Post on 07-Dec-2018
CURSO DE DIREITO
“A BANALIZAÇÃO DO INSTITUTO DO DANO MORAL”
ANA ELIZE DE ALMEIDA SANTOS DUCCA
RA: 514304-5
TURMA: 3109A
FONE: 4043-4199
E-MAIL: anaducca@globo.com
SÃO PAULO
2011
1
ANA ELIZE DE ALMEIDA SANTOS DUCCA
Trabalho de Curso apresentado ao Curso de Direito
do Centro Universitário das Faculdades
Metropolitanas Unidas, como exigência parcial para
obtenção do título de Bacharel em Direito, sob a
orientação da Professora Mestre Renata Giovanoni
Di Mauro.
SÃO PAULO
2011
2
BANCA EXAMINADORA:
Professora Orientadora:______________________
Professor Arguidor:_________________________
Professor Arguidor:_________________________
3
Dedico o presente trabalho ao meu marido, que ao longo desses
anos, com muito amor, compreensão e paciência suportou minha
ausência e em especial à minha amada filha, que é a razão do meu
viver, que foi a idealizadora, a maior incentivadora da realização do
meu sonho a essa altura da minha vida.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, meu criador e mantenedor, que até aqui me guiou e me
possibilitou trilhar esse caminho.
Ao meu marido Jorge, amigo e companheiro, que com compreensão e paciência,
por inúmeras vezes se viu sozinho, à noite, nos finais de semana, deixando de passear,
deixando de viajar, suportou a minha ausência, contribuindo assim, para a realização do
meu sonho.
À minha amada filha Bruna, fonte de inspiração, a qual me impulsionou, me deu
força e coragem para seguir em frente, além de grande cooperação com seus
conhecimentos acadêmicos, da sua companhia em meus estudos sempre que precisei.
Aos meus queridos amigos, que me apoiaram e acreditaram em mim, em especial a
Gabriela, a Bruna e o Daniel.
À querida professora, mestre e orientadora Renata Giovanoni Di Mauro, pela
paciência, dedicação, auxílio, ensinamento e compreensão, que foram fundamentais para
a conclusão desse trabalho.
Ao querido professor Jorge Euclides Alves, que teve imensa contribuição para a
conclusão desse trabalho e pela transmissão de seus ensinamentos e conhecimentos.
Aos demais professores que contribuíram para a minha formação acadêmica.
5
RESUMO
O instituto do dano moral passou por imensas modificações desde que surgiu no ordenamento jurídico brasileiro. Iniciando pela total rejeição do instituto, passando por transformações, chegando a sua consagração. A plenitude se deu, com a previsão contida na Constituição federal. Contudo, atualmente em razão de inúmeras possibilidades de se postular tal indenização, bem como a facilidade de ingresso ao judiciário e da impunidade dos litigantes de má-fé, o instituto se transformou em uma verdadeira indústria, com o propósito de se formular pedidos exorbitantes e sem nenhum fundamento legal, com isso o instituto tem sido usado como forma de obter enriquecimento fácil, visto que há possibilidade de muito ganhar e pouco a perder. Em razão da imensa quantidade de ajuizamento de ações com pedido de indenização a titulo de dano moral, o judiciário que há muito, já se era moroso, hoje está sobrecarregado e se mostra ineficiente na resolução de conflitos. Palavras-chave: Dano. Dano material. Dano moral. Responsabilidade civil. Quantificação. Banalização.
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................................1
1 O DIREITO E A MORAL ................................................................................................3
1.1 Noções sobre a história do Direito ..............................................................................3
1.2 A função do Direito na sociedade ...............................................................................5
1.3 Moral ...........................................................................................................................6
2 O QUE É DANO? .............................................................................................................9
2.1 Conceito de dano.........................................................................................................9
2.1.1 Dano Material .....................................................................................................10
2.1.2 Dano Moral.........................................................................................................11
2.1.3 Diferença entre dano material e dano moral.......................................................15
2.2 Caracterização do dano moral e mero aborrecimento ..............................................16
3 EVOLUÇÃO DO DANO MORAL ................................................................................18
3.1 Código de Hamurabi e Código de Manu...................................................................18
3.2 Evolução histórica do dano na Grécia e Roma .........................................................19
3.3 Danos morais na Alemanha e França........................................................................21
3.4 Dano moral no Direito americano.............................................................................23
3.4.1 Caso Gore X BMW ............................................................................................27
3.4.2 Caso Stella Liebeck X McDonald’s ...................................................................28
4 O DANO MORAL NO DIREITO BRASILEIRO..........................................................36
4.1 Responsabilidade Civil..............................................................................................36
4.1.1 Responsabilidade civil objetiva e subjetiva........................................................37
4.2 Quantificação do Dano Moral...................................................................................38
4.3 Da banalização ..........................................................................................................43
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................51 BIBLIOGRAFIA
7
INTRODUÇÃO
O presente trabalho teve como objetivo, pesquisar e refletir sobre o instituto do
dano moral, sua história desde a antiguidade até os dias atuais, conceituação, requisitos e
efeitos, a fim de estabelecer a diferença entre o que é o dano moral, ressarcivel pelo
direito e mero aborrecimento, que não comporta em tese, qualquer reparação.
Também abordamos a forma de fixação do quantum indenizatório, onde o juiz
assume um papel de extrema importância, que sempre deve estar atento para o tipo médio
sensível da classe e ainda observar os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, para
sem exageros aplicar indenização adequada.
Especificamente, procuramos abordar o aspecto negativo, no que diz respeito à
banalização do instituto, principalmente em sede juizado especial, onde quaisquer
aborrecimentos, simples discussões, em suma, qualquer fato que não foge a normalidade
tem gerado ações com pedido de indenização a titulo de dano moral.
Ressaltando ainda que, algumas dessas ações são julgadas procedentes sem a
devida aferição dos requisitos essenciais da responsabilidade civil e do próprio dano
moral.
Antes de introduzir o assunto propriamente dito, fizemos um breve relato da
história do Direito e a função do Direito na sociedade. Sendo este assunto de suma
importância, visto que o homem necessita viver e participar da vida em sociedade e em
razão de seu desenvolvimento aumenta também as relações entre os homens e
conseqüentemente iniciam-se os choques de interesses.
Desta forma, é imprescindível adotar normas e regras para que se possa disciplinar
e harmonizar tais conflitos.
Por fim, destacamos a grande importância da Constituição Federal de 1988 que
consagrou a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das
pessoas, além da indenização pelo dano moral decorrente de sua violação.
9
Em razão disso, e da facilidade de acesso ao judiciário, abriu-se um leque de
possibilidades que tem gerado uma grande preocupação no que diz respeito à imensa
quantidade de processos, cujos pedidos são indenizações a titulo de danos morais.
10
1 O DIREITO E A MORAL
1.1 Noções sobre a história do direito
Tudo o que o homem realiza em função do meio a que ele pertence está
relacionado com o direito. Isso ocorre porque o direito, como manifestação social
constitui instrumento disciplinador de toda a atividade humana, ou seja, o direito é uma
força de contenção dos impulsos individualistas e egoístas do homem. Sua presença é
inevitável no seu grupo social.
Dessa forma, se o grupo evolui, o direito também evolui no mesmo grau, porém
essa evolução não se pode processar de forma brusca nem de etapas isoladas uma das
outras.
As mudanças estão presas a um processo de evolução tanto da sociedade, como do
direito, sendo assim trazem na sua estrutura algo capaz de resistir a tudo o que ocorre no
decurso do tempo, mas sempre haverá relação entre passado e presente.
A verdade é que o presente é uma extensão do passado, ou seja, para que tenhamos
um bom conhecimento de uma legislação depende do bom conhecimento da sua história.
Todo Estado dispõe de ordenamento juridico próprio, composto de normas nas
quais se distinguem determinados valores protegidos pelo direito.
Esses valores, ou bens jurídicos, contam com maior ou menor amparo perante as
respectivas normas que os resguardam conforme a natureza e relevância que estas lhe
emprestaram, no momento em que editadas e em face do ambiente social para o qual se
destinaram e como o substrato social se encontra em continuada alteração, também
aquelas vem conhecendo periódicas mudanças, de acordo com a época e conveniência de
sua manutenção, ou não.
Assim, conforme as exigências de ordem política, econômica ou cultural, um ato
antijurídico, que estava a merecer apenas uma repressão de caráter civil, são colocadas
pelo legislador sob outro prisma de valores, e a necessidade de se proteger a ordem
11
jurídica provoca, então, uma sanção mais rigorosa para a hipótese ou ocorrer o inverso, e
o ato, embora continue sendo reconhecido como ilícito, deixa de sofrer aquela pena,
passando a ser coibido ou condicionado a outros meios igualmente válidos para o
restabelecimento do direito atingido.
Com isso podemos entender que o direito constitui uma expressão inseparável de
qualquer meio social civilizado e o direito não se conserva estático, mas se dinamiza e se
transforma na medida em que as condições sociais assim exigem, então, não há como
desvincular o direito da realidade histórica, pois é preciso saber como este direito foi no
passado para entendê-lo no presente e aprimorá-lo para o futuro. Contudo, a ordem
jurídica possui partes que se movimentam rapidamente e visível para a sociedade, outras
partes são mais morosas, mas são perceptíveis, e ainda, há outras, que são tão lentos que
até parecem imóveis.
A história do direito na condição de ciência descreve, pesquisa, esclarece,
coordena e explicita a vida jurídica de um povo em seus mais variados aspectos, detendo-
se nas fontes, nos costumes, na legislação que o rege, em todas as manifestações, enfim,
que possibilitem o aperfeiçoamento dessa compreensão como um todo, resultante do
conhecimento dos fatos ocorridos e das impressões maiores ou menores que estes
deixaram.
Trata-se tanto de ciência histórica como jurídica, e em face dessa dupla
característica sua área de atuação não tem limites rígidos ou previamente direcionados.
A história do direito é de suma importância para o estudo da ciência jurídica, pois
visa compreender o processo de evolução e constante transformação das civilizações
humanas no decorrer da história dos diversos povos e consequentemente das diversas
culturas do ponto de vista jurídico, sendo assim, o direito é a ciência do conviver.
12
1.2 A função do direito na sociedade
O ser humano, por sua natureza, possui forças instintivas que atuam sobre ele,
forças essas que influenciam na construção de seu mundo cultural. Segundo Maria Helena
Diniz: O homem é um ser gregário por natureza, é um ser eminentemente social, não só pelo instinto sociável, mas também por força de sua inteligência que lhe demonstra que é melhor viver em sociedade para atingir seus objetivos (…). O ser humano encontra-se em estado convivencial e pela própria convivência é levado a interagir (…). E como toda interação produz perturbação nos indivíduos em comunicação recíproca, que pode ser maior ou menor, para que a sociedade possa se conservar é mister delimitar a atividade das pessoas que a compõem mediante normas jurídicas. 1
Assim, para viver em sociedade, o homem deve passar por um processo de
adaptação, que deve ocorrer tanto na esfera interna quanto na externa. Diz-se interna
quanto for relativa ao corpo, sem a interposição da vontade, como o funcionamento dos
órgãos diante de diferentes situações em que deva se adaptar. Já na esfera externa a
relação é do homem com o espaço exterior. O homem tem inúmeras necessidades, que
são satisfeita pela natureza. O homem adapta e transforma o mundo a sua volta, e na
carência de recursos, constrói, cria e transforma a natureza para satisfação de determinada
necessidade.
Essas adaptações repercutem na formação da cultura de um determinado local e
influenciam a vida em sociedade. O homem, assim, irá conviver e participar da vida em
sociedade e para que essa convivência seja a mais harmônica deve haver normas e regras
a serem seguidas.
O Direito e o homem se influenciam mutuamente. Enquanto o Direito faz parte do
processo de adaptação do homem, devendo este se adequar e obedecer às normas, o
homem também influencia na criação do Direito, vez que este deve estar focado e
1 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro – 1. Teoria geral do direito civil. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, pp. 5-6.
13
adaptado ao meio para o qual foi produzido, obedecendo aos valores que a sociedade
elege como fundamentais.
É importante dizer que o Direito Natural possui como leis fundamentais as leis
advindas da natureza e do conceito da expressão justiça. Dessa forma, como o Direito
Natural não se originou de uma criação humana, por ser, inclusive, anterior ao próprio
homem, não pode ser classificado como processo de adaptação social. Entretanto, a
criação do Direito, em uma sociedade, deve estar baseada nas principais regras do Direito
Natural, pois seus princípios de respeito à vida, à liberdade, dentre vários outros, devem
estar contidos em qualquer lei.
O Direito também possui importante missão, pois ele serve como instrumento para
gerar a paz e harmonia nas diversas relações sociais. O Direito, por ser fruto da
elaboração humana, sofre influencia do tempo e do local, e por isso, ele deve estar sempre
aberto às mudanças que ocorrem durante as diferentes épocas. O tempo faz surgir
inúmeras e constantes transformações, e devido a isso, o Direito deverá estar sempre
atualizado.
