Post on 08-Aug-2019
"Podemos perdoar facilmente uma
criança que tem medo do escuro;
a real tragédia da vida é quando
os homens têm medo da luz." Platão
D e m o c r a c i a S o b e r a n i a U n i d a d e N a c i o n a l P a t r i o t i s m oD e m o c r a c i a S o b e r a n i a U n i d a d e N a c i o n a l P a t r i o t i s m o
Os conceitos emitidos nas matérias assinadas são de exclusiva responsabilidade de seus autores. Estão autorizadas as transcrições integrais ou parciais das matérias publicadas, desde que mencionados o autor e a fonte. As matérias enviadas para publicação não serão devolvidas, mesmo que deixem de ser publicadas.
Por imposição do espaço, a redação do artigo poderá receber pequena modificação, sem alterar o seu entendimento e a sua compreensão.
Expediente
Presidente
Gen Ex Renato Cesar Tibau da Costa
1º Vice-Presidente
Gen Div Sérgio Costa de Castro
2º Vice-Presidente
Gen Div Marcio Rosendo de Melo
3º Vice-Presidente
Cel Dalmo Roriz de Cerqueira Lima
Diretor do Departamento Cultural
Gen Bda José de Oliveira Sousa
Revista do Clube Militar
Diretor
Cel Hiram de Freitas Câmara
Secretaria
Regina Velasco dos Santos
Tel (21) 3125-8260
e-mail:
revista@clubemilitar.com.br
Conselho Editorial
Presidente
Gen Div Ulisses Lisboa Perazzo Lannes
Secretário
Cel Hiram de Freitas Câmara
Membros
Gen Div Clovis Purper Bandeira
Gen Bda José de Oliveira Sousa
Cel Cesar Augusto Araripe de Almeida Lacerda
Cel Av Manuel Cambeses Júnior
Diagramação
Emerson Guimarães
Impressão e Acabamento:
Sol Gráfica Ltda.
Rua João Torquato, 289 - Bonsucesso - 21032-150
Rio de Janeiro – RJ - Tel.: (21) 2560-4082
Fax: (21) 2290-8599
Publicidade e Distribuição:
Departamento de Comunicação Social
e-mail: comsocial2@clubemilitar.com.br
Denise Tavares e Ana Maria Burnier
Tel: 3125-8304 e 3125-8314
Distribuição gratuita
ISSN 0101-6547
Tiragem: 15000 exemplares
Correspondência
Av. Rio Branco, 251 - 9º andar –Sala 910- 20040-009
Rio de Janeiro - RJ
Telefax: (21) 2220-9376
e-mail: ouvidoria@clubemilitar.com.br
Portal: www.clubemilitar.com.br
02 - Palavra do PresidenteIntrodução03 - Mensagem aos Novos Camaradas - Gen Div Clovis Purper Bandeira
06 - À Guisa de Introdução - Gen Ex Pedro Luiz de Araujo Braga
10 - A História que não se Apaga nem se Reescreve - Ordem do dia do Ministro do Exército de 31 Mar de 1999
11 - Opinião / Editorial - “Ressurge a Democracia”
12 - A Guerra Fria dos anos 40 aos anos 60 - Coronel Cesar Augusto Araripe Lacerda
O Movimento Cívico-Militar de 31 de Março de 1964: os fatos22 - O Tentame Comunista de 1961-1964 - Gen Bda Sergio Augusto de Avellar Coutinho
29 - O Panorama Nacional em 1963 e Início de 1964 - Gen Div Ulisses Lisboa P. Lannes
32 - Dias de Insegurança e Intranquilidade40 - Citações41 - O Plano Revolucionário - do livro ORVIL
42 - O Comício de 13 de março de 1964 - do livro ORVIL
44 - A Evolução da Posição dos Militares - do livro ORVIL
48 - Circular Reservada do Chefe do Estado-Maior do Exército50 - Citações51 - O Motim dos Marinheiros - do livro ORVIL
54 - A Reunião no Automóvel Clube - do livro ORVIL
55 - Manifestos, Relatório e Proclamações66 - A Participação da Academia Militar das Agulhas Negras - Gen Ex Antonio Jorge Correa
74 - 31 de Março de 1964: o Brasil reageO Movimento Cívico-Militar de 31 de Março de 1964: as análises79 - Por que Jango caiu - Adirson de Barros
83 - Transcrições da Imprensa sobre o 31 de Março de 196488 - O Dever dos Militares90 - A Contrarrevolução de 64 e a Mitologia - Gen Div Agnaldo Del Nero Augusto
92 - A Desinformação Soviética no Brasil e o “Golpe” de 1964 - Ladislav Bittman
96 - A Eleição de Castello Branco - do livro ORVIL
104 - Opinião 2 - Editorial “Fidelidade às Origens”
105 - Desfazendo alguns Mitos sobre 64 - Heitor de Paola
107 - Deformações da História do Brasil - Paulo Roberto de Almeida
123 - Os governos do regime instaurado pelo Movimento Democrático de 31 de Março de 1964125 - Trabalho, muito trabalho - Antonio Delfim Neto
132 - Realizações do Movimento Cívico-Militar de 31 de Março de 1964Conclusão136 - Para a sua Estante138 - Opinião 3 - Editorial “Julgamento da Revolução”
139 - História Esquecida - O 31 de Março de 1964 - Gen Bda Luiz Eduardo Rocha Paiva
A História é. A História não se cria.
A História não se oculta.A História não se mistifica.A História não se deturpa.
A História é a Verdade.Mas só existe, verdadeira,
para quem quer vê-la.
2 - Revista do Clube Militar
Palavra do Presidentedo Clube Militar
General-de-Exército Renato Cesar Tibau da CostaPresidente do Clube Militar
Com a presente Edição Especial de sua
Revista, o Clube Militar relembra os
acontecimentos que culminaram com
o Movimento Democrático de 31 de março de
1964, ocasião em que a maioria de brasileiros
patriotas, extremamente preocupados com os
rumos que a subversão dos princípios éticos,
morais, disciplinares, hierárquicos, de ordem
e progresso, da lei e do direito implantada no
País, reforçada por omissão e interesses eleito-
reiros, inclusive das mais altas autoridades do
governo - já comemorando a próxima tomada
definitiva do poder - resolveu reagir. E soube
fazê-lo de maneira rápida e decisiva, desmon-
tando as pretensões que a fanfarrice comuno-
sindicalista acreditava ser uma sólida fortaleza.
O Clube Militar, participante ativo de tan-
tos acontecimentos históricos de nosso País,
também naquela oportunidade estava presente,
cerrando fileiras com aqueles que souberam im-
pedir mais essa tentativa de tomada do poder
que iria de encontro aos ideais democráticos da
nossa população.
O Movimento de 31 de Março foi a resposta
altiva e digna dos militares à convocação das
forças vivas da Nação, representadas pela im-
prensa, partidos políticos, religiosos, empre-
sários, donas de casa e brasileiros comuns, os
quais anteviam a Nação cada vez mais próxima
de amesquinhar-se em satélite do mundo comu-
nista, o qual abrangia quase metade do globo,
naqueles tempos de Guerra Fria.
A esquerda, todavia, orquestra versão deturpa-
da dos fatos históricos, procurando impor a pre-
valência de suas “verdades”. Apregoam ter sido
uma “quartelada”, um “golpe articulado na caser-
na”. Isso não resiste a uma pesquisa isenta e séria.
Meio século já se passou. Já há um distancia-
mento temporal para que verdadeiros historia-
dores comecem a estudar o período, embasados
em fontes primárias e não em discursos detur-
pados de propaganda esquerdista, os quais in-
festam, inclusive, livros escolares e publicações
de órgãos oficiais. Persistem, ainda, admirado-
res desse anacronismo que estagnou e arruinou
todas as nações que foram subjugadas e tiveram
esse regime implantado.
O Clube Militar, nesta Revista, com seus arti-
gos e fotos de publicações da imprensa da época,
procura colaborar na difusão de uma visão realista
dos acontecimentos de 1964 - isenta das distorções
provocadas pela releitura da História - lembrando
o cenário reinante no País e a reação popular, po-
lítica e militar ao assalto do poder pelas esquerdas.
Edição Especial - 3
Mensagem aos Novos CamaradasMomentos Decisivos
Neste mês, comemoramos o aniversá-
rio do Movimento Democrático de
31 de Março de 1964. Você, Novo
Camarada, não era nascido nessa época e por
certo já ouviu muitas histórias a respeito da-
queles acontecimentos, a maioria das quais,
infelizmente, não corresponde à verdade his-
tórica e constitui uma releitura distorcida dos
fatos, com a finalidade de confirmar, sob um
falso manto de pretensa veracidade, as posições
e convicções políticas dos derrotados em 1964.
Não pretendo, neste curto espaço, lembrar
Clovis Purper Bandeira *
* O Projeto “Novos Camaradas”, iniciado em 2004, visa motivar jovens oficiais egressos das escolas militares a associar-se ao Clube Militar
4 - Revista do Clube Militar
todos os acontecimentos da época, os quais
você pode reler nos principais jornais de
1963/64, na biblioteca de sua cidade ou na
Internet. Quero, apenas, rememorar três mo-
mentos decisivos que levaram à intervenção
das Forças Armadas, num contexto de sério
risco para a sobrevivência do regime demo-
crático brasileiro, respondendo ao clamor pú-
blico que cobrava um basta à situação alar-
mante em que o país mergulhava. Foram eles
o Comício da Central do Brasil, o motim dos
marinheiros no Sindicato dos Metalúrgicos e
a reunião do Presidente da República com os
sargentos no Automóvel Clube.
Tais eventos, ocorridos em março de 1964,
culminavam uma série crescente de greves par-
ciais, gerais e de “solidariedade”; aumento do
papel político dos sindicatos, alçados à condi-
ção de verdadeiros partidos políticos, quando
não passavam de centrais de agitação e pro-
paganda esquerdista; cerco e tentativa de inti-
midação de todos os contrários às mudanças
pró-comunismo em andamento; aliciamento
de civis e militares por meio de palavras de
ordem, ameaças veladas aos não aderentes e
premiação ostensiva aos simpatizantes da ba-
derna; paralisação quase total da vida política
e econômica do país; surgimento de sindicato
de praças na Marinha e dos generais e almi-
rantes “do povo”, em oposição aos “gorilas”,
nome pejorativo que procurava identificar e
isolar os militares que não concordavam com
o descalabro que só fazia aumentar; dúvidas
nas mentes, exigindo decisão entre a lealdade
ao governo, à cadeia de comando legal cada
vez mais dominada pelas ideias esquerdistas e
a resposta ao clamor do povo e da maioria das
forças democráticas políticas, econômicas, so-
ciais, militares e religiosas aos desmandos go-
vernamentais.
Os sindicatos, os partidos políticos da base
governamental, parte da imprensa (sempre
dependente da benevolência do governo para
importar papel e receber publicidade dos ór-
gãos públicos), os grêmios estudantis, os mo-
vimentos sociais, todos estavam infiltrados e
“aparelhados” pelos esquerdistas que, em suas
próprias palavras, “já haviam tomado o gover-
no, só faltava tomar o poder”.
Nos três eventos que citamos, as Forças Ar-
madas foram atingidas em seus valores mais
fundamentais, a hierarquia e a disciplina.
No Comício da Central do Brasil, os carta-
zes alardeavam: “Reformas, na lei ou na mar-
ra!” - “Paredón para os gorilas!” – “Partido
Comunista com o povo e com o Presidente”
– “Desta vez o povo será governado através de
seus sindicatos” – “República sindicalista para
o Brasil!”.
Ministros de estado, inclusive os militares,
congressistas esquerdistas, militares fardados
carregando nos ombros o Almirante Aragão,
o Deputado Brizola instigando a assistência,
fomentando a revolta popular, apresentando
o Presidente da República, que chegava ao pa-
lanque, como salvador da Pátria e Presidente
da República Sindicalista do Brasil, esse era o
cenário. No final de seu discurso inflamado, o
Presidente João Goulart afirmou: “... advirto
o Congresso, os Governadores reacionários,
a minoria retrógrada e capitalista, de que o
verdadeiro Chefe de Estado, quando circuns-
Edição Especial - 5
* O autor é General de Divisão e Assessor Especial do Presidente do Clube Militar.
tâncias excepcionais lhe impõem medidas ex-
cepcionais, adota-as. E este que vos fala não
recuará. O povo está a mostrar-me o caminho.
Eu os conduzirei por este caminho!”.
Pouco depois, no Sindicato dos Metalúr-
gicos, um verdadeiro motim acontecia, pro-
movido pela espúria Associação de Cabos,
Marinheiros e Fuzileiros Navais e liderado,
entre outros, pelo tristemente famoso Cabo
Anselmo. As tropas de Fuzileiros Navais en-
viadas para conter o movimento aderiram
parcialmente ao mesmo. O Ministro da Ma-
rinha foi substituído. Finalmente, os amoti-
nados, chefiados pelo Almirante Aragão, pelo
novo Ministro e pelo Cabo Anselmo, os três
carregados sobre os ombros, embarcaram em
viaturas do Exército e foram conduzidos até o
quartel do Batalhão de Guardas, onde foram
liberados, com a promessa do governo de que
ninguém seria punido. A hierarquia e a disci-
plina, enxovalhadas nesse episódio, exigiam a
reação dos militares conscientes.
Finalmente, no dia 30 de março, o Presi-
dente da República, acompanhado de seus
ministros, compareceu ao Automóvel Clube,
onde lhe seria prestada uma homenagem pe-
los sargentos das Forças Armadas e da Polícia
Militar, coroando a tática subversiva de sepa-
rar oficiais e praças, a fim de dividir e enfra-
quecer as forças militares, último bastião que
se opunha à comunização do país.
As palavras, os chavões, as bravatas, tudo
lembrava os discursos do Comício da Central
do Brasil, que ocorrera apenas dezessete dias
antes. Na mesma linha de discurso, o Presi-
dente da República prometia (ameaçava?):
“Prometo, para cumprir dentro em breve, que
as reformas sairão, quer queiram ou não os
reacionários do Congresso. Quer queiram ou
não os generais fossilizados e ultrapassados.
Quer queiram ou não os políticos traidores,
que há muito já deveriam estar banidos da
política nacional”.
Não havia mais dúvida possível: um golpe
sindicalista e comunizante estava em marcha,
para ser desencadeado em breve. O Presidente
da República, por convicção ou por oportu-
nismo, embarcara nessa aventura. Os funda-
mentos das Forças Armadas estavam seria-
mente abalados pela ação ou pela inação dos
que deveriam defendê-los.
A contrarrevolução precipitou-se e, na ma-
nhã de 31 de março, iniciou-se o deslocamen-
to das tropas de Minas Gerais, em direção ao
Rio de Janeiro.
A sorte estava lançada e o aparentemente
sólido castelo da subversão, inflado pela de-
magogia e pela propaganda, acreditando numa
força que era apenas retórica, desmoronou ao
primeiro embate. A Nação estava salva.
Após tanto tempo, Novo Camarada, reme-
moremos os graves acontecimentos daqueles
idos de 1964. E homenageemos a memória
dos bravos patrícios que venceram suas dúvi-
das e tiveram a coragem de ficar ao lado do
verdadeiro interesse nacional, evitando que
a nação mergulhasse na treva comunista que
ainda infelicitaria tantos povos.
Sobretudo, permaneçamos atentos.
6 - Revista do Clube Militar
"À Guisa de Introdução"
Pedro Luis de Araujo Braga*
O baixo nível cultural do povo bra-
sileiro, somado a uma mídia que,
com poucas e honrosas exceções,
não respeita ética e nem tem compromisso
com a verdade, sobremodo lamentáveis – e,
a propósito, recente pesquisa divulgada in-
dica que a credibilidade da imprensa escrita
é de 46% e das emissoras de TV é de 35%
- fazem deste País o Éden dos "marquetei-
ros". Com extrema facilidade, aqui circulam
"slogans", chavões, mitos, ideias-força, de
criação deles ou importados, como é o caso
da figura do aventureiro e mercenário argen-
tino Che Guevara, cujo pensamento abjeto
encima este prólogo e que foi, até sua morte,
conselheiro dos irmãos Castro em Cuba. De
tanto serem repetidos, acabam tomando fo-
ros de verdades. E é incrível ver-se que, em
países com predomínio absoluto de religiões
cristãs, ainda haja pessoas capazes de vestir
camisetas com a estampa daquele audacioso
materialista, cuja vida não serve de exemplo
"Na verdade, se o próprio Cristo estivesse em meu caminho, eu, como Nietzsche, não hesitaria em esmagá-lo como um verme".
Ernesto Che Guevara
e que teve a ousadia de fazer tão vil declara-
ção como a mencionada acima, que a todos
nós choca.
Assim aconteceu, por exemplo, com o
epíteto "ditadura militar", antes escrito en-
tre aspas, as quais foram depois dispensadas
porque o seu efeito já havia sido alcançado.
Esta expressão passou a indicar o período de
vinte anos em que, após o Movimento Cívi-
co-Militar de 31 Mar 64, generais eleitos pelo
Congresso dirigiram os destinos da Nação.
Todavia, a maioria esmagadora dos que repe-
tem tal chavão não sabem - ou nem se preo-
cupam com isso - quais são as características
de uma ditadura e o que a diferencia de uma
verdadeira democracia. Nem se lembram, por
certo, do longo período de exceção do Esta-
do Novo, que durou até a volta de nossos
ex-combatentes dos campos da Itália, onde
lutaram pela liberdade.
O citado Movimento, na realidade uma
contrarrevolução que salvou o Brasil do
Edição Especial - 7
caos, do comunismo galopante que avançava
celeremente para a total tomada do Poder,
está completando o seu Jubileu de Ouro. A
paz e a estabilidade que permitiram a ala-
vancagem do desenvolvimento, não foram
alcançadas imediata e facilmente. Foi neces-
sário, com o sacrifício de muitos, vencer as
ameaças, as tentativas de grupos que queriam
implantar - ou restabelecer, como diziam - a
"democracia" (e agora as aspas são nossas),
quando, de fato, como hoje reconhecem al-
guns de seus mais importantes artistas, dese-
javam, pela força, adotar um regime comu-
nista, uma ditadura do proletariado. Foram
derrotados! Mas, em nome da paz e da con-
ciliação, os governos militares os anistiaram.
Depois, receberam vultosas indenizações e
ainda pagamentos mensais, sem trabalhar.
Alguns até vieram hoje a ocupar cargos ele-
tivos ou a serem nomeados para funções na
administração da União, Estados e Municí-
pios. Todavia, os que defenderam a Lei e a
Ordem, são hoje execrados, indistintamente
rotulados de "torturadores".
Vale lembrar, por oportuno, o pensa-
mento do velho combatente Marlborough,
cansado de tanta falta de reconhecimento:
"Amamos nosso Deus e nossos soldados
nos momentos de perigo, não antes. Passa-
da a refrega, eles são recompensados: nosso
Deus é esquecido, nossos soldados são des-
prezados.. ".
Depois que veio a público o alentado
e precioso trabalho cujo título é ORVIL, no
qual são apresentadas, em minúcias, as or-
ganizações subversivas e
terroristas que atuaram no
Brasil nas décadas de 60 e
70 e as ações que pratica-
ram, já não há necessidade
de falar nelas, o assunto
está esgotado. Todavia, le-
mos, perplexos, que uma universidade fede-
ral em nosso País criou um "Centro de Di-
fusão do Comunismo". Para quê? Propagar
uma idéia natimorta? Sim, porque historia-
dores isentos e respeitáveis afirmam que o
marxismo, fundamento teórico do comunis-
mo, carrega em si as sementes de sua própria
destruição. Há ainda uns poucos que acredi-
tam que o comunismo foi uma boa ideia que
deu errado. Não! São os próprios historiado-
res, depois de exaustivas pesquisas e estudos,
que concluem, ao contrário disso, que o co-
munismo foi uma má ideia. Repudiado em
seu próprio nascedouro, a Rússia, subsiste
em um número assaz insignificante de países
que, à exceção da China, que vai, pouco a
pouco, capitalizando-se, não têm expressão
no concerto das nações. Mas as consequên-
"Amamos nosso Deus e nos-
sos soldados nos momentos de
perigo, não antes. Passada a re-
frega, eles são recompensados:
nosso Deus é esquecido, nossos
soldados são desprezados ... ".
