Post on 31-Dec-2015
CULTURA, SOCIEDADE, ARTE E EDUCAÇÃO
EM UM MUNDO PÓS-MODERNO
Palestra de Arthur Efland
Titular do Departamento de Art Education
da The Ohio State University / EUA
Introdução
O tema desta conferência é bastante abrangente e compreende conceitos de cultura,
sociedade, arte e educação. Como fazer sentido em um rol tão variado de assuntos? Não
prometo uma iluminação instantânea sobre as complexidades destes temas, mas tentarei
identificar três áreas problemáticas, cada uma com um impacto sobre culturas, sociedades,
as artes e a educação no mundo todo. Cada uma destas áreas, à sua maneira está afetando
ou irá afetar a arte-educação internacional.
O primeiro tema é o modernismo como um movimento cultural no mundo ocidental: ou mais
precisamente, a transição do Modernismo para o Pós-modernismo.
O segundo é o aparecimento de um Mercado Cultural Internacional, que é às vezes igualado
à modernidade ocidental, mas que é dirigido por forças econômicas muito mais fortes que o
ocidente.
O terceiro tema é o Mundo Pós-Guerra Fria, situação em que as nações estão sendo
arrasadas por causa de antagonismos étnicos no exato momento em que o mundo parece
estar a um passo de integrar seus sistemas de produção, marketing e informação.
1. Modernismo Estético e Cultural
Embora o modernismo ocidental tenha tido um tremendo impacto nas culturas do mundo
ocidental pelos últimos dois ou três séculos, sua influência não se limitou ao Ocidente. Afetou
seres humanos no mundo todo tanto de maneira positiva quanto negativa. O modernismo
como revolução cultural inclui mais do que as artes e a literatura. Tem sido descrito como um
desenvolvimento do pensamento da cultura ocidental que abrange o liberalismo científico,
tecnológico, industrial, econômico, individual e político como aspectos interativos. Estes são
aspectos do modernismo cultural e estabelecem a base para a estética modernista (ver
Efland, Freedman & Stuhr, no prelo, Capítulo II ).
A estética modernista, no entanto, é um conceito menos abrangente e se refere a
desenvolvimentos estéticos das artes nos fins do século dezenove e início do século vinte.
Isso inclui pintura, arquitetura, fotografia e cinema, as várias formas de arte contemporânea
que se expandiram no Ocidente. O modernismo estético tentou reformar as artes criando
imagens para uma sociedade melhor e mais humana que presumivelmente estava
emergindo com o progresso da ciência. Os artistas representavam esta mudança se
distanciando das tradições artísticas ocidentais anteriores.
Uma das características centrais do modernismo era a rejeição radical às suas próprias
raízes na cultura ocidental. Em seu zêlo de reformar e exaltar as artes, artistas e críticos
muitas vezes desenfatizavam o folclórico e as tradições populares tanto das culturas
ocidentais quanto das não ocidentais, como sendo carentes de significação cultural. Uma
conseqüência da elevação da expressão artística a um nível considerado mais alto que a
cultura popular foi o isolamento das belas-artes do resto da sociedade transformando-a em
um projeto elitista.
Como resultado, a arte moderna é mais freqüentemente ensinada como não tendo contexto
social. Professores de arte enfatizam elementos e princípios do desenho como uma base
para o fazer arte e a apreciação, mas são geralmente incapazes de explicar como a arte
moderna refletiu as mudanças que ocorreram nas vidas das pessoas enquanto fatores
científicos, tecnológicos e econômicos que modificavam a cultura e a sociedade ocidental.
Uma estética modernista prevaleceu, seus defensores tendiam a considerar as artes como
esferas autônomas do esforço humano, sem relação com o mundo social.
Origens do modernismo cultural
Teóricos sociais contemporâneos normalmente atribuem ao Iluminismo do século dezoito na
Europa e nos Estados Unidos o início do modernismo cultural. A filosofia Iluminista, às vezes
chamada de "Projeto Iluminista", adotou ideais que se tornaram o fundamento do
pensamento contemporâneo ocidental (euro-americano). Estes ideais têm saturado a prática
da política, economia e das artes tanto quanto o estudo da vida social em disciplinas como
história e ciências sociais. A consciência da maioria dos ocidentais vivos hoje foi moldada
pelo Iluminismo. O Iluminismo deu ao Ocidente o que Confúcio deu à China, notadamente
uma característica cultural difusa.
No entanto, o modernismo cultural tem tanto desvantagens quanto benefícios. Ele tende a
padronizar e regularizar o pensamento na educação controlada pelo estado, na indústria e no
comércio. Pode, às vezes, considerar tradições culturais de fora do Ocidente como sendo
exóticas, costumes étnicos, cheios de charme mas carentes de um conhecimento que
realmente interesse.
A cultura ocidental tem pago o preço do conhecido progresso também. Ao privilegiar
explicações científicas da natureza como verdade absoluta, dá margem à filosofia
materialista que nega qualquer possibilidade de um lado espiritual ou imaginativo na
natureza humana. Artistas ocidentais sentindo esta falta em sua própria tradição cultural,
tomaram-nas emprestado de fontes não ocidentais. Poetas, como John Keats, que viveu
depois que Isaac Newton revolucionou a ciência da física, viu esta mudança como que
"apressando o crepúsculo dos deuses." Em seu livro intitulado "Catching the Light" o físico
Arthur Zajonc (1993) descreve como a fascinação do homem ocidental pelo arco-íris diminuiu
com o advento da ciência.
"De uma consciência que via o arco-íris como sendo um pacto com Deus...passamos a ver o arco-íris como um fenômeno efêmero de luz mundana criadopela refração e pela chuva. Nós temos trocado uma antiga visão ou imaginação domundo pela da ciência contemporânea, e ao fazermos isto, do ponto de vista deKeats, estamos ‘desfiando o arco íris’" (Zajonc, pp. 180-181).
Com a visão dos poetas e pintores desbancada pela do cientista, a cultura do Ocidente
cedeu parte da sua alma para colher conhecimento e compreensão científica.
2. O Surgimento de um Mercado Cultural Internacional
Enquanto várias nações do terceiro mundo tentam transformar suas economias copiando as
práticas econômicas e educativas ocidentais, também se preocupam com o impacto da
cultura ocidental, especialmente da cultura popag. A pergunta que é feita é: "Podem as
nações seguir o caminho modernista ocidental sem se tornarem ocidentalizadas com a
exposição?" Argumentarei que o que está se espalhando no mundo industrial não é uma
cultura apenas ocidental, mas uma nova e hegemônica cultura do povo, difundindo-se por
meio do marketing de massa e das estratégias tecnológicas de comunicação. O mundo está
sendo unido por meio de um único mercado cultural internacional e, enquanto isso ocorre, as
pessoas podem perder aspectos de sua identidade cultural tradicional.
