Post on 15-Dec-2018
jan
eiro
20
11
l co
rre
io A
PP
OA
.1
edito
rial.
No fim
do Im
pério R
oman
o do O
ciden
te, em 525 d
.C., o abad
e de
Rom
a Dion
ísio, o Exígo, basead
o na in
formação sobre a id
ade d
e Rom
a
desd
e a sua fu
nd
ação e em d
etalhes h
istóricos do p
eríodo d
o nascim
ento
de C
risto, estabeleceu o an
o em qu
e isto teria acontecid
o. Com
esses
dad
os, Dion
ísio defin
iu o an
o 1 do calen
dário cristão com
o o ano 754 d
a
fun
dação d
e Rom
a. Este calen
dário p
assou a ser u
sado p
elos cristãos e
ganh
ou m
aior imp
ortância com
a reforma em
preen
did
a pelo p
apa G
re-
gório XIII, em
1582, motivo p
elo qual o calen
dário cristão ocid
ental é
cham
ado d
e gregoriano. O
pap
a Gregório X
III o institu
iu, estabelecen
do
que os an
os centen
ários divisíveis p
or 400 deveriam
ser bissextos e que
todos os d
emais an
os centen
ários deveriam
ser norm
ais. Aos p
oucos, ele
foi send
o adotad
o em tod
a a Eu
ropa. H
oje é válido em
quase tod
o o mu
n-
do ocid
ental e em
partes d
a Ásia. O
calend
ário gregoriano con
tém as d
a-
tas oficiais da Igreja C
atólica, dos d
ias dos san
tos e festividad
es: dia d
o
nascim
ento d
e Cristo é N
atal e o 1º de jan
eiro, o An
o Novo, d
ia que m
arca
a circun
cisão de C
risto. “Qu
and
o se comp
letaram os oito d
ias para ser
circun
cidad
o o men
ino, foi-lh
e dad
o o nom
e de Jesu
s, que p
elo anjo lh
e
fora posto an
tes de ser con
cebido” (Lu
cas 2:21).
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OA
.3
A to
po
log
ia d
o c
orp
o.
co
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OA
l jan
eiro
20
11
2.
edito
ria
l.
A rep
etida om
issão dos católicos em
declarar o já sabid
o sobre a
origem ju
daica d
e Cristo e a su
rpresa d
e algun
s com a associação d
e
Jesus e a cin
cun
cisão, diz-n
os de u
m esq
uecid
o/recalcado traço n
a
virada d
o ano, m
arco de u
m n
ovo temp
o. Pois, não é in
disp
ensável ao
adven
to do n
ovo que algo d
o antigo seja recalcad
o? No caso, a “n
ova”
religião cristã não im
poria u
m esqu
ecido sobre a an
tiga religião jud
aica?
A cad
a final d
e ano a ten
são entre o in
édito e o p
assado se reatu
aliza
entre os su
jeitos. A ép
oca é, mais qu
e nu
nca, d
e divisões en
tre mem
órias
vívidas e a ren
ovação das ap
ostas no d
iferente; en
tre o que foi e ain
da
esperam
que será. Para algu
ns, o an
tigo é o que p
revalece nesta ép
oca,
dizen
do d
e um
velho qu
e se faz mais p
resente qu
and
o se trata da p
ers-
pectiva d
o novo. N
um
a espécie d
e reajuste d
o recalque, o N
atal evoca as
festas da in
fância e in
un
da d
e nostalgia p
elo temp
o que já se foi, en
-
quan
to que o R
éveillon se associa à eu
foria do n
ada d
ever, ao deixar
para trás o an
tigo.
Na d
imen
são do recalqu
e, portan
to, a med
ida en
tre o passad
o e o
futu
ro parece n
un
ca se ajustar: ou
bem a n
ostalgia do p
erdid
o, ou bem
a
euforia d
a soltura d
a dívid
a.
O recalqu
e, entretan
to, não é con
dição p
ara o novo, o qu
e o conceito
de ato an
alítico perm
ite dep
reend
er. Ele d
escortina o n
ovo a partir d
e
outra virad
a: a da p
osição do su
jeito dian
te do fan
tasma e d
iante d
os
significan
tes do O
utro.
A tem
ática do an
o de 2010 n
a AP
PO
A, sobre o ato an
alítico, seguirá
send
o em 2011 n
osso guia d
e estud
os. O C
ongresso d
a Con
vergência, em
2012, o qual a A
PP
OA
sediará – e terá com
o título “O
ato analítico e su
as
incid
ências clín
icas, políticas e sociais” – d
efine o p
rosseguim
ento em
torno d
o imp
ortante con
ceito.
O ato an
alítico é fun
dam
ental, d
entre m
uitas razões, p
or justam
ente
prop
orcionar a realização d
o verdad
eiramen
te inéd
ito, pois é d
a verd
ad
e
do su
jeito que se trata.
“Ap
enas, vejam
, o sujeito, d
igamos o an
alisante, n
ão é algo sem d
i-
men
são, sugerid
o pela im
agem d
o desen
ho. E
le próp
rio está no in
terior, o
sujeito com
o tal está já determ
inad
o e inscrito n
o mu
nd
o como cau
sado
por u
m d
etermin
ado efeito d
e significan
te.
O qu
e resulta d
isso é que n
ão falta mu
ito para qu
e a redu
ção a
um
a das situ
ações preced
entes seja p
ossível. Não falta, exceto p
elo se-
guin
te: que o saber, em
certos pon
tos que p
odem
certamen
te ser semp
re
descon
hecid
os, faz falta. E são p
recisamen
te esses pon
tos que, p
ara nós,
estão em qu
estão sob o nom
e de v
erda
de” (Lacan
, lição de 3/11/1967).
Feliz ano n
ovo de verd
ade!
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OA
.5
temátic
a.
Ap
rese
nta
çã
o
Líg
ia V
ícto
ra1
Um
hom
em precisa adoecer
para ter acesso a um
a verdade dessa espécie.2
Em
Freud
como em
Lacan
temos qu
e o neu
rótico é ser feito de
lingu
agem.
Freud
consid
erava o ind
ivíd
uo com
o um
saco: um
a bola com u
m
espaço d
en
tro – o seu E
u – e u
m lad
o de fo
ra – o resto d
o mu
nd
o. Partes
bem d
elimitad
as e separad
as por u
ma p
ele, um
revestimen
to mais ou
1 Ligia Gomes Víctora é coordenadora dos Sem
inários de Topologia da APPOA.
2 Freud, 1915. Luto e melancolia.
co
rre
io A
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l jan
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6.
tem
átic
a.
jan
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OA
.7
temátic
a.
men
os perm
eável, que ad
mitia algu
mas in
tromissões, através d
o “siste-
ma p
erceptivo”.
Já Lacan
, com os recu
rsos da Top
ologia, utilizou
as sup
erfícies
un
iláteras para d
emon
strar como in
terior e exterior do fa
lasser se com
u-
nicavam
. Estavam
em con
tinu
idad
e e isto pod
ia ser dem
onstrad
o com a
band
a de M
œbiu
s.
Para a Psicanálise o corp
o do su
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omin
antem
ente im
aginá-
rio, mas tem
seu n
úcleo real e su
as imp
licações simbólicas. E
le se apre-
senta e se relacion
a através dos sign
ificantes.
Du
rante o an
o de 2010, o S
emin
ário de Top
ologia da A
PP
OA
estud
ou
algum
as questões d
o corpo físico e p
sicossomático qu
e nos in
trigam. E
sta
sessão temática traz algu
ns d
estes temas d
a lógica desta su
perfície
un
ilátera, mu
ltidim
ension
al, estranh
a e comp
lexa que é a carap
aça do
fala
sser.
Este n
úm
ero do C
orreio teve a particip
ação de tod
os os integran
tes
do S
emin
ário de Top
ologia da A
PP
OA
.3
3 Participantes do seminário de Topologia em
2010: Ana Cristina Teixeira, Elisabeth Sudbrack, Felipe Pimentel, Gilson Firpo,
Maria Beatriz Kallfelz, M
anuela Lanius, Maria Rosane Pereira, M
ary Georgina Boeira da Silva, Ricardo Vianna Martins, Ricardo
Pires, Silvana Lunardi, Sílvia Carcuchinski Teixeira, Sonia Mara Ogiba, Sueli Souza dos Santos, Susana Saenger, Thales de
Abreu, Verónica Pérez. Coordenação: Ligia Víctora.
Co
nsid
era
çõ
es s
ob
re p
sic
an
ális
ee
a d
or d
ita fís
ica
e c
rôn
ica
Ela
ine S
taro
sta
Fo
guel
I. A n
ec
essid
ad
e d
a fo
rma
çã
o d
e u
m c
on
ce
itop
sica
na
lítico
de
do
rA
estrutu
ra da p
sicopatologia p
sicanalítica p
ode ser p
ensad
a de d
ois
mod
os não exclu
den
tes: prim
eiro, através das estru
turas freu
dian
as da
neu
rose, psicose, p
erversão e, consequ
entem
ente, em
segun
do lu
gar, o
que p
oderá ser con
struíd
o da relação d
o Su
jeito com o seu
objeto. Essas
estrutu
ras distin
guem
a psican
álise da p
siquiatria e d
as psicoterap
ias e,
apesar d
os estatutos ep
istemológicos esp
ecíficos nas relações d
e objeto
em Freu
d e em
Lacan, n
ão parece h
aver, na p
sicanálise, n
ada m
ais fun
da-
men
tal do qu
e essa constru
ção: recalque, foraclu
são, den
egação e qual a
relação de d
esejo do S
ujeito com
seu objeto, isto é, com
o o Su
jeito goza
jan
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.9c
orre
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8.
tem
átic
a.
A to
po
log
ia d
o c
orp
o.
nessa relação. C
abe aind
a afirmar qu
e, na relação com
essa psicop
atologia
fun
dam
ental, a d
or atravessa todas as estru
turas: n
ingu
ém está livre d
ela.
Essa p
sicopatologia é, ao m
esmo tem
po, a m
ais geral e a mais
irredu
tível; se o psican
alista dela se extravia, acaba p
or se desviar p
ara
outro cam
po, p
or exemp
lo, para a p
siquiatria, p
ara a antrop
ologia, para a
literatura, p
ara a filosofia, ou m
esmo p
ara o que Lacan
(1971-1972) den
o-
min
ou d
e pior: a p
sicoterapia.
Isso leva também
a outra qu
estão fun
dam
ental d
a investigação p
si-
canalítica, qu
and
o o analista p
esquisa u
ma clín
ica que faz in
tercessão
com u
m con
ceito que n
ão é psican
alítico em si m
esmo, n
o caso aqui, as
dores crôn
icas. A p
ergun
ta que se im
põe n
esses casos é se há n
ecessidad
e
do p
sicanalista estu
dar a esp
ecificidad
e desses cam
pos – e p
arece que
esses estud
os efetivamen
te ocorrem – e, acim
a de tu
do, d
e que m
odo esse
outro con
hecim
ento m
odu
la a escuta d
o analista: as alegrias e os p
erigos
do con
hecim
ento esp
ecializado.
O segu
nd
o question
amen
to leva ao fun
dam
ental qu
e é a pesqu
isa
sobre dor n
a encru
zilhad
a entre as evid
ências d
a clínica sob tran
sferên-
cia e a constru
ção de u
m con
ceito de d
or no cam
po p
sicanalítico; a arti-
culação an
alítica da d
or busca fu
nd
amen
tar essa clínica qu
e talvez seja a
ún
ica, den
tre as que se p
ropõe a tratar d
or crônica, qu
e não se p
ropõe a
extirpar u
m sin
toma atacan
do-o d
iretamen
te.
II. Na
seq
üê
nc
ia, e
sse tra
ba
lho
en
um
era
sete
co
nsid
era
çõ
es so
bre
psic
an
álise
e d
or
Prim
eira
co
nsid
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çã
o: to
da
do
r é re
al
Há u
m d
up
lo sentid
o nessa frase; o p
rimeiro, m
ais prosaico, m
ostra o
corte entre a p
sicanálise e algu
mas p
ráticas bioméd
icas: assim com
o não
du
vida d
a angú
stia, o psican
alista tamp
ouco d
uvid
a da d
or. O ou
tro sen-
tido d
iz respeito à con
sideração d
a dor n
os registros real, simbólico e
imagin
ário: a dor é u
ma afecção (L
aland
e, 1999)1 qu
e invad
e desd
e a
dim
ensão real e se estabelece fora d
o corpo sim
bólico da lin
guagem
. Nu
m
circuito p
ulsion
al mortífero ela torn
a-se objeto do gozo d
o Ou
tro que n
ão
se subord
ina à cad
eia significan
te.
(...) ao contrário, a dor provoca o grito, o gem
ido; a palavra aí não
tem efeito. A
dor de longa du
ração altera o laço social, modifica as
relações com o m
un
do. A relação do S
ujeito com
seus objetos vaci-
la, produzin
do angú
stia, ansiedade, irritação, tristeza, estran
heza.
O corpo, n
a dimen
são de organism
o, é sentido com
o um
Ou
tro cor-po, descon
hecido, com
o qual n
ão se pode mais con
tar como an
tes
(Foguel, 2004, p. 98-99).
A d
or é um
Ou
tro que goza n
o corpo d
e alguém
; é falada n
a terceira
pessoa: ela m
e acordou
, ela me p
egou d
e novo, ela n
ão me d
eixa em p
az.
Para a psican
álise a dor é u
ma afecção real in
dep
end
entem
ente d
e haver
ou n
ão lesão de tecid
o; dessa form
a, mesm
o se a posteriori o tratam
ento
analítico tiver con
struíd
o relações de rep
resentação sim
bólica entre d
or e
Su
jeito, e a dor d
esaparecer, ela terá sid
o real. Isso é, mesm
o que tiver
sido p
rovocada p
or fenôm
enos d
e iden
tificação, a dor n
ão pod
e ser vista
como ou
irreal ou im
aginad
a.
Se
gu
nd
a c
on
sid
era
çã
o: a
do
r crô
nic
a é
ob
jeto
da
pu
lsã
o d
e m
orte
Qu
al a metap
sicologia da d
or? Qu
al a econom
ia libidin
al da d
or?
“A d
or crônica é sin
toma p
ara a med
icina. Porém
, para a p
sicanálise, ela é
1 Nota: o uso da palavra afecção na definição de dor encontra apoio no vocabulário de Lalande; a definição do verbete rezaque dor é “Um
dos tipos fundametais de afecção. Im
possível de definir, sendo o seu conceito um estado psíquico sui generis
de que apenas se podem investigar as condições m
entais e fisiológicas.” (p. 275) Já o verbete afecção do mesm
o Vocabu-lário é m
ais específico: “Todo o movim
ento da sensibilidade, [especialmente no sentido de prazer e dor], que consiste num
am
udança de estado provocada por uma causa exterior. Este m
ovimento pressupõe a existência de um
a tendência, mas não
se confunde com ela. [...]” (p. 32).
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OA
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10.
tem
átic
a.
A to
po
log
ia d
o c
orp
o.
prim
ordialm
ente u
ma afecção n
o real do corp
o, que se organ
iza como
comp
ulsão à rep
etição” (Foguel, 2004, p
. 97-98). Em
1925, no an
exo C à
Inibição, S
intom
a e An
gústia, Freu
d afirm
a que [a d
or] “atua com
o um
estímu
lo pu
lsional con
tínu
o, frente ao qu
al perm
anecem
imp
otentes as
ações mu
sculares, em
outros casos eficazes, qu
e subtrairiam
do estím
ulo
o lugar estim
ulad
o” (1925/1996, p. 159).
2 Essa afecção d
olorosa torna-se
objeto da p
ulsão, in
gressa em u
m circu
ito de rep
etição.
Ora, o objeto d
or, nesse n
ível de rep
etição, se torna u
m objeto d
o gozo
da p
ulsão d
e morte (N
asio, 1997), imp
licand
o um
a busca d
e satisfação
mais além
do p
rincíp
io do p
razer.
Tal circuito p
ulsion
al mortífero se faz bastan
te aud
ível na qu
eixa dos
profission
ais bioméd
icos ind
ignad
os com a falta d
e adesão d
os seus p
aci-
entes aos tratam
entos: os p
acientes p
arecem ad
erir à dor, ao m
órbido, e
nem
semp
re por qu
e isso interessa ao in
stinto d
e sobrevivência, com
o no
exemp
lo do m
end
igo citado p
or Freud
(1914),3 e com
o querem
provar os
passavan
tes do ben
efício secun
dário cad
a vez que o p
aciente se recu
sa a
colaborar com o tratam
ento d
ado p
elo méd
ico, isto é, quan
do h
á dem
an-
da d
e tratamen
to, mas n
ão há d
esejo de alteração d
a cond
ição de d
oente.
Também
é imp
ortante observar qu
e se o fenôm
eno d
oloroso se orga-
niza n
o circuito d
a pu
lsão de m
orte, as tentativas d
o analista d
e trabalhar
na referên
cia do p
rincíp
io do p
razer – por exem
plo, in
terpretar ou
inter-
vir a partir d
a idéia d
e que a d
or é um
a realização do d
esejo sexual -
pod
erá prod
uzir u
m p
éssimo efeito: in
dign
ação, culp
a, angú
stia, reação
terapêu
tica negativa, e m
esmo aban
don
o do tratam
ento.
Te
rce
ira c
on
sid
era
çã
o: A
do
r está
su
bo
rdin
ad
a
à s
ign
ifica
çã
o fá
lica
Na d
or não h
á significação u
niversal qu
e regule o seu
valor para tod
a
a hu
man
idad
e; o valor que ela tem
é para cad
a um
e dep
end
e das d
iferen-
ças da sin
gularid
ade h
um
ana, m
as também
das leis d
a cultu
ra: por exem
-
plo, n
a civilização urban
a ociden
tal, com d
iferenças region
ais, a dor d
o
parto é d
esagradável e d
eve ser evitada; já em
certos lugares d
a África a
dor d
o parto é esp
erada com
o um
mom
ento d
e vivência esp
ecial da p
as-
sagem à m
aternid
ade; é u
ma d
or desejad
a e significativa n
a contin
uid
ade
da lin
hagem
matern
a. O an
tropólogo D
avid Le B
reton4 (1995) relata o caso
de d
esrealização e dep
ressão de u
ma m
ulh
er africana qu
e deu
à luz com
anestesia p
eridu
ral nu
ma m
aternid
ade n
a França; com
o não sen
tiu as d
ores
do p
arto, se consid
erou fora d
a linh
agem d
e sua tribo, e sem
acesso à
matern
idad
e de seu
próp
rio filho. D
e mod
o que a ten
dên
cia a evitar a dor,
que p
ode p
arecer óbvia e até instin
tiva no ser h
um
ano, n
ão escapa à cas-
tração: a aproxim
ação de cad
a Su
jeito ao fenôm
eno d
oloroso é regulad
a
pela sign
ificação fálica.
As evid
ências an
tropológicas d
as diferen
ças entre sign
ificações cul-
turais n
a dor ilu
min
am a in
cidên
cia da castração n
as cultu
ras, mas n
ão
devem
desviar o an
alista do cam
po d
a escuta esp
ecificamen
te analítica.
Pois essas comp
reensões cu
lturais, qu
e pressu
põe u
m sign
ificado referi-
do a u
ma m
anifestação, a u
m com
portam
ento, a u
m sin
toma, são in
com-
patíveis com
a escuta an
alítica; o que está em
jogo no tratam
ento p
sica-
2 Freud. Inhibición, síntoma y angustia. Addenda C (1925/1996, p. 159). “Tam
bién acerca del dolor es muy poco lo que
sabemos. He aquí el único contenido seguro: el hecho de que el dolor – en prim
er término e por regla geral – nace cuando um
estímulo que ataca em
la periferia perfora los dispositivos de la protección antiestímulo y entonces actúa com
o um estím
ulopulsional continuado, frente al cual perm
anecem im
potentes las acciones musculares, em
otro caso eficaces, que sustraeríandel estím
ulo el lugar estimulado”.
3 Freud. O estado neurótico comum
(1914, p. 448) “Um operário, que com
sua capacidade ganha sua vida, vem a sofrer um
am
utilação num acidente ocorrido durante o trabalho. Esse hom
em, assim
aleijado, não pode mais trabalhar; porém
, afinal,consegue um
a pequena pensão por invalidez e aprende como explorar sua m
utilação pedindo esmolas. Seu novo, em
borapiorado, m
eio de vida se baseia justamente naquela m
esma coisa que o privou de seu m
eio de vida anterior. Se os senhorespudessem
pôr fim à sua m
utilação, poderiam fazer, inicialm
ente, com que ele ficasse sem
seu meio de vida; surgiria então
a questão de saber se ele ainda seria capaz de retomar seu trabalho anterior. No caso das neuroses, o que corresponde à
semelhante exploração secundária de um
a doença pode ser descrito como ganho secundário da doença em
contraste com o
ganho primário”.
4 Le Breton, 1995. “Mais la anesthésie dans des circonstances où l’individu s’attend à souffrir, suscite parfois des attitudes
insolites visant à rétablir malgré tout la scansion douloureuse qui m
anque à l’expérience”. p. 168. [Mas a anestesia nas
circunstâncias em que o indivíduo espera sofrer suscita por vezes atitutes insólitas visando restabelecer, apesar de tudo, a
escansão dolorosa que falta à experiência].
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sideração está n
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e-se dizer qu
e a relação de gozo com
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ipo, as op
erações de falta e a castração sim
bólica sejam p
rivilegiadas
semp
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terpretação, d
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tenta.
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rose de tran
sferência. O
psican
alista não sabe, n
o início d
e qualqu
er
tratamen
to, quais sin
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lações simbólicas e im
aginárias en
-
tram n
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álise; a crença a
priori d
e que a d
or física semp
re represen
ta algo pod
erá desen
camin
har a
análise p
ara a busca in
cessante d
e um
sentid
o, que leva à fixação d
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te e do an
alista no sin
toma m
édico, im
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ind
o tanto a en
trada
em an
álise, quan
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ações do in
conscien
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resentação qu
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ta a próp
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que se refere à d
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ria. Nesta m
esma lin
ha,
a dor jam
ais é interp
retada p
elo imagin
ário do an
alista. Não h
averia um
substrato ético p
ara tal ato” (Foguel, 2004, p
. 102) que con
du
ziria a um
increm
ento d
o gozo. En
tão, a direção d
o tratamen
to que se p
ropõe é bas-
tante con
servadora e clássica, n
a qual o an
alista não se d
eixa fascinar
pelo sofrim
ento qu
e foi respon
sável pela d
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da d
a análise, sem
, no
entan
to, ignorá-lo. M
esmo p
orque, os sin
tomas são sobred
etermin
ados.
Esp
era-se também
nesses casos, n
os quais a p
essoa chega à p
sicanálise
imersa n
a dor física crôn
ica, que o an
alista prod
uza a p
ossibilidad
e para
que ela fale d
e si, além e aqu
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otivou.