8 - Revista do Clube Militar
cias e as sequelas das experiências de sua ado-
ção, estarrecedoras sem dúvida, são por aque-
les mesmos estudiosos elencadas: de 85 a 100
milhões de mortos, número este cinquenta
por cento maior do que todas as vítimas das
duas Guerras Mundiais somadas; milhares
de encarcerados, asilados, banidos e assas-
sinados, por não se conformarem com esse
regime, em geral os mais capazes e empreen-
dedores; roubo da autoconfiança da popula-
ção; perda da capacidade de tomar decisões,
não só em questões macro como nas menores
também; incapacidade e falta de vontade da
nação de se firmar em seus próprios pés e
de gerir seu próprio destino, exatamente pela
inexistência de elementos mais capazes que
o Partido havia eliminado da vida pública;
aniquilamento da ética do trabalho e do sen-
so de responsabilidade pública. É isto que
querem para o nosso Brasil, que nasceu sob a
sombra da cruz e que, "bonito por natureza,
é abençoado por Deus"?
É fato que não se pode transplantar um
sistema, um regime ou mesmo certa estrutura
que pode até funcionar bem em outro país,
com cultura, tradições e conjuntura diferentes
das nossas, sem que se admita venha a ocor-
rer o fenômeno da rejeição. Mas este nem é,
sem dúvida, o caso do comunismo, intrinseca-
mente mau. E a história mostra que as revolu-
ções foram sempre forjadas e irromperam por
ações de minorias. Mas a nossa, cinquentená-
ria, até nisto foi diferente! A sociedade pediu
a intervenção das Forças Armadas, pois sentiu
iminente o naufrágio do País. Basta lembrar
as manifestações pacíficas e convincentes do
povo, Brasil afora, pedindo um fim ao desca-
labro. Quem não ouviu falar da "Marcha com
Deus e a Família pela Liberdade"? E do apelo,
repetido e veemente, dos meios de comunica-
ção da época, em seus editoriais e expressivos
artigos? Um deles, passado meio século, agora
publicamente arrepende-se de seu proceder,
de seu apoio... Só que este suporte estendeu-
se às décadas de 70 e 80, segundo registros
existentes. A quem querem enganar? É válido,
portanto, que seus leitores, aqueles que não
têm memória curta, chocados com tal desfaça-
tez e imprudência, especulem sobre qual teria
sido a benesse advinda da postura atual...
As Forças Armadas Brasileiras nunca fo-
ram intrusas na História. Seus ocupantes não
constituem uma casta distante do povo. Ao
contrário: são povo fardado! Legalistas por
natureza, sempre que tiveram que intervir na
vida nacional foi a chamado da Nação. Pois
só esta é eterna! Governos passam. Muitos, a
poeira do tempo encarrega-se de encobri-los,
como inglórios e menos dignos. Às vezes, são
falados apenas pela herança maldita que lega-
ram. Daí por que o Movimento de 31 Mar 64
foi o desfecho de uma situação insustentável,
As Forças Armadas Brasileiras
nunca foram intrusas na História.
Legalistas por natureza, sempre
que tiveram que intervir na vida na-
cional foi a chamado da Nação.
Edição Especial - 9
uma revolução cívico -militar. Sem sangue! Os
militares, pelo bem da Nação, atenderam ao
apelo angustiante da sociedade civil. E, como
escreveu o legendário Marquês do Herval, o
heróico Gen Manuel Luiz Osório, "A farda
não abafa o cidadão no peito do soldado".
É verdade também que, como parte estra-
tégia de dominação, era insuportável, à época, a
agressão diária e chocante aos princípios basila-
res e constitucionais das Forças Armadas: a disci-
plina e a hierarquia. Eles eram ignorados e as vio-
lações até mesmo incentivadas por quem, como
seu Comandante Supremo, devia exemplarmen-
te velar por elas. De triste memória, registram-
se, dentre muitas outras: a revolta dos sargentos
em Brasília; os comícios no Automóvel Clube
do Brasil; marinheiros fardados carregando nos
ombros um Almirante, também uniformizado,
como se herói fosse; o episódio da "espada de
ouro", com o qual se apequenou um Chefe Mi-
litar que perdeu todo o respeito de sua Força. A
tentativa de nos dividir para nos bater por partes,
como ensinou Napoleão, era evidente: classe dos
sargentos e classe dos oficiais, Generais do Povo *O autor é General de Exército e Presidente do
Conselho Deliberativo do Clube Militar
Daí por que o Movimento
de 31 Mar 64 foi o desfecho de uma
situação insustentável, uma revo-
lução cívico-militar. Sem sangue!
Os militares, pelo bem da Nação,
atenderam ao apelo angustiante da
sociedade civil.
e "Gorilas"... Mas este propósito persiste ainda
hoje. Alguns procuram fazer crer que o Exérci-
to de hoje é diferente, tem mentalidade diversa
da dos integrantes do Exército do passado. Puro
engodo! Não nos conhecem! Apesar de citarem
especificamente a Força Terrestre como outra
forma de divisão, o que se fala é relativo às três
Forças. Nelas sucedem-se gerações, formadas nos
mesmos tradicionais estabelecimentos de ensino:
as hodiernas, instruídas e orientadas pelas mais
antigas, todas, todas sem exceção - repetimos -
imbuídas dos mesmos princípios que norteiam
nossa existência. E esta é uma das razões pelas
quais, no topo das instituições com maior credi-
bilidade, ocupando o primeiro lugar no pódio, o
povo coloca as Forças Armadas.
Nesta revista, como uma singela home-
nagem aos que nos deram como herança patri-
mônio tão expressivo, apresentaremos, também,
algumas das realizações do período revolucioná-
rio, muitas maldosamente apelidadas de "obras
faraônicas", mas propositadamente obliteradas.
Platão, que há milênios sonhou com
uma "Idade de Ouro", com uma sociedade
onde não haveria cobiça e sim abundância de
recursos, tudo compartilhado - uma utopia
que o comunismo, enganosamente, alardeou
querer implantar e se tornou a maior fanta-
sia do Século XX, escreveu também:
"Podemos perdoar facilmente uma criança que tem medo do escu-ro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz."
10 - Revista do Clube Militar
31 de Março de 1964 A História que não se Apaga nem se Reescreve*
*Ordem do Dia do Ministro do Exército de 31 de março de 1999
O movimento cívico-militar de 31 de março de 1964 interrompeu a marcha da desagregação insti-
tucional, do desmantelamento econômico e da ruptura do tecido social que ameaçava lançar o País no
abismo da guerra civil.
É o que se percebe pelo exame isento e desapaixonado da conjuntura vigente no início da década de 60.
Naquela época, o auge da Guerra Fria produzia nítidos reflexos no Brasil. A crise econômica acirrava con-
flitos sociais e exacerbava radicalismos políticos, criando um clima de permanente instabilidade e inquietante
tensão. A Nação, assustada e indignada com tudo aquilo, foi às ruas. Exigiu um fim às ameaças que colocavam
em risco a sobrevivência das instituições e os valores básicos de nossa nacionalidade.
Diante da gravidade do momento, o Exército Brasileiro não se omitiu.
Cumprindo sua histórica vocação de sintonia com o povo que lhe deu origem - ao qual sempre serviu e
nunca faltou - ajudou a deflagrar a Revolução de 31 de março, que criou as condições para relançar o processo
de desenvolvimento nacional noutras bases, em ambiente de paz e segurança.
Crescimento econômico a altas taxas, e por vários anos seguidos, universalização do ensino público, ex-
pansão quantitativa e qualitativa do sistema de telecomunicações, ampliação do parque industrial e equacio-
namento das necessidades em energia são algumas das realizações do movimento que, ao encerrar seu ciclo,
havia alçado o Brasil ao restrito grupo das dez maiores economias do mundo.
Hoje a democracia está consolidada entre nós.
A Nação desenvolveu mecanismos para impedir que volte a ser refém de impasses semelhantes àqueles do
começo dos anos 60. Pode, agora, mobilizar energias com vistas à remoção de entraves ao fortalecimento sus-
tentável do espaço econômico brasileiro, de modo a que tenhamos um País mais próspero e mais justo para
seus filhos, notadamente os de menor renda, observando, assim, os ideais que nortearam a Revolução de 1964.
Nessa empreitada, sabe que terá a companhia do braço forte e da mão amiga de seu Exército.
A evidência dos fatos demonstra, portanto, que não se aplica a pecha de “quartelada”, “golpe de estado”
ou “usurpação do poder” ao Movimento Cívico-Militar de 31 de Março de 1964.
Deixar de reconhecer que ele surgiu, e se fortaleceu, no seio do povo, em cujo nome foi deflagrado, para
impedir que a Nação fosse levada ao caos, é negar a História - que não se apaga nem se reescreve.
General de Exército Gleuber Vieira
Ministro do Exército
* Mantem a ortografia da época
Edição Especial - 11
Editorial de “O GLOBO”,02 de abril de 1964
... a legalidade não poderia
ser a garantia da subversão, a escora dos agitadores, o anteparo da desordem.
Em nome da legalidade não seria legítimo
admitir o assassínio das instituições,
como se vinha fazendo, diante
da Nação horrorizada.
... os brasileiros
devem agradecer aos bravos militares,
que os protegeram
de seus inimigos...
12 - Revista do Clube Militar
A Guerra Fria, dos Anos 40 aos Anos 60Cesar Augusto Araripe Lacerda *
Eles eram três homens idosos. Um dominava
a União Soviética e já fora aliado de Hitler,
outro estava em seu terceiro mandato à frente
dos Estados Unidos e o último era, desde maio de
1940, primeiro ministro do Império Britânico. Já ti-
nham se encontrado em Teerã em fins de 1943, onde
ficaram evidentes acordos e desacordos sobre a con-
dução da guerra. Formações políticas e origens sociais
à parte, naquele momento de 1945 os três homens
idosos detinham o poder de transformar o mundo.
Ao meio dia de 11 de fevereiro, no palácio
Livadia, em Yalta, na Crimeia, os líderes Stalin,
Roosevelt e Churchill, todos preocupados em guar-
dar a aparência de portadores de soluções vitoriosas
em relação aos demais, assinaram a Declaração So-
bre a Europa Libertada. Este documento prometia
resolver por meios democráticos os problemas en-
frentados pelos países liberados da opressão nazis-
ta, apoiando assim o direito de todos os povos em
escolher a forma de governo sob a qual viveriam.
Churchill, Roosevelt e Stalin
Edição Especial - 13
Sobre aquele momento, os historiadores Berthon e
Potts em "Os Senhores da Guerra", pag. 341, per-
guntaram "o que palavras como democracia e liberdade significavam para um ditador totali-tário em uma ponta da mesa e dois democratas legitimados na outra?" A dúvida já passara pela
cabeça de Adolf Hitler, que a interpretara de ma-
neira muito própria, dizendo a Goebbels, seu Mi-
nistro da Propaganda: "Stalin quer bolchevizar a Europa a qualquer custo, esta é a nossa grande chance, porque se a Inglaterra e os Estados Uni-dos quiserem evitar isto, terão que pedir ajuda à Alemanha" (op. cit. pag. 330). O Führer acertou
na primeira parte, mas errou ao supervalorizar a
contribuição de uma Alemanha que, mesmo abati-
da, ainda respirava, porém com enormes dificulda-
des. O certo é que a Conferência de Yalta, que pre-
tendia ditar as normas sobre como ficaria o mundo
após a vitória final, apesar da pompa e dos sorrisos,
mostrou enormes divergências entre os senhores da
guerra, principalmente no que se referia à Polônia,
ocupada pelo Exército Vermelho, e à Grécia, onde
os britânicos dissolveram com violência as tentati-
vas de tomada do poder por organizações de extre-
ma esquerda. Dois dias após o retorno dos chefes
de estado a seus países, mais de 750 bombardeiros
americanos e britânicos praticamente destruíram
a histórica cidade de Dresden, às margens do rio
Elba, até então considerada de limitado interesse
militar. A trágica alegria por esta ação vitoriosa,
ainda hoje com aspectos pouco esclarecidos, talvez
não tenha permitido que os líderes ocidentais en-
tendessem que Stalin já estava dando as costas para
Yalta, assumindo a Romênia e abandonando os en-
tendimentos sobre a Polônia.
Apenas cinco meses depois, quando aconte-
ceu nova conferência em Potsdam, cidade próxima
a Berlim, o mundo estava mudado: a Alemanha ha-
via sido definitivamente derrotada, Hitler se suici-
dara, Roosevelt falecera após se eleger para o quarto
mandato, Churchill perdera as eleições durante a
conferência e fora substituído por Clement Attlee e
os americanos testaram a primeira bomba atômica
no deserto de Alamogordo, Novo México. Nada
ocorrera, física ou politicamente, com Stalin. As
interrogações sobre como seriam os entendimentos
entre Moscou, Londres e Washington após a subs-
tituição de Roosevelt por Truman e Churchill por
Attlee logo se dissiparam. Enquanto os ingleses per-
maneciam em alerta sobre os perigos dos avanços
de Stalin, o falecido Roosevelt, que aparentava não
entender bem o significado do comunismo soviéti-
co, parecia ter encontrado um perfeito sucessor em
Truman. Puro engano, o tempo mostraria que não
seria exatamente assim. A conferência tratou de te-
mas diversos: da Espanha de Franco à recuperação
da Itália, das reparações de guerra às fronteiras en-
tre Polônia e Alemanha, da participação soviética
– que não aconteceu -- na guerra do Pacífico que
ainda não terminara e, até mesmo, da criação da
ONU. Houve consenso sobre poucos assuntos, al-
guns já tratados em Yalta e até colocados em práti-
ca, entre eles a desnazificação e a desmilitarização
da Alemanha. É importante não se imaginar que,
em qualquer instante, tenha havido entre os líderes
uma discussão de benesses em relação aos temas
tratados. Nações não têm sentimentos, mas interes-
ses políticos, ideológicos, econômicos e militares e
os defendem através do poder que exibem. Assim,
ficou absolutamente claro que o mundo estava ago-
ra dividido, parte sob a influência soviética, parte
ao abrigo da Inglaterra e dos Estados Unidos, com
predominância deste último.
Apenas os métodos utilizados diferenciavam
as duas potências. Enquanto Moscou entendia que
para manter a liderança precisava cerrar as fron-
14 - Revista do Clube Militar
centenas de milhares para os campos de extermí-nio. Não encontrou dificuldades, os membros do partido nazista local, o Cruz das Flechas, faziam o serviço sujo com imenso prazer. Ao ser libertado pelos soviéticos, depois de intensos combates, o povo húngaro viu rapidamente seu desejo de liber-dade se volatilizar ao perceber que mudara somen-te o opressor e, em lugar da suástica, estava agora sob o domínio da foice e do martelo. Adversários do regime foram encarcerados ou executados, a igreja sofreu cruel perseguição, as escolas foram fechadas, a propriedade privada foi extinta, os camponeses estavam agora obrigados a se filiarem a cooperativas. O regime era tão tirano que até os monumentos da linda Budapest permaneciam sem iluminação à noite para que sobressaísse a enorme e, evidentemente iluminada, estrela vermelha co-locada sobre o Parlamento. Em outubro de 1956, explodiu uma revolução, esmagada pelo Exército Vermelho em dez dias, tendo sido executadas as principais lideranças, entre elas Imre Nagy, pri-meiro ministro do governo provisório. A partir de outubro de 1989, quando da proclamação da re-pública, os dirigentes húngaros, considerando as atrocidades comunistas muito semelhantes às bar-baridades nazistas, entenderam que deveriam reu-nir as tristes lembranças de ambas em um só mu-seu, muito propriamente chamado Casa do Terror.
teiras e colocar as botas sobre os seus domínios,
Washington optava por uma política de ajuda e
recuperação, que, evidentemente, criava laços de
dependência. De qualquer lado, nenhuma amabilida-
de. Sobre a Europa, como disse Churchill em 1946,
"de Stettin, no Báltico, a Trieste, no Adriático, uma cortina de ferro desceu sobre o continente”. O
mundo viveria, a partir de então e por mais de 40
anos, as tensões extremas daquilo que ficou conhe-
cido como Guerra Fria, ou seja, uma hostilidade
declarada e permanente, caracterizada pelo aumen-
to do poderio bélico, ameaças incisivas de parte a
parte, dominação de países satélites ou simpatizan-
tes, sem que, felizmente, os supremos comandantes
dos dois lados se enfrentassem diretamente no que
poderia ter sido a última guerra da humanidade.
Livres da imposição de serem aliados, já
que o nazismo, inimigo comum, estava vencido,
Moscou comunista e Washington capitalista cui-
daram de ampliar sua influência sobre o maior
número possível de países. Os soviéticos estende-
ram seu círculo de autoridade sobre o leste euro-
peu, apoiando a subida ao poder de dirigentes
comunistas na Polônia, Romênia, Iugoslávia,
Tchecoslováquia, Hungria, Bulgária e Albânia.
No oriente, os comunistas assumiram a Coreia
do Norte e, depois de longa guerra e sob a lide-
rança de Mao Tse Tung, a China continental.
Aqueles países, empobrecidos pelo conflito, continuaram tão ou ainda mais pobres depois do domínio comunista. Perderam, principalmen-te, a liberdade que tinham ou julgavam ter. A Hungria é um exemplo, entre tantos que poderiam ser citados. Alinhada ao nazismo desde 1941, em 1944,tentou se aproximar dos aliados, não tendo sido acolhida como pretendia. Hitler, como casti-go, mandou invadi-la e tratou com extrema cruel-dade seu povo, em particular os judeus, enviando
1956: Levante do povo húngaro contra o domínio soviético.
Edição Especial - 15
ponte aérea que transportou dois milhões de tone-
ladas de suprimentos durante quinze meses, tendo
realizado mais de 278.000 voos. A ponte aumentou
ainda mais o desequilíbrio com a Berlim Oriental,
faminta e despreparada para os rigores do inver-
no. As diferenças só fizeram precipitar os desejos
de fuga, de qualquer maneira e a qualquer preço,
o que, traduzido em números, significou 1/6 da
população da Alemanha sob o domínio soviético.
A solução extrema encontrada pela Repú-
blica Democrática Alemã para separar todos os
seus habitantes do enclave formado pela popula-
ção berlinense de oeste, foi iniciar a construção,
sem acordos nem avisos, em agosto de 1961, de
um muro com mais de 100 km de extensão que
contornava toda Berlim Ocidental, com centenas
de torres de observação, redes metálicas eletrifica-
Em resposta à bolchevização que avançava
velozmente, os Estados Unidos adotaram a chama-
da Doutrina Truman, que consistia em grande co-
laboração financeira para reconstruir os países que
desejava manter dependentes em sua esfera de influ-
ência. Em decorrência, o Plano Marshall, lançado
em 1947, derramou sobre 15 países europeus mais
de 13 bilhões de dólares em valores da época. Com
o tempo, a recuperação econômica destes países ca-
pitalistas aprofundou o fosso que os separava dos
países comunistas ou comunizados. As diferenças
de padrão de vida entre os dois lados eram tão evi-
dentes, que Moscou logo tomou medidas, apelando
para a violência, para evitar as numerosas fugas que
se sucediam a partir do leste europeu.
O caso da Alemanha merece especial atenção:
o País e Berlim, sua principal cidade, foram divi-
didos em quatro zonas (norte-americana, soviética,
britânica e francesa), porém Berlim ficou situada
integralmente na zona soviética, o que, por si só,
implicava em dificuldades geográficas de acesso.
A cidade transformou-se em modelo para exibir,
por comparação, o total desequilíbrio entre o pro-
gresso das zonas ocidentais e a miséria reinante na
zona oriental, fruto da intenção de Stalin de drenar
toda riqueza da parte alemã sob seu domínio para
compensar as perdas na guerra. Em 1948, as zo-
nas ocidentais foram integradas no que se chamou
República Federal da Alemanha, com a capital em
Bonn. Buscava-se, assim, unidade política, militar e
econômica, esta bem caracterizada pela adoção do
Deutsche Mark, a nova moeda alemã ocidental. Em
resposta, os soviéticos, na agora chamada Repúbli-
ca Democrática Alemã, temerosos do aumento do
poderio de seus adversários, fecharam todas as li-
gações ferroviárias, rodoviárias e por canais nave-
gáveis a Berlim. Para abastecer o lado ocidental da
cidade, os aliados foram obrigados a criar uma
Muro de Berlim: a ideologia separando famílias.