3. O Surgimento da Era Pós-Guerra Fria
Simultaneamente à tendência internacional em direção à homogeneidade tecnológica,
cultural e corporativa, este mesmíssimo mundo também está sendo feito em pedaços pelo
fratricídio, guerra civil e a dissolução de nações exemplificadas pelo colapso da União
Soviética, Ruanda, e da antiga Iugoslávia. Testemunhamos um tipo de retribalização de
grande parte da Humanidade que opõe cultura contra cultura. Benjamin Barber (1995) adota
o termo árabe "Jihad" ou Guerra Santa para identificar este processo global. Estas três
tendências culturais afetarão a arte-educação internacional nas próximas décadas de
diferentes maneiras.
Surgimento de Pedagogias Críticas
A crítica cultural pós-moderna começou a ter impacto no discurso educacional e tem
propiciado o nascimento de uma pedagogia crítica. A pedagogia crítica freqüentemente
questiona suposições e premissas do modernismo. Estas tomam a forma de argumentos que
identificamos, às vezes, como feminismo, teoria crítica marxista, hermenêutica e
multiculturalismo. Até certo ponto essas formas de crítica cultural representam a ala
esquerdista do discurso educacional. A esquerda educacional está interessada em mudar o
status quo para que estudantes de diversos grupos étnicos, raciais e sociais experimentem
uma igualdade educacional. Muitas vezes defenderam uma reestruturação radical das
práticas educacionais, argumentando que o status quo beneficia alguns grupos enquanto
desvia ou oprime outros.
Há também uma crítica direitista nos Estados Unidos a qual adere a poderosas metáforas
derivadas de um passado idealizado, como a "melting pot" quando os imigrantes
abandonaram suas maneiras européias para criar uma nova identidade americana. A direita
tenta ganhar o controle dos bastidores educacionais, o qual reside no conteúdo abrangente
da herança cultural da civilização ocidental. Conseqüentemente, resiste uma educação
multicultural como visto na preocupação de Diane Ravich sobre "especificidade cultural", o
temor de que educadores multiculturais enfatizem diferenças ao invés de similaridades e que
um consenso social possa ser enfraquecido. Nos Estados Unidos isto é visto na persistência
do nacionalismo nos livros didáticos sobre história. Os livros didáticos americanos
apresentam-no como "uma história do triunfo masculino nas esferas política e militar", "uma
história de exploração, conquista, consolidação de poder, e os problemas dos governantes
de um império em expansão" (Kincheloe e Steinberg, 1993, p. 306).
Há também quem fique mais ou menos comprometido com os ideais modernistas e quem
trabalhe para fortalecer seu compromisso com o progresso através da promoção da
igualdade nas oportunidades educacionais, trabalhando para compensar os atributos
enfraquecidos do controle e regulamentação social modernista. O desafio para o centro é
esboçar insights da crítica pós-moderna, vindos tanto da esquerda quanto da direita, e
usá-los para fortalecer os ideais democráticos, sem sucumbir ao pessimismo, à
fragmentação e mistificação que engloba muito do discurso pós-moderno.
4. A Transição do Modernismo ao Pós-Modernismo
Desde a metade dos anos 60 novas publicações críticas tem reformulado a paisagem cultural
do ocidente. Isto é melhor explicado como uma mudança de consciência do ponto de vista do
mundo moderno baseada na noção de progresso através do avanço da ciência, para um
estado de consciência chamado de pós-moderno no que há menos confiança de que o futuro
será necessariamente melhor que o presente ou o passado. O modernista podia rejeitar as
tradições do passado como sendo fora de moda, pertencentes à história, velharias que
deveriam ser esquecidas, preferindo manter o foco no futuro, com novas formas de arte e
novos meios de construir a realidade. O modernista era um otimista.
O pós-modernista, em contraste, é menos confiante sobre o futuro e tende a ser crítico de
noções como a de que o progresso é a inevitável conseqüência do avanço da ciência. A
ciência moderna explica o arco-íris, mas não o enreda no processo. O mito do progresso
permitiu às pessoas aceitar mudanças, sempre se nesse ínterim pudessem, às vezes,
negociá-lo por fora. As pessoas, às vezes, ganharam um alto padrão de vida e bem-estar
material, mas perderam sua fé nas tradições que haviam nutrido seu espírito. Os artistas
modernos inicialmente começaram a expressar esta inquietação há mais de 100 anos atrás,
em imagens que veiculavam alienação, terror, ódio e, às vezes, fome espiritual.
Para muitos, os artistas modernos do século vinte no ocidente estavam engajados em
experimentalismos estilísticos no esforço de criar uma nova visão humana. Artistas como
Picasso e Braque inventaram abstrações para penetrar além da superfície da pintura.
Mondrian e Kandinsky transcenderam a abstração para trabalhar com forma e cor puras
esperando penetrar numa realidade mais alta que eles sentiam além das aparências
superficiais. Kandinsky equacionou esta pesquisa com um interesse pelo espiritual. Outros
artistas procuraram encontrar a nova visão nos profundos recessos da mente subconsciente,
como vemos em estilos conhecidos como Surrealismo e Expressionismo.
O ápice de todo esse experimentalismo, como vimos em retrospecto, é que o modernismo
não teve sucesso em construir uma visão da realidade que consiga ter significado para um
grande número de pessoas em sociedades que tenham sofrido rápida industrialização.
Talvez o reconhecimento deste fato tenha introduzido o Pós-Modernismo.
Os Desafios Diante da Arte-Educação Pós-Moderna
Por que a transição do modernismo para o pós-modernismo é um provável desafio para
professores de arte em suas salas de aula e afeta também a arte-educação
internacionalmente? Para responder, esboço uma série de contrastes entre a arte moderna e
a pós-moderna, como veremos na série de tabelas a seguir:
Visões Contrastantes da Natureza da Arte
A principal diferença entre a visão moderna e a pós-moderna é que para a arte moderna
apenas tipos muito especiais de objetos podem reivindicar ser obras de arte. A arte na visão
modernista é extremamente exclusiva. Apenas certas pessoas com habilidade artística estão
autorizadas a serem chamadas de artistas, logo apenas elas são capacitadas para produzir
formas de arte altamente originais. Uma arte-educação baseada sobre esta visão enfatizaria
o estudo de trabalhos que reivindicam ter um grau de excelência definido tanto pela sua
originalidade quanto pela pureza de sua composição formal. Igualmente, as crianças
poderiam ser encorajadas a serem originais em seu fazer artístico. A cópia de qualquer
espécie seria condenada. Esta era a guia filosófica da prática da arte-educação modernista.