Cumpre salientar que o Direito exige a imposição de determinados
comportamentos e posturas, que limitam a liberdade dos homens para uma interação
harmônica. Há outras manifestações sociais que também auxiliam o Direito nessa missão,
quais sejam: a religião, a moral, a ética e as regras de trato social.
1.3 Moral
Devemos observar que existe uma distinção entre o direito e a moral, pois a vida
em sociedade exige que se obedeça tanto normas jurídicas como outras normas. Isso se
dá, porque as pessoas devem pautar sua conduta pela ética, que é um conteúdo mais
abrangente que o direito, que envolvem normas jurídicas e morais.
14
A distinção se dá pela sanção, pois, no direito, esta é imposta pelo Estado para
constranger os indivíduos a obedecerem às normas, enquanto que na moral, se dá apenas
pela consciência do homem, não há coerção.
Segundo Caio Mário: As ações humanas interessam ao direito, mas nem sempre. Quando são impostas ou proibidas, encontram sanção no ordenamento jurídico. São as normas jurídicas, são os princípios de direito. Quando se cumprem ou descumprem sem que este interfira, vão buscar sanção no foro intimo, no foro da consciência, até onde não chega à forca cogente do Estado. É, porém, certo que o principio moral envolve a norma jurídica, podendo-se dizer que, geralmente, a ação juridicamente condenável o é também pela moral. Mas a coincidência não é absoluta. 2
Dessa forma, entendemos que nem tudo que é moral é jurídico, pois a justiça se
constitui de uma parte da moral.
Para Marcos Peixoto Mello Gonçalves, podemos conceituar a moral, como “sendo
o conjunto de regras destinados a garantir a sobrevivência física, ao desenvolvimento
social e espiritual dos seres humanos”. 3
Desta forma, a moral se constitui de um produto da história humana, é a luta pela
sobrevivência física e o esforço pela afirmação e desenvolvimento da humanidade que é
tão diferente em sua multiplicidade étnica.
A cada época da história existe uma regra moral que convém à sobrevivência do
grupo humano, se torna norma social, de interesse comunitário e também individual e
tudo ocorrendo ao mesmo tempo. Sendo assim conclui-se que a moral é histórica, social e
individual.
Se o comportamento for compatível com as regras morais da época, do meio social
em que o homem vive, esse comportamento será tido como bom, como valioso, porém, se
não for compatível este será tido como mau e desvalioso.
2 PEREIRA, Caio Mário da Silva apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 4. Ed. São Paulo: Saraiva 2007, p. 3. 3 GONÇALVES, Marcos Peixoto Mello. Levante a mão e fale alto – ética, cidadania e direito. São Paulo: Quartier Latin, 2010, pp. 92-93.
15
Entretanto, para que as regras morais sejam cumpridas, o seu descumprimento
deve ser sancionado pela reprovação moral do grupo, que critica e segrega os que não se
comportarem bem moralmente.
Para que as regras morais sejam cumpridas devem ser qualificadas pelo Direito,
estas devem ter capacidade de se fazer obedecidas, ou seja, dever haver poder decisório,
com capacidade de sanção.
16
2 O QUE É DANO?
2.1 Conceito de dano
De acordo com a teoria da responsabilidade civil a palavra dano envolve uma
diminuição do patrimônio de alguém, em decorrência de ato ilícito praticado por outrem.
Entretanto, a conceituação prevista no Código Civil de 1916 era genérica, pois não se
referia qual o patrimônio atingido, ou seja, se o patrimônio é moral ou imaterial. O dicionário Houaiss da língua portuguesa diz que: Dano. 1.Ato ou efeito de danar(se), causar ou sofrer mal, corromper(se) r condenar(-se), ruína. 2. Ato ou efeito de danar (-se), estragar (-se); estrago, amassado, fratura, machucado, arranhão. 3. Toda diminuição nos bens jurídicos de uma pessoa. 3.1 Quaisquer prejuízo, especialmente financeiro patrimonial, sofrido por alguém, em que houve ação, influencia ou omissão de outrem. Dano certo: Fato que já causou prejuízo ao credor. Dano irreparável: Mal ou prejuízo de que não se pode recuperar, que não pode ser recuperado.4
O dicionário Aurélio ensina que: “Mal ou ofensa pessoal; prejuízo moral (...),
Prejuízo material causado a alguém pela deterioração ou inutilização de bens seus.
Estrago, deterioração, danificação”. 5
Por sua vez Carlos Alberto Menezes Direito e Sergio Cavalieri Filho conceituam o
dano como: “subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua
natureza, quer que se trate de um bem patrimonial, quer que se trate de um bem
integralmente da personalidade da vítima, como a honra, a imagem, a liberdade, a
privacidade”. 6
Desta forma, conclui-se que o dano é a lesão de um bem jurídico, tanto
patrimonial, que podem ser danos emergentes e lucros cessantes, que vem a ser a
vantagem ou interesses econômicos que o credor deixou de receber, como moral, que são
os prejuízos causados a algum direito personalíssimo da vitima. 4 HOUAISS, Antonio apud REIS, Clayton. Dano moral. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 01. 5 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda apud REIS Clayton, Op. cit., p.2. 6 DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio apud REIS, Clayton. Op. cit., pp. 2-3.
17
Este conceito de dano retrata a nova realidade vivida pela teoria da
responsabilidade civil, ou seja, os danos da modernidade perderam o seu caráter
tradicional que eram exclusivamente patrimonialistas.
Isso ocorre, pois hoje se entende que há algo mais importante do que a ofensa aos
bens patrimoniais da vítima, visto que a pessoa humana, no seu componente dignidade,
esta no centro do mundo jurídico, onde se concentram seus bens espirituais.
Entretanto, há necessidade de se estabelecer a diferença entre o dano jurídico e o
injurídico. Essa importância se dá porque nem todo prejuízo causado à esfera jurídica de
outrem constitui dano indenizável, no sentido jurídico. O propósito é estabelecer qual
deles poderá ser objeto de indenização, pois o dano sofrido por alguém sem a intervenção
ilícita de terceiro não interessa à ordem jurídica, sendo assim impossível de ser
indenizado. Em resumo o dano que interessa ao direito é aquele decorrente de uma ordem
normativa violada, que causou perdas a outrem.
2.1.1 Dano Material
Dano significa qualquer mal ou ofensa que alguém tenha causado a outrem, e que
resulte em deterioração ou destruição a coisa ou um prejuízo a seu patrimônio. O dano
tem sentido econômico de desvalorização diminuição do patrimônio de alguém, por ato
ou fato estranho a sua vontade.
Dano material afeta única e exclusivamente os bens concretos que fazem parte do
patrimônio do vitima, atinge-se o bem físico.
Reparar o dano material tem por finalidade reparar a perda, ou seja, recompor ao
estado de origem, que decorre da perda do valor econômico do bem que sofreu violação.
Caso não seja possível recompor a coisa ao estado de origem a vitima fará jus a
compensação, com o objetivo de restabelecer o estado de origem “status quo ante”, ou
ainda recompor o que realmente perdeu.
18
Agostinho Alvin define: “Dano é a efetiva diminuição do patrimônio e consiste na
diferença entre o valor atual do patrimônio do credor e aquele que teria se a obrigação
fora extremamente cumprida”. 7
Para Carlos Roberto Gonçalves: Indenizar significa reparar o dano causado a vitima integralmente. Se possível restaurando o “status quo ante”, ou seja, devolvendo ao estado em que se encontrava antes da decorrência do fato ilícito. Todavia, como na maioria dos casos se torna impossível tal desiderato, busca-se uma compensação em forma de pagamento de uma indenização monetária. 8
Segundo Clayton Reis:
A restauração do dano pressupõe uma recomposição ao seu estado de origem, em decorrência da perda do valor econômico do bem que sofreu violação. Não sendo admissível a reconstituição parcial do patrimônio violado, a vitima fará jus a uma compensação com o propósito de restabelecer o status quo ante ou, ainda, recompor equitativamente o que se perdeu.9
Por sua vez, Judith Martins-Costa:
Alberga a idéia da lesão ao interesse tutelado pela ordem jurídica, ao delinear que, pela “Teoria da Diferença”, o dano é o que resulta da diferença entre a situação do bem antes do evento danoso e aquela que se verifica após a sua ocorrência. O dano é assim, a supressão ou a diminuição de uma situação favorável. Se não há diferença, não há o que recompor, como explica a doutrina e acolhe expressamente a jurisprudência brasileira. Embora relevante e útil, conclui a doutrinadora, a Teoria da diferença não explica, porém, todas as hipóteses de dano, uma vez supor uma noção naturalista do dano, a qual serve tão só para verificar a sua existência. Esta idéia, embora não esteja equivocada, foi acrescida mais recentemente, pela noção normativa do dano, pela qual o dano é a lesão a interesse jurídico. Trata-se da teoria do interesse.10
Conclui-se então que o dano material é aquele que atinge exclusivamente os bens
que compõe o patrimônio da vitima e sua forma de reparação se dá com reparação da
perda.
2.1.2 Dano Moral
7 ALVIN, Agostinho apud REIS Clayton. Op. cit., p.3. 8 GONÇALVES, Carlos Roberto apud REIS, Clayton. Op. cit., p. 02. 9 REIS, Clayton, Op. Cit., p.2. 10 COSTA, Judith Martins apud REIS, Clayton. Op. cit., pp. 4-5.
19
Como vimos anteriormente, o dano perdeu seu caráter exclusivamente
patrimonialista, Isso ocorre, em razão de nos dias atuais se entender que há algo mais
importante do que a ofensa aos bens patrimoniais da vítima, visto que a pessoa humana,
no seu componente dignidade, deve estar no centro do mundo jurídico.
Ao ser reconhecido no ordenamento jurídico brasileiro, surgiu uma nova situação
para os juristas, pois não se tinha noção dos parâmetros. A doutrina descobriu que não
havia uma definição transparente do instituto. Surgiu assim uma problemática vivenciada
até hoje pelos operadores do direito.
Uma correta descrição do que vem a ser dano moral permite equilibrar a amplitude
dos seus alcances, a fim de facilitar os juristas na busca de soluções concretas para a
adequação a realidade social.
O dano moral se constitui de agressão à integridade psicossomática da pessoa, que
extrapola a idéia vinda de uma análise técnica do adjetivo moral. Em outras palavras o
dano moral só pode ser atribuído à dor, vexame, sofrimento, humilhação que fuja da
normalidade e como conseqüência interfira intensamente no comportamento psicológico
da pessoa, que lhe cause aflições, angústias e desequilíbrio do seu bem-estar.
Não deve ser entendido como dano moral o mero dissabor, aborrecimento, mágoa,
irritação ou sensibilidade exacerbada. Entende-se que além de fazerem parte da
normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre amigos e até no ambiente
familiar, essas situações não são intensas e duradouras, a ponto de causar desequilíbrio
psicológico do individuo.
Em razão do subjetivismo do dano moral há vacilações tanto na doutrina como na
jurisprudência. Identificar o seu conceito é tarefa ainda muito difícil. Sendo assim, com o
passar do tempo surgiram três correntes conceituais: a negativista, da modificação do
estado anímico e da ofensa aos direitos da personalidade. Tais correntes ganharam
destaque junto aos juristas, entretanto, ainda o tema ainda não está pacificado.
Na corrente negativista, os seus defensores dizem que o dano moral, seria aquele
que não é taxado como patrimonial, ou seja, é ofensa a direito desprovido de valor
20
econômico. Essa corrente gerou enorme rejeição, visto que, o dano moral é muito mais do
que o oposto do dano material, na medida em que sua autonomia plena, conseguida com a
Constituição de 1988 trouxe características próprias que podemos observar na própria
letra da lei.
Já para os defensores da corrente da modificação do estado anímico do sujeito
passivo, o dano moral, deve ser identificado a partir de uma dor, que não se resume ao
físico, envolve o psicológico e espiritual. A tristeza, a angústia, a vergonha, a humilhação,
a amargura, a inferioridade são sentimentos que devem ser vistos em um aspecto mais
amplo, pois antes de qualquer coisa são dores morais.
Dizem os doutrinadores que é a partir da modificação do estado anímico, com
alteração do bem estar psicofísico, que se identifica a agressão imaterial, ou seja, é algo
que ultrapassa as fronteiras do palpável e atinge o interior de cada individuo. Desta forma,
se observa que não é o dano em si que dirá se é ressarcivel, mas sim os efeitos provocados
pelo dano.
Sendo assim, abre-se um leque para identificar o dano moral, pois se em um
momento a análise é norteada apenas de uma visão psicológica, nada impede que uma
ofensa a um bem ou direito patrimonial, tenha como conseqüência uma profunda tristeza,
angústia, medo ou qualquer outro sentimento. Desta forma, está configurada que uma
agressão imaterial deve ser indenizada a vítima da agressão pelo sujeito ativo do ato
lesivo.