16 - Revista do Clube Militar
das, vigiado por soldados armados e ferozes cães de
guarda. A crise gerada por esta inesperada atitude
foi tão intensa que, no dia 27 de outubro, no cha-
mado Checkpoint Charlie, blindados soviéticos e
norte-americanos chegaram a ficar frente a frente
e a curtíssima distância. Felizmente ninguém aper-
tou o gatilho. As fugas foram reduzidas, mas, mes-
mo assim, muitos perderam a vida ou a liberdade
na tentativa de atravessar para o lado ocidental. O
muro de Berlim só foi derrubado em 1989, após o
esfacelamento da União Soviética.
Durante todo este tempo as tensões aumen-
taram muito, já que os dois lados viam-se frágeis
perante o inimigo. Essa percepção levou os ociden-
tais a criarem, em 1949, a OTAN - Organização do
Tratado do Atlântico Norte, aliança militar volun-
tária de doze países que considerava o ataque a um
deles, como um ataque ao grupo. A União Soviética
e seus satélites comunistas do leste europeu respon-
deram em 1955, imediatamente após a admissão da
Alemanha Ocidental na OTAN, criando o Pacto de
Varsóvia, também um acordo militar de defesa mú-
tua que, no entanto, não dependia do fato de seus
integrantes concordarem ou não com os princípios
estabelecidos por Moscou. É importante observar
que, enquanto os membros da OTAN conseguiam
se entender dentro de limites aceitáveis, os partici-
pantes do Pacto de Varsóvia alimentavam discor-
dâncias radicais contra o dominador soviético. As-
sim, explodiram sucessivas revoltas, sendo a primeira
na Iugoslávia que, apesar de comunista, recusava-se
a ser um satélite de Moscou. Seguiram-se levantes
na Polônia, na Hungria, na Tchecoslováquia e, em
ponto menor, na Bulgária e na Albânia. Todas fo-
ram reprimidas com extrema violência e, ironica-
mente, em alguns casos, foram utilizadas tropas do
Pacto de Varsóvia que só deveriam ser empregadas
contra inimigo externo.
Como fruto daquela beligerância latente e, às
vezes, aguda, a corrida armamentista foi se acele-
rando e cada passo dado por um lado correspondia
a outro ainda maior dado pelo oponente. Quando
os russos anunciaram a fabricação de sua primeira
bomba atômica, os norte-americanos responderam,
em 1952, com a bomba de hidrogênio, mas, no ano
seguinte, os russos já a possuíam. Em 1957, os so-
viéticos mostraram ao mundo um míssil balístico
intercontinental que, lançado de seu território, po-
deria atingir os Estados Unidos. Em pouco tempo
os americanos construíram arma semelhante. Os
russos colocaram em órbita o satélite Sputnik, me-
ses depois os norte-americanos responderam com o
Explorer I. Um novo fenômeno somava-se agora à
corrida armamentista, a chamada corrida espacial.
A possibilidade de seu uso para fins militares tor-
nava a humanidade ainda mais tensa.
Enquanto estes fatos ocorriam no ocidente,
o oriente era sacudido por guerras locais que aca-
baram envolvendo, em alguns casos, países muito
distantes das zonas em conflito. Entre 1950 e 1953,
um desentendimento ideológico colocou frente
Edição Especial - 17
a frente a Coreia do Norte e a Coreia do Sul. A
península fora ocupada desde o início do século
pelo Japão, que a considerava como uma simples
colônia. Em Yalta e Potsdam, ficara acordado que,
terminado o conflito do Pacífico, o país seria li-
vre. No entanto, concluída a luta, americanos e
soviéticos decidiram repartir o território em dois,
utilizando-se como fronteira o paralelo 38oN para
facilitar a rendição e retirada dos japoneses. Para
a recém-fundada ONU, a divisão deveria ser tem-
porária e, no mais breve tempo possível, eleições
livres permitiriam a reunificação. Isto jamais acon-
teceu, o norte entrou para a órbita da China e da
União Soviética e o sul permaneceu sob influência
norte-americana. Em outras palavras, o que poderia
ter sido simples solução local transformou-se em
mais um multiplicador da Guerra Fria. Em junho
de 1950, sem qualquer aviso, tropas da Coreia do
Norte invadiram a Coreia do Sul, dando início a
um conflito que duraria três anos, com forte envol-
vimento dos Estados Unidos e 14 países aliados,
da Rússia e da China. Ao final, as Coreias estavam
destruídas, milhões haviam morrido ou estavam
desabrigados. O território e a nação permaneceram
divididos. É importante ressaltar a rápida recupe-
ração do sul, sob regime capitalista e democrático,
em contraste com o atraso do norte, submetido ao
regime comunista, no qual os dirigentes se sucedem
seguindo unicamente o princípio da hereditarieda-
de. Até esta segunda década do Século XXI, a Guer-
ra da Coreia não terminou oficialmente.
De 1960 a 1975, eclodiu uma nova guerra
na qual se enfrentaram, de um lado o Vietnã do
Norte, comunista, aliado ao Vietcong, facção de
comunistas sul-vietnamitas, e, do outro, o Vietnã
do Sul, aliado dos Estados Unidos. É importante
lembrar que a região já sofrera os malefícios da cha-
mada guerra da Indochina, que compreendia os
atuais Camboja, Vietnã e Laos, ocorrida entre 1946
e 1954, opondo o Vietminh, movimento de liber-
tação do Vietnã, e a França, potência colonizadora
que terminou derrotada. Os americanos entendiam
os dois conflitos como sendo um só fenômeno, por
não terem percebido que o embate inicial era uma
guerra de libertação. Cegava-os o apoio da União
Soviética ao Vietminh. Segundo Demetrio Magnoli,
em "História das Guerras", pag. 391, "na guerra da Indochina, o que estava em jogo era o direito do povo à soberania nacional [...] Na guerra do Viet-nã estavam em jogo a unidade do estado vietnami-ta e a natureza do seu regime político e econômico. Do ponto de vista dos Estados Unidos, jogava-se nada menos que o futuro geopolítico da Ásia e a configuração geral da esfera de influência sovi-
18 - Revista do Clube Militar
ética no continente”. A batalha entre forças norte-
americanas, numerosas e tecnologicamente bem
equipadas, contra um inimigo dotado de meios
limitados, mas profundo conhecedor do terreno,
tornou-se exemplo clássico de guerra assimétrica.
Os Estados Unidos perderam a guerra, prin-
cipalmente para sua própria opinião pública, que
se opunha ferozmente à morte de seus filhos nas
selvas de um país periférico e, até então, desconhe-
cido. A televisão destacou-se como a arma mais
poderosa da guerra. Pela primeira vez na história,
eram exibidos ao vivo para os lares norte-america-
nos os combates nas aldeias, nas cidades, nas flo-
restas úmidas e até o massacre de civis muitas vezes
inocentes. Tudo prenunciava a chegada dos tris-
temente famosos sacos pretos guardando os restos
mortais da juventude, que perdia a vida a milhares
de quilômetros de suas casas. No Cemitério Nacio-
nal de Arlington, uma tropa prestava honras fúne-
bres todos os dias, sem descanso. A guerra extrapo-
lara o limite de resistência e tolerância das famílias
norte-americanas. A conquista de Saigon, capital
do sul, pelas forças de Hanói, capital do norte,
não trouxe a almejada paz à região. Os comunistas
haviam tomado o poder no Laos e no Camboja,
onde o regime assassino de Pol Pot já matara mais
de 2 milhões de pessoas. Os combates passaram a
ocorrer entre o Vietnã unificado, desejoso de tra-
zer o Camboja para sua órbita, e os chineses que
lutavam para manter Pol Pot no poder. A China e
a União Soviética sustentavam essa guerra e, mais
uma vez, o Vietnã venceu.
Os ventos da Guerra Fria também sopraram
sobre o Caribe. Para entender o fenômeno é pre-
ciso voltar a 1899. No primeiro dia daquele ano,
enquanto os espanhóis eram expulsos e deixavam
Cuba, fuzileiros navais norte-americanos faziam o
caminho contrário e lá permaneceram enquanto
se incluía na constituição do novo estado a Emen-
da Platt, que autorizava os Estados Unidos a in-
tervirem no País sempre que interesses recíprocos
fossem ameaçados. Não será exagero afirmar que a
expressão interesses recíprocos era um sinônimo,
tão somente, de interesses americanos. Em termos
práticos, Cuba transformara-se em um protetorado.
A substituição de espanhóis por norte-americanos,
apesar das limitações à soberania cubana, trouxe
benefícios para a população, como melhoria nos
sistemas de saúde e educação, abertura de fábricas
e incentivo ao turismo. Não se pode esquecer que,
por outro lado, o aumento de turistas sem as neces-
sárias limitações legais, contribuiu para disseminar
inúmeras mazelas, sendo a mais evidente o aumen-
to da prostituição.
Em 1933, ascendeu à presidência Fulgêncio
Batista que, direta ou indiretamente, comandou o
destino dos cubanos por quase 26 anos. Sob Fulgên-
cio, mais de 100.000 estrangeiros migraram para a
ilha. Cuba era então próspera, mas não estava livre
da onipresença norte-americana, dos desmandos de
Batista e de flagrantes diferenças sociais.
Em 1959, também no primeiro dia do ano,
após longo período de combates fratricidas, Cuba
foi tomada por guerrilheiros rebeldes sob o co-
mando de Fidel Castro. De início considerado um
líder social democrata, logo declarou-se comunis-
ta alinhado com a União Soviética. Os aplausos
Fidel Castro e Nikita Kruschev
Edição Especial - 19
que haviam saudado a queda da ditadura corrupta
de Fulgêncio Batista foram diminuindo à medida
que Castro e seu braço direito, o argentino Ernes-
to “Che” Guevara, usaram de extrema ferocidade
contra seus opositores ou simples suspeitos de se-
rem opositores. As expressões "paredon" - lugar
onde os contrários ao regime eram fuzilados - e
"balseros" - aqueles que fugiam para a Flórida em
qualquer coisa que flutuasse - passaram a ser co-
nhecidas em uma infinidade de idiomas. Cerca de
125.000 cubanos usaram o porto de Mariel, por
sua proximidade com o litoral norte americano.
O governo, incapaz de impedir a fuga dos chama-
dos "marielitos", considerou-os "indeseables" e
"un peligro para la sociedad". Foi pouco, Cas-
tro não conseguiu nem mesmo evitar que o local
passasse à história como símbolo do chamado
Êxodo de Mariel. O economista Armando Lago,
consultor do Stanford Research Institute, calcula
que, entre 1959 e 2004, as vítimas da ditadura cas-
trista excederam a 100.000, aí incluídos cerca de
78.000 mortos ou desaparecidos em tentativas de
fuga do país.
A revolução de Fidel implementou mudanças
radicais, pela súbita troca do capitalismo pelo co-
munismo e consequente substituição dos interesses
dos Estados Unidos pela proteção da União Sovi-
ética em pleno coração da América, esquecendo os
acordos de Potsdam que haviam definido zonas de
influência para as duas potências. Castro, que exer-
ceria o poder absoluto por quase 50 anos, eliminou
os partidos políticos mantendo apenas o Partido
Comunista Cubano e restringiu as liberdades da
imprensa e da igreja, seguindo a receita aplicada
Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/files/2010/04/cuba-41.png
Fuzilamento, a “justiça”sumária da revolução cubana."
20 - Revista do Clube Militar
no leste europeu. Cuba tornou-se um país caren-
te, dependente de auxílio externo para a própria
subsistência, com a população submetida a racio-
namento contínuo desde gêneros alimentícios até
produtos básicos de higiene. A vitrine do comunis-
mo na América revelou, então, seu lado mais cruel,
o equilíbrio da pobreza.
Tentativas de tomada do poder por cubanos
exilados, apoiados pelos Estados Unidos, resulta-
ram em vergonhosos fracassos e, obviamente, can-
celaram quaisquer possibilidades de entendimento.
Por seu turno, cercados por bases americanas na
Europa e na Ásia, os soviéticos viram em Cuba uma
oportunidade de ameaçar diretamente o território
dos Estados Unidos, distante apenas 150 km da
ilha. Em 1962, o primeiro ministro Nikita Krus-
chev acordou com Castro a instalação em Cuba
de equipamentos militares defensivos e ofensivos,
alguns com ogivas nucleares. Segundo o historia-
dor Tony Judt, em "Reflexões Sobre um Século Es-
quecido", pag. 349, "em sua versão final incluiria cerca de 50 mil militares soviéticos, organizados em cinco regimentos de mísseis nucleares, qua-tro regimentos motorizados, dois batalhões de tanques, uma esquadrilha de caças Mig-21, 42 bombardeios leve IL-28, dois regimentos de mís-seis cruises, 12 unidades antiaéreas SA-2 com 144 lançadores e uma esquadra com 11 submarinos, sete deles equipados com mísseis nucleares." Em
resumo, à época um poderio defensivo e, principal-
mente, ofensivo superior à soma de todas as forças
armadas latino-americanas. As obras das instalações
foram descobertas e fotografadas por aviões norte
americanos, o que levou o Presidente John Kennedy
a fazer um cerco naval e aéreo à ilha, exigindo a reti-
rada dos artefatos. Intensas e nervosas negociações,
entremeadas por ameaças radicais de parte a parte,
colocaram o mundo, durante 13 dias de outubro, à
beira de uma guerra nuclear. A atenção de todos os
países estava centrada na aproximação de uma frota
soviética e o consequente ultimatum dado pelo go-
verno americano. Felizmente, na penúltima hora,
as embarcações manobraram para retornar e os
quase beligerantes chegaram a um acordo, que con-
templava a desistência americana de invadir a ilha
e a remoção dos mísseis que mantinha na Turquia,
em troca da retirada dos armamentos soviéticos de
Cuba. O mundo respirou aliviado.
Ignorado ao longo de toda a crise, Castro,
muito mais radical que seus protetores, sentindo-se
desprestigiado, decidiu voltar seus esforços para in-
ternacionalizar a revolução, rumo que visualizava
há muito tempo. Com dinheiro cubano e soviéti-
co, passou a financiar guerrilhas, assessoramento
político-ideológico e, principalmente, treinamento
militar para movimentos revolucionários na Ásia,
África e América Latina. Para tal, era bastante que
seus integrantes demonstrassem a intenção de der-
rubar governos simpáticos aos Estados Unidos. Por
mais de 30 anos, milhares de cubanos e recursos
financeiros tão necessários à população da ilha, fo-
ram dedicados a intervenções em países como Gui-
né Bissau, Cabo Verde, Congo, Argélia, Namíbia,
Angola, Moçambique, Honduras, Panamá, Bolívia,
Nicarágua, El Salvador e outros. Che Guevara, um
dos líderes daquelas intervenções, mais voltado
para a América Latina que tanto conhecia, foi mor-
to na Bolívia pelo exército daquele país.
A interpretação dos fatos que envolveram o
mundo, desde os anos 40 até os 60, depende fun-
damentalmente do conhecimento das relações in-
ternacionais características daquela época e não da
forma como são vistas nos dias atuais. Dizia o his-
toriador francês Lucien Febvre que "a História é filha do seu tempo", ou seja, o fato histórico deve
ser interpretado à luz da época em que ocorreu e,
Edição Especial - 21
pode-se acrescentar, sem interferência da colora-
ção ideológica de quem o faz. É difícil acreditar
que radicais consigam tal isenção, mas, indepen-
dentemente do lado em que estiverem, é certo que
os estudiosos chegaram ao consenso de que aquele
período foi um dos mais conturbados da história
do mundo e que nenhum, antes ou depois, esteve
tão perto do total desmoronamento da civilização.
Einstein disse certa vez que "se a terceira guerra mundial utilizar artefatos nucleares, a quarta será uma luta com paus e pedras". Mesmo sim-
bolicamente não exagerava, considerando-se que
sobreviveria gente suficiente para atirar os paus e
as pedras. Para a América Latina como um todo e
para o Brasil em particular, a crise dos mísseis de
1962 e a internacionalização da revolução cubana
foram acontecimentos muito próximos e muito
importantes. Ninguém dotado de um mínimo de
bom senso, poderia acreditar que naquele mundo
vivendo sob permanente e elevadíssima tensão, as
divergências ideológicas extremadas e os milhares
de mortos nos campos de batalha chegassem às
nossas fronteiras apenas como fatos esmaecidos
pela distância e pelo espaço temporal. Nos anos
60 e, em especial, em 1964, o Brasil temia por
convulsões internas, influências externas e, conse-
quentemente, seu envolvimento em acontecimen-
tos que já se anunciavam como trágicos. O perigo
estava muito perto.
Por coincidência, foi nesse mesmo ano de
1964 que Ernesto Che Guevara, em discurso na
ONU, declarou: “Fuzilamentos? Sim, temos fuzilado. Fuzilamos e seguiremos fazendo isto enquanto for necessário. Nossa luta é uma luta até a morte”. * O autor é Coronel de Artilharia e integrante do
Conselho Editorial da Revista do Clube Militar
"Nossa luta é uma luta até a morte”.
Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/files/2010/04/cuba-cinco.png
22 - Revista do Clube Militar
O Tentame Comunista de 1961 – 1964Antecedentes da Revolução Democrática de 1964
A História não se repete. Conhecê-la, porém, permite entender o que aconteceu no passado e perceber o que acontece no presente.
Sergio A. de A. Coutinho *
Para bem se compreender a Revolução De-
mocrática de 1964 é necessário que antes se
saiba que ela foi, no seu primeiro momento
(1964-1967), uma contrarrevolução restauradora.
A causa fundamental do movimento, cujo
imediato efeito foi a deposição do Presidente João
Goulart, não estava apenas na desordem política,
econômica e social que a inépcia e os projetos
golpistas do primeiro mandatário produziram,
levando a Nação à intranquilidade e ao temor.
Havia também algo mais perturbador e ameaça-
dor - a revolução comunista - ressurgente, velada,
mas pressentida no tumulto dos acontecimentos.
A segunda tentativa concreta de tomada do poder
que os comunistas faziam no Brasil.
O Partido Comunista Brasileiro (PCB) – o
partidão de Luiz Carlos Prestes – aceitou a estraté-
gia da via pacífica para a tomada do poder, reco-
mendada por Moscou depois do famoso XX Con-
gresso convocado por Kruschev em 1956. A via
pacífica consistia, e ainda consiste, em conduzir a
revolução em duas etapas. A primeira, conquistar
o governo pela via eleitoral legítima: a revolução
nacional-democrática, como é denominada pelos
teóricos comunistas. Estabelecido o governo po-
pular, o segundo passo – a Revolução Socialista – é
acumular forças, isto é, preparar o golpe-de-estado
para a tomada do poder pleno e implantar a dita-
dura do proletariado. O Partido Comunista Brasi-
leiro, assim, abandonara a estratégia do assalto ao
poder que empregara na Intentona de 1935.
Antecedentes
Em outubro de 1960, Jânio Quadros, can-
didato pela União Democrática Nacional – UDN
– se elegeu Presidente da República com expressi-
va votação. João Goulart, do Partido Trabalhista
Brasileiro – PTB – foi também eleito como Vice-
Presidente, em candidatura desvinculada e em
oposição à chapa de Jânio, paradoxo permitido
pela Constituição de 1946. Para garantir esta vitó-
ria, aceitou acordo político eleitoral com o Parti-
do Comunista Brasileiro que, na ilegalidade, não
podia ter candidato próprio.
Jânio Quadros tomou posse em 31 de janei-
ro de 1961, porém, durou pouco o seu governo.
Inesperadamente, sem explicações razoáveis à épo-
ca (25 de agosto de 1961), Jânio Quadros renun-
ciou, criando uma grave crise político-institucio-
nal. O sucessor legal do Presidente renunciante era
o Vice-Presidente Goulart, naquele momento fora
do País, em visita oficial à China Popular.
Conhecedores dos projetos revolucionários
Edição Especial - 23
do Partido Comunista Brasileiro, das posturas
populistas de esquerda do Vice-Presidente, das li-
gações político-eleitorais e de simpatia deste para
com os comunistas, os Ministros da Marinha, da
Guerra e da Aeronáutica manifestaram a inconve-
niência da posse do Sr. João Goulart.