No pós-modernismo, a linha entre formas de arte eruditas e não-eruditas desaparece.
Formas de arte sérias cessam de conceder status privilegiados. Ambas tornam-se
disponíveis para a apreciação. Porém, tanto a arte erudita quanto a não erudita apresentam
desafios especiais para o educador. A arte erudita usualmente requer treinamento
especializado antes que possa ser apreciada, desde que foi feita por e para um familiar
grupo de elite com códigos e imaginário modernistas. A indústria cultural pode ter apelo
instantâneo, mas seu público pode ser totalmente inconsciente de como ele pode ser
manipulado por tantas indústrias culturais como MTV, Time-Warner e Disney, que impõem
formas e ideologias culturais para integrar audiências numa ordem social existente. Como
muitos críticos pedagógicos insistem "a cultura popular torna-se mercadoria e produz
pessoas à imagem de sua própria lógica, uma lógica caracterizada pela padronização,
uniformidade e passividade" (Freire e Giroux, 1994, p. 4). Ao mesmo tempo, ela tende a
reforçar uma dominância sexista, racista e os estereótipos culturais, impondo visões da
realidade que autorizam alguns grupos às custas de outros.
Uma arte-educação pós-moderna enfatiza a habilidade para interpretar obras de arte em
termos de seu contexto social e cultural como o principal resultado da instrução. Isto é válido
não apenas para a supostamente séria, a arte erudita, mas também para as tendências e
impactos da cultura popular e cotidiana. Mais adiante explicarei porque é de crucial
importância que seja dada uma atenção séria ao estudo da cultura popular.
Cada uma destas definições tem seus problemas. A arte-educação baseada sobre uma
definição modernista da arte tende a aplicar padrões de bom gosto e critérios de excelência
artística, mas tal arte torna-se isolada do resto da experiência, de muitas maneiras aqueles
objetos em museus estão isolados do resto da vida. Tal arte-educação proverá uma
experiência e apreciação estética para coisas refinadas, mas tampouco enfatizará um
entendimento cultural nem uma base para uma ação social.
A arte-educação baseada em uma definição pós-modernista é potencialmente conectada ao
resto da vida, mas sem limites entre arte e o contexto social maior para o qual ela pertence,
torna-se bastante difícil escolher o que deve ser estudado. A pluralidade diáfana das formas
artísticas é uma fonte de confusão para os que fazem o curriculum e os estudantes.
Visões Contrastantes do Progresso
As diferenças entre o moderno e o pós-moderno são também evidentes em suas idéias
sobre o progresso na arte. Para os defensores da visão moderna a possibilidade de
progresso na arte é um aspecto do progresso da civilização. A busca por novos estilos e
formas de expressão é assumida para antecipar o potencial expressivo da arte. Qualquer um
pode ver porque a originalidade foi favorecida na arte e porque as crianças foram
encorajadas a serem criativas e não copiar o trabalho de outrem.
Em contraste, a visão pós-moderna é menos otimista e menos orientada em direção ao
futuro. A tecnologia industrial pode progredir em um caminho, mas a mesma indústria pode
poluir o meio ambiente e desperdiçar recursos. Uma arte-educação pós-moderna não
enfatizaria necessariamente a forma de arte mais recente ou a mais contemporânea. Ao
contrário, ela pode enfatizar como o passado pode ser referência numa obra contemporânea,
haja visto as maneiras como os artistas pós-modernos reciclam imagens e citações de obras
de arte e estilos anteriores. O pós-modernista enfatiza a continuidade com os estilos
artísticos do passado. Porém, as tradições do passado não são necessariamente
reverenciadas como tradições consagradas, mas podem ser exploradas através da sátira e
da paródia.
Um problema à frente dos arte-educadores é que o estudo histórico da arte é normalmente
emoldurado por uma narrativa do progresso. Uma narrativa modernista popular do século
vinte é que, como os artistas mudaram-se para a abstração e abandonaram o realismo, eles
fizeram um progresso. Os livros de história da arte tendem a organizar o conteúdo numa
seqüência cronológica, sutilmente sugerindo que os desenvolvimentos posteriores são
melhores que os anteriores.
Visões Contrastantes da Vanguarda
Os criadores dos movimentos de arte modernistas foram considerados como revolucionários
lançadores de tendências. Não apenas estavam na vanguarda da nova arte, mas também
eram os campeões de novas formas sociais. Eram freqüentemente críticos dos valores da
classe média e da falta de igualdade para todas as classes sociais. A fonte de sua autoridade
colocava-se em seus talentos únicos, freqüentemente auto-proclamados e, por isso, suas
obras assumiam ser mais importantes que a arte de outros.
A arte-educação modernista abriu uma brecha na construção de uma ponte entre a
vanguarda e um público que estava relutante em aceitar novos estilos e novas idéias, mas os
professores de arte modernistas muitas vezes limitaram tanto o estudante por recusarem-se
a ensinar as técnicas tradicionais do realismo, impondo uma instrução baseada nos
elementos da composição.
A arte-educação pós-moderna não é constrangida a focalizar-se em cima de estilos elitistas
da arte contemporânea como era a arte-educação modernista. Os professores de arte
podem também proporcionar aos estudantes oportunidades para estudar imagens e objetos
das tradições popular e folclórica, antigamente ignoradas. O estudo da arte pode tornar-se
mais igualitário em espírito. Os professores pós-modernos têm liberdade de escolha, mas a
seleção é uma confusão e uma fonte de problemas politicamente sensíveis.
Abstração Versus Realismo: Unidade Orgânica Versus Ecletismo
A arte-educação modernista muitas vezes impôs os estilos abstratos da vanguarda às
crianças como sendo mais avançados do que os meios tradicionais no fazer artístico. O
realismo, como um estilo, foi negativamente considerado desde que era tido como cópia e
imitação. Um primeiro exemplo disso pode ser visto em "Children’s Art Carnivals" projetado
por Victor D’Amico, no Museu de Arte Moderna (MOMA). O "Carnival" era um ambiente
especial com meios especiais projetados para estimular as crianças a trabalhar de um modo
abstrato.
O reaparecimento do realismo na arte pós-moderna difere do realismo tradicional. Muito
freqüentemente contém o imaginário da propaganda e do comércio. Diferente do realismo
pré-moderno, baseado na natureza, o realismo pós-moderno gira em torno de símbolos
sociais e culturais. Exemplos do realismo tradicional poderiam incluir pinturas de Constable
ou Corot enquanto o realismo de espírito pós-moderno pode abranger artistas como Warhol
ou Lichtenstein.