Dano moral como ofensa a direitos da personalidade, para os defensores dessa
corrente, deve haver uma análise que compreende não a conseqüência do ato lesivo, mas
sim a espécie de direito por ele atingido. Com essa transformação, foi ampliada a zona de
contato do dano moral. Isso ocorreu porque a proteção jurídica conferida procura
assegurar a integridade aos direitos da personalidade, que diante de suas características
especiais, demandam atenção muito mais efetiva por parte do legislador na confecção das
normas e do operador do direito na sua aplicação.
21
Contudo, essa conceituação também foi alvo de criticas dos doutrinadores, que
alegaram que considerar o dano moral sendo unicamente ação decorrente de agressão aos
direitos da personalidade é fechar os olhos para a idéia de que eles não possuem nenhum
valor econômico, o que impossibilitaria a sua proteção.
Com isso, independentemente do entendimento de maior parte dos juristas, ainda
surge duvidas para definir o que realmente é o dano moral, pois se questiona que será que
é possível vincular a honra a um valor pecuniário. Um direito como a vida, que
transbordam todos os limites pode ser mensurado.
Na visão de inúmeros doutrinadores a lesão que autoriza a indenização a título de
dano moral é aquela que atinge o âmago do indivíduo, causando-lhe dor, sofrimento,
angústia, vexame ou humilhação e, por se passar no íntimo das pessoas, torna-se
insusceptível de valoração pecuniária adequada, esta é a razão porque o caráter da
indenização é o de compensar a vítima pelas aflições sofridas e de lhe subtrair o desejo de
vingança pessoal.
Para Wilson Melo da Silva os danos morais são definidos como sendo: “Lesões
sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal,
entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição ao patrimônio material, o conjunto
de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico”.11
Para Antonio Chaves, “dano moral é a dor resultante da violação de um bem
juridicamente tutelado sem repercussão patrimonial. Seja dor física – dor-sensação, como
denomina Carpenter, nascida de uma lesão material; seja a dor moral – dor-sentimento, de
causa material”. 12
E Maria Helena Diniz preleciona: “o dano moral vem a ser lesão de interesse não
patrimonial de pessoa física ou jurídica”. 13
Por sua vez, segundo Maria Celina Bodin de Moraes:
11 SILVA. Wilson Melo da apud REIS, Clayton. Op. cit., p. 8. 12 CHAVES, Antonio apud REIS, Clayton. Ibidem. 13 DINIZ, Maria Helena apud REIS, Clayton. Ibidem.
22
Ao definir dano moral por meio da noção de sentimento humano, isto é, utilizando-se dos termos dor, espanto, emoção, vergonha, aflição espiritual, desgosto, injúria física ou mora, em geral, qualquer sensação dolorosa experimentada pela pessoa. O que se considera nessa relação de termos designativos da dor moral vivenciada pela pessoa em seus sentimentos, que lhe acarreta uma sensação desagradável, não é o que interessa a ordem jurídica, segundo comentário da autora. E conclui: o que o ordenamento jurídico pode e deve fazer é concretizar, ou densificar, a cláusula de proteção humana, não admitindo que violações a igualdade, à integridade psicofísica, à liberdade e à solidariedade (social e familiar) permaneçam irressarcidas. 14
Desta forma, o entendimento de todos os autores é que o Dano Moral é aquele que
atinge o patrimônio ideal das pessoas, isto é, que aquele que desperta um sentimento
negativo no espírito da vítima, fazendo-lhe surgir sensações desagradáveis que decorrem
das perturbações psíquicas causadas pela agressão.
2.1.3 Diferença entre dano material e dano moral
O dano material é aquele que afeta exclusivamente os bens concretos que
compõem o patrimônio da vitima. Ainda é todo ato que afeta o indivíduo no seu trabalho,
reputação ou vida profissional, que tenha reflexos no seu patrimônio físico.
Contudo, há situações quando o ato ofensivo atinge a personalidade do individuo
da sua intimidade, sua vida privada, sua honra, sua imagem, tanto quanto seu bem estar
íntimo, seus valores, ou seja, bens que constituem a causa de perturbações de natureza
espiritual.
A diferença entre as lesões estão na forma de como será operada a sua reparação.
Em casos dos danos materiais a reparação tem por objeto repor os bens lesionados ao seu
status quo ante, ou possibilitar a vitima a aquisição de outro bem semelhante ao destruído,
o que não é possível ocorrer aos danos extrapatrimoniais, pois se torna impossível repor
as coisas ao seu estado original.
14 MORAES, Maria Celina Bodin de apud REIS, Clayton. Op. cit., p. 9.
23
Nesse caso a reparação se dará em pagamento de uma soma pecuniária, fixada em
face do arbitrium boni iuris do magistrado, com o objetivo de possibilitar a vítima uma
compensação em decorrência da dor vivida.
Conclui-se então que, tanto as causa como os efeitos são diferentes no que se
refere aos danos materiais e extrapatrimoniais, visto que um atinge o bem físico e se
repara a perda, já o outro atinge o bem psíquico e a reparação se dá através de soma em
dinheiro com o fim de uma compensação a vitima.
2.2 Caracterização do dano moral e mero aborrecimento
Tão difícil quanto à conceituação doutrinaria do dano moral, outra tarefa
indispensável é adequar toda a sua complexidade ao cotidiano. É uma tarefa indispensável
para a evolução do instituto do dano moral, haja vista que, por sua própria essência,
necessita muito mais de subjetivismo do que da letra fria da lei.
Na vida moderna o homem passa por dissabores que fazem parte do seu dia-a-dia,
do seu cotidiano. Desta forma alguns transtornos são inerentes do atual estágio de
desenvolvimento da sociedade. Sendo assim, deve-se haver cuidado ao reconhecimento
do instituto, pois não é todo e qualquer melindre, contratempo, ou exaltação do amor
próprio ferido são passiveis de indenização.
Existem inúmeras situações que incidem sobre o sujeito passivo que não possuem
ares de agressão imaterial, sendo apenas mero aborrecimento. Dessa forma é necessário o
destaque da linha limítrofe entre os fatos do cotidiano e a real agressão.
Nas ofensas patrimoniais sua identificação se dá com a comprovação da redução
da capacidade econômica do ofendido. Porém na lesão de ordem imaterial o que reina é o
subjetivismo, o que torna muito mais difícil o reconhecimento da zona limítrofe do que
venha a ser o dano moral ou mero aborrecimento.
Com o objetivo de manter a credibilidade social sobre o instituto, o magistrado
deve ter cuidado e atenção na identificação efetiva do dano moral.
24
É necessário haver prudência na sua avaliação, por ser muito difícil separar o que
vem a serem dissabores normais da vida em sociedade e o que vem a serem danos morais.
É uma questão bastante tormentosa, pois não existem critérios objetivos definidos em lei,
sendo assim o julgador busca amparo na doutrina e na jurisprudência para a verificação
ou não do dano moral.
Para majorar a diferença entre o dano moral e o mero aborrecimento deve ficar
claro de que não são todas as aflições ou tristezas que são passiveis de gerar indenização.
O resultado da agressão a direitos imateriais pode decorrer em sentimentos como
angústia, tristeza e humilhação. Porém não se quer relacionar a identificação do instituto a
um pesar que domina a pessoa, mas algo muito mais do isso. É por meio da mudança
anímica que será possível iniciar a diferenciação entre a configuração do real agravo
imaterial e o mero aborrecimento. Dessa forma para que haja a configuração concreta da
agressão é preciso que o resultado seja capaz de possibilitar a diferenciação.
Um dos elementos que caracterizam o dano moral é a dor, que pode ser tanto física
quanto moral. Embora seja impossível medir a extensão da dor da vítima, existem
algumas que são evidentes, por exemplo, a dor dos pais pela perda de forma violenta de
um filho, um dano estético, ou quem foi humilhado por injúria. Em casos como este é
evidente que as vítimas serão atingidas por imensa aflição, ainda que esta aflição seja
considerada de forma individual.
Ainda há também casos onde não há dor, porém envolvem exposição indevida na
mídia, agressões à honra, à intimidade e à privacidade e ao bom nome.
25
3 EVOLUÇÀO DO DANO MORAL
3.1 Código de Hamurabi e Código de Manu
Apesar de nos dias atuais ainda haver controvérsias quanto às noticias da existência
de leis que tentavam a regulamentação do dano moral, sabemos que a idéia de
responsabilidade encontra-se presente desde os primórdios da civilização.
Nos primórdios da civilização o homem que sofria agressões tanto físicas como
morais, se defendia com suas próprias forças, na maioria dos casos essas forças eram
juntadas com o grupo do qual fazia parte. Com isso a cada agressão sofrida, despertava o
desejo de vingança pessoal a fim da satisfação da dor sofrida.
Na medida em que os povos foram se organizando houve uma evolução, pois o
Estado assumiu o papel de distribuir justiça. Este se colocava no lugar do ofendido e
apenava o agressor para, em nome da harmonia social, garantir o bem estar coletivo.
Por volta de 1700 a.C. foi promulgado pelo Rei da Babilônia, o Código de
Hamurabi. Nele já havia uma legislação com o objetivo de disciplinar o dano e sua
reparação. O Código estabelece uma ordem social baseada nos direitos do indivíduo e
aplicada na autoridade das divindades babilônicas e do Estado.
O Código de Hamurabi tratou da reparação do dano de duas formas diferentes. As
ofensas pessoais eram reparadas na mesma classe social e mediante ofensa igual dirigida
ao ofensor, e paralelamente havia a possibilidade da reparação do dano mediante
pagamento de valor pecuniário. Deriva deste Código a chamada pena de talião do “olho
por olho, dente por dente”. No inserto parágrafo 196 que prescrevia: “Se um awilum
destruir um olho de um outro awilum, destruirão seu olho”15 e o 200 prescrevia: “Se um
awilum arrancou um dente de um awilum igual a ele arrancarão seu dente”16
15 REIS, Clayton. Op.cit., p.23. 16 Idem. Ibidem.
26
Contudo, há alguns parágrafos que regulam a questão da indenização pecuniária,
exemplo é o parágrafo 209 que prescrevia: “Se um homem livre ferir a filha de outro
homem livre, e em conseqüência disso, lhe sobrevier um aborto, pagar-lhe-á 10 ciclos de
prata pelo aborto”.17
A imposição de uma pena pecuniária consistia em uma forma de diminuir o
patrimônio do lesionador e proporcionar à vítima satisfação compensatória.
No Código de Manu também encontramos a possibilidade de reparação do dano,
havia muita semelhança com o Código de Hamurabi. O mesmo se verificava Código de
Ur-Nammu, cujos fragmentos são semelhantes da Lei das XII Tábuas, que exprimia a
preocupação em coibir a vingança pessoal, substituída pela ação repressora do Estado,
representado à época pela figura do Monarca. A intenção do legislador era facultar à
vítima que sofreu danos a oportunidade de ser ressarcida mediante a uma soma em
dinheiro.
Entretanto, havia diferença entre o Código de Hamurabi e de Manu, enquanto no
primeiro a vítima se ressarcia à custa de outra lesão ao lesionador, no segundo havia a
possibilidade de ressarcimento de soma em dinheiro arbitrado pelo legislador. Desta
forma, podemos notar que houve evolução nos dois sistemas.
Sendo assim, a violência física que estimulava nova violência física, gerando um
ciclo vicioso e sem limites foi substituída por valor em dinheiro para atender a satisfação
da vítima.
3.2 Evolução histórica do dano na Grécia e Roma
A civilização Grega foi a mais marcante e expressiva de que se tem conhecimento,
além dos ensinamentos humanísticos, políticos e filosóficos, também se tem noticias de
um sistema jurídico que atingiu grande evolução. É na Grécia que se fala pela primeira
17 Idem. Ibidem.
27
vez em democracia e a reparação do dano era pecuniária e obedecia às regras
estabelecidas pelo Estado.
Em Roma a legislação referente à reparação do dano ganha mais nitidez, embora
não tivessem desenvolvido um sistema de responsabilidade civil, tinham exata noção de
reparação do dano de forma pecuniária. Os delitos de natureza pública eram considerados
mais graves, pois ofendiam o Estado sobre o qual se assentava toda a estrutura sócio-
político-econômica do sistema vigente na época.
No direito romano a responsabilidade civil se subdividia da seguinte cronologia:
Lei das XII Tábuas, no ano de 452 c.C., a Lex Aquilia, no ano de 286 a.C. e a legislação
Justiniana, nos anos de 528-534 a.C.
Nota-se na Lei das XII Tábuas, no capitulo que trata dos delitos, a presença de
vários apenamentos que indicam a compensação dos danos morais. Contudo, foi a partir
da Lei Aquilia e principalmente a legislação de Justiniano que houve ampliação no campo
da reparação do dano moral.