Em manifesto conjunto à Nação, assim de-
clararam os ministros:
“No cumprimento do seu dever constitucio-
nal de responsáveis pela manutenção da ordem, da
lei e das próprias instituições democráticas, as For-
ças Armadas do Brasil, através da palavra autoriza-
da dos seus ministros manifestaram (...) a absoluta
inconveniência, na atual situação, do regresso ao
país do Vice-Presidente, o Sr. João Goulart”.
A grave advertência dos Ministros gerou
imediata reação dos comunistas e das esquerdas
nacionalistas e populistas, sob a liderança de Le-
onel Brizola, governador do Rio Grande do Sul e
cunhado do Vice-Presidente, com o apoio e a par-
ticipação do Comando e parte da tropa do então
III Exército, levando a Nação a uma perigosa crise
política e à quebra da unidade do Exército e das
Forças Armadas.
A aludida defesa da legalidade, na realidade,
era a defesa de um projeto revolucionário que ti-
nha exatamente o propósito de destruir a ordem
constitucional. Naquele perigoso momento, os go-
vernadores estaduais se reuniram no Rio de Janei-
ro e propuseram uma solução de compromisso – a
instituição do parlamentarismo (Ato Adicional de
03 setembro de 1961). João Goulart pôde assim
chegar à Presidência da República, em um acordo
aceito pelos Ministros militares, na iminência de
uma guerra civil.
As Manobras Golpistas da
Esquerda Populista
Na onda esquerdista, animada com a cam-
panha pela legalidade e pela posse de João Gou-
lart, despontaram três lideranças de esquerda que
não estavam vinculadas às organizações comunis-
tas, embora com elas mantivessem as mais conve-
nientes ligações.
O primeiro movimento, de natureza nacio-
nalista-populista, foi criado por Leonel Brizola,
quando ainda governador do Rio Grande do Sul.
Continha vagos conceitos socialistas e sua bandei-
ra nacionalista era de caráter meramente anti-im-
perialista e de oposição ao processo de espoliação
do capital estrangeiro e das multinacionais
no Brasil. O Presidente Goulart tinha se-
melhante posição, rivalizando-se com o
seu cunhado.
O segundo movimento de esquerda
foi de Miguel Arraes, então Governador de Per-
nambuco. Era uma liderança local que se preo-
cupava em se manter em evidência para garantir
condições de uma candidatura à Presidência da
República nas eleições de 1965, pelo mesmo parti-
do do Presidente (que Presidente? – parece referir-
se ao Presidente de então, Goulart ) e de Brizola.
O terceiro movimento foi o das Ligas
Camponesas. Fundadas em Pernambuco, nos
anos 50, visava à mobilização dos trabalhadores
rurais em defesa da reforma agrária e da exten-
são dos direitos trabalhistas ao campo. Seu líder
era Francisco Julião.
Os cubanos viram nas Ligas Camponesas a
possibilidade de implantar a guerrilha no Brasil.
24 - Revista do Clube Militar
O esquema guerrilheiro das Ligas durou cerca de
um ano. Em 1962, na área em que estava sendo
implantado em Dianópolis/Go, foi desbaratado
por tropas federais, por determinação do próprio
Governo Goulart, que tinha posição coincidente
com a do PCB, que se opunha à via campesina do
movimento.
Em resumo, desde a renúncia de Jânio Qua-
dros, em 25 de agosto de 1961, até a eclosão do
movimento cívico-militar de 31 de março de 1964,
estavam em andamento dois projetos contra a de-
mocracia brasileira: um golpe nacionalista-popu-
lista e uma revolução comunista. O primeiro, lide-
rado pelo próprio Presidente e pelo seu cunhado,
ex-governador do Rio Grande do Sul. O segundo,
conduzido pelo Partido Comunista e seu secretá-
rio Luiz Carlos Prestes. Em torno destes projetos,
toda a esquerda restante agitava, apostando na ten-
dência que melhor coincidisse com os seus pontos
de vista e objetivos.
No movimento nacionalista-populista, tan-
to o Presidente da República quanto o ex-gover-
nador do Rio Grande do Sul “queriam o poder
para si; cada qual a seu modo procurou utilizar o
movimento (...)”. O Presidente tentou o seu proje-
to antes de se comprometer mais a fundo com os
comunistas. Propôs o estado de sítio, a pretexto
de uma suposta radicalização da direita, porém
sofreu oposição de todos os setores, inclusive da
própria esquerda que também se sentiu ameaçada.
A medida não foi aprovada.
Por sua vez, Leonel Brizola exigiu o Mi-
nistério da Fazenda para si, posição que lhe
garantia condições para realizar o seu projeto
pessoal de conquistar o poder. Também neste
episódio, a oposição foi tão grande que o Pre-
sidente não teve condições de nomeá-lo. Este
fracasso levou Brizola a nova postura, agora
nitidamente insurrecional. Para ele, a concre-
tização das reformas só seria “possível, com a
tomada do poder pelas armas, e com apoio do
povo” O aliciamento de militares (oficiais na-
cionalistas, sargentos e marinheiros) seria na
direção da articulação de um golpe nacionalis-
ta; e muitos se deixaram seduzir pelo discurso
do ex-governador.
Em 1963, foram criados os chamados
Grupos dos Onze, que seriam as bases de massa
e o braço armado de um futuro partido revolu-
cionário, cujo objetivo seria a implantação de
um governo nacionalista popular, conhecido
como República Sindicalista.
Elementos de estrita confiança do coman-
do nacionalista “ajudariam os sargentos a to-
marem os quartéis e a preservarem a legalidade.
Cada sargento comandaria três grupos dos onze”
(Denis de Moraes, A Esquerda e o Golpe de 64).
As reformas de base eram a grande bandei-
ra do movimento nacionalista-populista tanto
como instrumento de mudanças institucionais,
como de conquista do poder. As reformas eram
mal explicadas, nunca se revelando exatamen-
te o que seriam. Eram citadas: a reforma agrá-
ria, a reforma urbana, a reforma educacional,
a reforma tributária, a reforma administrativa,
a reforma eleitoral, a reforma universitária, a
reforma bancária, a reforma nas relações com
as empresas estrangeiras. Serviam para tudo, até
para justificar um golpe popular.
Edição Especial - 25
A Manobra Revolucionária Comunista
O Partido Comunista Brasileiro, por sua vez,
tinha uma concepção consistente para a tomada do
poder. Seu primeiro objetivo seria a conquista do
governo pela via pacífica para implantar transitoria-
mente um governo popular-democrático. As circuns-
tâncias favoreciam a tentativa de realizar esta meta
pelo domínio do governo, antecipando a alternati-
va da via eleitoral já que estava na ilegalidade. Para
tanto, teria que aprofundar os compromissos com
o Presidente Goulart e fazê-lo parte do empreendi-
mento. Por esta razão, apoiou decisivamente a sua
posse quando contestada pelos ministros militares e
a campanha do NÃO no plebiscito que repudiaria
o parlamentarismo, apenas seis meses depois de im-
plantado, restabelecendo o presidencialismo e resti-
tuindo os plenos poderes ao Presidente.
Na própria narrativa do Secretário-Geral do
PCB, Luiz Carlos Prestes, a manobra do partido
seria a seguinte:
“Um poderoso movimento de massas sus-
tentado pelo poder central e tendo em seu nú-
cleo um dos partidos – (PCB) – mais sólidos
do continente, instalado no seio do aparato
estatal (...) Um exército penetrado dos pés à
cabeça por um forte movimento democrático
e nacionalista (...) A tomada do estado burguês
do seu interior para fora”. “Finalmente, uma
vez a cavaleiro do aparelho do estado, conver-
ter rapidamente, a exemplo da Cuba de Fidel
ou do Egito de Nasser, a revolução nacional
e democrática em socialista” (Apontamentos do
líder comunista, citados por Luiz Mir, op cit).
Para alcançar este objetivo, os comunistas se
infiltraram no Governo e nas Forças Armadas, a
partir de onde tomariam, por dentro, o poder.
As reformas de base também eram bandeira
do PCB, porém vistas por uma ótica revolucionária
e não meramente populista. Concepção do Secre-
tário-Geral do Partido em seus aponta-
mentos e entrevistas:
“A luta pelas Reformas de Base
constitui um meio para acelerar a acu-
mulação de forças e aproximar os obje-
tivos revolucionários”.
“Não lutamos (ainda) por uma
revolução socialista. Lutamos por um governo revo-
lucionário anti-imperialista que, dentro do regime
democrático, dê início às reformas indispensáveis ao
país. Essas reformas sendo cada vez mais profundas,
provocando elas próprias a abertura do caminho
para a socialização” (citado por Luiz Mir, op cit).
As reformas de base, como ideologia inter-
mediária, simulavam o jogo democrático e assim
mascaravam as verdadeiras intenções do Partido.
O Presidente da República tentou fortalecer
sua posição com alguns expedientes políticos. Ini-
cialmente, em conluio com o seu cunhado. Todas
as iniciativas, porém, fracassaram, rejeitadas até
pelas esquerdas.
26 - Revista do Clube Militar
O Presidente não teve outra alternati-
va: negociou com o PCB. Ele “apresentaria
a plataforma de um governo nacional e de-
mocrático, anti-imperialista e reformista”; o
Partido “lançaria oficialmente a candidatura
(do Presidente) à eleição de 1965”. O líder
comunista “pregava publicamente a conti-
nuidade do Presidente, com golpe” (Luiz
Mir, op cit). O continuísmo permitiria o
prosseguimento do trabalho de domínio do
governo em curso e a consolidação das posi-
ções já alcançadas pelo Partido.
Agitação e Propaganda
No período de 1961 a 1964, todas as organi-
zações de esquerda desenvolveram intenso trabalho
de agitação, com início nos episódios da campanha
pela posse do vice-Presidente (1961) e na campa-
nha para restabelecer o sistema presidencialista, por
meio do plebiscito previsto no Ato Adicional que
implantou o parlamentarismo (1962).
As grandes bandeiras levantadas foram o na-
cionalismo, o anti-imperialismo, as reformas de
base e um alegado golpismo da direita.
No Movimento Sindical, sobressaiu-se o
Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), enca-
brestado ao governo e ao seu partido, mas sob
controle efetivo do PCB. O movimento desenca-
deou uma intensa onda de greves políticas, a pre-
texto de reivindicações trabalhistas, O grevismo
descontrolado com a conivência oficial assustou e
intimidou a sociedade nacional.
O clímax da agitação e propaganda se deu
no Comício pelas Reformas, realizado em frente
da estação da Central do Brasil, em 13 de março
de 1964, no Rio de Janeiro. Com artifícios esper-
tos para reunir os trabalhadores, os organizado-
res concentraram uma multidão de cerca de 100
mil pessoas. Com a presença do Presidente da
República e sua esposa, de ministros de estado e
dos principais líderes nacionalistas, populistas e
comunistas, os sucessivos oradores radicalizaram
(suas posições), com suas propostas para forma-
ção imediata de um governo verdadeiramente
popular e de mudanças na Constituição que via-
bilizassem as reformas de base.
A Ruptura da Disciplina nas Forças Armadas
O Governo, por influência e sugestão dos po-
pulistas e comunistas, montou o que se denominou
Esquema Militar para sua sustentação e para ga-
rantia contra os militares golpistas e reacionários.
Este esquema se fazia, basicamente, pela colocação
de oficiais-generais nacionalistas e progressistas em
certos pontos-chave e pela mobilização e politiza-
ção de sargentos e marinheiros em torno da legali-
dade, do nacionalismo e das reformas.
Também o Partido Comunista Brasileiro ti-
Edição Especial - 27
nha o seu setor militar, o mais secreto da organi-
zação. Segundo um ex-oficial comunista, era inex-
pressivo em número, mas muito ligado a Prestes.
Estima ele que, em 1964, havia cerca de mil milita-
res (oficiais, sargentos e outras praças) reformistas
(nacionalistas de esquerda) e cerca de 150 comunis-
tas ativistas em todo o Exército.
O movimento nacionalista-populista do ex-
Governador Leonel Brizola foi a principal linha de
aliciamento de militares, exercendo grande influên-
cia sobre sargentos e praças desde a sua Campanha
da Legalidade em 1961.
O ativismo no meio dos sargentos e pra-
ças acabou por provocar sérias manifestações
de indisciplina e rebeldia. Em se-
tembro de 1963, os sargentos de
Brasília, a maioria da Marinha
e da Aeronáutica, se rebelaram
contra decisão do Tribunal Su-
perior Eleitoral que considerou
inelegíveis os sargentos que con-
correram às eleições parlamenta-
res de 1962. Os amotinados ocu-
param vários pontos da Capital
Federal. Esperavam a adesão em
outros locais do país, o que não
aconteceu. A rebeldia foi domi-
nada por tropas do Exército em
menos de 24 horas, sem resistên-
cia dos amotinados.
Em março de 1964, se deu
uma demonstração de indiscipli-
na mais grave: em assembleia no
Sindicato dos Metalúrgicos no
Rio de Janeiro, cerca de mil mari-
nheiros exigiram a suspensão das
punições aplicadas aos dirigentes
da Associação de Marinheiros e
Fuzileiros Navais do Brasil. Presentes lá,
também estavam, solidários e insufladores, diri-
gentes do CGT e militantes de várias organizações
de esquerda. Além do mais, contaram com o apoio
de dois almirantes, um dos quais, Comandante do
Corpo de Fuzileiros Navais. O Ministro da Mari-
nha solicitou tropas do Exército que cercaram e
evacuaram o Sindicato. O Presidente, para con-
tornar a crise e cedendo às pressões das esquerdas,
exonerou o Ministro da Marinha e nomeou um
novo titular, almirante da reserva, nacionalista,
concordando ainda em anistiar os insubordina-
dos. O último acontecimento, demonstrando a
quebra da hierarquia e disciplina, se deu na noite
28 - Revista do Clube Militar
* O autor, falecido, era General de Brigada, escritor e historiador.
de 30 de março de 64, na sede do Automóvel Clu-
be do Brasil, no Rio de Janeiro: comemoração do
aniversário da Associação de Sub-Oficiais e Sar-
gentos da Guanabara. Se reuniram cerca de 2000
pessoas, tendo como convidado especial o pró-
prio Presidente
da República.
Na assistência,
dois ministros
militares, o Co-
mandante do
Corpo de Fu-
zileiros Navais,
o líder da rebe-
lião dos marinheiros e representantes de toda a
esquerda, populistas e comunistas. Os discursos
foram inflamados e revolucionários, inclusive a
fala do Presidente da República. Mas, naquele
momento, já estava em movimento a Revolução
de 31 de março de 1964.
A crescente agitação política e social, o desgo-
verno e a evidência de um movimento comunista
em marcha acabaram por gerar uma sensação de
insegurança geral. Embora o centro de inquietação
e de crescente oposição estivesse principalmente na
classe média, também os trabalhadores em geral se
sentiam insatisfeitos e inseguros. A desorganização
geral, a inflação, o desabastecimento, a corrupção
e a ameaça latente da ruptura da ordem política e
social atingiam toda a sociedade.
O anseio de reversão do quadro era generali-
zado e a esperança se voltou naturalmente para as
únicas instituições que ainda guardavam os princí-
pios de autoridade, a coesão interna e a capacidade
de agir com firmeza e serenidade: a Igreja Católica
e as Forças Armadas.
Edição Especial - 29
O Panorama Nacional em 1963 e Início de 1964
Ulisses Lisboa Perazzo Lannes*
O caos programado.
Investido, a partir de janeiro de 1963,
dos plenos poderes presidenciais, João Gou-
lart rapidamente passou a conduzir ações no
sentido de implementar projeto golpista que
desaguaria em um governo totalitário de es-
querda, cujo regime nunca ficou claramen-
te definido. Insuflado e orientado por seu
cunhado, Leonel Brizola, pregava a necessi-
dade de “reformas de base” e a implantação
de uma “república sindicalista”. Controlan-
do o aparelho sindical, o governo promovia e
patrocinava o grevismo, a anarquia e o caos,
e o País passou a viver dias de insegurança,
intranquilidade, estagnação econômica e in-
flação descontrolada. Enfrentar e debelar tão
graves problemas, afirmavam Jango e seus
aliados, impunha a necessidade urgente de
“reformas de base”, “com ou sem o Congres-
so, na lei ou na marra!” A mensagem não
poderia ser mais clara!
Os comunistas.
Aliado ao esquema janguista, porém com
seus próprios objetivos, identificava-se ainda
um projeto revolucionário marxista-leninista,
conduzido pelo Partido Comunista Brasileiro
e seu líder, Luiz Carlos Prestes. No quadro da
Guerra Fria dos anos 60, o Brasil afigurava-se
como alvo capaz de transformar por comple-
to o equilíbrio entre as duas superpotências e
era visto pelos comunistas como palco da ter-
ceira grande revolução do século XX, após a
soviética e a chinesa. A manobra revolucioná-
ria tentaria repetir a formação de uma “frente
única” e a concretização de uma “Revolução
Democrática Burguesa”, numa aliança tática
dos comunistas com a insurreição “burgue-
sa” de Goulart e Brizola. Revela-se, na adoção
desse processo, a fiel e rígida observância do
PCB às diretrizes emanadas de Moscou, que
recomendavam o “assalto ao poder pela via
pacífica ou etapista”, em contraposição a li-
nhas de ação mais açodadas e radicais (foquis-
tas, trotskistas e maoístas), defensoras da luta
armada. Não tardaria muito para que estas
últimas provocassem o derramamento de san-
gue brasileiro.
30 - Revista do Clube Militar
greves em setores essenciais, comandadas por
sindicalistas estreitamente ligados ao gover-
no, e o clima de desordem acentuava-se com
arruaças e ameaças de intervenção de grupos
armados sob a liderança de Leonel Brizola. A
população sofria com o desabastecimento de
gêneros básicos, os frequentes e inopinados
cortes de energia elétrica e a quase diária pa-
ralisação do transporte público.
Arregimentada pela grande imprensa,
pela Igreja católica e por líderes políticos,
a opinião pública começara a protestar e a
participar, maciçamente, de manifestações
contra aquele estado de coisas. Em tão con-
turbado ambiente, três eram os cenários
mais prováveis para a evolução do quadro
nacional: a implantação de um regime di-
tatorial de esquerda; o agravamento do
anarquismo sindical, com hiperinflação; e a
eclosão de uma guerra civil com conotações
ideológicas. Claramente, a sucessão demo-
crática normal, prevista para ocorrer no ano
seguinte (1965) tornava-se a cada dia mais
distante e implausível.
Confiantes no controle das “forças popula-
res” e no apoio do “dispositivo militar” Jango,
Brizola e Prestes buscaram escalar a crise, na
certeza de alcançar, em curto prazo, desfecho
favorável a seus propósitos. Três episódios ca-
racterizariam essa decisão: o comício realiza-
do em frente ao prédio da Central do Brasil,
em 13 de março, marcado pela agressividade e
radicalização das posições; o motim de mari-
nheiros e fuzileiros navais, em de 25 de março;
e o discurso pronunciado por João Goulart no
Automóvel Clube, em 30 de março.
As Forças Armadas.
Curiosamente, ambas as correntes - a
janguista-brizolista e a comunista - viam na
adesão e participação das Forças Armadas e,
em especial do Exército, condição imprescin-
dível para a conquista de seus objetivos.
Para isso, fazia-se mister neutralizar, en-
fraquecer e solapar as lideranças contrárias
aos seus desígnios e montar um “dispositivo
militar” confiável, capaz de permitir e apoiar
a ensandecida marcha no rumo do totalita-
rismo. Os chefes militares foram classificados
em dois grandes grupos: havia os “generais do
povo” e os “entreguistas”; as divisões inter-
nas foram fomentadas; e criou-se artificial e
perigosa cisão entre oficiais e graduados. Os
sagrados princípios da hierarquia e da disci-
plina passaram a sofrer permanente ataque.