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iagnóstico exigid
o para o tratam
ento m
edicam
entoso d
as dores
crônicas tran
sforma-se em
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a verdad
eira crença religiosa através d
a
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ia, dos am
bulatórios m
édicos, d
as perícias d
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S, e através d
a
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ente id
entificação im
aginária d
o pacien
te ao seu lu
gar de d
oente.
Dessa form
a, se crê que os fibrom
iálgicos sofrem d
e ansied
ade e d
epres-
são, que os p
ortadores d
e L.E.R
.5 p
enam
pelo m
un
do carregan
do su
a ex-
clusão p
recoce do am
biente d
e trabalho; e qu
e os incap
acitados p
ela
cefaléia crônica têm
por h
ábito passar seu
s dom
ingos e feriad
os nas em
er-
gências d
os hosp
itais em bu
sca de u
m p
ouco d
e morfin
a. A p
alavra do
Su
jeito, sob a forma freu
dian
a de associação livre fica exclu
ída d
estas
avaliações e dos tratam
entos d
aí decorren
tes.
Os arau
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ós-mod
ernid
ade d
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rbes desen
-
volvidas, o m
ito ind
ividu
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eurótico ten
de a d
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ntam
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com as m
utações acelerad
as da sign
ificação do falo n
a subjetivid
ade d
as
novas gerações. É
necessário avaliar com
cautela se isso se verifica n
a
clínica d
e cada u
m n
o Brasil. Pois p
or aqui, os am
bulatórios d
e qualqu
er
clínica p
sicanalítica d
os órgãos pú
blicos e as clínicas sociais d
as institu
i-
5 Lesão por esforço repetitivo.
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euróticos.
E se o efeito in
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vido age com
o um
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e moer carn
e, tanto n
a esfera do trabalh
o,
quan
to na esfera sexu
al, entre ou
tras, a prop
osta do S
emin
ário I de Lacan
(1975), de qu
e a análise faça fu
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e palavras, con
tinu
a
bem atu
al, prod
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do efeitos ad
miráveis.
Re
ferê
nc
ias B
iblio
grá
fica
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A to
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a d
or1
Lig
ia G
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es V
ícto
ra
O qu
e cham
o de sin
toma é aqu
ilo que é an
alisável.(Lacan
, 1958)
Intro
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Isso fala através da d
or. Não im
porta d
e ond
e ela parta, n
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or-
ta se é real, simbólica ou
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ária. Se a d
or pu
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ificante”
– então ela é an
alisável.
Não h
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saiba, estud
os sobre a Topologia d
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sicanalítico, em
bora haja m
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alistas e psicó-
logos sobre o tema d
a dor. C
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á-la nas in
stâncias R
. S. I.? E
m qu
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topologia p
ode n
os auxiliar n
este camp
o?
1 Este texto é transcrição do Seminário de Topologia da APPOA de 16/04/2010”.
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ticos (às vezes são autod
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e dores crôn
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eralgesia, T.P.M., L
.E.R
., etc.. Tal como n
os temp
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Freud
(só que agora com
livre acesso a med
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n-
do
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itas “Clín
icas
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or” e inú
meros com
erciais de m
edicam
entos, qu
e – igual às p
ropa-
gand
as de R
eligiões – prom
etem ser a Pan
acéia. Exem
plos: “V
ocê não
merece sofrer p
or tanto tem
po”. “Tom
ei Doril e a d
or sum
iu”. “Festa? B
om
En
gov pra você!”. “A
zia? Esssssstom
azil!”
O n
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me
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O sofrim
ento de dor con
tínu
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a vivência de desam
paro radi-cal. O
fantasm
a vacila (...). O corpo, n
a dimen
são de organism
o, é
sentido com
o um
Ou
tro corpo, desconh
ecido, com o qu
al não se
pode mais con
tar como an
tes (Foguel 2004).
Em
nossos sem
inários, já tem
os utilizad
o a garrafa de K
lein p
ara com-
preen
der a estru
tura d
o “corpo h
istérico”, assim com
o a sup
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oy
para os ad
olescentes e su
jeitos “afanisad
os”, e aind
a o toro para os
psicóticos. E
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o, mas, a m
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2
seria, na verd
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a Teoria dos n
ós, e passaria n
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der com
o se articula a d
or com
a teoria do gozo em
Lacan e com
o conceito d
e pu
lsão em Freu
d.
Con
forme ap
resentad
a por Lacan
(1974) a figura d
os três nós ap
lana-
dos d
elimitam
os espaços d
os gozos: fálico (G. F) – en
tre Sim
bólico e
Real; gozo d
o Ou
tro (G.O
.) – entre R
eal e Imagin
ário; e do S
entid
o – entre
Imagin
ário e Sim
bólico.
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or está ligada d
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omen
tos da vid
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falta. A p
rimeira gran
de d
or, ao nascer é, sem
dú
vida, a sep
aração do
corpo m
aterno, p
rimeira m
orada e sím
bolo de segu
rança, bem
estar e ple-
nitu
de.
Freud
(1893), a respeito d
a dor relatou
o caso da Frä
ulein
Elizabeth
Von
R., su
a pacien
te que sofria d
e um
a hip
eralgesia persisten
te no m
ús-
culo d
a coxa. Este texto
3 (vale a pen
a ler ou reler) traz o relato d
as prim
ei-
ras sessões psican
alíticas e de com
o Freud
inven
tava e ao mesm
o temp
o
aperfeiçoava su
a técnica. O
ra com, ora sem
hip
nose, ele “d
esembaraçava
o material p
síquico p
atogênico cam
ada p
or camad
a” – em su
as próp
rias
palavras – com
paran
do a escavar u
ma cid
ade soterrad
a. Tratava-se d
e
um
caso claro de h
isteria, pois a p
aixão da Frä
ulein
pelo cu
nh
ado “d
oía”,
literalmen
te. Com
o disse Freu
d, eram
três irmãs e som
ente d
ois cun
ha-
dos! Lacan
4 comen
tou a resp
eito deste caso d
e Freud
:
Su
a dor no m
úscu
lo direito da perna é o desejo de seu
pai, e odesejo de seu
amigo de in
fância, qu
e cada vez que ela o evoca n
a
história de su
a enferm
idade é o mom
ento em
que ela estava in
tei-
2 Sub-temas que deveriam
ser mais bem
investigados dentro deste estudo (não vamos dar conta disto aqui) seriam
, pelom
enos: o gozo do hipocondríaco e suas relações com o gozo do Outro; estados alterados da consciência pela dor; dor
fantasma (em
mem
bros amputados); sadom
asoquismo e suas relações com
a pulsão de vida e de morte.
3 Caso clínico 5. O. C. Vol. II.
4 Seminário As form
ações do inconsciente. Lição 20, 23/04/1958. (Versão PDF: p. 778).
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te subm
etida ao d
esejo de seu
pai, d
eman
da d
o pai... (L
acan
1958).
A d
or era o sintom
a da falta, n
o corpo d
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e Elizabeth
.
Mais tard
e, Freud
(1925)5 se p
ergun
taria, afinal, qu
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ça en-
tre dor e an
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or, segun
do ele, seria a
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a perd
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eira, enqu
anto qu
e a angú
stia seria o med
o da
perd
a. Qu
anto à d
or física e psíqu
ica, Freud
que ad
orava etimologia, ob-
servou, en
tão, que, em
suas raízes, o m
esmo term
o (Lat.: do
lus, d
olere) é
utilizad
o para d
or e luto. – O
que faz o bebê d
e 10 meses qu
and
o aparece
um
rosto descon
hecid
o? Ele d
emo
nstra
do
r. Mas, n
a verdad
e, isso não
seria an
gústia
? Em
alemão isto faz sen
tido p
orque o term
o an
gst significa
med
o e também
insegu
rança, an
siedad
e, apreen
são. Em
portu
guês d
iría-
mos: – E
le estran
ha
. Ou
tro significad
o latino d
e estran
ha
r é “sentir falta”.
Afin
al – “Qu
and
o a separação p
rovoca angú
stia, luto, ou
é apen
as dor?”
Freud
6 mu
ito tentou
defin
ir o que era d
o camp
o da an
gústia e o qu
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dor física m
esmo. C
omo sep
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a seara da ou
tra, se a dor é u
ma rea-
ção norm
al peran
te as perd
as? Ele m
esmo d
isse que n
ão havia n
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um
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persp
ectiva de resp
ond
er a estas pergu
ntas.
Da m
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tativas de d
elimitar qu
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ciam ao cam
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o gozo do O
utro, qu
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o gozo fálico, e
quan
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ulsão d
e vida ou
com a d
e morte restam
até
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clusivas. Ten
tei fazer um
grafo que ficou
tão confu
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o grafo cham
ado p
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(1895)7 d
e Qu
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-
de: su
as setas são camin
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e se cruzam
, se abrem e d
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tram. E
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o caso, apresen
to min
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ind
o já
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lpas, p
ois são apen
as hip
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O g
ozo
da
do
r
O corpo se in
troduz n
a econom
ia do gozo (...) pela imagem
. No
prolongam
ento do gozo do O
utro, é a an
gústia qu
e invade o corpo
(Lacan 1974).
Em
Lacan, a d
or e o gozo estão interligad
os: além d
a sensibilid
ade
que d
esperta tod
a um
a excitação no corp
o, há u
m gan
ho secu
nd
ário na
man
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lação da fam
ília, dos am
igos, e até do m
édico. M
as, que gozo seria
este? – “O qu
e eu ch
amo d
e gozo, no sen
tido em
que o corp
o experim
enta,
é semp
re da ord
em d
a tensão, d
o esforço, do gasto, e in
clusive d
a proe-
za”. (Lacan. 1966. p
. 95)
No sem
inário “A
s relações de objeto”, Lacan
(1956-57) defin
iu a d
or
como sen
do o sofrim
ento p
ela falta do objeto – seja ela real, sim
bólica ou
imagin
ária. Ch
amou
atenção p
ara o fato de, em
bora todas se tratarem
de
perd
as necessárias n
a relação do su
jeito com o m
un
do, assim
como te-
mas cen
trais em u
m tratam
ento p
sicanalítico, elas n
ão são equ
ivalentes.
Ao lon
go deste sem
inário, Lacan
dem
onstrou
as diferen
tes classes de fal-
tas com a tabela d
as relações de objeto: a d
or real seria um
a privação – a
perd
a por m
orte ou sep
aração do objeto am
ado. A
dor im
aginária
correspon
deria à op
eração de fru
stração em relação à p
erda d
o seio da
mãe; e fin
almen
te a dor sim
bólica à castração do falo im
aginário.
5 In: Addenda C: Ansiedade, dor e luto. Vol. 20.
6 V. também
, sobre a dor: Projeto para uma Psicologia científica. [Freud 1895]
7 In: Cartas a Fliess. Rascunho G.
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Figura 1: Q
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relação de objeto e as estru
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Pai
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bólic
a)
(dan
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lidad
e”)(b
ura
co rea
l)(filh
o)
(do
r real)
Priva
çã
o: a
do
r pe
trifica
da
A dor in
vade o corpo como gozo O
utro; é u
ma afecção sem
nom
e,n
ão se subordin
a à cadeia significan
te, ao contrário, a dor provoca
o grito, o gemido; a palavra aí n
ão tem efeito. O
gozo do Ou
tro não
se subordin
a à castração e a dor não se in
clina fren
te às leis da
lingu
agem (Fogu
el 2004).
A “d
or real”9 à qu
al se referia Lacan (1956)
10 é a falta d
o ob
jeto rea
l,
ou seja: d
a ordem
da p
rivação de algo ou
de algu
ém am
ado, qu
e reviveria
a separação d
o corpo d
a mãe n
o nascim
ento. “A
privação é u
m bu
raco”,
disse ele, en
tão. E ch
amava aten
ção para a d
iferença qu
e Freud
fez entre
o fenôm
eno ou
acontecim
ento d
e fato (Wirk
lich
keit), e a m
atéria pri-
mitiva (S
tuff), qu
e seria a “realidad
e orgânica” d
a dor – qu
e é como os
méd
icos geralmen
te tratam o corp
o hu
man
o. Pois, para a P
sicanálise, a
referência ao orgân
ico respon
de som
ente a u
ma “n
ecessidad
e de segu
-
rança”, d
isse Lacan, en
tão. Só p
odem
os intervir com
a palavra – o ato
psican
alítico opera som
ente via-sign
ificante. E
ntão, com
o pod
emos op
e-
rar mu
dan
ças na d
or Real? “ – Tu
do se rem
ete, em ú
ltima in
stância, a
coisas que talvez saibam
os algum
dia: à m
atéria prin
cipal qu
e está na
origem d
e tud
o”11.
Lacan (1959)
12, em
seu sem
inário sobre a ética, bu
scou n
a mitologia
outra im
agem d
a dor: a n
infa D
aph
ne qu
e – cansad
a de tan
to fugir p
or
não su
portar a p
aixão de A
polo – p
ede a seu
pai (Pen
eu, o d
eus d
o rio)
que a livre d
e seu sofrim
ento. E
ele a transform
a em árvore... A
do
r petri-
ficad
a – d
isse ele. E se p
ergun
ta – qual será o lim
ite da d
or? Um
a questão
que n
os fazemos m
uita vez em
nossa clín
ica. E com
o pod
emos “tratar” as
dores cau
sadas p
or lesões, as dores ósseas, m
uscu
lares, ou d
ecorrentes d
e
tum
ores, etc. – as assim ch
amad
as dores físicas d
e origem o
rgân
ica? Cer-
to, elas se localizam n
o corpo R
eal: pod
em ser até rad
iografadas. M
as
também
têm su
as interseções d
e gozo: nas fron
teiras com o S
imbólico,
carregam u
m gozo fálico in
egável – os “doen
tes” pod
em se qu
eixar e
analisar o qu
e delas faz sign
ificante. Por se situ
arem tam
bém n
o real do
corpo, p
rovocam u
m gozo d
issimu
lado, d
e man
ipu
lação do am
biente – o
gozo do
Ou
tro, como ch
amou
Lacan. N
a interseção d
o Real com
o Ima-
ginário, é sem
-sentid
o, sem p
alavras – pois qu
e fora do S
imbólico: in
clu-
sive está fora do alcan
ce do P
ha
llus, o d
ito significan
te organizad
or da
rede. Por n
ão passar p
ela fala, é mu
ito dificilm
ente in
terpretável em
um
a psican
álise.
8 Modificado pela autora.
9 Sempre lem
brando que nesta época do ensino de Lacan o conceito de Real como entendem
os hoje ainda estava por serform
ulado.
10 Seminário A relação de objeto. Lição de 12/12/1956.
11 Idem. Lição 2, 28/11/1956. Versão PDF: p. 467.
12 A Ética da Psicanálise. Lição 5. 16/12/1959. Versão PDF: p. 1067.
jan
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11
l co
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OA
.23
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PP
OA
l jan
eiro
20
11
22.
tem
átic
a.
A to
po
log
ia d
o c
orp
o.
Assim
também
é a dor p
sicossomática. O
corpo d
o sujeito p
sicos-
somatizad
o “revela o nom
e próp
rio do su
jeito” (Lacan 1975). V
eem-se as
pistas p
elo corpo, m
as elas não são claras, p
recisam ser d
ecifradas. C
on-
forme o D
SM
-IV, o Tran
storno S
omatoform
e é a presen
ça de m
últip
los
sintom
as físicos que n
ão são comp
letamen
te explicad
os por u
ma con
di-
ção méd
ica geral, nem
efeitos diretos d
e um
a substân
cia ou tran
storno
men
tal. Den
tre eles, o Tran
storno d
e Som
atização provoca lesões d
e ór-
gãos no corp
o, com sin
tomas m
últip
los e preju
ízos significativos n
a vida
social e laboral do p
aciente. E
ntão, em
que categoria p
odem
os inclu
ir a
dores d
itas psicossom
áticas? Serão reais? Im
aginárias com
efeitos reais?
Sim
bólicas com certeza n
ão são, pois o p
aciente n
ão consegu
e associar
nad
a sobre sua d
or. Às vezes, à gu
isa de associação, vem
como qu
e um
eco para tap
ar a falta, e ele, para n
os conten
tar, diz coisas p
rontas ou
repete h
olofrases: “é de fam
ília”, “dizem
que foi rad
iação”, ou ou
tra “des-
culp
a” qualqu
er – talvez para n
ão se sentir cu
lpabilizad
o por seu
próp
rio
sofrimen
to. As qu
eixas do an
alisante, n
este caso, não rem
etem à su
a his-
tória: tud
o é explicad
o den
tro da m
edicin
a. Ele p
arece não ter saíd
a – só
lhe resta resign
ar-se. É n
este sentid
o qu
e enten
dem
os o gozo do
psicossom
ático como con
cernen
te à pu
lsão
de m
orte.
Esta im
possibilid
ade d
e represen
tação decorre d
o que Lacan
(1964)
cham
ava de fa
lha
epistem
osso
má
tica: a hip
ótese dele é qu
e entre S
1 e S2
haveria u
ma lacu
na e algo se p
erde, fica exclu
ído d
a cadeia sign
ificante.
É o qu
e eu ch
amo d
e um
“erro lógico”13. A
li haveria u
ma região à qu
al não
se tem acesso p
ela lingu
agem, logo n
em p
ela mem
ória, por Isso n
ão há
associações possíveis e fica d
ifícil de ser in
terpretad
a. Estes sin
tomas re-
sistem à p
sicanálise. Ficam
como u
m resto – ou
rastro – do R
eal que p
er-
siste, mesm
o dep
ois de u
ma vid
a inteira d
e divã. O
analista fica im
po-
tente d
iante d
e um
a fala vazia – seria este um
dos lim
ites da a
na
lisibilid
ad
e
ou d
as possibilid
ades d
a interp
retação, a que se referiu
Freud
(1925).
Fru
straç
ão
, a d
or im
ag
iná
ria
O h
omem
está capturado pela im
agem de seu
corpo. Se o h
omem
não tivesse o qu
e se cham
a de corpo (...) não estaria profu
ndam
en-
te capturado pela im
agem desse corpo. O
corpo ganh
a seu peso
pela via do olhar (...) A
maioria – m
as não tu
do – o que o h
omem
pensa se en
raíza ali (Lacan 1975).
Na fru
stração, segun
do Lacan
(1964), a problem
ática da falta se refe-
re a um
dan
o, um
a lesão ou u
m p
rejuízo: “– A
frustração é em
si mesm
a o
dom
ínio d
as exigências d
esenfread
as e sem lei.”
14 A
frustração refere-se à
falta de algo qu
e se deseja e n
ão tem, n
em terá n
enh
um
a possibilid
ade d
e
havê-lo! A
o contrário d
a “dor real” vista an
teriormen
te, a dor im
aginária
é abun
dan
te em associações – e tem
mu
itíssimas cau
sas – semp
re por
culp
a dos ou
tros é claro.
A fru
stração é a dor d
a inveja d
o falo, a inveja d
as coisas dos ou
tros –
por qu
e o gramad
o do vizin
ho é sem
pre m
ais verde?! N
a raiz da fru
stra-
ção, estaria o desm
ame: a p
erda d
efinitiva e d
olorida d
o seio que se sep
a-
rou e n
ão voltou m
ais à boca do bebê – e esta d
or será repetid
a a cada
“não” fu
turo. E
sta dor tem
um
ganh
o imed
iato pela fala: logo o gozo fálico
é eviden
te. Para comp
reend
ê-la melh
or, pod
emos observar as con
versões
histéricas. S
obre estas, semp
re há m
uita h
istória a contar. O
analisan
te
pod
e discorrer h
oras e horas d
e análise associan
do sobre seu
mal-estar,
que – in
dep
end
ente d
e ter ou n
ão alterações de órgãos d
e fato – vai sem-
pre ser a p
ior dor d
o mu
nd
o. Com
o está inserid
a na cad
eia de sign
ificantes,
a dor im
aginária seria m
ais facilmen
te analisável, d
igamos.
Penso qu
e um
bom exem
plo seriam
os ciúm
es entre irm
ãos – cuja
cena d
e S. Tom
ás de A
quin
o, criança, con
temp
land
o o irmão recém
-nas-
cido n
o peito d
a mãe é em
blemática e foi citad
a por Lacan
em d
iferentes
13 Sobre isto, L. Víctora, Afânise. Revista da APPOA. No 31, 2006.
14 Seminário A relação de objeto e as estruturas freudianas. Lição de 12/12/1956. Versão PDF. pág.468.
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24.
tem
átic
a.
A to
po
log
ia d
o c
orp
o.
mom
entos d
e sua obra. A
dor d
a reivind
icação, das d
eman
das in
finitas e
do d
esdém
por u
m objeto cobiçad
o que n
un
ca se alcançará (– E
u n
em
qu
eria a
qu
ela “M
”!). A cabeça in
chad
a pelo tim
e que p
erdeu
... e aind
a
por cim
a a tristeza pela vitória d
o adversário. É
também
a dor d
a perd
a
do objeto vivo: a d
or-de-cotovelo p
or um
roman
ce desfeito, a d
or profu
n-
da d
e ser traído – d
a qual tan
to escutam
os relatos em n
ossa clínica – d
e
como d
ói fisicamen
te a raiva, o ódio, o ran
cor... E qu
e, mu
itas vezes, faz
efeitos no corp
o orgânico, n
outras é p
ura d
or.
Qu
and
o Lacan (1956) tratou
das três form
as de falta d
e objeto15, fez
questão d
e distin
guir m
uito bem
a privação d
a frustração. É
preciso en
ca-
rar a frustração, p
ara que a p
rivação seja, de algu
ma form
a, simbolizad
a.
Se ficar ten
tand
o tapar o fu
ro do corp
o do O
utro – ele está n
o real – resta-
rá ind
efinid
amen
te alienad
o da con
sciência d
o sujeito.
Ca
straç
ão
e d
ívida
simb
ólic
as
O
sintom
a é o significan
te de um
significado recalcado da con
sci-ên
cia do sujeito. S
ímbolo escrito sobre a areia da carn
e e sobre o
véu de M
aya, participa em su
a constitu
ição da lingu
agem, pela
ambigu
idade semân
tica que assin
alamos (Lacan
1953).
A p
sicanálise d
esde o in
ício ded
ica à castração simbólica u
m lu
gar
de d
ivisor de águ
as entre n
eurose, p
sicose e perversão. S
eria como u
m
marco n
as estrutu
ras freud
ianas: se p
assou p
or ali é neu
rótico; não p
as-
sou, n
ão o é. Se o su
jeito é simbolicam
ente castrad
o, metaforiza o falo e
insere-se p
lenam
ente n
o mu
nd
o simbólico: acatan
do-as ou
não, su
bme-
te-se às leis, inclu
sive às da lin
guagem
, e pod
e ser consid
erado u
m legíti-
mo fa
lasser. Parece estran
ho, m
as só send
o castrado u
m h
omem
pod
e ter
“hom
bridad
e”! Ter acesso à castração, no caso, sign
ifica que ad
mitiu
em
si a falta do ou
tro, que é cap
az de sen
tir falta, remorso, cu
lpa, resp
onsabi-
lidad
e, solidaried
ade e este tip
o de sen
timen
tos evoluíd
os do ser h
um
ano
civilizado.