É da época de Justiniano a criação pretoriana do actio injuriarum aesmatoria, onde
a vítima, sob juramento, estimava um valor que correspondesse a sua satisfação quanto à
reparação do dano. O ofendido, deduzindo seu pedido nele especificava a lesão a qual se
queixava, reclamava o pagamento de certa quantia. O juiz tomava conhecimento do
pedido e se julgasse o pedido procedente, condenava o culpado ao pagamento da quantia
pedida, no todo ou modificava ao seu critério.
Alguns autores afirmam que em Roma a reparação do dano se impunha, não
importando a que titulo se havia dado a lesão, ou seja, comprovada a existência do fato
delituoso, impunha-se a obrigatoriedade de reparação do dano.
Conforme ensinamento de Wilson Melo da Silva, os cidadãos romanos: Para forrarem-se da injúria, em sentido estrito, contra si levada a efeito, dispunham a vítima da ação pretoriana a que se denominava injuriarum aestimatoria e pela qual podia reclamar uma reparação consistente sempre em uma soma de dinheiro, prudentemente arbitrada pelo juiz. 18
18 SILVA, Wilson Melo da apud REIS, Clayton. Op. cit., p. 30.
28
Vislumbramos que no direito clássico romano a pena pecuniária é figura da
punição ordenada pelo direito privado, passando a ser objeto de débito obrigacional. O
objetivo é salvaguardar os interesses morais do ofendido.
Segundo Maria Helena Diniz, “pode-se até afirmar que a responsabilidade era
objetiva, não dependia de culpa, apresentando-se apenas como uma reação do lesado
contra a causa aparente do dano”. 19
Desta forma, conclui-se que os fundamentos da responsabilidade civil encontram
seus alicerces nas referidas legislações, em especial no direito romano. Também é
importante ressaltar a evolução da aplicação da pena em se tratando de reparação de dano,
evolui pela renúncia ao sentimento de vingança, pois se busca a reparação do dano. Isso
ocorre com a interferência do Estado nos conflitos privados, fixando o valor dos
prejuízos, obrigando a vítima a aceitar a composição, renunciando a vingança.
3.3 Danos morais na Alemanha e França
Na Alemanha, a partir de 1815, como resultado do Congresso de Viena, surgiu a
Confederação Alemã. Entretanto somente após 1871 foi fundado o império e através do
legislativo federal iniciou-se a aplicação das leis civis.
Antes do BGB – Código Civil alemão- nos vários Códigos regionais da Alemanha
e mesmo no Gemeine dos países sem codificação, encontramos adesão da doutrina da
reparação dos danos morais. Sobre a dor moral, porém no sentido de sofrimento interior,
os alemães davam preeminência à dor física. Já no velho direito o instituto do
Schmerzensgeld (Schmerzens = da dor, geld= indenização), idealizava que as feridas e
lesões físicas faziam jus a uma reparação econômica.
Após a vigência do BGB os delitos causadores de dano passaram a ser reparados
de forma precisa e unificada, particularmente, nos danos morais. É o que prescreve o
artigo 253: “Por causa de um dano, que não é dano patrimonial, só pode ser exigido 19 DINIZ, Maria Helena apud MELO, Nehemias Domingos de. Op. cit., p.14.
29
satisfação em dinheiro nos casos estabelecidos pela lei”. Também o § 847 prescreve: “No
caso de lesão do corpo ou da saúde, assim como no caso de privação da liberdade, pode o
lesado, também quanto ao dano que não seja patrimonial, exigir uma equitativa satisfação
em dinheiro”.
Na França a idéia de reparação surgiu somente no século XII. Diferente do Código
Civil alemão que possuía um parágrafo específico sobre o dano não patrimonial, o Código
Civil Francês, no seu artigo 1382 usou o termo dommage, ou seja, um dano deve ser
interpretado no aspecto amplo. Nesse sentido Wilson Melo da Silva, ensina que na
França, de lege lata, a questão da acolhida ampla e ilimitada da tese da reparabilidade dos
danos morais muito depende do conceito que se faça do referido termo.
O Código Civil Francês, foi inspirado no monumental Código de Napoleão, onde
os primeiros passos para uma idéia clara e segura no que diz respeito à responsabilidade
civil, foram introduzidos através dos gênios Domat e Pothier.
Desta forma podemos concluir que há uma nítida evolução na noção de reparação
de atos ilícitos. Do estímulo à vingança prevista na Lei de Talião ao pagamento de um
valor pecuniário previsto no Código de Manu. Após, os romanos renunciam ao direito de
vingança ao ofensor e adotou o pagamento em pecúnia como forma de penalidade.
Assim, desde a primariedade a humanidade percebeu os limites do dano e a
indispensável necessidade da sua reparação. Não pode haver dano provocado por ação
delituosa que não seja objeto de reparação, entretanto, antigamente o dano a ser reparado
era estritamente patrimonial. Esses povos desconheciam a noção da possibilidade de
reparar a dor moral ou íntima.
O processo civilizatório fez com que houvesse a valorização da pessoa, na sua
dimensão física e espiritual. O homem passou a ser considerado o centro de um sistema,
constituído por bens materiais e imateriais, onde se destaca a dignidade. Assim há bens
que se recompõem ao seu status quo ante, no entanto, há bens que por sua natureza não se
recompõem e quando atingidos devem ser reparados, mas de forma a possibilitar uma
compensação ou satisfação pecuniária da vítima.
30
3.4 Dano moral no direito americano
Os Estados Unidos da América adotam o modelo consuetudinário conhecido como
Common Law. A valorização dos costumes como fonte de comportamento serviu para a
manutenção de alguns institutos que surgiram na Inglaterra. Assim suas tradições políticas
e jurídicas foram fortemente por eles influenciadas.
Segundo Miguel Reale, esse modelo de direito: Caracteriza-se como sendo costumeiro e jurisprudencial, revelando-se mais pelos usos e costumes do que pelo trabalho de criação de uma norma abstrata por parte do legislador, já que é coordenado e consolidado em precedentes jurisprudenciais, isto é, segundo uma serie de decisões baseadas em usos e costumes prévios (...) na realidade, são expressões culturais diversas.20
Nesse sentido, nos países da Common Law não se encontram normas legais
uniformes, ou seja, normas escritas, com regras gerais para todos os casos de dano moral
e de reparação civil.
Dessa forma, o procedimento adotado é de natureza objetiva e concreta. A
reparação dos danos, no caso de lesões geralmente se dá de forma ampla e irrestrita, ou
seja, não se questiona, a que titulo deve o dano moral ser reparado.
O que se questiona é apenas a ocorrência do dano concreto, sua conseqüência e
necessária reparação, sendo assim, basta ter elementos indispensáveis à configuração.
Existe uma grande aceitação da tese da reparação dos danos morais de forma irrestrita.
Segundo José de Aguiar Dias: O direito inglês reconhece amplamente a reparação do dano moral, como atesta Mayne, para quem toda e qualquer lesão importa um dano, ainda que patrimonialmente não corresponda à moeda mais insignificante. O dano não decorre somente do prejuízo pecuniário, mas também de qualquer ofensa que atinja o homem no seu direito. 21
20 REALE, Miguel apud RESEDÁ, Salomão. A função do dano social do dano moral. Florianópolis: Conceito Editorial, 2009, pp.229-230. 21 DIAS, José de Aguiar apud REIS, Clayton. Op. cit., p. 61.
31
Punitive Damage é um instituto de origem anglo-saxônica, que a sua atual
formatação americana data do inicio do século XVIII, contudo existem noticias históricas
de instituto semelhante desde o inicio do século XIII. Durante sua evolução histórica
seguiu tendências diferentes na Inglaterra e nos Estados Unidos.
Punitive Damage, a expressão tem dois sentidos, sendo um de aspecto civil e outra
de aspecto penal, pois quando está voltado ao direito do demandante de punir tem aspecto
civil e quando o objeto é imposição de um castigo tem aspecto penal. Em uma análise
mais aprofundada também existe uma idéia de vingança, pois se o valor aplicado alcançar
um patamar que venha causar restrições econômicas ao ofensor, o ordenamento estará lhe
impondo uma penalidade.
Para os americanos o instituto do punitive damage são sanções impostas pelo
ordenamento ao causador do dano em razão de peculiaridades inerentes nesta conduta, ou
seja, ato praticado por ação ou omissão é de natureza particularmente odiosa, maliciosa
ou arbitrária.
Essa espécie de indenização imputa ao ofensor além da necessidade de reparar os
prejuízos causados, também compensação da vítima com a obrigação de arcar com
pagamento de um valor majorado. É uma maneira de aplicar uma sanção ao réu em uma
ação civil partindo da idéia de que os danos provocados à vítima podem ser satisfeitos
mediante de um valor maior daquele considerado como adequado para suprir o agravo.
O punitive damage também tem outra vertente, que é a prevenção futura contra a
prática de atos semelhante, que são conhecidos como exemplary damage.
Exemplary damage, em português, conhecida como teoria do desestímulo, não
serve apenas como sanção ao ofensor, mas tem por objeto demonstrar para os outros os
potenciais agressores de quem adotar igual comportamento. Tem por objetivo assegurar a
harmonia e a paz social, pois há a presunção de que os agressores não mais praticarão atos
semelhantes ao que foi punido. Assim o punitive damage tem dois pilares de sustentação,
um sancionatório e outro que serve como desestímulo a práticas semelhantes.
32
O punitive damage não traz a idéia de compensação da vítima, não se fala de
compensação ou ressarcimento. Trata-se de figuras que andam em paralelo, entretanto,
são independentes.
Conhecidos como compensatory damage, estes têm a função de confortar a vítima
lesada através de compensação dos prejuízos sofridos. Desta forma, as indenizações
americanas levam em considerações dois aspectos: o punitivo e compensatório.
Tort Law, no direito americano é definido como “um ilícito contra o qual o
remédio usualmente vem sob a forma de indenização”. 22 O tort law tem por objeto não
apenas a reparação do dano ou compensação do dano, mas também a prevenção de danos
futuros.
Para Margareth Brazier e John Murphy, a imposição de responsabilidade civil
opera não simplesmente para transferir os prejuízos relevantes da vitima para ofensor,
mas também para impedir a conduta ilícita em questão. 23
Sendo assim, os punitive ou exemplary damages são utilizados nas cortes de justiça
americanas para ensinar que o ilícito não compensa, desta forma desestimula o causador
do dano e outras pessoas a praticar condutas lesivas.
Os punitive damages se caracterizam por uma soma variável de valor, e é aplicada
quando o dano decorre de um comportamento lesivo marcado por grave negligência,
malícia ou opressão.
No entanto, se a conduta do ofensor, embora culposa, não é especialmente
reprovável, a imposição dos punitive damages mostra-se imprópria. Por conseqüência
estão excluídas dos punitive damages as condutas lesivas decorrentes de ignorância, culpa
negligência ou engano.
Os punitive damages não estão restritos aos casos de dano moral, pois o propósito
geral dessa indenização é o de punir o ofensor, impondo-lhe uma sanção que lhe sirva de
22 KIONKA, Edward apud ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Indenização punitiva. Disponível em: < http://www.tj.rj.gov.br/institucional/dir_gerais/dgcon/pdf/artigos/direi_civil/indenizacao_punitiva.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2011. 23 BRAZIER, Margareth; MURPHY, John apud ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op. cit., p.3.
33
exemplo para que não repita o ato lesivo, além de inibir comportamentos semelhantes por
parte de terceiros.
O âmbito de aplicação dos punitive damages é variado, alcança quase que todas as
áreas da responsabilidade civil, com destaque para os casos de responsabilidade de
produtores e fornecedores por danos decorrentes de produtos defeituosos, ofensa à honra,
erro médico, danos em acidentes de trânsito. A indenização punitiva tem sido aplicada,
também, em casos variados de ilícitos intencionais, em casos de responsabilidade de
profissionais em geral, fraude, invasão de privacidade assédio sexual, dentre outros.
Segundo Clayton Reis, conclui-se que os doutrinadores anglo-americanos
pretendem que o cidadão tenha amplo direito a uma vida social sem qualquer perturbação
que possa afetar seu ânimo de viver em paz no ambiente social. Para tanto o cidadão
recebe do Estado proteção no seu patrimônio, seja ele de caráter material ou imaterial.
Os punitive damages são admitidos em 45 dos 50 estados americanos. Em alguns
estados estão previstos em lei, em outros têm sua origem no Common law. Como regra
geral não acolhe os punitive damages os Estados de Massachusetts, Nebraska,
Washington, New Hampshire e Louisiana.
Vale ressaltar que os valores das indenizações estabelecidas a título de punitive
damages nos Estados Unidos da América tem sido objeto de enorme divergência entre os
partidários e opositores. Os primeiros sustentam que os montantes indenizatórios estão
“fora de controle”, o que é atribuído, de um lado, a um excessivo poder discricionário
entregue a um júri, e, de outro, à falta de preparo dos jurados para estabelecer esses
valores. Em razão disso, alguns Estados têm fixado limites.