Em janeiro de 1964, Prestes viajou a
Moscou e, na síntese sobre a situação brasi-
leira apresentada aos chefes soviéticos, dei-
xou claro o papel e a importância dos mili-
tares brasileiros no processo revolucionário
vermelho:
... Oficiais nacionalistas e comunistas assegu-
rarão, pela força, um governo nacionalista e anti-
imperialista... As reformas de base acelerarão a
conquista dos objetivos revolucionários ... O grande
trunfo será o dispositivo militar.
A Escalada e os Cenários Prováveis.
Ao iniciar-se o mês de março de 1964,
o ambiente de desordem e intranquilidade
atingira novos patamares. Sucediam-se as
Edição Especial - 31
O desfecho: um golpe?
Dos três acontecimentos, os dois últimos
influenciariam decisivamente a evolução
dos acontecimentos, ainda que de manei-
ra diametralmente oposta à imaginada por
Goulart e seus companheiros de viagem. A
incitação ao motim; o estímulo à quebra da
hierarquia e da disciplina; a virulência de
Jango; e a clara intenção de aprofundar a
anarquia e a desordem despertaram nas for-
ças vivas da nação a necessidade de pronta e
enérgica reação, ainda que à custa da quebra
da ordem constitucional. A destemida e in-
trépida decisão dos Generais Mourão e Gue-
des de iniciar, em absoluta inferioridade de
meios, o deslocamento em direção ao Rio
de Janeiro e a Brasília, aglutinou e catalisou
a resposta da sociedade brasileira aos des-
mandos e à subversão promovidos pelo go-
verno. A rapidez com que o movimento se
fez vitorioso, sem encontrar a menor resis-
tência de nenhum setor da sociedade, cons-
titui a melhor prova do repúdio popular ao
esquema golpista engendrado por Goulart e
seus aliados.
A momentânea quebra da ordem institu-
A destemida e intrépida decisão dos
Generais Mourão e Guedes de iniciar, em
absoluta inferioridade de meios, o deslo-
camento em direção ao Rio de Janeiro e a
Brasília, aglutinou e catalisou a resposta
da sociedade brasileira aos desmandos e à
subversão promovidos pelo governo.
* O autor é General de Divisão e Presidente do Conselho Editorial da Revista do Clube Militar.
cional, respaldada e legitimada pelo Con-
gresso e pelo imenso apoio popular, salvou
a democracia, naquele momento ameaçada
pela intimidação do parlamento, pela pres-
são das massas sindicalizadas e pela dissolu-
ção das Forças Armadas.
“Desse modo, o 31 de Março de 1964 é, primordialmente, um fato político e não uma quartelada, como insinuam seus adversários e detratores... mo-vidos por interesses ideológicos com o propósito de transferir unicamente para a instituição militar o ônus da ruptura política e seus desdobramen-tos.” (Citação retirada do artigo “Revolu-
ção de 1964”, de autoria do Gen Bda José
Saldanha Fábrega Loureiro e do Cel Pedro
Schirmer)
Não pode, pois, ser rotulado como
golpe militar, como, aliás, atestou o jor-
nalista Roberto Marinho, em editorial do
jornal O Globo, de 7 de outubro de 1984:
“Participamos da Revolução de 1964, identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições demo-cráticas, ameaçadas pela radicaliza-ção ideológica, greves, desordem so-cial e corrupção generalizada... Sem o povo, não haveria revolução, mas ape-nas um pronunciamento” ou “golpe” com o qual não estaríamos solidários.”
32 - Revista do Clube Militar
Dias de Insegurança e IntranquilidadeA partir dos últimos meses de 1963 e do início de 1964, a Nação passa
a viver dias de crescente insegurança e intranquilidade. Em meio à estagnação econômica e inflação descontrolada, o governo promovia a
anarquia e o caos.
Na madrugada de 12 de setembro de 1963, Brasília foi isola-
da do resto do País. Telefones cortados, aeroporto ocupado,
prédios públicos tomados e os acessos a rodovias federais
bloqueados. A capital estava sitiada pela ação de 630 sargen-
tos, cabos e soldados da Marinha e da Aeronáutica. Num ato
ousado, o grupo ainda prendeu dezenas de oficiais e autori-
dades civis, como um ministro do Supremo Tribunal Federal
e até o Presidente interino da Câmara, deputado Clovis Mota
(PSD-RN). O episódio ficou conhecido como “Levante de
Brasília”, nos meses conturbados que antecederam o golpe
militar. O Exército debelou os revoltosos, após nove horas de
enfrentamento pelas avenidas da capital federal.
40 - Revista do Clube Militar
Citações“A democracia não é mais do que uma tá-
tica, descartável como todas as outras.” (Vladimir Illitch Ulianov, mais conhecido como Lênin).
“ ... Muito antes do golpe de 1964, já par-ticipava ativamente da luta revolucionária no Brasil na medida das minhas forças. Creio que desde 1957, ou melhor, desde 1955 (...) Naquela altura o povo começava a contar com a orienta-ção do Partido Comunista Brasileiro ...”
“Até 1964, não havia problema de clan-destinidade nem nada disso. Dentro dos quar-téis trabalhávamos com relativa liberdade e fa-zíamos recrutamento político abertamente. Eu, por exemplo, algumas vezes chegava a reunir 50 ou 60 soldados numa sala do quartel e dis-cutia com eles o problema da revolução (...)” (ex-sargento Pedro Lobo de Oliveira, em depoimento para o livro "A Esquerda Armada no Brasil", de Antonio Caso - Moraes Editores).
“Fadado a um grande destino, o Brasil se-ria a terceira grande revolução neste século. A primeira, a União Soviética, segunda, a Repú-blica Popular da China e a terceira, a Repúbli-ca Democrática Popular do Brasil. ... Moscou e Pequim, as capitais que encabeçaram ou preten-deram conduzir a revolução socialista mundial, voltaram-se para este país sempre com um olhar de admiração e urgência. Consenso universal à alteração estratégica que uma revolução no Bra-sil provocaria no cenário internacional e na rela-ção de forças das superpotências. Para os brasi-leiros e estrangeiros que a tentaram neste século foi a revolução impossível.” (Luis Mir, "A Revolução Impossível” - Editora Best Seller - 1994 - pag. 10 e 11).
“O que sucede no País não é mais do que o começo do mesmo processo revolucionário gi-gantesco que se pode ver no mundo todo. São ri-dículas as pretensões dos burgueses de quererem conter ou controlar a revolução, falando da vo-cação cristã e ocidental do Brasil.” (Jornal “Frente Operária”, órgão do Partido Comunista Brasileiro, edi-ção de 5 a 11 de abril de 1963).
“Nos primeiros meses de 1964, esboçou-se uma situação pré-revolucionária e o golpe direi-tista se definiu, por isso mesmo, pelo caráter con-trarrevolucionário preventivo. A classe domi-nante e o imperialismo tinham sobradas razões para agir antes que o caldo entornasse”. (Jacob Gorender - do PCBR, no livro “Combate nas Trevas”)
“No Brasil, estamos discutindo se vamos chegar ao socialismo pelas armas ou pelo ca-minho pacífico. Lá chegaremos, por uma for-ma ou por outra. Esperamos o apoio do povo cubano.” (Vicente Goulart, sobrinho de João Goulart, em visita a Cuba – Jornal “O Globo”, 29 de março de 1963)
“Por ordem do Partido Comunista da União Soviética, a KGB dava dinheiro a cada Partido Comunista de outros Países, inclusive o Brasil. Desde o fim da Segunda Guerra, foram milhões de dólares”, revelou ao repórter da rede Globo, Gene-ton Moraes Neto, para o Fantástico, em 27/11/2005, o general Oleg Kalugin, que foi diretor do Departamento de Contra-Informação Externa na KGB, em Moscou (transcrito do site: Usina de Letras).
“... Não há país onde, depois de instaurado um regime comunista, não tenha sido imposto um sistema de terror. Podem variar os meca-nismos do exercício do terror, a quantidade e a qualidade das vítimas, mas está em todo o lugar, temos que repetir com força, em todo o lugar, a idêntica ferocidade, a arbitrarieda-de e a enormidade no uso da violência para a manutenção do poder.” Norberto Bobbio, filóso-fo italiano, inspirador da “nova esquerda”, em entre-vista ao jornal italiano 'L’Unitá'. (Transcrito do site: www.ricardobergamini.com.br)
Edição Especial - 41
O Plano Revolucionário
Do livro ORVIL
Entrava-se no ano decisivo de 1964. A con-
turbada situação nacional pedia medidas drásticas
que pudessem solucionar a crise. O pêndulo do po-
der oscilava entre um lado e outro. Faltava fixá-lo
em um dos lados. E Jango pretendia ser o líder que
iria fixá-lo no lado esquerdo.
Os entendimentos entre o Presidente e o PCB
eram constantes. Seus trunfos eram a legalização e
a promessa de maior participação no poder. Jango
distanciava-se, cada vez mais, de Brizola, que colo-
cava seus pedidos sempre além dos já conseguidos.
Para o Presidente, o que realmente seu cunhado de-
sejava era ocupar o seu lugar.
Em fevereiro de 1964, Jango afirmou que os
comandos militares estavam inteiramente afinados
com ele e que “se os Generais estão comigo, não
há razão para que os sargentos não estejam”. Não
pensava em realizar eleições presidenciais. Para ele,
as hipóteses mais prováveis eram que a direita “bo-
tasse a cabeça de fora”, através de Lacerda, ou que
Brizola “demarrasse” para sua loucura.
A solução era desfechar um golpe, ampara-
do nas forças populares e no “esquema militar”,
sob o pretexto de realizar as reformas de base.
Faltava a Jango, entretanto, um motivo que justi-
ficasse esse golpe.
Segundo o jornalista Samuel Wainer, o plano
era o seguinte:
- o Presidente enviaria uma mensagem ao
Congresso, pedindo a decretação de um plebiscito
para reformas na Consti-
tuição, apoiado por inten-
sa campanha nacional;
- em face da prová-
vel negativa do Congresso,
este seria dissolvido e im-
plantadas, imediatamente,
as reformas de base, num
processo conduzido pela
frente única;
- caso esse esquema falhasse, o Presidente
ameaçaria renunciar, justificado pela impossibili-
dade de atender aos anseios populares;
- no comício previsto para 13 de março
de 1964, no Rio de Janeiro, Jango anunciaria, à
Nação, a assinatura de decretos de conteúdo po-
pular, tais como a desapropriação das terras ao
longo das rodovias e ferrovias, a encampação das
refinarias particulares e outros contra a inflação
e o custo de vida;
- ao comício do dia 13, seguir-se-iam outros 4
ou 5, a serem realizados em importantes cidades do
Pais, onde Jango anunciaria novos decretos, como
os do sapato popular, da roupa popular e do depó-
sito bancário para os sindicalizados;
- com o apoio e o clamor do povo, Jango
estaria, ao final do processo, com força suficiente
para fazer o que bem entendesse.
Esse plano de Jango começaria a ser executa-
do no mês de março de 1964.
42 - Revista do Clube Militar
O Comício de 13 de Março de 1964
Fonte: http://www.pdt-rj.org.br/primeirapagina/asp?id=182
Fonte: http://politica3unifesp.wordpress.com/as-explicacoes-para-o-golpe-de-1964
44 - Revista do Clube Militar Janeiro de 2014
A Evolução da Posição dos Militares
Do livro ORVIL
Apesar da con-
juntura interna,
eem 1963, mais
de oitenta por cento dos
militares continuavam
com sua postura legalis-
ta. Dos restantes, aproxi-
madamente a metade fa-
zia parte do dispositivo
janguista ou concordava
com suas posições e os demais eram ativistas da
Revolução. Destes últimos, alguns, em especial os
da reserva, haviam começado a atuar desde a pos-
se de Jango, ligando-se, orientando e participando
das organizações civis mencionadas neste capitulo.
Outros, deixados sem função, começaram a cons-
pirar nesse ano, como era o caso do então General-
de-Exército Cordeiro de Faria. Como o movimen-
to não engrenava no setor militar, onde o episódio
da posse em 1961 ainda era um obstáculo decisivo,
passaram a trabalhar suas ideias entre os civis. Seus
contatos mais importantes seriam os governadores.
Em setembro, com o levante dos sargentos
em Brasília, começou a haver uma mudança de
posicionamento nas Forças Armadas. Pelo menos
parte dos quadros começou a questionar-se sobre
os acontecimentos.
No dia 4 de outubro, houve a tentativa frus-
trada da prisão do Governador da Guanabara e da
decretação do estado de sítio. Os oficiais que se ne-
garam a cumprir a ordem de prisão do Governador
foram punidos. Sob o estímulo emocional dessas
prisões, criou-se um grupo conspiratório. Lidera-
do pelo então Coronel João Baptista de Figueire-
do, esse grupo congregava a maioria dos oficiais da
Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
e recebera a adesão dos Oficiais da Escola Supe-
rior de Guerra. Graças à confiança que esse grupo
depositava no General Castello Branco, decidiram
seus membros confiar suas apreensões ao Chefe
do Estado-Maior do Exército. Aceito o contato
reservado, o General Castello Branco integrou-se
de forma efetiva ao esquema revolucionário. Com
ele viriam os oficiais generais a ele ligados, como
Mamede, Malan, Ernesto Geisel e Golbery. Este
último, havia algum tempo, era ligado ao IPES.
Esse grupo, que passaria a ter um importan-
te papel no movimento revolucionário, elaborou
um plano defensivo que visava a proteger as ins-
tituições e as próprias Forças Armadas contra a
tentativa de tomada do poder pelas esquerdas. O
plano baseava-se nas seguintes premissas: resistir e
estimular a resistência civil; dar ânimo aos políti-
cos a se oporem às proposições esquerdizantes; e
preparar a própria resistência militar. Essa conspi-
ração de cúpula não afetaria, ainda, a disposição
da grande maioria dos militares, que se mantinha
fiel à Constituição.
Quando se tomou conhecimento da estru-
tura e da dinâmica do comício programado para
Edição Especial - 45
o dia 13 de março, no Rio de Janeiro, que segun-
do o plano conhecido desencadearia o processo
de tomada do poder, a conspiração tomou caráter
ofensivo. Os contatos com os Grandes Comandos
foram retomados com vistas a essa nova postura.
O Chefe do Estado-Maior do Exército e o
Comandante do II Exército já haviam apelado
várias vezes ao Ministro para que não empenhas-
se o prestigio da Força no esquema janguista. No
dia 13, porém, protegidos por tropas do Exér-
cito, estavam no palanque todas as facções do
movimento revolucionário esquerdista. Do Sr.
Leonel Brizola ao representante do CGT, do Go-
vernador Arraes ao Presidente da UNE, presti-
giados pela presença dos Ministros Militares. A
partir desse momento, os conspiradores sabiam
que o desfecho estava próximo.
Nesse comício, o Presidente atacou a Cons-
tituição, tachando-a de arcaica e obsoleta, enfra-
quecendo a posição daqueles que a defendiam
como intocável. Enquanto o Presidente anuncia-
va ter reduzido a termos a solicitação das refor-
mas, o Sr. Leonel Brizola preconizava o fecha-
mento do Congresso.
O comício do dia 13 resultou numa mudan-
ça no posicionamento da imprensa. Os editoriais
passaram a exigir diretamente que os militares assu-
missem a responsabilidade de resolver a crise.
Começaram a surgir apelos ao papel consti-
tucional dos militares para garantir os três poderes
e não apenas o Executivo. Os editoriais pediam que
os militares não apoiassem as ameaças às ordens
partidas do Governo. O “Diário de Notícias”, por
exemplo, publicou em editorial: “É inegável que
existem forças subversivas visando claramente uma
tentativa de derrubar o regime e as instituições vi-
gentes (...) Estas forças parecem ter cooptado o pró-
prio Presidente e colocaram-se pela primeira vez à
frente do processo subversivo de oposição à lei, ao
regime e à Constituição. Se a autoridade suprema
do Executivo se opõe à Constituição, condena o
regime e se recusa a obedecer às leis, ele automatica-
mente perde o direito de ser obedecido (...)”.
O Ministro da Justiça de Jango escreveria
mais tarde, referindo-se ao episódio: “O comício
criou a expectativa de uma crise, de um golpe, re-
beliões, tumultos, motins, ou subversão da ordem
geral no País...”.
Apesar dessa situação, apesar dos insistentes
apelos de Brizola para o aprestamento dos grupos
dos onze, apesar das facções contrárias a Goulart
dentro das Forças Armadas começarem a ser ouvi-
das, quando expressavam a necessidade de preparar-
se para um contragolpe, a maioria militar não es-
tava ainda convencida da necessidade dela mesma
participar da revolução.
A Marcha da Família com Deus pela Liberdade
No dia 19 de março, dia de São José, Padroei-
ro da Família, as mulheres de São Paulo realizaram
um protesto contra o comício da Central do Brasil.
Realizaram-se três reuniões preparatórias, à quais
aderiram muitas entidades femininas e civis. Os
cálculos mais otimistas previam o comparecimento
de 130 mil pessoas, para suplantar, uma semana
depois, a mobilização esquerdista da sexta-feira, 13.
No dia 19, atendendo a um apelo dos pro-
motores desse evento, os cinemas não funciona-
ram e o comércio e a indústria suspenderam suas
atividades às 15 horas. Às 16 horas começava a
primeira “Marcha da Família com Deus pela Li-
berdade”. Bandeiras brasileiras e paulistas apa-
receram em profusão. Papéis picados eram ati-
rados dos edifícios. Havia muita gente! Durante
uma hora, os manifestantes passaram marchando
46 - Revista do Clube Militar
ombro a ombro, numa massa compacta que to-
mava toda a rua.
Veteranos jornalistas informam que nunca
viram tão formidável concentração humana. Com
certa timidez, a massa é estimada em 500 mil pesso-
as, outros estimam em 600 mil, mas, incluindo as
ruas de acesso, é legitimo estimar-se em 800 mil.
O desenvolvimento da crise atingia tal ampli-
tude e era tanta a inquietação nas Forças Armadas
que o General Castello Branco decidiu orientar os
quadros, em instrução reservada de 20 de março,
que se constituiu numa resposta ao comício do dia
13 e viria exercer forte impacto sobre os militares
legalistas. Mas a ameaça do uso da força, implícita
no apelo de Goulart, para instaurar a crise fora do
sistema político, geraria outras reações. Muitos gru-
pos civis começaram a armar-se. A arena passara da
área política para a da violência.
A “Marcha da Família com Deus pela Liber-
dade” foi outro impacto para os militares legalis-
tas, e outras marchas começaram a ser realizadas
com igual êxito em diversas capitais brasileiras.
O Globo - 20 de março de 1964
O Globo - 20 de março de 1964
Edição Especial - 47
Etapa Decisiva
A etapa decisiva para esses militares, tão
importante ou mais que os fatos citados, seria
o motim dos marinheiros e seu desfecho. Suas
repercussões foram profundas, a tal ponto que
abalaram as convicções, não apenas dos militares
legalistas, mas até mesmo daqueles que até a vés-
pera lutariam ao lado do Presidente e suas refor-
mas. A autopreservação institucional, por meio
do controle da disciplina era uma questão que estava acima dos grupos. A sanção por Goulart, da indisciplina e da desordem, reverteu as po-sições. A revolução já poderia ser desencadeada sem que houvesse o risco da divisão interna nas
Forças Armadas.(68) Jurema, A: “sexta-feira 13”, pag. 144 e 145(69) Duarte, E.: “32 mais 32 igual a 64” - “Os idos de março
e a queda de abril”, José Álvaro, Editor, RJ, 1964, pág. 132 e 133.
O Globo - 24 de março de 1964
O Globo - 18 de março de 1964
48 - Revista do Clube Militar
Circular Reservada do Chefe de Estado-Maior do Exército
(20 de março de 1964)
Ministério da GuerraEstado-Maior do Exército
Rio, 20 de março de 1964
Do Gen. Ex Humberto de Alencar
Castello Branco, Chefe do Estado-Maior
do Exército
Aos Exmos Generais e demais milita-
res do Estado-Maior do Exército e das or-
ganizações subordinadas.
Compreendendo a intranqüilidade e
as indagações de meus subordinados nos
dias subseqüentes ao comício de 13 do
corrente mês, sei que não se expressam so-
mente no Estado-Maior do Exército e nos
setores que lhe são dependentes, mas tam-
bém na tropa, nas demais organizações e
nas duas outras corporações militares. De-
las participo e elas já foram motivo de uma
conferência minha com o Excelentíssimo
Senhor Ministro da Guerra.