Voltan
do ao qu
adro: o “p
ai real” é o agente d
a castração – lembran
do
mais u
ma vez qu
e naqu
ela época Lacan
(1956-57) aind
a não tin
ha d
esen-
volvido o con
ceito de R
eal como o fez d
epois, d
o Real im
possível e tal,
então qu
and
o ele falava em real era o p
ai da realid
ade, m
esmo, o “cred
or”
a quem
o sujeito d
evia a dívid
a simbólica p
elo objeto imagin
ário: o falo
imagin
ário e suas in
sígnias. Por isso ou
samos localizar a d
or simbólica n
o
espaço d
o gozo do sen
tido (jo
uissa
nce, jo
uir-sen
s).
Som
ente qu
and
o se dá a castração sim
bólica sabe-se que a falta está
defin
itivamen
te imp
lantad
a no fa
lasser. A
castração atesta que já h
ouve a
frustra
ção im
aginária e a p
riva
ção real. É
como se a castração in
stauras-
se, no tem
po d
o ap
rès-cou
p (só-d
epois) a “n
ecessidad
e de ter p
assado”
pelas ou
tras operações an
teriores (privação e fru
stração). É esta p
assa-
gem p
ela castração que com
prova o recalcam
ento d
o significan
te Ph
allu
s
e a metaforização d
o corpo d
a mãe.
Em
Freud
, a castração estava vincu
lada estreitam
ente ao com
plexo
de É
dip
o na in
fância e teria com
o consequ
ência o d
esenvolvim
ento d
a
sexualid
ade ad
ulta. Lacan
comp
lemen
tou isso, articu
land
o-a com a d
ívi-
da sim
bólica e o sentim
ento d
e culp
a, porqu
e o comp
lexo de É
dip
o esta-
belece a noção d
e lei, defin
itivamen
te, no fa
lasser.
O objeto em
questão n
a castração simbólica é o falo im
aginário (re-
presen
tante d
o pod
er da fala). A
palavra aqu
i encon
tra sua p
lenitu
de,
porqu
e inclu
i o discu
rso do ou
tro em su
as entrelin
has, e as faltas fu
n-
dam
entais ap
resentad
as no qu
adro ju
stificam-se retroativam
ente.
Co
nc
lusã
oU
ma cad
eia borromean
a que articu
le os diferen
tes tipos d
e dor p
ode
ser útil p
ara se comp
reend
er melh
or, quan
to às interseções com
os diferen
-
tes tipos d
e gozo, as pu
lsões e as instân
cias Real, S
imbólico e Im
aginário.
15 Idem. Lição 2, 28/11/1956.
jan
eiro
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26.
tem
átic
a.
A to
po
log
ia d
o c
orp
o.
Decifran
do esta palavra (plena) foi com
o Freud en
controu
a língu
aprim
eira dos símbolos, viva ain
da, no sofrim
ento do h
omem
dacivilização (...) (Lacan
1953).
Só o p
sicanalista p
ermite o d
iscurso p
leno – in
aceitável no social –
por ser gerad
or de an
gústia. N
a med
ida em
que a d
or vira palavra, os
significan
tes do sofrim
ento rep
resentam
o sujeito. E
ste seria o reconh
eci-
men
to da verd
ade d
o Incon
sciente, ap
ontad
a por Lacan
no S
emin
ário “Oato p
sicanalítico”. D
iferentem
ente d
e outros “tratam
entos”, a Psican
álise
atend
e ao “desejo d
e reconh
ecimen
to” – a outra via d
o sintom
a apon
tada
por Lacan
. On
de o d
esejo for rejeitado, ele vira u
m “d
esejo de n
ada” (p
ulsão
de m
orte).16
Re
ferê
nc
ias b
iblio
grá
fica
sDSM
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jan
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20
11
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Veró
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a P
ére
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Mad
alena
2 me p
rocurou
na sala d
e espera lá p
elo ano 1999, qu
and
o
eu trabalh
ava como volu
ntária p
ara atend
imen
to a mu
lheres com
históri-
co de cân
cer de m
ama. E
ntrou
na salin
ha on
de m
uitas vezes eu
atend
ia
as pacien
tes em gru
po, m
as nesse d
ia só tinh
a ela para falar.
Ela con
ta que tin
ha viajad
o mu
itas horas d
esde u
ma cid
ade d
o norte
do E
stado p
ara consu
ltar os méd
icos em Porto A
legre, e voltaria para casa
nessa m
esma tard
e. Falava com u
m belo sotaqu
e interioran
o, entre italia-
no e p
ortugu
ês, que rem
etia à roça e ao trabalho árd
uo d
e sol a sombra.
1 Psicanalista. E-mail: psiveronicaperez@
hotmail.com
2 Os nomes das pacientes foram
substituídos.
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eiro
20
11
l co
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PP
OA
.31
co
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PP
OA
l jan
eiro
20
11
30.
tem
átic
a.
A to
po
log
ia d
o c
orp
o.
Exp
licou qu
e estava ali porqu
e ela tinh
a caroços, como p
edras, e ferid
as
que n
un
ca fechavam
em am
bos os seios, que eram
mu
ito dolorosas. O
s
méd
icos lhe d
iziam qu
e não era cân
cer, e ela estava mu
ito aflita, porqu
e
nin
guém
encon
trava solução p
ara a sua d
or.
– Eu
quero qu
e cortem os m
eus seios fora, p
ara acabar com tu
do isso
de u
ma vez p
or todas, p
orque n
ão sup
orto mais tan
ta dor.
O in
sólito ped
ido d
e que cortassem
os seus seios – o tem
ido p
rocedi-
men
to radical, in
dicad
o apen
as para p
acientes com
determ
inad
os cânce-
res – me d
eixou bastan
te surp
resa. O qu
e significava aqu
ela mu
lher ofe-
recend
o um
a parte d
o corpo em
troca de u
ma d
or que n
un
ca cessa? Qu
e
dor era essa qu
e lhe resu
ltava tão insu
portável? C
omo estávam
os em u
m
hosp
ital, e o consu
ltório era contígu
o à sala de esp
era, logo fomos in
ter-
romp
idas. Precisei sair u
ns segu
nd
os para aten
der a p
essoa que estava d
o
outro lad
o da p
orta.
Cu
riosamen
te, a interru
pção d
e um
terceiro nesse m
omen
to tão in-
tenso fez com
que irrom
pesse n
o meu
pen
samen
to, como atravessad
o por
um
raio, um
a lembran
ça do m
eu p
rimeiro d
ia no serviço d
o setor de tra-
tamen
to de cân
cer deste H
ospital. C
omo record
ação desse d
ia, tinh
a res-
tado ap
enas a fala d
e Iris, um
a mu
lher já id
osa, que p
ergun
tada sobre a
forma em
que sobrelevava a su
a mastectom
ia, dissera, com
um
a calma
intrigan
te: – ah, qu
em já p
erdeu
um
filho n
a vida, p
ode p
erder u
m seio
que n
ão dá em
nad
a. Não estabeleci n
um
prim
eiro mom
ento qu
alquer
relação entre a fala d
a Mad
alena e a fala d
a Iris, mas sem
dú
vida a lem
-
brança m
e fez agir ao mod
o de u
m ato in
terpretativo: qu
and
o retornei a
escutar a M
adalen
a ped
i que m
e contasse algu
ma coisa m
ais sobre ela,
pergu
ntei, sem
saber bem p
or quê, se ela tin
ha filh
os.
Ela resp
ond
eu en
tão, tenh
o dois, tin
ha três, ten
ho d
ois. E con
tinu
ou
faland
o sobre o seio, a dor, o caroço, a ferid
a que n
ão fecha, com
o se não
tivesse dito n
ada sign
ificativo. Pergun
tei de n
ovo – por qu
e tinh
a três
filhos e agora tem
dois? – e ela m
e contou
então qu
e seu filh
o adolescen
te
morrera afogad
o um
temp
o atrás. Em
Arroio Feliz. T
riste ironia d
o desti-
no p
ara um
a perd
a tão atroz.
Eis aí a ferid
a que n
ão fechava n
un
ca para aqu
ela mu
lher. S
eria a
perd
a que vira p
edra? C
omo u
m p
ensam
ento in
crustad
o no corp
o, tão
du
ro e congelad
o, apen
as aud
ível através da con
ta sinistra com
que n
oti-
fica a ausên
cia: – tinh
a três, tenh
o dois.
Con
tinu
amos falan
do sobre o seu
filho e ela con
seguiu
aos pou
cos se
soltar, e, enqu
anto falava, a m
ão passou
a assinalar a gargan
ta como p
on-
to de irrad
iação da d
or, e finalm
ente, o corp
o todo, já qu
e quan
do falava
do filh
o, tud
o doía (sic). E
u falei en
tão que qu
and
o a dor é m
uito gran
de,
sente-se n
o corpo tod
o. Ela assen
tiu com
a cabeça. Agora p
odia ch
orar
melh
or o filho, e con
tinu
amos con
versand
o sobre ele até que se fez a h
ora
de ela ir em
bora.
La
lan
gu
e: p
ala
vra in
au
dita
qu
e fa
z co
rpo
Um
dos d
esafios do an
alista que escu
ta sujeitos com
afecções
somáticas é p
oder torn
ar aud
ível para o p
aciente e p
ara o seu m
édico u
m
outro corp
o, diferen
te daqu
ele corpo real acom
etido p
ela doen
ça. É u
m
corpo qu
e se ouve p
ara além d
as narrativas e exp
licações tecidas p
elo
pacien
te e o seu m
édico acerca d
o sofrimen
to orgânico. C
orpo qu
e fala
quan
do n
ão se sabe o que se d
iz, porqu
e trata de p
alavras que p
erderam
seu n
exo. É d
isso que se trata, d
iz Lacan n
o Sem
inário “L’in
su q
ui sa
it de
l’un
e bev
ue s’a
ille à m
ou
rre”, no an
o de 1976 – qu
and
o falamos d
e In-
conscien
te: o corpo é tom
ado p
or palavras d
as quais n
ão enten
dem
os
quase n
ada. E
dep
ois, na con
ferência “A
terceira”, de ou
tubro d
e 1974 –
que o p
ensam
ento sign
ifica que as p
alavras introd
uzem
no corp
o repre-
sentações tolas. E
sse corpo p
arasitado p
or palavras qu
e não en
tend
emos
é o corpo d
e lalangu
e, língu
a particu
lar do falan
te que faz o corp
o do
simbólico. É
precisam
ente este corp
o que fica elid
ido d
o discu
rso méd
i-
co, porqu
e ele subverte as exp
licações da ciên
cia e comp
romete a clareza
esperad
a na in
terpretação d
e signos clín
icos por p
arte do m
édico.
jan
eiro
20
11
l co
rre
io A
PP
OA
.33
co
rre
io A
PP
OA
l jan
eiro
20
11
32.
tem
átic
a.
A to
po
log
ia d
o c
orp
o.
Qu
e a palavra tem
efeitos bioquím
icos comp
rováveis e men
surá-
veis, horm
onais, im
un
ológicos, antid
epressivos e ou
tros, é algo que
não p
recisa de m
uita com
provação: existe vasta literatu
ra e até o méd
ico
concord
a em en
camin
har o seu
pacien
te para u
m p
rofissional “p
si” na
busca d
e qualqu
er um
desses gan
hos secu
nd
ários do tratam
ento. Torn
ar
aud
ível a lalangu
e represen
ta mais d
o que isso. É
apon
tar de algu
ma
forma qu
e aquilo qu
e nos resu
lta mais objetivo e real n
a nossa vid
a, o
corpo físico, n
ão obedece à tod
a lei, nem
se ancora n
ecessariamen
te na
racionalid
ade d
a ciência. O
corpo é an
imad
o pela p
oesia errática de u
m
Ou
tro corpo qu
e não com
and
amos, e qu
e se cham
a o Incon
sciente.
En
laç
an
do
pa
lavra
sQ
ue con
exão foi essa, que m
e levou a lem
brar precisam
ente a fala d
a
Iris quan
do escu
tava a Mad
alena, an
tes mesm
o de saber qu
e ambas so-
friam p
ela perd
a de u
m filh
o? A m
inh
a pergu
nta veio, n
ão sem sabê-lo,
deixar à m
ostra a série significan
te em jogo: seio, filh
o, perd
a, ped
ra, cor-
te, dor qu
e não cessa.
Essa série sign
ificante p
ode ser p
ensad
a à luz d
as prop
osições, em
dois tem
pos, d
e Freud
e Lacan. Prop
osições teóricas nas qu
ais não d
ei-
xam d
e operar tam
bém, através d
a nom
enclatu
ra criada p
or cada au
tor,
efeitos de lalan
gue.
Com
Freud
, evocamos as equ
ivalências sim
bólicas que rem
etem à
castração: a ameaça d
e perd
a do p
ênis n
o men
ino ou
a sua au
sência n
a
men
ina, qu
e ressignificam
, retroativamen
te, as perd
as vivenciad
as no
desm
ame, é o trau
ma d
o nascim
ento. C
ada p
erda, real ou
imagin
ada,
que foi sign
ificativa no p
rocesso de su
bjetivação, será então retom
ada: o
nascim
ento, o seio, as fezes, e p
or últim
o o pên
is. Segu
nd
o Freud
, o
filho, ao igu
al que o p
ênis alm
ejado, teria p
ara a mu
lher o valor d
e obje-
to restitutivo d
a perd
a imagin
ária, ressignificad
a com p
osterioridad
e
no m
omen
to da p
ercepção d
a diferen
ça de sexos. S
ignificação fálica d
o
filho qu
e a comp
leta.
Para Lacan, a relação ao seio é p
rototípica d
a alienação con
stitutiva
do su
jeito, já que o bebê acred
ita, imagin
ariamen
te, ser o seio um
a parte
dele. Perd
er o seio quan
do o su
jeito está alienad
o nele, im
aginan
do-se
um
a e a mesm
a coisa, remete à p
rópria p
erda. O
corte do seio, n
estas
falas, sugere a lógica d
e “a bolsa ou a vid
a”, prop
osta por Lacan
para falar
da alien
ação, já que n
ão se trata de u
ma verd
adeira op
ção do p
onto d
e
vista lógico, pois d
e nad
a vale entregar a vid
a para p
reservar a bolsa. A
angú
stia oral aparece com
o sinal d
a possibilid
ade d
e esvaziamen
to desse
objeto seio, parte p
róprio, p
arte Ou
tro. Assim
, destru
ição do seio qu
e re-
mete, im
aginariam
ente, à an
iquilação d
o próp
rio sujeito n
o acabamen
to
do O
utro. D
ialética sujeito-objeto, lógica d
o incon
sciente.
Temos assim
que o filh
o, como com
plem
ento fálico d
a mãe, é reen
-
contro faltoso com
o objeto que p
reench
eria a falta, que é a falta n
a pró-
pria m
ãe, e, na alien
ação subjetiva, a d
o seu O
utro P
rimord
ial. A p
erda d
o
filho, reed
ição de tod
as as perd
as.
Podem
os pen
sar em u
ma p
osição melan
cólica ond
e o sujeito fica
subsu
mid
o sob o peso d
o objeto perd
ido, sem
pod
er fazer o(s) luto(s),
toda p
erda rem
etend
o a ela mesm
a, perd
a tornad
a ped
ra, sem p
ossibili-
dad
e de d
eslizamen
to?
Pe
nsa
nd
o c
om
a a
jud
a d
a T
op
olo
gia
...C
omo p
oderíam
os pen
sar, topologicam
ente, esta relação d
o sujeito
com o corp
o?
Lacan p
ropôs qu
e a figura d
o toro, com o seu
buraco cen
tral, pod
eria
situar o objeto a.
Se en
tend
emos o bu
raco tórico como sen
do o lu
gar de a, o traçad
o
em form
a de bobin
a pod
eria ser pen
sado com
o o trajeto da p
ulsão em
torno d
e um
objeto semp
re faltante.
co
rre
io A
PP
OA
l jan
eiro
20
11
34.
tem
átic
a.
jan
eiro
20
11
l co
rre
io A
PP
OA
.35
A to
po
log
ia d
o c
orp
o.
No caso d
o luto, o trabalh
o do su
jeito é situar o objeto qu
e perd
eu em
relação a esse lugar. T
rabalho qu
e precisa ser feito, p
ara que o circu
ito da
pu
lsão possa ser rean
imad
o e o sujeito p
ossa relançar-se n
o seu d
esejo.
Poderíam
os pen
sar, para M
adalen
a e Iris, na estru
tura d
e dois toros
enlaçad
os3 com
o alusão ao m
omen
to anterior d
e alienação on
de u
m obje-
to não foi ain
da su
ficientem
ente recortad
o.
Su
jeito e objeto aind
a não d
esacoplad
os evocam u
ma situ
ação ond
e
o objeto nu
nca cai, a n
ão ser arrastand
o o próp
rio sujeito n
a sua p
erda
radical. N
essa persp
ectiva, pod
eria o corte no real ser a ú
nica form
a de
situar u
ma falta n
ecessária à sobrevivência d
o sujeito p
síquico?
Dito em
outro registro: será qu
e o corte – real ou im
aginário – n
o seio
represen
ta um
a entrega sacrificial ao O
utro m
aterno, com
o ún
ica forma
de in
terromp
er o gozo melan
cólico frente à p
erda vivid
a no filh
o?
Lembran
do qu
e a ún
ica forma d
e “desen
laçar” os dois toros seria
com u
ma ciru
rgia no real, ap
ontad
a por Lacan
no S
emin
ário “L’insu
qu
i
sait d
e l’un
e bev
ue s’a
ille à m
ou
rre...”4
A p
artir do balbu
cios de lalan
gue d
e du
as pacien
tes, nos p
ropu
se-
mos p
ensar teoricam
ente, e através d
a topologia, efeitos d
a lingu
agem n
o
organism
o.
Escu
ta do in
conscien
te que faz o corp
o de cad
a um
, e que faz tam
-
bém o corp
o da teoria qu
e nos aju
da a p
ensar a clín
ica em p
sicanálise.
Re
ferê
nc
ias b
iblio
grá
fica
sFREUD, Sigm
und. [1917] Sobre las transposiciones de la pulsión, en particular del Erotismo anal. Edição Standard - Obras
completas, Am
orrortu, 1988.
LACAN, Jacques. Seminário “A angústia”. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
______.[1976] Seminário “L’insu qui sait de l’une bevue s’aille à m
ourre…”Versão em
CD-R da Escuela Freudiana deBuenos Aires.
______ .[1977] Seminario “El M
omento de concluir”. Versão em
CD-R da Escuela Freudiana de Buenos Aires.
______.[1974] Conferência “A Terceira”. In: Cadernos Lacan -vol. 2. Porto Alegre: Edição interna da APPOA, 2002.
3 Proposta por Soury na última aula do Sem
inário “Tempo de Concluir“, em
maio de 1978.
4 Lição 1 - 16/11/1976. Fig. 1
a
Fig. 2
jan
eiro
20
11
l co
rre
io A
PP
OA
.37
temátic
a.
As a
rtima
nh
as d
o S
up
ere
u e
o re
torn
on
as re
min
isc
ên
cia
s d
a v
elh
ice
Sueli S
ouza
do
s S
anto
s1
As exp
ressões de in
teresse e práticas sexu
ais na velh
ice, que eram
toleradas h
á anos com
certo estranh
amen
to, passam
a ser consid
eradas
nos ú
ltimos an
os um
dos elem
entos d
etermin
antes p
ara a saúd
e física e
emocion
al das p
essoas em p
rocesso de en
velhecim
ento. A
sexualid
ade
hu
man
a, na m
edid
a em qu
e está semp
re ancorad
a em fan
tasias, tem com
o
fator prop
ulsor a realização d
e desejo e a bu
sca do p
razer.
Sen
do assim
, no p
eríodo d
e envelh
ecimen
to, quan
do em
fun
ção de
algum
acontecim
ento n
o intercu
rso da vid
a, há p
or parte d
o sujeito a
possibilid
ade d
e recordar su
a história, d
esde os p
rimórd
ios da con
stitui-
ção edíp
ica.
1 Psicanalista.
jan
eiro
20
11
l co
rre
io A
PP
OA
.39
co
rre
io A
PP
OA
l jan
eiro
20
11
38.
tem
átic
a.
A to
po
log
ia d
o c
orp
o.
O retorn
o das rem
iniscên
cias sobre a sexualid
ade in
fantil p
recipita a
emergên
cia das forças d
o sup
ereu, faz brotar su
a presen
ça tirânica, p
ro-
pician
do a rep
etição dolorosa d
os prim
órdios d
as inscrições d
o recalcado.
O trabalh
o na clín
ica psican
alítica, ind
epen
den
te da id
ade em
que
as forças do recalcad
o retornem
na h
istória do su
jeito, tem p
ossibilitado
observar o valor das rem
iniscên
cias para a recu
peração d
a história d
a
vida sexu
al no p
rocesso de en
velhecim
ento.
Alg
um
as c
on
side
raç
õe
s sob
re o
inc
on
scie
nte
e o
tem
po
na
velh
ice
Toman
do a tese d
o estatuto d
o sujeito, qu
e para Freu
d e Lacan
, está
circun
scrita à idéia d
e incon
sciente, se evid
encia qu
e o envelh
ecer, assim
como a m
orte, não se in
screve enqu
anto rep
resentação.
Além
disso, o qu
e exatamen
te defin
e a velhice? A
final, qu
and
o en-
tramos n
a velhice? O
que d
etermin
a que som
ente aos 60, 70, 80 an
os ou
mais, u
ma p
essoa possa ser con
siderad
a velha? O
que se d
iz sobre a ve-
lhice está d
etermin
ado p
or protocolos d
e desen
volvimen
to biológico, fi-
siológico, fun
cional, in
forman
do u
m p
adrão d
e classificação estatística.
Estas classificações p
odem
ter interesse com
o elemen
to de an
álise para o
estabelecimen
to de p
olíticas pú
blicas de p
romoção d
a saúd
e da p
opu
la-
ção idosa e p
ara o desen
volvimen
to da econ
omia, n
o que con
cerne a in
-
vestimen
tos e controle social.
No qu
e diz resp
eito às questões em
ocionais, p
arece haver u
ma p
ri-
mazia d
e juízos d
e valor seguin
do p
adrões d
e cond
uta afetiva e com
-
portam
ental forjad
as mu
itas vezes por p
reconceitos sociais qu
e ditam
o
que é aceitável ou
não n
as relações dos velh
os com seu
meio fam
iliar,
afetivo, sexual e social.
As qu
estões relativas à sexualid
ade n
a velhice são tom
adas p
redo-
min
antem
ente p
elos estud
os das ciên
cias da saú
de p
or seu caráter fu
n-
cional referid
o à genitalid
ade, n
o que ela ap
resenta d
e disfu
nção, em
decorrên
cia de su
as possibilid
ades p
erformáticas d
ecorrentes d
as difi-
culd
ades fu
ncion
ais e do en
velhecim
ento orgân
ico.
