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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA
CENTRO DE ARTES, HUMANIDADES E LETRAS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL
ALANNA OLIVEIRA SANTOS
CRIME, DOENÇA OU REMÉDIO?
ANÁLISE DO DISCURSO DE REPORTAGENS SOBRE O USO DA
MACONHA NO JORNAL NACIONAL E NO FANTÁSTICO
Cachoeira – BA
2011
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA
CENTRO DE ARTES, HUMANIDADES E LETRAS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL
ALANNA OLIVEIRA SANTOS
CRIME, DOENÇA OU REMÉDIO ?
ANÁLISE DO DISCURSO DE REPORTAGENS SOBRE O USO DA
MACONHA NO JORNAL NACIONAL E NO FANTÁSTICO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como pré-requisito
parcial para obtenção do título de Bacharel em Comunicação
Social habilitado em Jornalismo pela Universidade Federal do
Recôncavo da Bahia
ORIENTADOR: Prof.ª Dr. Gilmar Hermes
Cachoeira – BA
2011
“Um acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na esfera do vivido, ao
passo que o acontecimento lembrado é sem limites, porque é apenas uma chave para tudo
que veio antes e depois.”
Walter Benjamim
Dedico este trabalho as primeiras turmas do Centro de Arte, Humanidades e Letras,
por encarar com coragem a missão de construir uma universidade. Foi essa coragem que
me motivou a dar prosseguimento a esta pesquisa, ciente de que para alterar ou construir
uma realidade é preciso agir sobre ela.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente aos meus pais, Helena e Jonas, por me possibilitarem a
vivência e o aprendizado que a universidade oferece e por sempre aceitarem minhas escolhas,
por mais estranhas que essas possam lhes parecer. Devo também muito a minha irmã,
Arianne, que durante este tempo em que aqui estive foi para mim uma mãe, cuidando de mim
e estando do meu lado, representando minha família. Ao meu orientador, Gilmar, agradeço
mil vezes pela paciência, pela ajuda e pelas observações que muito contribuíram para o meu
trabalho.
Durante esses quatro anos e meio que passei nesta universidade pude vivenciar
experiências maravilhosas, em contato com pessoas de diversos lugares, com visões de
mundo diferentes e isso enriqueceu muito o meu aprendizado na universidade, que não
aconteceu só na sala de aula ou através dos livros, mas também no contato direto com pessoas
e ideias e que muito me transformou. No Cortiço Universitário constitui outra família, uma
nova maneira de me relacionar com as pessoas, uma nova maneira de viver o mundo.
Agradeço então aos integrantes desta comunidade alternativa, todos, dos moradores aos
agregados, que me acompanharam durante esta jornada. São eles: Sarah, May, Thalita,
Rodrigo, Larissa, Gustavo, Diego, Flávio, Mateus, Astrude, Zaine e, mais uma vez, minha
irmã e seu marido, George. Além do C.U., sou grata a carruagem de Térpis e ao Coletivo
Escritório, movimentos revolucionários do CAHL que muito me acrescentaram nos
questionamentos sobre nossos valores, condutas e comportamentos.
Meus agradecimentos também a todos os professores com quem tive aula. Quando
cheguei aqui não tínhamos biblioteca, nem laboratórios. A nossa principal fonte de
conhecimento foram vocês, que mesmo com a falta de estrutura da universidade realizaram
um excelente trabalho. Nesses professores incluo os que ainda estão aqui e os muitos que
foram embora, mas que, mesmo de passagem, deixaram suas marcas, um pouco de seu
conhecimento, entre nós. Com tantos bons professores que tive acho uma lastima que, muitos
deles, não vivenciem a realidade cotidiana das cidades de Cachoeira e São Félix. Duas belas
cidades para as quais os conhecimentos desses professores podem propiciar grandes melhorias
na educação e na qualidade de vida de quem é daqui. Agradeço então a essas cidades e a seu
povo que aqui me acolheu.
Agradeço também a toda minha turma, 2007.1, que muitas vezes confiou em mim e
me apoiou como sua representante e que apesar das grandes diferenças de pontos de vista e de
personalidade sempre me aceitou bem, percebendo o que há em mim atrás das aparências e
estereótipos. Além de agradecer, peço também desculpa a vocês se nem sempre corresponder
a vossas expectativas, mas as vezes a emoção e razão se confundem em mim de tal forma que
não consigo fazer o que devo em detrimento do que acredito.
Por ultimo, agradeço a todos que me incentivaram neste polêmico trabalho, vocês são
responsáveis por eu levar esta ideia adiante. E aos que riram desta pesquisa também, por
incentivar a superação, por provocar o meu desejo de provar que é possível e por me
confirmar a necessidade e importância deste trabalho.
RESUMO
Esta pesquisa tem como objetivo analisar os discursos sobre o uso da maconha
presente nas matérias do Jornal Nacional e do Fantástico exibidas entre 2009 e 2011. E,
através disso, perceber como a sociedade e a cultura dos jornalistas vão influenciar os
discursos produzidos na notícia. É feita a ligação entre as relações históricas, sociais e os
discursos produzidos, considerando o lugar de enunciação que a Rede Globo ocupa como
importante meio de comunicação. Ao fazer a análise de produtos informativos, considero a
relevância dos meios de comunicação na manutenção e transformação das relações sociais,
procurando observar esse papel da imprensa nos casos analisados.
Palavras chaves: Análise do Discurso, Telejornalismo, Maconha, Rede Globo
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 – Comissão Latino Americana reunida, matéria de 20/02/2009, da
matéria, 10‟‟ 67
FIGURA 2 – Líderes da Comissão Latino Americana na reunião. 20/02/2009, 52‟‟ 67
FIGURA 3 – Passagem do repórter André Luiz Azevedo na matéria de 20/02/2009,
22‟‟ 67
FIGURA 4 – Mão segurando um cigarro de maconha, 38‟‟, matéria de 20/02/2009,
38‟‟ 68
FIGURA 5 – Grande quantidade de maconha. matéria de 20/02/2009, 42‟‟ 68
FIGURA 6 – Grande quantidade de cocaína. matéria de 20/02/2009, 43‟‟ 68
FIGURA 7 – Plantação de maconha. matéria de 20/02/2009, 44‟‟ 68
FIGURA 8 – Imagem de cocaína e caracteres ressaltando a fala do repórter.
Matéria de 20/02/2009, 1‟38‟‟ 69
FIGURA 9 – Policiais em ação. matéria de 20/02/2009, 1‟42‟‟ 69
FIGURA 10 – Cigarro de maconha sendo preparado. matéria de 20/02/2009,
1‟47‟‟ 69
FIGURA 11– Ex usuária de maconha e cocaína. matéria de 20/02/2009, 2‟10‟‟ 71
FIGURA 12 – Ex usuário de maconha. Matéria de 15/10/2009, 22‟‟ 72
FIGURA 13 – Arte gráfica sobre os efeitos da maconha. Matéria de 15/10/2009,
54‟‟ 73
FIGURA 14 – Arte gráfica sobre a abstinência da maconha. Matéria de 15/10/2009,
1‟10‟‟ 73
FIGURA 15– Han Gotlib, paciente que sofre dor crônica e faz uso da maconha
como medicamento. Matéria de 06/12/2009, 18‟‟ 77
FIGURA 16 – cigarros de maconha entregues pelo médico ao paciente.
Matéria de 06/12/2009, 32‟‟ 77
FIGURA 17 – Paciente fumando maconha como medicamento. Matéria de
06/12/2009, 41‟‟ 77
FIGURA 18 – Primeira passagem do repórter Ari Peixoto em frente ao hospital
que receita maconha em Israel. Matéria de 06/12/2009, 49‟‟ 78
FIGURA 19 – Médico que receita maconha. Matéria de 06/12/2009, 1‟02‟‟ 79
FIGURA 20 – Han fumando o medicamento. Matéria de 06/12/2009, 1‟10‟‟ 79
FIGURA 21 – Paciente fazendo uso da maconha. Matéria de 06/12/2009.
1‟12‟‟ 79
FIGURA 22 – Segunda passagem do repórter Ari Peixoto, em uma plantação
legal de maconha em Israel. Matéria de 06/12/2009, 1‟35‟‟ 80
FIGURA 23 – Médico responsável pelo tratamento a base de maconha.
Matéria de 06/12/2009, 2‟10‟‟ 81
FIGURA 24 – Arte gráfica com os efeitos da maconha durante a quimioterapia.
Matéria de 06/12/2009, 2‟25‟‟ 81
FIGURA 25 – Médico atendendo um paciente. Matéria de 06/12/2009, 2‟42‟‟ 81
FIGURA 26 – Perna que o paciente perdeu. Matéria de 06/12/2009, 3‟39‟‟ 82
FIGURA 27 – Plantação de maconha. Matéria de 06/12/2009, 3‟58‟‟ 83
FIGURA 28 – Flor da maconha sendo separada das folhas. Matéria de
06/12/2009, 4‟01‟‟ 83
FIGURA 29 – Flores de maconha secando. Matéria de 06/12/2009,
4‟07‟‟ 83
FIGURA 30 – Café que vende maconha a pacientes em Portland, nos Estado Unidos.
Matéria de 06/12/2009, 4‟30‟‟ 84
FIGURA 31 – Pacientes no café onde podem consumir maconha. Matéria de
06/12/2009, 4‟32‟‟ 84
FIGURA 32 – Acessórios para fumar maconha. Matéria de 06/12/2009,
4‟37‟‟ 84
FIGURA 33 – Jovem californiano a favor da legalização da maconha. Matéria
de 02/11/2010, 58‟‟ 85
FIGURA 34 – Plantação de maconha. Matéria de 02/11/2010, 1‟28‟‟ 86
FIGURA 35 – Pessoas comercializando a maconha. Matéria de 02/11/2010,
1‟36‟‟ 87
FIGURA 36 – Jovens andando pelas ruas. Matéria de 02/11/2010, 1‟39‟‟ 87
FIGURA 37 – Alguém fumando maconha. Matéria de 02/11/2010, 1‟41‟‟ 87
FIGURA 38 – Mulher fumando maconha que representa as pessoas a favor
da legalização. Matéria de 02/11/2010, 1‟44‟‟ 87
FIGURA 39 – Maquinas com pacotes de cédulas que representam os bilhões
em impostos. Matéria de 02/11/2010, 1‟46‟‟ 87
FIGURA 40 – Professora em sala de aula, representa os investimentos em
educação. Matéria de 02/11/2010, 1‟48‟‟ 88
FIGURA 41 – Médica e paciente representando o dinheiro investido em saúde.
Matéria de 02/11/2010, 1‟50‟‟ 88
FIGURA 42 – Policiais na fronteira da Califórnia com o México. Matéria de
02/11/2010, 1‟52‟‟ 88
FIGURA 43 – Marcha da Maconha de São Paulo. Matéria de 21/05/2011.46‟‟ 90
FIGURA 44 – Polícia lançando bombas nos manifestantes paulistas. Matéria de
21/05/2011, 57‟‟ 90
FIGURA 45 – Polícia prendendo um manifestante. Matéria de 21/05/2011,
1‟02‟‟ 90
FIGURA 46 – Manifestante provocando a polícia. Matéria de21/05/2011, 1‟09‟‟ 90
FIGURA 47 – Manifestante da marcha da maconha de São Paulo. Matéria de
29/05/2011, 10‟‟ 93
FIGURA 48 – Polícia lançando bombas nos manifestante. Matéria de
29/05/201, 18‟‟ 93
FIGURA 49 – Manifestante da marcha da maconha. Matéria de 29/05/2011, 28‟‟ 93
FIGURA 50 – Um dos cartazes da marcha da maconha. Matéria de 29/05/2011,
31‟‟ 93
FIGURA 51 – Animação do documentário Quebrando Tabu de dois garotos,
traficantes, armados. Matéria de 29/05/2011. 1‟41‟‟ 95
FIGURA 52 – Animação do documentário Quebrando Tabu de homem morto
pelos traficantes. Matéria de 29/05/2011. 1‟55‟‟ 95
FIGURA 53 – Imagens do documentário Quebrando Tabu das armas apreendidas
pela polícia. Matéria de 29/05/2011. 2‟01‟‟ 96
FIGURA 54 – Imagens do documentário Quebrando Tabu das armas apreendidas
pela polícia. Matéria de 29/05/2011. 2‟02‟‟ 96
FIGURA 55 – Imagens do documentário Quebrando Tabu de arma apreendida pela
polícia. Matéria de 29/05/2011. 2‟07‟‟ 96
FIGURA 56 – Pessoas fumando maconha e dados sobre a quantidade de usuários
da substância no Brasil. Matéria de 29/05/2011. 2‟26‟‟ 96
FIGURA 57 – Maconha em laboratório de pesquisa. Matéria de 29/05/2011,
2‟48‟‟ 98
FIGURA 58 – Dependente de drogas sendo ajudado. Matéria de 29/05/2011,
3‟17‟‟ 98
FIGURA 59 – Arte gráfica com o ranking das drogas perigosas da revista Lancet.
Matéria de 29/05/2011. 3‟34‟‟ 99
FIGURA 60 – pessoas consumindo maconha. Matéria de 29/05/2011. 3‟ 50‟‟ 99
FIGURA 61 – Caractéres chamando atenção para o fato de que regular não é
legalizar. Matéria de 29/05/2011. 3‟58‟‟ 101
FIGURA 62 – Imagens do documentário Quebrando Tabu de Fernando Henrique
Cardoso indo a um café que vende maconha, na Holanda. Matéria
de 29/05/2011. 4‟05‟‟ 101
FIGURA 63 – Imagens do documentário Quebrando Tabu.Vendedor do café
que vende maconha, na Holanda, atendendo um cliente. Matéria de
29/05/2011. 4‟ 12‟‟ 101
FIGURA 64 – Pessoas sendo revistadas pela polícia. Matéria de 29/05/2011,
5‟12‟‟ 102
FIGURA 65 – Prisão. Matéria de 29/05/2011. 5‟17‟‟ 102
FIGURA 66 – Imagens do documentário Quebrando Tabu. Jovens na escola.
Matéria de 29/05/2011. 5‟49‟‟ 103
FIGURA 67 – Alguém consumindo droga e o caracteres destacando a pergunta da
repórter. Matéria de 29/05/2011. 6‟04‟‟ 104
FIGURA 68 – Cracolândia e caracteres destacando as falas da repórter.
Matéria de 29/05/2011. 6‟37‟‟ 104
FIGURA 69 – Imagens do documentário Quebrando Tabu. Agulhas, seringas 106
limpas e heroína , fornecidas pelo governo aos dependentes.
Matéria de 29/05/2011. 7‟19‟‟ 106
FIGURA 70 – Dependente de heroína fazendo uso da droga e caracteres destacando a
fala da repórter. Matéria de 29/05/2011. 7‟24‟‟ 106
FIGURA 71 – Entrevista do documentário Quebrando Tabu. Paulo Coelho, escritor
e ex usuário de drogas. Matéria de 29/05/2011. 7‟55‟‟ 107
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AD – Analise do Discurso
AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
EUA – Estados Unidos da América
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
FHC – Fernando Henrique Cardoso
JN – Jornal Nacional
NEIP – Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos
ONU – Organizações das Nações Unidas
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PT – Partido dos Trabalhadores
PUC-SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
RJ – Rio de Janeiro
SP – São Paulo
THC – Tetraidrocanabinol
UFBA– Universidade Federal da Bahia
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
USP – Universidade de São Paulo
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 14
CAPÍTULO I - A Maconha
1. 1. A maconha na história e no mundo 20
1. 2. A Maconha no Brasil 27
1.2.1. A luta pela descriminalização da maconha no Brasil 30
CAPÍTULO II - O Jornalismo na TV: Informação, construção e poder
2.1. O papel da imprensa 36
2.1. 2. Construindo a realidade 38
2.1. 3. Sobre o que pensar e como pensar 43
2.2.O Telejornalismo 45
2.2.1. A Rede Globo 49
2.3.2. O Jornal Nacional 51
2.2.3 Fantástico 53
CAPÍTULO III - A Análise do discurso: O uso da maconha no Jornal Nacional
e no Fantástico
3.1. A Análise do discurso 57
3.2. Mídia e discurso 62
3.3. O uso da maconha no Jornal Nacional e no Fantástico 63
3.3.1. Comissão Latino Americana sobre Drogas e Democracia 64
3.3.2. Efeitos da abstinência de maconha 69
3.3.3. Maconha Medicinal em Israel 73
3.3.4. Plebiscito na Califórnia sobre o uso recreativo da maconha 82
3.3.5. Marcha da maconha em São Paulo acaba em pancadaria 86
3.3.6. Fernando Henrique Cardoso e o documentário “Quebrando Tabus” 90
3.4 Caminhos que levam ao mesmo lugar 105
CONSIDERAÇÕES FINAIS 109
REFERÊNCIAS 114
ANEXOS 129
14
INTRODUÇÃO
O objetivo desta pesquisa é compreender qual o discurso dos programas informativos
da Rede Globo sobre o uso da maconha, analisar como seus textos são produzidos, e qual a
importância deles serem feitos pela Rede Globo.
Para isso utilizo como metodologia neste trabalho a Análise do Discurso francesa
(AD), pretendendo observar como a Rede Globo utiliza a linguagem verbal e visual para
produzir sentidos no que se refere à maconha, como estes sentidos produzidos estão
diretamente ligados à realidade histórica e social, e se os atores sociais têm papel fundamental
na manutenção ou não destes discursos. Já que é no discurso que a ideologia se materializa,
será através da sua análise que buscarei compreender quais os sentidos que as reportagens do
Jornal Nacional e do Fantástico atribuem à maconha.
Busca-se entender também quais os contextos, tanto imediato, quanto histórico em que
cada matéria analisada está inserida, e como esses contextos ajudam a compor o significado
da notícia. Também faz parte do trabalho relacionar o discurso produzido nas matérias com
outros discursos anteriores a elas, com os quais elas se cruzam, e que têm efeito sobre os
sentidos que elas irão atribuir à maconha, os chamados interdiscursos.
A escolha dos produtos a serem analisados foi feita primeiramente obedecendo à
delimitação de procurar matérias sobre o uso da maconha que tenham sido veiculadas
nacionalmente pela Rede Globo. Outras matérias relacionadas à maconha foram ao ar pela
emissora durante este período que compreende os anos de 2009 à 2011. No entanto, estas
matérias falavam da apreensão de grandes quantidades da droga, e não serão utilizados por
não se enquadrarem no objetivo do trabalho, já que não se pretende verificar o discurso da
emissora em relação ao tráfico, mas sim ao uso da maconha.
Esta delimitação pareceu não ser suficiente, já que a emissora apresenta quatro
telejornais diários, além de outros formatos de programas informativos. A maior parte dos
produtos encontrados que tratavam da temática a ser analisada pertenciam a um telejornal
diário, o Jornal Nacional, e a uma revista semanal, o Fantástico. Esses dois programas
apresentam características diversas na construção das matérias, já que, por exemplo, o Jornal
Nacional trata dos fatos importantes do dia, com matérias curtas e, via de regra, quentes e o
Fantástico trata de temas atuais, que tenham ou não ligação com notícias recentes, com uma
15
possibilidade de uma maior exploração da temática, com mais tempo tanto para a produção
das reportagens quanto para sua divulgação, explorando-se, neste caso, as matérias frias.
Uma dificuldade que enfrentamos e que está diretamente ligada às escolhas das
matérias é a obtenção das mesmas. Foi feita uma busca sobre conteúdos relacionados ao tema
no site da emissora e no site de hospedagem de vídeos You Tube. No site da Globo foram
encontradas 246 matérias sobre a maconha, no entanto quase que a totalidade tratava de
apreensão de grandes quantidades da mesma, se enquadrando como tráfico. De todas as
matérias disponibilizadas pelo site somente três tratavam do tema. Sendo, duas delas, notícias
recentes exibidas no Jornal Nacional (JN). A primeira, de novembro de 2010 é sobre a
votação para legalizar o uso da maconha na Califórnia1. A segunda aconteceu enquanto esta
pesquisa estava em andamento,no período de maio de 2011, e é sobre a Marcha da Maconha
que aconteceu em São Paulo e, segundo a chamada da matéria, “acabou em pancadaria”. A
outra matéria encontrada na emissora é uma reportagem exibida no Fantástico após a
manifestação na capital paulista, ainda no mês de maio. A reportagem fala sobre a marcha,
mas centra-se, principalmente, no documentário produzido pelo ex-presidente, Fernando
Henrique Cardoso, defendendo a descriminalização do uso de drogas e da regulamentação do
uso da maconha.
No You Tube ainda foi possível encontrar outros cinco produtos sobre o tema. Um
deles, exibido no Globo Repórter em 2003, estava incompleta e não pode ser utilizado. Outros
três foram veiculados pelos programas Jornal Nacional (JN) e Fantástico no período de 2008
e 2009. A notícia exibida pelo JN é sobre uma declaração da Comissão Latino Americana
sobre Drogas e Democracia, feita pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a favor da
descriminalização da maconha. A outra é um quadro, comprado da BBC pelo Fantástico, em
que especialistas vão tentar ajudar uma família que está tendo problemas por que o filho
adolescente passou a fumar maconha. Muito embora o quadro utilize de vários recursos do
jornalismo é um formato enquadrado na categoria entretenimento, portanto não será
analisado.
Ainda encontrou-se uma matéria exibida no Jornal Nacional, em 2009, que fala sobre
a abstinência do uso da maconha. Por ultimo encontra-se uma matéria telejornalísticas sobre o
uso medicinal da planta em Israel, exibida pelo programa Fantástico ainda em 2009.
1 Matéria muito semelhante foi exibida no mesmo dia pelo Jornal Hoje. Como a exibida no Jornal nacional era a
mesma matéria exibida meio dia, só que atualizada, optei por analisar a veiculada no jornal noturno, por estar
mais completa e por ser assistida por um público maior.
16
No total, constitui-se como objeto de análise desta pesquisa estas seis matérias
telejornalísticas exibidas pelos dois programas da emissora. Para isso, como já foi dito, será
utilizada a análise do discurso e a pesquisa será dividida em três capítulos e considerações
finais. O primeiro tem como intenção situar historicamente o uso da maconha, sua aceitação
no mundo e no Brasil no decorrer da história, até os dias atuais. É o levantamento e
contextualização histórica e social necessária para aplicação da análise do discurso.
Será traçado um panorama da utilização da maconha mundialmente, baseando-se
principalmente no livro de Rowan Robinson O grande livro da Cannabis (1999). Logo após,
nos aproximaremos do contexto social e histórico do uso da erva no Brasil e dos movimentos
pela sua descriminalização. O livro Diamba Sarabamba (1986), organizado por Anthony
Henman será um dos principais alicerces desta reconstituição histórica, sendo ainda
importantes neste capítulo a obra Drogas e Culturas: Novas perspectivas (2008), organizado
por Beatriz Labate, Maurício Fiore e Edward MacRae entre outros. Muitas informações
também foram retiradas de uma série de artigos produzidos pelo Núcleo de Estudos sobre
substâncias psicoativas (NEIP) da UFBA.
Vale destacar a contribuição dos artigos dos autores Luiz Mott (1986), Osvaldo Pessoa
Junior (1986), Elisaldo Carline (1986), Henrique Carneiro (2010) e de Waleska Aureliano de
Araújo (2004). Sites de organizações que lutam em defesa da legalização ou
descriminalização da maconha ajudaram a compreender este processo na atualidade, as ações
desses grupos e os progressos em pesquisas científicas.
No segundo capítulo estudarei o lugar que a imprensa, em especial os telejornais,
ocupa na sociedade, a importância do que ela diz, de como ela diz, o lugar da ideologia na
imprensa, as forças que envolvem a composição da notícia. Todo o aparato teórico do
jornalismo que permite compor o papel da Rede Globo na reprodução dos sentidos atribuídos
a maconha ao longo dos tempos.
Ao tentar desvendar estas questões me deparo com outras, que são essenciais para o
desenvolvimento deste trabalho. Através das teorias do jornalismo, deve-se levar em conta as
condições em que as notícias são produzidas, de forma que conduzirão a narrativa de acordo
com constrangimentos organizacionais e técnicas de produção, condicionando o jornalismo a
reproduzir determinados discursos em detrimento de outros.
Nessa busca pela compreensão do papel do jornalismo na sociedade e dos fatores que
17
regem a construção da notícia, serei guiada principalmente por algumas publicações de
Nelson Traquina que me fornecerão o suporte teórico que será o alicerce de toda esta
pesquisa, são elas Teorias Do Jornalismo Volume I (2005), Teorias Do Jornalismo Volume II
(2005) e Estudo do jornalismo no século XX (2001). O percurso interpretativo na produção
da notícia, de Josenildo Guerra (2008) e As notícias e seus efeitos (2000) e Teorias da notícia
e do jornalismo(2002), ambos de Jorge Pedro Souza, também serão importantes para entender
o pacto do jornalismo com o público e as forças que agem na construção da notícia.
Ao me aprofundar nas teorias e práticas do telejornalismo encontrarei características
que fazem deste meio peculiar e importante. Uma dessas características é a possibilidade do
uso da imagem para compor a notícia. Possibilidade que geralmente se impõe como uma regra
em que, muitas vezes, a imagem acaba sendo priorizada em detrimento da própria notícia.
Será Guilherme Jorge de Rezende (2000), que apontará para a necessidade de equilibrar
imagens e texto, de forma que uma não sobressaia a outra, mas ambos se complementem
dando significado ao fato. A importância do texto como atribuidor dos sentidos à imagem é a
principal contribuição deste autor para o entendimento do telejornalismo, além da importância
do meio televisivo para a sociedade.
Heródoto Barbeiro e Paulo Rodolfo de Lima em Manual do Telejornalismo (2002),
assim como Alfredo Eurico Vizeu Pereira Junior em Decidindo o que é notícia (2000), darão
a noção de divisão hierárquica e de funções dentro do telejornal e, consequentemente,
aprofundarão o conhecimento acerca das técnicas de elaboração da notícia, das relações entre
os jornalistas e das forças organizacionais da profissão que irão contribuir na construção do
discurso veiculado pela notícia. A constante preocupação dos jornalistas com a opinião dos
seus próprios colegas fica evidente na leitura destes autores, além de outras questões como a
autoridade que o jornalista assume, como pessoa pública, ao mostrar o seu rosto diariamente
na TV.
Após fazer as devidas considerações sobre o jornalismo e a televisão surge a
necessidade de inserir a emissora estudada dentro deste contexto e, principalmente, os
programas a serem analisados. Portanto um breve histórico da Rede Globo, com suas
principais características como produtora e difusora de informação será realizado, apoiando-se
principalmente no livro organizado por Valério Brittos e César Bolaño, Rede Globo: 40 anos
de poder e hegemonia (2005), em que uma série de artigos faz um panorama sobre a chegada
da Globo à situação de liderança em que se encontra desde meados da década de 70, bem
18
como a importância do telejornalismo para a consolidação da credibilidade da emissora. O
livro de Sergio Mattos, intitulado A televisão no Brasil: 50 anos de historia (2000), ajudará a
reconstruir a história da televisão brasileira e da Rede Globo.
Os produtos a serem analisados neste trabalho são matérias exibidas nos programas
Jornal Nacional e Fantástico que tratam do uso da maconha. Para tanto, se faz preciso uma
definição dos gêneros e formatos dos programas televisivos utilizados neste trabalho, baseio-
me no livro de José Carlos Aronchi de Souza (2004) sobre a temática. Muito embora ele
classifique a revista eletrônica Fantástico na categoria de entretenimento, diversas
características e conteúdos do programa possuem um caráter informativo, como admite o
próprio autor. Serão reportagens com conteúdo jornalístico que serão analisadas nesta
pesquisa.
Já feita uma definição dos gêneros e formatos dos programas e tendo em mente as
devidas considerações do entrelaçamento entre entretenimento e informação, busco em
seguida compreender as particularidades desses dois programas consagrados da televisão
brasileira. Faço isso através da leitura dos trabalhos sobre o modo de endereçamento dos
programas feito pelas pesquisadoras Luana Santana Gomes (2006) e Itania Maria Mota
Gomes (2005), que através dessa metodologia, traçam um perfil dos programas Fantástico e
Jornal Nacional, respectivamente. Destacando aspectos sobre mediador, a temática, a
organização das editorias e a proximidade com a audiência, o pacto sobre o papel do
jornalismo, o contexto comunicativo, os recursos técnicos a serviço do jornalismo, os recursos
da linguagem televisiva, os formatos de apresentação da notícia, a relação com as fontes de
informação e o texto verbal.
Já tendo então o contexto sócio histórico e o lugar que a Rede Globo, e em especial
seus telejornais, ocupa na sociedade brasileira e que vai compor os discursos a serem
estudados, tratarei no ultimo capítulo da análise do discurso, finalizando com a aplicação
metodológica na análise das matérias veiculadas sobre o uso de maconha.
Após traçar este caminho para o entendimento da importância do jornalismo e do
telejornalismo da Rede Globo, principalmente nos dois referidos programas, e já tendo feito
uma revisão histórica sobre o uso da maconha, será a Análise do Discurso (AD) quem
conduzirá o estudo dos produtos. Permitirá observar a relação do discurso com a história e
com as relações sociais. Para compreender está complexa metodologia me apoio
19
principalmente no livro de Helena Nagamini Brandão, Introdução a Análise do Discurso
(2004) e na obra de Eni Orlandi, Análise de Discurso, princípios e procedimento (2009).
Ainda servirá para o entendimento da relação entre discurso e jornalismo o artigo de Marcia
Benetti, O jornalismo como gênero discursivo (2007). Para compreender o conceito de
ideologia, presente na metodologia adotada, ainda me utilizo da obra O que é ideologia
(1981), de Marilena Chauí.
Assim feito o caminho estará aberto para a compreensão e análise dos discursos dos
programas escolhidos da Rede Globo sobre a maconha, buscando sempre perceber os jogos de
forças que há na busca da reprodução dos discursos e relacionar a imprensa como uma
importante arma neste jogo, onde agentes sociais sempre estão se movendo para se fazerem
ouvir, para que seu discurso sobressaia aos demais, ou seja, vire notícia.
20
Capítulo I -– A Maconha
Neste primeiro capítulo será tratado o uso da maconha através dos tempos, sua
aceitação, a proibição, suas propriedades medicinais, têxteis e o uso recreativo e religioso.
Terá enfoque especial o tratamento dado à erva no Brasil, onde uma série de artigos médicos e
científicos, escritos a partir do ano de 1915, nos permitirá reconstituir os hábitos que vieram a
estabelecer o uso da maconha na nossa cultura e também a sua estigmatização, as leis sobre
seu consumo e os recentes movimentos pela sua descriminalização.
São as fêmeas da planta Cannabis o que no Brasil chamamos de maconha. Essa planta
possui três espécies, a indica, a sativa e a ruderalis, tendo concentração de mais de 400 mil
substâncias químicas, das quais pelo menos 61 são únicas, chamadas de canabinóides. Elas se
concentram principalmente nas flores da fêmea, e causam os efeitos psicoativos, sendo os
principais deles o tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol. Rafael Guimarães Santos (2009)
identifica como efeitos da maconha, normalmente, a alteração da percepção temporal,
aumento de sensibilidade, leve euforia e, algumas vezes, até alucinação, além das
propriedades sedativas e ansiolíticas. A sua derivação macho não produz os efeitos
psicoativos, no entanto sua fibra é muito útil na confecção de tecidos e papel.
A planta pode ser quase que totalmente aproveitada, servindo seu caule e talos grossos
na fabricação da fibra têxtil, a semente na produção de óleo e produtos cosméticos, além de
ser muito rica em proteínas, as folhas servem tanto para a fabricação de cosméticos quanto
para a de medicamentos, as flores são ricas nas substâncias psicoativas e medicinais. Ao todo
a planta da cannabis é aproveitada na produção de biocombustível, roupas, sapatos, óleo,
perfumes, cremes, ração para bichos, fibra na construção de casas e carros, remédio no
tratamento de doenças como câncer, AIDS, glaucoma, esclerose múltipla, atuando também
como anticonvulsivo, relaxante muscular e analgésico. (ROBINSON, 1999)
1.1. A maconha na história e no mundo
Ao longo da história a maconha foi usada como psicoativo pelos mais diversos povos,
de acordo com sua cultura, sendo consumida de diversas formas: comida, bebida, usada em
21
infusões, fumada, cheirada, como incenso e até misturada a outras drogas como o ópio e o
vinho. No entanto, seu uso não se restringiu apenas como substância capaz de alterar a
percepção, mas também como medicamento, na produção têxtil e nas religiões como planta
enteogenica, ou seja, é utilizada para obter efeitos xamânicos de aproximação ao divino.