Os modernistas tenderam a favorecer a unidade orgânica como um princípio guia. A
decoração e a ornamentação eram condenadas. Consistência e "pureza" da forma artística,
beleza e significado eram promovidas. Em contraste, a arte pós-moderna pode ser eclética e
ter uma beleza dissonante criada pela combinação de motivos ornamentais do Classicismo e
outros movimentos. Essas combinações podem produzir dualidades, às vezes conflitantes,
de duplo sentido, uma qualidade a que Charles Jencks refere-se como "duplo-código"
(Jencks, 1989).
Universalismo Modernista Versus Pluralismo Pós-Moderno
A arte moderna é recheada com exemplos de artistas ocidentais tomando emprestados
códigos visuais de culturas não-ocidentais. Van Gogh estudou a gravura japonesa, Klee
imitou os motivos dos tecidos de culturas oceânicas, enquanto Picasso e Modigliani foram
estudantes atentos da escultura africana. No século dezenove o estudante britânico Owen
Jones (1982) estudou formas decorativas de todo o mundo para reduzir a complexidade da
arte à uma "Gramática do Ornamento", um conjunto de princípios universais que poderia
cingir toda a arte ornamental mundial. O esforço para reduzir a arte a uns poucos elementos
e princípios aplicáveis a toda arte de qualquer lugar é um exemplo modernista tipicamente
ocidental. Tomar emprestado de outras culturas poderia ser justificado nos campos onde toda
arte era governada pelo mesmo conjunto de "leis universais" descobertas no Ocidente…
Em contraste, os pós-modernistas favorecem uma pluralidade de estilos bem como uma
pluralidade de leituras interpretativas de tais trabalhos. Rejeitam a universalidade da estética
formalista, afirmando que obras de arte não podem ser compreendidas só através de
elementos formais, mas requerem também um bom conhecimento do seu contexto cultural.
Anteriormente realcei algumas diferenças entre o modernismo e o pós-modernismo como
eles estão se desdobrando no Ocidente. Também identifiquei alguns dos problemas para a
arte-educação nascidos de mudanças de conscientização. Estes estão resumidos na
seguinte tabela:
Contrastes entre Modernismo e Pós-modernismo
TÓPICO MODERNISMO PÓS-MODERNISMO
Natureza da
Arte
Arte é um objeto esteticamente
único que deve ser estudado
isoladamente de seu contexto
específico
Arte é uma forma de produção
cultural que deve ser estudada
situada em seu contexto cultural
Visão de
Progresso
Como todos os empreendimentos
humanos a arte faz progresso.
Progresso é uma grande narrativa
se desdobrando no tempo. O
estudo deveria se organizar em
torno desta narrativa.
Não há progresso, apenas trocas,
com avanços em uma área à custo
de outras áreas. O estudo deveria
se organizar em torno de múltiplas
narrativas.
Vanguarda
O progresso é possível graças à
atividade de uma elite cultural. A
educação deveria possibilitar às
pessoas apreciarem suas
contribuições à sociedade
A autoridade auto-proclamada das
elites está aberta a questionamento.
O estudo deveria dar destaque à
crítica dando possibilidade aos
alunos para levantar questões
pertinentes.
Tendências
Estilísticas
Estilos abstratos e
não-representacionais são
preferidos em relação aos estilos
O realismo é aceito mais uma vez.
Estilos ecléticos são evidentes. Os
estudantes têm a permissão de
realistas. Os estudantes devem ser
encorajados a experimentar com
estilos abstratos e conceituais.
escolher entre os vários estilos e
usá-los isoladamente ou em
conjunto.
Universalis
mo
versus
Pluralismo
Toda variação estética pode ser
reduzida ao mesmo conjunto
universal de elementos e princípios,
e estes devem ser centrais ao
ensino da arte.
O pluralismo estilístico deve ser
estudado para possibilitar que os
alunos reconheçam e interpretem
diferentes representações da
realidade.
5. O Surgimento do Mundo Mac. O Mercado Cultural Internacional
Em seu livro recente Benjamin Barber (1995) descreve duas seqüências imaginárias de
acontecimentos futuros que irão ocupar a próxima parte deste artigo.
A primeira seqüência enraizada na questão racial, guarda o triste prospecto de uma
retribalização de grande parte da humanidade através da guerra e derramamento de sangue:
uma ameaça de "balcanização" às nações em que culturas são lançadas contra culturas,
pessoas contra pessoas, tribo contra tribo, uma Jihad em nome de umas cento e tantas
crenças limitadas concebidas contra todo tipo de independência, todo tipo de cooperação
social e reciprocidade: contra a tecnologia, contra a cultura popular e contra mercados
integrados; contra a modernidade em si mesma tanto quanto o futuro sobre o qual a
modernidade fala. A segunda seqüência pinta o futuro em cores pastéis e brilhantes, um
retrato do avanço das forças econômicas, tecnológicas e ecológicas que forçam uma
integração e uniformidade hipnotizando as pessoas em todos os lugares com música rápida,
computadores rápidos e comida rápida — MTV, Macintosh e MacDonald’s — pressionando
as nações a virarem um mesmo e homogêneo parque temático, um Mundo Mac amarrado
pela comunicação, informação, diversão e do comércio. Preso entre a Babel e a
Disneylândia, o planeta está se desfazendo rapidamente e ao mesmo tempo relutantemente
se recompondo (1995, p. 4).
O que preocupava Barber era que as tendências Jihad e Mundo Mac não são separadas e,
às vezes, trabalham no mesmo país, com as mesmas pessoas e que de inúmeras maneiras
são interdependentes. Ele usa estes exemplos para lograr seu intento:
"Fanáticos iranianos mantêm um ouvido ligado nos "mullahs" instigando à guerra santa e o
outro ouvido ligado no brilho da televisão de Rupert Murdoch em "Dinastia" e "Os Simpsons".
Empresários chineses disputam a atenção tanto das estruturas de festas em Beijing quanto
perseguem franquias do KFC em cidades como Nanjing, Hangzhou e Xian, onde vinte e oito
outlets servem 100.000 fregueses todo dia… Assassinos sérvios usam tênis Adidas e ouvem
Madonna nos headphones de seus walkmans enquanto miram suas armas em cidadãos de
Sarajevo que procuram água para encher o tanque da família, e os põem em fuga. Hasids
ortodoxos e neo-nazistas, ambos se viraram para o rock para poder transmitir suas
tradicionais mensagens à uma nova geração, enquanto os fundamentalistas tramam
conspirações virtuais na Internet" (1995, p. 5).
