posse do telefone celular. Aqui é importante
salientar que a pesquisa mostra uma relação inicial entre o aparelho e a internet, porém,
é crescente a aquisição no Brasil de telefones do tipo “smartphone”, que possibilitam a
aquisição de aplicativos de comunicação gratuita através de conexões wi-fi ou
bluetooth.
Quadro 5: Posse de celular
Fonte: SNJ , Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros 2013, pg 23
O desenvolvimento de novos aparelhos, com maior tecnologia ou com
valores cada vez mais acessíveis ao conjunto da população tornará o celular uma
ferramenta quase que indissociável dos jovens.
Quadro 6: Uso que costuma fazer do celular
22
Fonte: SNJ , Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros 2013, pg 24
Diferente de outras tecnologias, a internet, acoplada ao telefone celular, o
torna uma potente ferramenta de informação e comunicação, um atrativo muito mais
potente que as paredes lisas das escolas de ensino médio do Brasil.
Entender uma ferramenta de comunicação e de informação como inimiga da
escola é isolá-la do contexto em que ela está inserida. A escola precisa ser um local cada
vez mais interessante e agradável para a juventude, um local onde o conhecimento
instiga, atrai e movimenta.
4.4 Jovens e a violência no Brasil
Segundo a Secretaria Nacional de Juventude – SNJ sobre a Agenda
Juventude, “um dos dados mais contundentes da pesquisa é aquele que permite
visualizar o peso que tem a violência na vida dos jovens. Metade deles já perdeu
alguém próximo de forma violenta: por acidente de carro ou por homicídio”.
Quadro 7: Perda de pessoas próximas por morte violenta, causa mortis e vínculo com pessoas perdidas (Agenda Juventude Brasil –
Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros 2013)
23
Fonte: SNJ , Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros 2013, pg 25
As vítimas, na maioria dos casos, são amigos, tios ou irmãos desses jovens,
ou seja, companheiros de geração.
Ainda sobre a pesquisa é importante destacar que “ao separar, dentre as
causas de morte, aquelas que se referem a assassinatos, teremos que ¼ da população
jovem do Brasil carrega a condição de ter tido uma pessoa muito próxima vítima de
homicídio. Isso configura uma experiência geracional de alta dramaticidade, que
explica o peso que o tema da violência alcança nas preocupações dos jovens”.
4.5 Sobre espaços de vivências
A vida é uma sequência de vivências, fatos e eventos que nos dão
oportunidades de análise e reflexão de processos e condutas, são nossa “experiência de
mundo”. Quanto mais experiências, mais amplo é o campo de visão do jovem. O quadro
abaixo demonstra que a maioria dos jovens não possui frequência em atividades de
lazer, esporte e cultura.
24
Quadro 8: Frequência a atividades de lazer cultura e passeios (Agenda Juventude Brasil – Pesquisa Nacional sobre o perfil dos
jovens brasileiros 2013)
Fonte: SNJ/IPEA , Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros 2013, pg 42
A política pública para a juventude no Brasil tem como um dos seus
princípios a “promoção da autonomia e emancipação dos jovens”. O conceito de
autonomia nas políticas públicas é alcançado com a geração de oportunidades que
possibilitem contribuir para a autonomia intelectual, social e financeira do jovem. Em
tese, o tripé proposto (autonomia intelectual, social e financeira) possui parcela
significativa de contribuição da escola, em especial a autonomia intelectual. Se o atual
contexto é de transferência de responsabilidade (para a escola) das atribuições de outras
instituições que precisam participar deste processo, como é possível completar as pontas
do tripé? Ou seja, quando faltam políticas culturais na cidade, a escola assimila esta
sobrecarga. A lógica defensiva de proteção das instituições argumentaria que a escola
não necessita cumprir todos os papéis no desenvolvimento destes jovens. Mas este
25
jovem não é um gaveteiro onde podemos encher uma gaveta e deixar a outra vazia. É
preciso entender o jovem como sujeito de direitos e pessoa em desenvolvimento, desta
forma o processo é integral. Mesmo seguindo a lógica do gaveteiro, a tendência é que o
jovem expresse suas insatisfações, ansiedades e frustações no espaço onde a
convivência com diferentes agentes é permitida, neste caso de estudo é a escola este
espaço. Assim sendo, as atividades e a convivência podem propiciar um espaço
acolhedor e atrativo na escola ou o jovem vai procurar este espaço em outro lugar.
Segundo o filósofo francês Edgar Morin “educação deve ser um despertar
para a filosofia, para a literatura, para a música, para as artes. É isso que preenche a
vida. Esse é o seu verdadeiro papel”. Como podemos pensar isto com uma escola
conteudista e que foca suas ações na “preparação para o ENEN e para o vestibular”?
4.6 Associativismo e participação
A participação social efetiva amplia os horizontes de conhecimento do
indivíduo e possibilita a experimentação de conhecimentos e vivências em diferentes
locais e com diferentes grupos. Quanto mais participativas e plurais são as experiências,
mais oportunidades de acessar novos conhecimentos ou de aplicar os conhecimentos
obtidos na escola.