Conforme Rowan Robinson (1999), ela é originária da Ásia central, onde uma
abundância de provas obtidas em sítios arqueológicos, em toda China, confirmam que o
cultivo de cânhamo asiático existe desde os tempos pré-históricos. O seu uso medicinal está
documentado na mais antiga farmacopeia existente, o Pen-Ts‟ao Ching, que foi reunida em
2.000 a.C. e que o recomenda como analgésico, antiespasmódico, sedativo, contra dores
menstruais, reumatismo, prisão de ventre e malária.
Na Índia, também por volta de 2000 a.C., os escritos Vedas recomendavam seu uso
para obter saúde, longevidade e contato divino. O Bhang era preparado com a erva, e quem
dele o tomasse estaria protegido contra o mal e livre dos pecados. Como medicamento, era
utilizada no tratamento de diarreia, epilepsia, delírio, insanidade, cólica, reumatismo, gastrite,
anorexia, náusea, febre, bronquite, diabetes, tuberculose e anemia. O uso somente para fins
recreativos era comum. Em rituais religiosos é considerada a comida predileta do deus Shiva
e, ainda hoje, é usada pelos homens santos devotos a ele para aproximar-se do divino, como
aponta Rowan Robinson (1999) em O grande livro da Cannabis:
O mais antigo indício específico de consumo de cânhamo para fins espirituais vem da
Índia. Datado de cerca de 1400 a.C. e contendo material muito mais antigo, o texto
religioso Athharva Veda menciona a erva sagrada “bangüê”, o meio pelo qual se dá a
comunicação com Shiva, a divindade da iluminação espiritual da trindade hindu.
(ROBINSON, 1999, p. 49)
Na tradição budista Mahaiana, conta-se a história de que Buda viveu de uma semente
de Cannabis por dia durante os seis anos de disciplina que antecederam sua iluminação. No
Tibete, usa-se em cerimônias do budismo tântrico para obter melhor percepção e maior
meditação. Ainda são encontradas referências ao seu uso religioso no zoroastrismo, judaísmo,
taoísmo, xamanismo chinês, xintoísmo e rastafári. (ROBINSON, 1999)
Entre os árabes o consumo da cannabis era comum e são eles os responsáveis por
disseminar a planta por toda África e parte da Europa. O uso desta substância pelos
mulçumanos, durante muito tempo, se deveu a sua não proibição pelo Alcorão, que proíbe o
22
álcool. No final da Idade Média, o haxixi (como é conhecido na região e em quase toda
Europa) foi proibido pelos mulçumanos e só os sufis (dissidência da religião mulçumana)
continuaram o seu uso. À época das Cruzadas, os católicos associavam o uso do haxixi pelos
mulçumanos como responsável pela sua fúria, chamando-os de Hashashin, daí deriva a
palavra assassino.
Robinson, entre outros autores, afirma ter Heródoto falado de seu uso, pelos citas
(outro povo importante responsável pela divulgação da cannabis na Europa) em cerimônias
pós-funeral. Demócrito relatou sobre os efeitos do vinho tomado juntamente com a maconha,
no entanto, os gregos e os romanos preferiam o uso do álcool para alterar o estado de
consciência, limitando o uso da erva à produção têxtil. Na literatura seus efeitos foram citados
em alguns livros como a “Ilíada”, “As mil e uma noites” e “O conde de Monte Cristo”.
Rodrigues Dória, em 1915, faz uma retrospectiva dos mitos e histórias sobre o uso da
maconha:
(...) o famoso “remédio das mulheres” de Dióspolis, bem como o nepente de que fala
Homero, e que Helena recebera de Polimnésio, era a Cannabis indica. Os cruzados
viram os efeitos nos mulçumanos. Marco Pólo observou nas cortes orientais entre os
emires e os sultões (DÓRIA, 1915, p. 26).
No Egito, o uso da planta aparece relacionado à construção das pirâmides, sua fibra
era usada para fundir as pedras. Foi lá também que houve as primeiras tentativas de repressão
ao uso, quando os sufis que utilizavam o haxixi para obter iluminação espiritual passaram a
habitar o Cairo, disseminando o uso da substância. Logo as autoridades locais que não
pertenciam ou compactuavam com aquela religião sentiram que a situação estava fora de
controle e em 1378 os cultivadores da cannabis foram perseguidos, presos e executados, o
que, no entanto, não conseguiu exterminar o seu uso.
Quando Napoleão Bonaparte chegou ao Egito, em 1798, vetou o uso do cânhamo. Esta
parece ser a primeira lei de proibição da maconha, que ficou restrita ao Egito e não durou
mais que o período em que Napoleão dominou a região. Não se sabe, porém se o motivo da
lei se deve a algum problema com os usuários ou se a intenção era acabar com o comércio de
cânhamo que abastecia a Inglaterra.
23
No norte da África, onde se localizava Cartago, próximo onde hoje é a cidade de
Túnis, encontraram-se vestígios do uso do cânhamo nos séculos III e II a.C. Em outras regiões
do continente, como na costa da África Ocidental as fibras do cânhamo eram usadas para
fazer cordas, para fins religiosos, medicinais e como preparados narcóticos para obter efeitos
intoxicantes. “A erva é um sacramento e um remédio para os pigmeus, os zulus e os 46
Hotentotes” (ROBINSON, 1999, p. 45)
Na Europa, durante a Idade Média, a maconha era pouco conhecida e o seu uso era
reprimido pela igreja católica, por fazer parte do culto de outras religiões, quem a usasse
poderia ser acusado de bruxaria e corria risco de morte. A Europa só passou mesmo a ter
contato com os efeitos psicoativos da erva a partir do século XI, com as Cruzadas e a
consequente troca cultural com os mulçumanos. Nos séculos posteriores eventos como as
Grandes Navegações, que também marcaram o final do feudalismo, terminaram por
disseminar a cannabis pelo mundo todo.
Logo os Europeus passam a aproveitá-la tanto na produção de tecido e cordas, através
de suas fibras, quanto para obter os seus efeitos psicoativos. A Inglaterra observou seu uso na
Índia, logo passando a produzir tecido com sua fibra, percebendo um lucrativo negócio que
juntamente com a seda e o algodão passaram a constituir a rota de comércio têxtil que partia
do Oriente. Rapidamente, Chile, México e Peru tiveram conhecimento da planta e dos seus
poderes através dos espanhóis.
Ao chegarem aos Estados Unidos da America, na época de sua colonização, os
ingleses logo cultivaram o cânhamo, e em 1629 já haviam se estabelecido pequenas
manufaturas para a produção têxtil, inclusive com o apoio do governo que incentivava o
plantio da cannabis. Com a Guerra Civil (1861-1865), a produção decaiu e quando ainda
tentava se reerguer, em 1930, foi criada a Lei de taxação da Marihuana, acabando com a
indústria do cânhamo no país, que já contava até com carro produzido com suas fibras e
utilizando combustível de cânhamo, fabricado pela Ford Motor Company. (ROBINSON,
1999)
Elisaldo Carlini aponta que, no século XIX, tanto os ingleses quanto os norte-
americanos descobrem seus poderes medicinais, útil nos tratamentos de epilepsia, neuralgia,
enxaqueca e como espasmolítico. Nesse período, passa então a ser citada em revistas médicas
e a constar em livros de terapêutica e na “Farmacopéia americana, sob o título de Extrato
24
purificado de Hemp (...)” (CARLINI, 1981, p. 70). É também neste século que os norte
americanos passam a utilizar a maconha para fins recreativos, consumindo-o muitas vezes
como um doce.
Já na França ela entra em moda entre os intelectuais como Rimbaud, Balzac, Gauthier
e Baudelaire, os três últimos participavam do Clube dos Haxixis e transpunham suas
experiências com a substância em suas produções artísticas literárias, exaltando os efeitos da
erva, como fez Baudelaire na obra Paraísos Artificiais. No século seguinte, Walter Benjamin,
Jack Kerouak, Allen Ginsberg e John Lennon, entre muitos outros, tornam-se também
admiradores dos efeitos da planta, principalmente pelo seu poder de inspiração artística.
Utilizada há muitos milênios, só nos dois últimos séculos o uso da maconha passou a
ser visto como um problema, do qual se tornou necessário ter o controle iniciando-se o
modelo repressivo que está em voga a te a atualidade. Os Estados Unidos, que na época de
sua colonização se beneficiou das fibras do cânhamo na fabricação têxtil, se tornaram severos
combatentes da droga. Em 1906, passa a ser necessária uma regulamentação sanitária da
maconha e, em 1930, foi criada a primeira lei de taxação da mesma.
(...) A partir do início do século XIX, centenas de “casas de haxixe” atendiam os ricos
e sofisticados de Nova York e outras grandes cidades – mas o segredo era a regra. A
Lei sobre drogas e alimentação de 1906 foi a primeira lei federal a tratar diretamente
da cannabis, mas mesmo essa lei limitou-se a afirmar que qualquer quantidade dessa
substância (e de várias outras como álcool, ópio, cocaína e hidrato de coral) devia ser
claramente declarada no rótulo de qualquer alimento ou remédio vendido ao público.
(ROBINSON, 1999, p. 89)
Artigos eram divulgados na imprensa associando o uso da maconha a negros e
mexicanos e à violência e à degeneração psíquica a que ela os levava. Os artigos eram
produzidos quase sempre pelo secretário da Junta Federal de Controle de Narcóticos, Harry
Aslinger, e divulgada pelos meios de comunicação comandados por William Randolph
Hearst. O presidente Nixon é veemente ao falar da importância do grave problema e a
necessidade de sua imediata resolução através da repressão ao seu consumo, como é possível
observar neste trecho de uma mensagem ao congresso do dia 17 de junho de 1971:
(...) se não pudermos destruir a ameaça das drogas nos Estados Unidos, ela irá
certamente nos destruir... Hoje o tráfico de drogas é o inimigo público número um no
interior dos Estados Unidos e devemos nos engajar numa ofensiva total, abrangendo
25
toda a nação, abrangendo todo o governo e, se posso dizer isto, abrangendo toda a
mídia. (NIXON apud ROBINSON, 1999, p.101)
Em alguns Estados, as leis foram se tornando mais severas em relação a algumas
substâncias. A onda puritana que atingiu os Estados Unidos e começou com a Lei Seca,
proibindo o uso do álcool em 1919, logo se estendeu a outras substâncias de efeitos
psicoativos e que foram consideradas como “drogas”, diferenciando-as das outras “drogas”
produzidas pela indústria farmacêutica, porque essas “drogas” eram legais, as outras ilegais.
Em 1933, o uso do álcool volta a ser permitido, o que não acontece com as demais
substâncias. Após a Segunda Guerra Mundial, com os Estados Unidos se estabelecendo como
grande potência Mundial e com a criação das Organizações das Nações Unidas (ONU), o
problema foi levado a conhecimento do mundo todo, assim como a sua solução: que todos os
países do mundo entrassem em uma nova guerra, a guerra às drogas, que deveria ser feita com
o apoio e participação de todo o mundo, as drogas classificadas como ilegais deveriam ser
proibidas, seu uso combatido e até os estudos realizados com a planta deveriam ser
encerrados.
Na década de 60, os movimentos de contracultura, como os hippies e a geração beat,
pregando uma nova maneira de pensar e de viver, rompendo com o conservadorismo,
trouxeram mais uma vez a maconha para a cena mundial, agora como sinônimo de
contestação e dos ideais do movimento hippie de paz e amor. Esses movimentos irão
repercutir e influenciar as gerações jovens em várias partes do mundo, inclusive no Brasil,
onde jovens de classe média e alta passam a fazer uso da planta.
Ainda assim, em 1961, as Nações Unidas realizaram a Convenção Internacional Única
de Entorpecentes. Sob pressão dos EUA, aconselha aos países que interrompam as pesquisas
com a planta e façam o que for necessário para acabar com o uso e o tráfico da cannabis o
mais rápido possível. Thiago Rodrigues (2008) analisa as medidas adotadas pela ONU em
relação às substâncias psicoativas.
Esse padrão, em linhas gerais, poderia ser resumido como calcado na postura
estadunidense de repressão e fiscalização máximos. Em outras palavras, as normas
internacionais celebradas desde a Convenção Única da ONU sobre Drogas, de 1961,
consagraram o proibicionismo como a forma de tratar o “tema das drogas psicoativas”
no mundo. (RODRIGUES, 2008, p .98)
26
Com a eleição de Jimmy Carter para a presidência, em 1977, e a sua declaração
pública favorável à descriminalização da maconha, iniciou-se uma nova política no
tratamento dado a cannabis. No seu governo foram eliminadas as penas criminais pela posse
de até 30 gramas de maconha. Em seguida, vários setores organizados passam a defender sua
descriminalização, como a Ordem dos Advogados Americanos, a Associação Médica
Americana e a Academia Nacional de Ciências que divulgou um relatório que concluía que as
leis contra maconha só “conduzem à criminalização de grande números de jovens
americanos.” (Academia Nacional de Ciências, apud ROBINSON, 1999; p.112). Atualmente
ela é descriminalizada em 14 estados, sendo o uso medicinal permitido. Mesmo assim, os
EUA são o principal país que incentiva o combate internacional ao uso e tráfico dessa e de
outras substâncias, a “guerra às drogas”.
A Holanda iniciou o processo de descriminalização que iria se suceder pela Europa a
partir da década de 70. Em meados dos anos 90 começou a ser organizada a Marcha Mundial
pela Regulamentação da Maconha em Nova York e, a partir daí, várias cidades em todo o
mundo passaram a realizar passeatas contra as leis proibicionistas (site da Marcha Mundial da
Maconha, 2011). Atualmente Portugal, Espanha, Itália, Dinamarca, Holanda, Suíça, Israel e
Alemanha são exemplos de países onde o uso é tolerado e em alguns casos até
descriminalizados, no entanto a produção e venda são considerados crimes nesses e nos
demais países do mundo. A China ainda utiliza a cannabis na produção têxtil, mas proíbe seu
uso como psicoativo. Na América Latina, a Argentina descriminalizou seu uso em 2010 e
Chile e Colômbia, desde a década de 70, não punem quem é pego com pequenas quantidades
de maconha, ou possua um pé em casa.
Com a consolidação da Comunidade Européia, o consequente fortalecimento
econômico e político dos seus países-membros pode prenunciar a possibilidade de
uma contestação mais firme da hegemonia mundial da política americana em diversas
esferas, inclusive no que tange à maneira de se fazer frente ao uso de substâncias
ilícitas em geral e a canabis em especial.
Neste sentido já se notam, em países daquele bloco, movimentos de maior tolerância
em relação ao uso de produtos derivados dessa planta, tanto com a finalidade de
alterar a consciência quanto para objetivos mais prosaicos tais como: a manufatura de
tecidos, papel e a produção de óleo. (MACRAE & SIMÕES, 2000, p. 131)
A cannabis foi levada, a partir dos mais diferentes trajetos, feitos por muitos povos, a
todas as partes do mundo. Com o Brasil não foi diferente, tão logo sua descoberta havia
acontecido e o cânhamo chega às terras brasileiras. As velas das caravelas portuguesas que
27
chegaram aqui, em 1500, eram produzidas com fibras de cânhamo. No entanto, foram os
escravos africanos que trouxeram a planta e o hábito de usá-la para obter seus efeitos
psicoativos e, é através da história deles, que se começa a contar a história do uso da maconha
no Brasil.
1.2. A Maconha no Brasil
Embora os portugueses ao chegarem ao Brasil, em 1500, já tivessem conhecimento
sobre a cannabis, é provável que ela tenha chegado aqui através dos escravos africanos. É o
que indica, por exemplo, o uso das palavras: “maconha”, “diamba”, “liamba”, “riamba”,
“cagonha”, “aliamba”, “bongo”, “ganja”, “gongo”, “marigonga”, “maruamba”, “namba” e
“pango”, todas de origem africana, assim como a expressão fumo de Angola, que também
designa a substância e claramente a associa ao país africano, que curiosamente também foi
colonizado por portugueses. (MOTT, 1984, p.123) Outro indício da origem africana é o
registro do seu uso em alguns cultos de origem africana desde 1906. Segundo Luiz Mott
(1984), Gilberto Freyre acredita que o uso da maconha é um dos elementos culturais negros
que resistiu a desafricanização no Brasil.
Uma expressão comum no Sudeste do país no início do século XIX, “maconha em
pito faz negro sem vergonha” (HENMAN, 1980, p. 101), mostra a associação direta entre o
uso da erva e escravos. Este ditado também reflete a intolerância ao consumo da cannabis no
sul do país, o que não se verifica no Nordeste, onde os senhores de engenho não impediram os
escravos de cultivarem a planta.
No Nordeste, nas terras de massapé, onde a monocultura açucareira lançou suas raízes
absorventes e exclusivas, criando entre os homens e as coisas, uma distância de
extremos – negros e brancos, senhores e escravos, casas grandes e senzalas -, a
maconha se opôs, diametralmente, ao fundo. Maconha para negro escravo, tabaco para
o senhor branco.
Gilberto Freire vai ao ponto de afirmar que a diamba assegurava a estabilidade dos
senhores, nos períodos de ociosidade, quando na época da pejar esfriava o fogo dos
engenhos. Enquanto o branco enchia os dias vazios com charutos cheirosos, o negro
fumava para os sonhos e o torpor da maconha, que o senhor deixava plantar e crescer,
em meio aos canaviais. Parece que os senhores das culturas de café ou da mineração,
em São Paulo e Minas, não tinham a mesma tolerância para o hábito eurofísico de
seus escravos, sujeitos a um regime de trabalho mais duro e contínuo. “maconha em
pito faz negro sem-vergonha” é um provérbio colhido em Minas Gerais, sem
circulação nos engenhos do Nordeste. (MORENO, 1958, p. 56)
28
Paradoxalmente, os primeiros registros que se tem do uso da substância no país vem
do Sudeste e não se trata de escravos ou negros libertos. A Inquisição, em 1749, já havia
interrogado, em Minas Gerais, um músico, vindo da ilha de Açores, que declarou que ao
fumar o pito de pango “(...) se deitou na cama com vários rapazes (...) e que foi no pecado da
sodomia agente e paciente (...)” (SANTO OFÍCIO apud MOTT, p. 127). Carlota Joaquina,
quando esteve no Rio de Janeiro (1808-1821), tomou diversas vezes um chá de “diamba do
Amazonas”, preparado por um escravo. Mas mesmo o hábito da rainha portuguesa não
impediu que em 1830 a Câmara Municipal do Rio de Janeiro criasse a primeira lei de
proibição da maconha no Brasil:
É proibida a venda e o uso do “Pito de Pango”, bem como a conservação dele em
casas públicas: os contraventores serão multados, a saber, o vendedor em 20$000, e os
escravos, e mais pessoas que dele usarem, em 3 dias de cadeia. (CÂMARA
MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO apud DÓRIA, 1915, p. 38)
O país de origem católica, em que a maioria das pessoas que usava a maconha até bem
pouco tempo não era sequer considerada como cidadã, passou a marginalizar a diamba. Em
1915, o Dr. Rodrigues Dória2 apresenta um artigo, no Segundo Congresso Científico Pan-
Americano em Washington D.C., em que alerta o mundo sobre os “efeitos e males” do vício
da maconha e aconselha a sua proibição como solução para sua epidemia. O artigo de Dória
afirma ainda que a planta é consumida majoritariamente por negros, pessoas pobres,
prostitutas, tarados, analfabetos, trabalhadores rurais, soldados e nos candomblés, acusando a
erva de provocar “delírio”, “loucura transitória”, tornando as pessoas que a usam “rixosos”,
“agressivos”, capazes de praticar “violências e crimes” (DÓRIA, 1915, p. 29). Dória também
conclui que a disseminação da cannabis entre os brancos é um dos “prejuízos” da escravidão.
A raça preta, selvagem e ignorante, resistente, mas intemperante, se em determinadas
circunstâncias prestou serviços aos brancos, seus irmão mais adiantados em
civilização, dando-lhes, pelo seu trabalho corporal, fortuna e comodidades, estragando
o robusto organismo no vício de fumar a erva maravilhosa, que, nos êxtases
fantásticos, lhe faria rever talvez as areias ardentes e os desertos sem fim de sua
adorada e saudosa pátria, inoculou também o mal nos que o afastaram da terra querida
(...). (DÓRIA, 1915, p. 37)
2Professor de medicina pública da faculdade de direito da Bahia, Presidente da Faculdade de Medicina,
Representante do Governo do Estado, da Faculdade de Direito, do Instituto Histórico e Geográfico, da Sociedade
de Medicina Legal e Criminologia da Bahia no Segundo Congresso Científico Pan-Americano, reunido em
Washington D.C., a 27 de dezembro de 1915.
29
A partir de então surgem outros artigos ligados à área de saúde pública, associando ao
negro, a violência e o uso da maconha à delinquência, imbecilidade e até mesmo à morte,
sempre retomando a necessidade de proibir o comércio e consumo da substância. A essas
acusações também se unem outras de caráter moral, os fumadores da maconha são tachados
como pervertidos sexuais, prostitutas, e gays que a usam para ludibriar os jovens e estimular o
homossexualismo. Baseado nessas informações alarmantes, juntamente com discussões
internacionais sobre o comércio de “entorpecentes”, em 1921, o decreto n° 4.294 passa a
punir a venda de substâncias entorpecentes. O uso, no entanto, não é crime, e só passa a ser
proibido onze anos depois, sendo diferenciado o usuário do traficante.
Getulio Vargas, em 1938, lança o decreto lei que põe os usuários de tóxicos como
doentes que necessitam de internação civil e interdição. Em seguida, o Código Penal de 1940
determina novamente punição somente para o tráfico. É importante observar as várias
mudanças na lei em um período de 17 anos, mostrando sempre dificuldade de se qualificar o
usuário, ora identificando como criminoso, ora como doente, ora como cidadão são e idôneo.
Na década seguinte, a imprensa passa a publicar notícias em que o uso da maconha
esta associado à desordem e ao “desvio de caráter” dos fumantes, alertando a população
contra o ato que induz ao banditismo, serviria para disseminar a representação que já havia se
iniciado no início do século, marcando profundamente “o modo como as novas gerações
seriam prevenidas, instruídas, ou, surpreendidas por seus familiares como consumidores de
maconha”. (MACRAE & SIMÕES, 2000, p. 22)
Nos anos 60 o uso da maconha passa a espalhar-se também pela classe média,
principalmente entre jovens e intelectuais que buscavam um estilo de vida alternativo, em que
pudessem ser livres para pensar o que quisessem, e experimentar outras formas de percepção.
Este estilo de vida foi alvo dos interesses dos militares que governavam o país e tentavam
impor uma conduta moral e intelectual.
MacRae (2000) aponta que, como a oposição ao regime militar, feita pelos
comunistas, era majoritariamente componente dos mesmos grupos dos usuários de maconha,
os jovens e intelectuais, o regime militar associou diretamente uma coisa a outra, tornando a
maconha também inimigo importante do Estado, por induzir à subversão. Assim, em 1968,
ano em que se intensificou a repressão às tentativas de oposição ao governo, também se
verifica um aumento na repressão ao uso da maconha com o Decreto Lei 385, que equipara o
usuário de maconha ao traficante, sendo os dois passiveis da mesma pena que vária de cinco a
30
vinte anos de prisão. Com essa lei o tráfico passou a ser crime hediondo, não tendo, o
acusado, direito de pagar fiança ou responder ao processo em liberdade.
As classes média e alta também passaram a se preocupar diretamente com o problema,
que agora atingia os seus filhos. Ao mesmo tempo em que esses usuários eram recriminados
pela família, enfrentando velhos estigmas de “vagabundo”, esta também passou a defender
um menor rigor nas penas sobre o seu uso, afinal os filhos da classe média, futuros médicos e
empresários, não poderiam ser presos e punidos como os traficantes, pertencente às classes
mais baixas. Assim, em 1976, a Lei 6.368/76 volta a diferenciar o traficante do usuário e os
que fossem considerados dependentes não seriam presos. Os acusados pegos com maconha
passaram a entregar laudos médicos que atestavam sua dependência e que passavam a
aumentar as estatísticas de viciados na droga. Robinson relata que foi entre os anos de 70 e 80
que houve uma maior divulgação na mídia sobre a maconha, já que várias personalidades
foram apreendidas com a erva, como Paulo Ricardo, Lobão, Rita Lee, Gilberto Gil e o jogador
de futebol Casagrande.
Em agosto de 2006, a Lei 11.343 foi sancionada, nela o usuário de maconha é
diferenciado do traficante, não vai preso e não é mais visto como um viciado. Porém continua
sendo visto como um criminoso, sendo sua pena reduzida à prestação de serviço comunitário
ou educativo e a decisão de enquadrar quem for pego como traficante ou usuário cabe a
polícia. Está brecha acaba por incentivar a pratica de extorsão por parte dos policiais.
Mas o fato de ela ter se disseminado entre os jovens de classe média, principalmente
os universitários, foi decisivo para o inicio de um movimento pela descriminalização. Ele
começa já no primeiro ano da década de 80, quando o país começava a passar pelo processo
de reabertura política que marcava o início do fim da ditadura, e desponta dos meios
acadêmicos, onde se dão os primeiros debates sobre a criminalização da maconha.
1.2.1. A luta pela descriminalização da maconha no Brasil
Em A Liberação da Maconha no Brasil, Osvaldo Pessoa Junior (1985) conta que a
primeira mobilização em prol da descriminalização da maconha ocorreu em 1980, através de
um debate realizado pela Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP). Nele o
31
deputado estadual João Batista Breda, junto com outras personalidades do meio artístico
como o poeta Jamil Haddad e o músico Jorge Mautner defendem a descriminalização da erva.
No mesmo ano, em um Simpósio Psiquiátrico da UFRJ, o sociólogo Gilberto Velho e
psiquiatras “levantaram argumentos médicos, éticos e sociais em favor da legalização do
consumo da maconha”. (JUNIOR, 1985, p. 154)
Evento semelhante a esse volta a acontecer em 82, lançando um Movimento pela
Descriminalização da Maconha, organizado por estudantes da USP, da PUC-SP. Contou com
a presença de políticos e pesquisadores como a candidata a vereadora Caterina Koltai (PT), do
deputado Breda (PT), da candidata a deputada federal Ruth Escobar (PMDB), do
psicofarmacólogo Elisaldo Carlini, do antropólogo Anthony Henman, a psicóloga Maria Rita
Kehl e o advogado Alberto Toron. O movimento redigiu um Manifesto pela
Descriminalização que defende uma reformulação nas leis e propõe a criação de uma
assessoria jurídica em defesa do usuário e uma comissão cientifica de estudos
interdisciplinares sobre a planta.
Ainda em 82, no período das eleições, o músico Galvão, candidato a deputado na
Bahia e Caterina Koltai a vereadora em São Paulo, levantaram a bandeira da
descriminalização da maconha. Koltai chega a ser indiciada por defender o uso da planta,
após ter panfletos de sua campanha proibidos de circular pelo Tribunal Regional Eleitoral. Só
em 84, Caterina é absolvida, ano em que Beaco Vieira, candidato a deputado estadual,
também respondeu processo por defender a legalização da maconha, sendo inocentado no
mesmo ano.
O grupo de São Paulo continua realizando debates e buscando organizar grupos de
assessoria jurídica, de pesquisa cientifica e de mobilização pela descriminalização em 83.
Enquanto no Rio de Janeiro um grupo intitulado de Maria Sabina organiza o 1° Simpósio
Carioca sobre a Maconha, no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. Participou do
debate o Juiz Álvaro Mayrink da Costa, que já havia dado o primeiro passo para a reflexão
sobre a necessidade de revisão das leis, ao absolver, em 1980, um jovem indiciado por porte
de cannabis, por considerar que:
(...) a maconha já faz parte dos usos e costumes da sociedade de hoje: 80% dos jovens
entre 19 e 23 anos já experimentaram. Considerar como crime esta prática atenta
contra os direitos humanos e as garantias individuais. É uma herança nefasta do
Estado totalitário. (MAYRINK apud ROBINSON, 1999, p.106)
32
O evento contou também com a presença do escritor Luiz Carlos Maciel, dos
professores Antônio Serra, Mauro Sá Rego Costa, Gilberto Velho, Michel Misse, Yvonne
Maggie, do médico homeopata Gervásio D‟Araújo, dos jornalistas Chico Jr. e Jorge Mourão,
dos advogados Nilo Batista, Oswaldo Jr., Técio Lins e Silva e Lizt Vieira, deputado estadual
pelo PT-RJ. Em 1985, os trabalhos apresentados no simpósio foram registrados no livro
Maconha em Debate.
A Associação Brasileira de Antropologia, numa atitude pioneira, divulga uma moção
pela descriminalização da cannabis, em 1984, espalhando-a na universidade, e entre políticos
e a polícia. Ao voltar do exílio, em 1986, Fernando Gabeira expõe sua opinião a favor da
legalização da maconha e a inclui como ponto de sua campanha, no entanto, atualmente,
Gabeira tem assumido uma postura mais conservadora sobre o tema.
Em 1995, o Ministro da Justiça Nélson Jobim declarou publicamente ser favorável à
descriminalização da maconha. No entanto, Pedro Santos Mundim observa que na década de
90 é a banda carioca Planet Hemp que vai trazer o debate sobre a maconha novamente à tona,
causando grande rebuliço na imprensa nacional. Revistas como Veja, IstoÉ e Época passaram
a publicar mais matérias sobre o uso da maconha, chegando a entrevistar personalidades que
defendem o seu consumo e a dar lugar de destaque ao assunto como a Veja Rio, de janeiro de
1996, em que o tema é capa da revista. Com letras que defendem a legalização da erva, a
banda Planet Hemp gerou polêmica, tendo shows cancelados, CDs apreendidos e chegando a
ser presa por apologia em 1997.
Muitas das letras do Planet trouxeram um esforço para se poder falar de maconha. É
uma referência à liberdade de expressão demandada pelo grupo e uma rejeição à idéia
de que as músicas da banda fariam apologia à droga. Isso pode ser notado sobretudo
após os vários problemas que o grupo teve com a lei – encarados como censura –,
depois do lançamento de “Usuário”. (MUNDIM, 2004, p 73)
No início do século XXI é a Bahia que dá mais um passo nesta discussão. Com a
criação do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (NEIP), a UFBA abre o
espaço para uma discussão que gira não somente nos âmbitos médico legais, e assim como as
iniciativas da PUC e UFRJ na década de 80, procura dar uma visão humanística ao tema das
drogas.
33
Trabalhamos para ocupar cada vez mais espaço no debate público sobre o "problema
das drogas", defendendo que as Ciências Humanas têm um papel fundamental neste
cenário geralmente dominado por profissionais da área de saúde e por posições
marcadas por um viés muitas vezes preconceituoso. Nossa abordagem no campo
teórico não nos exime de reconhecer a necessária postura experimentalista e marca-se,
principalmente, pela interdisciplinaridade de diversos saberes, seja entre os campos
históricos, sociológicos e antropológicos, como no diálogo destes com a psicologia, a
economia e com as artes ou ainda com o domínio mais geral da filosofia. Finalmente,
como pesquisadores nos sentimos compelidos a tomar um posicionamento político e
ético indispensável diante da questão das drogas na época em que vivemos,
declarando-nos frontalmente opostos ao regime de proibicionismo vigente em escala
internacional. (site: NEIP)
Outros grupos de pesquisa no assunto se formaram. É o caso da Associação Brasileira
Multidisciplinar de Estudos sobre Drogas, assim como grupos de ativistas de redução de
danos, contribuindo para a ampliação do debate. Um grande número de Organizações também
são criadas com o intuito de promover o debate e lutar contra o proibicionismo, é o caso do
Coletivo Princípio Ativo, do Growroom, Psicotrópicus, Dínamo e do Coletivo Marcha da
Maconha Brasil, grupo que existe em diversos países e cujos principais objetivos são:
Criar espaços onde indivíduos e instituições interessadas em debater a questão possam
se articular e dialogar; Estimular reformas nas Leis e Políticas Públicas sobre a
maconha e seus diversos usos; Ajudar a criar contextos sociais, políticos e culturais
onde todos os cidadãos brasileiros possam se manifestar de forma livre e democrática
a respeito das políticas e leis sobre drogas; Exigir formas de elaboração e aplicação
dessas políticas e leis que sejam mais transparentes, justas, eficazes e pragmáticas,
respeitando a cidadania e os Direitos Humanos. (Site: Marcha da Maconha no Brasil)
Com as novas tecnologias e a possibilidade de divulgar as ideias em um canal livre,
esses grupos passam a existir e se organizar também na internet, mantendo sites destinados
aos usuários de maconha ou aos interessados no tema, através da divulgação de
conhecimentos sobre a planta que antes eram limitados, fortalecem e fomentam o movimento
pela sua descriminalização. A eles se unem outros usuários e militantes que, através de blogs
e até redes sociais, passam a produzir informações a respeito da maconha destinadas aos
usuários, é o caso dos blogs Hempadão e Ecologia Cognitiva, entre muitos outros que se
encontram na rede atualmente.