Muitas nações têm transformado suas economias seguindo o exemplo das práticas
econômicas e educacionais ocidentais, o tempo todo se preocupando com o choque da
cultura ocidental, especialmente a cultura popular. Podem nações que seguem a trilha do
Mundo Mac ter esperanças de evitar a nova cultura popular internacional que está sendo
difundida através de marketing de massa e de tecnologias de comunicação eletrônicas? A
resposta a esta questão não é fácil de ser encontrada, e é não!
No entanto, o que está surgindo por todo o mundo industrializado não é a cultura ocidental,
apesar de ter tido seu início na industrialização ocidental e transmitir muito da cultura popular
norte-americana. Na verdade é um novo mercado cultural internacional alimentado por filmes
de Hollywood e pela televisão, "música pop inglesa, alta costura francesa, estilo italiano,
minimalismo escandinavo e tecnologia japonesa", através de procedimentos de marketing de
massa.
Este mercado cultural distrai as pessoas ao ponto de correrem o risco de perder aspectos de
suas próprias identidades culturais tradicionais. O que precisamos nos perguntar é se como
arte-educadores nós deveríamos preparar ou não nossos jovens para se tornarem
conscientes dos efeitos deste mercado cultural? Tornando-os cientes dos efeitos eles teriam
a liberdade de submeter-se ou de resistir ao abuso da sua identidade cultural e
individualidade.
A Criação do Mundo Mac
A "corporação virtual" de hoje não tem local fixo, mas é feita de um conjunto mutante de
relações conectadas por redes de computadores, telefone e fax. Quase sempre não está
relacionada com indústria pesada, mas com "serviço soft" tais como informação,
comunicação e diversão. Na verdade, é o setor de serviços softs que tem forjado o Mundo
Mac (Barber, p. 51). As indústrias pesadas do passado, explica Barber, servem às
necessidades físicas do corpo, providenciando comida, roupa e abrigo, enquanto que as
indústrias soft são:
"…dirigidas à mente e ao espírito (ou dirigidas a desfazer a mente e o espírito).Este casamento entre as tecnologias de telecomunicação com serviços deinformação e divertimento pode ser chamado de "infotainment telesector"
(telesetor de infotimento). Os setor de bens de consumo é conquistado peloinfotainment telesector, cujo objetivo é nada mais nada menos do que (capturar) aalma humana" (Barber, p. 60 ) (ênfase adicionada).
Em 1992 a corporação Coca-Cola discutiu "mundos de oportunidade" em vários países que
tem "a cultura e o clima propício para um consumo significativo de refrigerante." Apontando a
Indonésia, Barber explica como:
"…'investimento agressivo' pode derrotar a cultura local e forçar a nação a seguiras 'sociedades que tradicionalmente consomem bebidas como o chá', mas queforam levadas a fazer 'a transição para bebidas mais doces como a Coca-Cola'. …fazê-los desistir do chá requer uma campanha cultural. O 'declínio do consumo dechá', que pode ser considerado por antropólogos culturais, como sendo um sinaldo início do desgaste de uma cultura dominante local, é recebido como a portaentreaberta para as vendas de bebidas doces" (Barber, p. 70) (ênfase adicionada).
Isto mostra claramente como as culturas podem ser influenciadas para mudar seus hábitos
através de uma estratégia de marketing. E quem sabe? Talvez as pessoas na Indonésia
comprem Coca e gostem. Mudar em direção ao mercado cultural internacional é uma
escolha que indivíduos deveriam ter liberdade para fazê-lo, e uma mudança cultural nem
sempre é má. Mas a verdadeira preocupação é se estas mudanças podem ir mais fundo,
atingindo possivelmente a alma?
O que me preocupa não é a venda de Coca-Cola na Indonésia, mas que as pessoas sejam
expostas às "palavras e imagens e sons e gostos que fazem o domínio ideacional/afetivo
pelo qual nosso mundo físico das coisas materiais é interpretado, controlado e dirigido"
(Barber, p. 81). Existe, também, um aspecto ideológico preocupante sobre "quem terá
permissão para controlar as imagens do mundo, e portanto vender um certo modo de vida,
através da venda de produtos e idéias". Barber diz que:
"… não há conspiradores aqui, nem tiranos sub-reptícios usando a informaçãopara assegurar hegemonia. Esta é certamente a política das conseqüênciasinadvertidas e não intencionais em que a busca, aparentemente inócua, domercado por diversão, criatividade, e lucros coloca culturas inteiras a perigo eabala a autonomia de indivíduos e de nações também" (p. 81).
Os professores de arte podem perceber a seriedade do problema mas não o enxergam além
das preocupações diárias da aula de artes. Podem dizer que não há tempo suficiente para
ensinar tudo. No entanto, nos anos vindouros os professores serão forçados a considerar o
impacto de sons e imagens só para poder continuar ensinando o que estão acostumados a
ensinar, porque as imagens na cultura cotidiana, na TV, em revistas e jornais, criam um
impacto direto sobre as crianças, acabam construindo a visão da realidade delas, formando
valores e crenças, e isso pode não deixar espaço psicológico para desenhar e pintar, ou
espaço para imagens de qualquer tipo de cultura tradicional. As crianças de hoje estão
aprendendo novos códigos visuais, mas, ao mesmo tempo, estão cercadas de imagens do
cotidiano que criam visões virtuais de uma vida boa, baseada no consumo. Eles vão precisar
aprender como determinar se esta mídia representa ou não a realidade, e se estão lhes
dizendo a verdade.
6. O Surgimento do Mundo Pós-Guerra Fria
O colapso do comunismo não tornou o mundo mais seguro. Temos apenas que rever as
recentes histórias da Iugoslávia, Sri Lanka e Ruanda. Neste exato momento muitas pessoas
estão sendo jogadas contra outras. Em 1994 as Nações Unidas tinham aproximadamente
80.000 soldados das tropas de paz em 18 países. As tropas estão nas fronteiras entre Israel
e Síria, e nas fronteiras entre Índia e Paquistão, mas, atualmente, o maior número está
envolvido em tentar separar facções rivais dentro de um mesmo país, como na Somália e na
Bósnia. Os atores deste drama não são nem os indivíduos nem os países, mas tribos, como
nações se estilhaçando em unidades cada vez menores baseadas na identidade tribal.
Barber escolheu a palavra árabe, Jihad para caracterizar este processo.