Há u
ma d
esconsid
eração quan
to às inscrições p
sicossexuais, qu
e do
pon
to de vista d
a teoria psican
alítica, desd
e os prim
eiros estud
os de Freu
d
(1905/1969), determ
inam
como o su
jeito constitu
i sua sexu
alidad
e. Este
processo é form
ador d
o aparelh
o psíqu
ico a partir d
as prim
eiras relações
de objetos am
orosos atribuíd
os às relações com as figu
ras paren
tais.
Da m
esma form
a, a man
eira como foi vivid
a sua sexu
alidad
e e
afetividad
e, du
rante tod
a a vida, terá su
as repercu
ssões na vid
a da velh
i-
ce. A d
eman
da d
e um
a escuta an
alítica sobre os conflitos relativos a estes
aspectos, qu
e talvez tenh
am sid
o negligen
ciados ou
recalcados, p
odem
emergir n
a velhice em
forma d
e sintom
as físicos ou em
ocionais, com
o em
qualqu
er outro p
eríodo d
a vida, p
rodu
zind
o sofrimen
tos em bu
sca de
algum
sentid
o. E aí n
os question
amos: qu
al é o limite d
esta escuta? H
á
um
limite p
ara a escuta d
as man
ifestações do in
conscien
te?
O p
róprio Freu
d p
ropõe qu
e fora da regra fu
nd
amen
tal da p
sica-
nálise, ou
seja, da associação livre, cad
a caso só pod
eria ser tratado em
sua sin
gularid
ade, tom
and
o cada h
istória em seu
particu
lar, ind
epen
-
den
te da id
ade cron
ológica daqu
ele que sofre. S
eguin
do esta ú
ltima re-
flexão, nos cabe in
terrogar: Será qu
e na velh
ice o incon
sciente p
erde as
possibilid
ades d
e seguir tecen
do as tram
as entre o real, o im
aginário e o
simbólico?
Claro qu
e não. A
longevid
ade n
a contem
poran
eidad
e, como u
m fe-
nôm
eno d
ecorrente d
as mu
dan
ças de vid
a e dos avan
ços da ciên
cia com
relação aos cuid
ados com
a saúd
e, nos leva a recon
siderar o fato d
e que o
envelh
ecimen
to, assim com
o o incon
sciente, n
ão cessa de se in
screver.
Assim
, o incon
sciente d
os velhos segu
e registrand
o sua h
istória, para
além d
o temp
o cronológico, n
um
jogo de escon
de-escon
de, en
tre lem-
branças p
assadas com
o recordar, n
o presen
te, e pela n
ão resolução ou
elaboração de p
ontos obscu
ros que in
sistem em
prod
uzir sin
toma, em
decorrên
cia de cu
lpas ain
da ativas e in
sistentes d
o recalcamen
to.
jan
eiro
20
11
l co
rre
io A
PP
OA
.41
co
rre
io A
PP
OA
l jan
eiro
20
11
40.
tem
átic
a.
A to
po
log
ia d
o c
orp
o.
Não h
á temp
o marcad
o que d
elimite ou
imp
eça o retorno d
o recalcado.
Não esqu
eçamos qu
e para Freu
d (1905/1969) a sexu
alidad
e adu
lta é in-
fantil. H
á um
a incon
gruên
cia de com
o o sujeito se vê e com
o ele é visto
pelo olh
ar do O
utro com
o velho, ou
seja, é o olhar d
o Ou
tro que ap
onta
para esse p
rocesso de m
ud
ança, p
osto que o su
jeito não se recon
hece
como tal.
Por vezes, o que se im
põe com
o real, inscrito p
ulsion
almen
te, retorna
como rem
emoração trazen
do in
tensid
ades d
e angú
stia e sofrimen
to que
buscam
um
a saída, via p
alavras. A p
roblemática qu
e possa ad
vir da
velhice p
ode ser p
ensad
a desd
e o pon
to de vista d
a temp
oralidad
e do
incon
sciente en
quan
to suas m
arcas originárias in
destru
tíveis, o que
correspon
de ao recalqu
e originário.
Além
disso, d
eixa em aberto a re-sign
ificação que p
ossa ser reins-
crita pela cad
eia significan
te. Não p
odem
os negligen
ciar a idéia qu
e há
aind
a um
incon
sciente qu
e surge p
elas formações d
o incon
sciente, ou
seja, sintom
as, sonh
os, atos falhos, esqu
ecimen
tos que m
arcam o real d
o
corpo em
suas p
erdas e m
ud
anças fu
ncion
ais com o p
assar do tem
po, ou
da id
ade.
Vamos n
os dep
arar na clín
ica com u
m ou
tro temp
o, que retroage p
ara
re-significar, atu
alizand
o o passad
o no p
resente. O
peram
os na clín
ica com
estes três temp
os. Por ação do tem
po lógico, com
o efeito de u
ma n
ova
ação psíqu
ica, prod
uzin
do a em
ergência d
e recordações, p
ossibilitand
o a
elaboração de u
m p
assado qu
e insiste em
prod
uzir sofrim
ento in
cidin
do
sobre o presen
te.
Em
outras p
alavras, em an
álise, a escuta a ser feita d
eve incid
ir sobre
o sujeito d
o incon
sciente e este n
ão envelh
ece. Portanto, o trabalh
o a ser
feito é sobre a inscrição d
a realidad
e psíqu
ica, não h
avend
o diferen
ça
entre u
m fato p
assado ou
atual. O
s sintom
as atualizam
o passad
o, o que
pod
emos con
statar no fragm
ento clín
ico que p
assamos a ap
resentar p
ara
nossa reflexão sobre o tem
a, a partir d
e um
pequ
eno recorte d
a história d
e
sofrimen
to de u
ma m
ulh
er com n
oventa an
os.
Re
co
rte c
línic
oE
m d
etermin
ado m
omen
to, mesm
o com n
oventa an
os, ela se sente
convocad
a e, ao mesm
o temp
o, ameaçad
a em ter qu
e revelar seus segre-
dos, gu
ardad
os por tod
a a vida. E
sta interp
elação, desen
cadead
a por p
ar-
te dos filh
os du
rante u
ma com
emoração fam
iliar, faz eclodir com
toda a
fúria u
m p
assado d
e culp
as que ela escon
deu
, recalcou. A
s forças de u
m
sup
ereu estru
turad
o por valores religiosos, m
orais e familiares qu
e tinh
am
por p
rincíp
io a proibição relativa a exp
eriências sexu
ais fora do casa-
men
to põe em
risco a sua im
agem com
o mu
lher d
e respeito.
Por não ter an
teriormen
te a possibilid
ade d
e trabalhar e/ou
elaborar
as situações con
flitivas, a ameaça sen
tida p
ela interp
elação dos filh
os
desen
cadeia u
ma “crise n
ervosa”2. R
einstalou
-se, se reeditou
a situação
traum
ática.
An
gélica3 liga m
arcand
o um
horário, d
epois d
e um
“apagão”. C
onta
que, em
um
a festa de an
iversário, a família com
eça a recordar o p
assado
e parece h
aver mu
itos fatos incom
preen
síveis para os filh
os sobre a mor-
te do p
ai e a vida d
e An
gélica após su
a viuvez.
No m
omen
to em qu
e os filhos p
edem
que ela fale u
m p
ouco sobre
esta situação, ela d
iz que tem
um
“apagão”. C
omo se tu
do qu
e passou
a
vida tod
a a partir d
a morte d
o marid
o tivesse explod
ido à su
a frente.
Todo o sofrim
ento, tu
do o qu
e enfren
tou p
ara pod
er seguir su
a vida ad
i-
ante n
ão pod
ia ser contad
o, lembrad
o, desen
terrado agora.
Com
o reagiu à esta p
ressão? Ficou fu
riosa, começou
a gritar com to-
dos, d
isse que n
ão queria m
ais ficar ali, que n
ão tinh
a que falar sobre
nad
a, “ficou lou
ca”. Os fam
iliares a acalmaram
, até porqu
e ela não p
odia
se locomover sem
ajud
a.
2 As palavras entre aspas são expressões de Angélica em seu discurso.
3 Angélica é um nom
e fictício. Para a apresentação deste pequeno recorte clínico, procuramos preservar a identidade da
analisante. Os dados aqui apresentados não oferecem qualquer elem
ento de identificação ou detalhamento da história
pregressa ou atual que exponha sua privacidade, posto que, tais elementos de análise, aqui oferecidos para reflexão, podem
fazer parte da história de qualquer pessoa, independente de idade cronológica, nível cultural, etnia ou classe social.
jan
eiro
20
11
l co
rre
io A
PP
OA
.43
co
rre
io A
PP
OA
l jan
eiro
20
11
42.
tem
átic
a.
A to
po
log
ia d
o c
orp
o.
Dizem
que tin
ha qu
e procu
rar se tranqü
ilizar e, quem
sabe, se so-
fria tanto com
estas histórias, d
everia buscar u
m esp
aço para p
oder
falar com algu
ém, sem
preju
dicar su
a saúd
e. Dep
ois de se recu
perar d
a
crise de raiva e d
e chorar m
uito, con
corda em
telefonar m
arcand
o um
a
hora p
ara contar o ocorrid
o e procu
rar enten
der o qu
e lhe acon
teceu
naqu
ela festa.
O ocorrid
o na festa, d
iz An
gélica, é que n
ada acon
teceu n
aquela fes-
ta. Mas algu
mas p
ergun
tas, curiosid
ades sobre u
ma h
istória que a tod
os
havia afetad
o, ganh
aram voz e p
ud
eram ser form
ulad
as. Mas p
arece que
apen
as agora, tanto tem
po p
assado, os filh
os, todos reu
nid
os, consegu
i-
am a coragem
de in
terpelar aqu
ela figura id
ealizada, qu
em sabe am
ada e
odiad
a da m
ãe que d
eteve o pod
er sobre o destin
o que os filh
os deram
às
suas vid
as.
Os filh
os, todos com
mais d
e cinqü
enta an
os, buscam
enten
der esse
amor p
ela mãe, a p
erda d
o pai, a tragéd
ia que os acom
eteu e afetou
a
todos, m
ãe e filhos. H
á na fam
ília mu
itos silêncios e segred
os na relação
dos filh
os com ela e u
ma total in
comp
reensão d
o que acon
teceu com
o
pai, qu
e morreu
de rep
ente, d
eixand
o a todos, A
ngélica e os cin
co filhos
mu
ito pequ
enos, totalm
ente d
esamp
arados, con
tand
o apen
as com o ap
oio
do avô m
aterno, qu
e morre logo em
seguid
a.
Ela fala d
e mom
entos d
e profu
nd
a dep
ressão e desestru
turação em
que qu
eria se matar e ch
egou a ten
tar. Não sabia o qu
e fazer com tan
tos
filhos e com
o sobreviver apen
as com seu
trabalho d
e professora e a p
en-
são deixad
a pelo m
arido. E
ra proibid
o falar sobre a morte d
o marid
o,
como se ela n
ão hou
vesse ocorrido.
A form
a como A
ngélica p
rodu
z seu d
iscurso em
análise, rep
etind
o
suas cu
lpas em
relação às proibições d
e expressão d
e seus d
esejos, vai
reconstitu
ind
o um
a história m
arcadam
ente ad
vind
a da relação com
os
elemen
tos de cen
sura in
corporad
os por su
a história fam
iliar.
À m
edid
a que recu
perava os fios d
e sua h
istória, An
gélica ia refa-
zend
o as pegad
as das forças p
ulsion
ais que h
aviam agid
o na su
a consti-
tuição estru
tural en
quan
to um
a neu
rose, ind
epen
den
te de su
a idad
e. Com
o
sabemos, os traços m
arcados n
ão se perd
em ao lon
go da h
istoria ou d
o
temp
o, posto qu
e incid
em sobre o su
jeito do in
conscien
te e não sobre o
“ind
ivídu
o”. Segu
ind
o Freud
(1969, p. 259):
Todos os recalques se efetu
am n
a primeira in
fância; são m
edidas
primitivas de defesa, tom
adas pelo ego imatu
ro, débil. Nos an
osposteriores, n
ão são levados a cabo novos recalqu
es, mas os an
tigos
persistem, e seu
s serviços contin
uam
a ser utilizados pelo ego para
o domín
io das pulsões. Livram
o-nos de n
ovo conflitos através da-
quilo qu
e cham
amos de “recalqu
e ulterior”.
O qu
e não p
oderia vir n
un
ca à tona eram
suas qu
estões de ord
em
sexual, qu
e consid
era como seu
deslize fren
te à situação d
e mãe d
e famí-
lia e de p
essoa criada d
entro d
os prin
cípios religiosos. N
a med
ida em
que
An
gélica vai recup
erand
o a mem
ória de su
a história, falan
do d
e suas cu
l-
pas em
relação aos prin
cípios qu
e havia tran
sgredid
o para segu
ir viven-
do com
seus filh
os, vai resgatand
o sua im
agem d
e mãe d
esvelada qu
e
ded
icou tod
a a vida a eles, e sem
pre teve o con
trole da situ
ação.
An
gélica passara a vid
a escond
end
o de tod
os um
a vida d
up
la. Com
a
morte d
o prim
eiro marid
o, pai d
e seus filh
os, que era d
ez nos m
ais velho
e viúvo, e em
seguid
a de seu
pai, d
e quem
se julgava a filh
a favorita, ela
sente qu
e perd
eu su
a susten
tação emocion
al e econôm
ica.
O tem
or, o que a d
esestabiliza, é a possibilid
ade d
e os filhos virem
a
saber que, an
tes de casar p
ela segun
da vez, com
um
hom
em d
oze anos
mais velh
o que ela, teve n
amorad
os. A bu
sca de satisfação sexu
al passa a
ser sentid
a como p
ecamin
osa e toma u
m caráter d
e ritual sacrificial.
Sen
te-se em p
ecado, refu
gia-se na religião, con
fessa-se para bu
scar o
perd
ão do D
eus Pai. N
a tentativa d
e justificar seu
pecad
o, busca a su
sten-
tação de u
m su
pereu
patern
o, familiar, on
de garan
ta, pelo p
erdão d
ivino
um
retorno aos valores em
que foi criad
a. Assim
sente-se, n
a religião,
jan
eiro
20
11
l co
rre
io A
PP
OA
.45
co
rre
io A
PP
OA
l jan
eiro
20
11
44.
tem
átic
a.
A to
po
log
ia d
o c
orp
o.
protegid
a e fortalecida. Pecar era se p
ermitir ter d
esejo e buscar satisfazê-
lo, como recu
rso para p
oder su
stentar a su
a vida p
recária com os filh
os e
amp
ará-los.
Agora, n
a velhice, qu
and
o question
ada p
ela justificad
a curiosid
ade
dos filh
os em en
tend
er o que acon
tecera em su
as vidas, p
osto que A
ngé-
lica jamais p
ud
era falar sobre suas d
ificuld
ade e d
emon
strar amor em
relação aos filhos, sen
te como se eles a tivessem
desafian
do, d
esnu
dan
do
ou a d
estituin
do d
o lugar p
oderoso e d
e mártir em
que se colocou
para
sobreviver à dor d
e todas as su
as perd
as. Era com
o se tivesse que con
tar
aos filhos sobre as exp
eriências am
orosas que viveu
e das qu
ais se culp
a-
va e envergon
hava.
Seu
autoritarism
o discip
linar e m
oral na ed
ucação d
os filhos tin
ha a
fun
ção de m
ordaça sobre os fatos p
roibidos d
e sua vid
a fora do lar e d
o
trabalho. In
vestida d
e um
sup
ereu rigoroso e retaliad
or, não h
avia espaço
para seu
carinh
o e intim
idad
e em relação aos filh
os, criand
o um
a distân
-
cia que n
ão possibilitaria a revelação d
e nen
hu
m in
dício d
e sua h
istória
secreta.
A cad
a sessão, abriam-se brech
as na cen
sura, p
ossibilitand
o um
a
revisão da im
agem im
aculad
a que se h
avia quebrad
o imagin
ariamen
te,
por ela m
esma, qu
and
o question
ada p
elos filhos. A
final eles só reivin
-
dicavam
algum
as inform
ações sobre a história d
a morte d
o pai qu
e lhes
fora confiscad
a pela lei d
o silêncio im
posta p
or An
gélica. Eles n
ão ti-
nh
am a in
tenção d
e destitu
í-la de su
a imagem
de m
ãe zelosa, como ela
fantasiara.
Mu
itas vezes, An
gélica esperava m
inh
a chegad
a com an
siedad
e, posto
que eu
a escutava em
sua casa, d
izend
o que tin
ha m
uito qu
e contar, lem
-
brara mais coisas. N
a med
ida em
que ia recon
tand
o com m
uitos d
etalhes
os acontecim
entos d
o passad
o, por vezes sen
tia-se mal, ch
orava mu
ito,
dizia qu
e havia p
erdid
o a vontad
e de viver, qu
e perd
era tud
o.
Temia su
cum
bir à pressão d
os filhos. E
m algu
ns m
omen
tos, An
géli-
ca tinh
a inten
sas crises de an
gustia m
arcadas p
or alterações de p
ressão,
crises de ch
oro e algum
a desord
em d
o pen
samen
to. Rep
etia os mesm
o
fatos que d
esencad
earam su
a angu
stia; a situação d
a festa em qu
e come-
çou a ser in
terpelad
a pelos filh
os, sentid
a como se eles tivessem
perd
ido
o respeito p
or ela, como se tu
do qu
e sofreu p
ara susten
tá-los e susten
tar
seu lu
gar de m
ãe pod
erosa e imacu
lada tivesse sid
o em vão.
A fortaleza qu
e An
gélica havia con
struíd
o em torn
o de su
a imagem
parecia agora abalad
a e vazia. Os filh
os haviam
saquead
o tud
o ao interp
elá-
la, não tin
ham
mais m
edo d
ela. Ela p
erdera o lu
gar, o pod
er. Sen
tia-se
“encu
rralada, d
esorientad
a”. Eles n
ão a perd
oariam, n
em D
eus, p
or ter
errado tan
to. Os tem
ores que assom
bravam A
ngélica eram
de ord
em d
e
sua vid
a sexual, d
e como bu
scou resolver, ain
da jovem
e viúva, su
as ne-
cessidad
es e desejos.
Por ter tido u
ma form
ação familiar calcad
a na religiosid
ade e tem
en-
te a Deu
s, o sexo no casam
ento torn
ara-se lícito e cum
pria os p
rincíp
ios
da religião, h
aja vista que teve cin
co filhos. A
perd
a do m
arido, bem
mais
velho, qu
and
o ela aind
a era jovem, d
eixou-a à d
escoberta de seu
s desejos.
Ded
icou-se, a p
artir daí, aos filh
os e a seu p
ai que, segu
nd
o ela, sem-
pre a con
siderou
como a “favorita d
o pap
ai”. Qu
and
o seu p
ai morre, sen
-
te como se tivesse sid
o aband
onad
a du
as vezes, pelo m
arido e p
elo pai.
En
tra em p
rofun
da d
epressão. S
em as referên
cias familiares qu
e norteavam
sua vid
a sexual, ten
ta refúgio n
a religião como form
a de con
trolar o
incon
trolável, seus d
esejos.
Pensam
os na figu
ra da garrafa d
e Klein
para visu
alizar esta “deso-
rientação
4” e o sentim
ento d
e encu
rralamen
to da p
aciente. L
acan
(1964), no sem
inário “P
roblemas C
ruciais d
a Psicanálise”, em
que fala
do “reviram
ento” (re
bro
usse
men
t) do toro, ap
resentou
os seguin
tes
esquem
as:
4 Lacan(1964). Seminário Problem
as Cruciais da Psicanálise. Lição 3(16/12/1964)
jan
eiro
20
11
l co
rre
io A
PP
OA
.47
co
rre
io A
PP
OA
l jan
eiro
20
11
46.
tem
átic
a.
A to
po
log
ia d
o c
orp
o.
Fig. 1
A G
arrafa de K
lein, com
o sabemos, se ap
resenta com
o um
cilind
ro
que se ata a si m
esmo. H
á um
trun
camen
to, no en
tanto, ao m
odo d
e um
toro cortado qu
e se auto-atravessa e fech
a sobre si mesm
o. Um
reviramen
to
inverten
do os círcu
los, o que resu
lta em u
m orifício m
uito p
articular,
anel d
e falta que d
á a estrutu
ra da su
perfície. S
e pen
sarmos sobre as vol-
tas que A
ngélica vai d
and
o à sua h
istória, prod
uzin
do torções p
ara livrar-
se do qu
e julga ser tran
sgressão do p
onto d
e vista de su
a formação fam
ili-
ar e religiosa, pod
emos ir d
elinean
do com
o o rigor do su
pereu
vai dese-
nh
and
o os círculos se en
redan
do em
um
a reversibilidad
e essencial d
a
dem
and
a do su
jeito em relação ao O
utro, a exem
plo d
as dem
and
as da
fantasia.
Toman
do o d
iscurso d
e An
gélica, a sexualid
ade só p
oderia ser aceita
como d
etermin
ação dos p
rincíp
ios religiosos. Com
o “filha favorita”, d
e-
via isso ao pai, ao falecid
o marid
o, a imagem
de m
ater d
olorosa para os
filhos; com
o “filha d
e Maria”, d
evia isso aos prin
cípios ap
rend
idos n
a
igreja e antes d
isso devia a D
eus. O
pecad
o, ou seja, as fan
tasias sexuais
ou p
ráticas sexuais fora d
a situação d
e casamen
to imp
licavam u
ma in
-
versão, ou seja, a filh
a de M
aria passa a ser filh
a do p
ecado.
Fig. 2
O p
ecado d
e An
gélica se esboça em u
ma torção em
que se p
erde.
Sen
te que está en
curralad
a em u
m d
esencon
tro entre gozo e sofrim
ento
fantasiad
o em u
ma cen
a sacrificial em qu
e renu
nciou
a sua p
rópria vid
a
em fu
nção d
os filhos. Por ou
tro lado, u
m gozo silen
cioso, por ter vivid
o
experiên
cias de bu
sca de realização sexu
al. Parece haver cu
ltivado u
m
gozo secreto, como revan
che ao aban
don
o que sofreu
por p
arte do m
arido
e do p
ai. Ela h
avia cum
prid
o o que lh
e fora dem
and
ado: p
rocriara cum
-
prin
do as leis d
e Deu
s; dera filh
os ao marid
o e dera n
etos ao pai.
Ela cu
mp
rira seu p
apel e os d
esígnios d
o Ou
tro. Com
a morte d
os
dois, lh
e restou o p
eso de cu
idar e d
ar susten
tação aos filhos, fru
tos do
sexo perm
itido p
elos desígn
ios do su
pereu
que eles rep
resentavam
.