Em 2002, realiza-se a primeira Marcha da Maconha no Brasil, no Rio de Janeiro,
movimento que volta a acontecer nos anos seguintes em Recife, Rio de Janeiro, Porto Alegre
e São Paulo. No entanto, o movimento só vai se consolidar em 2006, quando o Coletivo da
Marcha da Maconha no Brasil é criado e o evento se expande também a Curitiba e
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Florianópolis. Porto Alegre, que participou da edição anterior, teve a marcha proibida em
2007. Em 2008, o grupo tentou realizar a passeata em dez capitais brasileira (Cuiabá,
Curitiba, Belo Horizonte, João Pessoa, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São
Paulo), além da capital federal, Brasília. Mas, a marcha foi proibida nacionalmente, sendo
realizada somente em Porto Alegre e Recife onde o grupo conseguiu um habeas corpus
preventivo.
Em 2009, o grupo novamente organizou a marcha, desta vez em 14 cidades, em
algumas delas houve problemas com a Justiça, mas foram resolvidos e a marcha aconteceu,
sendo que somente em duas delas o Ministério Público proibiu (São Paulo e João Pessoa).
Belo Horizonte, Brasília, Florianópolis, Natal, Porto Alegre, Recife e Rio de Janeiro
realizaram a marcha em 2010 sem problemas com a Justiça. Em Salvador e São Paulo ela foi
novamente proibida, mas aconteceu mesmo assim, já em Fortaleza, os manifestantes não
foram à rua com a proibição. A marcha, que acontece mundialmente no mês de maio, ocorreu,
em 2011 nas capitais: Belo Horizonte, Rio de Janeiro,Vitória, São Paulo, Curitiba, Porto
Alegre, Recife, Brasília, Florianópolis, Fortaleza, Natal, Salvador e ainda em quatro cidades
do interior: Atibaia (SP), Niterói (RJ), Jundiaí (SP) e Campinas (SP). Em Recife, São Paulo,
Salvador e Campinas a marcha foi proibida, mas ainda assim os manifestantes destas cidades
foram às ruas, manifestando-se a favor da liberdade de expressão. (Site da MARCHA DA
MACONHA NO BRASIL, 2011)
Juntamente a esse movimento algumas figuras importantes na política nacional se
uniram aos já militantes da causa, dentre eles vale destacar a participação do ex-presidente do
Brasil, Fernando Henrique Cardoso, de Marta Suplicy, Paulo Teixeira, Sergio Cabral e dos
ministros Carlos Minc, Tarso Genro, Juca Ferreira e Gilberto Gil. Outro elemento importante
é a criação da Comissão Latino Americana Sobre Drogas e Democracia, da Comissão Global
sobre Políticas de Drogas e da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia que reune
políticos, intelectuais e especialistas nas áreas de saúde, direito, economia, finanças,
jornalismo, segurança pública, ciência, religiões, artes, esportes e movimentos sociais.3 Os
estudos destes três grupos obtiveram conclusões semelhantes que podem ser observadas na
conclusão do trabalho apresentado pela comissão brasileira:
3 Retirado da página do grupo na internet http://cbdd.org.br/pt/
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(...) alcançar um mundo sem drogas, como proclamado pela ONU em 1998, revelou-
se um objetivo ilusório. A produção e o consumo clandestinos mantêm-se apesar do
imenso esforço repressivo. Além dos cultivos, uma nova geração de drogas sintéticas
espalhou-se mundo afora. O estigma dificulta a prevenção e o tratamento, que são
fundamentais. Contribui, na prática, para um afastamento de parcelas da juventude das
instituições públicas. Os altos ganhos do negócio ilícito reforçam o crime organizado
e a corrupção, gerando situações insustentáveis, no Brasil e internacionalmente. (Site
da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia, 2011)
Vale notar a participação nas comissões nacional e latino americana, de João Roberto
Marinho, vice-presidente editorial das Organizações Globo, responsável pelo direcionamento
estratégico das empresas, pelas relações institucionais e pela sua orientação editorial. È
também vice-presidente da Associação Nacional de Jornais e da Associação Brasileira de
Rádios e Televisão. (site da COMISSÃO BRASILEIRA SOBRE DROGAS E
DEMOCRACIA e da COMISSÃO LATINO AMERICANA SOBRE DROGAS E
DEMOCRACIA, 2011)
Pode-se notar, então, grandes mudanças históricas sobre o consumo da maconha que
estão diretamente relacionadas como o modo pelo qual a sociedade encara este uso. A
imprensa compõe um dos lugares de força na sociedade muito importante na legitimação de
valores, normas de condutas, etc. Então, qual o papel da imprensa, notadamente da Rede
Globo, na manutenção e na transformação desses discursos? Como o discurso que ela produz
sobre o uso da cannabis está marcado pelos vários outros discursos construídos histórica e
socialmente? Essas são as perguntas que este trabalho pretende responder e, para isso,
também é necessário entender este novo campo que surge juntamente com o capitalismo: a
imprensa, seu funcionamento e os seus profissionais.
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Capítulo II - O Jornalismo na TV: Informação, construção e poder
Neste capítulo serão abordados diversos aspectos do jornalismo, visando compreender
qual o lugar de força que ele ocupa na sociedade e, a partir deste lugar, como ele é capaz de
dizer às pessoas sobre o que pensar e como pensar e a sua responsabilidade na construção da
realidade através das notícias. Será dado ênfase principalmente ao meio televisivo, já que é
sobre ele que se desenvolve esta pesquisa e, em especial, a Rede Globo e aos produtos
informativos veiculados nos programas Jornal Nacional e Fantástico que são o objeto deste
estudo.
A importância deste capítulo é entender como se dá a construção da notícia, quais os
valores utilizados nesta construção, como esses valores ajudam a manter ou modificar as
representações construídas através da história e da própria mídia, e quais são as relações de
poder dentro da própria instituição jornalística responsável por esses enquadramentos. Assim
feito será possível compreender o lugar de força que a Rede Globo ocupa na sociedade e,
consequentemente, o seu papel na construção das representações e dos estereótipos.
2.1. O papel da imprensa
O jornalismo, como conhecemos hoje, é uma atividade que surgiu no século XIX,
ligada à teoria democrática e a um crescente interesse das pessoas de saberem o que estava
acontecendo ao redor delas. Tendo essa função, o jornalismo logo passa a ser um negócio
lucrativo. Como aponta Nelson Traquina (2005), ela deixa então de ser produto para
manifestar uma posição política, e passa a procurar mostrar o que acontece de importante e
interessante na cidade, no país e no mundo, resumindo, o jornalismo passa a vender a
informação como um produto.
Na busca pela informação, os jornalistas acabam por adquirir outro papel importante,
assumindo uma dupla função de mostrar aos governantes as necessidades da população e de
mostrar à sociedade as ações e irregularidades dos seus governantes. Passam, portanto, a
prestar um serviço à sociedade.
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(...) Segundo o historiador George Boyce, a imprensa atuaria como um elo
indispensável entre opinião pública e as instituições governantes (Boyce, 1978:21). Os
jornais eram vistos como um meio de exprimir as queixas e injustiças individuais e
como uma forma de assegurar a proteção contra a tirania insensível. (TRAQUINA,
2005, p. 47)
Para diferenciar este novo jornalismo do jornalismo político opinativo que existia até
então e para aproximar-se da informação, surgem valores que irão guiar a construção da
notícia, são eles: verdade, independência e objetividade. Portanto a atividade jornalística
preza pela busca da verdade, pela independência política ideológica e pela objetividade dos
fatos.
Esses valores são de extrema importância para o acordo tácito estabelecido entre os
jornalistas e os consumidores da notícia. É acreditando no jornalismo como reflexo do real e
na sua imparcialidade, que a sociedade passa a dar credibilidade a ele, encarando a notícia
como a realidade transmutada para as páginas dos jornais, para o rádio ou para a televisão.
(GUERRA, 2003)
Assim o jornalismo passa a ocupar um importante papel na sociedade, como mediador
entre o poder público e a população e responsável por informar as pessoas sobre o que
acontece. Essas pessoas acreditam que a notícia é um discurso verdadeiro devido ao
compromisso ético de imparcialidade, objetividade e da busca pela verdade, estabelecido
pelos meios em contrapartida a esta confiança depositada nos noticiários. (TRAQUINA,
2005) (GUERRA, 2003)
O papel do jornalismo torna-se então relevante. Mas será que o jornalismo reflete
mesmo a realidade? Percorrendo as teorias do jornalismo, é possível encontrar diferentes
respostas para essa pergunta, de acordo com os períodos históricos e com a visão de cada
grupo. Levaremos em consideração as teorias construcionistas, especialmente a teoria
interacionista, que acredita que a notícia não é um reflexo do real, pois:
(...) é impossível estabelecer uma distinção radical entre realidade e os media
noticiosos que deve “refletir” essa realidade, porque as notícias ajudam a construir a
própria realidade. Em segundo lugar, defende a posição de que a própria linguagem
não pode funcionar como transmissora direta do significado inerente aos
acontecimentos, porque a linguagem neutral é impossível. (TRAQUINA, 2005, p.
168-169)
38
2.1.2. Construindo a realidade
Dentro da perspectiva construcionista, encarando a notícia como uma construção da
realidade, seremos guiados pela teoria interacionista, que enxerga, como sublinha Traquina,
que a notícia constrói e não reflete a realidade, porque ela é “o resultado de processos
complexos de interação social entre agentes sociais: os jornalistas e as fontes de informação;
os jornalistas e a sociedade; os membros da comunidade profissional, dentro e fora da sua
organização.” (TRAQUINA. 2005, p.173)
Ao mesmo tempo em que as construções jornalísticas são influenciadas pelo meio
sócio-histórico-cultural em que se encontram, o conteúdo das matérias sofre influências,
principalmente, de forças organizacionais dentro da instituição jornalística. É através das
rotinas estabelecidas que o jornalista será guiado na construção da realidade na notícia. É por
exemplo, na escolha da fonte, ou no recorte de sua fala, que o jornalista atribui um
determinado sentido a um tema.
(...) É que cada notícia afeta potencialmente a capacidade dos jornalistas no
desempenho da sua atividade diária, atinge também sua competência profissional
diante dos superiores e tem influência ainda nos lucros da empresa.
Os procedimentos adotados pelos jornalistas para se defenderem dessa pressão
constante podem estar relacionados com um dos mitos da atividade jornalística: a
objetividade. (VIZEU, 2000, p.120)
Este sentido estará marcado pela visão que o jornalista tem da profissão e do que é
notícia, pelo desejo de progressão na carreira e pelos constrangimentos organizacionais da
empresa, que podem se manifestar através da pressão do tempo disponível para a realização
da matéria, do posicionamento editorial do jornal para o qual trabalha, na dependência das
organizações com os canais de rotina (conferências de imprensa, tribunais, etc.), ou entre a
negociação entre o jornalista e a fonte.
(...) Muitas vezes o trabalho jornalístico realiza-se em situações difíceis, marcadas por
múltiplas incertezas. O trabalho jornalístico é condicionado pela pressão das horas de
fechamento, pelas práticas levadas a cabo para responder às exigências da tirania do
fator tempo, pelas hierarquias superiores da própria empresa, e, às vezes o(s)
próprio(s) dono(s), pelos imperativos do jornalismo como um negócio, pela brutal
competitividade, pelas ações de diversos agentes sociais que fazem a “promoção” dos
39
seus acontecimentos para figurar nas primeiras páginas dos jornais ou na notícia de
abertura dos telejornais da noite. (TRAQUINA, 2005, p.25)
No entanto não podemos deixar de considerar, embora haja uma constante negociação,
bem como valores e regras que guiam o fazer jornalístico, que o repórter é um participante
ativo na construção da notícia, já que será ele quem ira definir quais elementos que devem ou
não entrar no texto, em ultima instância, possuindo uma “autonomia relativa”, como designa
Traquina.
Os jornalistas são participantes ativos na definição e na construção das notícias, e, por
consequência, na construção da realidade. Há alguns momentos, ao nível individual,
durante a realização de uma reportagem ou na redação da notícia, quando é decidido
quem entrevistar ou que palavras serão utilizadas para escrever a matéria, de mais
poder consoante a sua posição na hierarquia da empresa, e coletivamente como
profissionais de um campo de mediação que adquiriu cada vez mais influência com a
explosão midiática, tornando evidente que os jornalistas exercem poder.
(TRAQUINA, 2005, p. 26)
Mas o principal aspecto que diferencia a teoria interacionista das demais é acreditar
que a notícia é construída através da negociação que os jornalistas realizam com os agentes
sociais que brigam pela sua atenção, e que as rotinas criadas pelos jornalistas colaboram para
que elas privilegiem determinados segmentos. No entanto, esta linha teórica admite que os
agentes sociais que não dispõem de um “acesso habitual” às empresas jornalísticas possam se
mobilizar de forma a aparecer na cena dos meios de comunicação.
Tuchmam observa, como sinaliza Traquina, que para dar conta de cobrir os
acontecimentos as empresas jornalísticas tem que ocupar os espaços onde os acontecimentos
podem acontecer, para a autora é como uma teia que a empresa estende para poder
transformar os acontecimentos em notícia. Assim, por exemplo, para noticiar as estufas de
maconha para uso medicinal, em Israel, é necessário que a Rede Globo tenha uma equipe
jornalística que cubra a região para que os fatos dali possam ser noticiados no Brasil.
Traquina aponta que Molotch e Lester identificam três categorias presentes no jogo
jornalístico, são elas: os promotores de notícias, que identificam eventos como ocorrências
especiais (os agentes sociais e agencias de notícia); os que transformam o evento um
acontecimento noticiável (os jornalistas) e os consumidores desses acontecimentos (o
público).
40
Os autores assinalam também que esses agentes sociais estão em concorrência para
participarem da construção da notícia e que órgãos oficiais e instituições de autoridade
tendem a ter acesso habitual às mídias, já que a autoridade da fonte dá mais credibilidade ao
jornal. Estas técnicas utilizadas pelos jornalistas na construção da notícia acabam por
privilegiar determinadas representações construídas por esses agentes habituais, já que a
reiteração constante deste modo de ver as coisas acaba por torná-la como normal. Gaye
Tuchman então observa que os grupos que não fazem parte deste consenso são vistos como
marginais, e o acesso privilegiado dessas fontes ao jornalismo faz com que ele ajude a
legitimar o status quo. (TUCHMAN apud TRAQUINA, 2005, p.198)
Apesar de considerar a existência de uma dependência do jornalismo destas fontes
habituais, os autores acreditam que os movimentos sociais com poucos recursos necessitam
de mais criatividade para chamar atenção da mídia, mas que a possibilidade disto acontecer
existe e depende da sua capacidade de organização. Notam que este acesso geralmente
acontece por meio de disrupções, ou seja:
(...) aqueles que não têm acesso regular ao campo jornalístico, precisam “de „fazer
notícia‟, entrando em conflito, de qualquer modo, com o sistema de produção
jornalística, gerando surpresa, o choque ou qualquer forma latente de agitação. Assim,
os poucos poderosos perturbam o mundo social para perturbar as formas habituais de
produção de acontecimentos” (TRAQUINA, 2001, p. 29)
As técnicas identificadas como método para se alcançar a objetividade, como
apresentar dois lados do caso, a obtenção de provas auxiliares e a citação da fala das pessoas
serão importantes na construção da notícia. Os autores desta teoria salientam que é não só
através da interação das fontes, mas que os próprios jornalistas, enquanto comunidade
profissional,são determinantes na fabricação a notícia. Eles apontam que os jornalistas levam
muito em consideração a opinião de outros jornalistas e que a notícia é construída através de
diversas interações entre eles. É o que observa Alfredo Eurico Vizeu Pereira Jr., no livro
Decidindo o que é notícia. Ao acompanhar a rotina dos editores de texto do telejornal RJTV1
o autor nota que:
Outra característica do processo produtivo da informação é que a noticiabilidade de
uma notícia é constantemente negociada: o editor chefe negocia com a subchefia de
reportagem e com os editores de texto os fatos que podem ser noticiáveis. (VIZEU,
2000, p. 118)
41
É possível observar ao acompanhar o desenvolvimento destas teorias até aqui, que as
rotina jornalísticas irão privilegiar as fontes oficiais de informação, mas também que agentes
sociais de força menor, como as organizações que defendem a descriminalização, conseguem
utilizar de estratégias que chamam a atenção da mídia para o seu enquadramento. Ainda é
importante notar a participação de importantes figuras políticas que têm ajudado a chamar
atenção da mídia para esta outra realidade possível de ser construída. É o caso da declaração
da Comissão Latino Americana sobre Drogas e Democracia dada pelo ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso, figura que, por ser uma personalidade pública, acaba por chamar atenção
dos meios de comunicação ao tema, fazendo com que este novo enquadramento seja
possibilitado e veiculado pela Rede Globo . A participação desses agentes poderá ser melhor
observada no terceiro capítulo com a análise do discursos das matérias e, consequentemente,
das fontes.
Traquina (2005), ressalta a participação do jornalismo na construção dos estereótipos,
já que os próprios critérios de valores-notícias decorrem da ideia de consenso da sociedade,
bem como também ajudam a construir esta ideia de consenso, partindo pela noção de unidade
(nação, sociedade), e negando as diferenças estruturais entre os grupos, ganhando significado
político.
Os valores-notícia são, de fato, um código ideológico”. (Hartley, 1982:80). O
acadêmico britânico Stuart Hall refere-se aos valores notícias como um “mapa
cultural” do mundo social. (...) Na terminologia de Stuart Hall, os valores notícias
operam como uma “estrutura profunda”, que esta escondida – as noções consensuais
sobre o funcionamento da sociedade que ajudam a marcar as fronteiras entre o
“normal” e “desvio”, entre o “legitimo” e o “ilegítimo”. Hall (1984) escreve : “Parece
que estamos lidando como uma “estrutura profunda”, cuja função como mecanismo de
seleção é invisível mesmo para aqueles que profissionalmente têm que operar com ela.
(TRAQUINA, 2005, p. 86-87)
Outro fator no trabalho jornalístico que contribui para a criação de estereótipos é a
busca pelo enquadramento que transmite harmonia. “Neste tipo de cobertura constrói-se um
enorme lote de conhecimentos estereotipados para garantir visualmente „a eterna repetição‟
dos mesmos elementos sempre que transpira cada „novo‟ acontecimento”. (TRAQUINA,
2005, p.75) E é através dos estereótipos criados pelo grupo dominante da sociedade e
reiterados constantemente pela mídia, que o uso da maconha passou a ser visto como crime,
conceituado como desvio, servindo a mídia, mais uma vez, para reiterar os valores e manter a
ordem em que as coisas se encontram.
42
Uma das funções chaves que os media desempenham é a manutenção das fronteiras
do legítimo e do aceitável numa sociedade. (SHOEMAKER e REESE, 1996: 225) Os
meios jornalísticos são, conseqüentemente, uma peça fundamental na conceitualização
do desvio. Porém o desvio é algo que constantemente é redefinido e renegociado no
seios da sociedade, devido às interações simbólicas entre os seus membros. (SOUSA,
2000, p.80)
Desta maneira histórica, a maconha ficou marcada pelo estereótipo criado para conter
determinados setores da população e reafirmados constantemente pelos meios de
comunicação, que têm como uma das principais funções a manutenção das fronteiras do
legítimo e do aceitável numa sociedade. Jorge Pedro Souza também confirma esta função do
jornalismo de produção de sentido:
Os meios noticiosos conferem notoriedade pública a determinadas ocorrências, ideias
e temáticas, que representam discursivamente, democratizando o acesso às
(representações das) mesmas e tornando habitual (ritual?) o seu consumo. Os meios
jornalísticos contribuem para dotar essas ocorrências, ideias e temáticas de
significação, isto é, para que seja atribuído um determinado sentido, embora a
outorgação ultima de sentido dependa do consumidor e das várias mediações sociais
(escola, família, grupos sociais em que o individuo se integra, etc.) (SOUSA, 2000,
p.21)
Jorge Pedro Souza acredita que outros fatores estão presentes na construção da notícia
como realidade, além das interações sociais entre jornalistas e fontes e entre os profissionais
da área jornalística, ele aponta também a ação histórica das realidades que já foram
construídas através do tempo, da cultura em que a matéria é produzida, a ação dos meios
físicos e tecnológicos em que as notícias são fabricadas, a ação pessoal, ou seja, do
posicionamento do jornalista, influenciado pela sua formação pessoal e a forma como ele
organiza e prioriza as informações e de uma ação ideológica, mesmo que inconsciente, que
leva os jornalistas a reproduzirem as construções simbólicas existentes, desempenhando um
importante papel na “manutenção das fronteiras entre o legítimo e do aceitável em uma
sociedade”. (SOUSA, 2000, p.80)
O que se pode concluir é que todos esses fatores que pesam ao repórter, consciente ou
inconsciente, devido às pressões do dead line, dos superiores ou da sociedade historicamente
construída, influenciarão o resultado final da notícia, e ela, influenciará os seus consumidores.
As pessoas estão interessadas em saber das notícias sobre os fatos, como ferramenta que lhes
permita interações sociais, por lhes possibilitarem uma vivência comum, na qual partilhem os
43
conhecimentos e os significados. Para isso, elas usam o jornalismo, como forma de se
manterem conectadas ao mundo dos acontecimentos importantes e interessantes. Com isso o
jornalismo diz as pessoas sobre o que pensarem e, de acordo com a série de escolhas que os
jornalistas fazem ao construir a notícia, enquadrando-a, o jornalismo pode, também, dizer as
pessoas como pensarem. Ai está outro importante poder do jornalismo.
2.1.3 Sobre o que pensar e como pensar
Interessados em descobrir qual o efeito que os meios informativos tem de influenciar a
opinião pública Maxwell McCombs e Donald Shaw chegam a conclusão de que a mídia tem
um importante poder de
(...) influenciar a projeção dos acontecimentos na opinião pública confirma o seu
importante papel na figuração da nossa realidade social, isto é, de um pseudo-
ambiente, fabricado e montado quase completamente a partir dos mass mídia.
(MCCOMBS e SHAW apud TRAQUINA, 2001, p. 14)
O que eles verificaram, segundo Traquina (2001), foi que os meios de comunicação
noticiosos agendam nas pessoas os temas sobre os quais elas falarão e discutirão. A este
conceito chamaram de agenda-setting, ou agendamento, e distinguem três tipos de agenda: a
midiática, que é conteúdo que os midia noticiam; a agenda pública, que são os temas
considerados importantes pelo público; e a agenda governamental que são os temas a que as
entidades governamentais dão importância.
A hipótese do agendamento sustenta que as pessoas agendam seus assuntos e suas
conversas em função dos que os media veiculam. Ou seja, os media, pela disposição e
incidência de suas notícias, vêm determinar os temas sobre os quais o público falará
ou discutirá. (VIZEU 2000, p. 75)
Assim eles verificam que a agenda midiática ira influenciar diretamente as pessoas
sobre o que pensarem, ao dar importância a determinados acontecimentos, noticiando-os,
priorizando-os e, muitas vezes, repetindo-os, a mídia estará incluindo o tema entre aqueles
que comporão as conversas públicas e que serão tidos como importantes pelas pessoas. Notam
também que a agenda pública também influencia a agenda midiática, só que de maneira mais
lenta, o tema de interesse público vai através do tempo adquirido critérios de noticiabilidade.
44
A agenda política governamental vai influenciar a agenda midiática, já que, como foi visto
anteriormente, eles são os responsáveis por promover muitos acontecimentos a notícias, tendo
acesso habitual aos meios noticiosos.
(...) os atributos enfatizados pelo campo jornalístico podem influenciar diretamente a
direção da opinião pública. Tanto na seleção das ocorrências e/ ou das questões que
constituirão a agenda, como a seleção dos enquadramentos para interpretar essas
ocorrências e/ou questões são poderes importantes que o conceito de agendamento
identifica depois de mais de vinte anos de vida intelectual. Assim, a inversão do
conceito está na sua redescoberta do poder do jornalismo. (TRAQUINA, 2001, p. 43)
É importante ressaltar, no entanto, que esses efeitos de agendamento irão depender do
nível de exposição que essas pessoas têm aos meios noticiosos e do conhecimento delas
acerca do tema veiculado e a necessidade de compreendê-lo. E que as relações interpessoais
serão importantes para o sentido último atribuído à informação recebida. Porém ressaltam
também que, muito além de dizer ao público sobre o que pensar, os meios de comunicação, ao
privilegiarem um determinado aspecto de um tema em detrimento de outros, estará também
orientando as pessoas a como pensarem naquilo, através do seu enquadramento.
Logo, ao “sistematizar, organizar, classificar e hierarquizar a realidade” (VIZEU,
2008, p.7) o jornalismo irá conduzir o consumidor da informação no processo de
compreensão desta realidade. Isto significa que, ao selecionar determinadas informações que
irão constituir o texto, ele estará dizendo o que, de determinado assunto, o público deve saber
e, automaticamente, excluindo o que considera irrelevante para ele. Este processo chama-se
enquadramento e, através dele, é possível ao jornalista dizer ao público de que maneira pensar
aquele fato.
Por trás de uma câmera está o olhar de um cinegrafista. A matéria jornalística é uma
história contada pela ótica do repórter, com as imagens captadas pelo cinegrafista. Na
edição, o jornalista faz escolhas, optando por uma e não por outra cena, por este e não
por aquele trecho da resposta do entrevistado. A TV é edição, é recorte, é fragmento.
O desafio de quem trabalha nela é escolher certo, com responsabilidade, critério, ética
e, principalmente, honestidade. Existe imparcialidade jornalística? É claro que não. A
ótica do jornalista, do cinegrafista, do fotógrafo, do diretor da empresa e dos interesses
que ela representa, sempre estarão de algum lado. (PORCELLO, 2008, p.51)
Assim ao abordar determinado tema a mídia estará incluindo-o entre os assuntos que
poderão ser discutidos pelo público e que farão parte das conversas interpessoais. E ao
45
enquadra-lo de uma determinada maneira, estará levando aquela versão da realidade ao
público. É importante observar que a notícia, que inevitavelmente sofre um enquadramento,
será fundamental no sentimento de unidade social, como ressalta Vizeu:
(...) as notícias têm como incumbência a construção da coesão social. Elas permitem
às pessoas ficarem sabendo o que acontece em volta delas para tomarem atitudes e,
através de suas ações, construir uma identidade comum. (VIZEU, 2000, p. 65)
Os meios de comunicação exercerão esses efeitos de acordo com o tipo de veiculo que
utilizam e do público que atingem. A televisão, por exemplo, utiliza-se de imagens para
reforçar a ideia daquilo que é dito, dando a sensação de estar presente ao acontecimento, de
assisti-lo pessoalmente, no entanto o curto tempo das matérias pode não dar ao telespectador
uma ideia completa sobre o tema. É nas especificidades deste meio que nos ateremos agora, a
fim de compreendermos os efeitos específicos da sua rotina na construção do que noticiam,
bem como o seu poder frente ao telespectador.
2.2 O Telejornalismo
De maneira geral, o fazer jornalístico obedece a regras comuns em todos os meios, no
entanto cada um deles possui particularidades, no que diz respeito a linguagem utilizada por
exemplo, assim como os formatos que a mídia comporta. Assim, o jornal impresso é
composto de texto e imagens estáticas, o rádio se utiliza da oralidade para noticiar. A
principal característica que distingue a televisão dos outros medias é a imagem em movimento
que, associada à oralidade e aos efeitos de som compõem a linguagem televisiva.
A imagem pressupõe a “reprodução análoga do mundo concreto”, possibilitando ao
telespectador ter a sensação de estar presente no local onde as coisas acontecem, muitas vezes
ao mesmo tempo em que as coisas acontecem. Assim Guilherme Jorge de Rezende observa
que a televisão solucionaria os três problemas fundamentais da comunicação: o do tempo, por
meio do imediatismo, o do espaço, pela instantaneidade e o do símbolo, pela universalidade
da linguagem visual. (REZENDE, 2000, p.39)
Nessa medida, por mais que a mensagem transmitida pela TV seja banal, superficial e
esquemática, sua complexidade semiótica é sempre grande. Tudo se dá ao mesmo
tempo: som, verbo, imagens que podem adquirir feições as mais diversas e
46
multifacetadas, além do ritmo, dos cortes, junções, aproximações e distanciamentos
que provavelmente se constituem num dos aspectos mais característicos dessa mídia.
(SANTAELLA apud REZENDE, 2000, p. 45)
Ao ver as imagens do acontecimento o telespectador tem mais confiabilidade na
informação, acreditando estar ele mesmo presenciando o acontecimento. Não percebe, porém,
que o posicionamento da câmera, o close ou o plano geral, assim como a seleção das imagens
que comporão a notícia, em detrimento de outras, já é uma forma de manipulação dos
acontecimentos. A notícia é então a descontextualização e recontextualização dos fatos,
tirando-os da situação real em que eles acontecem e transformando-as de acordo com a lógica
e as técnicas do telejornal.
Todas as fases anteriores à produção e captação funcionam no sentido de
descontextualizar os fatos do seu quadro social, histórico, econômico, político e
cultural em que são interpretáveis. Os fatos se submetem às exigências das rotinas de
produção do jornalismo.
Na edição, dá-se justamente o contrário, recontextualizam-se os fatos num quadro
diferente, dentro do formato estabelecido pelo telejornal. (VIZEU, 2000, p. 123)
A imagem, no entanto, não esta sozinha na TV, e para que ela tenha um sentido serão
necessárias palavras que complementem essas imagens. Assim, ao construir a notícia para a
televisão é necessário pensar sempre conjuntamente palavra e imagem de forma que elas se
unam para compor o sentido da notícia.
Todas essas reflexões encaminham-se à conclusão de que apesar de ter no código
icônico o componente básico de sua linguagem, a TV não pode prescindir do verbal.
A palavra “‟ancora‟ o visual, completando-o, ambiguizando-o ou desambigüizando-o.
(REZENDE, 2000, p. 47)
Outra característica peculiar do jornalismo na TV é a transformação do jornalista em
uma figura conhecida do público, que cria confiança e simpatia aos jornalistas que veem,
muitas vezes diariamente, na sua TV. Assim, por exemplo, ao pensar no Jornal Nacional, o
telespectador o associa diretamente a Willian Bonner e Fátima Bernardes, e, ao pensar em
reportagens que mostram diferentes culturas, podem pensar em Zeca Camargo ou Gloria
Maria.
A TV quebra a impessoalidade do jornal impresso e cria personagens que ficam
familiares ao público como repórteres, apresentadores, comentaristas, âncoras,
47
testemunhas, entrevistados, etc. a imagem deles se torna familiar e entra no rol das
pessoas conhecidas e tem suas declarações reproduzidas no cotidiano. (BARBEIRO &
LIMA, 2002, p. 16)
Assim como os jornalistas se tornam figuras familiares do público, aparecer em uma
reportagem também pode trazer notoriedade pública e muitos benefícios a algumas fontes.
Logo, as constantes disputas dos agentes sociais e das personalidades públicas, já existentes
em outros meios, para fazerem parte da notícia, se intensificam na televisão.
Na televisão, os constrangimentos organizacionais, sempre importantes na construção
da notícia, também se intensificam. O tempo para se produzir a notícia é mais curto, o espaço
(tempo) destinado a sua veiculação também é limitado, mas, como é neste meio que há os
maiores investimentos de publicidade e onde se dá o maior consumo de informação pelo
público é, consequentemente, em que se gera maiores lucros e as maiores pressões
ideológicas.
Ao estudar o processo de construção das notícias nos telejornais fica bastante clara a
constante negociação entre os jornalistas para a conformação da notícia. O diretor de
jornalismo, responsável pela linha editorial da emissora, o editor-chefe responsável pelo
telejornal, a produção que coordena o processo de confecção do telejornal, o pauteiro que
planeja as matérias, os editores de texto e de vídeo e o repórter, todos terão participação no
resultado final da matéria, que acontecerá a partir da interação entre eles. Vizeu observa que a
opinião dos colegas é um importante guia para o jornalista.