"Tomo emprestado seu significado dos militantes que fazem do massacre ao'outro' um dever maior. Uso o termo na sua construção militante para sugerir umparticularismo violento e dogmático, do tipo conhecido tanto por cristãos quantopor muçulmanos, por alemães tanto quanto por árabes. O fenômeno no qual euaplico a frase tem um início bem inocente: políticas de identidade e diversidadecultural podem representar estratégias de uma sociedade livre tentando darexpressão à sua diversidade. O que acaba como Jihad pode ter começadosimplesmente como uma busca de identidade local, um jogo de atributos pessoaiscomuns para resistir contra as uniformidades entorpecentes e neutralizantes damodernização industrial e da cultura colonizadora do Mundo Mac" (Barber p. 9).
Em um extremo, a Jihad persegue "uma política sangrenta de identidade", enquanto que o
Mundo Mac persegue uma "não sanguinolenta economia de lucros". Todos são reduzidos ao
papel de consumidor ou procuram sua identidade como membro da tribo, sendo estas
oposições as do mundo pós-guerra fria. Como pode a arte-educação internacional mudar
este quadro?
7. O Papel da Arte-Educação no Mundo Pós-Guerra
Nesta seção tentarei responder a esta questão. Minhas respostas vêm, em parte, da história
da arte-educação e como ela compreendeu seu papel no passado, quando a arte moderna
surgiu. Alguns destes papéis podem ser os mesmos de antes, mas outros terão que mudar
enquanto nos preparamos para o próximo século.
Qual era o propósito da arte quando o modernismo prevaleceu e quais são seus propósitos
agora?
De acordo com Donald Home uma profusão de estilos ocorreu logo que a arte moderna
apareceu e essa arte era sobre "um grande predicamento humano", isto é, que uma crise da
construção da realidade começou a acontecer em muitas sociedades sob o stress da
urbanização, modernização, industrialização e materialismo. Na sua visão esta
experimentação estilística exemplificava "a arte fazendo seu trabalho" (Home, pp. 235-236).
A arte nova é organizadora de experiências novas, novas perspectivas e de novas
percepções do mundo e da visão humana. No início de 1900 artistas de vanguarda tentaram
novas maneiras de expressar seus sentimentos sobre o mundo. Eles não estavam muito
felizes com as mudanças que estavam ocorrendo e a sua expressão artística era, como diria
Gablik, "uma resposta forçada à uma realidade social que eles não podiam mais afirmar"
(1984, p. 21).
A crença modernista na inevitabilidade do progresso estava falhando até mesmo enquanto a
profusão estética era tida como sinal de vitalidade cultural. Agora revemos estes esforços
como atos de desespero — esforços vãos de achar um novo mito para o século vinte. Ao
falhar nesta tarefa, perguntamo-nos se isso foi ou é uma esperança vã. Chamamos o atual
momento de pós-moderno pois nos faltam respostas claras.
Felizmente, o propósito da arte não mudou com a mudança para o pós-moderno. A arte
moderna tentou uma reconstrução radical da realidade, mas as realidades sociais estavam
passando por construções quando os seres humanos primeiro começaram a usar as
palavras, signos e outras formas simbólicas de representação para significar suas
experiências e compartilhar os significados possíveis. O processo de construção continuará
enquanto houver seres humanos pois nós somos por natureza "fazedores de cultura" que
criam formas simbólicas para dar sentido e coerência às nossas vidas. Ao levantar questões
sobre o Mundo Mac e Jihad como presságios do futuro, Barber estava se perguntando se
estamos destinados a seguir tendências ou se há alternativas.
A Construção da Realidade: O Propósito Contínuo da Arte-Educação
A função das artes através da história cultural humana tem sido e continua a ser a de
"construção da realidade". Isto não tem sido fundamentalmente alterado pelas investidas do
pós-modernismo. A arte constrói numerosas representações do mundo, as quais podem ser
sobre o mundo real ou sobre mundos imaginários, inexistentes, mas a inspiração humana
continua podendo criar uma realidade diferente para cada um deles. A realidade social inclui
tais coisas como dinheiro, propriedade, sistemas econômicos, classes sociais, gênero,
grupos étnicos, governos, sistemas de cerimoniais religiosos e crenças, linguagens e
similares. As artes são representações simbólicas dessas realidades. As artes são
importantes pedagogicamente porque espelham essas representações de forma que podem
ser percebidas e sentidas.
Diferentes grupos de pessoas têm inventado diferentes construções da realidade para
vivê-la. Comunicam-se acerca da realidade dentro de diferentes sistemas de representação,
incluindo sua arte. Nenhum conjunto de mitos e narrativas pode capturar a totalidade da
verdade. Algumas verdades vêm de tradições mnemônicas, transmitidas pelos pais ou pelos
mais velhos. Outras vêm da mídia, das estratégias de propaganda em massa e vias
eletrônicas de comunicação. Cada indivíduo, homem ou mulher, cria sua imagem mental do
mundo dessas várias fontes, tentando obter um sentido do mundo através da reflexão e do
entendimento.
O Propósito da Arte-Educação
Se a construção da realidade continua a ser a missão das artes, o propósito da
arte-educação, então, é contribuir para o entendimento dos panoramas social e cultural
habitados pelo indivíduo. As crianças do amanhã precisam das artes para capacitá-las a
compreender e comunicar-se com os termos de sua sociedade, para que elas possam ter um
futuro nessa sociedade!
Representando a Realidade do Outro
Podem os arte-educadores representar a arte de outros grupos sabendo que em certo
sentido ninguém pode falar precisamente pelos outros?
Precisamos desenvolver melhores definições de cultura que as existentes. As definições da
cultura ocidental têm muitas vezes delimitado a cultura referindo-se unicamente à cultura
erudita como no caso sob o modernismo. Mas a cultura é um fenômeno variado contendo
múltiplas linhas de aspectos eruditos e não eruditos. Temos discutido o impulso cultural do
Mundo Mac como uma tendência negativa que se não for desafiada pode eventualmente
impor seu próprio universalismo, reduzindo a totalidade da diversidade cultural do mundo a
um vazio monolítico. Um fato similar espera-nos se o impulso da Jihad tornar-se dominante.
Ela pode realçar diferenças, mas pode negar a liberdade para explorar a "alteridade". A
identidade pessoal torna-se limitada pelos horizontes construídos socialmente elaborados
por cada grupo, cada um impedindo a entrada de influências externas com barreiras
invisíveis, Grandes Muralhas da China psicológicas. Mas, sabemos que há outras culturas
além do horizonte e assim necessitamos de uma arte-educação internacional onde
diferenças culturais não são simplesmente reconhecidas, mas são vistas como recursos para
capacitar o indivíduo a completar seu potencial. De uma maneira curiosa, a percepção
humana de si permanece incompleta se não podemos descobrir como cada um de nós é o
outro do "outro".