São evidentes duas ameaças: o ad-
vento de uma constituinte como caminho
para a consecução das reformas de base e o
desencadeamento em maior escala de agita-
ções generalizadas do ilegal poder do CGT.
As Forças Armadas são invocadas em
apoio a tais propósitos.
Para o entendimento do assunto, há
necessidade de algumas considerações pre-
liminares.
Os meios militares nacionais e perma-
nentes não são propriamente para defender
programas de Governo, muito menos a sua
propaganda, mas para garantir os poderes
constitucionais, o seu funcionamento e a
aplicação da lei.
Não estão instituídos para declara-
rem solidariedade a este ou àquele poder.
Se lhes fosse permitida a faculdade de so-
lidarizarem-se com programas, movimen-
tos políticos ou detentores de altos cargos,
haveria, necessariamente, o direito de tam-
bém se oporem a uns e a outros.
Relativamente à doutrina que admite
o seu emprego como força de pressão con-
tra um dos poderes, é lógico que também
seria admissível voltá-la contra qualquer
um deles.
Edição Especial - 49
Não sendo milícia, as Forças Arma-
das não são armas para empreendimentos
anti-democráticos. Destinam-se a garantir
os poderes constitucionais e a sua coexis-
tência.
A ambicionada constituinte é um ob-
jetivo revolucionário pela violência com o
fechamento do atual Congresso e a insti-
tuição de uma ditadura.
A insurreição é um recurso legítimo
de um povo. Pode-se perguntar: o povo
brasileiro está pedindo ditadura militar ou
civil e constituinte? Parece que ainda não.
Entrarem as Forças Armadas numa
revolução para entregar o Brasil a um
grupo que quer dominá-lo para mandar e
desmandar e mesmo para gozar o poder?
Para garantir a plenitude do grupamento
pseudo-sindical, cuja cúpula vive na agi-
tação subversiva cada vez mais onerosa
aos cofres públicos? Para talvez submeter
à Nação ao comunismo de Moscou? Isto,
sim, é que seria anti-pátria, anti-nação e
anti-povo.
Não. As Forças Armadas não podem
atraiçoar o Brasil. Defender privilégios de
classes ricas está na mesma linha anti-de-
mocrática de servir a ditaduras fascistas ou
síndico-comunistas.
O CGT anuncia que vai promover a
paralisação do País no quadro do esquema
revolucionário. Estará configurada prova-
velmente uma calamidade pública. E há
quem deseje que as Forças Armadas fiquem
omissas ou caudatárias do comando da
subversão.
Parece que nem uma coisa nem outra.
E, sim, garantir a aplicação da lei, que não
General-de-Exército Humberto de Alencar Castello Branco Chefe do Estado-Maior do Exército.
permite, por ilegal, movimento de tama-
nha gravidade para a vida da nação.
Tratei da situação política somente
para caracterizar a nossa conduta militar.
Os quadros das Forças Armadas têm tido
um comportamento, além de legal, de ele-
vada compreensão em face das dificulda-
des e desvios próprios do estágio atual da
evolução do Brasil. E mantidos, como é de
seu dever, fieis à vida profissional, à sua
destinação e com continuado respeito a
seus chefes e à autoridade do Presidente da
República.
É preciso aí perseverar, sempre “den-
tro dos limites da lei”. Estar prontos para
a defesa da legalidade, a saber, pelo funcio-
namento integral dos três Poderes consti-
tucionais e pela aplicação das leis, inclu-
sive as que asseguram o processo eleitoral,
e contra a revolução para a ditadura e a
Constituinte, contra a calamidade pública,
a ser promovida pelo CGT, e contra o des-
virtuamento do papel histórico das Forças
Armadas. O Excelentíssimo Senhor Minis-
tro da Guerra tem declarado que assegu-
rará o respeito ao Congresso, às eleições
e à posse do candidato eleito. E já decla-
rou também que não haverá documentos
dos ministros militares de pressão sobre o
Congresso Nacional.
É o que eu tenho a dizer em conside-
ração à intranqüilidade e indagações oriun-
das da atual situação política e a respeito
da decorrente conduta militar.
50 - Revista do Clube Militar
Citações
“Os sinais de conspiração janguista po-diam ser vistos por toda a parte, segundo Jú-lio Mesquita Filho. O próprio governo orien-tava as greves que se sucediam e incentivava a quebra da hierarquia militar, apoiando os sargentos e marinheiros em rebelião contra seus superiores. No meio da sucessão de crises, Luís Carlos Prestes chegou a dizer publica-mente que os comunistas já estão no governo embora ainda não no poder.” (O Estado de S. Paulo - caderno 2 - “Trajetória de um liberal movido pelo amor ao País” - 12/07/1999).
“Como qualificar o posicionamento das Forças Armadas em 1964? Revolta? Golpe de Estado? Revolução? Para responder a essas indagações, cabe antes fazer mais uma per-gunta: o que desejava a sociedade naquela ocasião? Certamente ela estava muito pre-ocupada e inquieta com os níveis de desor-dem, insegurança e a possibilidade iminente de um golpe comunista. Que fazer quando já não há mais um governo que mereça respeito e confiança ou quando ele mesmo é o prin-cipal agente da desordem e da ilegalidade? Naquele longínquo 31 de março de 1964, o que poderiam e deveriam fazer as Forças Arma-das da nação? A ação das Forças Armadas, naquelas circunstâncias, foi um ato lícito e indispensável, conduzido dentro de sua des-tinação, com oportunidade e energia neces-sárias para deter a marcha acelerada do país para a desordem e a violência com o objetivo de transformá-lo em um “república sindica-lista-marxista.” Gen Helio Ibiapina Lima - “Ex-presidente do Clube Militar
“... O Brasil teve, nos últimos seis me-ses de Jango, trezentas e sessenta greves. Ha-via um caos no país. Uma inflação terrível; o déficit da balança de pagamentos era uma vergonha. Faltavam alimentos. ... E a situa-ção foi agravada pela subversão. Vieram as greves cada vez mais revolucionárias. Houve o movimento dos marinheiros, dos sargentos, que foi o clímax. Os marinheiros se levanta-ram contra os oficiais e o governo.
... Veio o Movimento de 64. O que foi o Mo-vimento de 64? Uma união do Brasil inteiro. A Rede da Democracia, que foi uma rede nacional de rádio para combater o comunismo, é emble-mática nesse sentido. Quem comandava a Rede da Democracia? A Rádio Globo, do Roberto Ma-rinho; a Rádio Tupi, do Chateaubriand; e a Rá-dio Jornal do Brasil, do Nascimento Brito. Os três se detestavam e, no entanto, se uniram...” Aristóteles Drummond em "Um Caldeirão Chama-do 1964" – Editora Resistência Cultural
“É necessário considerar, desde já, o maquiavelismo cruel e implacável dos chefes comunistas a fim de favorecer essa nova ope-ração de adormecimento da consciência e da responsabilidade nacional dos vigorosos pa-triotas brasileiros. ... O Brasil é hoje um dos países onde a infiltração e o domínio comu-nistas alcançaram um ponto tão alto e impor-tante, que as próprias fôrças vivas da nação perderam quase seu espírito de resistência.” Coronel Ferdinando de Carvalho em “IPM 709 - O comunismo no Brasil”, editado em 1966.
Edição Especial - 51
O Motim dos Marinheiros
Do livro ORVIL
No início de maio de 1962, o Ministro da
Marinha, Almirante Silvio Mota, foi sur-
preendido pela fundação da Associação de
Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB),
entidade criada à revelia dos regulamentos militares.
Sob o pretexto de realizar atividades sociais,
recreativas, assistenciais e culturais, a AMFNB, aqui-
nhoada com verbas vultosas, passou a pregar a sub-
versão na Marinha. Em setembro de 1963, durante a
cerimônia de posse da nova diretoria da AMFNB, o
Presidente eleito, o marinheiro José Anselmo dos San-
tos, teceu severas críticas às autoridades navais, sendo
punido, pelo Ministro da Marinha, com 10 dias de
prisão. Em protesto pela punição, a ANFMB, em As-
sembléia, exigiu do ministro a relevação da prisão.
Em face da indisciplina, foi instaurado um Inquérito
Policial Militar, resultando novas prisões e o enqua-
dramento de alguns integrantes da AMFND no Códi-
go Penal Militar.
Apesar disso, a agitação prosseguiu, até que, em
25 de março de 1964, 1.400 sócios da AMFNB amoti-
naram-se no Rio de Janeiro, abrigando-se na sede do
Sindicato dos Metalúrgicos. Desafiando abertamente
as ordens para regressarem aos quarteis, os amotina-
dos gritavam “Viva Goulart” nas janelas do sindicato
e apregoavam subordinar-se somente ao Comandante
dos Fuzileiros Navais, o Almirante Cândido da Costa
Aragão, amigo de Goulart e conhecido como “Almiran-
te do Povo”.
Nesse dia 25 e no seguinte, 26 de março de
1964, após sucessivas assembleias, os marinheiros e
fuzileiros navais amotinados difundiram as seguintes
exigências para o fim do
movimento:
- substituição do Mi-
nistro da Marinha por um
dos três almirantes por eles
indicados (Paulo Mário,
Suzano ou Goiano);
- anulação das puni-
ções impostas aos membros
da diretoria da AMFNB;
- garantia de que nenhum dos amotinados so-
freria qualquer sanção; e
- reconhecimento da existência legal da AMFNB.
Para pôr fim à insubordinação, o Ministro da
Marinha determinou, na manhã do dia 26, o desloca-
mento de um contingente de Fuzileiros Navais para
desalojar e prender os amotinados.
Surpreendentemente, alguns integrantes desse
contingente depuseram as armas e integraram-se aos
refugiados no Sindicato, enquanto o restante retor-
nou ao quartel sem cumprir a missão.
A indisciplina generalizou-se. Na manhã do dia
seguinte, 27 de março, a Marinha tomava conheci-
mento de que havia, também, movimentos de rebeldia
em alguns navios da Esquadra. Às 08.30 horas, cerca
de 200 marinheiros dirigiram-se ao prédio do Minis-
tério da Marinha, em solidariedade aos amotinados.
Apesar das advertências, eles continuaram avançando,
somente se dipersando após dois disparos para o ar
feitos pela tropa que defendia o Ministério.
O Ministro da Marinha resolveu então exonerar
o Almirante Aragão e solicitou apoio de tropa do Exér-
52 - Revista do Clube Militar
cito, que cercou o Sindicato dos Metalúrgicos e isolou
os amotinados. Algumas horas depois, entretanto, o Pre-
sidente da Repúlica mandou levantar o cerco e “pediu”
aos marinheiros que voltassem para seus quarteis, com
a garantia de que não seriam punidos.
O Ministro da Marinha demitiu-se. Jango recon-
duziu o Almirante Aragão ao seu posto e nomeou o Al-
mirante da Reserva Paulo Mário como novo Ministro. A
vitória da indisciplina, com o apoio do Governo Federal,
foi completa. Nessa mesma tarde, os amotinados a come-
moraram ruidosamente, conduzindo nos ombros o “Al-
mirante do Povo”. O Presidente incorrera em grave erro,
ao julgar que as Forças Armadas assistiriam passivamente
a essa escalada da subversão e que a oficialidade seria ali-
jada, sem qualquer reação, pelos sargentos e praças que
vinham sendo submetidos a doutrinação comunizante.
Dois dias depois daquele insólito episódio, em
29 de março de 1964, centenas de oficiais da Marinha
reuniram-se no Clube Naval, indignados com a quebra
da disciplina e da hierarquia. Um manifesto ao povo
brasileiro, assinado por mais de 1.500 oficiais, declara-
va que chegara a hora de o Brasil defender-se. O Exér-
cito proclamou solidariedade à Marinha. A imprensa
aderiu. No Congresso Nacional, dezenas de parlamen-
tares pronunciaram-se contra a indisciplina. Os que
antes não aceitavam os desmandos do Governo passa-
ram a agir. Os que ainda aguardavam, desiludiram-se
e engrossaram as fileiras dos verdadeiros democratas.
54 - Revista do Clube Militar
A reunião no Automóvel Clube
30 de março de 1964 – João Goulart pronuncia inflamado discurso no Automóvel Clube
Acesas estavam, ainda, as
paixões desencadeadas
pela vitoriosa rebelião
dos marinheiros. De um lado,
as forças democráticas já se ar-
ticulavam contra o governo da
indisciplina. Do outro, Jango
apoiava-se no PCB, nas organizações de massa e num
pretenso “esquema militar”. Pretendia, entretanto, dar
uma demonstração de força aos que o criticavam pela
posição assumida no episódio da rebelião dos marinhei-
ros, mostrando que tinha prestígio junto aos escalões
menores das Forças Armadas.
Alguns meses antes, a Associação dos Subtenentes
e Sargentos da Polícia Militar do Rio de Janeiro convi-
dara o Presidente para comparecer às comemorações do
aniversário da entidade. Naquela oportunidade, Jango
aceitou o convite, mas adiou o seu comparecimento
sem marcar data. Entretanto, chegara a hora ... Na noite
de 30 de março de 1964, a Associação realizou a reunião
na sede do Automóvel Clube, no Rio de Janeiro, com
a presença de centenas de sargentos, além de diversos
oficiais e ministros, dentre os quais o novo Ministro da
Marinha, Almirante Paulo Mário.
Dezenas de comunistas confraternizaram-se com
os militares. O ambiente atingiu o auge da exaltação
quando se abraçaram, sob aplausos gerais, o Almirante
Aragão e o Cabo Anselmo. Os oradores, inflamados, dis-
cursavam repisando a tônica das reformas.
Discursos atentatórios à hierarquia e a disciplina
foram pronunciados. O Sargento Ciro Vogt, um dos ora-
dores, foi estrepitosamente vaiado, porque, atendendo
aos regulamentos disciplinares, limitou-se a apresentar as
reivindicações de sua classe, sem abordar temas políticos.
Mas o ponto alto da reunião foi o discurso do
Presidente da República. Inebriado pela calorosa re-
cepção dos sargentos e incentivado pelos constantes
aplausos, Jango fez um dos discursos mais inflamados
de sua vida pública. Defendeu os sargentos amotina-
dos. Propugnou pelas reformas de base. Acusou seus
adversários, políticos e militares, de estarem sendo
subsidiados pelo estrangeiro. Ameaçou-os com as de-
vidas “represálias do povo”.
A televisão mostrou “ao vivo” essas cenas. Muitas
das pessoas que as assistiam sentiram que, após aquela
reunião, a queda de Jango era iminente.
Na verdade, fora seu ú1timo discurso como Presi-
dente da República.
Do livro ORVILFo
to: b
rasi
leco
nom
ico.
com
.br
Edição Especial - 55
Manifestos, Relatório e ProclamaçõesManifesto do Governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, de 20 de março de 1964
“Este é um pronunciamento do povo de Minas Gerais.
De Minas parte esta conclamação ao País.
O Governador do Estado cumpre o dever de interpretar as aspirações, as angústias e a atitude da
gente mineira.
Faz, com todo o povo, uma só frente na preservação do regime democrático, no aprimoramento
e dinamização das instituições livres para que a mudança social, que não se deve deter, seja um avanço,
não um recuo, uma consolidação de conquistas, não um retrocesso a técnicas políticas de opressão.
A razão de nossa atitude é clara. Claros são os objetivos de nossa união. Clara, tranqüila e deter-
minada há de ser a ação que empreenderemos.
Reconhecemos ter-se acelerado o processo de transformação econômica, social e política, em todos
os setores da vida nacional. Por isso mesmo, somos a favor das reformas de base.
Assinalamos a tomada de consciência do povo brasileiro, que se quer independente, dono de si
mesmo e seguro de seu destino.
Cremos na ascensão de camadas, cada vez mais extensas, do povo ao plano das grandes decisões
deste momento.
O povo já sabe que a Constituição lhe dá direito à “justa distribuição de terra com igual oportuni-
dade para todos”, à participação efetiva no processo eleitoral, sem submissão às cúpulas, aos benefícios
da renda nacional, da cultura, de saúde e do trabalho.
Sabe, também, hoje mais do que nunca, que ele, povo, é o único proprietário das reformas.
Não reconhece, assim, autenticidade nos que, apresentando-se como donos das reformas, delas se
utilizam como pretexto para agitação, visando a perpetuar grupos ou pessoas no poder.
Paciente, amante da paz e da liberdade, o povo repele o golpe e o continuísmo, como repele tam-
bém a exploração interessada dos radicalismos políticos.
Sustentamos que as reformas, para corresponderem à aspiração do povo, devem resultar do con-
senso de todas as forças empenhadas no processo de mudança. Não nos conformamos em que elas se
reduzam a bandeira agitada por uns poucos ou a troféu de vitória a ser colhido por lideranças pessoais.
Os últimos acontecimentos demonstraram uma duplicidade de processo, que é nosso dever de-
nunciar à nação. Ao mesmo tempo em que, de forma regular, se apela para o Congresso, a fim de votar
emendas constitucionais consideradas imprescindíveis às reformas, efetuam-se manobras publicitárias e
promocionais. O que, então, se revela não é só desesperança na capacidade da representação política. É
também descrença no regime democrático ou incapacidade de adaptar-se a ele.
* Mantem a ortografia da época
56 - Revista do Clube Militar
Ao apelo ao Congresso, dizemos sim.
O sistema democrático não impede, também, os estímulos do povo à fixação de problemas e à
sugestão de fórmulas que os solucionem.
Consideramos, todavia, insuportável o desprezo pelas instituições representativas.
Esperamos uma atitude franca e clara do Presidente da República. Sem desconhecermos a existên-
cia de transformações revolucionárias em curso, resultantes da tomada de consciência do nosso povo
e exacerbadas pelo processo inflacionário, afirmamos que a revolução comandada de cima não é outra
coisa senão o golpe de Estado.
Estamos dispostos a lutar contra o golpe.
Já não há lugar para sistemas ditatoriais arquivados em nossa História.
A aventura de suprimir qualquer dos mandatos nos levará, fatalmente, à guerra fratricida, cuja
conseqüência não será a renovação que desejamos, mas a ruína da pátria e o retardamento da libertação
econômica, social e política, a que aspira todo o povo brasileiro.
Esperamos uma atitude clara e coerente do Congresso Nacional. Nas mãos de deputados e senado-
res está o poder de equacionar as reformas e de efetuá-las, sem o sacrifício das instituições democráticas.
O povo condenará seus legisladores, se ficarem insensíveis e inertes.
Esperamos uma atitude clara e conseqüente das Forças Armadas. A Lei Maior fez delas, não defen-
soras de parcialidades do País, mas de toda a Pátria; não garantidoras de um, mas dos poderes constitu-
cionais; servidoras, não de situações e eventualidades, mas da lei e da ordem.
Este pronunciamento é também uma convocação. A todos os mineiros. Ao trabalhador, ao ho-
mem de empresa, ao jovem, à mulher, ao soldado, ao intelectual, ao funcionário público, à imprensa,
às escolas, às oficinas.
Juntos, digamos ao Brasil que Minas está determinada a preservar a democracia e a tradição cristã;
a lutar pela justiça social, contra o desespero; contra o ódio entre irmãos; contra fanatismos, contra a
irresponsabilidade.
Minas quer impedir o caos a que estamos sendo arrastados.
Brasileiros! Juntos, lutemos pela paz”.
Edição Especial - 57
Manifesto de advertência do Governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, de 30 de março de 1964
“O apelo dirigido à Nação pela Marinha de Guerra do Brasil não pode deixar de repercutir no espí-
rito dos responsáveis pela sobrevivência da ordem democrática em nosso País.
Não se trata, agora, de simples episódio interno de disciplina que precisa ser mantida naquele setor
das nossas Forças Armadas. Muito mais que isso, estão em causa os próprios fundamentos do regime de-
mocrático, que têm nelas os elementos específicos de sua segurança.