Am
eaçada p
ela dem
and
a dos filh
os de ter qu
e revelar sua h
istória,
sente-se en
curralad
a, enred
ilhad
a nas tram
as que se con
torcem en
tre um
a
imagem
virtuosa qu
e perd
eu seu
pon
to de orien
tação, de referên
cia, de
não-orien
tabilidad
e, ao mod
o topológico d
e um
a garrafa de K
lein.
Ao bu
scar um
espaço d
e escuta an
alítica, seu d
iscurso a p
recipita
nu
m em
aranh
ado – com
o se fosse “um
oco, sem saíd
a”. An
gélica recup
e-
ra sua h
istória, tecend
o os fios que foram
enred
ados en
tre dem
and
as de
jan
eiro
20
11
l co
rre
io A
PP
OA
.49
co
rre
io A
PP
OA
l jan
eiro
20
11
48.
tem
átic
a.
A to
po
log
ia d
o c
orp
o.
amor, p
erfeição, pu
reza, como se fora u
ma m
ulh
er bíblica, “filha d
e Ma-
ria e de D
eus Pai”.
Pode falar d
o lugar d
e gozo em p
rotagonizar, fan
tasmaticam
ente, u
ma
história qu
e lhe foi d
eman
dad
a por u
m O
utro. E
m con
trapartid
a, fala
também
de u
m gozo ou
tro, do sofrim
ento n
a transgressão d
esta dem
an-
da, o qu
e prod
uz n
ela um
a relação tirânica e d
istante afetivam
ente em
relação aos filhos.
À g
uisa
de
co
nc
lusã
oS
e tomarm
os como su
jeitos de estu
do p
essoas que atu
almen
te têm
setenta an
os ou m
ais, encon
tramos ain
da m
uito m
arcado esse d
iscurso
do p
ecado associad
o ao prazer n
o sexo, mais in
tensam
ente d
e parte d
a
sexualid
ade fem
inin
a. Isso nos leva a in
terrogar: o que d
etermin
ou a m
a-
neira com
o foram vivid
as as experiên
cias sexuais d
as mu
lheres qu
e atra-
vessaram este u
ltimo sécu
lo com tan
ta culp
abilidad
e, apesar d
e todas as
mu
dan
ças, inform
ações e libertação de com
portam
ento?
E m
ais, quais as con
seqüên
cias nas h
istórias aind
a em cu
rso? Com
o
as mu
lheres qu
e atualm
ente tem
mais d
e setenta an
os viveram su
a liber-
dad
e sexual, a p
artir do ad
vento d
a pílu
la anticon
cepcion
al, de su
a en-
trada n
o mercad
o de trabalh
o, de su
a ind
epen
dên
cia frente às obrigações
dos cu
idad
os da casa e d
a família?
O tem
a da sexu
alidad
e, a culp
a e o pecad
o, parece vigen
te nas m
ar-
cas que ain
da se in
screvem n
o real do corp
o das m
ulh
eres idosas qu
e
buscam
um
a escuta em
psican
álise. Neste recorte ap
resentad
o aqui p
ara
pen
sar sobre as artiman
has d
o sup
ereu qu
e retornam
nas rem
iniscên
cias
da velh
ice, se eviden
cia como a am
bivalência se ap
resenta en
quan
to um
a
marca forte ain
da, n
a re-atualização d
o Éd
ipo d
os filhos. Tan
to no d
iscur-
so de A
ngélica com
relação aos filhos com
o de p
arte destes, tod
os com
mais d
e cinqü
enta an
os e que ain
da bu
scavam d
esvend
ar os segredos
familiares, qu
and
o a interp
elam sobre o p
assado, com
o insistên
cia do
recalcado.
Sen
timen
tos que p
ersistem, assim
como a cu
lpabilid
ades sob traços
edip
ianos, com
desejos d
e se apod
erar dos segred
os e da força d
a mãe d
e
forma p
rimitiva e arcaica. A
ssim com
o An
gélica relata seu am
or pelo p
ai,
que a con
siderava com
o a filha p
redileta, p
or isso sente-se traíd
a e aban-
don
ada p
elo pai qu
and
o este morre. S
em saber qu
e o faz, busca d
epois d
a
sua m
orte um
hom
em, n
ovamen
te mais velh
o, para segu
nd
o matrim
ônio.
A p
artir das sessões d
e análise, A
ngélica relata, sen
te mu
dan
ças, fala
de u
m sen
timen
to de con
forto. Sen
tia-se men
os amargu
rada. E
stava mais
tranqü
ila, pois, afin
al, havia en
tend
ido qu
e não tin
ha errad
o tanto n
a edu
-
cação dos filh
os. Ela fez o m
elhor, p
or amor aos filh
os, sentia-se m
ais
tranqü
ila e amável. Por su
a vez, os filhos estavam
bem m
ais carinh
osos.
Eles n
ão pergu
ntaram
mais n
ada sobre o p
assado.
O resu
ltado d
esta breve análise evid
encia qu
e a estrutu
ra não se
mod
ifica, o que resu
lta da an
álise é a relação do su
jeito com su
as deter-
min
ações incon
scientes. A
s experiên
cias vividas op
ortun
izam a p
ossibi-
lidad
e de con
strução d
e um
novo saber sobre seu
gozo que, p
ela palavra,
busca u
m ou
tro destin
o aliviand
o o corpo d
as dores, d
os sintom
as, das
conversões.
Pensam
os que n
a velhice se op
ortun
iza um
mom
ento d
e trabalho
analítico m
uito p
romissor n
o que tan
ge ao encon
tro de u
m saber sobre o
real. É p
ossível e oportu
no u
m trabalh
o analítico in
dep
end
ente d
a idad
e
daqu
ele que sofre e bu
sca um
a escuta an
alítica, na m
edid
a em qu
e se
respeite o tem
po e os lim
ites das p
ossibilidad
es das rem
emorações qu
e
emergem
na bu
sca de sen
tido.
O retorn
o do recalcad
o, em qu
alquer m
omen
to da vid
a pod
e cobrar
sentid
o, via sintom
as, até encon
trar palavras qu
e criem n
ovos sentid
os, e,
quem
sabe, resolução d
o conflito. Por isso a im
portân
cia que se p
ossa
direcion
ar a escuta an
alítica pelo qu
e se apresen
ta e não p
ela idad
e da-
quele qu
e dem
and
a análise. É
preciso falar p
ara um
Ou
tro para qu
e o
simbólico d
ê sentid
o ao sofrimen
to no real d
o corpo, libertan
do as am
ar-
ras e tramas d
o incon
sciente qu
e semp
re tem o qu
e dizer.
jan
eiro
20
11
l co
rre
io A
PP
OA
.51
temátic
a.
co
rre
io A
PP
OA
l jan
eiro
20
11
50.
tem
átic
a.
Re
ferê
nc
ias
FREUD, S. Os três ensaios sobre a teoria da sexualidade [1905].ESR, Rio de Janeiro:Imago, 1969.v. VII.
FREUD, S. Totem e tabu [1912]. ESR, Rio de Janeiro: Im
ago, 1969.v. XIII.
FREUD, S. A sexualidade na etiologia das neuroses[1898]. ESR, Rio de Janeiro: Imago, 1969.
FREUD, S. Análise terminável e interm
inável.[1937]. ESR, Rio de Janeiro: Imago, 1969.
Ab
ord
ag
em
psic
an
alític
a d
a in
fertilid
ad
efe
min
ina
: estu
do
s in
icia
is
Manuela
Laniu
s
Está claro que, n
a perspectiva histérica, é o falo qu
e fecun
da, e oq
ue ele en
gend
ra é ele mesm
o, se assim p
odem
os dizer. A
fecun
did
ade é u
ma fabricação fálica, e é p
or isso mesm
o que tod
acrian
ça é um
a reprod
ução d
o falo, na m
edid
a em qu
e está pren
he,
se assim p
osso me exp
rimir, d
e seu en
gend
ramen
to (Lacan
, 1971,p
. 164).
É crescen
te em n
ossos consu
ltórios a busca p
or tratamen
to psica-
nalítico d
e pacien
tes advin
das d
e centros d
e med
icina rep
rodu
tiva, com
um
a queixa esp
ecífica relacionad
a à ausên
cia involu
ntária d
e filhos. S
ão
pacien
tes que in
iciam a fala sobre si p
elo viés do d
iscurso m
édico, n
ar-
rand
o seus tratam
entos e ap
resentan
do o seu
corpo, evid
encian
do u
m
lugar au
sente d
e subjetivação e im
plicação ao qu
ê dem
and
am. R
eivind
i-
jan
eiro
20
11
l co
rre
io A
PP
OA
.53
co
rre
io A
PP
OA
l jan
eiro
20
11
52.
tem
átic
a.
A to
po
log
ia d
o c
orp
o.
cam tam
bém à an
álise o filho, cren
tes no qu
e ind
uz a ciên
cia: a acreditar
que n
ão há o im
possível.
Estas p
acientes p
rocuraram
os centros d
e reprod
ução garan
tidos d
e
que a m
edicin
a lhes d
aria o seu bebê. E
ntretan
to, mesm
o com o avan
ço
da técn
ica méd
ica, somam
-se os casos em qu
e estes tratamen
tos insistem
em fracassar. A
o buscar o an
alista, vêm à lu
z, então, u
ma p
rodu
ção de
fala, e assim, as form
ações do in
conscien
te. Estas, an
tes ofuscad
as pelas
respostas d
a ciência e h
á mu
ito estud
adas p
or Freud
, se reinven
tam e
mold
am o corp
o femin
ino qu
e se dá a assistir, lan
çand
o o psican
alista ao
estud
o da con
stituição d
o sujeito n
a sua relação com
a ciência. (Lacan
,
1966, 1969-70, 1974; Tort, 2001).
O qu
e concern
e à psican
álise na escu
ta destas p
acientes é a p
ossibi-
lidad
e de form
ular qu
estões acerca da su
a relação com a m
aternid
ade,
bem com
o da con
stituição d
a femin
ilidad
e, investigan
do a su
a dem
and
a
e seu su
posto d
esejo imp
licado n
a dem
and
a por u
m filh
o que é reivin
di-
cado à m
edicin
a. Nos in
quieta a qu
estão:
O gozo sexu
al é diretamen
te tratável? Não é, e é n
isso, digamos, e
não digam
os mais n
ada, que existe a fala. O
discurso com
eça por
haver aí u
ma h
iância (Lacan
, 1971, p. 101).
Haveria u
ma en
trega do su
jeito femin
ino e seu
corpo à ciên
cia, e, por
consegu
inte, p
rodu
ções sintom
áticas que d
ecorrem d
esta entrega? D
e
qualqu
er forma, “o su
jeito sobre quem
operam
os em p
sicanálise só p
ode
ser o sujeito d
a ciência”. (Lacan
, 1965-66, p. 873) A
o prop
or que falem
sobre a dificu
ldad
e de en
gravidar, algu
mas m
ulh
eres, tomad
as pela an
-
gústia, exp
ressam terem
med
o de qu
e estão se auto-atacan
do, d
e estarem
prom
ovend
o um
ataque aos seu
s corpos, aos seu
s desejos, e p
rincip
al-
men
te, ao seu filh
o. Pergun
tam-se se n
ão são elas mesm
as que p
rovocam
o fracasso do tratam
ento d
e fertilização, imagin
and
o se não h
averia um
buraco n
o corpo p
or ond
e o filho escap
aria.
A an
gústia é ju
stamen
te algum
a coisa que se situ
a alhu
res em n
os-
so corpo, é o sentim
ento qu
e surge desta su
speita que n
os vem de
nos redu
zirmos ao n
osso corpo. (Lacan, 1974, p. 65).
Para pod
ermos elaborar id
eias acerca da relação d
a mu
lher com
seu
corpo qu
e é dad
o a assistir pela ciên
cia e dos m
odos p
elos quais ela faz
intervir sobre ele, será n
ecessário percorrerm
os a elaboração psican
alíti-
ca das p
rodu
ções sintom
áticas. Lacan n
os dá o cam
inh
o quan
do d
iz que
“nad
a sup
orta a ideia trad
icional d
e um
sujeito, a n
ão ser a existência d
o
significan
te e seus efeitos” (1961, p
. 16).
Ao trabalh
armos p
elo viés de Lacan
, torna-se im
portan
te destacar as
prim
eiras descobertas freu
dian
as, de 1894, sobre o qu
e ele cham
ou d
e
fenôm
enos corp
orais. Freud
faz um
vasto detalh
amen
to sobre as man
ifes-
tações corporais p
resentes n
a neu
rose de an
gústia, e d
estaca, ao final, qu
e
“a alienação en
tre as esferas psíqu
ica e somática n
o rum
o tomad
o pela
excitação sexual é m
ais pron
tamen
te estabelecida n
as mu
lheres qu
e nos
hom
ens” (Freu
d, 1894 [95], 1996, p
. 111). Ele con
stata, na an
álise dos
casos de som
atização anorm
al, como d
iz, que estes ocorrem
em d
ecor-
rência d
e um
a insu
ficiência p
síquica, ou
seja, que h
averia um
desvio p
ara
o camp
o do som
ático de u
m p
rocesso que p
oderia ser elaborad
o no cam
-
po p
síquico. Freu
d faz tod
o um
percu
rso sobre a sexualid
ade qu
e o leva a
conclu
ir sobre o seu im
portan
te pap
el na etiologia d
as neu
roses.
O con
ceito de con
versão, a partir d
e clínica p
sicanalítica d
e Freud
,
inau
gura u
ma n
ova concep
ção da n
oção de corp
o que p
redom
inava n
a
med
icina d
o século X
IX. Freu
d p
rodu
z um
deslocam
ento d
o olhar p
ara a
escuta, in
trodu
zind
o um
a mod
ificação na p
rática terapêu
tica ao que com
isso, o foco da clín
ica deixa d
e ser o sintom
a e passa a ser a fala d
o paci-
ente, e o corp
o enten
did
o enqu
anto tom
ado p
ela lingu
agem.
Esta p
erspectiva abre u
m ou
tro camp
o de in
vestigação sobre a natu
-
reza do corp
o. É, p
ortanto, d
e fun
dam
ental im
portân
cia o analista ofere-
cer ao pacien
te um
a escuta acerca d
e sua d
oença qu
e, ao evocá-la no
jan
eiro
20
11
l co
rre
io A
PP
OA
.55
co
rre
io A
PP
OA
l jan
eiro
20
11
54.
tem
átic
a.
A to
po
log
ia d
o c
orp
o.
camp
o da p
sicanálise, ad
quire ou
tro mod
o de ser en
un
ciada qu
e não m
ais
aquele n
arrado p
elo discu
rso científico, visto qu
e o corpo p
uram
ente or-
gânico, estu
dad
o pela ciên
cia, man
ifesta-se como “corp
o concebid
o in-
teiramen
te como zon
a erógena” (Freu
d, 1940 [1938], 1996, p
. 164) na clí-
nica p
sicanalítica, d
otado d
e valor fantasm
ático. Ao con
ceber o corpo
como u
m con
jun
to de zon
as erógenas, Freu
d retira o foco d
o sexual d
os
órgãos genitais e p
assa a enten
der qu
e todos os órgãos d
o interior d
o cor-
po são p
assíveis dos d
estinos d
a pu
lsão. De tod
o mod
o, é preciso retom
ar
em Freu
d qu
e o que faz gozo é a m
anu
tenção d
e um
estado d
e tensão,
descolan
do o con
ceito do qu
e seria o prazer ou
de u
m bom
fun
cionam
en-
to do órgão; assim
enten
de Leclaire (2007, p
. 57), que salien
ta que “a or-
dem
do p
razer se inscreve verd
adeiram
ente em
contrap
onto com
a or-
dem
orgânica e com
o tal constitu
i prop
riamen
te faland
o, a subversão d
o
mesm
o” (Idem
, p. 58). D
ito de ou
tro mod
o, o incon
sciente d
esconh
ece a
biologia.
Lembra-n
os Alberti e colaborad
ores (2004) que o corp
o do su
jeito
perten
ce a um
sujeito sin
gular e o m
odo com
o ele pod
e vir a falar de seu
próp
rio corpo e o qu
e acredita ter n
o seu corp
o pod
e ser distin
to do qu
e o
méd
ico vê. A au
tora concord
a com Lacan
(1975-76), que n’O
Sem
inário
O S
inth
oma, n
os faz enten
der o qu
anto o corp
o é semp
re estranh
o e nos
escapa.
Em
seus ú
ltimos sem
inários, Lacan
reelabora sua ap
ropriação acerca
do sin
toma, p
ropon
do u
ma con
cepção d
este a partir d
o Real (1974-1975).
Em
O S
inth
oma, Lacan
afirma qu
e é do R
eal que se trata n
o sintom
a,
visand
o um
a articulação en
tre o gozo e o incon
sciente. Para Lacan
, há
algo no sin
toma qu
e resiste à interp
retação, send
o, portan
do, irred
utível.
Ele d
efine o sin
toma p
ela man
eira como cad
a um
goza do in
conscien
te
na m
edid
a em qu
e o incon
sciente o d
etermin
a, dizen
do en
tão que “o in
-
conscien
te é inteiram
ente red
utível a u
m saber” (1974 – 1975, p
. 127).
Temos aí, en
tão, um
a virada im
portan
te para a con
du
ção da clín
ica,
um
a direção p
ara a escuta, p
ois o sintom
a passa a ser en
tend
ido com
o o
que localiza o gozo n
o incon
sciente. N
ão se trata mais d
e realizar um
a
nom
eação do sin
toma, p
rodu
zind
o um
falso buraco (Lacan
, 1975-1976),
visto que este m
anejo viria a p
rodu
zir um
a proliferação d
e sintom
as
(Lacan, 1974; 1975-1976). M
as se tomarm
os o camp
o da lin
guagem
nu
ma
interp
retação capaz d
e prod
uzir equ
ívocos que cerrem
o gozo, seja ele o
gozo Ou
tro (JA) ou
o gozo fálico (JÖ) - este caracterizad
o como fora-d
o-
corpo – obterem
os um
a via possível d
e êxito nas in
tervenções an
alíticas.
Neste cam
inh
o, o sintom
a no corp
o é um
saber, inscrito n
este na for-
ma d
e um
hieróglifo, u
m en
igma, e qu
e trabalha n
o sentid
o de ocu
ltar a
angú
stia. Em
concord
ância está C
olette Soler (2005), qu
e, ao ler Lacan
(1975), susten
ta o sintom
a como u
ma fu
nção d
e gozo. Os even
tos do cor-
po, m
arcados p
ela fixidez d
o sintom
a, são distin
guid
os, diz a au
tora, dos
eventos d
e sujeito. É
o gozo que m
and
a, sugere S
oler. Citam
os Lacan em
A Terceira:
O sin
toma é a irru
pção desta anom
alia em qu
e consiste o gozo fálico,
na m
edida em qu
e aí se mostra, se desabroch
a essa falta fun
da-
men
tal que qu
alifico de não-relação sexu
al (p. 67, 1974)
Abrim
os aqui u
m viés p
ara question
armos o qu
e é ordem
da sexu
ali-
dad
e femin
ina e su
a relação com o falo. “O
falo é o obstáculo feito a u
ma
relação”, lemos em
Lacan (1971, p
. 62). Qu
and
o Lacan con
clui qu
e a
mu
lher é n
ão-toda, ele está d
izend
o que a m
ulh
er está não-tod
a na rela-
ção com o falo. E
xiste para a m
ulh
er um
gozo fora ordem
fálica, ou seja,
não existe u
m u
niversal d
o gozo da m
ulh
er (Idem
, p. 64), o qu
e faz que
não p
ossamos ter certeza d
o seu d
esejo (Ibidem
, p. 70). Talvez Freu
d esti-
vesse toman
do este cam
inh
o ao observar a disp
osição as suas p
acientes
para os even
tos do corp
o.
Lacan n
ão deixa d
e salientar qu
e a med
iação fálica não d
rena tu
do o
que vem
a ser da ord
em d
o pu
lsional n
a mu
lher, in
do n
a contram
ão das
correntes qu
e susten
tam o ch
amad
o instin
to matern
o, e relembran
do qu
e
jan
eiro
20
11
l co
rre
io A
PP
OA
.57
co
rre
io A
PP
OA
l jan
eiro
20
11
56.
tem
átic
a.
A to
po
log
ia d
o c
orp
o.
há algo d
este sexual in
acessível à análise, ou
seja, um
resto de real. (Lacan
,
1960, p. 739) D
este mod
o é cabível pen
sarmos qu
e o filho, com
o restaura-
dor fálico, – assim
teorizava Freud
– dificilm
ente d
á conta d
e cessar a
reivind
icação femin
ina.
O qu
e vem a se in
screver no corp
o é o que Lacan
cham
a de letra, o
que n
os faz pen
sar que d
evemos tom
á-lo ao pé d
a letra. É o literal. E
m
Mais, ain
da, Lacan
ratifica: “A letra, lê-se com
o um
a carta... Lê-se, e lite-
ralmen
te” (1972 – 1973, p. 39). É
ao captar a letra qu
e teremos acesso ao
Real, ap
onta Lacan
(1974), visto que a in
scrição no corp
o está comp
reen-
did
a como fora-d
a-lingu
agem, com
o o autor evid
encia ao colocar em
pla-
no o n
ó-borromeu
.
Em
“O d
iscurso qu
e não fosse sem
blante”, Lacan
cun
ha u
m con
ceito
que vai d
enom
inar litoral, sen
do litoral aqu
ilo que d
e literal não faz rela-
ção, a saber, a letra (Lacan, 1971, p
. 109), que é efeito d
e um
discu
rso. O
litoral faria um
a fronteira n
a qual n
ão há relação recíp
roca, como n
a não-
relação sexual.
É in
teressante p
erceber através da teoria qu
e a letra não p
ode ser
tomad
a como sign
ificante, u
ma v
ez qu
e este tem a q
ualid
ade d
e
polissêm
ico. De m
odo qu
e o hom
em p
ossa se articular com
o significan
te,
A m
ulh
er, diz Lacan
, “só pod
e ocup
ar seu lu
gar na relação sexu
al, na
qualid
ade d
e um
a mu
lher” (1971, p
. 133), à med
ida qu
e faz semblan
te.
Lacan, ao m
esmo tem
po em
que n
os mostra qu
e para gozar é p
reci-
so um
corpo (1971), n
os abre um
camin
ho p
ara elucid
ar estas questões
quan
do d
iz:O am
uro é o qu
e aparece em sign
os bizarros no corpo. S
ão esses
caracteres sexuais qu
e vêm do além
, desse local que tem
os acre-ditado poderm
os ocular n
o microscópio sob a form
a de gérmen
– a
respeito do qual farei vocês n
otarem qu
e não se pode dizer qu
e sejaa vida, pois aqu
ilo também
porta a morte, a m
orte do corpo, por
repeti-lo. É de lá que vem
o mais, o em
-corpo, o A in
da (Lacan,
1972 -73, p. 13).