Um Novo Mito para o Mundo Pós-Moderno
Como os arte-educadores podem contribuir na construção de um novo mito para o mundo
pós-moderno?
Esta questão é a mais confusa de todas e me preocupa que ela possa estar fora do alcance
da arte-educação. Os mitos surgem nas províncias da cultura e são socialmente construídos
notavelmente cedo, nenhuma cultura sozinha tem tido sabedoria suficiente para criar novos
mitos para nosso tempo por si própria. Do ponto de vista do Mundo Mac, a cultura é reduzida
a entretenimento ou "infotimento", usando um termo de Barber, e estes tampouco servem
para anunciar mercadorias, ou tornarem-se mercadorias eles mesmos. A cultura torna-se
outra mercadoria no mercado e, não tendo propósitos elevados, sua fabricação e marketing é
dirigida pela economia de oferta e procura.
A Arte como Conteúdo para Estudos Culturais
A arte, a música e a literatura podem servir como conteúdo para uma pedagogia crítica que
tem como uma de suas missões o questionamento do mercado cultural internacional e a
cultura como uma forma de Jihad. Isto provavelmente será arduamente combatido se aquele
curriculum capacitar os estudantes a tornarem-se cônscios das forças predatórias em suas
vidas e se em seus estudos forem encorajados a questionar. Aqueles que governam o
Mundo Mac preferem que seus clientes não questionem e apenas se divirtam, especialmente
se eles consumirem de acordo com seu estilo de vida sem questionar o sistema. Os
pedagogos críticos como Peter McLaren (1995) falam sobre a necessidade de uma
pedagogia de resistência e transformação para contrariar as forças hegemônicas como o
Mundo Mac. A resistência pode ter sucesso à curta distância, mas desde que ela reage à
dominação, e não é empreendida livremente, não é genuinamente livre.
Do ponto de vista da Jihad a cultura é reduzida aos mitos que mantêm e promovem a
identidade tribal, e o estudo de culturas externas pode ser percebido como exposição à
influências contaminadoras. Vemos como isto se processa em muitos países do terceiro
mundo, no fundamentalismo religioso, nos ataques perpetrados pelos jovens skinhead
alemães a imigrantes turcos e entre a supremacia branca nos Estados Unidos.
Ambas as tendências têm ultimamente trabalhado para encurtar a liberdade individual. A
liberdade na visão do Mundo Mac é limitada ao se fazer escolhas entre as mercadorias ou
quanto aos meios de diversão, e não inclui escolhas morais. Na Jihad há a liberdade ilusória
para resistir às influências da aculturação dos grupos dominantes, mas não há liberdade para
explorar o mundo das diferenças além do conjunto de horizontes de sua própria cultura. A
cultura pode ser um lugar de refúgio, mas também pode ser sua própria prisão.
Ordem Social Tripla como Modelo para o Curriculum
O que agora proponho pode ajudar a refletir sobre as alternativas vindas destas opções. Tem
de ser feito com o reconhecimento das artes como uma forma de questionamento crítico
cultural que pode levar à tomada de decisões morais. Deriva da noção de Rudolph Steiner
(1966/1972) de ordem social tripla. Na esteira da I Guerra Mundial, que desencadeou uma
destruição sem precedentes na Europa, Steiner propôs um sistema de organização social
que proveria as necessidades do ser humano sem concentrações hegemônicas de poder e
centralização da autoridade fundada no Estado moderno, e em sistemas econômicos como
socialismo ou capitalismo. Em seu plano a sociedade poderia ser organizada em três
coexistentes e entrelaçados grupos de instituições.
Primeiro há as instituições que apóiam e sustentam a organização econômica, incluindo os
mercados, as fábricas, as fazendas e sistemas de distribuição de bens e de serviços. Estes
negociam com a matéria-prima necessária aos seres humanos, mas também fornecem a
satisfação das necessidades fraternais dos indivíduos através de atividades de trabalho
produtivo e distribuição. A organização econômica poderia incorporar o Mundo Mac, se este
abraçasse um propósito mais elevado que apenas o lucro.
O segundo grupo contém as organizações cívicas, ou a esfera político-legislativa. Incluem
legislaturas, tribunais e organizações políticas como suas partes. É onde as leis são
promulgadas especificando direitos humanos e procedimentos através dos quais cada
indivíduo pode entrar legalmente para realizar contratos e acordos ou para reparar queixas.
O terceiro grupo é o grupo que mais nos interessa, o qual ele chamou de organização
espiritual-cultural. Inclui escolas, universidades, corporações religiosas, museus, e
organizações profissionais como a INSEA. É onde as concepções de liberdade,
individualidade, certo e errado são cultivadas através da busca por significações na atividade
educacional.
Cada grupo de instituições poderia ser relativamente autônomo, não sujeito ao controle do
estado como no socialismo, nem dedicado por inteiro ao lucro como no capitalismo. Poderia
exigir uma moralidade comum que incluiria direitos e benefícios para os trabalhadores bem
como uma ética comprometida em prover produtos saudáveis para os consumidores e lucros
para os investidores. A moralidade comum emergiria das ações da esfera espiritual-cultural.
Um sistema educacional que suportaria tal ordem social exigiria formas de educação para
atividades econômicas, cívicas e culturais-espirituais. As artes seriam incluídas mais tarde. A
organização do curriculum pareceria algo como o diagrama que segue:
Um Curriculum Triplo
A parte central do diagrama representa a acumulação do conhecimento do assunto incluindo
as artes, as ciências, a linguagem, a matemática, as humanidades e estudos culturais como
a história, a filosofia e a religião. As três áreas circulares representariam as várias atividades
que o curriculum abrange, e recursos que poderiam ser extraídos do assunto na condução
de várias atividades. A esfera das atividades práticas corresponderia à esfera econômica
desde que aqui os estudantes pudessem aprender profissões para seu sustento. No círculo
das atividades sociais ganha-se experiência ao fazer parte de um grupo, onde tem que se
tomar conta dos interesses, desejos e direitos dos outros, bem como de seus próprios
direitos e responsabilidades. Finalmente, no círculo das atividades individuais imaginativas
cultivariam o uso de sua imaginação para representar por formas expressivas da linguagem
e das artes as questões e os interesses que vêm à luz em outras esferas de atividades.
Atividades, em cada uma das três esferas engajaria as capacidades humanas cognitivas
para o pensamento, o sentimento e a vontade.