Traduzindo princípios geralmente consagrados e enraizados nas tradições da nossa organização po-
lítica, a Constituição brasileira caracterizou as Forças Armadas como instituições nacionais, na base da
disciplina e da hierarquia, para a finalidade de defenderem a Pátria e garantirem os Poderes constituídos,
a ordem e a lei. Se, por influência de inspirações estranhas e propósitos subversivos, são comprometidas a
hierarquia e a disciplina sem as quais elas não sobrevivem, têm as Forças Armadas não só o direito como
também o dever de pugnar pela sua própria integridade, pois de outra maneira não cumprirão o pesado e
glorioso destino que a Constituição lhes assinala.
Por isso, atendemos ao apelo da Marinha brasileira e lhe damos, neste momento delicado, a nossa
solidariedade que sobretudo exprime, estamos certos, a solidariedade do povo mineiro nos seus anseios de
ordem, de progresso e de paz.
Não apoiaríamos nunca qualquer movimento que viesse apenas agravar a intranqüilidade dos brasi-
leiros, já tão angustiados de aflições; que embaraçasse a marcha acelerada em que deve caminhar o nosso
desenvolvimento social, econômico e político; que perturbasse o clima de paz de que o povo necessita
para realizar os trabalhos de cada um e as tarefas do bem comum. A nossa posição continua a ser pelas
reformas, sem as quais o povo não conhecerá o bem-estar e não conseguirá superar a estagnação e o atraso.
Não podemos permitir, entretanto, que as reformas sejam usadas como pretexto para ameaças à paz pú-
blica, e, através da inquietação e da desordem, um processo de erosão do regime democrático. Reformas,
sim, e urgentes, mas dentro da democracia, porque fora da democracia perecerão as inspirações cristãs e
populares que as devem orientar. As radicalizações ideológicas, sobretudo quando a ideologia inspiradora
é incompatível com o que há de mais entranhado na formação do povo brasileiro, só podem contribuir
para embaraçar ou retardar as reformas democráticas. Porque as desejamos sinceramente, não as queremos
ver substituídas, afinal, pela simples e sinistra implantação de sistemas despóticos.
Contra isso brada a formação do povo mineiro, que tem como seu ponto mais alto o amor à liberda-
de. Nossa atitude, neste momento histórico, não representa senão o dever de nos inclinar aos imperativos
dessa vocação. E Minas se empenhará com todas as suas forças e todas as energias de seu povo para a res-
tauração da ordem constitucional comprometida nesta hora.
* Mantem a ortografia da época
58 - Revista do Clube Militar
Relatório do Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas ao Presidente da República
É ilustrativo o Relatório do Chefe do EMFA, General Pery Bevilacqua, dirigido ao Presidente João Goulart, a quem era leal. Este documento foi encaminhado à imprensa, para esclarecimento
da opinião pública, precedido pelas seguintes considerações:
“Na oportunidade da ocorrência dos fatos gra-
ves que vêm abalando o país, no sentido da restaura-
ção do primado dos poderes constitucionais, da lei e
da ordem e da hierarquia e disciplina militar, esta che-
fia sente-se na obrigação de expor a atitude de com-
portamento desenvolvido pelo Estado-Maior das For-
ças Armadas, não só à Presidência da República, no
seu papel de assessor militar, como em ligação com as
Forças, através de entendimentos com as respectivas
chefias do Estado-Maior, e os órgãos subordinados.
No dia 31 de março último fui recebido no Palácio
das Laranjeiras pelo então Presidente João Goulart em
audiência especial que solicitara para levar-lhe infor-
mações sobre o estado moral e disciplinar das Forças
Armadas, as repercussões sobre elas das ocorrências
político-militares e uma impressão sobre a situação
no tocante à segurança interna, que hoje sobreleva como parte principal da segurança nacional. Nessa
oportunidade mostrou esta chefia, verbalmente, a necessidade de o Presidente fazer uma opção imediata,
entre as Forças Armadas e os sindicatos dominados pelos comunistas, quanto ao apoio do seu governo, por
não parecer compatível a coexistência do poder militar com o poder sindical, ideologicamente antagônicos,
considerando que ainda seria possível restabelecer a unidade moral entre o Comando Supremo das Forças
Armadas e estas, mediante atitudes afirmativas que sensibilizassem a opinião pública e especialmente a
militar; deveria o Presidente governar com os partidos políticos, em vez dos sindicatos representados por
ajuntamentos espúrios, e apoiado pelas Forças Armadas, às quais abriria um crédito amplo de confiança.
Entreguei, então, em mãos daquela autoridade documento por mim assinado sobre tal assunto elaborado
com prévia consulta e concordância dos Chefes dos Estados-Maiores do Exército e da Aeronáutica, bem
como dos oficiais generais das três Forças Armadas a mim diretamente subordinados. Para o conhecimen-
to da totalidade dos integrantes do Estado-Maior das Forças Armadas transcrevo, a seguir, o documento
acima referido e, nesta oportunidade, faço baixar sua classificação sigilosa de confidencial para ostensivo”.
Edição Especial - 59
“Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
O Estado-Maior das Forças Armadas, órgão da Presidência da República diretamente subordinado ao
Chefe da Nação, é encarregado de preparar-lhe as decisões relativas à organização e emprego em conjunto
das Forças Armadas, da elaboração dos planos correspondentes e de colaborar no preparo da mobilização
total da nação para a guerra. Sendo ele o Estado-Maior do Comando Supremo, o seu chefe exerce, funcio-
nalmente, atribuições de assessor do Presidente da República em tudo o que concerne à segurança nacional.
Explicitamente, o regulamento para o Estado-Maior das Forças Armadas especifica ser da sua com-
petência:
- Sugerir medidas ou emitir parecer sobre todos os problemas atinentes à segurança nacional rela-
cionados direta ou indiretamente com o equipamento, o preparo e de modo geral, a eficiência das Forças
Armadas;
- Exercer a alta direção do Serviço de Informações e Contra-Informações Militares.
Assim, senhor Presidente, julgando cumprir um dever funcional, e com a lealdade que ponho em
todos os meus atos, venho trazer a Vossa Excelência informações sobre o estado moral e disciplinar das
Forças Armadas, as repercussões sobre elas das ocorrências político-militares havidas e uma impressão sobre
a situação, no que concerne à segurança interna, que hoje sobreleva como parte inseparável da segurança
nacional:
A - Moral e disciplinaO estado moral e disciplinar do Exército e da Aeronáutica, a despeito das apreensões que pesam so-
bre o espírito dos chefes militares, em constante estado de alerta para impedir as infiltrações de elementos
subversivos que chegam a iludir a boa fé de certas autoridades, apesar de ainda poder-se considerar bom,
apresenta-se suscetível de bruscas variações, devido à tensão a que têm estado submetidos pelo processo
comuno-desagregador em desenvolvimento no país, culminando com a indisciplina militar ocorrida na
Semana Santa.
A Marinha se acha ainda em recuperação da grave crise disciplinar por que acaba de passar. A res-
tauração da disciplina será abreviada mediante algumas medidas adequadas baseadas principalmente na
aplicação rigorosa e impessoal de prescrições regulamentares e na instrução e no trabalho profissional
intensos. O restabelecimento da unidade moral, com base no respeito à lei e na confiança recíproca entre
comandantes e comandados, irá depender, principalmente, da ação do governo e da capacidade de coman-
do dos oficiais.
Em essência, o desenvolvimento desse processo subversivo, sem que medidas governamentais objeti-
vas sejam adotadas, em particular as preservadoras da hierarquia e restauradoras da disciplina fundamentos
básicos da organização militar, bem acentuados na Constituição, não permitirá, dentro de muito pouco
tempo, que os chefes militares mantenham seus comandos coesos, por lhes falecerem aqueles elementos
essenciais de aglutinação de qualquer Força Armada.
Eis o relatório:
* Mantem a ortografia da época
60 - Revista do Clube Militar
B - Ocorrências político-militares recentes e repercussões nas Forças Armadas.Há no país, incontestavelmente, um clima de apreensão e intranqüilidade em face da ação de-
senvolvida por alguns políticos que, com grave desprestígio para os partidos democráticos existentes,
procuram substituí-los por ajuntamentos dominados por comunistas e que, ao arrepio da lei, buscam
petulantemente pressionar os poderes da República mediante coação sindical através de greves políticas
ou ameaças de greves. E o aspecto de uma ditadura comuno-sindical se alteia sobre a comunidade na-
cional, contribuindo para agravar a inflação que tanto sofrimento tem acarretado ao povo brasileiro.
O comício de 13 de março, na Central do Brasil, convocado pelo CGT e órgãos congêneres e, ao
que consta, resultante de sugestão feita ao Prof. San Thiago Dantas pelo líder comunista Luís Carlos
Prestes, conforme entrevista deste na ABI, publicada no Jornal do Brasil, de 18 de março corrente,
alarmou a opinião pública e teve funda repercussão nos meios militares. Redundou ele, pela palavra
de vários oradores, em agravos ao Poder Legislativo, virtual declaração de guerra às instituições demo-
cráticas e verdadeiro desafio às Forças Armadas, fiéis ao juramento de defender os poderes da União,
harmônicos e independentes, a lei e a ordem. Os chefes militares das três Forças Armadas, em todos os
graus da hierarquia, vêem com crescente apreensão o desenvolvimento da grave crise de autoridade que,
nos dias que correm, forma, com a crise inflacionária, um círculo vicioso, a um tempo causa e efeito
dos males que assoberbam a vida do nosso povo.
A ignomínia de uma ditadura comuno-sindical paira sobre a nação brasileira; os seus audaciosos
arquitetos, escancaradamente, deram prazo ao Congresso Nacional para que, dentro de trinta dias, a
contar da data do seu ultimato, atenda ao pedido de reforma da Constituição contido na mensagem
presidencial, sob ameaça de tomarem medidas concretas, segundo a expressão dos dirigentes do fami-
gerado CGT, não excluindo a hipótese de uma paralisação geral das atividades em todo o país. É o
mesmo que os malfeitores, indiferentes às leis do país e em atitude de desafio às autoridades públicas,
se reunirem e proclamarem a decisão de assaltar determinadas propriedades se não for atendida, dentro
de certo prazo, a intimação feita - “a bolsa ou a vida”!...
O sistema comuno-sindical-grevista, na medida em que se fortalece e amplia, torna-se cada vez
mais perigoso para a segurança do país.
Reafirmo a Vossa Excelência o que já, de algum tempo, venho assegurando e estou certo de ex-
pressar a opinião dominante entre os chefes militares, de que as Forças Armadas não podem dividir
com nenhuma organização as suas atribuições constitucionais; a segurança do governo e das institui-
ções democráticas só pode repousar nas Forças Armadas, na sua lealdade e em sua honra militar. Não
é possível, nesse terreno, a coexistência pacífica do poder militar com o “poder sindical” subversivo e
fora da lei.
Inimigos das reformas são os empreiteiros da desordem, aqueles que a exigem em tom de ameaça
de fechamento do Poder Legislativo, autores intelectuais da intentona de Brasília e da recente rebelião
de marinheiros e fuzileiros navais. A facção sindicalista revolucionária que nos ameaça, através de
hierarquias paralelas, visa ao enfraquecimento do princípio da autoridade e, mediante greves parciais
e sucessivas, tais como engajamentos preliminares, pretende chegar à greve geral, equivalente à batalha
Edição Especial - 61
de aniquilamento, com que conta tomar o poder político.
Nessa ocasião, o governante democrata, iludido em sua boa fé, será eliminado do poder que não
pode ser dividido; seria um corpo estranho no organismo da ditadura férrea e impiedosa.
Com a autoridade na matéria, que ninguém lhe pode negar, Lenine proclamou ser a inflação
monetária, nos países capitalistas, precioso aliado do comunismo, pois que trabalha, silenciosa e sis-
tematicamente, em seu favor. E os dirigentes desse sindicalismo revolucionário que controlam vários
sindicatos de atividades essenciais e dominam órgãos espúrios e marcadamente comunistas CGT, PUA,
CPOS, PAC, Fórum Sindical de Debates (Santos) etc., os quais, em Nota de Instrução nº 7, de 15 de
setembro de 1963, no II Exército, denominei de serpentários, de peçonhentos inimigos da democracia,
traidores da consciência democrática nacional desvirtuando as altas finalidades do sadio sindicalismo,
conforme concebido pelo Presidente Getúlio Vargas, parece adotarem, consciente e cavilosamente, duas
linhas de ação convergentes: aprofundar o mais possível a inflação monetária (que tantas desgraças
tem trazido ao povo brasileiro, inclusive o suicídio do chefe de Estado, em 1954) e o solapamento da
hierarquia e da disciplina nas Forças Armadas, mediante uma ação insidiosa que vêm exercendo siste-
maticamente junto a sargentos, cabos, soldados, marinheiros e fuzileiros navais.
Os resultados dessa impatriótica ação desenvolvida por inimigos do Brasil e das suas Forças Ar-
madas, a que se têm juntado alguns deputados que se dizem nacionalistas, aí estão aos olhos de toda a
nação, que não se deixa ludibriar por falsas reformas e pseudomonitores de opinião pública. Os tristes
acontecimentos da Semana Santa, envolvendo marinheiros e fuzileiros iludidos na sua boa fé, são prova
irretorquível desse acerto.
Uma república sindicalista, nos moldes da apregoada pelos integrantes dos órgãos espúrios a que
acima me referi, só poderia ser implantada sobre o cadáver moral das Forças Armadas e os escombros
da democracia brasileira republicana, federativa e representativa. A recente rebeldia de marinheiros
e fuzileiros, valendo-se de motivos perfeitamente suscetíveis de serem tratados no âmbito da própria
Força e que, por si só, não justificariam a atitude radical assumida, foi por eles fomentada, dirigida e
alimentada: ainda emociona a nação, justamente apreensiva com o espectro do comunismo, que busca,
na destruição da hierarquia e da disciplina das Forças Armadas, criar as condições básicas para os seus
criminosos desígnios.
Ainda está em tempo de resguardar a hierarquia e a disciplina militares, alicerces das Forças Ar-
madas, da ação maléfica dos seus inimigos e que são inimigos mortais das instituições democráticas.
O manifesto de 26 do corrente do CGT e os manifestos de vários sindicatos que nele se inspiraram, de
solidariedade aos marinheiros e fuzileiros rebelados, impregnados de caluniosas acusações às autori-
dades navais, intrigas e ameaças costumeiras, não deixou a menor sombra de dúvida quanto à autoria
intelectual dos gravíssimos acontecimentos que acabam de abalar a nação inteira, tal como em 1º de
setembro do ano passado com a intentona de Brasília, apoiada, senão promovida, pelas mesmas figuras
cuja impunidade tem servido para aumentar-lhes a desenvoltura na prática dos mesmos crimes contra
o Brasil, suas Forças Armadas e suas instituições democráticas.
As Forças Armadas estão prontas a levantar a luva atirada à face da nação por esses criminosos;
62 - Revista do Clube Militar
estão prontas a cumprir o seu dever e assegurar em toda a plenitude o livre exercício dos poderes da
União, dentro dos limites da lei, como assegurar, também, o funcionamento dos serviços essenciais à
vida da população. Ameaçam esses brasileiros inimigos de sua pátria desencadear uma greve geral e total
para impor a sua vontade ao Congresso, à custa do sofrimento de todo o povo brasileiro, convertido,
assim, em indefeso refém. Isso, porém, que seria a implantação de uma indisfarçada e hedionda ditadu-
ra comuno-sindical que arrasaria o princípio da autoridade e o próprio regime constitucional, somente
poderia ocorrer com a capitulação do Governo legalmente constituído, o qual contará sempre, para
cumprir o seu dever e para a sua defesa, com a lealdade das Forças Armadas, fiéis ao seu compromisso
de honra perante a bandeira. Os comunistas sabem perfeitamente disso e, não podendo derrotá-las de
frente pela força, buscam solapar-lhes a hierarquia e a disciplina, que são os seus fundamentos vitais.
As Forças Armadas do Brasil - afirmo a Vossa Excelência, senhor Presidente, com legítimo or-
gulho e absoluta certeza por estar com elas identificado e servi-las há 47 anos - são profundamente
democráticas e, portanto, favoráveis às reformas de base, cristãs e democráticas, em benefício do povo
brasileiro e não contra o povo brasileiro, servindo de mero pretexto para manobras políticas de ambi-
ciosos e desalmados inimigos da “ordem e progresso”, que supõem poder reduzir a nossa gente a um
povo sem ideal cívico, de eunucos morais destituídos de amor à liberdade e incapazes de reagir. A nossa
história desmente essa falsa perspectiva. A consciência cristã e democrática do nosso povo reagirá aos
liberticidas e com ele, coerente com as suas tradições, as Forças Armadas, que nada mais são do que o
povo fardado. Assim foi em todas as épocas, como recentemente, na crise da renúncia do Presidente
Jânio Quadros.
C - Impressão sobre a situação no que concerne à segurança interna.Apesar da ação impatriótica de alguns políticos que pretendem, como é patente, arrastar as For-
ças Armadas para o terreno movediço das incursões no campo de ação privativo dos partidos, dando
cobertura aos seus despropósitos, elas se mantêm prontas a fazer cumprir a Constituição e as leis do
País, que a todos obrigam; têm elas sempre presentes os impostergáveis princípios constitucionais, de-
finidores de sua finalidade.
'As Forças Armadas, constituídas essencialmente pelo Exército, Marinha e Aeronáutica, são ins-
tituições nacionais permanentes, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade
suprema do Presidente da República e dentro dos limites da lei (Constituição, art.176)'.
'Destinam-se as Forças Armadas a defender a pátria e a garantir os poderes constitucionais, a lei
e a ordem (idem, art.177)'.
Sente-se, senhor Presidente, que as Forças Armadas continuam integradas no seu dever e que V.
Exa, nelas apoiado, poderá exercer, em toda plenitude, dentro dos limites da lei, as suas atribuições
constitucionais, consoante o compromisso solene que V. Exa assumiu com a nação brasileira, ao cingir
a faixa presidencial, desde que prontamente sejam restabelecidos o princípio da autoridade e o clima
de disciplina militar, profundamente abalado pelas últimas ocorrências verificadas na Marinha. Dessa
forma poderá V. Exa, tranqüilamente, agir com energia contra aqueles inimigos que buscam solapar a
Edição Especial - 63
disciplina das Forças Armadas.
Julgo ainda do meu dever referir-me à má repercussão nas Forças Armadas do fato de haver o
Presidente da República comparecido ontem à noite ao Automóvel Clube para receber homenagem dos
sargentos da Marinha, do Exército, da Aeronáutica e das Polícias Militares, a qual degenerou, através
de alguns discursos, em verdadeira apologia da indisciplina e da rebeldia, dolorosa impressão que as
palavras de V. Exa em prol do respeito à hierarquia não conseguirão desfazer.
Entendo que ainda será possível restabelecer a necessária confiança entre o Comando Supremo
das Forças Armadas e estas, mediante ações e atitudes afirmativas de V. Exa que o seu agudo senso po-
lítico ditará. Dentre estas, permita-me V. Exa lembrar a principal: uma formal declaração de V. Exa de
que se oporá à deflagração de greves políticas, anunciadas pelo CGT, que ordenará a intervenção nos
sindicatos que, porventura, infringirem as claras disposições legais a respeito e determinará a aplicação
de sanções penais adequadas de conformidade com a legislação em vigor Código Penal; Lei de Seguran-
ça; Lei de Greve (Decreto-Lei nª 9070 de 15 de março de 1946) e Consolidação das Leis do Trabalho.
Reafirmo a V. Exa: nós militares, senhor Presidente, somos favoráveis às sentidas reformas de base,
democráticas e cristãs, desde que dentro de um clima de ordem, confiança e respeito aos poderes da
União, harmônicos e independentes. A ditadura comuno-sindical que nos ameaça, como ficou expresso
anteriormente, só poderá implantar-se sobre o cadáver moral das Forças Armadas e os destroços da
democracia.
Esta, senhor Presidente, é, data vênia, a apreciação que, no desempenho da atribuição funcional
de Estado-Maior das Forças Armadas e, portanto, de assessoria à presidência da República, julgo do
meu dever encaminhar à elevada consideração de V. Exa, dado o clima de intranqüilidade e apreensão
que, no momento, atravessa o país.
Finalmente, senhor Presidente, cumpre-me realçar que a apreciação aqui apresentada não traduz,
apenas, o pensamento do chefe do Estado-Maior das Forças Armadas; reflete o sentimento dominante
da maioria dos escalões de comando militares e dos integrantes dos diferentes graus de hierarquia mi-
litar.