Acrescentamos também que, a competência de arbitrar o valor da indenização
sempre será de um júri popular, que levará em consideração o interesse do Estado da
Federação em punir o infrator e impedir a reincidência.
Sendo assim, assunto que merece destaque são as indenizações milionárias,
decorrentes do Punitive damage que vem ocorrendo na atualidade americana.
A indústria do dano moral cresceu no transcorrer dos anos quando indenizações de
34
valores estratosféricos ganharam repercussão mundial, fazendo surgir uma corrente
contrária a sua utilização. Como resultado, a partir da década de 90 os julgadores
passaram a rever os parâmetros concedidos a titulo de indenização pelos punitive damage.
Atualmente tem se visto inúmeras resistências quanto à aplicação irrestrita dos
exemplary damages. Ainda há insegurança referente à falta de padrões coerentes e
uniformes para estabelecer o que seria considerado como efetiva punição, visto que a
avaliação do montante do valor a ser pago é realizada a partir do subjetivismo das
decisões proferidas pelo Tribunal do Júri.
As indenizações estratosféricas dão origem à instabilidade social, econômica, e
ainda, é fonte de crise das seguradoras.
Desta forma, os debates envolvendo o punitive damage estão ultrapassando o
âmbito jurídico e entrando no âmbito político, pois essas indenizações têm gerado efeitos
negativos para a sociedade americana.
Outro ponto a ser apresentado é que o punitive damage passou a preocupar o
ordenamento norte-americano no que refere ao enriquecimento sem causa do ofendido em
razão dessas indenizações exorbitantes.
As indenizações milionárias têm atormentado os juristas, pois estes consideram
que estas têm transformado as cortes em verdadeiras loterias.
A idéia de enriquecimento sem causa esta ligada a possibilidade de majorar o valor
da indenização de acordo com as possibilidades do ofensor, isso ocorre porque grande
parte dos ofensores está em camadas sociais onde se encontram grandes empresas e
potenciais agressores a direitos da personalidade. Em razão disso, tem a possibilidade e
necessidade de arcar com indenizações consideravelmente altas, instaurando assim uma
verdadeira loteria judicial.
A título de exemplos mencionaremos a seguir dois casos famosos e até curiosos de
indenização de dano moral nos Estados Unidos da América:
3.4.1 Caso Gore X BMW
35
O médico Ira Gore Jr. Moveu ação em face da BMW, em razão de ter adquirido
em 1990, um automóvel da referida marca pelo valor de US$ 40.000,00 (Quarenta mil
dólares), após nove meses, detectou que algumas partes do carro haviam sido repintadas,
entretanto, o automóvel foi vendido como novo. Constatou-se que o dano foi causado por
chuva ácida durante o transporte.
Em razão da omissão da informação o requerente entendeu que o veículo
desvalorizou 10% (dez por cento), ou seja, US$ 4.000,00 (Quatro mil dólares). Ocorre
que a este valor somava-se um pedido a título de punitive damages, no valor de US$
4.000.000,00 (Quatro milhões de dólares). O júri do tribunal de Birmigham aceitou o
pedido do requerente, entendendo que a política de não divulgação dos danos adotados
pela ré constituía em omissão fraudulenta. A empresa ré interpôs recurso na Suprema
Corte do Alabama e esta acabou por reduzir o valor, condenando a ré a pagar o montante
de US$ 2.000.000,00 (dois milhões de dólares) em punitive damages.
3.4.2 Caso Stella Liebeck X McDonald’s
Em fevereiro de 1992, Stella Liebeck, na época com 76 anos, comprou um café de
US$ 0.49 (quarenta e nove centavos de dólar) no drive-thru de uma lanchonete do
McDonald’s da cidade de Albuquerque, Novo México.
Após sair com o veiculo, tentou retirar a tampa de plástico do copo e acabou
derramando todo o café quente em seu colo e pernas, o que lhe acarretou queimaduras de
segundo e terceiro grau. Em razão dos ferimentos e da idade avançada, a Senhora
permaneceu internada por 7 dias. Nesse período por meio de carta entrou em contato com
a lanchonete, informando sobre o ocorrido e sugerindo a possibilidade de diminuição da
temperatura, além de solicitar o pagamento das custas do tratamento, entretanto, obteve o
pedido negado.
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Desta forma, a Sra. Stella ajuizou ação de reparação, pleiteando o valor de US$
100.000,00 (Cem mil dólares).
Ocorre que durante a investigação foi apresentado estudo com a ocorrência de mais
de setecentos casos com acidentes semelhantes. Assim o McDonald’s foi condenado ao
pagamento da quantia de US$ 200.000.00 (Duzentos mil dólares) a títulos
compensatórios, com redução de 20%, em razão de participação da requerente no
resultado e US$ 2.700.000 (Dois milhões e setecentos mil dólares) como danos punitivos.
O caso de Liebeck sempre vem sendo citado como símbolo da necessidade de
reforma da legislação sobre a responsabilidade civil nos Estados Unidos.
37
4 O DANO MORAL NO DIREITO BRASILEIRO
Identificamos três momentos na evolução histórica do dano moral no direito
brasileiro. O primeiro momento qualquer possibilidade de incidência de indenização a
titulo de dano extrapatrimonial era totalmente inaceitável, em um segundo momento
apesar de reconhecer sua existência, este era previsto de forma muito restrita. Em razão
disso, decorria o pensamento de que não se permitia haver a cumulação entre dano moral
e patrimonial. E num terceiro momento é de reparação ampla do dano moral, que teve seu
início com a promulgação da Constituição Federal em 1988.
O primeiro momento se estende antes do Código Civil de 1916, passa pela edição
do Código e vai até 1966, quando o Supremo Tribunal Federal resolveu mudar a
orientação sobre o tema.
Na elaboração do Código Civil de 1916 a sociedade jurídica do país não dava
importância aos danos imateriais. Ainda, que o artigo 159 tinha um texto genérico, visto
que pressupunha ampla e restrita reparação do dano ao dispor: “Aquele que, por ação ou
omissão voluntária, negligência imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem,
fica obrigado a reparar o dano”. O referido artigo não expressava com clareza qual a
modalidade de dano a ser reparada, sendo assim, muitos divergiram da interpretação,
alguns com o entendimento que o dispositivo abrangia também lesões morais.
Inicialmente o pensamento que dominava no Brasil tinha como fundamento que
era impossível haver a reparação do que não pode ser auferido, valorado
economicamente. A maioria dos pensadores se fundava na incerteza do direito violado.
Entretanto, naquela época se aceitava a existência de agressão ao íntimo das
pessoas, reconhecia-se incidência de dano causado ao aspecto psicológico da pessoa,
porém não havia possibilidade de contraprestação indenizatória ou ressarcitória.
Nessa época influenciada pelo Código de Napoleão o ser humano era visto apenas
como produtor de riquezas, de rendas e não como ser merecedor de proteção especial.
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O materialismo exacerbado impedia a ampla proteção do homem com valor
próprio, o patrimônio era o eixo indispensável de toda a engrenagem jurídica. Assim o ser
humano era visto em posição secundária ao aspecto econômico, sendo reservadas poucas
e raras previsões normativas.
O homem era mensurado a partir de sua capacidade de acumulo de riquezas, era
comum que o homem desprovido de capacidade econômica fosse submisso ao seu
semelhante e bem como não havia respeito aos direitos e deveres mínimos.
A conseqüência desse pensamento era que a responsabilidade civil apenas obrigava
o ofensor a garantir o status quo ante ao ofendido.
Contudo, isso não indicava a impunidade total, pois havia previsão normativa que
sancionava tal comportamento no âmbito penal, por exemplo, a tipificação dos crimes de
calúnia, injúria e difamação.
A noção do delito era sintetizada na ação ou omissão que acarretasse dano ao
patrimônio do ofendido, caso contrário não poderia ser acobertado pelo Direito civil, mas
sim pelo Direito penal. Ainda, para que existisse indenização, exigia-se a comprovação da
prova do dano.
O Supremo Tribunal Federal mediante a imensa discussão da época se posicionava
contrário à possibilidade de reparação de dano moral, sendo assim fundamenta a ementa
do Recurso Extraordinário nº. 11.786/MG, que teve como relator o Ministro Hahnemann
Guimarães, dizendo que: “não é admissível que os sofrimentos morais dêem lugar a
reparação pecuniária, se deles não decorre nenhum dano material”. 24
Em um segundo momento o país passou por influências ocorridas no universo
jurídico mundial. O homem não era mais visto como subalterno ao patrimônio, passou a
perceber que mais importante do que os bens economicamente mensuráveis era o ser
humano e que este necessitava de ampla proteção.
Nesse sentido, lembra o Ministro Raphael de Barros Monteiro Filho que:
24 RESEDÁ, Salomão. Op cit., p. 96.
39
O colendo do Supremo Tribunal Federal, em novembro de 1942, ainda que não deferisse a indenização do dano extrapatrimonial, entreabriu a porta para um futuro reconhecimento, conforme deixou estampado na ementa do v. acórdão de que foi relator o Ministro Orozimbo Nomato: “No direito brasileiro atual, só em raros casos se indeniza o dano moral. Neles não se inclui o de homicídio. Contudo, o principio da reparação do dano puramente moral vai abrindo caminho, triunfando na doutrina e se inserindo nos Códigos”. 25
Essa inovadora maneira de pensar do Ministro Orozimbo Nonato passa a iluminar
os pensamentos dos demais componentes após o passar dos anos. O STF então passou a
mudar seu ponto de vista perante o instituto da responsabilidade civil, ainda que muito
diferentes dos contornos hoje existentes, o dano moral passou a fazer parte das decisões
da Corte.
A demonstração de força de que toda agressão deve ser indenizada fez-se
visualizar de que o aspecto moral do homem também é merecedor de proteção.
Então, em 1967, o acórdão 59.111/CE, sob a relatoria do Ministro Djaci Falcão, a
corte acatou o pedido de indenização a título de dano moral no caso de morte de filho em
razão de acidente. Contudo, esse período foi caracterizado por incertezas, pois ora havia
decisões com o reconhecimento de reparação do dano moral, fundada no chamado dano
patrimonial indireto, ora era inadmitida.
Segundo Salomão Resedá: Esse momento de transmutação engessou o reconhecimento da proteção aos direitos imateriais apenas a casos pontuais, em que a indenização era vinculada a perda expectativa de ganhos futuros dos pais em relação aos filhos e, em outros casos, dos gastos realizados por aqueles para a criação destes ate o fatídico acontecimento. Ou seja, não se buscava amenizar a ofensa a direitos personalíssimos pelo fortuito, mais sim assegurar, ainda, o aspecto patrimonial.26
Em razão desse pensamento e reiteradas decisões referentes a indenizações por
morte de descendente em acidentes, surge a sumula 491 que prescreve: “É indenizável o
acidente que cause a morte de um filho menor, ainda que não exerça trabalho
remunerado”.
25 Ibidem, p. 98. 26 Ibidem, p. 99.
40
Fazendo uma superficial análise, visualiza-se que abre portas para possibilidade de
indenização a titulo de dano moral e que tal determinação nada se relaciona com qualquer
gasto que decorrer do óbito. Porém se houver uma interpretação mais profunda constata-
se que o fundamento utilizado está na situação de que as famílias de baixa renda
perderiam com a morte de um filho menor, que representava para esta um potencial
econômico. Com isso, estamos diante novamente de caráter patrimonial.
Um grande salto dado pela doutrina, mas também que não significou a plenitude
do instituto do dano moral baseava-se no sentido de somente se aceitar sua existência nos
casos previstos em lei. Para a corrente defensora, todo dano deveria ser ressarcido pelo
sujeito ativo, porém, em se tratando de dano moral, havia a necessidade de maior cuidado,
já que sua essência havia a impossibilidade de agregar valor econômico.
Em razão da incompatibilidade pecuniária, passaram a existir especulações e
atuações de aproveitadores, que a partir da justificativa da efetividade, se utilizariam do
instituto para conseguir obter vantagens.
O terceiro momento se inicia com a Constituição Federal de 1988, estendendo-se
até os dias de hoje, pois o pleno reconhecimento do instituto do dano moral se iniciou
com a sua promulgação.
Isso ocorreu devido à evolução da sociedade e o direito com o dever de
acompanhar essa evolução. A sociedade encontrava-se inserida em novas vertentes
ideológicas. Com isso a Assembléia Constituinte trouxe um diploma constitucional
preocupado muito mais com a proteção do ser humano do que com o aspecto patrimonial
que vigia até então no País.
A pessoa humana foi elevada ao foco central da engrenagem jurídica, isso fez com
que o legislador destoasse em seu texto à proteção ao ser humano como principio
fundamental, esculpido à sombra da dignidade da pessoa humana.
Desta forma, a observação do ordenamento jurídico é mudada, o Direito Civil que
antes era o ponto central dá lugar ao Direito Constitucional, que com suas regras e
princípios, passa a embasar todo o ordenamento jurídico brasileiro.