As Artes, Cognição e Educação
Nos últimos 25 ou 30 anos um novo desenvolvimento tem surgido sob a psicologia cognitiva
que tem mudado nossa compreensão do aprendizado. É comum dizer que há certas
matérias que são boas para o pensamento como a lógica e a matemática enquanto outras
como as artes são boas para o cultivo dos sentimentos. Tal separação já não é mais tão
sustentável (Parsons, 1992). O que está tornando-se claro é que o aprendizado em qualquer
matéria ocupa todas as três facetas da cognição. Chamo estas, à maneira de Steiner,
pensamento, sentimento e vontade. Cada uma, por si mesma, é incompleta sem as outras
duas.
Pensamento é a capacidade cognitiva de tratar com conceitos e idéias, mas quando deixa de
sê-lo, pode levar a uma abstração exangue de pensamentos mortos. O pensamento sem
sentimento não pode levar à decisões morais porque os sentimentos ajudam a sensibilizá-lo
para as conseqüências das idéias e ações. Além disso, o pensamento não acontece numa
mente ociosa, mas é, ele mesmo, um ato de vontade. Somando-se ao pensamento, a
atividade cognitiva deve envolver a vontade bem como o sentimento. Os sentimentos
também nos tornam capazes de lidar com a afeição e a aversão, simpatias e antipatias,
acertos e erros.
Uma vida governada inteiramente pelo sentimento sem o pensamento pode ser perigosa,
como quando os prazeres tornam-se vícios ou quando as pessoas se engajam em opiniões
violentas. Ações morais tornam-se possíveis quando indivíduos são capazes de usar os
sentimentos como um recurso para animar o pensamento. John Dewey trata a questão como
ponto de partida das "dificuldades sentidas". Tais sentimentos animam a mente por
tornarem-se objetos do pensamento. Todavia, o caso é que várias matérias no curriculum
diferem em sua capacidade de esboçar o pensamento, o sentimento e a vontade
coerentemente. É no campo do pensar sobre os sentimentos que a arte-educação tem o seu
papel chave na educação.
Os psicólogos cognitivos descrevem correntemente o aprendizado em termos de uma tripla
organização. Termos como conhecimento básico, estratégia e disposição abundam na
literatura atual (ver Prawat, 1989). O conhecimento básico situa-se no campo do
pensamento, contendo as idéias e conceitos resultantes da percepção sensorial. O campo
das disposições corresponde ao plano dos sentimentos, enquanto que o campo das
estratégias comanda os meios pelos quais mobilizamos nossa vontade de aprender mais ou
empreender ações em face a problemas. O aprendizado bem sucedido deve envolver esses
três elementos mas as artes têm atributos próprios para desenvolver e engajá-los como
poderes da mente como David Perkins explica:
"A arte ajuda de uma maneira natural. O olhar para a arte convida, recompensa eencoraja um temperamento atencioso, porque obras de arte requerem atençãopara descobrir o que elas têm para mostrar e dizer. Obras de arte tambémconectam o social, o pessoal e outras dimensões da vida com fortes sugestõesafetivas. Então, é melhor do que a maioria das situações, olhar para a arte podeconstruir realmente disposições para um pensamento básico" (Perkins, 1994, p.4).
A Liberdade da Vida Cultural
Como pode a comunidade internacional dos arte-educadores começar a lidar com os
problemas das áreas mencionadas no início? Começamos por reconhecer que a meta da
arte-educação reside dentro da esfera espiritual-cultural do indivíduo e tem como seu
principal objetivo "a liberdade da vida cultural". Ela é apenas indiretamente endereçada às
esferas da economia ou cidadania, embora estas áreas de interesse humano ultimamente
tornaram-se beneficiadas por uma educação através da arte. É aqui que é mais provável
encontrarmos resistência da escola e órgãos governamentais, pais e amigos, porque a
educação pública é controlada pelo estado nas nações industrializadas e muitos estados
tendem a colocar os problemas da competição econômica internacional acima de outros
interesses. Franz Carlgren (1986) nos fala a respeito das atuais condições que afetam a
educação contemporânea:
"Mais ainda, escolas, universidades e laboratórios científicos são reconhecidos etratados como fatores em uma acirrada disputa econômico-política internacional;
curriculum, a forma da instrução, decisões a respeito de exames… sãoconsistentemente adaptados às necessidades da indústria, governo, ou mesmo damáquina militar… a liberdade da vida cultural está em perigo naqueles países queconsideram a si mesmos "livres"… Quando a demanda do estado industrialmoderno influencia o andamento do trabalho e os requisitos de exames dosistema educacional a um nível muito elevado, então o resultado inevitável é arevolta dos jovens e dos estudantes" (1986, p. 13).
Não é preciso ir muito longe para encontrar exemplos que ilustrem a observação de
Carlgren. O Japão, por exemplo, tem um dos mais rigorosos sistemas de exames
educacionais do mundo, mas também tem a mais alta taxa mundial de suicídios de
adolescentes. A violência das gangues é a causa principal de morte entre adolescentes
negros americanos que se sentem excluídos do processo educacional. O preço para realizar
objetivos econômicos pode ser muito alto se isto oprime o indivíduo no processo. Metas
econômicas e sociais são mais provavelmente garantidas pelo estímulo das potencialidades
da mente através de experiências que evoquem os estudantes para encontrar sentido em
suas experiências de vida dentro e através das artes.
Obras de arte apresentam à nossa percepção formas de sentir criadas pelos artistas,
tornando-as disponíveis para cognição. Ensinamos arte não meramente para capacitar
crianças a fazerem quadros artisticamente, ou para determinar se um objeto é
suficientemente bom para justificar a apreciação e o reconhecimento, mas para capacitar os
estudantes a penetrar na essência de uma obra de arte. A compreensão é atingida através
da interpretação de tais obras, onde a obra é vista em relação ao contexto em que está
situada. Isso é possível porque uma obra de arte é sempre a respeito de alguma outra coisa
que a arte! A capacidade para fazer determinações e julgamentos provavelmente não
emergirá se as crianças forem deixadas de fora desses dispositivos. Levantam-se quando o
ensino intencionalmente os deixa de fora no desenvolvimento do poder da mente, incluindo a
imaginação, através da criação e interpretação reflexiva. Isso é o que de melhor a
arte-educação pode prover, e é minha crença que as compreensões cultivadas através do
estudo da arte sejam formas de deliberação que podem preparar as fundações para uma
liberdade cultural e uma ação social.
Tradução: Ana Amália T. B. Barbosa e Jorge Padilha