Ainda com relação às rotinas diárias dos jornalistas, observamos que o mundo dos
jornalistas é muito auto-referencial. Ou seja, a primeira preocupação deles na edição
de uma matéria, na redação de uma cabeça é a opinião dos seus colegas. Essa
preocupação com o público interno acaba servindo também como uma forma de
controle social na redação (Darnton, 1995, p.85). Nas reuniões após o telejornal, era
muito comum o editor-chefe fazer comentário sobre uma ou outra matéria. (VIZEU,
2000, p. 125-126)
Esses constrangimentos estão sempre presentes na atividade jornalística, no entanto,
em casos como a reportagem o fator tempo, por exemplo, pode deixar de exercer uma pressão
tão grande, já que para realizar uma matéria fria os jornalistas podem disponibilizar mais
tempo para a pesquisa e produção sem que esta perca sua atualidade.
48
Os valores-notícias são exemplos de técnicas criadas pelos jornalistas na identificação
do que deve ser noticiado e, influem diretamente na construção do telejornal, já que é através
da utilização destes valores que serão selecionados os assuntos da pauta do telejornal, com o
que há de mais importante e interessante, segundo esses critérios.
(...) um elemento fundamental das rotinas produtivas, a substância escassez de tempo
e de meios, acentua a necessidade dos valores/notícia que dessa forma estão
imbricados em todo o processo de edição. Ou seja, não se pode entender os critérios
de seleção só como uma escolha subjetiva do jornalista, mas como um componente
complexo que se desenrola ao longo do processo produtivo. Critérios esses que estão
relacionados com a própria noticiabilidade do fato. (VIZEU, 2000, p. 118)
Ao trabalhar com o texto o jornalista irá elaborar a notícia através da seleção e
combinação de ideias. Essas ideias, como já foi visto, devem estar respaldadas em pessoas,
documentos ou algo que comprove a sua veracidade, portanto estão apoiadas nas formações
discursivas externas ao meio jornalístico, e a notícia será resultante dessas formações
utilizadas na sua construção.
Esse trabalho de operação não se dá apenas no campo restrito do código, uma vez que
o sujeito se defronta com outros códigos – ou outros discursos – de que empresta
também para a constituição de suas unidades discursivas. Do trabalho de operar com
vários discursos resultam construções, que, no jargão jornalístico, podem ser
chamadas de notícias. (VIZEU, 2000, p. 57)
Mas, do que adiantaria aparecer na TV se ninguém assistisse? O que faz da TV um
elemento de coesão da sociedade brasileira é, sem duvida, o seu alcance. A televisão
atualmente no Brasil está em praticamente todos os lares brasileiros, e as emissoras
conseguem atingir todo o país. É através da televisão que a maior parte da população
brasileira se mantém informada, atingindo um amplo público de todas as idades e classes
sociais (REZENDE, 2000) (VIZEU, 2008). A televisão ocupa importante papel na nossa
sociedade. Desde que surgiu ela foi revolucionando a vida das pessoas e constituindo-se como
um importante elemento da vida cotidiana, influenciando a forma como as pessoas organizam
suas atividades diárias, estabelecendo modas e padrões de conduta e tornando-se o principal
veiculo de comunicação do país.
No Brasil, existiam em torno de 60 milhões de aparelhos de TV em 2002, sendo que,
para 40% da população brasileira a televisão é a única fonte de informação. De acordo
com a pesquisa Ibope, o telespectador brasileiro assiste, em média, à três horas e meia
de televisão por dia. (VIZEU, 2008, p. 50)
49
Logo, seja devido ao seu amplo alcance tanto territorial quanto de público, seja na
utilização da imagem que dá a ilusão ao telespectador de estar presenciando a realidade, a
televisão é um importante instrumento de difusão de informações e de ideias, capaz de ditar
costumes e de pautar as relações interpessoais.
2.2.1 - A Rede Globo
A Rede Globo de Televisão entrou no ar pela primeira vez em 1965. Foi criada pelo
empresário da área de comunicação, Roberto Marinho, um dos donos do jornal o Globo e,
através de um acordo feito com a empresa norte americana Time-Life, a empresa obteve os
apoios financeiro e técnico necessários para a sua implantação e sucesso. Esse acordo feria as
leis brasileiras que proibiam a participação de empresas estrangeiras em direitos de
propriedade sobre os meios de comunicação. Mas a emissora escapou imune aos inquéritos
sobre a irregularidade e logo passou a ser uma importante concorrente das então existentes
TV Tupi, TV Excelsior e a TV Record. (Simões e Mattos, 2005), (Mattos, 2000)
Com maior estrutura tecnológica administrativa e financeira, o direcionamento da
programação às camadas mais baixas da população e investimento em programas nacionais, a
empresa foi se consolidando. Surgida no período da ditadura militar, ela também se
beneficiou do incentivo do governo para a compra de aparelhos televisivos e da sua estratégia
de unificação nacional com a ligação de todo o Brasil através de microondas. Foi com essa
tecnologia implantada pelo governo militar que, em 1969, foi ao ar o primeiro programa a
nível nacional, pela Rede Globo, o Jornal Nacional.
A Rede Globo é apontada como o principal grupo beneficiado por essa política de
integração nacional. Era uma relação de parceria, enquanto o Estado investia em infra
estrutura para possibilitar a distribuição massiva da programação, a Rede Globo
tornou-se uma espécie de porta-voz do regime militar. (SANTOS e CAPPARELLI,
2005, p.79)
É na década de 70 que a empresa vai crescer e se consolidar como a principal empresa
de comunicação do país. Com a maior parte da programação produzida pela própria empresa,
a fixação de horários para a exibição de programas, o afastamento do estilo radiofônico,
implementando uma linguagem que unisse imagem e som, o investimento nas telenovelas e
50
nos produtos telejornalísticos, a implementação da tecnologia da TV à cores, unidos à crise
financeira e legal que as emissoras concorrentes vinham enfrentando, a Rede Globo assume o
posto que ocupa até hoje de empresa líder de audiência do país.
A Globo tem historicamente ostentado grande capacidade de concentração de poder
possui a maior participação na audiência, recebe a maior parte da verba publicitária,
conta com a maior rede de distribuição de sinais e é , de longe a maior produtora de
conteúdo audiovisual do país. (SIMÕES e MATTOS, 2005, p. 50)
Mesmo com o fim da ditadura militar a empresa conseguiu se manter na liderança da
audiência através da constante atualização tecnológica, do desenvolvimento de formatos de
programas de sucesso, da imposição do “padrão globo de qualidade”, do investimento em
programas que atendessem um vasto público alvo e da afiliação de uma inúmera quantidade
de retransmissoras por todo o país que, em 2005, possuía “5 geradoras próprias, 96 geradoras
afiliadas, 19 retransmissoras próprias e 1.405 retransmissoras afiliadas” (SANTOS &
CAPPARELLI, 2005, p.85-86). Outro fator importante foi o envio de correspondentes
internacionais para cobrir determinadas regiões do mundo. Essa medida, claramente
jornalística, mostra o poder do jornalismo da emissora em estar aonde os fatos acontecem,
para passar a informação na hora em que ela acontece ao telespectador, conferindo mais
credibilidade à empresa.
Não é por acaso, no entanto, que o primeiro programa veiculado em todo o Brasil pela
emissora tenha sido um telejornal. Roberto Marinho utilizou-se dos telejornais como um
relevante produto na construção da imagem da Rede Globo. A emissora investiu no
jornalismo desde o primeiro dia de existência com a veiculação do jornal Tele Globo, que
durava meia hora e ia ao ar duas vezes ao dia. A ele se seguiram outros, como o Ultranotícias,
o Jornal da Semana e o Jornal de Vanguarda até que o departamento de jornalismo da
emissora passasse a ser comandado por Armando Nogueira, que modernizou os
equipamentos, cotratou novos profissionais e encarou a missão pioneira de criar o primeiro
telejornal exibido em todo o país, o Jornal Nacional. (BARBOSA & RIBEIRO, 2005).
É importante compreender aqui que os telejornais da emissora funcionavam também
no sentido de dar uma unidade ao povo brasileiro, assim como as telenovelas. O próprio
Roberto Marinho assume usar da influência da emissora para a construção simbólica do povo
brasileiro e do Brasil em entrevista para o The New York Times, segundo Venício de Lima:
51
Sim, eu uso o poder [da RGTV], mas eu sempre faço isso patrioticamente, tentando
corrigir as coisas, buscando os melhores caminhos para o país e seus Estados. Nós
gostaríamos de ter poder para consertar tudo o que não funciona no Brasil. Nós
dedicamos todo o nosso poder para isso. Se o poder é usado para desarticular um país,
para destruir seus costumes, isso não é bom, mas se é usado para melhorar as coisas,
como nós fazemos, isso é bom. (MARINHO apud LIMA, 2005, p.120)
Esta postura adotada pela emissora, em especial pelos seus telejornais, fica evidente
algumas vezes ao longo da história, principalmente em importantes momentos políticos do
país, como a campanha pelas diretas já, que a emissora tentou esconder até o ultimo instante
ou o polêmico caso do debate entre Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Collor de Melo para
a presidência da República, em 1989, em que a edição do debate feita pela emissora favorecia
claramente o candidato Collor. Lima aponta a participação decisiva da emissora na história do
país:
Que a televisão desfruta de enorme poder político em nossas sociedades é um fato
inquestionável da contemporaneidade. Todavia, o que distingue a Rede Globo de
Televisão (RGTV) de outras redes privadas e comerciais é não só sua centralidade na
construção das representações sociais dominantes, mas o grau de interferência direta
que passou a exercer como ator decisivo em vários momentos da história política do
Brasil nas últimas décadas. (LIMA, 2005, p. 104)
Atualmente 22% da produção própria da emissora são de telejornais, mais que as
telenovelas que somam 18% da produção. (SOUZA, 2004, p.83) São quatro telejornais
distribuídos na programação diária: Bom dia Brasil, Jornal Hoje, Jornal Nacional e Jornal da
Globo. Mais dois noticiários que vão ao ar no meio da manhã e ao fim da tarde. Além dos
jornais voltados para temas específicos como o Globo Rural e o Bem estar, de um programa
de reportagens, o Globo Repórter e uma revista eletrônica semanal que também produz
conteúdo informativo, o Fantástico. É também a central de jornalismo quem produz os
programas esportivos da emissora, que seguem o padrão informativo e compõem parte
significativa da programação da emissora.
2.2.2 O Jornal Nacional
O Jornal Nacional é o principal telejornal da emissora, assim como do país. Foi no
Jornal Nacional que as técnicas jornalísticas para televisão foram se desenvolvendo em
distanciamento do rádio, utilizando de recursos como fala das pessoas para respaldar a
matéria e explorando melhor o recurso da imagem e, principalmente valorizando o texto como
52
importante componente de significação que ira guiar o sentido das imagens. É possível
perceber isso no próprio Manual de Telejornalismo da emissora, que destaca:
Respeitar a palavra é muito importante no texto da televisão. Imprescindível, no
entanto, é não esquecer que a palavra está casada com a imagem. O papel da palavra é
enriquecer a informação visual. Quem achar que a palavra pode competir com a
imagem está completamente perdido. Ou o texto tem a ver com o que está sendo
mostrado ou o texto trai a sua função. (REDE GLOBO DE TELEVISÃO apud
REZENDE, 2000, p. 44)
O Jornal nacional é composto por características que o enquadram no gênero
telejornal, segundo a classificação de José Carlos Aronchi de Souza (2004), desde a temática,
o formato, até o cenário. É apresentado em estúdio por Fátima Bernades e William Bonner,
que chamam as matérias com as principais notícias do dia no Brasil e do mundo, selecionadas
de acordo com os critérios de noticiabilidade. Ele tem como objetivo, segundo o editor chefe e
ancora do jornal, William Bonner:
O jornal tem que ter todos os dias aquilo que acontece de mais importante no Brasil e
no mundo. Se ele tiver 40 minutos de produção, ele vai ter isso e mais uma porção de
coisas. Se ele tiver 21 e meio, ele vai ter só isso. Eu dou um jeito, diminuo a cobertura
disso e daquilo, elejo o que é jornalísticamente mais importante para dar ao repórter
(BONNER apud MEMÓRIA GLOBO, p. 294)
Itania Maria Mota Gomes (2005), aponta no seu estudo sobre o modo de
endereçamento do JN que ele funciona como importante recurso de atribuição de uma
identidade nacional, marcando suas matérias com personagens que simbolizam como
tipicamente brasileiros, assim como se baseiam nas noções de legalidade e ilegalidade e na
moral na conclusão das matérias.
Mas o caráter “nacional” do JN se funda, sobretudo, na construção de um discurso
sobre o Brasil e os brasileiros a partir da valorização da identidade nacional. O
programa se vale da exploração de tipos genuínos, do sentimento nacional e da
diversidade regional. O indivíduo comum - o trabalhador, o caminhoneiro, a dona de
casa, o empresário, o pai de família – é protagonista da maior parte das reportagens,
através da estratégia da humanização do relato. No entanto, as narrativas colocam
esses “sujeitos simbólicos” em determinadas posições sociais: o cidadão, o
consumidor, o lutador, o trabalhador, o homem honesto etc. (GOMES, 2005, p. 11)
53
O jornal se inicia com os apresentadores intercalando as chamadas das principais
matérias, com frases curtas e rápidas, olhando para a tela, como quem olha para o
telespectador, destacando furos de reportagem, matérias exclusivas e os principais assuntos do
dia. O programa é construído utilizando as técnicas do jornalismo que visam garantir a
credibilidade e a audiência. O jornal é apresentado ao vivo, o recurso de link é utilizado
constantemente para enfatizar a atualidade do programa. Os repórteres quase sempre fazem
suas passagens no local do acontecimento, mostrando ao telespectador que está lá, onde as
coisas acontecem, dando credibilidade ao jornal. Busca-se a objetividade ouvindo mais de
uma pessoa e respaldando suas matérias em especialistas e órgãos oficiais. (GOMES, 2005)
São notícias curtas, seguindo uma organização que vai das notícias mais fortes para as
mais leves, que encerram o telejornal, e que focam principalmente a região sudeste do país e a
capital federal. Tratando de temas como violência, segurança, política, econômia, emprego,
serviços (previsão do tempo, cotações da bolsa e das moedas), esporte e social, sempre
vinculadas “aos serviços públicos e ao assunto “saúde e bem-estar social”, com tons de crítica
à eficiência do Estado” (TEMER, 2002, p.9). Fatos inusitados e reportagens especiais também
têm presença constante no jornal que costuma humanizar os relatos através da utilização de
diversos recursos.
A posição social das vozes das reportagens (personagens) é construída a partir da
utilização de diversos recursos: modos de tratamento, efeitos de edição,
enquadramentos, cenários e movimento de câmera. Estes elementos também
contribuem para produzir uma maior ou menor identificação. A humanização do
relato, como estratégia privilegiada pelo JN, se vale da predominância dos
enquadramentos em close e planos fechados que evidenciam os “rostos” muitas vezes
anônimos do telejornal. (GOMES, 2005, p.13-14)
2.2.3.Fantástico
O programa dominical Fantástico surgiu em 1973, tendo na direção Augusto César
Vanucci, e até hoje se mantém líder de audiência no horário (atualmente quem dirige o
programa é Luis Nascimento) atingindo média de 30 pontos no Ibope, segundo a emissora. A
revista eletrônica semanal foi pioneira em usar toda a tecnologia disponível pela emissora,
aliando informação e entretenimento. Essa mescla nos gêneros faz com que haja divergência
entre os pesquisadores. José Carlos Aronchi de Souza, no livro Gêneros e Formatos na
Televisão Brasileira, classifica o formato revista na categoria entretenimento, muito embora
54
admita que “informação em doses bem equilibradas, com grandes reportagens e noticiário
resumido dos assuntos em pauta no Brasil e no mundo” façam parte do conteúdo do
Fantástico. (SOUZA, 2004, p.129)
Mas alguns autores, fazendo as devidas considerações à ligação dele com o gênero de
entretenimento, chegam a considerá-lo também como um programa informativo (BARBOSA
& RIBEIRO, 2005), e até classificando-o com “infotenimento”, termo criado para designar a
mescla desses dois gêneros (GOMES, 2006). Dentro da emissora, o programa é gerido pelo
departamento de jornalismo, disponibilizando profissionais desta área para a produção do
mesmo. Neste estudo, serão analisadas reportagens com características e linguagens
jornalísticas desenvolvidos com a função (explícita) de informar.
Luana Santana Gomes (2006), em seu estudo sobre o modo de endereçamento do
programa Fantástico, busca enxergar como se dá essa hibridização de dois gêneros de
objetivos distintos. Ela aponta a presença de dois apresentadores como uma das características
do programa que se assemelham ao formato habitual de telejornalismo. Observa, no entanto,
que o enquadramento e a vestimenta deles diferem do estilo do telejornalismo tradicional,
aparecendo muitas vezes de corpo inteiro e com roupas que, muitas vezes, chamam atenção.
Nota também a passagem de alguns dos apresentadores por áreas ligadas ao entretenimento. É
o caso de Renata Ceribelli, que por muito tempo fez parte do Vídeo Show, e de Zeca Camargo
que trabalhou na MTV mesclando os dois gêneros em um produto destinado aos jovens.
Ao iniciar o programa, é utilizado o modelo de escalada4 comum aos programas
jornalísticos, destacando as reportagens e demais formatos e quadros que serão exibidos,
editados de forma “a compor um video-clipe de informações, mostrando o imbricamento entre
entretenimento e jornalismo” (GOMES, 2006, p.41). Este procedimento se repete nas
chamadas de bloco5, realçando o lado telejornalístico da revista.
Por possuir uma periodicidade semanal, a atualidade no Fantástico é muitas vezes
vista no sentido da revelação pública, em que assuntos de interesse público ainda
desconhecidos são revelados pela mídia, tornando-se um acontecimento devido a esta
revelação ou através de um enquadramento diferente dado a determinado tema,
transformando-o em novo. Também buscam aprofundar os principais assuntos da semana.
4 São as manchetes do telejornal, ditas no início de cada edição. Sua utilidade é prender a atenção do
telespectador no início do jornal, informando quais são as principais notícias daquela edição. 5 Texto sobre os principais destaques do próximo bloco do telejornal. Assim como a escalada, tem como objetivo
atrair o telespectador para que ele aguarde o próximo bloco.
55
(...) é comum a produção de matérias que ofereçam desdobramentos com relação aos
acontecimentos da semana, o que evidencia uma tentativa da revista eletrônica em
mostrar aos telespectadores que não só esta a par do que acontece no mundo, como se
mostra “preocupada” em oferecer um aprofundamento dos temas principais da
semana. (GOMES, 2006, p. 92)
Para reforçar a ideia de atualidade, os apresentadores se utilizam de advérbios de
tempo, como por exemplo, “agora”, que dão a ideia de um tempo presente aos produtos
veiculados no Fantástico. Aplica também os critérios jornalísticos de valores-notícia na
seleção do que será exibido, lembrando que estes critérios são mais ou menos definidos de
acordo com a linha editorial do programa.
Os temas abordados são amplos, encontrando matérias investigativas, outras sobre
personagens fantásticos, política, ciência, cultura, esporte, religião, polícia, segurança,
comportamento, meio-ambiente, economia, de auto-reflexividade e entrevistas. O formato
utilizado é a reportagem, usando todos os recursos do jornalismo como apuração dos fatos,
passagens gravadas no local onde eles acontecem ou que tenha algum significado relevante ao
tema da matéria etc.
Por possuir mais tempo, tanto na produção das matérias (pelo caráter semanal do
programa), quanto na exibição (já que o programa dura cerca de duas horas e meia) as
reportagens têm uma duração mais longa do que nos telejornais, com no mínimo cinco
minutos, podendo também explorar os recursos para o aprofundamento das matérias, como
por exemplo, ouvir mais de duas fontes, além de usarem com frequência de recursos gráficos.
As notícias do dia são dadas resumidas em quadros curtos espalhados pelo programa. O
Fantástico também se apropria do modelo de reportagem para a produção dos quadros de
entretenimentos, “Evocando elementos socialmente reconhecidos do jornalismo em seus
quadros de entretenimento e trazendo entretenimento a suas matérias jornalísticas, o programa
confunde mesmo o limite entre um e outro (...).” (GOMES, 2006, p.99)
São essenciais essas características peculiares de ambos os programas a serem
analisados, assim como a posição hegemônica da Rede Globo na televisão brasileira e o
entendimento da notícia como uma construção social da realidade através de técnicas e
constrangimentos próprios da profissão jornalística. No próximo capítulo será feita a análise
dos discursos produzidos por esses dois programas, levando sempre em conta todos estes
56
aspectos fundamentais para compreender pontos chaves da importância do discurso produzido
pela emissora e de como se dá o processo de construção desse discurso através da notícia.
57
Capítulo III - A Análise do discurso: Sobre o uso da maconha em
reportagens do Jornal Nacional e do Fantástico
Este capítulo irá, primeiramente, fazer uma breve explanação sobre a Análise do
Discurso francesa (AD), de maneira a expor os principais conceitos deste suporte
metodológico a serem utilizados neste trabalho, que permitirão a análise das reportagens.
Feito isso, serão relacionadas as principais ideias desta metodologia ao processo de
construção da notícia. Após estas considerações, serão analisadas as matérias escolhidas dos
programas Fantástico e Jornal Nacional em relação à temática do uso da maconha.
3.1 A Análise do discurso
A Análise do discurso é uma metodologia que tem por objetivo perceber nos textos as
marcas da exterioridade. Para isso ela busca encontrar no texto as influências históricas e
sociais a que os sujeitos estão submetidos na construção do seu discurso. Portanto, liga o
discurso com as relações sociais estabelecidas ao longo da história, buscando no texto as
marcas das contradições ideológicas. Neste sentido, uma das maiores influências na AD é a
noção marxista de ideologia que, segundo Chaui, organiza-se:
Como um sistema lógico e coerente de representações (ideias e valores) e de normas
ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que
devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar, o que devem sentir, o que
devem fazer e como devem fazer. (CHAUI, 1981, p. 113)
A Ideologia é a maneira como um determinado grupo social, em uma época histórica
determinada, vê o mundo, os sentidos que atribuem a esse mundo. No entanto, como a
sociedade é hierarquizada, as ideias de um grupo dominante se sobrepõem a de outros grupos,
fazendo que os sujeitos reconheçam aquelas ideias como suas. Logo, todos compartilham dos
mesmos valores como naturais.
A ideologia então ocorre em formas materiais e age através da interpelação dos
indivíduos como sujeitos, inserindo-os “em práticas reguladas pelos aparelhos ideológicos”
(BRANDÃO, 2004, p. 26). Assim, as instituições como a religião, escola, família, imprensa,
58
etc., representam um importante papel na hegemonia ideológica, já que é através deles que as
ideias do grupo dominante irão ser reproduzidas como ideias comuns a todos, criando as
condições necessárias para a reprodução das relações de produção.
O discurso é uma das instâncias em que a ideologia se concretiza materialmente e,
como “não há discurso sem sujeito, nem sujeito sem ideologia” (ORLANDI, 2009, p.17), o
sujeito também ocupa um papel importante na análise do discurso. E ele é sempre marcado
por outros discursos que estarão presentes na constituição do seu texto, nunca sendo
completamente puro, o sujeito é composto da sua relação com outros sujeitos, incorporando o
outro como parte de si.
O discurso não é atravessado pela unidade do sujeito e sim pela sua dispersão;
dispersão decorrente da várias posições possíveis de serem assumidas por ele no
discurso. (...) Dispersão que reflete a descontinuidade dos planos de onde o sujeito que
pode, no interior do discurso, assumir diferentes estatutos. (BRANDÃO, 2004, p. 36)
Ao escrever o texto, o sujeito pretende comunicar algo, dizer algo sobre sua
experiência com o mundo. Esse dizer está marcado por esta própria experiência com o
mundo, visto que, independente do tema do qual ele trate, o que ele dirá é uma interpretação
de outras coisas que foram ditas por outras pessoas, em algum momento histórico e de algum
lugar determinado, e que ele dirá de uma maneira própria de acordo com sua subjetividade e
com o momento histórico em que vive. A isso chamamos de interdiscursividade e, através
dela, pode-se apreender a interação entre as várias formações discursivas presentes no texto
analisado.
As formações discursivas (FDs) representam o conjunto de ideias que, a partir de uma
conjuntura histórica e social dada, constituem o universo do que pode ser dito. Ou seja, as
ideias existentes em determinado período histórico. Dessa maneira em um mesmo enunciado
será possível perceber diversas formações discursivas, já que se incorporam os outros
discursos produzidos em outros lugares e tempos históricos às ideias mais recentes na
construção do texto.
(...) uma FD não deve ser entendida como um bloco compacto e coeso que se opõe a
outras FDs. Pois “uma FD é heterogênea a ela própria” e o seu fechamento é bastante
instável, não há um limite rigoroso que separa o seu “interior” do seu “exterior”, uma
vez que ela confina com várias outras FDs e as fronteiras entre elas se deslocam
conforme os embates da luta ideológica. É assim que se pode afirmar que uma FD é
59
atravessada por várias FDs e, consequentemente, que toda FD é definida a partir de
seu interdiscurso. (BRANDÃO, 2004, p. 93)
O sujeito, para a análise do discurso, é profundamente marcado pela exterioridade, ele
é essencialmente histórico e consequentemente ideológico e é através da língua que ele
manifesta sua subjetividade, é nela que o seu discurso se materializa. Logo o seu discurso está
perpassado por outros, ou seja, o sujeito não é uno, não é constituído somente pelo Eu, mas
pela relação EU-TU. Marcado pelos outros discursos produzidos e através da sua
subjetividade que ele vai constituir o seu discurso, que estará inserido em alguma formação
ideológica. Para a análise do discurso:
(...) o centro da relação não está nem no eu nem no tu, mas no espaço discursivo
criado entre ambos. O sujeito só constrói sua identidade na interação com o outro. E o
espaço dessa interação é o texto.(BRANDÃO, 2004, p. 76)
A autora Helena Nagamine Brandão, com base na obra de Maingueneau, liga a
questão da interdiscursividade com a da “gênese discursiva” para mostrar que não existe
discurso “autofundado”. “Enunciar é se situar sempre em relação a um já-dito que se constitui
no Outro discurso” (BRANDÃO, 2004: 96). Desta maneira é importante observar, ao analisar
um discurso, quais discursos produzidos por outros sujeitos, muitas vezes em diferentes
momentos históricos, que estão presentes no discurso analisado. E como essas ideias são
apropriadas pelo sujeito falante na constituição do sentido que ele ira produzir no seu texto,
tomando-as como suas ideias.
Ao apropriar-se de outras falas o sujeito esquece que aquela ideia surgiu antes mesmo
de si e assume-as como sendo próprias e originárias de si mesmo. Isso se constitui em um dos
tipos de esquecimentos identificados por Pêcheux. É o esquecimento n° 1, que possibilita o
sujeito assumir ideias de vários discursos, reinterpretando a partir de suas próprias
experiências e constituindo o seu próprio discurso que se materializa no texto. (BRANDÃO,
2004), (ORLANDI, 2009)
(...) ele é da instância do inconsciente e resulta do modo pelo qual somos afetados pela
ideologia. Por esses esquecimentos temos a ilusão de ser origem do que dizemos
quando, na realidade, retomamos sentidos pré-existentes. (ORLANDI, 2009, p. 35)
O sujeito ainda é afetado por outro tipo de esquecimento, o esquecimento n°2, que se
caracteriza pela crença do sujeito de que ao dizer a frase aquela é a única maneira possível,
60
escolhendo aquelas palavras em detrimento de outras e tendo a ilusão de que elas dizem
diretamente aquilo que ele pensa.
O primeiro esquecimento consiste em se colocar como criador exclusivo do seu
discurso, a origem do sentido, rejeitando qualquer elemento que remeta ao exterior da sua
formação discursiva e o segundo se caracteriza pela retomada do seu discurso para explicar a
si mesmo, tendo a ilusão de que controla tudo.
(...) Essa impressão, que é denominada ilusão referencial, nos faz acreditar que há uma
relação direta entre o pensamento, a linguagem e o mundo, de tal modo que pensamos
que o que dizemos só pode ser dito com aquelas palavras e não outras, que só pode ser
assim. Ela estabelece uma relação “natural” entre palavra e coisa. (ORLANDI, 2009,
p. 35)
Acontece que, estas outras coisas que foram ditas, foram ditas por alguém, em algum
lugar. E como a sociedade possui uma divisão hierarquizada, este alguém e o lugar que ele
ocupa também terão papel importante na constituição do sentido do que se diz.
O discurso é o espaço em que saber e poder se articulam, pois quem fala, fala de
algum lugar, a partir de um direito reconhecido institucionalmente. Esse discurso, que
passa por verdadeiro, que veicula saber (o saber institucional), é gerador de poder.
(BRANDÃO, 2004, p. 37)
Vale lembrar que o discurso não é algo estático e imutável, mas que ele vai se
transformando de acordo com as transformações históricas e sociais e com os embates
ideológicos dentro dos aparelhos.
Ao analisar um discurso, portanto, é necessário se considerar as condições em que ele
é produzido, desde o contexto histórico-social, os interlocutores, o lugar de onde falam até a
imagem que fazem de si, do outro e do referente. Desta maneira, ao escrever, o enunciador
cria um receptor imaginário para o qual ele ira desenvolver suas estratégias discursivas como
um “jogo estratégico de ação e reação, de pergunta e resposta, de dominação e de esquiva e
também como luta.” (BRANDÃO, 2004, p.44)
Neste jogo entre enunciador, que emite, e enunciatário, a quem se dirige a mensagem,
é necessário que ambos partilhem dos sentidos construídos no enunciado, para que ele seja
entendido. O enunciado é então o sentido formado através das enunciações, que são sempre
diferentes. Enquanto o enunciado se repete, é formado por um conjunto de enunciações que
61
produzem o mesmo significado a enunciação é singular e não se repete. A repetição de um
mesmo enunciado, porém, depende diretamente da sua localização em relação a um campo
institucional. Isso quer dizer que o mesmo discurso também terá significados diferentes, de
acordo com o local de onde ele é emitido. Assim, um mesmo discurso escrito em um livro de
literatura ou declarado por um importante meio de comunicação exercerão efeitos diferentes
sobre quem os lê, já que o lugar de onde se fala é parte importante do que realmente se diz.
(...) na medida em que retiramos de um discurso fragmentos que inserimos em outro
discurso, fazemos com essa transposição mudar suas condições de produção. Mudadas
as condições de produção, a significação desses fragmentos ganha nova configuração
semântica. (BRANDÃO, 2009, p. 96)
Analisar o discurso, portanto, não é somente descrever um enunciado, mas sim definir
as condições que propiciaram sua realização. Assim buscarei compreender quais os contextos,
tanto imediato, quanto histórico em que cada matéria televisiva analisada está inserida, e
como esses contextos ajudam a compor o significado da notícia. Será relacionada a
enunciação produzida nas matérias com outros discursos anteriores a elas, com os quais elas
se cruzam, com os “sentidos produzidos por alguém em algum lugar, em outros momentos” e
que têm efeito sobre os sentidos que elas irão atribuir à maconha, os chamados interdiscursos.
(ORLANDI, 2009, p. 31)
3.2. Mídia e discurso
O poder da mídia, a credibilidade do jornalismo e o amplo alcance, tanto geográfico
quanto de público, da televisão e, em especial, da TV Globo, já dizem por si sós o lugar de
força que está ocupa na sociedade, constituindo-se em um importante aparelho ideológico.
O jornalismo, enquanto seu pacto com o público de informar sobre o que acontece no
mundo baseado nos critérios de objetividade, verdade e imparcialidade, se constitui como
instituição investida de autoridade (credibilidade), respaldada pela sociedade. É esta relação
que irá construir o lugar do jornalismo como produtor de sentidos, responsável, até certo
ponto, pela manutenção, reprodução e transformação de valores e normas de conduta para
toda a sociedade.
O discurso é uma prática que está condicionada a fatores internos e externos ao ato
discursivo, “sempre relacionadas às posições de sujeito – os lugares que o sujeito vem ocupar
62
no discurso. A prática se institui no quadro de certos sistemas de formação, estruturados e
hierárquicos – embora mutáveis, pois não estão congeladas no tempo” (BENETTI, 2007, p.
3). No produto jornalístico disputa semelhante ocorre entre os agentes sociais que querem
mobilizar a imprensa para cobrirem os seus acontecimentos e também os seus
enquadramentos dos fatos. (TRAQUINA, 2000)
No caso do jornalismo, ao se utilizar dos valores-notícias, do enquadramento e de
outras técnicas de produção jornalística, dizem a quais formações discursivas o público terá
acesso, qual discurso será apresentado a eles.
(...) a interpelação e o (re) conhecimento exercem papel importante no funcionamento
de toda ideologia. É através desses mecanismos que a ideologia, funcionando nos
rituais materiais da vida cotidiana, opera a transformação dos indivíduos em sujeitos.