41
Os direitos da personalidade se tornam um pilar fundamental, assim há uma
mudança na hermenêutica do artigo 159 do Código Civil de 1916, pois agora é
interpretado a partir de uma visão mais humanitária e menos patrimonialista, passa-se a
buscar a idéia de danos morais e que por sua vez também influenciou a construção do
artigo 186 do Código Civil de 2002.
Segundo palavras de Maria Celina Bodin de Moraes: O que antes era tido como inconcebível passou a ser aceitável, e, de aceitável, passou a ser evidente. Se era difícil dimensionar o dano, em questão de poucos anos tornou-se impossível ignorá-lo. Se era imoral receber alguma remuneração pela dor sofrida, não era a dor que estava sendo paga, mas sim a vitima, lesada em sua esfera extrapatrimonial, quem merecia ser compensada pecuniariamente, para assim desfrutar de alegrias e outros estados de bem estar psicofísico, contrabalanceando os efeitos que o dano causara em seu espírito.27
Desta forma, a interpretação dever ser feita a fim de introduzir na sociedade a
noção de igualdade, onde o ser humano deve ser respeitado independentemente de sua
condição social. Essa mudança de pensamento fez com que se tornasse intolerável a não
garantia de indenização, a vítima de uma agressão a direitos personalíssimos.
O ser humano quando ofendido passa a ser valorizado, em conseqüência passa a
dispor de meios necessários que garantam a efetiva reparação do dano independentemente
de haver reflexos de cunho material. O ser está inserido nos problemas sociais e seus
conflitos não são mais vistos de forma individual, mas sim de toda a coletividade.
Ainda no sentido de valorização da pessoa, a Constituição Federal inseriu em seu
artigo 5º, dois incisos que foram o marco definitivo para a consagração do dano moral no
direito brasileiro. Primeiro o inciso V que prescreve: “É assegurado o direito de resposta,
proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”; a
seguir, o inciso X que apresenta um rol exemplificativo, pois é evidente que a previsão
legal não consegue abranger todas as situações em que o ser humano possa ser inserido,
assim prescreve: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
27 MORAES, Maria Celina Bodin de apud RESEDÁ, Salomão. Op. cit., p. 110.
42
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação”.
A consagração desses incisos na Constituição Federal representou para os
doutrinadores a constitucionalização do instituto dos danos morais. Assim o instituto
ganhou status de ordem jurídica nacional, o que fez com que nascessem os vários
institutos, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código de Defesa do
Consumidor, o Estatuto do Idoso etc.
No mesmo sentido o novo Código Civil de 2002 em seu artigo 186 prescreve que:
“Aquele que, por ação ou omissão voluntaria, negligência ou imprudência, violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Entretanto, ainda há criticas, pois, autores como Carlos Alberto Menezes e Sérgio
Cavalieri Filho proclamam que: O dano moral, o grande vilão da responsabilidade civil, recebeu singela referência no seu artigo 186, não obstante o enorme prestígio que mereceu na Constituição Federal, conforme já ressaltado. Perdeu-se a oportunidade de disciplinar melhor questões relevantes a seu respeito, que estão sendo enfrentadas pela jurisprudência, tais como os princípios a serem observados no seu arbitramento e a legitimação para pleitear o dano moral no caso de indeterminação de ofendidos. 28
Rui Stoco também destaca preocupação ao apontar que:
Segundo nosso entendimento, o novo Código Civil padece, também, de um capítulo, seção ou preceito, ainda que isolado, que estabeleça critérios para a fixação da compensação por dano moral. Ressalta ainda, que o estabelecimento de valores para compensar as ofensas morais admitidas em juízo constitui atualmente uma questão angustiante, pois fica no critério exclusivo do poder discricionário do julgador, através de critérios subjetivos e aleatórios. 29
O juiz se vê sem amparo legal para arbitrar questões que envolvem danos morais,
assim, a decisão proferida, algumas vezes pode envolver arbitrariedades.
Sendo assim, há inúmeras críticas manifestadas por parte dos doutrinadores, pois
fica clara a preocupação da ausência de um dispositivo que discipline de forma ampla os
critérios de valoração do dano moral. Ressalta-se ainda, que a ausência de dispositivo 28 DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio apud REIS, Clayton. Op. cit., p. 89. 29 STOCO, Rui apud REIS, Clayton. Ibidem.
43
legal ainda se agravou com a edição da Súmula 281 do STJ, que proclama: “A
indenização por dano moral não está sujeita a tarifação prevista na lei de imprensa”, o que
faz entender ser inadmissível a aplicação de valores sugeridos na lei de imprensa que
variam de 05 (cinco) a 200 (duzentos) salários mínimos vigentes no país.
Conforme podemos concluir, até poucos anos atrás o direito a indenização a titulo
de dano moral, ainda era assunto de grande controvérsia.
4.1 Responsabilidade Civil
Ao abordar o assunto dano moral se faz necessário refletir sobre a responsabilidade
civil. A responsabilidade civil é o ramo do direito que estuda o fenômeno da reparação do
dano patrimonial ou extrapatrimonial. Sendo que essa responsabilidade pode ser objetiva
ou subjetiva.
Rui Stoco declara: “A responsabilidade civil é meio e modo de exteriorização da
própria e a responsabilidade é a tradução para o sistema jurídico do dever moral de não
prejudicar a outro, ou seja, neminem leadere”. 30
Dessa forma analisaremos o artigo 186 do Código Civil de 2002 que prescreve:
“Aquele que por ação ou omissão voluntaria, negligência ou imprudência, violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Podemos
observar que a responsabilidade civil tem como pressuposto circunstância ou fato
considerado antecedente necessário de outro, ou seja, para sua caracterização é
imprescindível que ocorra de forma simultânea três fatos ou circunstâncias, que sem os
quais não há possibilidade de aplicar sanção.
Em razão disso, deve haver elo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano
para que alguém possa ser responsabilizado por um dano. Sendo o dano o elemento mais
importante na obrigação de indenizar.
Vale lembrar também, que a culpa não é requisito essencial, pois alguns casos 30 STOCO, Rui apud RESEDÁ, Salomão. Op. cit., p. 38.
44
haverá o dever de indenizar mesmo que não tenha ocorrido culpa do agente, bastando à
existência do nexo causal entre a conduta do agente e o resultado dano.
4.1.1 Responsabilidade civil objetiva e subjetiva
A responsabilidade civil pode ser subjetiva ou objetiva. Subjetiva quando se baseia
na culpa do agente, que deverá ser comprovada para surgir uma obrigação de indenização.
A responsabilidade de quem causa o dano, só se configura se ele agir com culpa ou dolo.
É chamada teoria clássica ou teoria da culpa ou subjetiva, onde a prova da culpa constitui
um pressuposto do dano indenizável. No entanto a lei estabelece, em alguns casos, a
obrigação de reparar o dano sem a existência de culpa. É a teoria objetiva ou do risco, que
não necessita de comprovação da culpa para a caracterização do dano que deverá ser
indenizável. Bastando ocorrer o dano e o nexo de causalidade para que seja caracterizada
a responsabilidade civil do agente.
O Código Civil de 2002, no seu artigo 186 mantém o elemento culpa como
alicerce da responsabilidade civil subjetiva. No entanto, o Código de Defesa do
Consumidor no seu artigo 12 prescreveu a responsabilidade civil objetiva:
O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
O avanço tecnológico e industrial, com a produção em larga escala de produtos
diversos e com o crescimento populacional, tornou-se insustentável continuar com o
conceito tradicional da culpa.
Em alguns casos a responsabilidade civil objetiva foi adotada no Código Civil, um
exemplo é o artigo 927 do Código Civil que prescreve:
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Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Torna-se claro que responsabilidade civil subjetiva ou aquiliana, o elemento
subjetivo culpa está intimamente entrelaçado, onde a vítima, além de provar o nexo de
causalidade e a lesão sofrida, deverá também provar a culpa ou dolo do agente. Já na
responsabilidade civil objetiva não ocorre à necessidade de provar a culpa do agente
causador do dano.
4.2 Quantificação do dano moral31
Deparamos com um dos maiores problemas do instituto, que é a questão referente
ao valor que deve ser pago em razão de um prejuízo imaterial sofrido pelo sujeito passivo.
O primeiro questionamento se dá acerca da impossibilidade de vincular um prejuízo
imaterial a um valor econômico.
Sobre o assunto Anderson Schreiber afirma que: O novo Código civil perdeu a chance de estabelecer critérios legais para o arbitramento do dano moral. Pior: suprimiu o antigo artigo 1.533 e introduziu um confuso artigo 946, estabelecendo que, sendo as obrigações indeterminadas (a significar provavelmente ilíquidas), “apurar-se-á o valor das perdas e danos na forma que a lei processual determinar”. Ocorre que a lei processual nada determina no tocante à apuração do dano moral. O Código de processo Civil menciona, sim, o arbitramento, ao tratar da liquidação da sentença, mas o significado ai é inteiramente diverso daquele que era empregado pelo artigo 1.553 do Código Civil de 1916. 32
No entanto, a evolução doutrinária, constatou-se que a problemática não estava
apenas em solucionar a questão de como agregar valor econômico naquilo que não pode
31 Superior Tribunal de Justiça. Coordenadoria de Editoria e Imprensa. STJ busca parâmetros para uniformizar valores de danos morais. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/portalstj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=93679&tmp.area anterior>. Acesso em: 14 jan. 2011. 32 SCHREIBER, Anderson apud RESEDÁ, Salomão. Op. cit., p. 188.
46
ser considerado prejuízo material. Passou-se então a achar que a análise deveria ser feita
de uma forma mais aprofundada, sendo assim, viu-se a necessidade de buscar padrões que
sanassem as incertezas no que se refere ao montante indenizatório.
Como conseqüência de uma liberdade, o ofendido sempre buscava altas
indenizações, enquanto o ofensor se via na árdua tentativa de desviar-se da imputação da
indenização, reduzi-la ou até aniquilar qualquer valor a ser pago em uma provável
condenação.
Como já não era possível estabelecer números precisos referentes ao tamanho do
agravo, coube ao magistrado exercer a sua sensibilidade para identificar e afastar abusos
praticados pelas partes. O magistrado tem como função principal adequar a ideologia da
sociedade ao subjetivismo do dano moral, pois isso é de suma importância para separá-lo
do mero aborrecimento.
Aquele que foi lesionado em sua honra, imagem, personalidade, que teve ofendido
um bem tutelado que para ele se torna mais valioso do que seus próprios bens
patrimoniais têm de receber quantia que compense a dor. A quantia que será arbitrada
pelo juiz deve levar em consideração tanto a situação pessoal do ofendido, como a
situação financeira do ofensor.
A quantia não poderá ser tão volumosa a fim de se transformar em enriquecimento
do ofendido e nem tão pequena que seja insignificante para o ofensor.
Ainda, também podemos observar que no Brasil não há limitação no que se refere
ao reconhecimento do dano moral, por se tratar de matéria prevista em cláusulas gerais,
permitindo assim que sejam construídas novas formas de danos à pessoa, tornando o
sistema de reparação civil mais efetivo.
Em razão disso, o juiz é de suma importância, visto que é legitimado para fixar a
quantia referente a determinado dano moral. Que deve atentar para o tipo médio sensível
da classe e ainda observar os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, para sem
exageros aplicar indenização adequada.
No Brasil aplica-se o sistema aberto, que é um sistema de aferição da indenização,
47
ao qual são atribuídos poderes ao magistrado para estabelecer o valor da indenização,
numa avaliação subjetiva e proporcional à possível satisfação da lesão experimentada
pelo ofendido.
Para essa análise é importante salientar a intensidade do dano, repercussão da
ofensa, grau de culpa do causador do dano, posição socioeconômica tanto do ofendido,
como do ofensor, tentativa ou retração do ofensor a fim minimizar o dano e aplicação da
pena a fim de provocar um desestímulo para reincidência.
Desta forma, a indenização a título de dano moral apresenta duas faces, uma com
caráter punitivo da conduta e outra de compensação da vítima pelo mal sofrido. Como é o
exemplo do instituto denominado de danos punitivos ou danos exemplares (punitive
damages ou exemplary damages) que são adotados nos Estados Unidos da América, onde
as indenizações são em valores estratosféricos.
Em razão de inúmeras críticas em relação à possibilidade de indenização de dano
moral, e de lhe agregar valor monetário, surgiu um tabelamento, ou seja, trata-se de um
sistema de consultas onde consta, de forma predeterminada valores relativos a um grupo
ou de forma isolada de direitos da personalidade ofendidos.
Assim, Superior Tribunal de Justiça preocupado como quantificar os valores de
indenizações a titulo de danos morais publicou alguns exemplos.