Ao qu
e nos in
dica qu
e o que n
os dará n
orte para o n
osso estud
o é a
clínica d
a pu
lsão, um
a vez que o d
iscurso cien
tífico prop
õe um
a recup
e-
ração do objeto a, n
a forma d
e objetos prod
uzid
os por este d
iscurso e qu
e
operam
como p
ontos d
e captação d
e gozo e vão servir de com
plem
ento,
se assim p
odem
os dizer, ao gozo fálico. E
nten
dem
os que é a satisfação d
a
pu
lsão um
a barreira a realização do d
esejo subjetivo.
Re
ferê
nc
ias b
iblio
grá
fica
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rre
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OA
.59
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On
da
do
Ac
ting
ou
te
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ssa
ge
m a
o A
to
Silv
ia C
arc
uchin
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eix
eira
O F
ilme
A O
nd
a (Die W
elle) é um
filme qu
e trata da p
ossibilidad
e do ressu
rgi-
men
to de m
ovimen
tos totalitários e exclud
entes, in
spirad
o em u
ma h
is-
tória real a partir d
e um
experim
ento em
sala de au
la, feito nos E
stados
Un
idos em
1967. Um
a história cu
riosa sobre a man
ipu
lação de p
essoas, a
falta de ru
mo e d
e valores de u
ma socied
ade con
sum
ista e ind
ividu
alista,
e os rum
os que ela p
ode tom
ar.
Die W
elle é a versão alemã, cu
jo protagon
ista é o professor R
ainer
Wen
ger (Jürgen
Vogel) qu
e trata de d
emon
strar, no m
elhor estilo d
e expe-
rimen
tação em sala d
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o é possível o su
rgimen
to de m
ovimen
-
tos ditatoriais. S
eus alu
nos, n
um
prim
eiro mom
ento, d
esun
idos e in
divi-
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60.
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a.
A to
po
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ia d
o c
orp
o.
du
alistas, aderem
ao movim
ento qu
e prim
a pela d
isciplin
a e pad
roniza-
ção, prop
osto pelo seu
mestre.
Inicialm
ente, o qu
e era um
a brincad
eira, ganh
a traços de seried
ade,
e, como p
ode ocorrer em
qualqu
er situação, com
ou sem
experim
ento, sai
do con
trole através de p
osições extremad
as e desequ
ilibradas. O
s jovens
inicialm
ente vão con
cordan
do e p
articipan
do d
a experiên
cia, mas d
e-
pois, ao sen
tirem su
as opin
iões send
o escutad
as no con
jun
to de u
m p
ro-
cesso de con
strução d
o grup
o, assim com
o de se sen
tirem p
rotegidos p
or
pessoas d
aquela irm
and
ade, p
assam a ter força e valor. Talvez esse fosse
um
sentim
ento qu
e eles não con
hecessem
até o mom
ento n
aquele gru
po,
ond
e a classe social e a raça eram m
ais valorizadas qu
e a capacid
ade
ind
ividu
al. Os alu
nos foram
toman
do as coisas p
ara si e o que era brin
ca-
deira, torn
ou-se algo sério e real.
A situ
ação saiu d
o controle e o p
rofessor, alienad
o ao que acon
tecia
fora da sala d
e aula e m
esmo d
o Colégio, n
ão se deu
conta, m
esmo ten
do
sido alertad
o por su
a mu
lher e p
or algun
s alun
os que n
ão concord
aram
com o exp
erimen
to. A cegu
eira do p
rofessor e sua p
rópria ân
sia em ser
valorizado e levad
o a sério culm
inaram
com u
ma tragéd
ia.
A h
istória que in
spirou
o escritor nova-iorqu
ino Tod
d S
trasser e o
trabalho d
os roteiristas Peter Th
orwarth
e Den
nis G
ansel (d
iretor do fil-
me) ocorreu
na classe d
o professor R
on Jon
es na C
ub
berley
High
Sch
oo
l,
em Palo A
lto, na C
alifórnia.
O elen
co do film
e A O
nd
a é formad
o basicamen
te por joven
s. Do
nú
cleo prin
cipal, Fred
erick Lau, com
o Tim
Stoltefu
ss, o garoto que leva o
experim
ento m
ais a sério e que d
emon
stra prop
ensão ao d
esequilíbrio e
ao extremism
o desd
e o início, foi qu
em in
spirou
esse texto em qu
e pre-
tend
o abordar os tem
as do a
cting o
ut e d
a passagem
ao ato, bem com
o
fazer um
a tentativa d
e relação com a clín
ica psican
alítica, trazend
o frag-
men
tos de u
m caso clín
ico.
Este film
e, como ou
tros recentes qu
e tratam sobre tem
as nazi-fascis-
tas, tais como O
Men
ino d
o Pijam
a Listrado, O
Leitor, Um
Hom
em B
om e
A Fita B
ranca, n
os fazem p
ensar sobre os m
otivos que levam
o ser hu
ma-
no a fazer o m
al para os seu
s semelh
antes.
Recorren
do a algu
mas leitu
ras, detivem
o-nos n
o texto “O Fascism
o
não m
orrerá”, ond
e Ch
arles Melm
an (2000) n
os diz qu
e o fascismo está
presen
te no p
siquism
o de cad
a um
, mas qu
e é preciso algu
mas con
dições
para qu
e se desen
volva, tais como a d
esordem
social, o desem
prego, a
inflação (qu
e transform
a inim
igos em p
arceiros sociais), ameaça vin
da
do exterior, en
fim tod
as as situações qu
e põem
em p
erigo a peren
idad
e do
ancestral. A
lém d
isso, é necessário qu
e se organize u
ma sin
gula
r trind
a-
de: a referên
cia ao ancestral m
ítico do gru
po, a d
ívida d
e sangu
e dos fi-
lhos p
ara com ele e a in
vocação patética a ter qu
e se deson
erar dela. É
preciso m
orrer pelo p
ai, para qu
itar um
a dívid
a mítica. Portan
to, “o fas-
cismo se ap
óia na reu
nião d
e um
a comu
nid
ade p
or um
a exaltação do
sentim
ento n
acional d
e mod
o tal que ju
stifique a p
rimazia d
e seu d
ireito
sobre o de tod
os os outros p
ovos” (Melm
an, 2000, p
. 187).
Este texto n
ão tratará do tem
a fascismo, p
roposto p
elo filme A
On
da,
nem
tamp
ouco abord
ará a experiên
cia do p
rofessor Rain
er Wen
ger com
seus alu
nos. O
que n
os interessa é estu
dar e ten
tar enten
der os atos com
e-
tidos p
elo person
agem T
im, n
ão tend
o nen
hu
ma p
retensão d
iagnóstica,
mas em
desen
volver questões teóricas sobre ato, a
cting o
ut e p
assagem ao
ato, na versão d
a psican
álise. Por fim, u
m recorte clín
ico do caso d
e um
a
criança an
alisada h
á vários anos, a qu
em ch
amarei R
afaela.
Para quem
não assistiu
ao filme ou
para relem
brar: Tim
destoava d
o
grup
o, era um
rapaz qu
e tentava sobressair-se p
raticand
o atos nos qu
ais
quase sem
pre se colocava em
perigo. C
onsegu
ia drogas p
ara dar aos cole-
gas e usava u
m revólver p
ara defen
der algu
ém d
o seu gru
po n
um
a briga
ou su
bia em lu
gares mu
ito altos para colocar o sím
bolo do m
ovimen
to
(um
a ond
a estilizada). R
esum
ind
o: seus atos eram
perigosos p
ara os ou-
tros e prin
cipalm
ente p
ara si, tend
o culm
inad
o com u
m tiro d
isparad
o
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62.
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átic
a.
A to
po
log
ia d
o c
orp
o.
contra si m
esmo
1. De qu
alquer form
a, ele tomou
ao pé d
a letra a experiên
-
cia prop
osta e aniqu
ilou-se com
o sujeito, n
ão tend
o em n
enh
um
mom
en-
to parad
o para p
ensar sobre o qu
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aquele exp
erimen
to
prop
osto pelo seu
professor e sobre seu
s atos.
Do
actin
g a
o a
to“Jam
ais se é tão sólido em
seu ser com
o quan
do n
ão se pen
sa”, nos
diz Lacan
(1967-1968) no S
emin
ário sobre o Ato Psican
alítico (Tim
nos
dem
onstra com
mu
ita crueza a verd
ade d
e seu in
conscien
te, ele chega a
chocar seu
s colegas de E
scola).
O ato, em
si, está semp
re em relação com
um
começo. E
ste começo é
lógico, mas em
que sen
tido? Talvez seja o “objeto p
erdid
o inicial d
e toda
a gênese an
alítica, esse que Freu
d m
artela em tod
a época d
e seu n
asci-
men
to do in
conscien
te, ele está aí, esse objeto perd
ido, cau
sa do d
esejo.
Teremos qu
e vê-lo como n
o prin
cípio d
o ato” (Lacan, 1968, p
. 84).
O su
jeito dep
end
e da cau
sa que o d
eixa divid
ido e qu
e se cham
a o
objeto a. O su
jeito não é a cau
sa de si, ele é a con
sequên
cia da p
erda, e
seria necessário qu
e se colocasse na con
sequên
cia da p
erda, a qu
e consti-
tui o objeto a, p
ara saber o que lh
e falta.
O fato é qu
e ele somen
te pod
e pen
sar ao se fazer ser. Eu
pen
so, lo
go
eu so
u. A
tarefa analítica em
relação ao sujeito alien
ado n
o eu n
ão
pen
so
é colocar-lhe n
a tarefa eu p
enso e, p
ortanto, d
e começar u
m saber sobre o
eu n
ão
pen
so ineren
te ao estatuto d
o sujeito. D
izend
o de ou
tro mod
o, a
psican
álise nos leva à exp
eriência su
bjetiva da castração. O
sujeito n
ão se
realiza senão com
o falta, o que qu
er dizer qu
e a experiên
cia subjetiva
desem
boca nisto qu
e simbolizam
os por m
enos fi.
Lacan n
os relata que esta falta n
ão é o que sabem
os estar no lu
gar do
eu n
ão
sou
, essa falta estava lá desd
e o início e, p
ortanto, sem
pre sou
be-
mos qu
e ela é a essência d
esse sujeito qu
e cham
amos h
omem
.
Sabem
os, desd
e Freud
, que qu
and
o um
pacien
te não record
a coisas
que esqu
eceu ou
recalcou, ele as rep
rodu
z através de ações, rep
ete-as
sem saber qu
e está repetin
do. D
ito de ou
tra forma, ele exp
ressa essa coisa
pela atu
ação (agieren
), termo qu
e foi tradu
zido em
inglês p
or actin
g ou
t.
Nos fala qu
e “o pacien
te começará seu
tratamen
to por u
ma rep
etição des-
se tipo” (Freu
d, 1914, p
. 196). En
quan
to se encon
tra em tratam
ento, n
ão
pod
e fugir a esta com
pu
lsão à repetição e, n
o final, com
preen
dem
os que
esta é a sua m
aneira d
e recordar.
Mas qu
al será a relação da com
pu
lsão a repetir com
a transferên
cia e
a resistência?
A tran
sferência é ap
enas u
m fragm
ento d
a repetição e a rep
etição é
um
a transferên
cia do p
assado esqu
ecido, n
ão apen
as para o m
édico, m
as
também
para tod
os os outros asp
ectos da situ
ação atual. Q
uan
to maior a
resistência, m
ais o actin
g ou
t (atuação) su
bstituirá o record
ar.
O p
aciente rep
ete, ao invés d
e recordar, e rep
ete sob as cond
ições da
resistência. M
as o que é qu
e ele repete ou
atua? R
epete os seu
s traços
patológicos d
e caráter, os seus sin
tomas, as su
as inibições, etc...
No sem
inário A
An
gústia, Lacan
refere, sobre a questão d
a passagem
ao ato e o actin
g ou
t, que “o m
omen
to da p
assagem ao ato é o d
o embaraço
maior d
o sujeito, com
o acréscimo com
portam
ental d
a emoção com
o dis-
túrbio d
o movim
ento” (Lacan
, 1963, p. 129). O
sujeito se p
recipita e d
es-
pen
ca fora da cen
a. Por sua vez, o a
cting o
ut é o op
osto da p
assagem ao
ato, pois é algu
ma coisa qu
e se mostra n
a cond
uta d
o sujeito.
“Na an
álise, um
actin
g ou
t pod
e constitu
ir um
apelo, u
m d
esafio,
um
a réplica, qu
e atestam u
ma in
capacid
ade d
o dizer, corresp
ond
end
o a
um
a interven
ção no real ou
significan
do o qu
e a interp
retação deixou
de
consid
erar. Rep
resenta, p
ois, um
a verdad
e não recon
hecid
a e se situa n
a
fronteira en
tre a vida real e a cen
a da ficção” (K
aufm
ann
, 1996 p. 4).
Torna a an
álise possível qu
and
o encon
tra possibilid
ade d
e represen
tação
e cede lu
gar à fala.1 Isso não fica m
uito claro na versão alemã do film
e, mas foi o que ocorreu na realidade: um
a passagem ao ato suicida.
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eiro
20
11
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64.
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a.
A to
po
log
ia d
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orp
o.
Tomarei agora algu
ns fragm
entos d
o caso de u
ma m
enin
a analisad
a
na in
fância a qu
em ch
amarei d
e Rafaela. V
eio encam
inh
ada p
ela Escola
porqu
e estava mu
ito agitada, n
ão parava qu
ieta na su
a mesa, n
ão conse-
guia realizar as tarefas p
ropostas, en
fim: n
ão apren
dia. O
s pais eram
se-
parad
os e ela foi trazida p
ela mãe qu
e referiu qu
e o pai d
e Rafaela ach
ava
que ela n
ão fosse sua filh
a e, portan
to, não a tratava d
a mesm
a forma qu
e
tratava sua irm
ã mais velh
a.
As d
uas m
enin
as moravam
com a avó m
aterna e a m
ãe estava inici-
and
o um
novo relacion
amen
to. Rafaela às vezes ficava com
a mãe, m
as
com o p
ai não; só a irm
ã mais velh
a é que ficava, n
os fins d
e seman
a, na
casa do p
ai.
Ap
ós algum
temp
o de tratam
ento, as m
enin
as voltaram a m
orar com
a mãe e com
seu n
ovo comp
anh
eiro e passaram
a ir visitar a avó, nos fin
s
de sem
ana. A
mãe p
assou a se ocu
par d
elas e orientar as tarefas escolares.
Rafaela com
eçou a ap
rend
er, mas ain
da con
tinu
ava ap
rontan
do n
a Esco-
la e em casa. O
apron
tar era da ord
em d
e atos perigosos qu
e fazia para
irmã e p
rincip
almen
te para si m
esma. M
exia em facas, se cortava. A
cen-
dia o fogão, qu
ase botava fogo na casa. N
o verão gostavam d
e acamp
ar
em lu
gares com bastan
te verde, com
lagos ou açu
des. U
ma vez ten
tou
afogar um
a criança e qu
and
o question
ada, d
isse que estava só brin
cand
o.
Estes atos qu
e se repetiam
, aos pou
cos foram se torn
and
o mais am
enos e,
dep
ois de algu
ns an
os de tratam
ento, d
eixaram d
e ocorrer.
Passei mu
itos anos sem
vê-la, mas sou
be pela su
a mãe qu
e se tornou
um
a moça resp
onsável, casou
-se e é hoje m
ãe de u
ma lin
da m
enin
a.
Em
bora não p
ossamos afirm
ar exatamen
te ond
e e quan
do se d
eram
as mu
dan
ças, no caso d
e Rafaela, qu
e teve acesso a um
tratamen
to psica-
nalítico, foi p
ossível um
a simbolização d
os seus sin
tomas, d
e seus atos e
actin
g ou
t, mas n
o caso do p
ersonagem
Tim
, isso não foi p
ossível, e aca-
bou sen
do realizad
a um
a passagem
ao ato. O qu
e pod
emos com
preen
der
a partir d
isso?
Con
forme A
lfredo Jeru
salinsky, em
Novas P
roposições sobre o A
cting
Ou
t e Passagem ao A
to (Correio d
a Ap
poa, 103,2002), “en
quan
to o acting
out obed
ece a um
estatuto on
de p
revalece o imagin
ário, a passagem
ao
ato opera n
a ordem
do real”
No caso d
o person
agem T
im, a p
assagem ao ato p
arece evocar um
a
saída, a n
ão se defron
tar com o térm
ino d
aquela exp
eriência, ou
seja,
garantir o seu
desejo d
e perten
cer a um
grup
o, de ter am
igos, de ser ou
vi-
do p
elo Ou
tro encarn
ado p
elo seu p
rofessor. No caso d
e Rafaela, p
ela
análise ela p
ode m
anifestar seu
desejo, através d
as brincad
eiras- com
bonecas, e jogos- e p
or meio d
as interp
retações e interven
ções da an
alista
jun
to aos seus p
ais.
Nos d
ois “casos” – da m
enin
a Rafaela e d
o sup
osto rapaz qu
e deu
origem ao p
ersonagem
do film
e – os actin
gs se repetem
como sin
tomas.
Con
forme o grafo d
o semin
ário O ato p
sicanalítico (L
acan, 1967-68),
tanto o recalcam
ento qu
anto a rep
etição fariam o m
esmo m
ovimen
to –
do In
conscien
te (eu n
ão sou) p
ara o Isso (eu n
ão pen
so). Ou
seja, partem
de u
m saber-sem
-sujeito p
ara um
sujeito-ign
orante, alien
ado d
e sua
Verd
ade. A
repetição n
eurótica p
ode se etern
izar, e inclu
sive passar
para ou
tras gerações, se não h
ouver u
m corte, qu
e pod
e ser operad
o pela
castração simbólica, ou
então, através d
a interp
retação em an
álise.
A verd
ade con
qu
istada sob
re o Incon
sciente d
eixa o su
jeito na
posição d
e saber-sem-su
jeito, “lugar n
ovamen
te em falso, qu
e pod
e
catapu
ltá-lo de volta ao p
onto d
a ignorân
cia” (Víctora, 2010).
Será qu
e pod
eríamos p
ensar qu
e o sujeito an
gustiad
o dian
te da p
os-
sibilidad
e de ter o d
esejo aband
onad
o, no caso d
os actin
gs repetid
os, pod
e
vir a cometer u
ma p
assagem ao ato?
jan
eiro
20
11
l co
rre
io A
PP
OA
.67
temátic
a.
co
rre
io A
PP
OA
l jan
eiro
20
11
66.
tem
átic
a.
Re
ferê
nc
ias b
iblio
grá
fica
sFREUD, Sigm
und. Recordar, Repetir e Elaborar (1914), Rio de Janeiro, Imago, 1969.
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Qu
an
do
a a
ng
ústia
tom
a c
orp
o
Lig
ia G
om
es V
ícto
ra
Cem
anos d
epois d
as teorias de Freu
d sobre o In
conscien
te, parece
que h
á pou
cas dú
vidas d
e que Isso d
etermin
e nossos atos – “som
os vivi-
dos p
or forças descon
hecid
as e incon
troláveis ...” 1 Atu
almen
te, é comu
m
ouvirm
os em con
versas de elevad
or frases com in
terpretações selvagen
s
sobre comp
lexo de É
dip
o, castração simbólica, objeto d
o desejo, ato-fa-
lho, id
entificação, etc. E
xpressões qu
e há p
ouco tem
po se restrin
giam ao
discu
rso psican
alítico.
O saber p
opu
lar sobre o corpo segu
e também
a mesm
a lógica, e cada
vez mais d
oenças, an
tes atribuíd
as a fatores meram
ente o
rgân
icos são
consid
eradas n
ervo
sas, p
sicoló
gicas ou
psico
ssom
ática
s. Qu
antas vezes
escutam
os de p
acientes oriu
nd
os de esp
ecialistas méd
icos que n
os foram
1 Cf. Freud 1927, citando Groddeck.
jan
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20
11
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io A
PP
OA
.69
co
rre
io A
PP
OA
l jan
eiro
20
11
68.
tem
átic
a.
A to
po
log
ia d
o c
orp
o.
encam
inh
ados com
o seguin
te diagn
óstico: – Tu n
ão
tens n
ad
a. V
ai co
n-
versa
r com
um
psica
na
lista!
Basta observar com
o as crianças d
esenh
am o corp
o hu
man
o (e até
mesm
o os adu
ltos, quan
do solicitad
os a desen
har seu
s órgãos intern
os),
para con
firmar qu
e a represen
tação do corp
o é algo totalmen
te subjetivo.
Pedir qu
e alguém
descreva seu
corpo é ou
tro exercício que ilu
stra bem
isso. Pessoas magras se ap
resentam
como gord
as. Pessoas belas como fei-
as, e vice-versa. En
tão o corpo é alu
cinad
o? Este in
vólucro d
e pele qu
e
fornece ao n
euró
tico norm
al u
ma ilu
são de solid
ez e lhe d
á um
limite
entre o E
u e o O
utro, em
outros casos, p
arece líquid
o e estes limites são
tênu
es.
O corp
o, tal como o vem
os, é um
a constru
ção imagin
ária, obra de
um
agregado d
e significan
tes que são en
dereçad
os ao futu
ro sujeito d
es-
de an
tes de n
ascer, e vão send
o emp
ilhad
os sobre o que h
á de R
eal no
orgânico – o qu
al nu
nca en
xergaremos. N
ós, psican
alisantes, sabem
os que
são as palavras qu
e formam
um
sujeito, qu
e formatam
seu corp
o, assim
como o d
eformam
(com os sin
tomas) e tam
bém qu
e pod
em tran
sformá-
lo.2 S
omos o qu
e dizem
de n
ós.
Pois bem, regid
o pela lógica d
o Incon
sciente – on
de n
em sem
pre é
“A =
A”, e “A
” pod
e ser qualqu
er outra coisa – o corp
o também
tem su
a
Topologia, e é acom
etido p
or fenôm
enos qu
e afetam esta su
perfície for-
mad
a pela p
ele, algum
as bordas e u
m m
onte d
e órgãos comp
lexos. Com
o
a Topologia p
ode n
os ajud
ar a comp
reend
er certos processos d
itos físicos,
mas qu
e pod
em ser con
siderad
os como afecções d
a sup
erfície do corp
o?
Marc D
armon
costum
a dizer qu
e há casos qu
e são imp
ossíveis de serem
comp
reend
idos sem
instru
men
tos matem
áticos, pois con
cernem
à
Topologia d
o sujeito.
Exem
plos claros d
estes encon
tramos, em
maior ou
men
or grau, n
as
transform
ações bruscas d
a imagem
do corp
o. Algu
mas – com
o o exagero
das ciru
rgias plásticas p
ara mod
ificá-lo, as tatuagen
s e os piercin
gs para
marcá-los in
delevelm
ente – n
os fazem p
ensar qu
e o corpo é m
ais um
objeto descartável qu
e deve ser trocad
o como u
ma casca, con
forme os
mod
ismos (m
ais peito, m
ais lábios, men
os nariz, m
enos gord
ura). O
utras
transform
ações – alucin
atórias – como n
as dism
orfofobias e também
na
anorexia – com
un
s na ad
olescência e n
as psicoses – p
arecem rem
ontar à
fase do esp
elho e ser d
e ordem
sintom
ática e não voltad
as somen
te para o
social. Afecções d
a pele (alergias, h
erpes, lú
pu
s), presen
tes nas d
oenças
auto-im
un
es, aind
a contin
uam
misteriosas e p
arecem se tratar d
e fenô-
men
os de ou
tra natu
reza, que con
cernem
, no m
eu en
tend
imen
to, à lógica
do S
ignifican
te.