O reconhecimento se dá no momento em que o sujeito se insere, a si mesmo e a suas
ações, em práticas reguladas pelos aparelhos ideológicos. (...) será somente através do
sujeito e no sujeito que a existência da ideologia será possível. (BRANDÃO, 2004, p.
26)
É importante ressaltar que as fontes oficiais obtém um maior acesso aos meios de
comunicação, tendo seus enquadramentos sendo constantemente tomados como a versão
correta dos fatos. Esta prática jornalística tende a reproduzir, portanto, o discurso
hegemônico, colaborando assim para a manutenção do status quo.
Por sua vez, os agentes sociais, podem se organizar de forma a conseguir um espaço
nesta relação de forças, passando a compor o discurso da emissora. Muito embora o
jornalismo pregue, na sua missão pela objetividade, ouvir mais de uma versão dos fatos, deve-
se analisar se os discursos destas fontes pertencem ou não às mesmas formações discursivas.
Outras vozes também se fazem ouvir na construção da notícia, não sendo o autor do
produto, o repórter, o único responsável pelos sentidos que são constituídos nas matérias. A
opinião da empresa, a fala das fontes, os organismos que agendaram aquele evento, a opinião
dos colegas, todos deixam marcas expressivas no discurso construído, isso sem contar com a
própria experiência do repórter como sujeito interpelado na sociedade e como profissional da
informação.
A partir de agora serão observadas as relações entre os discursos socialmente
produzidos ao longo da história que marcam presença nas composições dos noticiários sobre o
uso da maconha. Também serão observadas as relações entre discurso e mídia, bem como
outras que possam surgir durante a análise. Busca-se ainda compreender se os agentes sociais
63
não pertencentes aos grupos hegemônicos, conseguem mobilizar o poder da mídia e divulgar
os seus enquadramentos dos fatos, de forma a fortalecer outras formações discursivas.
3.3 O uso da maconha no Jornal Nacional e no Fantástico
Essas matérias serão analisadas na integra, pela ordem cronológica. Na conclusão do
capítulo, as principais constatações acerca dos discursos reproduzidos nas matérias serão
expostas, relacionando as matérias umas com as outras de acordo com as formações
discursivas que carregam. As notícias estão transcritas na integra nos anexos deste trabalho e
uma lista de figuras detalha as imagens usadas para ilustrar a análise. Os vídeos que serão
analisados estão disponíveis nos sites da Globo e do You Tube e os links se encontram nas
referências bibliográficas.
Foram escolhidas para compor o corpus deste trabalho seis matérias exibidas nos
programas Jornal Nacional e Fantástico, do gênero informativo e que tratam do uso da
maconha no período de 2009 a 2011. São elas:
Reportagem sobre a declaração da Comissão Latino Americana sobre Drogas e
Democracia, matéria de André Luiz Nascimento, exibida no Jornal Nacional, em 20
de fevereiro de 2009.
Reportagem sobre um estudo que pesquisa a abstinência causada pela maconha, de
Rodrigo Bocardi, para o Jornal Nacional em 15 de outubro de 2009.
Reportagem de Ari Peixoto sobre o uso medicinal de maconha em Israel, que foi ao ar
pelo Fantástico em seis de dezembro de 2009.
Reportagem do Jornal Nacional sobre plebiscito na Califórnia para decidir se o uso
recreativo da maconha deve ser legalizado, de Rodrigo Bocardi em dois de novembro
de 2010.
Reportagem sobre a marcha da maconha em São Paulo, de César Galvão, que foi
proibida e reprimida pela polícia, foi ao ar pelo Jornal Nacional no dia 21 de maio de
2011.
Reportagem de Sonia Bridi para o Fantástico sobre a polêmica levantada pelo
documentário Quebrando Tabus, conduzido por Fernando Henrique Cardoso, exibida
em 29 de maio de 2011.
64
Embebida do contexto social em que está inserida, a Rede Globo, desde 2009, vem
permitindo que novos discursos contra as leis proibitivas ganhem espaço nos seus programas
informativos. Tem demonstrado uma nova forma de tratar a temática das drogas, baseada no
modelo europeu de descriminalização das drogas e nas ideias que desde 1980 estão sendo
debatidas no Brasil e que vem ganhando força através da criação de organizações não
governamentais que lutam pela descriminalização e do engajamento de importantes
personalidades políticas nesta campanha.
A seguir, serão analisadas as matérias veiculadas no Jornal Nacional e Fantástico,
buscando-se reconhecer as formações discursivas.
3.3.1 Comissão Latino Americana sobre Drogas e Democracia - André Luiz Nascimento
- Jornal Nacional - 20/02/2009
A notícia exibida no Jornal Nacional, em fevereiro de 2009, irá demonstrar este novo
enquadramento dado ao tema. A matéria de André Luiz Nascimento é sobre a declaração da
Comissão Latino Americana de Democracia, que defende a mudança na política de combate
as drogas mundialmente, a favor da descriminalização das drogas juntamente com uma ação
preventiva e tratamento para os usuários que quiserem largar o vício. O principal motivo do
encontro foi defender a legalização da maconha publicamente, como é possível perceber já na
cabeça da matéria6, em que o trecho “dominado pela discussão sobre a legalização da
maconha” aponta a relevância do tema.
Cabeça da matéria: Fátima Bernardes - Um encontro da Comissão Latino
Americana sobre Drogas e Democracia, realizado hoje no Rio, foi dominado pela
discussão sobre a legalização da maconha.
Esta notícia foi agendada na mídia pela organização, já que o evento com data, hora e
local previstos facilitam a organização da imprensa na cobertura. Mas o ponto decisivo para a
transformação deste evento agendado em pauta do Jornal Nacional é a notoriedade de alguns
6 Pequeno texto lido pelo apresentador do jornal que vai chamar a atenção para a matéria, dando gancho para sua
exibição. (BARBEIRO & LIMA, 2002) (VIZEU, 2000)
65
autores envolvidos no evento, personificado nos seus líderes, os ex-presidentes Fernando
Henrique Cardoso, do Brasil, e César Gaviria, da Colômbia.
Off7 - O grupo liderado pelos ex-presidentes do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, e
da Colômbia, César Gaviria, se reuniu com outros políticos e especialistas em droga
no Rio.
Os ex-presidentes e os outros membros da organização são definidos na notícia como
“políticos e especialistas em droga”, que vem demarcar a autoridade de quem está levantando
questão. As imagens mostram a comissão reunida, em torno dos seus líderes, o cartaz ao
fundo com o nome da comissão em espanhol mostra que ela é formada por membros, não só
do Brasil, mas como o próprio nome diz, de países da América Latina. A matéria dá
visibilidade às formações discursivas defendidas pela comissão, autorizada a falar sobre o
tema, que defendem mudanças nas leis sobre o uso de drogas, com campanhas de prevenção e
tratamento para os dependentes. Este é o discurso defendido pela comissão que promoveu o
evento em questão, e é o seu enquadramento da questão sobre drogas que está sendo
veiculado pela Rede Globo, e que aparece em diferentes momentos da notícia, como durante a
passagem8 do repórter:
Passagem - A comissão Latino Americana divulgou este documento, que será agora
encaminhado aos governos da Europa, dos Estados Unidos, a ONU. Onde afirma que
a guerra ao tráfico esta sendo perdida aqui na região. E por isso defende uma mudança
na forma de combater as drogas.
Figura 1 Figura 2 Figura 3
7 Narração do repórter enquanto mostra imagens do assunto tratado. Texto gravado pelo repórter sem que ele
esteja no vídeo. (BARBEIRO & LIMA, 2002) 8 Momento que o repórter aparece no vídeo e faz a ligação entre um trecho da reportagem e outro. (VIZEU,
2000)
66
Outro fator que indica o enunciado favorável à descriminalização das drogas é a
ausência de formações discursivas contrárias a esta ideia, que existem, são muito comuns,
mas que não aparecem no produto jornalístico analisado. Deve-se lembrar que ouvir os dois
lados sobre determinado assunto é uma das ferramentas utilizadas pelos jornalistas para
alcançar o princípio da objetividade. Pelo fato da enunciação manifestar-se através de um
evento reunindo autoridades, o enunciado é apresentado como uma comunicação oficial, mais
do que um ponto de vista a ser questionado.
As imagens, até então, buscavam mostrar a comissão reunida. Durante a passagem,
André Luiz Azevedo ressalta a importância da comissão e do devido documento, ao informar
que ele será entregue as principais organizações mundiais. Tal atitude também produz o
enunciado de que este é um problema mundial.
Como justificativa para as mudanças nas leis, usa-se o argumento de que a guerra às
drogas falhou. Reiterando a ideia de um problema mundial estabelece uma ligação entre
Europa e Estados Unidos como principais consumidores e a América Latina como
fornecedores, criando uma relação entre o consumo nos países desenvolvidos e o tráfico nos
países em desenvolvimento, que acarretam em mais prejuízos a este último, como pode ser
percebido no off e nas imagens de pessoas consumindo maconha, de grandes quantidades de
drogas apreendidas e de grandes plantações, reforçando a ligação entre o consumo naqueles
países e o tráfico na América Latina.
Off – Segundo o relatório, americanos e europeus são os maiores consumidores de
drogas. E enquanto a procura por maconha e cocaína continuar alta, as áreas de
plantações na America Latina dificilmente vão diminuir.
Figura 4 Figura 5
Figura 6 Figura 7
67
Até este momento a notícia fala sobre as propostas gerais do grupo. A partir de então a
matéria se volta para a questão central levantada pela comissão na coletiva. A proposta,
definida pelo repórter como “polêmica” de descriminalizar o uso da maconha no mundo. Esta
informação é coberta por imagens da comissão, em especial dos seus líderes, reforçando o
respaldo de quem as defende. Em seguida a fala de Fernando Henrique Cardoso vem
comprovar que estas são ideias defendidas por ele e pelo grupo.
Off - Uma das propostas mais polêmicas do grupo é a descriminalização da maconha
no mundo. Acompanhadas de outras medidas que reduzam o consumo.
Sonora9: FHC – É preciso começar a avaliar a conveniência de descriminalizar o
porte da maconha para consumo pessoal. Isso já está sendo na prática feito em muitos
países. Se você fizer a descriminalização da maconha como uso, isoladamente,
também não vai servir. É preciso que haja ao mesmo tempo todo um conjunto de
políticas de prevenção, de mostrar que é preciso diminuir o uso. A ação preventiva.
Ou vem simultaneamente a ação preventiva ou a descriminalização vai simplesmente
aumentar o uso, ele é danoso. Nós não estamos dizendo que ele não faz dano, não. Faz
dano.
Off – Outras propostas são de reduzir o consumo por mediações de informação e
prevenção. Focalizar a repressão contra o crime organizado. E transformar os
dependentes de drogas em pacientes do sistema de saúde.
Figura 8 Figura 9 Figura 10
Nas falas tanto do repórter, quanto do ex-presidente, duas enunciações apontam que a
descriminalização da maconha deve acontecer junto com outras políticas de prevenção para
reduzir o consumo. Prevenir provoca um efeito semântico que, na cultura popular, tem
vantagem sobre combater. Ou seja, quem previne não precisa combater. As imagens da
cocaína e da maconha estão associadas à necessidade de redução do consumo e do tratamento
dos usuários, e a polícia agindo é associada ao trabalho que ela deve desempenhar, que não é
combater as drogas, mas sim o crime organizado. Os caracteres que acompanham a imagem e
9 “Sonora” é a fala da fonte, corresponde à citação entre aspas de um texto escrito.
68
a fala do repórter sobre as outras propostas do grupo ressaltam as medidas defendidas pela
comissão.
Outros dois enunciados, que se repetirão nas matérias analisadas, podem ser
percebidos na fala de Fernando Henrique. Em cinco das matérias analisadas, os exemplos de
outros países, que possuem leis diferentes sobre o uso da maconha, alguns regularizando o
uso recreativo e outros permitindo seu uso medicinal, aparecem. No geral mostram os
benefícios que essas outras leis trazem, servindo de exemplo. Isso acontece na fala de FHC,
quando ele afirma sobre a descriminalização da cannabis para uso pessoal: “Isso já esta sendo
na prática feito em muitos países”.
O alerta para os efeitos nocivos do uso é mais um enunciado que se repetirá nas
demais matérias. A ação preventiva é necessária porque o uso da substância faz mal, como
declara o ex-presidente: “Ou vem simultaneamente a ação preventiva ou a descriminalização
vai simplesmente aumentar o uso, ele é danoso. Nós não estamos dizendo que ele não faz
dano não. Faz dano.”
Em seguida ao alerta do presidente, o repórter completa o sentido do enunciado:
“Transformar os dependentes de drogas em pacientes do sistema de saúde” é a solução
encontrada para reparar os danos do uso. Neste sistema prevenir que as pessoas façam uso
desta droga nociva é a principal ação, em seguida a remediação do problema, que não é o
combate, mas sim o tratamento, remédio. Ai surge a transformação do usuário criminoso para
o usuário doente, que será reforçada na sequência das matérias e que está presente na fala de
outro entrevistado da matéria, também pertencente da comissão, Rubem César Fernandes:
Sonora: Rubem César Fernandes (Coordenador do Viva Rio) – É preciso botar a
saúde na frente, não é? E liberar mais os nossos policiais para enfrentar o poder
paralelo do bandido. No momento, com a nossa política, a venda de drogas serve ao
poder do bandido.
O repórter apresenta ao telespectador a opinião do coordenador de um projeto, no Rio
de Janeiro, cujo principal objetivo é reduzir a violência urbana. A ONG desenvolve trabalhos
no Estado, desde 1993, nas áreas de segurança, desenvolvimento local e com a juventude. Ao
dizer que é necessário colocar a saúde “na frente”, ele está dizendo que outra coisa atualmente
está “na frente”, que não é a saúde. O que seria então? A frase seguinte aparece como
resposta, a polícia precisa ser liberada da tarefa que aparece como prioridade, o combate ao
uso de drogas, que é posto na frente atualmente, em detrimento da saúde dos usuários e que
69
impede a polícia de cumprir sua função de combater os verdadeiros criminosos, que seria o
crime organizado e não os usuários. Este enunciado, portanto, reitera a necessidade da
mudança nas leis, principal ponto defendido pela comissão.
A matéria se encerra com o depoimento de uma ex usuária de maconha e cocaína. O
off do repórter ressalta a importância do tratamento e tem o seu sentido completado com a
fala da fonte10
de como é bom viver sem drogas, reiterando a ideia de que o tratamento de
saúde é a forma como se deve tratar os usuários de drogas, verificado na experiência de
alguém que passou por isso e hoje vive bem.
Aqui outro enunciado produzido no decorrer das matérias aparece implícito na não
identificação da ex usuária, é a criminalização dos usuários de drogas não só pela polícia, mas
pela própria sociedade, de forma a coagir alguém que faz, ou fez, uso de drogas a esconder
seu rosto por medo da fama associada ao uso de drogas. Este comportamento se repete na
próxima matéria analisada, como poderá ser observado.
Figura 11
3.3.2. Efeitos da abstinência de maconha - Rodrigo Bocardi – Jornal Nacional -
15/10/2009
Na segunda matéria exibida, de outubro de 2009, Rodrigo Bocardi apresenta o estudo
de uma pesquisadora norte-americana sobre a abstinência de maconha. O estudo comprovaria
os efeitos maléficos da maconha no organismo. A cientista foi trazida ao Brasil por médicos
para auxiliar a criação de tratamentos para os dependentes da maconha. Esta matéria participa
da formação discursiva que enquadra o usuário da erva como dependente e,
10
Fonte de informação. Pessoa, instituição ou qualquer entidade detentora de informação que gere ou comprove uma notícia. (GRADIN, 2000)
70
consequentemente, como paciente do sistema de saúde que irá curá-lo da doença do uso da
maconha.
O critério de noticiabilidade utilizado aqui é o fato de ser uma pesquisa inovadora que
vem contribuir com o tratamento de dependentes de maconha. Esta matéria, também exibida
no Jornal Nacional, ressalta um aspecto já levantado pela anterior que põe o usuário sob a
perspectiva de dependente. O objetivo do estudo, que está sendo divulgado, é mostrar os
efeitos irreversíveis dessa dependência, como aparece já na cabeça da matéria:
Cabeça da matéria: Willian Bonner – Uma pesquisa feita com pessoas que fumam
cigarros de maconha mostrou os efeitos da droga no organismo, mesmo depois de um
período sem consumo. A perda de memória e distúrbios graves no sono são algumas
das consequências.
Ao dizer que, mesmo sem usar a maconha por um período, os efeitos nocivos dela são
encontrados, a enunciação destaca o perigo do uso da substância, que pode gerar
consequências sérias e longas. Sem especificar o tempo de duração, a fala pode indicar um
curto período ou toda a vida. Os efeitos indicados são alarmados como sérios, “distúrbios
graves”, ou seja, perigosos.
A matéria começa com o depoimento de um ex usuário sobre os efeitos nocivos que a
maconha causava a ele.
Off – Vinte e cinco anos de idade, onze com maconha todo dia. E uma eterna luta para
recuperar o que perdeu.
Sonora: Ex usuário – Coisas que eu tinha acabado de fazer eu não me lembrava. A matéria
que eu tinha acabado de estudar, eu não conseguia me lembrar mais.
Figura 12
No off do repórter “uma eterna luta” ressalta os efeitos da maconha a longo prazo. A
sequência da enunciação, “pra recuperar o que perdeu”, dá ênfase aos prejuízos que este uso
pode causar. O tempo de duração dos efeitos nocivos parece ser melhor definido nesta frase
71
como um efeito longo, eterno, infinito, um efeito de perda que é ressaltado pela fala do
usuário que perdia a memória, não lembrava mais de nada, prejudicou o estudo, ou seja, o
futuro do rapaz. Mais uma vez o usuário ouvido pela matéria não é identificado, utilizando-se
a técnica do contra luz, demonstrando a marginalização que o usuário sofre, tendo que
esconder sua identidade por medo da represália social.
O efeito da maconha que foi mostrado na prática pelo depoimento de um ex usuário é,
em seguida, respaldado pela pesquisa de Carlen Borla, que estuda os sintomas de abstinência
da erva. A pesquisadora aparece como a autoridade que fala sobre o tema, que veio ao Brasil
mostrar seu estudo sobre os efeitos da maconha no cérebro, como demonstram as imagens de
sua apresentação que cobrem o off do repórter, em que no fundo aparecem imagens de
cérebros humanos, onde acontecem os efeitos prejudiciais e dados estatísticos apresentados
em gráficos. São os números que comprovam o seu estudo. O discurso desta matéria mostra
os males irreversíveis que a cannabis causa. Quem usa, mesmo que pare, sofrerá as
consequências.
Off - Esta pesquisadora norte americana, a primeira a demonstrar que a maconha pode
causar danos permanentes no cérebro, estudou o que acontece quando o dependente
fica sem a droga. Carlen Borla veio ao Brasil mostrar as conclusões de sua ultima
pesquisa.
Depois de quase um mês de abstinência, o organismo de quem costumava fumar pelo
menos cinquenta cigarros de maconha por semana, apresenta: perda de memória,
dificuldade de expressão, falha na coordenação motora.
A doutora Carlen diz que 80% dos usuários que tentaram largar o vício tiveram
problemas com o sono. E quando essas pessoas conseguiam dormir, tinham pesadelos.
Acordadas apresentavam nervosismo, ansiedade, perdiam o apetite e emagreciam.
Figura 13 Figura 14
“As conclusões de sua ultima pesquisa” reafirmam a atualidade da investigação, que
na verdade reproduz uma ideia existente desde o século passado, quando, exatamente nos
Estados Unidos e no Brasil, se começou a apontar a maconha como causadora de
degenerações psíquicas sérias em quem a usasse. As consequências do uso da maconha e os
sintomas da abstinência são apresentados, a angústia de quem tenta largar o vício é destacada
na arte gráfica enquanto o repórter fala sobre esses efeitos, o corpo humano presente na arte
72
representa o organismo humano que sofrerá esses efeitos. Os números apontam que tudo isto
listado é o que acontece com a maioria das pessoas que usam e tentam largar o vício depois. A
conclusão da pesquisa é apresentada em seguida, respaldada em todos os argumentos
apresentados:
Off - A pesquisadora conclui: “maconha não é inofensiva como algumas pessoas
pensam, poucas doses podem causar sérios problemas, especialmente nos jovens”
Nestes e nas demais enunciações da matéria, o enunciado do perigo da maconha é
reiterado, de que “não é inofensivo”, ou seja, é nocivo, causando “sérios problemas,
especialmente nos jovens”. O alerta para o perigo do uso da maconha entre os jovens é um
enunciado que se repete ainda em outras duas matérias analisadas e reflete o resultado de
muitas pesquisas realizadas desde a década de 90, que apontam que o uso da maconha em
indivíduos ainda em formação pode causar transtornos psíquicos. (SANTOS, 2000) Ao dizer
que “algumas pessoas pensam” que a cannabis é “inofensiva” e, em seguida, falar sobre os
perigos principalmente entre os jovens, que são a grande parcela dos usuários, dá a entender
que é a eles que ela se refere sobre as ilusões a respeito da planta. Mais uma vez as imagens
mostram a pesquisadora apresentando seus dados que comprovam o mal que a maconha faz
ao ser humano.
A matéria como um todo reproduz o enunciado que trata o uso da maconha como
doença, que necessita de métodos de identificação e tratamento. A passagem, na frente do
hospital que trouxe a médica ao Brasil, vai demonstrar que este é um assunto que deve ser
observado e tratado pelos médicos, pelos hospitais, que tentam, através de estudos
estrangeiros, que muitas vezes podem estar mais avançados em relação aos brasileiros,
encontrar tratamento para esses doentes.
Passagem – Os médicos daqui do Instituto de psiquiatria, do Hospital das Clínicas, de
São Paulo, que trouxeram a pesquisadora americana para o Brasil, dizem que o
resultado do estudo pode ajudar no desenvolvimento de técnicas que auxiliem os
dependentes a deixar a droga. E isso é importante, porque, segundo eles, tratar da
abstinência a maconha, hoje em dia, não é fácil.
Off - Para este neuropsicólogo, os pacientes confundem as consequências do vício
com os sintomas de outras doenças. Com a pesquisa ficou mais fácil tirar a dúvida e
definir o tratamento.
Sonora: Paulo Cunha (neuropsicólogo) – Tantas técnicas psicológicas de terapia,
como também técnicas farmacológicas. Ou seja, pensar em remédios que possam
73
atuar nessas regiões cerebrais e auxiliar a recuperação disso com um tempo mais
breve possível.
Ao dizer que os usuários confundem os efeitos do vício com “outras doenças”, ele está
claramente afirmando a ideia de que o vício é uma doença. A notícia então se encerra falando
da utilidade desta pesquisa, que é, então, uma forma de diagnosticar esta moléstia, diferencia-
la das outras, possibilitar a criação de remédios e tratamentos que curem rapidamente esse mal
que é usar a maconha, ao contrário do que acontece hoje, em que a luta contra esta
enfermidade parece ser “eterna”.
Apresentando agora a fala de um médico, o repórter nos põe em contato com alguém
responsável por tratar doenças, alguém em quem as pessoas confiam, que tem como profissão
salvar vidas. A fala dele, portanto, será importante para reafirmar a formação discursiva que
trata o uso da maconha como doença. O seu objetivo é o objetivo de todo médico, curar as
pessoas. O close no documento que ele leva nas mãos e os livros que compõem o cenário
onde o médico se encontra transmitirão o significado de que o entrevistado está num ambiente
de estudo, de pesquisa, para tentar solucionar este problema.
A formação discursiva que coloca o uso da maconha como uma doença, para a qual há
a necessidade de criar métodos de tratamento, também será encontrada na última matéria
analisada nesta pesquisa. Na sequência cronológica, a próxima matéria a ser analisada parece
possuir formação discursiva oposta a esta que acabou de ser analisada. Na reportagem de Ari
Peixoto, exibida no Fantástico em dezembro de 2009 a maconha não vai ser tratada como
crime, nem como doença, mas sim como um remédio que auxilia no tratamento de doenças
graves.
3.3.3 Maconha Medicinal em Israel – Ari Peixoto ( Ramat Gan, Israel ) – Fantástico –
06/12/2009
Os efeitos medicinais da maconha são conhecidos a, pelo menos, quatro mil anos. No
século XIX, pesquisadores passam a indicar seu uso para o tratamento de epilepsia, neuralgia,
enxaqueca e como espasmofílico. Com a proibição mundial no século seguinte, estes estudos
foram abandonados, e o uso como medicamento desincentivado. A partir de 1996, com a
74
aprovação do uso medicinal no estado da Califórnia, nos Estados Unidos, a prerrogativa para
esses estudos foi instaurada, outros estados do país aderiram ao uso como medicamento.
Outros países também realizaram pesquisas que indicam o seu uso no tratamento de uma
ampla variedade de doenças como câncer, AIDS, glaucoma, esclerose múltipla, atuando
também como anticonvulsivo, relaxante muscular e analgésico. França, EUA, Canadá, Itália,
Suíça e Israel são países que fazem uso da maconha como medicamento. É o modelo adotado
por outro país que aparece como possibilidade do uso da maconha em duas matérias da
emissora, a partir de dezembro de 2009, quando vai ao ar, pelo Fantástico, uma matéria sobre
o uso medicinal em Israel.
Esta reportagem parece investir-se do sentido de atualidade através da revelação
pública do fato, já que a única novidade em relação ao uso medicinal, em Israel, foi uma
autorização do hospital para que os pacientes consumam a maconha, como medicamento,
dentro do próprio hospital. O uso medicinal de maconha em Israel existia há mais de seis anos
antes da matéria ser feita e, só agora, com esta nova permissão institucional, foi considerada
noticiável.
A formação discursiva desta matéria produz um discurso contrário a das duas matérias
anteriores. Na cabeça da matéria, os apresentadores do Fantástico informam que o uso
medicinal de maconha é conhecido “há seis mil anos”, que faz parte da “história” e que no
século XXI “ganha espaço”, enunciando que a modernidade confirma os efeitos identificados
desde os tempos mais remotos. Em seguida, exemplificam essa expansão do uso medicinal,
chamando a matéria em que, em Israel, os usuários, aqui chamados de pacientes, fazem uso da
maconha, medicamento, dentro do próprio hospital, como muitos outros remédios que são
consumidos lá.
Cabeça da matéria: Zeca Camargo – Agora um pouco de história pra vocês. Citado
a seis mil anos nos mais antigos livros da medicina chinesa, o uso terapêutico da
maconha ganha espaço no século XXI.
Patrícia Poeta – É, em Israel, por exemplo, pacientes cadastrados pra tratamento a
base de maconha já podem usar o fumódromo de um hospital público.
Aqui não se fala da cannabis como droga, mas sim como remédio e seus usuários não
são criminosos, nem viciados, mas sim pacientes do sistema de saúde que fazem uso da
maconha como remédio. Ela é um remédio, e o seu uso é regular é justificado por ser um
75
tratamento, da mesma forma que o uso regular de analgésicos pode ser justificável, embora os
danos que causem, para além de aliviar a dor, possam ser grandes. Aqui inclusive, a maconha
aparece como alternativa a alguns desses analgésicos, como os a base de morfina, por serem
menos prejudicial e algumas vezes, mais eficaz que eles, como será observado.
Nesta matéria, como as fontes falam outra língua, o repórter optou por narrar as falas
das pessoas ouvidas enquanto mostra imagens da pessoa a quem está se referindo. Pacientes
desse sistema são mostrados, suas dores e dificuldades são descritas. No início da matéria,
isso já acontece. O repórter narra os problemas de saúde de Han Gotlib e aponta o remédio
que alivia o seu “sofrimento”, a maconha, que é entregue a ele pelo próprio médico, ou seja,
alguém responsável por medicar, tratar. A enunciação mostra que o tratamento funciona, pois
o paciente que a usa diz que fazendo uso deste remédio, a cannabis, consegue “acordar sem
dor”. Han, ao dizer que estava ficando “dependente de analgésicos a base de morfina”, põe
então estes analgésicos no lugar das drogas que causam dependência, em contraposição à
maconha, da qual ele não diz ser dependente. Afirma que ela soluciona melhor o seu
problema do que os analgésicos, pois enquanto estes “não aliviavam mais o sofrimento”,
aquela permite que ele acorde sem dor, como pode ser obsevado:
Off - Han Gotlib sofre de dores na coluna a mais de trinta anos. Um acidente a alguns
meses agravou o sofrimento. A cada consulta ele recebe do médico uma dose de
maconha.
Han diz que estava ficando dependente de analgésicos a base de morfina, e que eles
não aliviavam mais o sofrimento. E que agora, com um ou dois cigarros de maconha
por dia, consegue acordar sem dor.
Figura 15 Figura 16 Figura 17
As imagens do paciente na cadeira de rodas demonstra que o problema dele é grave, o
som de fundo que acompanha as imagens e a narração cria um clima de tensão, que também
reintera a gravidade do problema de Han. O cigarro de maconha é o remédio entregue ao
paciente pelas mãos do próprio médico, e o consumo é feito dentro do próprio
estabelecimento de saúde. Han não esconde o seu rosto, pois o que faz não é proibido ou
76
marginalizado, é um tratamento legal e o que aparece fazendo é, na verdade, consumir um
remédio. O close no cigarro de cannabis e em Han fumando enfatiza o ato de estar
consumindo a maconha que é complementado pelo texto como o uso de um remédio, uma
ação dentro da lei.
Na primeira passagem do repórter, Ari Peixoto dá o sentido de atualidade da matéria,
que é o fato da erva agora poder ser consumida dentro do próprio hospital. Nesta matéria a
passagem na frente do hospital terá um significado diferente da matéria anterior. Aqui o
hospital não está associado à necessidade de se tratar os dependentes da droga maconha, aqui
ele representa um lugar onde esta pode ser usada legalmente, como um remédio, onde o uso é
permitido e incentivado e não tratado como uma doença que deve ser curada. Percebe-se
então que a imagem de um hospital pode ter significados diferentes de acordo com o contexto,
o enquadramento, da matéria.
Ao dizer que a maconha é receitada para os pacientes do hospital ele reintera a
formação discursiva que a coloca como um remédio, que ira curar os “doentes”. Ainda
ressalta a estranheza desta situação, ao salientar que fazer o uso da medicação é o mesmo que
fumar a maconha.
Passagem - Está semana, pela primeira vez, o governo israelense autorizou um
hospital público a realizar tratamentos e receitar maconha para seus pacientes. E mais,
os doentes podem fazer uso da medicação, quer dizer, fumar a maconha, dentro do
hospital.
Figura 18
Esse enunciado é reforçado em toda a matéria, que não utiliza nenhuma fonte contrária
ao uso medicinal, mas somente as que recomendam, os médicos, e as que se sentem bem
usando, os pacientes. No off seguinte, o repórter apresenta ao telespectador a fala de um
médico que receita a maconha aos seus pacientes, faz uso deste tratamento. Ari Peixoto
explica que, para o médico, o uso da maconha dentro do hospital é algo normal, “um passo
natural”, já que o medicamento, a erva, é utilizado no país há muito tempo, nos ambulatórios
77
e na casa dos pacientes. Um som de fundo indica descontração, reafirma o passo natural.
Enquanto narra a fala do médico, mostra as imagens do médico em seu consultório, ambiente
de trabalho onde os pacientes são examinados e medicados, tratados das suas doenças e
também Han e outros pacientes consumindo maconha dentro e fora do hospital,
representando o uso médico nos ambulatórios e na casa do paciente, respectivamente.
Off - O doutor Itair Burarieur diz que a autorização para usar a maconha dentro do
hospital foi um passo natural no processo que já autorizava o uso médico da erva em
ambulatórios e na casa dos pacientes.
Figura 19 Figura 20 Figura 21
Mesmo tratando o uso medicinal da maconha como normal, já que é legalizado no país
em que a matéria é feita, o repórter salienta que o uso recreativo por lá é proibido, ou seja,
como medicamento pode ser usado, é algo natural, mas como diversão, para obter os efeitos
psicoativos o uso não é permitido. Nesta fala, ainda o jornalista explica como é feito o plantio
da maconha que será destinada aos pacientes. Mostra então que não é qualquer um que pode
plantá-la para usar medicinalmente, mas que é preciso uma autorização, ou seja, uma
regulação legal, que permita o plantio. Assim, mesmo a cannabis sendo usada como remédio,
existe restrições ao seu plantio e uso.
Off- Em Israel, o uso recreativo da maconha é proibido. Mas para fins médicos a
droga foi liberada no começo da década. E a partir de 2004, uma organização não
governamental chamada Ticum Olam, „consertando o mundo‟, foi autorizada a iniciar
o plantio da erva.