Morte dentro de escola =300 salários - Quando a ação por dano moral é movida
contra um ente público, cabe às turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça
o julgamento do recurso. Seguindo o entendimento da Segunda Seção, a Segunda Turma
vem fixando o valor de indenizações no limite de 300 salários mínimos. Foi o que ocorreu
no julgamento do Resp 860705, relatado pela ministra Eliana Calmon. O recurso era dos
pais que, entre outros pontos, tentavam aumentar o dano moral de R$ 15 mil para 500
salários mínimos em razão da morte do filho ocorrida dentro da escola, por um disparo de
arma. A Segunda Turma fixou o dano, a ser ressarcido pelo Distrito Federal, seguindo o
teto padronizado pelos ministros. O patamar, no entanto, pode variar de acordo com o
dano sofrido. Em 2007, o ministro Castro Meira levou para análise, também na Segunda
48
Turma, um recurso do Estado do Amazonas, que havia sido condenado ao pagamento de
R$ 350 mil à família de uma menina morta por um policial militar em serviço. Em
primeira instância, a indenização havia sido fixada em cerca de 1.600 salários mínimos,
mas o tribunal local reduziu o valor, destinando R$ 100 mil para cada um dos pais e R$
50 mil para cada um dos três irmãos. O STJ manteve o valor, já que, devido às
circunstâncias do caso e à ofensa sofrida pela família, não considerou o valor exorbitante
nem desproporcional (REsp 932001).
Paraplegia = 600 salários - A subjetividade no momento da fixação do dano
moral resulta em disparidades gritantes entre os diversos Tribunais do país. Num recurso
analisado pela Segunda Turma do STJ em 2004, a Procuradoria do Estado do Rio Grande
do Sul apresentou exemplos de julgados pelo país para corroborar sua tese de redução da
indenização a que havia sido condenada.
Feito refém durante um motim, o diretor-geral do hospital penitenciário do
Presídio Central de Porto Alegre acabou paraplégico em razão de ferimentos. Processou o
Estado e, em primeiro grau, o dano moral foi arbitrado em R$ 700 mil. O Tribunal
Estadual gaúcho considerou suficiente a indenização equivalente a 1.300 salários
mínimos. Ocorre que, em caso semelhante (paraplegia), o Tribunal de Justiça de Minas
Gerais fixou em 100 salários mínimos o dano moral. Daí o recurso ao STJ.
A Segunda Turma reduziu o dano moral devido à vítima do motim para 600
salários mínimos (Resp 604801), mas a relatora do recurso, ministra Eliana Calmon,
destacou dificuldade em chegar a uma uniformização, já que há múltiplas especificidades
a serem analisadas, de acordo com os fatos e as circunstâncias de cada caso.
Morte de filho no parto = 250 salários - Em 2002, a Terceira Turma fixou em
250 salários mínimos a indenização devida aos pais de um bebê de São Paulo morto por
negligência dos responsáveis do berçário (Ag 437968). Caso semelhante foi analisado
pela Segunda Turma neste ano. Por falta do correto atendimento durante e após o parto, a
criança ficou com sequelas cerebrais permanentes. Nesta hipótese, a relatora, ministra
Eliana Calmon, decidiu por uma indenização maior, tendo em vista o prolongamento do
49
sofrimento. “A morte do filho no parto, por negligência médica, embora ocasione dor
indescritível aos genitores, é evidentemente menor do que o sofrimento diário dos pais
que terão de cuidar, diuturnamente, do filho inválido, portador de deficiência mental
irreversível, que jamais será independente ou terá a vida sonhada por aqueles que lhe
deram a existência”, afirmou a ministra em seu voto. A indenização foi fixada em 500
salários mínimos (Resp 1024693).
Fofoca social = 30 mil reais - O STJ reconheceu a necessidade de reparação a
uma mulher que teve sua foto ao lado de um noivo publicada em jornal do Rio Grande do
Norte, noticiando que se casariam. Na verdade, não era ela a noiva, pelo contrário, ele se
casaria com outra pessoa. Em primeiro grau, a indenização foi fixada em R$ 30 mil, mas
o Tribunal de Justiça potiguar entendeu que não existiria dano a ser ressarcido, já que uma
correção teria sido publicada posteriormente. No STJ, a condenação foi restabelecida
(Resp 1053534).
Protesto indevido = 20 mil reais - Um cidadão alagoano viu uma indenização de
R$ 133 mil minguar para R$ 20 mil quando o caso chegou ao STJ. Sem nunca ter sido
correntista do banco que emitiu o cheque, houve protesto do título devolvido por parte da
empresa que o recebeu. Banco e empresa foram condenados a pagar cem vezes o valor do
cheque (R$ 1.333). Houve recurso e a Terceira Turma reduziu a indenização. O relator,
ministro Sidnei Beneti, levou em consideração que a fraude foi praticada por terceiros e
que não houve demonstração de abalo ao crédito do cidadão (Resp 792051).
Alarme antifurto = 7 mil reais - O que pode ser interpretado como um mero
equívoco ou dissabor por alguns consumidores, para outros é razão de processo judicial.
Em um caso, no ano passado, a Terceira Turma manteve uma condenação no valor
de R$ 7 mil por danos morais devido a um consumidor do Rio de Janeiro que sofreu
constrangimento e humilhação por ter de retornar à loja para ser revistado. O alarme
antifurto disparou indevidamente.
Para a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, foi razoável o patamar
estabelecido pelo Tribunal local (Resp 1042208). Ela destacou que o valor seria,
50
inclusive, menor do que noutros casos semelhantes que chegaram ao STJ. Em 2002,
houve um precedente da Quarta Turma que fixou em R$ 15 mil indenização para caso
idêntico (Resp 327679).
Entretanto, Wesley de Oliveira Lousada Bernardo ressalta: A estipulação de valores estanques para os casos de agravo imaterial representa um corte na propria carne do dano moral. O tabelamento retiraria do instituto sua principal caracteristicas: o subjetivismo. Seu diferencial está, exatamente, em tratar as pessoas de forma peculiar, com análise do pleito de forma individual”. 33
4.3 Da banalização
A Constituição Federal consagrou a inviolabilidade da intimidade, da vida privada,
da honra e da imagem das pessoas, além da indenização pelo dano moral decorrente de
sua violação.
Em razão disso, abriu-se um leque de possibilidade que somado a facilidade de
acesso ao judiciário tem gerado uma grande preocupação no que se refere da imensa
quantidade de processos, cujos pedidos são indenizações a título de danos morais.
O que se vê nos tribunais é o crescimento desordenado de ações com pedido de
indenização a título de dano moral. Hoje, no Brasil tramita por volta de 420.000
(quatrocentos e vinte mil) ações com tal pedido. É a modalidade de ação judicial que mais
cresce no país, pois nos últimos oito anos enquanto o número global de processos cresceu
nove vezes, as ações pleiteando danos morais foram multiplicadas por cinqüenta e dois.
Segundo palavras de Salomão Resedá, “a incidência é tamanha que se considera tal
pleito como batatas fritas, pois, à semelhança das promoções existentes nos inúmeros fast-
foods, elas sempre acompanham o pedido principal”. 34
Alguns doutrinadores tem defendido que hoje o dano moral não tem se limitado à
violação de direitos personalíssimos, mas sim em efeitos imateriais da lesão, desta forma
33 BERNARDO, Wesley de Oliveira Lousada apud RESEDÁ Salomão. Op. cit., p. 192. 34 RESEDÁ, Salomão. Op. cit., p. 145.
51
amplia-se possibilidade, nas quais, cabe o pedido dentro de uma ação, havendo como dito
anteriormente cumulação de pedido, aonde um dano material vem sempre acompanhado
de pedido de indenização por danos morais.
Acredita-se que a abertura desse leque também está atribuída à facilidade de
ingresso ao judiciário para postular e pleitear um dano moral, pois qualquer pessoa que se
vê impossibilitada de arcar com os custos da demanda judicial, pode através de simples
afirmativa, postular pedido de assistência judiciária gratuita.
Não havendo necessidade do pagamento da referida taxa judiciária, o pedido passa
a ser uma loteria, se fizermos uma comparação é uma espécie de aposta, visto que o autor
poderá pleitear valores astronômicos, uma vez que, no caso de um pedido de baixo valor
o juiz não pode conceder nenhum valor maior, pois teremos uma sentença ultra-petita.
Por outro lado, se formulado pedido com valor exorbitante, abre-se a chance de um
maior quantum indenizatório, pois se esta for julgada improcedente, nada mudará na
situação patrimonial do autor, pois como goza de assistência judiciária nada pagará.
Vale ressaltar também a facilidade oferecida pelos Juizados Especiais Cíveis, onde
o próprio autor tem capacidade postulatória, ou seja, pode ingressar com ações, pleiteando
indenização a título de dano moral, sem a necessidade de contratação de advogado, desde
que estas não ultrapassem a quantia de 20 (vinte) salários mínimos vigentes no país.
Em razão dessas inúmeras facilidades, hoje em dia ocorre um excesso de demandas
que acabam por movimentar a máquina judiciária desnecessariamente. Ocorre que os
mais triviais aborrecimentos que acometem o dia a dia de uma pessoa, sejam, no trabalho,
na rua, no trânsito, na família, enfim qualquer contrariedade tem sido equiparada a
sofrimento qualificado como resultado de uma insuportável dor moral. Assim, conclui-se
que qualquer contrariedade corriqueira, é para alguns intitulados de dano moral infinito,
cujo objetivo, é exclusivamente o recebimento de uma indenização.
No entanto, para que uma dor possa ser fundamento de uma indenização a titulo de
dano moral há necessidade que o ofendido demonstre de forma a não deixar dúvidas, de
que o ato ilícito que foi o causador do dano tenha ultrapassado a esfera daquilo que deixa
52
de ser razoável, ou seja, aquilo que deixa de ser como um fato comum que ocorre
diariamente na sociedade, levando em consideração o homem médio de determinada
classe.
O dano moral deve ser efetivo e claro, não podendo, como dito anteriormente ser
considerado contrariedade a qual todos estão sujeitos no dia-a-dia das grandes cidades e
do mundo moderno.
Contudo, mesmo não tendo os elementos necessários para tal configuração o Poder
Judiciário também tem utilizado de forma reiterada a aplicação do dano moral para
qualquer fato, desta forma também tem colaborado para que o instituto se torne banal,
pois se comparado a um produto é produzido em larga escala, tornando-se assim uma
indústria.
Tal utilização reiterada, de forma errônea, encoraja mais e mais pessoas a
ingressarem no judiciário com tal pedido, como destaca a Juíza Rosangela Carvalho,
“deve ser desencorajada a proliferação da indústria de dano moral que atualmente ocorre,
havendo exacerbado número de demandas da espécie em nossos tribunais e, na maioria
das vezes, desacompanhadas de justa causa”. 35
Se houvesse maior rigidez no controle de pedidos de assistência judiciária o
requerente teria mais cautela sobre a possibilidade de ingressar com determinada ação,
que só o faria em caso de ter uma relativa razão e ponderação quanto à efetiva existência
do dano.
Todavia, o excesso de ajuizamento de ações também tem outra razão, que é a
imoralidade da sociedade, que por sua vez, na cobiça pelo dinheiro e no interesse e
empenho à ocorrência de fatos que podem fundamentar pedido de dano moral. Segundo
palavras de Gustavo Cauduro Hermes: A primeira causa é a falta de integridade moral de grande parte destes litigantes. Poderia até atribuir o acionamento do judiciário em busca de indenizações por supostos danos morais à pobreza, generalizada em nosso país, não fosse a grande
35 CARVALHO,Rosangela apud VENUTO, Andrey Jabour. A banalização do instituto dano moral. Disponível em: <http://www.viannajr.edu.br/site/viannasapiens/artigos/artigo05.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2011, p. 15.
53
gama de litigantes ricos que pleiteiam verdadeiras fábulas dignas dos prêmios das melhores loterias. 36
Arruda Alvim avalia ainda, “que o principal problema teria origem na sociedade
brasileira, seria uma questão sociológica, de descontentamento do tecido social”. 37
Insta salientar que temos a influência de dois aspectos: para a camada menos
favorecida financeiramente a facilidade de ajuizamento de uma ação, pois esta pode ser
postulada sem ônus, para os mais favorecidos a impunidade, sendo que ações infundadas
poderiam ser caracterizadas como litigância de má-fé.
A crítica se dá não a pessoa que verdadeiramente acredita teve seu âmago ferido,
mas aquele que conhecia a inexistência do ato ilícito ou do dano moral, e mesmo assim
ingressa no judiciário para obter alguma vantagem econômica em razão de mero
aborrecimento ou à custa de algum afortunado.
Isso tem ocorrido em razão da nova configuração do dano moral no nosso
ordenamento, visto que, o requerente sabe que há a possibilidade do pedido ser julgado
procedente mesmo não tendo ocorrido o dano propriamente dito, pois em alguns casos
basta a existência do ato ilícito que ensejou o pedido.
Sendo assim, temos apenas o fato gerador e não o efetivo dano, não sendo
necessário a vitima se sentir lesada no seu aspecto íntimo e subjetivo para que ocorra a
reparação pela moral ofendida. Configura-se numa forma ampla de proteção da moral,
entretanto pode ocorrer que muitas vezes essa ampla proteção se dê em detrimento da real
configuração da responsabilidade civil.