Quadro 9: Participação em associações e entidades (Agenda Juventude Brasil – Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens
brasileiros 2013)
26
Fonte: SNJ , Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros 2013, pg 38
É preciso que os espaços de associação e participação juvenil se
ressignifiquem, tornando-se “atrativos” e tendo uma “função real” para o conjunto da
juventude, ultrapassando a significação limitada do individualismo, que impõe ao jovem
um critério de “benefício pessoal” para qualquer atividade coletiva ou de agrupamento.
É possível verificar que mesmo com os avanços tecnológicos que conectam
as pessoas, em especial os jovens, existe no Brasil uma carência de vivências que
podem auxiliar no desenvolvimento intelectual e social deste jovem. Este “limitador”
pode estar contingenciando energia criativa e potencial inovador de uma geração inteira.
Aqui é preciso frisar que a análise do processo educacional necessita ultrapassar os
muros das escola para entender o individuo em seu contexto.
4.7 O interesse dos jovens sobre os grandes problemas do Brasil
Quando subestimamos o papel do jovem no contexto da escola e do país, nos
distanciamos da possibilidade de contar com a capacidade criativa e reflexiva destes
atores, na compreensão dos grandes desafios do país e na construção de alternativas
para estes desafios.
27
Quadro 10: Quais são os problemas que mais preocupam os jovens atualmente (Agenda Juventude Brasil – Pesquisa Nacional sobre
o perfil dos jovens brasileiros 2013)
Fonte: SNJ , Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros 2013, pg 26
A escola se tornaria um espaço mais interessante se conseguisse assimilar e
transformar em conteúdo os anseios e desejos desta juventude que está “refém” das
informações que a televisão repassa ou que “viralizam” na internet/redes sociais.
Quadro 11: Assuntos que gostaria de discutir com pais e responsáveis (Agenda Juventude Brasil – Pesquisa Nacional sobre o perfil
dos jovens brasileiros 2013)
Fonte: SNJ/IPEA , Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros 2013, pg 27
28
5 CONCLUSÃO
A escola e os atores que vivenciam o seu dia-a-dia precisam entender o jovem
em seu contexto.
Ao estudarmos sobre convivência escolar e os diversos conceitos que orbitam
e se relacionam com o tema, vemos que a escola brasileira, de maneira geral, ainda está
distante da reflexão e da prática cotidiana que consigam incorporar o tema e criar uma
cultura de planejamento e observação das relações entre os atores envolvidos e seus
contextos.
Avançando nesta análise, com o aditivo do recorte específico de juventude,
fica cada vez mais claro que a escola e seus gestores (desde o macro sistema até a
gestão da unidade escolar) não conseguem sequer avançar em construir um espaço que
se aproxime da “cara” do jovem, ou, pelo menos, entenda a sua “etapa de vida”. Quando
pensamos na educação infantil logo vem a lembrança de salas coloridas, estimulantes e
instigantes. Um espaço adaptado àquele grupo etário. Não temos muito exemplos como
este ao pensar sobre a escola de ensino médio, principalmente quando a maioria dos
sistemas educacionais se rende a hegemonia do pensamento de mercado e adotam metas
e objetivos que estimulam a concorrência e o individualismo, despreocupados com o
contexto destes jovens, desatentos aos seus símbolos, quando não estão castrando a
criatividade destes com milhares de informações que não fazem o menor sentido para a
vida cotidiana destes atores, tornando o cotidiano da escola desestimulante.
Quando se assume que o jovem pode cumprir o papel de
observador/pensador/ator do processo não só do processo educacional, mas de todas as
questões que envolvem o desenvolvimento local (bairro, cidade, região) não relegamos
a eles o papel passivo de meros “assimiladores de conteúdo” ou espectadores de um
roteiro de vida que nunca lhes foi apresentado.
No processo de diagnóstico dos interesses dos jovens, quantas vezes, em
escolas de Ensino Médio no Brasil, se faz a convergência de interesses (cotidiano do
aluno + conteúdo curricular) para a criação de novas maneiras de ambientar e atrair o
jovem?
29
Do ponto de vista estrutural, as escolas de Ensino Médio do Brasil ainda não
possui um ferramental mínimo que esteja em sintonia com as novas tecnologias da
informação. Os jovens carregam em seus bolsos celulares com aplicativos atrativos,
desafiadores, e não estamos conseguindo produzir novas estratégias que acompanhem
estas inovações. Quais são os desafios que a escola impõe aos jovens? Estes desafios
tem alguma conexão com a vida deles, suas expectativas e anseios? Estes desafios são
construídos em comum acordo?
O debate que tenta separar as responsabilidades da escola e da família está
ultrapassado, estas relações são dialógicas, suas interações auxiliam no
desenvolvimento de estratégias cotidianas de superação de desafios. A lógica de
mercado destrói as relações e a função social da escola. É necessário resgatar e atualizar
cotidianamente a função macro (interesse nacional e coletivo) e “linkar” isto ao
cotidiano do jovem (com todas as suas dúvidas, expectativas e interesses) convergindo
num ambiente de diálogo democrático, atrativo e inovador.
Os desafios são muitos, requerem uma reflexão geral do sistema até o dia-a-
dia da escola. Mas esta não será uma via de mão única, é preciso construir novos
espaços escolares e novas práticas escolares no ensino médio em conjunto com os
jovens. É preciso desafiá-los e nos desafiar para avançarmos para uma nova condição.
Sem receita pronta e acabada. Contextos, desafios, potências serão os ingredientes e
temperos desta receita.
30
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