Em meio a uma grande plantação de maconha, o repórter faz sua segunda passagem,
destacando o fato de que aquela, ao contrário do que estamos acostumados é uma plantação
legal “autorizada pelo governo israelense”. Ao dizer que o lugar não pode ser identificado
“por medidas de segurança”, ele enuncia que há algum perigo em se plantar maconha. Que
perigos são esses? Possivelmente o perigo seja o do tráfico para uso recreativo, que em Israel
também é proibido. A quantidade de pés de cannabis mostrados no vídeo irá reafirmar a
78
normalidade do uso medicinal, já que uma quantidade substantiva de pés ira produzir o
remédio que será consumido por todos os pacientes. O repórter enfatiza a quantidade, que são
dez mil pés.
Passagem – Nós estamos em uma das estufas, mantidas pela organização, e
autorizadas pelo governo israelense. Por medida de segurança não se pode dizer a
localização exata dela. Só que nós estamos em algum ponto no norte de Israel. E aqui
estão dez mil vasos de maconha, que será usada para fins medicinais.
Figura 22
Imagens abertas e fechadas das plantas, cultivadas pela organização para uso
medicinal são exibidos numa sequencia rápida, enquanto a música de uma banda
internacional11
de rock faz o efeito sonoro de transição.
O médico responsável pelo uso medicinal da erva é ouvido, é a autoridade de quem
defende o medicamento e que irá enunciar os efeitos benéficos da maconha como
medicamento. Ao afirmar que o público alvo do medicamento são pessoas que sofrem de
“dores crônicas e câncer”, ele reafirma a importância deste remédio que serve para o
tratamento de doenças graves como denota a palavra “crônica” e a gravidade que o câncer
representa.
Os seus efeitos enquanto remédio ainda são listados pelo médico no off, em que a
narração de Ari Peixoto traduz a sua fala, enquanto mostra a imagem do entrevistado com o
som da voz ao fundo. Quando fala sobre o uso da maconha nos pacientes com câncer, a arte
gráfica vai ressaltar os efeitos deste remédio no tratamento. Na arte a folha da cannabis
aparece como rótulo de um frasco de remédio e as pílulas são verdes, representando o seu uso
como remédio. Numa receita médica, os efeitos deste remédio no tratamento são expostos.
Todo esse conjunto de imagens enuncia e põe em evidência, junto com a fala do repórter, a
utilidade da maconha como tratamento.
11
Imagens cobertas por músicas e efeitos sonoros, sem narração. (BARBEIRO & LIMA, 2002)
79
Ao ouvir mais um paciente que faz uso do medicamento reintera mais uma vez esse
enunciado, mostrando que o remédio maconha realmente funciona no tratamento de várias
doenças, como as dores que o entrevistado anterior sentia e no auxílio ao ganho de peso do
paciente, que teve câncer, ouvido neste momento da reportagem. O paciente e o médico se
encontram no consultório deste, o que se caracteriza como uma consulta, onde o médico vai
receitar ao paciente o remédio para tratar sua doença e que, neste caso é a maconha.
Off - O psiquiatra Iahuda Baru é o responsável pelo programa que receita maconha
medicinal em Israel. Ele diz que os principais pacientes são os que sofrem de dor
crônica e os que tem câncer. Segundo o médico, durante a quimioterapia, a maconha
reduz as náuseas, aumenta o apetite, e com isso ajuda a controlar a perda de peso.
Segundo o doutor Baru, a dose média por paciente é de sessenta gramas por mês. O
que seria equivalente a, mais ou menos, sessenta cigarros. É a prescrição para Jacob
Koslovikz, que nasceu aqui, viveu quase trinta anos no Brasil e voltou pra Israel. Em
2007, depois de se submeter a uma cirurgia para a retirada de tumores no intestino
grosso, ele entrou para o programa.
Sonora: Jacob Koslovikz (pensionista) – Me sinto melhor. Ganhei peso. Perdi vinte
quilos, agora já ganhei pelo menos quinze de volta. Isso graças a... isso que me ajuda.
Figura 23 Figura 24 Figura 25
Ari Peixoto faz sua terceira passagem no local onde a maconha é entregue aos
pacientes. Ao dizer que os pacientes vão regularmente buscar sua dose da erva ele não põe, no
entanto, as pessoas que fazem o uso regular da substância como dependentes, esta condição
parece não existir na realidade desta matéria, pois aqui o uso regular é o tratamento ao qual o
paciente é submetido. Ao afirmar que “cigarros” são distribuídos aos doentes, que fazem o
tratamento, ele ainda enuncia que o cigarro, uma palavra que designa drogas que são fumadas,
pode ser também um remédio. Mas este remédio não pode ser consumido por qualquer pessoa
e seu uso é rigorosamente controlado. Mesmo quando a maconha é considerada um remédio,
sua prescrição e distribuição é feita com rigidez, pois, como será salientado mais adiante, este
não é um tratamento para todos.
Passagem - É aqui que o Jacob, mais setecentas pessoas vem, pelo menos uma vez
por semana, regularmente, para pegar a sua porção medicinal da maconha, que pode
80
ser entregue de duas maneiras. Uma delas é nesse saquinho plástico aqui, com o que
eles chamam de flores secas. E a outra maneira é assim, moída. Nesse caso os
voluntários já pegam e enrolam alguns cigarros, que mais tarde serão distribuídos aos
pacientes.
Ao chegar, cada paciente mostra a identidade e o papel que autoriza a retirada da
maconha. O nome é rigorosamente checado na lista.
A checagem do documento para a retirada da maconha é mostrada nas imagens no
mesmo momento em que o repórter salienta o rigor da fiscalização que demonstra ela não é
algo acessível a todos, mas um remédio que só é fornecido aos doentes que tiverem permissão
médica.
Outro paciente que faz uso da cannabis é ouvido. Desta vez sua fala não irá só apontar
os efeitos positivos da planta no tratamento de sua enfermidade, mostrará também o
preconceito que gira em torno da maconha e que é quebrado ao se utilizar dela como
medicamento. Aqui mostra a mudança de posicionamento do entrevistado, que via a maconha
como uma droga e que mudou de ideia, porque hoje ela ajuda ele a levar uma “vida normal”.
O paciente diz que voltou a estudar depois de passar a fazer uso da erva, o que contraria a
perspectiva mostrada na matéria anterior em que um usuário declara que por causa da
cannabis não consegue aprender, pois não lembrava o que tinha estudado. O paciente aparece
como prova de que o tratamento funciona e de que a maconha pode perder o estigma de droga
para virar remédio, propiciando a ele ter uma vida normal.
Off - O ex militar Smoel perdeu parte da perna esquerda atingida por um míssel em
Gaza. Ele conta que no principio resistiu ao programa, porque sempre viu a maconha
como uma droga prejudicial ao usuário.
Mas que hoje consegue suportar a dor fantasma, a sensação dolorosa na perna que já
não tem. Smoel voltou a estudar, frequenta a academia e tem uma vida normal.
Figura 26
As imagens destacam a perna que o entrevistado não tem, a perda de um membro é
vista como algo grave, ruim e, pela fala de Smoel, algo doloroso. O texto complementa o
81
sentido de que este sofrimento foi amenizado com o tratamento a base de maconha e que hoje,
ao contrário de antes, e graças à erva, consegue ter uma vida normal. Smoel se encontra no
local da retirada do meidcamento, o que indica que ele é um dos pacientes que vão
regularmente buscar a maconha, referidos pelo repórter na passagem.
No parágrafo seguinte o que sempre foi considerado como os efeitos psicoativos da
maconha, apreciados no uso recreativo, aparece aqui sob uma outra ótica, de reação adversa
do medicamento. Enquanto várias imagens de pés de cannabis passam, o repórter anuncia que
o tratamento não funciona com todos. Nessa enunciação, assim como na última passagem
analisada, nota-se a cautela em se prescrever ou liberar o uso da substância, os efeitos
adversos do medicamento são apontados e um importante alerta é feito em relação a um
público que não deve consumir a maconha: os jovens. Este enunciado também está presente
na matéria anterior sobre os efeitos da maconha no organismo e ainda aparece em mais duas
matérias, o que aponta para uma formação discursiva que pretende atingir este público, não
incentivando o uso entre os jovens, que são a maioria dos usuários da planta.
Off - Mas os médicos esclarecem, o tratamento não funciona para todos os pacientes.
Muitos sentem tonteira e confusão mental. E é contra indicado a jovens com menos de
vinte anos, que podem desenvolver esquizofrenia quando mais velhos.
Figura 27 Figura 28 Figura 29
Enquanto fala do perigo para os jovens, no entanto, nenhum tipo de imagem que
saliente este perigo é mostrada, ao invés disso o que passa no vídeo são imagens do processo
de cultivo da planta, desde elas nos pés, até sendo transportada somente as flores para o uso.
As imagens deste processo se seguem, com vários pés de maconha sendo mostrados nas
várias etapas por que passam enquanto se fala sobre as substâncias que a compõem e os
estudos e sua utilização em outros países do mundo, mostrando como se dá o processo de
produção deste remédio que é utilizado em outros lugares além de Israel.
Mesmo alertando para os perigos e efeitos colaterais da maconha a matéria encerra
reforçando o enunciado a favor do seu uso como medicamento, citando exemplos de países
82
que já adotaram o tratamento. Ai mostra-se que mesmo que a pesquisa sobre o uso da
maconha como medicamento não tenha sido concluída, vários países importantes fazem uso
desta terapia, o que significa que parece ser uma prática segura. Mostra também que, mesmo
não sendo permitida a utilização recreativa, o uso como medicamento já está começando a ser
permitido em locais propícios para a diversão, como nos cafés.
Off - Quatrocentas substâncias da maconha ainda estão sendo estudadas. Mesmo
assim, alguns países começam a testar a receita, já seguida principalmente em Israel,
Holanda, Canadá e Estados Unidos.
Em novembro, na cidade americana de Portland um café passou a permitir o consumo
ao paciente com o certificado médico. É a primeira opção nos Estados Unidos que
esses pacientes têm pra usar a maconha fora de suas casas.
Figura 30 Figura 31 Figura 32
As imagens que cobrem esta última fala mostram locais onde se vende maconha nos
EUA, pessoas frequentando este local e acessórios para o uso. Todas essas imagens ressaltam
o consumo da maconha e destes produtos e, juntamente com o texto do repórter, transmitem a
ideia do divertimento ao se fazer uso da substância, que também é reinterado com o sobe som
de um reggae, música característica do uso recreativo da maconha.
3.3.4 Plebiscito na Califórnia sobre o uso recreativo da maconha – Rodrigo Bocardi –
Jornal Nacional - 02/11/2010
A formação discursiva sobre o uso medicinal de maconha como uma prática natural
também é encontrada na matéria de Rodrigo Bocardi, exibida pelo Jornal Nacional, em
novembro de 2010. Um link12
com o repórter Luis Fernando falando sobre uma série de
votações que iriam ocorrer nos Estados Unidos, que aprovariam emendas regionais, serviu de
gancho para chamar a matéria falando sobre uma dessas 149 emendas a serem votadas, que
12
É a ligação da emissora com uma unidade geradora de sinal que permitirá a participação ao vivo do repórter no
noticiário. (VIZEU, 2000)
83
visa legalizar o uso recreativo de maconha na Califórnia, e que foi destacada como um dos
temas de votações que despertaram maior “interesse”.
Fátima Bernardes chamando um link com Luiz Fernando - o Jornal Nacional já
mostrou que as cidades e estados americanos, eles aproveitam essas eleições para
fazer uma consulta aos eleitores sobre questões bem locais. Nessa votação de hoje que
consultas você diria que despertaram mais interesse por ai?
Luiz Fernando – Fátima, em trinta e cinco, dos cinquenta estados americanos, os
eleitores vão votar num número imenso de propostas. São cento e quarenta e nove
delas. Veja, em Denver, no Colorado, por exemplo, os leitores, vão decidir, se a
cidade deve gastar dinheiro público criando uma comissão para investigar a existência
de seres de outro planeta. Mas a proposta mais controvertida é uma na Califórnia,
onde os eleitores vão dizer se querem ou não legalizar o uso da maconha. É o que
mostra, de Los Angeles, o correspondente Rodrigo Bocardi.
O repórter inicia a matéria fazendo um convite ao público telespectador de imaginar
uma cena, de alguém fumando maconha enquanto anda nas ruas, sem que isso seja reprimido,
estando “dentro da lei”. O convite pode possibilitar, a quem assiste a televisão, imaginar essa
situação de diversas maneiras correspondentes à representação imaginária que tenham do seu
uso. No entanto as imagens que cobrem este convite e que vão guiar a imaginação do
telespectador mostram, em close, uma mulher e depois um homem, já de barba, fumando um
cigarro de maconha, o que transmite a ideia de um outro público de usuários, que geralmente
são representados por jovens do sexo masculino. Pessoas fumando cigarros da erva,
pacificamente e em local aberto também são mostradas e a frase seguinte vai completar o
enunciado pretendido: “A legalização seria uma grande coisa”, opina um jovem californiano,
que não esconde sua identidade, na abertura da matéria.
Off- Imagine uma pessoa andando pelas ruas de Los Angeles fumando,
tranquilamente, um cigarro de maconha e dentro da lei.“A legalização seria uma
grande coisa”, diz o jovem.
Figura 33
84
Enquanto a legalização levanta polêmica por lá, como relata Luiz Fernando ao chamar a
matéria de Rodrigo Bocardi, o seu uso medicinal é enunciado como comum nos EUA nesta
matéria, assim como na de Ari Peixoto sobre o uso medicinal em Israel. É o que mostra a
passagem do repórter, que vem em seguida à fala do jovem a favor da legalização, destacando
há quanto tempo a maconha é usada como remédio na Califórnia, quantos outros estados do
país também adotaram a medida, além da facilidade de se encontrar o medicamento,
demonstrada na passagem que ocorre em frente a uma das lojas que vendem a maconha para
uso medicinal: “É só entrar numa loja como essa, por exemplo”. Em seguida, ele apresenta a
necessidade da receita médica para se conseguir a substância como um empecilho, ao falar:
“Só que hoje é preciso apresentar receita médica”.
Passagem – A maconha pra uso medicinal já é legalizada em terras californianas
desde 1996. Outros treze estados, além da capital Washington, seguiram o mesmo
caminho. É só entrar numa loja como essa, por exemplo. Lá dentro eles não autorizam
gravação, mas se a pessoa pagar pode levar para casa uma porção de maconha. Só que
hoje é preciso apresentar receita médica.
Apresenta, então, a nova proposta que será votada onde “qualquer pessoa”, ou seja,
não só os doentes, poderá usar a maconha, ter uma plantação, como alude a imagem de uma
plantação que cobre o off, que significa não ter mais que ir a um estabelecimento, apresentar
autorização e portar na rua uma quantidade sem ser considerado tráfico. Não há empecilhos
para fazer o uso da erva.
Off - Com a nova proposta, se aprovada, qualquer pessoa vai poder ter uma pequena
plantação em casa e portar até vinte e oito gramas de maconha.
Figura 34
Serão apontados os argumentos contra e pró à legalização. “Quem é contra à mudança
teme que a Califórnia vire um estado distribuidor da droga, que os jovens percam o rumo e os
motoristas, a direção”. Aí o tráfico, representado pelo estado como distribuidor da droga, o
85
perigo aos jovens, que podem “perder o rumo” e o perigo à sociedade, representado pelos
acidentes de trânsito, causados por motoristas sob efeito da substância que perderão a direção,
mostram as formações discursivas de quem é contra a legalização. O perigo que a erva causa
aos jovens é uma preocupação mais uma vez presente no conjunto das matérias analisadas.
Esses perigos são ilustrados com imagens que pouco representam o perigo. Alguém dando
dinheiro em troca de maconha, num ambiente reservado e longe de alusões ao crime, como
armas e violência, representa o estado fornecedor. Jovens andando tranquilamente na rua
ilustram a fala sobre o perigo que causa a estes e o close em alguém fumando maconha é
associado à perda de controle dos motoristas, sem no entanto, mostrar como estes perderiam o
controle ao fazer o uso.
Figura 35 Figura 36 Figura 37
Em contrapartida, os enunciados que defendem a legalização são apontados,
enunciando que a legalização vai gerar renda ao governo, que poderá, então, educar e dar
saúde, ou seja, prevenir que os jovens usem, e combater o tráfico, ao invés de virar um estado
fornecedor. O tráfico sugerido aqui não é o tráfico interno, da própria Califórnia, mas uma
ameaça que vem do exterior próximo, do México e que atinge o estado. As imagens aqui, ao
contrário das que cobrem a formação discursiva contrária à legalização, enunciam também a
favor da legalização. Quem defende a maconha é representado por pessoas fumando,
pacificamente, ao ar livre. Enquanto o repórter fala sobre os bilhões arrecadados que poderão
ser investidos em educação e saúde, muito dinheiro é mostrado, em seguida é apresentada
uma professora na sala de aula e uma médica atendendo uma paciente no consultório,
ressaltando esses investimentos. O golpe no tráfico é ilustrado com policiais fiscalizando a
fronteira com o México, de onde supostamente a maconha ilegal viria.
Off - Já os defensores dizem que o Estado vai arrecadar bilhões em impostos para
financiar a educação, a saúde, além de dar um golpe no tráfico, que é fortíssimo ali do
outro lado da fronteira, no México.
86
Figura 38 Figura 39
Figura 40 Figura 41 Figura 42
Após ter apresentado os lados que defendem e são contrários à legalização, o repórter
encerra a matéria, ouvindo a opinião das fontes oficiais sobre o assunto, no caso, o governo
norte-americano, que é contrario a legalização. Afirma, no entanto, que, apesar da opinião do
governo, a decisão será tomada pela população, de forma democrática, nas urnas.
Off - O governo federal é contra a legalização “Isso não vai resolver os problemas da
Califórnia”, diz o crítico. As urnas é que vão dizer.
Não foi encontrada nenhuma notícia, nota ou referência ao resultado das eleições dada
pelo Jornal Nacional, nesta pesquisa. No entanto, o resultado da votação foi contrário à
legalização, com 56% dos votos, como informa o site Extra Online, da própria Globo.
3.3.5 Marcha da maconha em São Paulo acaba em pancadaria – César Galvão - Jornal
Nacional - 21/05/2011
Seis meses após a votação para decidir sobre a legalização da maconha na Califórnia, a
marcha pela legalização da maconha de 2011 acontece em doze estados e na capital brasileira.
Em São Paulo, ela aconteceu no sábado, 21 de maio, após ser proibida pela justiça do estado,
que considerou o ato crime de apologia às drogas. A polícia tentava impedir a manifestação,
87
que acabou acontecendo após a prisão de um dos participantes. Como reação, a polícia usou
bombas de efeito moral e tiros de borracha contra os manifestantes que insistiram marchando,
se dispersaram, e recomeçaram a passeata despistando os policiais. Foi a única de todas as
dezessete marchas a favor da legalização da maconha que saíram no país a ser noticiada pelo
Jornal Nacional. O critério de noticiabilidade aqui é o conflito, contribuindo a localização do
evento, a capital paulista, que é o centro econômico do país e onde se concentra a Central
Globo de Jornalismo.
Vale ressaltar que a Marcha da Maconha é um movimento que tem por objetivo
chamar a atenção para a necessidade de se descriminalizar o uso da maconha, que surge no
Brasil a partir de 2002 e se consolida em 2006. Este grupo engajado no debate sobre a
mudança das leis só consegue mobilizar o dispositivo midiático e ser noticiado quando o
evento acaba em tumulto, como se percebe já na cabeça da matéria:
Cabeça da matéria: Chico Pinheiro - A gente abre essa edição com a marcha da
maconha, que acabou em muita confusão, hoje à tarde, lá no centro de São Paulo.
Essa foi a menor matéria analisada, a única em que não há citações diretas, através da
sonora, ou indireta, pela narração do repórter da fala de outros. Ao começar a matéria César
Galvão, se referencia a marcha da maconha como “um protesto”. Ao utilizar o artigo
indefinido um, ele provoca um efeito semântico que trata o protesto como um protesto
qualquer, sem importância. Irá influenciar significativamente o resto da oração, implicando
em considerar a quantidade de pessoas presentes pouco significativa, mas com muitos
cartazes a favor da legalização da maconha.
Off – Um protesto com quinhentas pessoas e muitos cartazes pela legalização da
maconha. Era para os manifestantes ficarem somente neste lugar, o vão livre do
Museu de Artes de São Paulo, na Avenida Paulista. Mas os ânimos foram se
exaltando.
Também havia um grupo, bem menor, protestando contra a droga. Os dois lados quase
entraram em confronto. Quem defendia a legalização da maconha queria sair em
passeata, mas a polícia não deixava.
“Era” representa como deveria ter sido e não foi. A ordem que os manifestantes
desobedeceram foi a de ficar somente na frente do MASP. A frase “Mas os ânimos foram se
exaltando” mostra o que fez com que os manifestantes desobedecessem as ordens e não
88
fizessem o que deveria ser feito, que era ficar no MASP. O grupo bem menor representa os
que são contra a legalização e que se encontram em desvantagem em relação ao grupo dos
que defendem a maconha e que estão com os ânimos exaltados. Tudo isso enuncia que os
manifestantes estão errados, exaltados, procurando confusão. As imagens, no entanto, não
mostram nenhum tipo de violência, a imagem que representa os ânimos exaltados mostram
um grupo de jovens reunidos cantando um dos gritos da manifestação “eu sou maconheiro
com muito orgulho com muito amor”, enquanto pulavam. Não mostra nenhum tipo de atrito
entre os dois grupos presentes, os a favor e os contra a legalização. Mas os ânimos exaltados
são reforçados pela vontade de marchar, onde as imagens mostram a polícia fazendo um
cordão humano para conter os manifestantes, mostra os manifestantes tentando enfrentar a
polícia. A marcha é ilegal, vai contra a lei e a polícia, como reintera a passagem do repórter.
As imagens, no entanto, mostram uma manifestação pacífica, até o início da ação da polícia.
Passagem – A marcha da maconha foi proibida pela justiça. Os manifestantes se
concentraram no MASP. Mas no momento em que um deles era detido pela polícia,
eles saíram pela Avenida Paulista até o centro da cidade.
Figura 43
A prisão de um dos manifestantes aparece como estopim da marcha que havia sido
proibida. A reação da polícia foi ir atrás dos que estavam descumprindo as ordens, o método
utilizado para acabar com a manifestação ilegal foi a violência, que aparece na descrição do
repórter sobre a ação policial e é complementada pelas imagens e sons das bombas e tiros e
das agressões, praticadas pelos policiais contra os manifestantes capturados:
Off - A PM foi atrás. E logo adiante lançou as primeiras bombas de gás lacrimogêneo.
Houve mais prisões. Disparos de bala de borracha. Mas os manifestantes não pararam.
Fizeram provocações. A PM respondeu com uma chuva de bombas.
Depois de dois quilômetros de marcha, os manifestantes se dispersaram. E a polícia
parou. Parecia que a calma já havia voltado, mas os manifestantes recomeçaram a
passeata. A PM lançou bombas, fez mais uma prisão. A marcha da maconha terminou
na porta de uma delegacia.
89
Figura 44 Figura 45 Figura 46
“Mas os manifestantes não param”, anunciam resistência, fazem “provocações”, agem
com desobediência, e a resposta da polícia é muito mais violência representada pela “chuva de
balas” presente tanto na fala do repórter como nas imagens que mostram a chuva. A dispersão
dos manifestantes e o fim da ação da polícia possuem duas relações de causa e consequência.
Uma relação é a de que a polícia estava atacando para que os manifestantes se dispersassem.
A outra é de que os manifestantes parando de agir, a polícia também para de perseguir e
atinge seus objetivos. A dispersão, ou seja, a não manifestação, “traz de volta a calma” e
enuncia mais uma vez que a culpa da desordem é dos manifestantes que protestam e não dos
policiais que agridem. O recomeço da passeata revela o ato de dissimulação dos
manifestantes, que despistaram a polícia, fingindo que haviam fugido, e recomeçando em
outro ponto. Mostra mais uma vez a desobediência e insistência dos mesmos. A resposta da
polícia também é a mesma, mais violência, “bombas” e “prisão”. A marcha acaba onde
acabam os casos de polícia, os crimes: na delegacia. As imagens mostram as pessoas indo
embora
Esta história parece ilustrar o fracasso da guerra às drogas. Se formos pensar: os
manifestantes a favor da legalização da maconha como a representação das drogas, que
devem ser combatidas, proibidas como foi a manifestação; e a polícia no combate às drogas,
aos criminosos que defendem esta legalização; podemos então perceber que a polícia, em
ambas as batalhas, por meio da repressão e da violência não conseguiu conter o consumo das
drogas.
O repórter finaliza a matéria com o que define como resultado do protesto: “um
policial com ferimentos leves e seis manifestantes detidos. Todos já foram liberados.” Aí
então muita coisa parece apagada, esquecida. Ao resumir os resultados do protesto ao
ferimento do policial e as prisões que não deram em nada, o repórter não informa o que
aconteceu com os manifestantes aos quais bombas, tiros e pancadas se destinaram. Eles não
tiveram nenhum ferimento? O protesto não vai gerar nenhuma consequência nem aos
manifestantes nem aos policiais? É o que transparece nessa conclusão e na imagem das
90
pessoas indo embora que finaliza a matéria. Mas os manifestantes detidos terão passagem pela
polícia? As ações dos policiais foram corretas? Essa manifestação não teve nenhuma outra
consequência? São perguntas que deixam de ser respondidas nesta matéria.
3.3.6 Fernando Henrique Cardoso e o documentário “Quebrando Tabu” – Sônia Bridi -
Fantástico – 29/05/2011
Uma semana depois da Marcha da Maconha de São Paulo outra matéria sobre o uso da
maconha que vai citar a manifestação paulista vai ao ar. Estamos a um mês de terminar esta
pesquisa e o programa Fantástico dedica quase oito minutos e meio da sua programação à
“polêmica” que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso levanta em um documentário que
defende a regulação do uso da maconha e a descriminalização de todas as drogas no mundo.
A reportagem de Sônia Bridi se coloca sob a perspectiva que o documentário defende.
A mesma que é defendida por Fernando Henrique Cardoso na primeira matéria analisada,
contra as leis proibicionistas e a favor de leis que tratem os usuários de drogas como
dependentes e, consequentemente, pacientes do sistema de saúde. A repórter introduz a
matéria com a marcha da maconha de São Paulo. E, utilizando do áudio ambiente da
manifestação paulista, cria uma série de efeitos sonoros que comporão o sentido das imagens.
As imagens da concentração dos manifestantes de São Paulo abrem a matéria,
mostrando os cartazes pela defesa da legalização e o áudio ambiente onde os manifestantes
cantam “queremos debater”. Em seguida, o som dos cassetetes dos policiais batendo contra o
escudo insinuam a repressão a esse debate. Eles avançam e agridem os manifestantes
comprovando essa repressão, enquanto a repórter narra: “Sábado, vinte e um de maio, centro
de São Paulo. A marcha da maconha, proibida pela justiça vai às ruas e é reprimida pela
polícia.”.
Nesta matéria, em contraposição à anteriormente analisada, a repórter utiliza o artigo
definido “a” acompanhado do sujeito “marcha da maconha”, que destacam a manifestação,
singularizam-na. Nessa diferença encontrada entre as duas matérias, podemos então perceber
como a subjetividade do repórter influencia na construção da notícia e nos sentidos que elas
irão construir. Nesta reportagem a ação policial aparece como “repressão”, enquanto na
anterior aparecia como reação à desobediência das leis. Algumas imagens utilizadas nesta
91
matéria também estão presentes na anterior. Lá, enquanto mostra jovens com cartazes, Cézar
Galvão se refere a “um protesto” com “muitos cartazes pela legalização da maconha” aqui a
mesma imagem é mostrada com o som ambiente, em que os manifestantes gritam “Queremos
debater”.
Figura 47 Figura 48
Em seguida, a sonora do manifestante completa: “Não adianta querer tratar um debate
de ideias com porrada, que a gente não vai aceitar e a gente vai continuar”, mostra a formação
discursiva do manifestante, que ao falar alude ao efeito de memória que associa o combate de
ideias com porrada a ditadura, a censura. A polícia que combateu os manifestantes não foi
ouvida na matéria, um discurso esquecido, apagado. Só restando mais uma vez o enunciado
de que a violência não traz resultados.
Mais efeitos sonoros, desta vez sobe o som de uma música do Planet Hemp que vai
acompanhar as imagens dos manifestantes com faixas pela liberdade e pela legalização. O
som desta banda transmite a ideia de protesto e é característico da luta pela legalização. Em
seguida, a repórter completa traduzindo a realidade do movimento pela descriminalização na
atualidade:
Off - As vozes pela descriminalização ou até pela liberação da maconha estão
ganhando apoio de peso. O líder do PT na câmara dos deputados, Paulo Texeira, já
defendeu publicamente até a formação de cooperativas para o plantio de maconha.
E agora, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Prestes a completar oitenta
anos, conduz um documentário que defende a descriminalização do uso de drogas e a
regulação do uso da maconha.
Figura 49 Figura 50
92
Ao dizer “as vozes pela descriminalização”, enquanto mostra o rapaz com uma faixa
na boca, que representa a censura, a matéria enuncia que ideias defendidas por eles são
censuradas. No entanto, o resto da oração e a imagem que vem em seguida, defendendo a
liberdade das ideias, demonstrará que isso pode mudar, pois este ideal está “ganhando apoio
de peso”, ou seja, despertando o interesse de pessoas importantes, que querem liberar este
direito de pensar.
As personalidades de “peso” são representadas pelo líder do governo na câmara, Paulo
Texeira e Fernando Henrique Cardoso, que atualmente é oposição ao governo. O que
demonstra que oposição e governo têm políticos importantes engajados numa mesma
campanha, concordando em relação a algo, que é a legalização da maconha. Tudo isso serve
de gancho para o tema central da reportagem. A enunciação a favor da descriminalização da
maconha feita por Fernando Henrique Cardoso e Paulo Texeira ganha significado diferente,
mais importante, do que a mesma enunciação proferida pelos jovens manifestantes da marcha
da maconha.
O documentário lançado na mídia por Fernando Henrique Cardoso vai, neste momento
dos movimentos pela descriminalização ocorridos no mês de maio, atrair ainda mais o olhar
da imprensa para esta pauta que vem sendo agendada publicamente a algum tempo e que, só
agora, emerge com critérios de noticiabilidade substantivos, que vem da atualidade do assunto
e da importância dos atores envolvidos. Fernando Henrique Cardoso é a personalidade
central, em torno da qual irá acontecer a matéria e o documentário. É a formação discursiva
defendida por ele na comissão, que foi tema da primeira matéria deste corpus, que aqui são
detalhadas. A ele, unem-se ainda outros ex-presidentes que defendem uma mudança no
combate as drogas, ressaltando o apoio de peso que a causa recebe mundialmente.
Pergunta- Porque é que o senhor resolveu meter a mão nesse vespeiro?
FHC – Porque é um vespeiro. As pessoas não tem coragem de quebrar o tabu e dizer
vamos discutir a questão.
Off - O filme Quebrando Tabu, que estreia nesta semana, Fernando Henrique e ex-
presidentes do México Ernesto Zedilho, da Colômbia, César Gaviria e dos Estados
Unidos, Jimmi Carter e Bill Clinton reconhecem: falharam em suas políticas de
combate às drogas.
Pergunta – Se o senhor esta tão convencido a respeito deste tema, porque não foi
implementado durante o seu governo?
93
FHC – Primeiro porque eu não tinha a consciência que tenho hoje. Segundo porque
eu também achava que a repressão era o caminho.
Off - Todos concluem que a guerra mundial contras as drogas, iniciada há quarenta
anos, é uma guerra fracassada. Bilhões de dólares são gastos no mundo inteiro, mas o
consumo cresce e cresce o poder do tráfico, espalhando a violência.
Ao dizer que os presidentes “reconhecem” que a guerra às drogas falhou, produz o
significado de que admitem uma verdade. Esta verdade assumida por eles é uma conclusão de
todas as pessoas, uma unanimidade. É o que sugere a repórter no início deste segundo
parágrafo, ao se referir aos ex-presidentes que concordam com o fracasso da guerra as drogas
com a frase “Todos concluem que a guerra mundial contras as drogas, iniciada há quarenta
anos, é uma guerra fracassada.” A enunciação passa também a ideia semântica de que “todos”
significa todos nós, a sociedade, que compartilha dessa ideia. Os prejuízos da política adotada
são postos como prejuízos econômicos, dinheiro gasto para combater o tráfico, que ao invés
de diminuir, só aumenta, espalhando algo que as pessoas temem, a “violência”.