Mais rad
icais aind
a, transform
ações sexuais com
o no travestism
o com
inclu
são de im
plan
tes ou in
gestão de h
ormôn
ios para m
ascarar o sexo
original, e o tran
sexualism
o com ciru
rgias para m
ud
ança d
e sexo, remon
-
tam à lógica d
a sexuação e m
ereceriam m
uito m
ais estud
o e pesqu
isas
antes d
e serem taxad
as como p
erversão ou p
sicose. Por outro lad
o, temos
casos em qu
e revestir ou tap
ar os buracos d
o corpo cu
mp
re um
a fun
ção
de p
roteção. Por exemp
lo, em certas m
odalid
ades d
e psicoses, n
ão é raro
o pacien
te obstruir n
ariz, ouvid
os e ânu
s – como se p
ud
esse assim ao
mesm
o temp
o se proteger d
o exterior ameaçad
or e se tam
pa
r, criar um
invólu
cro para n
ão se esva
ir.
Com
o fica a Topologia d
o corpo n
as transform
ações do m
esmo? K
afka,
em “A
metam
orfose”, descreve o p
avor do n
arrador qu
e um
belo dia acor-
da tran
sformad
o em u
m in
seto cascud
o, que d
edu
zimos en
ojados qu
e
deva ser u
ma barata (a
rgh!). N
ão ficamos lon
ge disso em
mu
itos episód
i-
os vividos em
sonh
os ou n
a realidad
e. Joyce conta em
“Retrato d
o artista
quan
do jovem
”, um
a cena exp
lorada p
or Lacan (1975), n
a qual açoitad
o
pelos am
igos, o adolescen
te sentia com
o se seu corp
o se desp
rend
esse
“como casca d
e fruta m
adu
ra”.2 Cf. Víctora 2006.
jan
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20
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io A
PP
OA
.71
co
rre
io A
PP
OA
l jan
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70.
tem
átic
a.
A to
po
log
ia d
o c
orp
o.
A le
tra c
om
o b
ord
a: L
itora
l X L
itera
l
Lacan (1971)
3 no S
emin
ário “Um
discu
rso que n
ão seria aparên
cia”,
associa “literal” com “litoral”, ou
seja, toma a letra com
o borda: – “A
letra
não é (...)
4 litoral mais p
ropriam
ente, seja figu
rand
o só um
dom
ínio in
tei-
ro feito para o ou
tro fronteira, d
o que eles são estran
geiros, até a não se-
rem recíp
rocos.”
Em
outras versões
5 desta m
esma lição (qu
e foi pu
blicada p
rimeira-
men
te como L
ittura
terre) está um
pou
co diferen
te:
Acaso a letra n
ão é o literal a se fun
dar no litoral? Pois isto n
ão é
outra coisa qu
e um
a fronteira. A
liás, vocês puderam
observar que
isso não se con
fun
de jamais. O
litoral é aquilo qu
e coloca um
do-
mín
io inteiro com
o fazendo, em
relação a um
outro, u
ma fron
teira,
justam
ente disto qu
e eles não têm
, absolutam
ente n
ada em com
um
,
nem
mesm
o um
a relação recíproca. Pois a letra não é propriam
ente
litoral? O bordo do bu
raco no saber qu
e a Psicanálise design
a, jus-
tamen
te ao abordar a letra; não é isso o qu
e ela representa?
6
O litera
l no
litora
l. Não seria o con
trário? Um
litora
l a ser fu
nd
ad
o n
o
literal? O
u seja: u
m bord
o Sim
bólico estabelecend
o um
limite n
o Real?
Lembran
do qu
e letra (lettre) em
francês tam
bém sign
ifica carta, e faz
hom
ofonia com
“o ser” (l’être), e voltan
do ao corp
o como en
velope im
agi-
nário d
o sujeito: n
esta metáfora, qu
e end
ereço pod
eria ser escrito neste
envelop
e? O n
ome p
róprio d
o sujeito? O
u o d
o Ou
tro?
Top
ologicamen
te, um
envelop
e nad
a mais é qu
e um
disco, o qu
al
será dobrad
o e bem colad
o, tornan
do-se h
omeom
orfo a um
a esfera. Com
as novas vizin
han
ças, ele “cria” um
interior. A
í ele pod
e portar, in
clusive:
um
a carta (lettre), letras (lettres), ou m
esmo o p
róprio
ser (l’être).
Ou
tro envelop
e bem con
hecid
o nosso, o d
a carta roubad
a7, foi virad
o
du
as vezes para “d
isfarçar”. Virad
o para baixo e virad
o do avesso. E
ste
tipo d
e disfarce com
que n
os dep
aramos o tem
po tod
o nas estórias d
e
nossos an
alisand
os. O d
ito pop
ular é sábio n
estes casos: min
gau qu
ente
se come p
elas bordas.
Ain
da sobre en
velopes, lem
brei do grafo eu
leriano. R
eza a lend
a que
na an
tiga cidad
e de K
önigsberg (Prú
ssia – atualm
ente K
alinin
grado, R
ússia)
havia sete p
ontes sobre o rio P
regel. Du
rante sécu
los os morad
ores ti-
nh
am u
ma ch
arada n
a cidad
e: seria possível a u
m viajan
te conh
ecer a
vila passan
do u
ma vez só em
cada p
onte, n
um
a camin
had
a contín
ua?
Por mais qu
e fizessem torn
eios e gincan
as, não ch
egavam a u
ma con
clu-
são de com
o realizar tal façanh
a. Até qu
e um
dia, em
1736, Leonh
ard
Eu
ler encon
trou a solu
ção.8 T
ransform
and
o as regiões em V
ÉR
TIC
ES
e as
pon
tes em R
ET
AS
, criou o qu
e ficou con
hecid
o como sen
do u
m d
os pri-
meiros p
roblemas qu
e só pod
e ser resolvido através d
a Topologia. C
riou
também
, possivelm
ente, o p
rimeiro G
RA
FO d
a história: qu
e ficou con
he-
cido com
o grafo
de E
uler, n
o qual só se p
ode p
assar um
a vez em cad
a
camin
ho.
O grafo ap
resentad
o por Lacan
(1967-68) para exp
licar as operações
do ato p
sicanalítico tam
bém tem
a forma d
e um
envelop
e.9 M
as, certa-
men
te, os camin
hos p
ercorridos p
or um
a Psicanálise n
ão são eu
lerianos...
Não existe u
m cam
inh
o ún
ico pelos labirin
tos dos sign
ificantes.
3 Lição de 12/05/1971. Tradução da autora.
4 Lituraterre, in: Autres Écrits, p.14: está exatamente assim
. Parece que falta aqui uma parte da frase, que perde o sentido.
Pode-se ler o original em francês, na íntegra, no site: w
ww
.gaogoa.free.fr
5 Por ex: la lettre n’est-elle pas le littéral à fonder dans le littoral ? In: Espaces Lacan. Site: http://espace.freud.pagesperso-orange.fr
6 Tradução da autora. Transcrição direta do seminário oral de Lacan D’un discours... a partir do registro sonoro original da
lição de 12/05/1971. Lituraterre. Disponível em: http://lituraterre.free.fr
7 Conto de Edgar Allan Poe trabalhado por Lacan (1956) no Seminário A carta roubada.
8 Euler provou que não existia tal caminho.
9 Sobre isto, ver: Correio da APPOA no195. Outubro 2010.
jan
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20
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l co
rre
io A
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OA
.73
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rre
io A
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OA
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20
11
72.
tem
átic
a.
A to
po
log
ia d
o c
orp
o.
O c
orp
o R
, S e
ILacan
(1966)10 su
geriu qu
e o objeto a pu
desse ser tom
ado: n
o Real,
enqu
anto letra
; no S
imbólico, com
o Sign
ifican
te; e no Im
aginário, com
o
ob
jetos d
e desejo. Tal com
o o objeto, pod
eríamos p
ensar em
três leituras
possíveis d
o corpo:
–C
orpo R
EA
L: o corpo orgân
ico, do qu
al cremos ter acesso através
da B
iologia e cujo in
vólucro n
atural seria a p
ele.11 In
acessível para
nós, p
ois quan
do n
os aprop
riamos d
a Biologia, já é através d
o Ima-
ginário. S
eria a “Vid
a” – células, A
DN
, etc. – isso que foi in
cluíd
o
por Lacan
(1974) no elo d
o Real em
“A terceira”.
–C
orpo S
IMB
ÓLIC
O: feito e efeito d
e Sign
ificantes, seria este en
ve-
lop
e simbólico tecid
o em torn
o do su
jeito pelas p
alavras em geral.
Seria n
este pon
to que su
gerimos qu
e a letra pod
e ser inscrita n
o
corpo com
o borda, m
ais além d
as bordas p
ulsion
ais reais, em tor-
no d
a qual circu
lam os sign
ificantes. Por isso fu
nd
aria um
litora
l,
que circu
nscreve u
m d
omín
io próp
rio do S
ujeito – o seu
Eu
. (O
significan
te Ph
allu
s entraria aqu
i como fu
nção organ
izadora d
o
Sim
bólico.)
–C
orpo IM
AG
INÁ
RIO
: o corpo visível, esp
ecular, qu
e dá su
stenta-
ção ao Su
jeito, e faz um
a conexão en
tre o corpo real e o sim
bólico.
Algu
ns objetos d
este corpo im
aginário (o seio, as fezes, o olh
ar, a
voz) seriam – con
forme Lacan
– constitu
tivos, tomad
os como coi-
sas por serem
todos d
escartá
veis d
o corpo e p
or pod
erem, d
e certa
forma, aten
der ao d
esejo e à dem
and
a do O
utro.
En
tão, um
corpo p
ode ser bio-lógico, m
as o corpo com
que lid
amos
na Psican
álise tem O
utra
lógica. É
um
corpo con
struíd
o em cim
a de fal-
tas: necessid
ades fisiológicas, d
eman
da d
e afeto e desejo in
conscien
te se
combin
am n
um
a equação com
plexa. O
apelo p
elo Ou
tro vem d
e todo
lado. A
final, qu
al a estrutu
ra de u
m corp
o? É u
m saco com
o na Top
ologia
de Freu
d? É
um
toro de Lacan
? Um
cross-ca
p?
Em
Freud
, de acord
o com a lógica aristotélica e a trad
ição platôn
ica,
o corpo p
arecia bem sólid
o, tinh
a den
tro e fora delim
itados e sep
arados.
Já em Lacan
(1953) 1
2, o anel bilátero rep
resentou
a prim
eira topologia d
o
corpo, e d
epois (1962) o cro
ss-cap (su
perfície u
nilátera) a d
o corpo real.
O toro, ‘p
ré-corte’ do S
ignifican
te, seria a estrutu
ra do fu
turo su
jeito, ‘an-
terior à castração simbólica’. A
pós o corte d
o Nom
e-do-p
ai, deveria m
u-
dar p
ara um
a estrutu
ra mœ
biana, on
de n
ão há d
entro e fora. C
omo se
passar d
e um
a estrutu
ra fechad
a bilátera para u
ma u
nilátera fosse u
m
problem
a para Freu
d... M
as – com a ban
da d
e Mœ
bius – Lacan
(1962)13,
finalm
ente, d
emon
strou ser isto p
ossível, provou
-o e justificou
matem
a-
ticamen
te.
O c
orp
o n
a c
ad
eia
bo
rrom
ea
na
Ou
tra abordagem
do corp
o feita por Lacan
(1970 e seg.) foi pela teo-
ria dos n
ós. Na cad
eia borromean
a, o corpo foi localizad
o no elo d
o Ima-
ginário.
Com
paran
do as d
uas figu
ras abaixo, vemos qu
e no sem
inário R
SI a
cadeia borrom
eana se ap
resenta u
m p
ouco d
iferente d
a conferên
cia “A
terceira”: Lacan m
odificara o lu
gar do sin
toma, qu
e passou
para d
entro
do R
eal (antes ocu
pava o lu
gar que n
o RS
I ocup
a o camp
o fálico). En
-
quan
to que ou
tros lugares se m
odificariam
ao longo d
e seus sem
inários,
dep
end
end
o do qu
e estava tratand
o no m
omen
to, o lugar d
o corpo con
ti-
10 Lição de 27/04/1966.
11 A pele, conforme Gilson Firpo, é o m
aior órgão do corpo humano e o envolve por dentro e por fora, lem
brando uma
estrutura tórica.
12 Conferência “Função e Campo da fala e da linguagem
”
13 Seminário A Identificação. Lição 12, e seguintes.
jan
eiro
20
11
l co
rre
io A
PP
OA
.75
co
rre
io A
PP
OA
l jan
eiro
20
11
74.
tem
átic
a.
A to
po
log
ia d
o c
orp
o.
nu
ou sem
pre n
o Imagin
ário. É in
teressante acom
pan
har os d
iferentes u
sos
da cad
eia borromean
a no en
sino d
e Lacan, m
as cito apen
as dois, qu
e nos
interessam
aqui:
–E
m “A
terceira”, a Vid
a foi represen
tada n
o Real, a M
orte n
o Sim
-
bólico e o Co
rpo n
o Imagin
ário. Nesta con
ferência, Lacan
(1974)
“abriu” o n
ó borromeu
, para d
ar lugar aos con
ceitos freud
ianos:
Inco
nscien
te, Pré-co
nscien
te e Sin
tom
a.14
–N
o semin
ário RS
I, Lacan15 retom
aria outra tríad
e freud
iana – In
i-
biçã
o, S
into
ma e A
ngú
stia, explican
do, u
ma p
or um
a:
1) A In
ibiçã
o, é “semp
re um
a fun
ção do corp
o”, disse en
tão Lacan.
Um
a fun
ção: observem
como ele traz u
m term
o matem
ático para exp
li-
car um
a relação entre o corp
o e o significan
te! Efeito d
a “intru
são do
Imagin
ário”, que faria com
o que u
m “bu
raco no cam
po d
o Sim
bólico” –
em su
as próp
rias palavras. O
corpo vai se “im
iscuir” n
o Sim
bólico, pro-
vocand
o um
a paralisação d
o fun
cionam
ento. S
e a inibição é som
ente
imagin
ária ou se “alcan
çaria até o sistema n
ervoso central – isto m
erece-
ria um
a investigação m
ais profu
nd
a”, disse en
tão Lacan. Pela figu
ra abai-
xo, pod
emos acom
pan
har seu
pen
samen
to.
A in
ibição é sem-sen
tido
, e se prod
uz n
o camp
o do S
imbólico. E
xem-
plos: o la
psu
s cala
mi e o la
psu
s lingu
æ, q
ue ap
ontam
para d
eslizes do
Imagin
ário sobre o Sim
bólico.
2) O S
into
ma, aqu
ilo “que id
entificam
os que se p
rodu
z no cam
po d
o
Real”, seria o “efeito d
o Sim
bólico no R
eal”, disse Lacan
16. O
bservem a
mu
dan
ça em relação àqu
ilo que ele h
avia enu
nciad
o na con
ferência “A
Terceira”: nesta, o sin
toma ap
arecia na “abertu
ra” do aro d
o Real.
3) E, fin
almen
te, a An
gústia, p
artind
o do real, d
aria “sentid
o ao gozo”
que se p
rodu
z pelo recorte feito n
a sup
erfície – pelo “recorte eu
leriano d
o
Real e d
o Sim
bólico”.17
No sem
inário “A
angú
stia”, Lacan (1962-1963) d
issera que o objeto
do d
esejo é o mesm
o objeto da an
gústia: o objeto
a. Com
o provocar o
desejo e tam
bém a an
gústia n
um
futu
ro sujeito é o m
esmo qu
e pergu
ntar:
como in
trodu
zir um
a borda n
um
a sup
erfície fechad
a? Com
o na Top
ologia,
para se fu
rar u
ma su
perfície fech
ada é n
ecessário dem
arca
r um
bo
rdo.
Isto pod
e ser feito pela m
ãe, ou seu
substitu
to, ao acariciar seu bebê. É
isso que faz a d
elimitação d
e um
a zona erógen
a como lu
gar de p
ura
dife-
rença
– como d
isse Lacan, e, an
tes dele, D
e Sau
ssure. A
erogeneização d
o
corpo d
o fala
sser foi assim tratad
a por Lacan
(1963)18 com
o send
o a aber-
tura d
e um
buraco, p
rivilegiand
o um
a região qualqu
er do corp
o.
14 Influenciado talvez com a tese de Pierre Bourdier sobre o cam
po social, adotou o conceito para a Psicanálise, e começou
a falar em cam
po simbólico, cam
po do sintoma e cam
po fálico.
15R.S.I., lição 1. 10/12/1974.
16 Idem.
17 Idem, ibidem
.
18 Idem. Lição 7 (09/01/1963).
jan
eiro
20
11
l co
rre
io A
PP
OA
.77
debate
s.
co
rre
io A
PP
OA
l jan
eiro
20
11
76.
tem
átic
a.
19 Pág. 60.
Leclaire (1969)
19 refere-se ao afago d
a mãe com
“porta-letra” ou
“inscritor”, p
ois introd
uz o S
ignifican
te no corp
o do fu
turo S
ujeito. A
inscrição d
a letra no corp
o do fa
lasser seria, en
tão, um
a “projeção d
e um
Ou
tro corpo sobre o corp
o do su
jeito”. No sem
inário “A
Iden
tificação”,
Lacan (1961-1962)
insiste: m
esmo n
a ausên
cia do p
ai da realid
ade, o Falo
simbólico p
ode estar p
resente, p
ois é ele que faz o “bu
raco para ali in
tro-
du
zir o objeto do d
esejo”. Dito d
e outra form
a, o objeto a d
eve ser introd
u-
zido n
o sujeito, p
ela fala
de u
m “rep
resentan
te do sign
ificante d
o Nom
e
do p
ai”.
Teríamos m
uita coisa a d
esenvolver sobre as qu
estões levantad
as so-
bre o corpo, seja ele real, sim
bólico, imagin
ário. Com
o nosso tem
po e o
espaço aqu
i são curtos, d
eixamos p
ara cada u
m as con
clusões, se é qu
e
isto é possível.
Re
ferê
nc
ias b
iblio
grá
fica
sFREUD. Sigm
und. 1927. O Ego e o Id. Ed. Eletrônica de Freud. Rio de Janeiro: Ed. Imago, vol.XIX.
LACAN, Jacques-Marie. 1961-62. L’identification. Disponível em
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w.gaogoa.free.fr.
LACAN, Jacques-Marie.1962-63. L’angoisse. w
ww
.gaogoa.free.fr.
LACAN, Jacques-Marie.1971. D’un discours qui ne serait pas du sem
blant. ww
w.gaogoa.free.fr.
LACAN, Jacques-Marie.1974-75. RSI. w
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VÍCTORA, Ligia Gomes. 2006. Afânise. Revista da APPOA, n
o31. Porto Alegre: Edição interna da APPOA, 2006.
A d
or m
aio
r: me
lan
co
lia e
ma
so
qu
ism
o
Felip
e G
arra
fiel P
imente
l
Qu
and
o se fala tanto em
constru
ção da lou
cura e d
e novas p
atologi-
as, torna-se in
teressante voltarm
os a atenção p
ara patologias sem
pre p
er-
cebidas. É
o caso da m
elancolia. N
o pen
samen
to ociden
tal, e também
oriental, m
uitos qu
estionaram
esta afecção da alm
a que a torn
a desisten
te
de tu
do e tod
os, mas, acim
a de tu
do, d
e si mesm
a. De A
vicena a Joh
n
Locke, obviamen
te partin
do d
e Hip
ócrates, que a ch
amava d
e bile negra
(don
de vem
o nom
e), os grand
es pen
sadores recon
heceram
a possibilid
a-
de d
e este mu
nd
o (ou o in
terior – e há d
iferença?) n
ão mais in
teressar a
alguém
.
No en
tanto, são d
ivagações teóricas, e sabemos qu
e no sécu
lo XV
II
há u
ma gran
de virad
a no con
hecim
ento ocid
ental com
o que ch
amam
os
de R
evolução C
ientífica. O
afã categorial avança d
as racionalizações e
“vai ao mu
nd
o” comp
reend
ê-lo e organizá-lo. Tu
do, obviam
ente, p
remi-
jan
eiro
20
11
l co
rre
io A
PP
OA
.79
A to
po
log
ia d
o c
orp
o.
co
rre
io A
PP
OA
l jan
eiro
20
11
78.
debate
s.
do p
ela necessid
ade d
e os estados, recém
organizad
os, orden
arem a so-
ciedad
e civil. Qu
er dizer, é a p
artir daí qu
e pod
emos falar efetivam
ente
de u
m saber em
pírico sobre a d
oença m
ental
1. E, se acom
pan
ham
os a
história d
a psiqu
iatria, temos qu
e, desd
e os prim
eiros, e todos os gran
des,
viram a m
elancolia n
os asilos e elucu
braram sobre em
seus textos.
Um
a das p
rimeiras ocorrên
cias é o mon
um
ental T
he an
atomy of
melan
choly
2, de R
obert Bu
rton, p
ublicad
o em 1621. A
mon
um
entalid
ade
do texto n
ão se esgota no tam
anh
o (mais d
e mil p
áginas), m
as na
genialid
ade clín
ica e também
categorial (não n
os emocion
emos tan
to com
Foucau
lt) do au
tor. Um
a de su
as senten
ças mais p
recisas sobre a patolo-
gia temos ain
da n
o início d
a obra: “Melan
colia, neste sen
tido, é o caráter
da m
ortalidad
ade” (B
urton
, 2001, p. 144).
Algu
ns an
os dep
ois, no fim
do sécu
lo XV
II, John
Moore p
ublica O
f
religious m
elanch
oly, abrind
o espaço p
ara a associação aind
a mais clara
entre a ton
alidad
e melan
cólica e a relação com a m
orte e, logo, com a
religiosidad
e. No in
ício da m
odern
idad
e, é recorrente tal relação, seja n
a
literatura, seja em
análises d
e casos. David
Irish, p
roprietário d
e asilo no
início d
o século X
VIII, tom
a a melan
colia como u
ma d
as patologias m
ais
recorrentes (qu
e ele sonh
ava curar com
boa comid
a) e, prin
cipalm
ente,
Pin
el trata dela n
o Tratad
o sobre a alienação m
ental ou
a man
ia. Este
adian
ta um
paralelo freu
dian
o: a melan
colia pod
e travestir-se em m
ania.
Karl Jasp
ers, situa a m
elancolia n
o “Terceiro círculo d
as grand
es psico-
ses” (673), no seu
Psicopatologia G
eral.
