Dá aflição saber que a mãe, sempre tão firme em sua marcha, agora precisa caminhar com mais...

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Dá aflição saber que a mãe, sempre tão firme em sua marcha, agora precisa caminhar com mais calma.

Já vinha botando reparo havia algum tempo: cada vez mais cedo ela dormia durante nossas sessões

de cinema em casa até no filme do Marley, o labrador arteiro que ela amava, foi assim.

Mamãe envelheceu.

Começou a faltar a ela aquela força de sempre para me dar uma empurradinha pelas calçadas esburacadas.

Ganhou um desequilíbrio do nada e uma saudade de tudo.

Dá uma certa aflição, não vou fazer rodeios para admitir, saber que a mãe, sempre tão firme em sua marcha aplicada com

um sapato baixinho e confortável,

que buscava o sustento, o futuro e a felicidade dos filhos, agora precisa caminhar com mais calma e cuidado.

Meu coração ficou como no

momento do samba derradeiro,

dias atrás, quando entrou pelo

corredor do restaurante uma

senhorinha esbaforida, com a

mão machucada, semblante

de susto e passinhos de quem

havia passado maus bocados.

E havia passado. Caiu no meio da rua.

Estava entre a aflição da dor e a carência de algum aconchego.

E se a minha mãe, agora velhinha, desabasse em um algum ermo de mundo também?

Será que a acolheriam com a atenção e a presteza que a mãe da gente tem o direito de receber?

E se ela ficasse meio descompensada e não soubesse

nem em que planeta estava?

Sosseguei quando ela garantiu que estava tudo

bem e que cuidaria da velhinha.

O almoço perdeu a graça e eu só pensava nas feridas da senhorinha, que foi gentilmente atendida com cuidados orientais

das mãos da dona do boteco, uma "japa" sorridente.

Mãe não tem dor de cabeça, não tem fome, não tem preguiça de fazer mingau, não tem medo de barata, não tem limite no cartão

para emprestar um dinheirinho,

mas, de repente, ela envelhece e faz o filho pensar que ela pode sofrer sim.

Lá em casa, mamãe nunca foi "rainha do lar".

Estava mesmo é para Margaret Thatcher em

meio a contas para pagar, bocas para encher,

uma criança com deficiência para dar jeito.

Logo quando vi Meryl Streep interpretando a "Dama de Ferro“ já cansada, abatida pelo destino irrefutável da idade,

quis dar um Oscar pelo conjunto da obra para a minha "santa".

Tudo é possível na velhice e ser velho é conquista, jamais um demérito para quem sabe aproveitar a existência.

É que o tempo vai passando e fico aflito por diversas ocasiões de amor que ainda não vivi com minha mãe - nem a viagem para Poços de Caldas, que ela jura ser de caldas de doces, fizemos.

Não queria vê-la frágil, por mais bonita que seja a pétala.

Não queria vê-la cansada, por mais nobre que seja o vencedor de maratonas.

Não queria que jamais a senhora caísse, mãe, por mais que, como você a vida toda disse:

"Quem não cai não aprende a se levantar".

Jairo Marques

Imagens: Fotocommunity Música: “Noturno” - Chopin

Formatação: Christina Meirelles Neves