Os offs da repórter sobre o reconhecimento da ineficácia da guerra às drogas são
cobertos por imagens do documentário. Uma animação que mostra que pessoas morrem
porque a droga é criminalizada, acompanhada de um rock que transmite a ideia de violência.
Figura 51 Figura 52
As perguntas direcionadas a FHC, no formato de entrevista, denotam a importância
dele como principal porta voz deste discurso que guiará o enquadramento da matéria. Em toda
a matéria a repórter utiliza imagens e depoimentos do documentário Quebrando Tabu, assim
como os argumentos do filme. Os argumentos levantados para comprovar que a guerra às
drogas falhou são semelhantes às duas matérias que contam com a presença de Fernando
Henrique.
Off - As armas constantemente recolhidas dos traficantes do Rio de Janeiro são a
prova que a polícia trabalha enxugando o gelo. É preciso ir além das apreensões de
drogas e do combate aos traficantes.
94
Sonora: Fernando Grostein Andrade (diretor do documentário) – O ponto central
é questionar a lógica de guerra, não é defender o uso da droga. É apenas dizer que
vamos pensar se não tem um jeito mais inteligente, mais eficiente de lidar com esse
assunto.
Figura 53 Figura 54 Figura 55
As imagens do documentário que mostram uma infinidade de armas apreendidas
reforçam o sentido da enunciação de que o combate ao tráfico não está adiantando, que a
violência não diminui. Ao falar que é preciso ir além do combate aos traficantes levanta a
necessidade de adoção de outras medidas, que serão apresentadas no decorrer da matéria e do
documentário, no qual a fala do diretor reintera a formação discursiva defendida que é ir de
encontro às leis proibicionistas, a guerra às drogas e que sugere outras alternativas, como a
descriminalização das drogas e a adoção de medidas de prevenção e tratamento e que são
colocadas por ele, como “mais eficientes” do que o combate.
Essas maneiras mais eficientes aparecerão na sequência, após os dados que
comprovam que a maconha é amplamente consumida hoje, apresentados enquanto mostra
pessoas fazendo o uso da maconha em locais marginalizados, com caracteres que destacam os
números, que são altos, como apresenta a fala da repórter que afirma que a maconha é a
“droga mais difundida”.
Figura 56
Os altos números fazem surgir a pergunta: ela é inofensiva para ser legalizada? A
autoridade que responderá esta pergunta é um “médico especialista em drogas”, ou seja, que
estuda profundamente “há mais de quarenta anos” o tema e que participa de comissões
95
importantes, representando o Brasil mundialmente. Sua resposta, a principio, não diferencia a
maconha das demais drogas e, generalizando todas as drogas, afirma que a maconha, como
qualquer outra pode ser prejudicial, pois “não há droga inofensiva”. O prejuízo causado por
elas será relativizado na sua enunciação, já que “qualquer coisa depende da dose, depende da
sensibilidade do indivíduo”. Ao dizer “qualquer coisa” produz também o significado de que
não só as drogas, mas tudo, qualquer coisa, pode ser prejudicial, dependendo destas
condições. Em seguida diferencia a maconha das demais drogas, singulariza-a para falar dos
seus efeitos psicoativos, apresentando o enunciado que defende a legalização.
Sonora: Elisaldo Carlini (médico especialista em drogas UNIFESP) – Não há
droga inofensiva. Não há. Qualquer coisa depende da dose, depende da sensibilidade
do indivíduo. Agora, a maconha, entre as drogas que são usadas sem finalidade
médica, para fins de divertimento, para fins de recreação, ela é bastante segura.
Off - Palavra de quem há mais de quarenta anos estuda a questão e trata dependentes.
O professor Elisaldo Calini representa o Brasil nas comissões de drogas da
Organização Mundial de Saúde e das Nações Unidas.
Sonora: Elisaldo Carlini – Defendo totalmente a descriminalização.
Ao colocar que dentre as coisas que são prejudiciais, e que podem ser muitas, como
aponta “qualquer coisa”, a maconha, usada para divertimento, é uma droga segura. Ou seja,
dentro das coisas que fazem mal, a maconha é algo que faz pouco mal. Elisaldo Carline
aparece como referência no tema, alguém confiável, que há muito tempo trata dependentes e
pesquisa a droga, e que pode fazer essa afirmação, defendendo a descriminalização.
Obedecendo as técnicas jornalistas que visam alcançar a objetividade, a repórter, escuta na
sequencia alguém com opinião contrária à descriminalização. É Ronaldo Laranjeira, professor
que também trata dependentes químicos há muito tempo, respaldado portanto para dar sua
opinião.
Sonora: Ronaldo Laranjeira (psiquiatra da UNIFESP) – Eu sou contra porque
quanto mais fácil você tornar a droga disponível na sociedade, maior vai ser o
consumo.
Off- O professor Ronaldo Laranjeira trata de dependentes químicos a trinta e cinco
anos.
Sonora: Ronaldo Laranjeira – Ela é uma droga perigosa. Uma prova disso é que
10% de todos os adolescentes, menores de quinze anos, que experimentam a maconha,
vão ter um quadro psicótico.
96
Off- Na lista das drogas mais perigosas da revista médica Lancet, respeitada no
mundo inteiro, a maconha aparece em décimo primeiro lugar. Bem atrás do álcool e
até mesmo do cigarro, que são vendidos legalmente.
As imagens que acompanham a opinião de Elisaldo Carline mostram a maconha em
laboratórios, sendo estudada. As imagens associadas à fala de Ronaldo Laranjeira mostram os
efeitos da droga no indivíduo, a que a droga leva. Portanto um é representado como estudioso
da substância enquanto o outro atende pessoas que são dependentes, muito embora Carline
também cuide de dependentes, como afirma a repórter. Isso pode ser percebido nos dois
exemplos abaixo.
Figura 57 Figura 58
Mais uma vez o enunciado sobre o perigo da maconha nos jovens aparece, agora
respaldado em números, “perigosa”, alerta para os efeitos nos “adolescentes” que podem
desenvolver “quadros psicóticos”, mostrando mais uma vez que a maconha causa problemas
mentais. A posição em que se encontra o enunciado defendido por Ronaldo Laranjeira parece
desprivilegiada. Sua afirmação sobre o aumento do consumo se houvesse a legalização, é
contraposta na sequência por uma revista médica de referência, “respeitada no mundo
inteiro”, o que pressupõe ao leitor ser muito importante, falar a verdade.
A formação discursiva contrária à legalização encontra-se sozinha no meio de duas
formações discursivas que defendem o outro enunciado a favor da regularização da maconha:
O “médico especialista em droga” Elisaldo Carline defende “totalmente a descriminalização”
e a revista “respeitada no mundo inteiro” mostra que ela é uma das drogas menos perigosas.
Seria menos inclusive, do que drogas que são legalizadas, como o álcool e o cigarro. Ao falar
isso a repórter se dirige a um público que acha que usar essas drogas é normal, então dizer
para elas que a maconha é mais leve, causa menos mal, do que essas drogas, ela compõe um
enunciado favorável à legalização da mesma. Este pensamento é ainda proferido na fala de
97
FHC, reinterando este enunciado através da comparação entre o álcool, amplamente
consumido e legalizado e a maconha que é proibida, mas causa menos mal, como pode ser
percebido:
Sonora: FHC – Álcool é mais letal do que maconha, e não se diz isso. Mas é. Os
dados mostram isso. Então tem que discutir e diferenciar e regular, o que é que pode e
o que é que não pode.
Figura 59 Figura 60
Nessa fala de Fernando Henrique ele enuncia que se o álcool é mais letal que a
maconha, comprovadamente, logo ou o álcool deve ser proibido, pois faz mais mal do que a
maconha, ou esta deve ser legalizada. Pressupõe-se que o público para o qual se dirige não
quer que o álcool seja criminalizado, portanto a conclusão ultima é que se deve regular a
cannabis.
É interessante observar que o cigarro e o álcool também são tratados como problemas
de saúde pública. Os acidentes de trânsito são frequentemente atribuídos ao hábito de
consumir álcool. A lei que proíbe aos motoristas de consumir álcool é a manifestação pública
mais concreta contra o consumo de álcool. No entanto, apesar das restrições impostas ao seu
uso, o álcool é uma droga socialmente e judicialmente aceita. É o que mostram as diversas
propagandas de cerveja que associam o álcool a diversão e a conquista, incentivando o seu
consumo. O que acontece nesse caso parece ser uma restrição ao uso do álcool em
determinadas circunstancias que põe em risco a sociedade no geral, mas ele não é visto como
potencialmente perigoso pelos seus efeitos.
Ao cigarro, já verifica-se uma maior repressão tanto social quanto legal ao seu
consumo. Propagandas que incentivem seu uso são proibidas e, cada vez mais, leis são criadas
no sentido de restringir os locais de consumo, muito embora seja classificado como menos
prejudicial que o álcool. De maneira geral o álcool e o cigarro são tratados como problemas
de saúde pública quando o usuário sente a necessidade de largar o vício, existindo grupos
98
como os narcóticos anônimos. Mas ai o critério é o uso prejudicar a pessoa ou a sociedade,
não se partindo do princípio de que qualquer pessoa que use deva ser tratada como um doente.
Enquanto FHC apresenta a necessidade de discutir e diferenciar o que pode e o que
não pode, a matéria mostra imagens da maconha, que é mais leve que o álcool, sendo
consumido na clandestinidade. Para alcançar este novo modelo de combate às drogas, as
matérias parecem buscar respostas nas experiências internacionais. É o que se percebe já na
fala de Fernando Henrique na primeira matéria de 2009, quando diz: “É preciso começar a
avaliar a conveniência de descriminalizar o porte da maconha para consumo pessoal. Isso já
está sendo, na prática, feito em muitos países”.
Nesta última matéria, onde FHC aparece novamente como centro desta discussão,
exemplos de outros países, que descriminalizaram ou regularam o uso da maconha são dados,
como modelos adotados por eles que vêm dando certo. Ao falar em regular o uso da maconha
FHC dá o gancho para que seja explicado o modelo holandês:
Off- Regular não é o mesmo que legalizar. E foi isso que Fernando Henrique Cardoso
descobriu indo para Holanda. Lá a maconha é vendida em cafés, mas o governo não
legalizou o uso indiscriminado.
Funciona assim: a regulamentação determina que você não pode consumir nas ruas,
nem vender fora dos cafés. Nos locais determinados fuma-se maconha sem repressão
policial.
A diferença entre regular e legalizar é posta em destaque. A regularização não permite
que a substancia seja consumida em qualquer lugar, ou seja, não é permitido às pessoas
fumarem em qualquer lugar, mas em alguns lugares isso é feito sem problemas com a lei. As
imagens desses locais onde ela pode ser consumida são mostradas, não são ambientes
escondidos ou marginalizados, mas uma loja, as pessoas não são tratadas com agressividade
ou recebidas com armas, mas sim cordialmente, com apertos de mão. A consequência desse
modelo, na visão de Fernando Henrique é positiva:
Sonora: FHC – Na Holanda é muito interessante, os meninos de colégio, eu
conversei com eles, eles não têm curiosidade pela maconha, porque é livre.
Off- O consumo de maconha é tolerado e, mesmo assim, vem caindo.
Passagem – Desde 2006 a lei brasileira já trocou a prisão por penas alternativas pra
quem é pego com drogas e é considerado usuário, não traficante. Mas que quantidade
de drogas? Que situação caracteriza o tráfico? Isso a lei deixa a critério do juiz.
99
Figura 61 Figura 62 Figura 63
Enuncia uma consequência positiva da regulação ao afirmar que, no modelo holandês,
os jovens não sentem vontade de usar maconha por que é permitido, sendo os principais
consumidores da droga e colocados como o grupo mais prejudicado por ela. Afastaria, assim,
o perigo das drogas dos jovens. A repórter adota a perspectiva apresentada pelo ex-presidente
em toda a matéria. Assume o discurso dele como o discurso reproduzido: já que os jovens
estão deixando de se interessar, o consumo está caindo no país onde o uso é tolerado. Mais
uma vez ela se contrapõe à formação discursiva que justifica a necessidade da proibição como
controle do consumo.
Na sua passagem, Sonia Bridi sinaliza as mudanças nas leis brasileiras sobre drogas,
apresentando essas alterações como um avanço ao diferenciar as penas dos usuários e dos
traficantes, o que pode ser percebido quando a repórter diz que o Brasil “já trocou a prisão por
penas alternativas”. A expressão “já trocou” aparece no sentido de avanço realizado. Mas as
perguntas sobre como diferenciar os usuários dos traficantes apontam falhas no sistema em
que a maconha ainda é caso de justiça. Aqui, a repórter usa a fala de outro personagem do
documentário, o médico e também personalidade midiática, Dráuzio Varela, conhecido e
respeitado pelo público, que apresentará mais argumentos contra a criminalização das drogas,
como se pode observar:
Off - É uma linha difícil de esclarecer, como o doutor Dráuzio Varella explica no
documentário.
Sonora: Dráuzio Varella (médico) – Quando a droga é criminalizada. É um crime
você possuir a droga. Não vão dez pessoas comprar, se uma só pode ir e dividir entre
as dez. E o menino que usa a droga percebe que dessa maneira ele também, se ele
vender um pouquinho mais caro a dele sai de graça.
Off – Neste caso o usuário vira traficante, e acaba na prisão. Onde, como se sabe, a
droga circula facilmente.
100
Figura 64 Figura 65
Dráuzio demonstra que a lei atual, mesmo sendo um avanço, não é correta, pela
dificuldade que há em enquadrar uma pessoa em usuário ou traficante, onde, muitas vezes é
difícil de separar uma coisa da outra. O usuário que se arrisca a comprar a droga pode ser
enquadrado como traficante, assim sendo, ele vai preso e ao invés de deixar de usar a droga,
lá ele terá acesso a ela facilmente. A imagem de policiais abordando jovens e a cadeia
complementam o sentido da fala de Dráuzio Varella e da repórter.
Com a questão da descriminalização de todas as drogas outro discurso emerge na
reportagem de Sônia Bridi sobre o documentário “Quebrando Tabus” e que vêm
complementar a ideia de que o uso de drogas deva deixar de ser caso de polícia. Neste outro
discurso reproduzido aqui, o usuário dependente de droga deve ser tratado pelo sistema de
saúde e não pela polícia, transformando o usuário, visto atualmente como um criminoso, em
um paciente do sistema de saúde público. Isso pode ser percebido em outras matérias
analisadas, como a primeira, em que a comissão latino americana sugere o tratamento dos
usuários e na segunda matéria sobre a abstinência e, consequentemente, dependência da
maconha. Aqui aparece através do modelo de políticas sobre drogas português, que
descriminalizou o porte de todas as drogas desde 2001, mas os usuários são obrigados a
participar de tratamento médico e prestar serviço social.
Off - Em Portugal o consumo de entorpecentes não dá mais cadeia desde 2001. Mas
há uma penalidade. O usuário tem que fazer tratamento médico e prestar serviço
social.
Sonora: FHC – A maior parte dos que usam drogas querem se safar, querem sair da
condição de droga. E que a existência de um caminho que não os leve a cadeia, mas
que leve a um tratamento, é positiva.
Off – O ministro da saúde portuguesa explica que o tratamento é gratuito para a
dependência em todo tipo de droga, da maconha ao crack.
Sonora: Ministro da Saúde Português - Depois de dez anos o que é que nós vemos?
Nossos jovens consomem menos drogas ilícitas.
101
Figura 66
A fala de Fernando Henrique enuncia que os usuários de drogas são doentes, que
quase sempre querem se tratar, se ver livres da doença. A solução é, portanto, fornecer
tratamento para esses doentes, não tratá-los como criminosos. No segundo off da repórter, no
trecho acima, ao falar de todo o tipo de drogas, “da maconha ao crack”, passa a ideia
semântica de que se está partindo das drogas mais leves, que seria a maconha, às drogas mais
pesadas, que seria o crack. Em seguida, mostra o resultado que um representante do governo
português, uma fonte oficial, apresenta. A redução do uso por jovens, que são apresentados
como grupo de risco, como já foi visto várias vezes nessa análise. Esta redução é representada
pelas imagens de jovens, saudáveis e em ambiente escolar.
É bom perceber aqui que os dois modelos observados no documentário e na matéria, o
holandês e o português não tratam da mesma coisa. O primeiro é um exemplo de regulação da
maconha, o segundo é a descriminalização de todas as drogas, transformando seus usuários
em pacientes do sistema de saúde. Ambas as atitudes são defendidas por FHC e não
correspondem a formações discursivas opostas. Significa que o uso da maconha seria
permitido em quantidades e locais determinados pela lei e as demais drogas não seriam
tratadas como crime, mas os usuários seriam encaminhados para tratamento.
Observe que a formação discursiva contra a guerra às drogas está sempre vinculada à
formação discursiva que transformam os usuários em doentes. Enunciando que o certo não é
guerrear, é tratar. Isso pode ser mais uma vez percebido na fala do médico especialista em
droga apresentado pela repórter.
Sonora: Elisaldo Carlini – Eu não vejo nenhum sentido em criminalizar o uso e a
posse dessas drogas todas. É um caso de saúde, não é um caso de polícia.
Off – Mas qual é a estrutura que o Brasil tem hoje para tratar seus dependentes?
102
Na pergunta da repórter, pode-se perceber outra pergunta implícita: será que o Brasil
tem condições de descriminalizar as drogas? A resposta vem na sequencia, o médico, contra a
descriminalização, e fontes do governo irão responder esta pergunta. O primeiro baseado na
sua experiência concreta, diariamente vivida com os dependentes, o segundo baseia-se na sua
autoridade enquanto fonte oficial, que detém dados e estatísticas sobre a situação do sistema
público de saúde para tratar os dependentes. São os novos responsáveis por cuidar dos
usuários de drogas de acordo com esta formação discursiva emergente, o Ministério da Saúde.
Sonora: Ronaldo Laranjeira – As pessoas ficam perambulando pelo sistema de
saúde. Ou perambulando, literalmente, pelas ruas, no caso dos usuários de crack, e
você fica “desassistindo” ativamente essa população.
Off - O ministério da saúde já fez as contas do que falta para tratar os dependentes
químicos. Três mil e quinhentos leitos hospitalares. Novecentas casas de
acolhimento.Cento e cinquenta consultórios de rua, para chegar às cracolândias, por
exemplo. Mas a previsão é atingir esta meta só em 2014.
Pergunta – O senhor tem opinião formada sobre a questão da descriminalização?
Alexandre Padilha (Ministro da Saúde) - Tenho uma opinião como ministro né.
Exatamente isso, que nós do Sistema Único de Saúde precisamos reorganizar essa
rede, ampliar essa rede, pra acolher as pessoas que são usuárias de drogas, sejam
lícitas ou ilícitas.
Figura 67 Figura 68
A pergunta está em destaque na imagem que mostra alguém consumindo drogas e
evidencia o que está sendo dito pela repórter. Imagens da cracolândia, onde usuários vivem na
rua e a droga é usada livremente, se tornando um sério problema para os governos irão ilustrar
os números do que é necessário para tratar das drogas como um problema de saúde e tirar
essas pessoas desta condição.
A repórter, ao apresentar as visões do médico Ronaldo Laranjeiras e do ministro da
saúde, enuncia que o Brasil não está preparado para descriminalizar as drogas. É o que
indicam as composições “As pessoas ficam perambulando pelo sistema de saúde.”, “as contas
do que falta para tratar os dependentes químicos.” “E nós do Sistema Único de Saúde
103
precisamos reorganizar essa rede, ampliar essa rede, pra acolher as pessoas que são usuárias
de drogas, sejam licitas ou ilícitas.” é que o país ainda não está preparado para tratar dos
usuários de drogas, mas que esta é uma atitude necessária, ainda longe de ser alcançada, como
apontam os números do governo apresentados pela repórter. A meta apresentada pelo governo
para conseguir tratar os usuários é apresentada como uma realidade distante por ela, presente
na fala “só em 2014”.
Note-se que, desde a apresentação das leis portuguesas, assim como em outros
momentos da matéria, ela se volta para o uso de todas as drogas, não falando somente da
maconha. Os números do governo não são referentes ao tratamento dos usuários de maconha
somente, mas de todas as drogas “licitas ou ilícitas” como afirma o ministro. Ou seja, do
álcool e cigarro à maconha, cocaína e crack. Sob esta perspectiva outro modelo estrangeiro é
apontado como soluções para os problemas causados pelas drogas pesadas como heroína e
crack. É a redução de danos, que surge na Holanda, na década de 80.
Antes disso o país já havia diferenciado as drogas leves das pesadas. As leves, como a
maconha e o haxixe, foram regularizadas. Para as pesadas, a partir da década de 80, frente aos
graves problemas de morte por overdose e da contaminação dos usuários de heroína por
AIDS, hepatite e outras doenças transmissíveis, devido ao compartilhamento de seringas, a
Holanda, assim como a Inglaterra e a Suíça adotaram políticas de redução de danos.
A redução fornece a droga e os utensílios de uso para os dependentes que não
conseguem deixar o vício, diminuindo o número de mortes tanto por overdose quanto por
doenças e retirando o usuário da criminalidade. É o que dizem as imagens que, enquanto
mostram os usuários usando esse sistema, ou seja, usando a droga fornecida pelo governo, são
sobrepostas por caracteres ressaltando os benefícios dessas medidas.
Off – Na Suíça e na Holanda, existem os projetos chamados de redução de danos.
Dependentes de drogas pesadas, como a heroína, recebem do governo a droga e
agulhas limpas.
Sonora: FHC – É terrível ver isso. Pra você ver também que ali está um doente e não
um criminoso.
Off – Triste, mas é essa redução de danos que evita a transmissão de doenças
infecciosas, mortes por overdose e a ligação dos usuários com o crime.
Sonora: FHC – Não to pregando isso pro Brasil. Porque a situação é diferente, o
nível de cultura é diferente, de riqueza é diferente, de violência é diferente. Cada país
tem que buscar o seu caminho, é isso que eu acho que é fundamental. Quebrar o tabu,
começar a discutir e vamos ver o que é que nós fazemos com a droga?
104
Figura 69 Figura 70
Este modelo, portanto, aparece como exemplo no tratamento de drogas pesadas que
obteve sucesso, também servindo de exemplo para o tratamento de outras drogas, como pode
aparecer num contexto mais amplo da matéria, em que o problema do crack foi referenciado
pela repórter através da fala de Ronaldo Laranjeira e dos dados para assistir os usuários desta
droga, pouco antes do sistema de redução de danos ser citado. Os seus sucessos foram tirar os
usuários da criminalidade e da marginalidade envolvidas no tráfico, que se manifestam em
roubos e prostituição para conseguir o dinheiro para a droga. Cuidar da saúde dos
dependentes, que não usariam produtos de baixa qualidade que prejudicam seriamente o
organismo e não compartilhariam objetos transmissores de doenças. Fernando Henrique
Cardoso, que guia o documentário e também esta matéria, explica que não defende que todas
essas medidas sejam implantadas aqui, muito embora a própria divulgação que ele faz delas
pode fazer com que estas sirvam, pelo menos, de modelos que possam nos guiar na busca pelo
nosso caminho. Fernando Henrique expressa tristeza, mas ressalta a importância desta
medida, pois não se trata de um criminoso, se trata de um doente, que não consegue escolher
não usar a droga.
Conclui dizendo qual é o objetivo de estar chamando atenção para o tema das drogas,
que é a meta principal do filme, da Comissão Latino Americana e das matérias analisadas:
“Cada país tem que buscar o seu caminho, é isso que eu acho que é fundamental. Quebrar o
tabu, começar a discutir e vamos ver o que é que nós fazemos com a droga?” A resposta a esta
pergunta parece ser dada por ele no documentário e pode ser percebida no conjunto das
matérias analisadas. O enunciado que responde a esta pergunta é: “tratar o seu uso como um
problema de saúde”.
Mais uma medida é sugerida para essa nova forma de se tratar as drogas, são as
campanhas preventivas que já foram citadas na primeira matéria deste corpus por uma das
medidas defendidas pela Comissão Latino Americana sobre Drogas e Democracia. Medida
105
que reaparece nesta matéria, através de um trecho do documentário, onde quem fala sobre o
perigo das drogas é um ex usuário famoso, que ao contrário das duas primeiras matérias
analisadas não esconde seu rosto.
Off – Ouvindo um ex usuário famoso o documentário dá uma pista. Campanhas de
prevenção abertas e honestas podem funcionar.
Sonora: Paulo Coelho (escritor) – O grande perigo da droga é que ela mata a coisa
mais importante que você vai precisar na vida. É o teu poder de decidir. A única coisa
que você tem na sua vida é o seu poder de decisão. Você quer isso ou você quer
aquilo? Seja aberto, seja honesto, diga isso. É realmente a droga é fantástica, você vai
gostar. Mas cuidado heim, porque você não vai poder decidir mais nada. Basta isso.
Figura 71
O fato de ser famoso, respeitado, e de todos saberem de suas experiências com as
drogas permitem que Paulo Coelho mostre sua cara, como um símbolo de alguém que
experimentou e pode falar sobre aquilo. A droga da qual ele era usuário não é apresentada.
Mas os seus argumentos parecem inaugurar outro tipo de campanha, aparentemente,
característico dessa nova formação discursiva defendida no documentário e pela comissão
latino americana, que visam alertar os usuários para a dependência das drogas, ao invés de
demonizar os seus efeitos e culpar o usuário pelo tráfico, como acontece na formação
discursiva hegemônica atualmente.
3.4 Caminhos que levam ao mesmo lugar
No conjunto de matérias escolhidas para análise é possível perceber afastamentos e
proximidades entre os enunciados e as formações discursivas de algumas delas. A primeira e a
última matérias exibidas, por exemplo, têm em comum o fato de serem pautadas por uma
mesma personalidade pública que deu notoriedade à temática. A participação de Fernando
Henrique Cardoso na Comissão Latino Americana sobre Drogas e Democracia e no
documentário Quebrando Tabus parece ser um critério de noticiabilidade decisivo para a
106
produção das duas matérias, que apontam para uma formação discursiva que até então não
estava presente na cena midiática: a ideia de que a “guerra as drogas” foi perdida e que é
necessário se pensar em outras alternativas, que seriam a descriminalização das drogas
juntamente com uma ação preventiva e tratamento para os usuários que quiserem largar o
vício.
Paralelo a isso, outras duas matérias, produzidas no ano de 2009, apresentam
formações discursivas praticamente opostas. Enquanto a matéria exibida no Jornal Nacional
vai tratar do uso da maconha como um vício que traz problemas irreversíveis, a extensa
reportagem exibida pelo Fantástico irá mostrar o uso da maconha como remédio.
No conjunto das matérias, a ideia de que outros países estão mudando suas leis em
relação à maconha parece sempre ser reiterada. Na primeira matéria de 2009, Fernando
Henrique Cardoso diz: “É preciso começar a avaliar a conveniência de descriminalizar o porte
da maconha para consumo pessoal. Isso já está sendo feito na prática em muitos países.”
A matéria de dezembro de 2009 também deixa transparecer a ideia do uso da maconha
legalmente em alguns lugares do mundo. A pauta é o medicinal em Israel e ainda cita
Holanda, Canadá e Estados Unidos, e encerra a matéria falando sobre o primeiro
estabelecimento nos Estados Unidos onde pacientes que fazem uso da maconha podem fazê-
lo fora das suas casas.
Os Estados Unidos mais uma vez servem de exemplo para pautar esta discussão. No
Jornal Nacional, exibido em novembro de 2010, um link com o repórter Luis Fernando fala
sobre uma série de e votações que iriam ocorrer nos Estados americanos que aprovariam
emendas regionais. O link serviu de gancho para chamar a matéria falando sobre uma dessas
149 emendas a serem votadas, a que visa legalizar o uso recreativo de maconha na Califórnia.
A matéria, assim como as duas em que Fernando Henrique Cardoso defende a
descriminalização usa o adjetivo polêmico ao tratar a questão.
Na ultima matéria analisada, de maio de 2011, as experiências internacionais com a
descriminalização das drogas volta a acontecer, citando os casos da Holanda, Suíça e de
Portugal.
Esses modelos mostram duas perspectivas. Uma é o uso medicinal da maconha,
exemplificado nas matérias feitas em Israel e nas eleições da Califórnia para legalizar o uso
107
recreativo. A outra é a descriminalização da maconha, mencionada sempre no contexto de
outras drogas, tendo em vista a diminuição da criminalidade e a redução de danos ao usuário,
tratados como dependentes de drogas.
No geral, elas sempre mostram práticas adotadas em outros países do mundo que
geraram consequências positivas. É como remédio que aparece para os pacientes que fazem
seu uso em Israel. É tirando o jovem da criminalidade e reduzindo a procura da maconha que
a reportagem de Sonia Bridi defende o documentário Quebrando Tabus. Na matéria sobre a
Califórnia, os argumentos de que a legalização poderia levar a que a região norte-americana
“vire um estado distribuidor da droga, que os jovens percam o rumo e os motoristas, a
direção” são contrapostos à ideia de que “o Estado vai arrecadar bilhões em impostos para
financiar a educação, a saúde, além de dar um golpe no tráfico, que é fortíssimo ali do outro
lado da fronteira, no México.”
Analisando como os usuários de maconha aparecem dentro das matérias, podemos
diferenciar duas situações, que estão demarcadas temporalmente. Nas duas primeiras matérias
analisadas, pela ordem cronológica, sobre a declaração da Comissão Latino-Americana e
sobre a abstinência do uso da maconha, ambas de 2009, os usuários exibidos nas matérias se
encontram na contraluz, de forma a não ser possível sua identificação. Esta situação reflete a
criminalidade a que o usuário é submetido, não só em relação a polícia, mas à coação social
que sofrem os que se assumem publicamente usuários, ou até mesmo ex usuários, de drogas.
Em todas as outras matérias, essa prática não se repete. Na sequencia desta, ainda em
2009, a matéria sobre o uso medicinal trata os usuários não como dependentes de uma droga,
mas pacientes que fazem uso de um remédio, portanto já não há a necessidade de se esconder
a identidade dos seus usuários, chegando até a aparecerem fazendo uso do medicamento, ou
seja, fumando a maconha.
Na última reportagem, de 29 de maio de 2011, há a utilização de uma personalidade
famosa se declarando como ex usuário. Paulo Coelho aparece como um usuário brasileiro
com identidade, cujo nome consta no crédito da matéria pela primeira vez, em todas as
matérias analisadas.
Ao analisar a aparição desses usuários nas matérias, pode-se enquadrá-los em três
formações discursivas distintas. O primeiro associado à dependência da droga, a necessidade
de tratamento para largar o vício, aos seus prejuízos. Nesses casos todos se colocam como ex
108
usuários que, em dois dos casos, preferem esconder suas identidades e o outro é uma
personalidade famosa.
Na segunda formação aparecem os que usam maconha como remédio, não sendo
dependentes, mas sim pacientes de um tratamento. Não estão cometendo um crime, portanto
não escondem seu rosto, trata-se de usuários de outros países, onde o uso já é permitido. Na
terceira formação se encontram os que defendem a legalização, com exemplos do Brasil e dos
Estados Unidos.
Essa formação discursiva a favor da descriminalização das drogas e da regulação da
maconha surge para contrapor a formação discursiva dominante na sociedade brasileira
atualmente que trata o uso da maconha e das outras drogas como crime. E se encontra numa
luta de forças onde essas formações disputam a adesão da sociedade a essas ideias. Nesta luta
de forças os meios de comunicação são ferramentas importantes de difusão dessas ideias e dos
sentidos atribuídos a elas. E a Rede Globo, importante meio de comunicação do país, está
permitindo que estas ideias não hegemônicas sejam noticiadas e, principalmente, noticiadas
de maneira positiva.
109
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É possível perceber que, mundialmente, a maconha foi usada a principio sem restrição,
passando a ser condenada por instituições como as igrejas católica e protestante, associada a
grupos marginais, e com apoio da mídia e do governo norte-americano, passou a ser
perseguida e criminalizada em todo o mundo. Mais recentemente diversos países têm-se
aberto novamente às possibilidades do uso da planta e percebendo que as políticas de
repressão são falhas. No Brasil, a maconha ainda é muito criminalizada e estigmatizada pelos
discursos criados ao longo de nossa história, no entanto, estão se formando, em vários setores
da sociedade, grupos dispostos a discutir o tema e levar a questão da sua proibição a outras
reflexões. Esses grupos estão construindo novas formações discursivas que permitem uma
reconfiguração da representação da maconha na sociedade. Estes novos discursos estão
brigando para ocupar lugares de força na sociedade, em que eles possam ser aceitos pela
sociedade como legítimos.