Mas foi A
braham
, em texto in
titulad
o “Notes on
the Psych
o-An
alytical
Investigation
and
Treatm
ent of M
anic-D
epressive In
sanity an
d A
llied
Con
dition
s” que Freu
d cita n
um
a nota d
e pé d
e págin
a, o respon
sável
por, d
entro d
a teoria psican
alítica da alm
a, situar a m
elancolia d
entro d
o
quad
ro da p
sicose man
íaco-dep
ressiva, como u
ma im
possibilid
ade d
e
freamen
to dos im
pu
lsos hostis, qu
e, ao invés d
e dirigirem
-se ao mu
nd
o
externo, voltam
-se contra o p
róprio in
divíd
uo. S
eria um
a espécie d
e auto-
paran
óia.
Freud
, no clássico “Lu
to e Melan
colia”, amp
arado em
Abrah
am,
avança a com
preen
são da p
atologia ao traçar um
paralelo com
o luto.
A n
ecessidad
e de aban
don
o do in
vestimen
to da libid
o no objeto p
erdi-
do n
o luto, n
ormalm
ente, p
rovoca, inicialm
ente, rep
ulsa e rejeição d
o
mu
nd
o – conscien
temen
te. Corresp
ond
em a este estad
o a inibição e a
perd
a de in
teresse no m
un
do extern
o como esforços h
ercúleos p
ara o
ego. Posteriormen
te, “resolvid
o” o luto, o ego está liv
re para n
ovos
investim
entos. N
o entan
to, nos casos d
e melan
colia, a perd
a objetal
não se faz n
o incon
sciente, e o p
róprio ego volta-se con
tra o ind
ivídu
o:
“Mas a libid
o livre não foi d
eslocada p
ara outro objeto; foi retirad
a para
o ego” (Freud
, 1996, p. 281).
O ego id
entificad
o com o objeto p
erdid
o torna-se a sed
e do ód
io do
ind
ivídu
o, pois ele u
tiliza seu ego com
o um
objeto (e quan
do n
ão é?), o
qual ele m
altrata e repu
dia. E
is o pon
to ond
e a melan
colia torna-se clara-
men
te um
masoqu
ismo d
o ego, ou u
m sad
ismo d
o ind
ivídu
o e seu in
-
conscien
te contra seu
ego. Isto é, não se trata d
e um
hetero-erotism
o, pois
o objeto está no ego, n
em d
e um
auto-erotism
o, pois o ego está tom
ado
por u
m ou
tro objeto. Isto porqu
e um
a relação libidin
al transform
ou-se
nu
ma relação m
ortífera do in
divíd
uo com
seu ego, cu
jo efeito maior é u
m
ódio d
a próp
ria falicidad
e como tal, p
ois é ela a respon
sável pelo d
esejo
que libid
inou
o objeto outrora am
ado, agora p
erdid
o.
A su
speita d
e Freud
, que ele n
ão leva adian
te, de qu
e a melan
colia
seria um
a psicose alu
cinatória d
o desejo, n
ão se confirm
a, pois a d
or do
melan
cólico esvazia o desejo, recon
hecen
do-o, m
as o desvalorizan
do. S
e
não se trata d
e um
a foraclusão d
a falicidad
e, mas d
e um
desm
entid
o da
falicidad
e, o que faz com
que este circu
ito não se tran
sforme n
um
a per-
versão, que com
partilh
a deste d
esmen
tido? S
omen
te a sede on
de in
cide
1 Foucault bem o percebeu na su’A História da Loucura.
2 No Brasil, há um grande livro sobre o tem
a da melancolia relacionado à literatura e ao “shandism
o” intitulado Riso em
elancolia, de Sergio Paulo Rouanet.
jan
eiro
20
11
l co
rre
io A
PP
OA
.81
resenha.
co
rre
io A
PP
OA
l jan
eiro
20
11
80.
debate
s.
este desm
entid
o: enqu
anto n
a perversão in
cide sobre o O
utro, n
a melan
-
colia sobre o próp
rio sujeito.
Diferen
temen
te do qu
e sup
omos qu
and
o sofremos p
or um
objeto
desejad
o perd
ido, a d
or maior é o lu
to do p
róprio d
esejo. Com
o afirma
Lacan: “N
’ont-ils d
onc p
as, s’ils croient avoir m
eilleure oreille qu
e les
autres p
sychiatres, en
tend
u cette d
ouleu
r à l’état pu
r mod
eler la chan
son
d’au
cun
s malad
es qu’on
app
elle mélan
coliques ?”
3 (Lacan, 1999, p
. 255).
O qu
e resta a um
sujeito qu
e, ao mesm
o temp
o que recon
hece o d
esejo o
esvazia? Eis o qu
e, Pierre H
enri C
astel explicita qu
and
o defin
e a melan
-
colia como o “d
eixar-se alguém
morrer p
ela morte”
4.
Re
ferê
nc
ias b
iliog
ráfic
as
ABRAHAM, Karl. Notes on the Psycho-Analytical Investigation and Treatm
ent of Manic-Depressive Insanity and Allied Conditions.
Hogart Press, 1949.
BURTON, Robert. The anatomy of m
elancholy. New York Review
Books, 2001.
CASTEL, Pierre Henri. Disponível em: http://pierrehenri.castel.free.fr/, acesso em
10 de dezembro de 2010.
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LACAN, Jacques. Écrits II. Éditions Du Seuil, 1999.
MOORE, John. Of religious m
elancholy. Gale, 2010.
PINEL. Tratado Médico-Filosófico sobre a alienação m
ental ou a mania. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2007.
3 “Pois então não ouviram eles, se crêem
ter um ouvido m
elhor do que outros psiquiatras, essa dor em estado puro m
odelara canção de alguns doentes, denom
inados de melancólicos?”
4 Pierre Henri Castel, em seu texto “Loss, bereavem
ent, mourning, and “m
elancholy”: a conceptual sketch, in defence ofsom
e psychoanalytic views”, disponível em
http://pierrehenri.castel.free.fr/.
Do
res d
o M
un
do
SC
HO
PE
NH
AU
ER
, Arth
ur. D
ore
s
do m
und
o –
A M
eta
físic
a d
o A
mor
– A
Morte
– A
Arte
– A
Mora
l –
O H
om
em
e a
Socie
dad
e.
Liv
raria
Pro
gre
sso E
d., S
alv
ad
or, 1
995.
A d
or é um
a das coisas m
ais imp
ortantes d
e min
ha vid
a
(Margu
erite Du
ras. A d
or.)
Em
época d
e fármacos, d
o imp
erativo de ser feliz a qu
alquer cu
sto,
do avan
ço consid
erável dos m
anu
ais de au
to-ajud
a, entre ou
tros fenôm
e-
nos característicos d
as sociedad
es excitad
as con
temp
orâneas, a leitu
ra
de A
rthu
r Sch
open
hau
er, filósofo do sécu
lo XIX
– hoje com
preen
did
o
como qu
em p
rodu
ziu u
m p
ensam
ento oscilan
te entre u
m p
essimism
o
teórico e um
otimism
o prático – p
arece um
anacron
ismo grave. Isto, caso
jan
eiro
20
11
l co
rre
io A
PP
OA
.83
A to
po
log
ia d
o c
orp
o.
co
rre
io A
PP
OA
l jan
eiro
20
11
82.
resenha.
o sentid
o de u
m clássico fosse o d
e fornecer resp
ostas às questões qu
e nos
interrogam
, e não, o d
e nos in
citar ao trabalho com
o laboriosamen
te nos
transm
itiu Freu
d d
esde os p
rimórd
ios da p
sicanálise e Lacan
, em tod
a a
extensão d
e seu en
sino.
Ler D
ore
s do
Mu
nd
o, livro que reú
ne u
ma p
arte consid
erável do
pen
samen
to do filósofo, em
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uas afirm
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ptórias – Tod
a
a v
ida
é sofrim
ento
ou qu
e Só
a d
or é p
ositiv
a, p
ode p
arecer, de fato
, algo
ou
t. Um
a bizarrice. No en
tanto, articu
lados em
um
a dim
ensão m
etafí-
sica, o sofrim
ento e a
do
r para S
chop
enh
auer, em
nad
a se aproxim
am d
as
prop
osições contem
porâan
eas formu
ladas p
elos discu
rsos das N
eurociên
-
cias ou m
édico-cien
tíficos. Esses d
iscursos ao p
atologizarem a d
or e a
tristeza, subtraem
do in
divíd
uo u
m im
portan
te saber sobre a dor d
e viver,
como reflete M
aria Rita K
ehl, em
sua obra “O
temp
o e o
cão
– a
atu
alid
a-
de d
as d
epressõ
es” (2009).
Vejam
os um
a breve citação do filósofo, em
Do
res do
Mu
nd
o, que p
a-
rece nos rem
eter ao cerne d
o seu p
ensam
ento:
Se a n
ossa existência n
ão tem por fim
imediato a dor, pode-se dizer
que n
ão tem razão algu
ma de ser n
o mu
ndo. Porqu
e é absurdo ad-
mitir qu
e a dor sem fim
que n
asce da miséria in
erente à vida e
ench
e o mu
ndo, seja apen
as um
puro aciden
te, e não o próprio fim
.C
ada desgraça particular parece, é certo, u
ma exceção, m
as a des-
graça geral é a regra (p. 25).
Ao p
ercorrer esta coletânea os leitores irão se d
eparar com
temas qu
e
semp
re interp
elaram a H
um
anid
ade, e aos in
divíd
uos d
e mod
o particu
-
lar, tais como O
Am
or e A
Mo
rte. Em
todas as ép
ocas o amor e a m
orte
aparecem
descritos e tem
atizados, em
prosa, em
verso, na literatu
ra e nas
artes em geral. Porém
, o que S
chop
enh
auer se p
ropõe é exam
inar esses
temas d
e mod
o filosófico, já que, n
os diz ele à p
ágina 60
, “tem sid
o tema
eterno d
e todos os p
oetas”, e “um
a questão qu
e represen
ta na vid
a hu
ma-
na u
m p
apel tão im
portan
te tenh
a sido, até agora, d
escurad
a pelos filóso-
fos, e se encon
tre dian
te de n
ós como u
ma m
atéria nova”.
É bastan
te curiosa a m
aneira com
o Sch
open
hau
er descreve essa
“matéria n
ova”. Faz alusão ao fato d
e que n
ão é só nos rom
ances qu
e
existem W
erth
er, p
ois todos os an
os a Eu
ropa p
oderia ap
resentar “p
elo
men
os um
a meia d
úzia; {qu
e}morrem
descon
hecid
os, e os seus sofri-
men
tos têm ap
enas com
o cronista o em
pregad
o que registra os óbitos
(...), mas m
aior aind
a é o nú
mero d
aqueles a qu
em essa p
aixão cond
uz
ao man
icômio” (p
. 60).
Essa p
aixão a que se refere é o A
mor em
sua d
imen
são sexual, a qu
al
mu
itas vezes leva o ind
ivídu
o, como ilu
stra Goeth
e com a su
a person
a-
gem W
erther, a n
ão sup
ortar um
sofrimen
to grand
e dem
ais. Werth
er, que
não era u
ma B
ova
ry pron
ta para o ad
ultério, teve com
o desen
lace dessa
paixão, o su
icídio.
Arth
ur S
chop
enh
auer foi qu
em in
trodu
ziu n
a filosofia do seu
temp
o
o Am
or em su
a dim
ensão d
e “instin
to natu
ral dos sexos”. R
epresen
ta no
contexto d
o século X
IX, o p
ensam
ento qu
e se prop
õe romp
er com a visão
idealista rom
ântica, d
esden
han
do com
vigor da m
etafísica de Fich
te,
Sch
elling e H
egel, ao afirmar qu
e o Am
or n
ão
existe e que só
a Do
r é
positiv
a. O
Am
or, para o filósofo, n
ada m
ais é que “im
pu
lso sexual”, isto
é, vida, cu
jo fim é a cóp
ula.
Em
O M
un
do
com
o V
on
tad
e e Rep
resenta
ção, su
a op
us m
agn
us, es-
crita em 1819, com
a segun
da ed
ição com com
plem
entos em
1844, ganh
a
relevância n
o contexto d
a filosofia alemã ap
enas p
or volta de 1850. É
aí
que d
esenvolve su
a visão dú
plice d
e mu
nd
o – Von
tade (W
ille) e Rep
re-
sentação (V
orstellu
ng) – em
um
diálogo ten
so com o id
ealismo alem
ão
vigente, em
bora se man
tend
o herd
eiro da filosofia K
antian
a. Um
a prop
o-
sição de M
un
do cego e irracion
al, pois qu
e dep
end
ente “a
pen
as d
e um
fio
ún
ico
e d
elg
ad
íssimo
: a c
on
sciê
nc
ia e
m q
ue
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”. Tod
avia,
Sch
open
hau
er nos fala d
e um
a experiên
cia intern
a do in
divíd
uo – u
ma
jan
eiro
20
11
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A to
po
log
ia d
o c
orp
o.
co
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OA
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eiro
20
11
84.
resenha.
consciên
cia interior qu
e cada u
m p
ossui d
e si mesm
o como von
tade e
que é p
rimitiva e irred
utível.
O p
arentesco en
tre os pen
samen
tos de S
chop
enh
auer e Freu
d são
eviden
tes. Con
firmad
o inú
meras vezes p
elo criador d
a psican
álise: “Vós,
talvez, direis en
colhen
do os om
bros: isso não é ciên
cia natu
ral, mas filo-
sofia schop
enh
aurian
a. Mas p
or que, m
inh
as senh
oras e meu
s senh
ores,
não d
evia um
pen
sador au
daz ter an
tecipad
o o que d
e mod
o objetivo e
árdu
o a investigação m
inu
ciosa confirm
a?”
No m
omen
to da virad
a de su
a teoria das p
ulsões, Freu
d rep
orta-se a
Sch
open
hau
er algum
as vezes, aind
a que d
este se distan
cie ao não afir-
mar a m
orte como o ú
nico fim
da vid
a: “Nós recon
hecem
os dois im
pu
lsos
fun
dam
entais e d
eixamos a cad
a um
o seu fim
”. Ao m
onism
o da V
ontad
e
em S
chop
enh
auer, Freu
d ap
onta p
ara a du
alidad
e irredu
tível das p
ulsões:
ao lado d
a morte, a vid
a. O am
or (Eros) e a m
orte (Tân
atos) foram m
atéria
crucial p
ara Freud
. Em
Além
do P
rincíp
io de P
razer, por exem
plo, texto
de 1920, m
omen
to em qu
e persegu
e nova h
ipótese p
ara a oposição qu
e
antevira en
tre pu
lsão de vid
a e pu
lsão de m
orte.
O m
odo sin
gular com
o qual a p
sicanálise p
erscruta as d
ores d
o m
un
-
do, o sofrim
ento h
um
ano, o am
or e a morte, revolu
cionou
o século X
IX
de S
chop
enh
auer trazen
do con
seqüên
cias irreversíveis para tal sécu
lo,
porqu
e como n
os diz E
dson
Sou
sa e Paulo E
nd
o: “Freu
d revolu
cionou
ao
mostrar qu
e a dor qu
er e precisa falar, m
esmo qu
e suas m
ensagen
s nem
semp
re sejam facilm
ente com
preen
síveis. Mu
itas vezes elas surgem
como
enigm
as, desen
han
do n
o corpo esp
aços obscuros, h
ieróglifos” (2009, p.
7). Com
Lacan
um
a nova faceta se im
pôs p
ara a clinica p
sicanalítica
contem
porân
ea, pois qu
e ao falar das relações en
tre a Med
icina e a Psica-
nálise (1966), ch
amou
a atenção p
ara as diferen
ças de estatu
to do corp
o
sobre o qual op
eram m
édicos e p
sicanalistas. E
sse corp
o q
ue d
ói, p
ara a
psican
álise, se apresen
ta à escuta em
suas d
imen
sões imagin
ária, simbó-
lica, e real. Esse corp
o pu
lsional, afirm
a Lacan n
esta inu
sitada e corajosa
conferên
cia proferid
a sobre Med
icina e Psican
alise, (Collège d
e Méd
icine
dês H
ôspitau
x de Paris) é u
ma su
bstância gozan
te – um
corpo qu
e goza.
De fato, é u
m red
obrar das relações en
tre ind
ivídu
o, dor e sofrim
ento,
cuja ilu
stração encon
tramos n
a topologia lacan
iana, em
especial com
o
Nó B
orromeu
, apresen
tado em
a Terceira (In: C
adern
os Lacan, V
ol 2,
AP
PO
A, 2002) e em
RS
I.
Ou
tras aproxim
ações, mas tam
bém d
ivergências, en
tre o filósofo
pessim
ista de D
ore
s do
Mu
nd
o e a p
sicanálise freu
dian
a, foram
estabelecidas. E
ncon
tramos em
Paul-L
auren
t Assou
n, em
sua p
ublica-
ção Freud
, a filo
sofia
e os filó
sofo
s, de 1978, o Freu
d d
o Ma
l-estar d
a civ
i-
liza
ção p
erpassad
o pela ética p
essimista sch
open
hau
eriana. A
ssociados
por con
siderações p
essimistas, sobretu
do, n
ão por serem
tais consid
e-
rações “simp
les lugares-com
un
s retóricos”, mas p
orque “rem
etem a u
ma
problem
ática precisa ten
do su
as raízes na gran
de corren
te pessim
ista ale-
mã oriu
nd
a de S
chop
enh
auer” (1978, p
. 191). No en
tanto, p
arece ser na
man
eira pela qu
al Sch
open
hau
er pen
sa a Arte, con
sideran
do-a com
o um
camin
ho qu
e possibilita ao h
omem
escapar d
a vontad
e e da d
or que a
mesm
a imp
lica, que vem
os toda a riqu
eza da leitu
ra freud
iana d
este “sis-
tema” m
etafísico para a form
ulação d
o conceito d
e sublim
ação, por exem
-
plo. A
Arte p
ara Sch
open
hau
er particip
a de m
aneira su
bstancial n
a
objetivação da von
tade: “A
arte é red
ençã
o –
Ela
livra
da
vo
nta
de e p
or-
tan
to d
a d
or . –
To
rna
as im
agen
s da
vid
a ch
eias d
e enca
nto
” (1955, p.
139). Livra da von
tade, p
orém sem
garantias ...
É n
otável a hierarqu
ia que estabelece d
as Artes n
a sua fu
nção d
e
“fuga”, d
e fazer escapar a von
tade. Portan
to, na con
tribuição p
ara a eli-
min
ação da d
or e do sofrim
ento S
chop
enh
auer p
arte da A
rquitetu
ra,
situan
do-a em
um
grau in
ferior, já que essa arte evid
encia a resistên
cia
e as forças intrín
secas presen
tes na m
atéria, para ch
egar ao últim
o pata-
mar on
de situ
a a experiên
cia mu
sical. A m
úsica, d
isse em O
Mu
nd
o
co
mo
Vo
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Rep
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nta
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o, “n
ão requer p
alavra, é a lingu
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agenda.
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11
86.
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janeiro
. 2011
dia
ho
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tivida
de
pró
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Ca
rna
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07, 14, 21 e 2814h
Reu
nião da C
omissão da R
evista
07 e 1415h
30min
Reu
nião da C
omissão de A
periódicos
10 e 2420h
30min
Reu
nião da C
omissão do C
orreio
06, 13, 20 e 2719h
30min
Reu
nião da C
omissão de Even
tos
06, 13, 20 e 2721h
Reu
nião da M
esa Diretiva
un
iversal, expressão im
ediata d
a Von
tade” (p
. 109-111). Em
Do
res d
o
Mu
nd
o, afirma:
A m
úsica n
ão exprime n
un
ca o fenôm
eno, m
as un
icamen
te a es-sên
cia íntim
a de todo o fenôm
eno, n
um
a palavra a própria vonta-
de. Portanto n
ão exprime u
ma alegria especial ou
definida, certas
tristezas, certa dor, certo m
edo, certo tran
sporte, certo p
razer, certa
serenidade de espírito, m
as a própria alegria, a tristeza, a dor, om
edo, os transportes, o prazer, a seren
idade do espírito (...) (p. 147)
Por fim, con
clui com
esta afirmação: “Q
uan
do ou
ço mú
sica, a min
ha
imagin
ação comp
raz-se mu
itas vezes com o p
ensam
ento d
e que a vid
a
de tod
os os hom
ens e a m
inh
a próp
ria vida n
ão são mais d
o que son
hos
du
m esp
írito eterno, bon
s e mau
s sonh
os, de qu
e cada m
orte é o desp
er-
tar” (p. 151).
Freud
teria dito certa vez qu
e a represen
tação sonora é o elo com
o
objeto de d
esejo na origem
das p
ulsões. E
Lacan, “seria p
reciso, algum
a
vez – não sei se jam
ais terei temp
o –, falar da m
úsica, n
as margen
s”.
Son
ia Mara O
giba
Re
ferê
nc
ias b
iblio
grá
fica
sFREUD, Sigm
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eve
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s d
o a
no
2011
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ção, c
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resenta
m n
a c
lí-
nic
a –
, bem
com
o d
e obten
ção d
os tex
tos a
serem p
ublic
ad
os, a
lém d
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refa
de p
rogra
mação ed
itoria
l.
Tem
sido n
osso
objetiv
o a
presen
tar a
cad
a m
ês um
Correio
mais ela
bo-
rad
o, q
uer seja
pela
ap
resenta
ção d
e texto
s qu
e pro
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ma leitu
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interessa
nte e p
ossib
ilitem u
ma in
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ção; q
uer p
ela p
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tos ed
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is, com
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ício
do m
ês e a c
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ão v
isual.
Frente à
nec
essidad
e de u
ma p
rogra
mação ed
itoria
l, solic
itam
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ue seja
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respeita
das a
s segu
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as:
1) o
s texto
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ação n
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2) a
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4) a
s referência
s bib
liográ
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form
ar o
(s) au
tor(es), títu
lo d
a
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, au
tor(es) e títu
lo d
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ítulo
(se for o
caso
), cid
ad
e, edito
ra, a
no, v
olu
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(se for o
caso
);
5) as asp
as serão u
tilizadas p
ara iden
tificar citações d
iretas;
6) c
itações d
iretas c
om
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e 3 lin
has d
evem
vir sep
ara
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orp
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o
texto
, com
recuo d
e 4 cm
em relação
à margem
, utilizan
do fo
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0;
7) o
itálico
dev
erá ser u
tilizad
o p
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ressões q
ue se q
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s estran
geira
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m d
e uso
corren
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título
s de liv
ros;
8) n
ão u
tilizar n
egrito
(bold
) ou
sublin
had
o (u
nd
erline);
9) a
data
máxim
a d
e entreg
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e matéria
(texto
s ou
notíc
ias) é o
dia
05, p
ara
pu
blic
ação n
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ês segu
inte;
10)
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sária
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em c
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sabiliz
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revisã
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pro
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ráfic
as;
11
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clu
são d
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s está su
jeita à
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recia
ção d
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issão d
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Correio
e à d
ispon
ibilid
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e de esp
aço p
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ação.