Concluímos então, que o dano moral pode ser dividido em dano moral efetivo e em
situações que ensejam a reparação do instituto, que são situações onde ocorre a lesão, mas
o sentimento desta se dá de forma diversa, pois no primeiro caso é efetiva e no segundo a
situação pode causar o dano, mas sempre deve ser reparado.
As situações que ensejam o dano já se encontram pacificadas, contudo, perante um
imenso campo de possibilidade, as pessoas alegam dor moral em qualquer tipo de 36 HERMES, Gustavo Cauduro apud VENUTO, Andrey Jabour. Ibidem. 37 ALVIM, Arruda apud VENUTO, Andrey Jabour. Op. cit., p. 14.
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situações, chegando até de ser inimagináveis.
Conforme palavras do Desembargador aposentado Ramon G. von Berg: Se verifica, embora possa ser notada a tendência dos magistrados em buscar conter a onda vislumbrada como indústria do dano moral, com reflexos até no STJ, o fato é que a dimensão, o elastério, o alcance hoje do dano moral vem-se abrindo para hipóteses nunca dantes alvitrada. 38
Em razão disso a indústria dos danos morais tem adquirido imensa força. Pois não
são estabelecidos os casos em que ocorre o dano, o que é impossível diante da atual
complexidade da sociedade. Tem sido até comuns casos em que pessoas armam situações
com o objetivo de criar um dano moral ou até mesmo acionar a justiça por vingança
contra outra pessoa. Os seus integrantes são aqueles que maliciosamente, em legítimo
abuso de direito, se colocam em situação de risco e de criação ou majoração daquele dano
moral.
A única forma de desestimular a indústria do dano moral seria através do
desencorajamento dos pedidos incabíveis de reparação, através da condenação dos
requerentes em litigância de má-fé, bem como reduzir o valor das indenizações.
Entretanto, não se pode deixar que condenações em litigâncias de má-fé criem
receio à tutela da proteção à pessoa humana.
Contudo, mesmo diante de tais considerações, jamais se pensou na possibilidade
de restringir os direitos do cidadão a fim de inibir ou coibir o ajuizamento de tais ações,
visto que, o acesso à justiça é um direito consagrado pela Constituição Federal.
Por outro lado, a banalização, a indústria é conseqüência justamente dessa
facilidade de se pleitear. Deve-se conciliar a possibilidade de condenação em litigância de
má-fé em casos absurdos, com a transformação da caracterização do dano moral em algo
mais definido e concreto, que sejam estabelecidos critérios mais científicos e melhor
conceituado.
Outro questionamento se dá sobre a possibilidade de estabelecer, através de lei, a
fixação do quantum, porém estes são caracterizados como inquantificáveis, o que 38 BERG, Ramon Von apud VENUTO, Andrey Jabour. Op. cit., p. 16.
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conseqüentemente acarretaria na inconstitucionalidade dos dispositivos limitadores.
Na tentativa de desestimular a indústria, os Tribunais vêm decidindo que a
reparação deve ser feita com critérios, deve-se observar o enriquecimento de autor e
falência do réu. Sendo assim, os juízes devem ser rígidos na fixação da indenização, com
o objetivo de preservar o instituto, coibindo ainda, indenizações absurdas e que sejam
desproporcionais às ofensas supostamente geradas.
Não podemos deixar que a grandeza e importância do instituto do dano moral, que
além de ser previsto no Código Civil, também tem previsão Constitucional, acabe em
indevido descrédito por parte de todos.
A seguir segue alguns exemplos de ajuizamento de ações com pedido de dano
moral: Responsabilidade civil - Dano moral - Autor que alega ter sofrido humilhação ao ser "cobrado" pela gerente do banco-réu por dívida de terceira pessoa [sua esposa] - Inexistência de nexo causal entre o fato alegado e dano por ele produzido - Mero dissabor que não enseja reparação moral - Sentença mantida - Não provimento. (Apelação Cível, nº: 990.10.224004-5, TJSP, 4ª Câmara Cível, relator: Des. ENIO SANTARELLI ZULIANI, julgamento em: 11-11-2010).
Em resumo, o autor alegar ter sofrido humilhação por parte da gerente do banco,
onde possui uma conta corrente. No momento em que estava efetuando um saque no
caixa eletrônico foi abordado pela gerente, que segundo seu relato foi humilhado,
passando por situação vexatória, visto que foi cobrado por dívida de sua esposa.
Entretanto, segundo relato da gerente, confirmado por testemunha, esta o abordou
solicitando a informação sobre o endereço e telefone da esposa do requerente. Por sua
vez, o requerente pleiteou indenização a titulo de danos morais o montante de R$
6.500,00 (Seis mil e quinhentos reais), o qual foi julgado improcedente em primeira
instancia e mantida pelo Superior Tribunal de Justiça de São Paulo, cujo fundamento, de
que mero dissabor não gera dano moral. Agravo Retido-Decisão que indeferiu A produção de prova pericial e o pedido de Exibição de documentos – Provas que se Mostravam irrelevantes e incapazes de Descaracterizar a idoneidade daquilo que Já restou demonstrado nos autos – recurso Não provido. Obrigação de fazer – Cumulação com pedido de indenização Propaganda enganosa – inocorrenoa – faixa publicitária Que não
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tem potencial para induzir o consumidor em erro Quanto a dados essências relacionados à venda do produto Anunciado – danos morais não caracterizados – ação improcedente Sentença mantida – recurso não provido (Apelação Cível, nº: 994.09.317122-1, TJSP, 5ª Câmara Cível, relator: Des. ERICKSON GAVAZZA MARQUES, julgamento em: 20-10-2010).
Em resumo a autora ajuizou ação visto que acreditou que adquiriria um veiculo
apenas efetuando o pagamento de duas parcelas no valor de R$ 290,00 (Duzentos e
noventa reais) cada.
Relata que foi a concessionária com o objetivo de comprar um veiculo. Esta foi
atraída por propaganda publicitária que tinha apenas esse objetivo, atrair clientes, visto
que todas as condições de compra não estavam expostas.
Desta forma a apelante solicitou todas as informações referentes ao veiculo,
inclusive no que diz respeito ao prazo de entrega, cores disponíveis e características do
veiculo, no entanto relata que não indagou ao vendedor sobre o numero de parcelas de R$
290,00 (Duzentos e noventa reais) que deveriam ser pagas para a aquisição do veiculo.
Fato que não condiz com o conhecimento do homem médio, pois não é possível a
aquisição de veiculo por tal valor.
A ação foi julgada improcedente, e a sentença mantida em sede de recurso, pois
não foi caracterizado o dano moral, ainda caracterizado apenas como frustrações
decorrentes da vida em sociedade. Água e esgoto. Ação declaratória de inexistência de débito cumulada com pedido de indenização por danos morais. Sentença de parcial procedência. Manutenção. Cobrança acima da média confirmada pelo jurisperito. Réu que sequer se manifestou sobre o laudo; além disso, não produziu nenhuma prova que pudesse infirmar a forte possibilidade de erro de leitura no hidrômetro. Danos morais: não há, na inicial, causa de pedir quanto a eles; a autora pediu por pedir. Apelação do réu e recurso adesivo da autora não providos. (Apelação Cível, nº: 990.10.247651-0, TJSP, 36ª Câmara Cível, Presidente e Relator: ROMEU RICUPERO, julgamento em: 30-09-2010).
Em resumo, a autora recebeu da requerida contas de água de valores absurdos.
Após reclamação a ré substituiu o hidrômetro, no entanto não suspendeu a cobrança e
ainda ameaçou interromper os serviços de água e esgoto no caso inadimplemento. Em
razão disso, a autora ajuizou ação onde pleiteava inexigibilidade do débito perseguido
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pela requerida, sendo que estes estavam bem distantes da média mensal de consumo da
autora, bem como a indenização ao pagamento de danos morais sofridos.
Neste caso, podemos bem observar o entendimento de Salomão Resedá, como dito
anteriormente, compara os pedidos de danos morais como as “batatas fritas” dos fast
foods, visto que a ação em que pleiteia a inexigibilidade do débito tem razão de ser, tanto
que, houve o acolhimento, entretanto, o pedido de dano moral, foi julgado improcedente,
pois, conforme entendimento da câmara julgadora, em relação ao dano moral não há
causa de pedir, a autora pediu por pedir. RESPONSABILIDADE CIVIL - Indenização -Dano moral - Rompimento abrupto de noivado, réu surpreendido na cama da própria residência, a sexualmente se relacionar com colega de trabalho, casada - Dano moral tipificado; provimento parcial do apelo, todavia, para reduzir a indenização a-0, TJSP, 8ª Câmara Cível, Relator: LUIS AMBRA, julgamento em: 19-11-2011).
Trata-se de caso em que a autora pleiteia indenização por dano moral, a qual foi
julgada procedente e fixada em R$ 5.000,00 (Cinco mil reais), o presente recurso reduz o
valor para dez salários mínimos, visto que a câmara julgadora entende que a hipótese de
rompimento de noivado, como regra não é indenizável, no entanto, aqui se configura,
pelos motivos que levaram ao seu rompimento.
O casamento já ajustado, todos os móveis comprados para a futura residência,
quando a autora ao se dirigir a casa do noivo, sem avisar, o surpreende em pleno
relacionamento sexual com uma colega de trabalho, por sinal, casada.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desta forma, constatamos a existência de uma verdadeira indústria do dano moral.
Como apresentamos, o instituto tem sido usado como forma de obter enriquecimento
fácil, sem a necessidade de nenhum dispêndio, pois o Judiciário de qualquer forma
apreciará o pedido, ou seja, há possibilidade de muito ganhar e pouco a perder.
A partir da constitucionalização do instituto, ampliaram-se também os motivos que
geram o dano moral, muito em razão da possibilidade de também ser considerado uma
garantia dos direitos individuais e se encaixar praticamente em todas as áreas do direito.
Também se observa que em razão das inúmeras atividades hoje realizadas na
sociedade, o homem esta sujeito a vários acontecimentos que poderiam enfadá-lo,
contudo, essas situações, em regra, não geram qualquer verossimilhança de uma
indenização, ou seja, não se configura o dano moral.
Como já dito anteriormente considera-se dano moral a dor subjetiva, dor interior
que foge à normalidade do dia-a-dia do homem médio venha a lhe causar ruptura em seu
equilíbrio emocional interferindo intensamente em seu bem estar.
Vale ressaltar, que além de motivos fúteis que fundamentam as exordiais de ação
por danos morais, também existem aqueles que se baseiam no desejo de se utilizam do
instituto com a finalidade de enriquecer-se.
Dentre os principais aborrecimentos, estão presentes com maior freqüência os
maus atendimentos, a má prestação de serviços, descumprimento contratual, etc.
É evidente que estes fatos na sua maioria são desagradáveis e causa, certamente,
uma espécie de desconforto ou aborrecimento, devendo a vítima, assim, procurar dar
continuidade a sua vida, fazendo com que o episódio desagradável lhe dê força para
enfrentar estas situações enfadonhas próprias do cotidiano.
Dessa forma, tais casos, não ensejam, com certeza, qualquer espécie de
indenização a titulo de dano moral, pois, se pensarmos que toda vez que fossemos vítimas
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de infortúnios, pleitearíamos indenizações junto ao Judiciário, causaríamos, assim, um
verdadeiro caos, ou, supondo-se devidas tais indenizações por "aborrecimentos morais",
estaríamos diante de um quadro de falência total do Estado, bem como das grandes e
pequenas empresas.
Apesar de alguns doutrinadores considerarem o grande numero de ações como
algo normal, justificando que isso não caracteriza banalização, mas sim a conscientização
da população, que hoje está lutando por seus direitos.
Atualmente, podemos afirmar com todas as palavras que ocorre sim a banalização
do instituto do dano moral, onde toda e qualquer simples discussão ou dissabor, fatos que
são apenas um contratempo e não fogem a normalidade, que quando muito se
caracterizam como meros dissabores geram ações de indenizações por danos morais sem
fundamento, e algumas dessas ações são julgadas procedentes sem a aferição dos
requisitos essenciais da responsabilidade civil e do próprio dano moral.
Dessa forma, o instituto do dano moral vem sofrendo um grande desvirtuamento,
por parte tanto dos requerentes, bem como dos profissionais do Direito, que estão
exagerando em sua configuração, pois ingressam com ações, em números cada vez
maiores, com pedidos de ressarcimento por danos morais em cifras absurdas.
Sendo assim, deve ficar claro que a caracterização do instituto somente se dá se
houver dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, foge à normalidade e é capaz de
interferir de forma intensa na esfera psicológica da pessoa, causando-lhe sofrimento,
angústia e desequilibro em seu bem-estar e a sua integridade psíquica, existindo
efetivamente um dano a ser reparado.
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BIBLIOGRAFIA
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