Destaca-se a contribuição desta nova tecnologia que é a internet como importante
meio de organização e difusão desses grupos e de suas ideias, assim como uma forma de unir
os interessados na causa e difundir os discursos sobre a descriminalização da maconha.
Esta disputa está presente na relação que esses grupos estabelecem com os meios de
comunicação, que são um dos responsáveis por legitimar essas formações discursivas. O que é
possível perceber, ao analisar as matérias, é que as formações discursivas que defendem a
descriminalização da maconha e de outras drogas estão ganhando espaço na cena midiática,
mobilizando os recursos disponíveis para chamar atenção dos meios de comunicação, como já
atentava Tuchman. (TRAQUINA, 2005).
Os recursos utilizados por esses organismos para fazerem aparecer suas formações
discursivas foram a participação de uma personalidade notória, que é Fernando Henrique
Cardoso e que guiou quase toda a discussão sobre o tema da descriminalização. O
agendamento de eventos em datas, horas e locais pré-anunciados, e, até mesmo, a
programação do evento de lançamento do documentário para o último dia do mês em que
ocorrem as marchas pela descriminalização mundialmente, deram mais notoriedade ao fato,
tornando a temática atual. Através da quebra da rotina, do fugir do normal e do confronto, o
movimento da marcha da maconha de São Paulo teve afinidade com critérios de
noticiabilidade que a marcha de nenhuma outra cidade brasileira obteve.
110
Além das vezes em que aparece pela mobilização dos organismos que defendem a
descriminalização, a temática da maconha emerge através dos critérios de atualidade, de
revelação e de saúde pública, estabelecendo uma relação paradoxal entre a maconha droga e a
maconha remédio.
Ao final deste trabalho, é possível chegar a algumas conclusões importantes. Uma
delas é a de que a notícia é construída a partir da interação do jornalista com sua empresa,
seus colegas e com o mundo. As dinâmicas sociais vão transformando as relações das pessoas
entre si e com as coisas ao redor. Os meios de comunicação estão inseridos nessas dinâmicas,
transformando e sendo transformados por elas. Na medida que o discurso sobre a mudança
das políticas sobre o uso de drogas se apresenta de maneira significativa, se organizando e
ganhando apoio de personalidades públicas, se manifestando como uma inquietação latente na
nossa sociedade, ganha espaço na cena midiática.
Portanto, dentro de cada momento específico da sociedade, os meios de comunicação
e a maioria das pessoas vão se comportar de determinada maneira com as coisas ao seu redor,
no caso do objeto de estudo deste trabalho, com o uso da maconha. É esta relação da
sociedade brasileira com a maconha que está passando por transformações que estarão
refletidas e se farão refletir nas matérias do Jornal Nacional e do Fantástico que foram
analisadas. São as formações discursivas que compõem o discurso sobre o uso da maconha
que vêm se constituindo desde 1980 e que, de 2009 para cá, vem ganhando espaço nos
telejornais da Rede Globo, tendo como principais enunciados a necessidade de revisão das
leis, da regularização da maconha, de fornecer tratamento aos dependentes, de criar métodos
de ação preventiva e da sua utilização para fins medicinais. Tudo isso ancorado na ideia de
que esta é uma tendência mundial.
Outra conclusão importante é de que, para que um acontecimento da sociedade seja
noticiado, é necessário que ele obedeça ao maior número de critérios de noticiabilidade, de
forma a chamar mais atenção do que os outros, numa concorrência entre os fatos, que também
podem mobilizar as rotinas produtivas do jornalismo para aparecer. Assim a marcha da
maconha, por exemplo, precisou de outros critérios de notíciabilidades além da quantidade de
pessoas envolvidas e da possibilidade da emissora de cobrir o evento, tendo que romper com a
ordem, causar tumulto, violência, para ser noticiada.
Em relação ao telejornalismo vale destacar alguns pontos importantes. O primeiro
deles é a importância do tempo na construção das matérias. A pressão do fechamento das
111
matérias noticiosas, como as do Jornal Nacional , influenciam muito no resultado final do
produto jornalístico. As matérias do programa Fantástico, que possui uma periodicidade
semanal disponibilizando de mais tempo para produção e veiculação das matérias deram uma
visão mais ampla da temática. Observo também que esta visão mais ampla não
necessariamente corresponde a formações discursivas opostas. Já que, por exemplo, na
matéria sobre o uso medicinal em Israel, ninguém contrário ao uso medicinal de maconha foi
ouvido.
A segunda é a relação entre texto, som e imagem, que faz do telejornalismo uma
linguagem complexa que pode produzir sentidos através desta relação. O texto aparece,
muitas vezes não só como simples complemento do sentido da imagem, mas como o
responsável por embutir sentidos naquelas imagens, onde imagem e texto estabelecem uma
relação de completude, em que um reforça e complementa o sentido do outro. Assim, imagens
de pés de maconha ilustraram a America Latina como fornecedora mundial da substância em
uma matéria e em outra mostram uma plantação que será usada na produção de remédios,
variando o sentido da imagem de acordo com o contexto em que está inserida. Quando o
casamento entre imagem e texto não ocorre o sentido produzido também será diferente. É o
que ocorre na matéria sobre o uso medicinal, em que Ari Peixoto fala do perigo da maconha
nos jovens, enquanto mostra imagens que nada representam perigo, não completando o
sentido de alerta para o conteúdo da sua fala.
A seleção do repórter sobre o que deve ou não entrar na matéria, assim como a forma
como se constrói a narrativa, as palavras usadas, tudo isso são características das matérias que
serão influenciadas pelo posicionamento do repórter e sua equipe em relação ao mundo ao seu
redor. Como se pode perceber ao observar as duas matérias que falam sobre a marcha da
maconha. Enquanto em uma, a violência da polícia aparece como reação a manifestação
proibida, na outra aparece como repressão ao debate de ideias.
Os organismos que agendam as notícias e as fontes escolhidas para compô-la terão
importância fundamental no sentido que a notícia atribuirá as coisas, mas o poder de dizer se
essas ideias apresentadas pelas fontes de informação são boas ou más caberá ao trabalho
editorial. A descriminalização defendida por diversas fontes é colocada na matéria de Sônia
Bridi como a solução para a violência gerada pela guerra às drogas. Enquanto a opinião de
Ronaldo Laranjeira a favor da proibição ficou isolada na matéria e ainda foi contraposta com
112
experiências de outros países onde a descriminalização reduziu o consumo ao invés de
aumentar, como aponta o professor.
Através deste estudo não é possível afirmar que a divulgação deste discurso novo
sobre a maconha pela Rede Globo tenha a ver com o posicionamento editorial da empresa.
Mas, a participação de João Roberto Marinho nas comissões que defendem a
descriminalização e das personalidades globais Luciano Huck e Dráuzio Varella no
documentário Quebrando Tabus podem ser indicativos.
A situação da maconha em relação às outras drogas e as mudanças nas leis parece
confusa. Algumas vezes a maconha é posta no contexto com outras drogas, envolvendo-a
entre as drogas ilícitas, em dados do governo e medidas no tratamento. Outras vezes é
observada separadamente, às vezes de maneira comparativa com outras drogas, ressaltando
sua baixa periculosidade, o que destaca a necessidade de uma regulação específica para ela,
diferente das outras drogas, que permita o seu uso sem a obrigatoriedade de tratamento, mas
em poucas quantidades e em locais determinados. Esta ideia, contanto nem sempre fica clara
durante as matérias em que aparece, deixando confusa por ora serem apresentadas medidas
que são adotadas para “todo tipo de droga”, ora se falar na permissão para uso em locais e
quantidades determinadas.
As formações discursivas sobre o uso medicinal de maconha presentes nesta análise
apontam essa como uma possibilidade positiva de uso da maconha, que vêm dando certo onde
vem sendo adotada.
Mas os rumos dessas mudanças na sociedade e a participação da emissora nessas
mudanças são observações que este trabalho não pode resolver. Primeiro porque este é um
processo que está em andamento, processo em que a sociedade está inserida e que está sendo
construído com a nossa participação como sujeitos interpelados nesta realidade de mudanças.
Só será possível compreender muitos dos sentidos escondidos nos discursos dessa matérias e
a importância delas para uma mudança na mentalidade, quando o processo estiver avançado e
for possível observá-lo em seus desdobramentos.
Hoje, enquanto concluo esta pesquisa, os bons ventos sopram, se não a favor da
descriminalização das drogas, a favor da liberdade de expressão. A Globo exibe mais uma
matéria a respeito da maconha. Dessa vez é uma decisão do Supremo Tribunal Federal que
declara que qualquer manifestação a favor de mudanças nas leis sobre drogas não pode mais
113
ser proibida. Por considerar que a proibição atenta contra um dos direitos básicos, o da
Liberdade de Expressão.
Muito além de respostas, esta pesquisa suscitou muitas dúvidas. Até que ponto a
sociedade influencia os meios de comunicação? Até que ponto os meios de comunicação
influenciam a sociedade? Qual o real efeito das formações discursivas divulgadas pela mídia
nos seus telespectadores? Como eles interpretam estas mensagens? Como se relacionam as
diversas forças que influenciam na construção da matéria e os vários lugares que o repórter
pode ocupar no texto, as muitas vozes que podem se manifestar através dele? Essa nova
perspectiva mostrada nas matérias analisadas terá efeitos concretos na forma como a
sociedade trata o uso da maconha? A internet pode ser ferramenta de mobilização e de
mudança na mentalidade das pessoas? Qual a influência dos outros países na forma como
vemos e aceitamos as coisas? Esse discurso emergente está presente somente nos telejornais
da emissora, ou também em outros programas? Outras emissoras também estão divulgando
essas formações discursivas?
Essas e uma série de outras indagações foram suscitadas pela pesquisa. O que me leva
a uma ultima conclusão. A de que ao buscar encontrar respostas outras questões surgirão, não
sendo o conhecimento algo conquistado assim que se alcança um objetivo, mas através de
uma busca incessante pelas respostas às perguntas que se sucedem num contínuo conhecer.
114
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119
Anexos
120
ANEXO A (1-2) – Comissão Latino Americana sobre Drogas e Democracia -
André Luiz Nascimento - 2‟ 14‟‟- Jornal Nacional - 20/02/2009 – 1-2
Cabeça da matéria: Fátima Bernardes - Um encontro da Comissão Latino Americana sobre
Drogas e Democracia, realizado hoje no Rio, foi dominado pela discussão sobre a legalização
da maconha.
Off - O grupo liderado pelos ex-presidentes do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, e da
Colômbia, César Gaviria, se reuniu com outros políticos e especialistas em droga o Rio.
Passagem – A comissão Latino Americana divulgou este documento, que será agora
encaminhado aos governos da Europa, dos Estados Unidos, a ONU. Onde afirma que a guerra
ao tráfico esta sendo perdida aqui na região. E por isso defende uma mudança na forma de
combater as drogas.
Off – Segundo o relatório, americanos e europeus são os maiores consumidores de drogas. E
enquanto a procura por maconha e cocaína continuar alta, as áreas de plantações na America
Latina dificilmente vão diminuir.
Off - Uma das propostas mais polêmicas do grupo é a descriminalização da maconha no
mundo. Acompanhadas de outras medidas que reduzam o consumo.
Sonora: FHC – É preciso começar a avaliar a conveniência de descriminalizar o porte da
maconha para consumo pessoal. Isso já esta sendo na prática feito em muitos países. Se você
fizer a descriminalização da maconha como uso, isoladamente, também não vai servir. É
preciso que haja ao mesmo tempo todo um conjunto de políticas de prevenção, de mostra que
é preciso diminuir o uso. A ação preventiva. Ou vem simultaneamente a ação preventiva ou a
descriminalização vai simplesmente aumentar o uso, ele é danoso. Nós não estamos dizendo
que ele não faz dano não. Faz dano.
Off – Outras propostas são de reduzir o consumo por mediações de informação e prevenção.
Focalizar a repressão contra o crime organizado. E transformar os dependentes de drogas em
pacientes do sistema de saúde.
121
ANEXO A - Continuação (2-2)
Sonora: Rubem César Fernandes (Coord. Do Viva Rio) – É preciso botar a saúde na
frente, não é? E liberar mais os nossos policiais para enfrentar o poder paralelo do bandido.
No momento, com a nossa política, a venda de drogas serve ao poder do bandido.
Off – Esta jovem que era usuária de maconha e cocaína diz que o tratamento é a única
esperança para uma vida sem droga.
Sonora: Ex usuária (não identificada) – Hoje eu to muito bem, eu to mais equilibrada. Eu
acho que dá pra ser muito feliz sem usar droga.
122
ANEXO B (1-2) – Maconha causa abstinência - Rodrigo Bocardi – Jornal Nacional -
2‟06‟‟- 15/10/2009
Cabeça da matéria: Willian Bonner – Uma pesquisa feita com pessoas que fumam cigarros
de maconha mostrou os efeitos da droga no organismo, mesmo depois de um período sem
consumo. A perda de memória e distúrbios graves no sono são algumas das consequências.
Off – Vinte e cinco anos de idade, onze com maconha todo dia. E uma eterna luta pra
recuperar o que perdeu.
Sonora: Ex usuário (não Identificado) – Coisas que eu tinha acabado de fazer eu não me
lembrava. A matéria que eu tinha acabado de estudar, eu não conseguia me lembrar mais.
Off – Esta pesquisadora norte americana, a primeira a demonstrar que a maconha pode causar
danos permanentes no cérebro, estudou o que acontece quando o dependente fica sem a droga.
Carlen Borla veio ao Brasil mostrar as conclusões de sua ultima pesquisa.
Depois de quase um mês de abstinência, o organismo de que costumava fumar pelo menos
cinquenta cigarros de maconha por semana, apresenta: perda de memória, dificuldade de
expressão, falha na coordenação motora.
A doutora Carlen diz que 80% dos usuários que tentaram largar o vício tiveram problemas
com o sono. E quando essas pessoas conseguiam dormir, tinham pesadelos. Acordadas
apresentavam nervosismo, ansiedade, perdiam o apetite e emagreciam.
A pesquisadora conclui: “maconha não é inofensivo como algumas pessoas pensam, pouca
dozes podem causar sérios problemas, especialmente nos jovens”
Passagem – Os médicos daqui do Instituto de psiquiatria, do Hospital das Clínicas, de São
Paulo, que trouxeram a pesquisadora americana para o Brasil, dizem que o resultado do
estudo pode ajudar no desenvolvimento de técnicas que auxiliem os dependentes a deixar a
droga. E isso é importante, porque, segundo eles, tratar da abstinência a maconha, hoje em
dia, não é fácil.
123
Off - Para este neuropsicólogo, os pacientes confundem as consequências do vício com os
sintomas de outras doenças. Com a pesquisa ficou mais fácil tirar a dúvida e definir o
tratamento.
ANEXO B - Continuação (2-2)
Sonora: Paulo Cunha (neuropsicólogo) – Tantas técnicas psicológicas de terapia, como
também técnicas farmacológicas. Ou seja, pensar em remédios que possam atuar nessas
regiões cerebrais e auxiliar a recuperação disso com um tempo mais breve possível.
124
ANEXO C (1-3) – Maconha Medicinal em Israel – Ari Peixoto ( Ramat Gan, Israel ) -
4‟ 48‟‟ – Fantástico – 06/12/2009
Cabeça da matéria: Zeca Camargo – Agora um pouco de história pra vocês. Citado a seis
mil anos nos mais antigos livros da medicina chinesa, o uso terapêutico da maconha ganha
espaço no século XXI.
Patrícia Poeta – É, em Israel, por exemplo, pacientes cadastrados pra tratamento a base de
maconha já podem usar o fumódromo de um hospital público.
Off – Han Gotlib sofre de dores na coluna a mais de trinta anos. Um acidente a alguns meses
agravou o sofrimento. A cada consulta ele recebe do médico uma dose de maconha.
Han diz que estava ficando dependente de analgésicos a base de morfina, e que eles não
aliviavam mais o sofrimento. E que agora, com um ou dois cigarros de maconha por dia,
consegue acordar sem dor.
Passagem - Está semana, pela primeira vez, o governo israelense autorizou um hospital
público a realizar tratamentos e receitar maconha para seus pacientes. E mais, os doentes
podem fazer uso da medicação, quer dizer, fumar a maconha, dentro do hospital.
Off - o doutor Itair Burarieur diz que a autorização para usar a maconha dentro do hospital
foi um passo natural no processo que já autorizava o uso médico da erva em ambulatórios e na
casa dos pacientes.
Em Israel, o uso recreativo da maconha é proibido. Mas para fins médicos a droga foi liberada
no começo da década. E a partir de 2004, uma organização não governamental chamada
Ticum Olam, „consertando o mundo‟, foi autorizada a iniciar o plantio da erva.
Passagem – Nós estamos em uma das estufas, mantidas pela organização, e autorizadas pelo
governo israelense. Por medida de segurança não se pode dizer a localização exata dela. Só
125
que nós estamos em algum ponto no norte de Israel. E aqui estão dez mil vasos de maconha,
que será usada para fins medicinais.
ANEXO C - Continuação (2-3)
Off – O cultivo é cuidadoso. A área reservada às plantas mais novas é uma espécie de
maternidade, com luz artificial vinte e quatro horas.
O psiquiatra Iahuda Baru é o responsável pelo programa que receita maconha medicinal em
Israel. Ele diz que os principais pacientes são os que sofrem de dor crônica e os que tem
câncer. Segundo o médico, durante a quimioterapia, a maconha reduz as náuseas, aumenta o
apetite, e com isso ajuda a controlar a perda de peso.
Segundo o doutor Baru, a dose média por paciente é de sessenta gramas por mês. O que seria
equivalente a, mais ou menos, sessenta cigarros. É a prescrição para Jacob Koslovikz, que
nasceu aqui, viveu quase trinta anos no Brasil e voltou pra Israel. Em 2007, depois de se
submeter a uma cirurgia para a retirada de tumores no intestino grosso, ele entrou para o
programa.
Sonora: Jacob Koslovikz (pensionista) – Me sinto melhor. Ganhei peso. Perdi vinte quilos,
agora já ganhei pelo menos quinze de volta. Isso graças a... isso que me ajuda.
Off - É aqui que o Jacob, mais setecentas pessoas vem, pelo menos uma vez por semana,
regularmente, para pegar a sua porção medicinal da maconha, que pode ser entregue de duas
maneiras. Uma delas é nesse saquinho plástico aqui, com o que eles chamam de flores secas.
E a outra maneira é assim, moída. Nesse caso os voluntários já pegam e enrolam alguns
cigarros, que mais tarde serão distribuídos aos pacientes.
Ao chegar, cada paciente mostra a identidade e o papel que autoriza a retirada da maconha. O
nome é rigorosamente checado na lista.
126
O ex militar Smoel perdeu parte da perna esquerda atingida por um míssel em Gaza. Ele conta
que no principio resistiu ao programa, porque sempre viu a maconha como uma droga
prejudicial ao usuário.
Mas que hoje consegue suportar a dor fantasma, a sensação dolorosa na perna que já não tem.
Smoel voltou a estudar, frequenta a academia e tem uma vida normal.
ANEXO C - Continuação (3-3)
Mas os médicos esclarecem, o tratamento não funciona para todos os pacientes. Muitos
sentem tonteira e confusão mental. E é contra indicado a jovens com menos de vinte anos, que
podem desenvolver esquizofrenia quando mais velhos.
Quatrocentas substâncias da maconha ainda estão sendo estudadas. Mesmo assim, alguns
países começam a testar a receita, já seguida principalmente em Israel, Holanda, Canadá e
Estados Unidos.
Em novembro, na cidade americana de Portland um café passou a permitir o consumo ao
paciente com o certificado médico. É a primeira opção nos Estados Unidos que esses
pacientes tem pra usar a maconha fora de suas casas.
127
ANEXO D (1-2) – Plebiscito na Califórnia sobre o uso recreativo da maconha – Rodrigo
Bocardi - 2‟ 46‟‟ – Jornal Nacional 02/11/2010
Fátima Bernardes chamando um link com Luiz Fernando - o Jornal Nacional já mostrou
que as cidades e estados americanos, eles aproveitam essas eleições para fazer uma consulta
aos eleitores sobre questões bem locais. Nessa votação de hoje que consultas você diria que
despertaram mais interesse por ai?
Luiz Fernando – Fátima, em trinta e cinco, dos cinquenta estados americanos, os eleitores
vão votar num número imenso de propostas. São cento e quarenta e nove delas. Veja, em
Denver, no Colorado, por exemplo, os leitores, vão decidir, se a cidade deve gastar dinheiro
público criando uma comissão para investigar a existência de seres de outro planeta. Mas a
proposta mais controvertida é uma na Califórnia, onde os eleitores vão dizer se querem ou não
legalizar o uso da maconha. É o que mostra, de Los Angeles, o correspondente Rodrigo
Bocardi.
Off- Imagine uma pessoa andando pelas ruas de Los Angeles fumando, tranquilamente, um
cigarro de maconha e dentro da lei.“A legalização seria uma grande coisa”, diz o jovem.
Passagem – A maconha pra uso medicinal já é legalizada em terras californianas desde 1996.
Outros treze estados, além da capital Washington, seguiram o mesmo caminho. É só entrar
numa loja como essa, por exemplo. Lá dentro eles não autorizam gravação, mas se a pessoa
pagar pode levar para casa uma porção de maconha. Só que hoje é preciso apresentar receita
médica.
Off - Com a nova proposta, se aprovada, qualquer pessoa vai poder ter uma pequena
plantação em casa e portar até vinte e oito gramas de maconha.
128
Quem é contra a mudança teme que a Califórnia vire um estado distribuidor da droga, que os
jovens percam o rumo e os motoristas, a direção.
Já os defensores dizem que o Estado vai arrecadar bilhões em impostos para financiar a
educação, a saúde, além de dar um golpe no tráfico, que é fortíssimo ali do outro lado da
fronteira, no México.
ANEXO D - Continuação (2-2)
O governo federal é contra a legalização “Isso não vai resolver os problemas da Califórnia”,
diz o crítico. As urnas é que vão dizer.
129
ANEXO E – Marcha da maconha em São Paulo acaba em pancadaria -
César Galvão 1‟ 54‟‟Jornal Nacional 21/05/2011
Cabeça da matéria: Chico Pinheiro - A gente abre essa edição com a marcha da maconha,
que acabou em muita confusão, hoje à tarde, lá no centro de São Paulo.
Off – Um protesto com quinhentas pessoas e muitos cartazes pela legalização da maconha.
Era para os manifestantes ficarem somente neste lugar, o vão livre do Museu de Artes de São
Paulo, na Avenida Paulista. Mas os ânimos foram se exaltando.
Também havia um grupo, bem menor, protestando contra a droga. Os dois lados quase
entraram em confronto. Quem defendia a legalização da maconha queria sair em passeata,
mas a polícia não deixava.
Passagem – a marcha da maconha foi proibida pela justiça. Os manifestantes se concentraram
no MASP. Mas no momento em que um deles era detido peal polícia, eles saíram pela
Avenida Paulista até o centro da cidade.
A PM foi atrás. E logo adiante lançou as primeiras bombas de gás lacrimogêneo. Houve mais
prisões. Disparos de bala de borracha. Mas os manifestantes não pararam. Fizeram
provocações. A PM respondeu com uma chuva de bombas.
Depois de dois quilômetros de marcha, os manifestantes se dispersaram. E a polícia parou.
Parecia que a calma já havia voltado, mas os manifestantes recomeçaram a passeata. A PM
lançou bombas, fez mais uma prizão. A marcha da maconha terminou na porta de uma
delegacia.
130
Resultado do protesto: um policial com ferimentos leves e seis manifestantes detidos. Todos
já foram liberados.
ANEXO F (1-5)– Fernando Henrique Cardoso e o documentário “Quebrando Tabus” –
Sônia Bridi 8‟ 23‟‟ - Fantástico – 29/05/2011
Cabeça da matéria: Zeca Camargo – Um ex-presidente da República roda o mundo, grava
um documentário e levanta uma bandeira bem polemica.
Patrícia Poeta – É, segundo ele o consumo de maconha deveria ser regulamentado.
Off – Sábado, vinte e um de maio, centro de São Paulo. A marcha da maconha proibida pela
justiça vai as ruas e é reprimida pela polícia.
Sonora: Júlio Delmanto (jornalista) – Não adianta querer tratar um debate de ideias com
porrada, que a gente não vai aceitar e a gente vai continuar.
Off – As vozes pela descriminalização ou até pela liberação da maconha estão ganhando
apoio de peso. O líder do PT na câmara dos deputados, Paulo Texeira, já defendeu
publicamente até a formação de cooperativas para o plantio de maconha.
E agora, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Prestes a completar oitenta anos,
conduz um documentário que defende a descriminalização do uso de drogas e a regulação do
uso da maconha.
Pergunta- Porque é que o senhor resolveu meter a mão nesse vespeiro?
FHC – Porque é um vespeiro. As pessoas não tem coragem de quebrar o tabu e dizer vamos
discutir a questão.
131
Off- O filme Quebrando Tabu, que estreia nesta semana, Fernando Henrique e ex-presidentes
do México Ernesto Zedilho, da Colômbia, César Gaviria e dos Estados Unidos, Jimmi Carter
e Bill Clinton reconhecem: falharam em suas políticas de combate às drogas.
Pergunta – Se o senhor esta tão convencido a respeito deste tema, porque não foi
implementado durante o seu governo?
FHC – Primeiro porque eu não tinha a consciência que tenho hoje. Segundo porque eu
também achava que a repressão era o caminho.
ANEXO F - Continuação (2-5)
Off – Todos concluem que a guerra mundial contras as drogas, iniciada a quarenta anos, é
uma guerra fracassada. Bilhões de dólares são gastos no mundo inteiro, mas o consumo cresce
e cresce o poder do tráfico, espalhando a violência.
As armas constantemente recolhidas dos traficantes do Rio de Janeiro são a prova que a
polícia trabalha enxugando o gelo. É preciso ir alem das apreensões de drogas e do combate
aos traficantes.
Sonora: Fernando Grostein Andrade (diretor do documentário) – O ponto central é
questionar a lógica de guerra, não é defender o uso da droga. É apenas dizer que vamos pensar
se não tem um jeito mais inteligente, mais eficiente de lidar com esse assunto.
Off – No Brasil a maconha é a droga mais difundida. Consumida por 80% dos usuários de
drogas. 5% da população adulta. Mas é inofensiva a ponto de ser legalizada?
Sonora: Elisaldo Carlini (médico especialista em drogas UNIFESP) – Não há droga
inofensiva. Não há. Qualquer coisa depende da dose, depende da sensibilidade do indivíduo.
Agora, a maconha, entre as drogas que são usadas sem finalidade médica, para fins de
divertimento, para fins de recreação, ela é bastante segura.
Off - Palavra de que a mais de quarenta anos estuda a questão e trata dependentes. O
professor Elisaldo Calini representa o Brasil nas comissões de drogas da Organização
Mundial de Saúde e das Nações Unidas.
132
Sonora: Elisaldo Carlini – Defendo totalmente a descriminalização.
Sonora: Ronaldo Laranjeira (psiquiatra UNIFESP) – Eu sou contra porque quanto mais
fácil você tornar a droga disponível na sociedade, maior vai ser o consumo.
Off- O professor Ronaldo Laranjeira trata de dependentes químicos a trinta e cinco anos.
Sonora: Ronaldo Laranjeira – Ela é uma droga perigosa. Uma prova disso é que 10% de
todos os adolescentes, menores de quinze anos, que experimentam a maconha, vão ter um
quadro psicótico.
ANEXO F - Continuação (3-5)
Off- Na lista das drogas mais perigosas da revista médica Lancet, respeitada no mundo
inteiro, a maconha aparece em décimo primeiro lugar. Bem atrás do álcool e até mesmo do
cigarro, que são vendidos legalmente.
Sonora: FHC – Álcool é mais letal do que maconha, e não se diz isso. Mas é. Os dados
mostram isso. Então tem que discutir e diferenciar e regular, o que é que pode e o que é que
não pode.
Off- Regular não é o mesmo que legalizar. E foi isso que Fernando Henrique Cardoso
descobriu indo pra Holanda. Lá a maconha é vendida em cafés, mas o governo não legalizou
o uso indiscriminado.
Funciona assim: a regulamentação determina que você não pode consumir nas ruas, nem
vender fora dos cafés. Nos locais determinados fuma-se maconha sem repressão policial.
Sonora: FHC – Na Holanda é muito interessante, os meninos de colégio, eu conversei com
eles, eles não tem curiosidade pela maconha, porque é livre.
Off- O consumo de maconha é tolerado e, mesmo assim, vem caindo.
Passagem – Desde 2006 a lei brasileira já trocou a prisão por penas alternativas pra quem é
pego com drogas e é considerado usuário, não traficante. Mas que quantidade de drogas? Que
situação caracteriza o tráfico? Isso a lei deixa a critério do juiz.
133
Off - É uma linha difícil de esclarecer, como o doutor Dráuzio Varella explica no
documentário.
Sonora: Dráuzio Varella (médico) – Quando a droga é criminalizada. É um crime você
possuir a droga não, vão dez pessoas comprar se uma só pode ir e dividir entre as dez. E o
menino que usa a droga percebe que dessa maneira ele também, se ele vender um pouquinho
mais caro a dele sai de graça.
Off – Neste caso o usuário vira traficante, e acaba na prisão. Onde, como se sabe, a droga
circula facilmente.
ANEXO F - Continuação (4-5)
Em Portugal o consumo de entorpecentes não dá mais cadeia desde 2001. Mas há uma
penalidade. O usuário tem que fazer tratamento médico e prestar serviço social.
Sonora: FHC – A maior parte dos que usam drogas querem se safar, querem sair da condição
de droga. E que a existência de um caminho que não os leve a cadeia, mas que leve a um
tratamento, é positiva.
Off – O ministro da saúde portuguesa explica que o tratamento é gratuito para a dependência
em todo tipo de droga, da maconha ao crack.
Sonora: ministro da saúde português - Depois de dez anos o que é que nós vemos. Nossos
jovens consomem menos drogas ilícitas.
Sonora: Elisaldo Carlini – Eu não vejo nenhum sentido em criminalizar o uso e a posse
dessas drogas todas. É um caso de saúde, não é um caso de polícia.
Off – Mas qual é a estrutura que o Brasil tem hoje para tratar seus dependentes?
Sonora: Ronaldo Laranjeira – As pessoas ficam perambulando pelo sistema de saúde. Ou
perambulando, literalmente, pelas ruas, no caso dos usuários de crack, e você fica
“desassistido” ativamente essa população.
134
Off - O ministério da saúde já fez as contas do que falta para tratar os dependentes químicos.
Três mil e quinhentos leitos hospitalares. Novecentas casas de acolhimento.Cento e cinquenta
consultórios de rua, para chegar as cracolandias, por exemplo. Mas a previsão é atingir esta
meta só em 2014.
Pergunta – O senhor tem opinião formada sobre a questão da descriminalização?
Alexandre Padilha (Ministro da Saúde) - Tenho uma opinião como ministro né.
Exatamente isso, que nos do Sistema Único de Saúde precisamos reorganizar essa rede,
ampliar essa rede, pra acolher as pessoas que são usuárias de drogas, sejam licitas ou ilícitas.
Off – Na Suíça e na Holanda, existem os projetos chamados de redução de danos.
Dependentes de drogas pesadas, como a heroína, recebem do governo a droga e agulhas
limpas.
ANEXO F - Continuação (5-5)
Sonora: FHC – É terrível ver isso. Pra você ver também que ali está um doente e não um
criminoso.
Off – Triste, mas é essa redução de danos que evita a transmissão de doenças infecciosas,
mortes por overdose e a ligação dos usuários com o crime.
Sonora: FHC – Não to pregando isso pro Brasil. Porque a situação é diferente, o nível de
cultura é diferente, de riqueza é diferente, de violência é diferente. Cada país tem que buscar o
seu caminho, é isso que eu acho que é fundamental. Quebrar o tabu, começa a discutir e
vamos ver o que é que nós fazemos com a droga?
Off – Ouvindo um ex usuário famoso o documentário da uma pista. Campanhas de prevenção
abertas e honestas podem funcionar.
Sonora: Paulo Coelho (escritor) – O grande perigo da droga é que ela mata a coisa mais
importante que você vai precisar na vida. É o teu poder de decidir. A única coisa que você
tem na sua vida é o seu poder de decisão. Você quer isso ou você quer aquilo? Seja aberto,
seja honesto, diga isso. É realmente a droga é fantástica, você vai gostar. Mas cuidado heim,
porque você não vai poder decidir mais nada. Basta isso.
135