Aproveito a oportunidade, senhor Presidente, para renovar a V. Exa os protestos de meu mais
profundo respeito.
(a) General-de-Exército Pery Constant Bevilacqua, Chefe do EMFA”.
No mesmo dia em que este Relatório foi entregue ao Presidente João Goulart, 31 de março de
64, tropas do Exército, sediadas no estado de Minas Gerais, deflagraram o movimento armado, tendo
recebido o apoio das demais forças de terra, mar e ar, bem como a inestimável aliança dos Governos
de Minas Gerais, de São Paulo, da Guanabara, do Rio Grande do Sul e de Alagoas. Houvera uma ante-
cipação do início da Revolução.
64 - Revista do Clube Militar
Proclamação do Governador Magalhães Pinto, em 31 de março de 1964
“Brasileiros:
Foram inúteis todas as advertências que temos feito ao País contra a
radicalização de posições e de atitudes, contra a diluição do princípio federa-
tivo, pelas reformas estruturais, dentro dos quadros de regime democrático.
Finalmente, quando a crise nacional ia assumindo características cada vez
mais dramáticas, inútil foi, também, nosso apelo ao Governo da União para
que se mantivesse fiel à legalidade constitucional.
Tivemos, sem dúvida, o apoio de forças representativas, todas empe-
nhadas em manifestar o sentimento do povo brasileiro, ansioso de paz e de
ordem para o trabalho, único ambiente propício à realização das reformas profundas que se impõem, que a
Nação deseja, mas que não se justificam, de forma alguma, com o sacrifício da liberdade e do regime.
O Presidente da República, como notoriamente o demonstram os acontecimentos recentes e sua pró-
pria palavra, preferiu outro caminho: o de submeter-se à indisciplina nas Forças Armadas e o de postular
e – quem sabe? – tentar realizar seus propósitos reformistas com o sacrifício da normalidade institucional, e
acolhendo planos subversivos que só interessam à minoria desejosa de sujeitar o povo a um sistema de tirania
que ele repele. Ante o malogro dos que, ao nosso lado, vinham proclamando a necessidade de reformas fun-
damentais, dentro da estrutura do regime democrático, as forças sediadas em Minas, responsáveis pela segu-
rança das instituições, feridas no que mais lhes importa e importa ao País – isto é, a fidelidade aos princípios
de hierarquia garantidores da normalidade institucional e da paz pública –, consideraram de seu dever entrar
em ação, a fim de assegurar a legalidade ameaçada pelo próprio Presidente da República. Move-as a consci-
ência de seus sagrados compromissos para com a Pátria e para com a sobrevivência do regime democrático.
Seu objetivo supremo é o de garantir às gerações futuras a herança do patrimônio de liberdade política e de
fidelidade cristã, que recebemos de nossos maiores e que não podemos ver perdida em nossas mãos.
A coerência impõe-nos solidariedade a essa ação patriótica. Ao nosso lado estão todos os mineiros, sem
distinção de classes e de condições, pois não pode haver divergência quando em causa está o interesse vital
da Nação brasileira. É ela que reclama, nesta hora, a união do povo, cujo apoio, quanto mais decidido e sem
discrepâncias, mais depressa permitirá o êxito dos nossos propósitos de manutenção da lei e da ordem. Que
o povo mineiro, com as forças vivas da Nação, tome a seu cargo transpor esse momento histórico. Só assim
poderemos atender aos anseios nacionais de reforma cristã e democrática. Esse é o fruto que nos há de trazer
a legalidade, por cuja plena restauração estamos em luta e que somente ela poderá conseguir”.
* Mantem a ortografia da época
Edição Especial - 65
Faz mais de dois anos que os inimigos da Ordem e da Democracia, escudados na
impunidade que lhes assegura o Sr Chefe do Poder Executivo, vêm desrespeitando as ins-
tituições, enxovalhando as Fôrças Armadas, diluindo nas autoridades públicas o respeito
que lhes é devido em qualquer nação civilizada, e, ainda, lançando o povo em áspero e
terrível clima de mêdo e desespêro.
Organizações espúrias de sindicalismo político, manobradas por inimigos do Bra-
sil, confessadamente comunistas, tanto mais audaciosos quanto estimulados pelo Senhor
Presidente da República, procuram infundir em todos os espíritos a certeza de que falam
em nome do operariado brasileiro, quando é certo que falam em nome de um Estado estrangeiro, a cujos
interêsses imperialistas estão servindo em criminosa atividade subversiva, para traírem a Pátria Brasileira, tão
generosa e cavalheiresca.
E o atual Govêrno, a cujos projetos que negam a soberania do Brasil vêm servindo essas organizações,
dá-lhes apôio oficial ou oficiosamente, concedendo-lhes até mesmo a faculdade de nomear e demitir ministros,
generais e altos funcionários, objetivando, assim, por conhecido processo, a desfazer as instituições democrá-
ticas e instituir, aberrantemente, o totalitarismo, que nega a Federação, a República, a Ordem Jurídica e até
mesmo o progresso social.
Tentaram revoltar o disciplinado e patriótico “Círculo de Sargentos”, e recentemente, essas organizações
e êsse Govêrno tudo fizeram para desmoralizar e humilhar a Marinha de Guerra do Brasil, na mais debochada
e despudorada ofensa à sua disciplina e hierarquia, que nela devem predominar.
O Povo, Governos Estaduais e Fôrças Armadas, animados de fervoroso sentimento patriótico, repelem êsse
processo de aviltamento das fôrças vivas da Nação, tão bem concebido e caprichosamente executado pelo Sr Presiden-
te da República, o qual, divorciado dos preceitos constitucionais, negando solene juramento, pretende transformar
o Brasil, de Nação soberana que é, em um ajuntamento de sub-homens, que se submetam a seus planos ditatoriais.
Na certeza de que o Chefe do Govêrno está a executar uma das etapas do processo de aniquilamento
das liberdades cívicas, as Fôrças Armadas, e, em nome delas, o seu mais humilde soldado, o que subscreve este
manifesto, não podem silenciar diante de tal crime, sob pena de com êle se tornarem coniventes.
Eis o motivo pelo qual conclamamos a todos os brasileiros e militares esclarecidos para que, unidos
conosco, venham ajudar-nos a restaurar, no Brasil, o domínio da Constituição e o predomínio da boa-fé no
seu cumprimento.
O Sr Presidente da República, que ostensivamente se nega a cumprir seus deveres constitucionais, tor-
nando-se, êle mesmo, chefe de governo comunista, não merece ser havido como guardião da Lei Magna, e,
portanto, há de ser afastado do Poder de que abusa, para de acôrdo com a Lei, operar-se a sua sucessão, mantida
a Ordem Jurídica.
Proclamação do Gen Div Olympio Mourão Filho
À Nação e às Forças Armadas
Comandante da 4ª Região Militar e 4ª Divisão de InfantariaJuiz de Fora, MG, 31 de março de 1964
* Mantem a ortografia da época
66 - Revista do Clube Militar
A Participação da Academia Militar das Agulhas Negras
Extrato do depoimento do Gen Ex Antonio Jorge Correa* ao General Luiz Nery da Silva (Projeto História Oral do Exército)
No início de 1963, o Gen Bda Pedro Geraldo de Almeida foi substituído no Comando da Academia
Militar pelo Gen Bda Emílio Garrastazu Médici que, tão bem, a conhecia, pois participara, como seu Sub-
comandante, nos anos de 60 e 61. De imediato, o novo Comandante organizou sua equipe, levando-me
como seu Subcomandante e o Cel Moacyr Barcellos Potyguara como Comandante do Corpo de Cadetes.
Considerando que, na verdade, de 1960 a 1963, houve profunda mudança no panorama geral do
nosso País, onde o comunismo avançava firmemente na conquista de postos de governo e na tentativa de
subverter a ordem nas Forças Armadas pela inversão da hierarquia e pela indisciplina, abalando sua coe-
são, um dos primeiros atos do Gen Médici foi nomear um Grupo Especial de Trabalho (GET), sob minha
chefia, para intensificação do estudo da Guerra Revolucionária, sendo constituídos quatro grupamentos: 1)
Oficiais do Corpo de Cadetes e do Batalhão de Comando e Serviços; 2) Cadetes; 3) Subtenentes e Sargentos
do BCS; e 4) Oficiais do Magistério e da Administração.
O GET, por determinação do Comandante da AMAN, estruturou-se como um Estado-Maior Ope-
racional, para acompanhar a evolução dos acontecimentos no país; planejar o emprego da tropa; prever
o controle das atividades na área de Resende e tudo que pudesse advir em caso de anormalidade nas áreas
política e militar. Durante aquele ano, o Comandante da AMAN manteve contato constante com os Co-
mandantes do II Exército, 4ª RM/DI e alguns Chefes Militares da Guanabara. Por outro lado, o Gen Mé-
dici acompanhava, de perto, o desenrolar das atividades do GET, na instrução de Guerra Revolucionária e
como Estado-Maior Operacional.
. . . .
Para o ensino da Guerra Revolucionária, o efetivo da Academia foi dividido em grupamentos, como
já foi mencionado. Os oficiais do Corpo de Cadetes e do Batalhão de Comando e Serviços receberam
instrução do GET a ser repassada a seus comandados. O objetivo era não mexer no Corpo de Cadetes e
* À época, era Coronel Subcomandante da AMAN
Edição Especial - 67
não prejudicar a estrutura orgânica. Deixou-se ao Coronel Potyguara, aos Instrutores-Chefes, que eram Co-
mandantes de Curso, e aos Comandantes de Companhia a responsabilidade de transmitir tudo aos cadetes.
No Batalhão de Comando e Serviços, os oficiais recebiam as instruções, transmitindo-as aos sargentos. O gru-
po de professores teria a instrução de Guerra Revolucionária do próprio Comandante ou do Subcomandante
da AMAN sob a forma de Boletins Informativos, frequentes reuniões, troca de ideias etc. Assim, transcorreu
o ano de 1963.
A preparação psicológica se fez através do estudo da Guerra Revolucionária, como pensou muito bem
o General Castello Branco, e ao mesmo tempo o Estado-Maior Operacional trabalhava sobre a eventualidade
de conflito, perturbação da ordem ou modificação na vida do País.
Em 1963, o General Médici, como vimos, manteve um contato estreito, muito estreito e permanente,
com o General Amaury Kruel, Comandante do II Exército, com o General Mourão Filho, Comandante da
4ª Região Militar e 4ª Divisão de Infantaria (4ª RM/DI), e com oficiais generais da Guanabara, não os co-
mandantes que estavam à frente da tropa, mas chefes já identificados com a ideia de que o comunismo estava
tomando conta de tudo. O General Médici mantinha rigorosamente informados os oficiais mais próximos
a ele. Nosso Comandante sempre esteve muito atento quanto ao fato de procurar sentir a penetração dos
ensinamentos em todos os grupamentos. Ele sabia do andamento da instrução de Guerra Revolucionária e
dos trabalhos do Estado-Maior Operacional.
. . . Através do estudo da Guerra Revolucionária, nós nos preparávamos, fortalecendo os fundamentos
democráticos, mas também passando a conhecer como atuavam os comunistas.
Assim, chegamos às vésperas do Movimento de março de 1964. Para se ter uma ideia de como está-
vamos atentos ao problema, vou ler a Nota Especial de Serviço do General Médici datada de 30 de março.
NOTA ESPECIAL Nº 1 / 64
“1) É inegável que o País está vivendo dias intranqüilos. O que está acontecendo é do conheci-
mento de todos os meus comandados, pois este Comando não tem outras informações que não sejam
as que, ostensivamente, divulga a imprensa falada, escrita e televisiva.
2) A esta Academia Militar, como parte integrante da Instituição Militar vigente no País, cabe,
fundamentalmente, prosseguir no cumprimento de sua nobre missão e garantir, até a última instân-
cia, a manutenção dos princípios basilares da subordinação hierárquica e da disciplina, de compor-
tamento correto e digno em todas as circunstâncias, mesmo as mais adversas.
3) Informo aos meus comandados que este Comando estará rigorosamente atento aos aconte-
cimentos e que divulgará, em tempo oportuno, as decisões que provenham dos Escalões Superiores,
bem como aquelas que julgar mais adequadas às situações que se apresentarem. (Vejam como o Ge-
neral Médici penetrou no problema!)
4) Sei, pela vivência que tenho com todos os meus comandados, de suas preocupações, que não
são maiores que as minhas. Por isso, concito a todos, e a cada um em particular, que mantenham a
tranqüilidade, a calma e a serenidade necessárias à exação do cumprimento dos deveres profissio-
* Mantem a ortografia da época
68 - Revista do Clube Militar
nais e à confiança na ação do Comando, que será clara e justa na hora aprazada.
5) Torno claro, neste momento, que as características peculiares dessa Instituição ímpar do
Exército impõe a todos os meus comandados, para qualquer atitude ou ação, um sentido único de
união, coesão e vontade de convergir esforços para cumprir as decisões do Comando”.
Na tarde de 31 de março, às 17h30min, o General Comandante recebeu do I Exército a determinação
de colocar e manter em prontidão o Batalhão de Comando e Serviços da AMAN, em face do “levante do
povo de Minas Gerais, com apoio das Forças Federais e Estaduais sediadas naquele Estado, contra o Go-
verno Federal”.
Nessa mesma hora, a imprensa falada começava a noticiar os acontecimentos de Minas. A decisão do
Comandante da AMAN foi de:
• Cumprir a determinação do Comando do I Exército, quanto ao Batalhão de Comando e Serviços;
• Ativar o Estado-Maior Operacional, já constituído, para a atualização do estudo da situação, plane-
jamento de possíveis ações e acionamento dos elementos de informações.
Foram realizadas as seguintes ações:
• Início dos trabalhos do Estado-Maior Operacional;
• Acionamento do Sistema de Informações; e
• Execução do Plano de Emprego do Corpo de Cadetes em ações de Segurança Interna.
Passo a relatar os acontecimentos de 18h de 31 de março às 6h de 1º de abril.
Já na primeira parte desta noite, os pronunciamentos e as adesões de vários chefes militares, governa-
dores e outras autoridades definiram o sentido nítido do movimento revolucionário, iniciado em Minas
Gerais: a destruição do processo de comunização instalado no País.
Às 2h da manhã, o QG revolucionário da Guanabara, através de contato direto do General Costa e
Silva com o comandante da AMAN, confirmou a deflagração geral da Revolução e solicitou o apoio da
Academia Militar, particularmente em face da situação ainda indefinida da Guarnição Federal no Estado
do Rio. O General Comandante garantiu-lhe o apoio, na medida das possibilidades máximas da Academia.
Às 2h30min da manhã, o Comandante do II Exército informou, em contato direto com o General
Comandante, ter aderido ao movimento revolucionário e que havia determinado a marcha de Forças do II
Exército sobre a Guanabara, pelo eixo da BR2.
Ao pedido de apoio feito pelo General Kruel, o General Comandante da AMAN hipotecou-lhe a
garantia de passagem livre, das Forças sob o seu comando, na região de Resende.
Às 3h da manhã, o Comando do I Exército informou ao General Comandante da AMAN haver de-
terminado o deslocamento do GUEs para São Paulo, pelo eixo da BR2, prevendo a passagem em Resende
às 12h de 1º de abril. As informações recebidas indicavam, até às 6h da manhã, o seguinte:
• I Exército: situação indefinida, na cidade do Rio de Janeiro; 4ª DI deslocando-se sobre a Guanabara;
GUEs iniciando deslocamento de alguns elementos na direção de São Paulo; e a 1ª DI deslocando-se na
direção de Juiz de Fora;
• II Exército: deslocando o grosso de suas Unidades na direção da Guanabara.
Edição Especial - 69
Decisão do Comandante da Academia, às 2h30min do dia 1ª de abril:
• Integrar a AMAN no movimento revolucionário;
• Garantir a passagem do II Exército na região de Resende e concretizar imediatamente a vigilância
sobre os pontos críticos do eixo da BR2 entre Itatiaia e Barra Mansa, em ligação com o 1º BIB e o 5º RI.
As seguintes ações foram realizadas:
• Estudo de situação continuado, pelo Estado-Maior Operacional;
• Intensificação do acionamento dos meios de busca de informações, em particular sobre os aspectos
referentes à segurança de todos os bens e serviços de utilidade pública, na área da guarnição;
• Envio de Oficial de Ligação para as Forças do II Exército;
• Emprego de tropa do BCS para a vigilância da BR2, no trecho Itatiaia e Barra Mansa;
• Ordem Preparatória ao Corpo de Cadetes sobre seu possível emprego;
• Plano de emprego de agentes, no controle de órgãos locais de difusão e de fornecimento de energia;
• Plano de requisição de suprimentos críticos;
• Plano de requisição de meios de transporte;
• Plano de segurança de órgãos de utilidade pública, situados na região de Resende;
• Plano de contenção de reações em Resende, na CHEVAP e em Itatiaia.
. . .
Alguns fatos ocorridos nesse período merecem registro.
. . .
Durante os trabalhos do Estado-Maior Operacional, havia sido deliberado que, se a Academia se
sublevasse, ela deveria alardear isso, tornar público essa posição. Então, já tínhamos elaborado um texto
que teria que ser adaptado à situação existente. Essa proclamação, “Irmãos em Armas” era exatamente isso.
Com relação ao governo da cidade, o prefeito, que tinha sido meu colega no Colégio Militar, . . . .
As informações disponíveis indicavam que o choque inicial poderia ocorrer dentro da área da guar-
nição de Resende, diante dos dados reais de progressão dos elementos oponentes.
Decisão do Comandante da AMAN:
• Por em execução os planos referentes ao controle da localidade de Resende;
• Empregar o Corpo de Cadetes para impedir o acesso das Forças do I Exército à região de Resende,
até a chegada do II Exército (5ª RI).
As ações realizadas, no âmbito da AMAN, foram:
• Desde cedo: ocupação de pontos de interesse na localidade de Resende;
• Às 8h30min, foi lançada a Vanguarda do Corpo de Cadetes, pelo eixo da BR2, para a região de
Barra Mansa, com a missão de estabelecer ligação com o 1º BIB e contato com os elementos do I Exército
que progrediam para oeste;
• Nessa mesma hora, para caracterizar o verdadeiro sentido histórico do emprego do Corpo de Ca-
detes em operações efetivas, foi divulgada por todos os meios disponíveis, para todo o País e, em especial,
para as Forças oponentes, a Proclamação “Irmãos em Armas”, lida a seguir:
70 - Revista do Clube Militar
Irmãos em Armas
Por que a AMAN Empunhou Armas em Defesa da Democracia.
(Proclamação lançada na manhã de 1ª de abril de 1964, ao se deslocarem os cadetes para a Guanaba-
ra, na vanguarda do II Exército).
“Aqui estão os Cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras, mãe comum dos dignos oficiais
do Exército Brasileiro e forjadora dos caracteres ilibados dos militares que hoje, por motivos conhecidos,
estão por se defrontar.
A AMAN, ao adotar a atitude que tomou – que nossa presença aqui materializa – pensou principal-
mente na validade eterna dos princípios de disciplina e hierarquia que tem sido o apanágio glorioso de
nossas Forças Armadas. Aqui está a Mocidade Militar do Brasil, representada por jovens possuídos dos
mais alcantilados sentimentos de patriotismo e apego ao dever, não para agredir a seus irmãos de armas,
nem para deixar-se sacrificar, mas sim para salvaguardar os princípios que regem a profissão que escolhe-
ram por vocação irresistível e, se necessário for, dignificar a farda que vestem através de atos de que falará
no futuro, com respeito e admiração, a História de nossa estremecida Pátria.
No momento em que persiste o extremo perigo de, neste vale de tão alto significado para a vida
nacional, enfrentarem-se e matarem-se irmãos que, no fundo, cultuam os mesmos ideais e perseguem os
mesmos objetivos, nossa atitude significa, também, a tentativa patriótica de evitar o desperdício de ener-
gias que, talvez, venham a ser necessárias à defesa de nossos lares e das tradições que têm marcado nossa
existência.
Irmãos de nascimento, de fé patriótica e de ideal: refleti bem antes de, pela violência, tentar abater o
ânimo sacrossanto que para aqui nos conduziu. A Academia, por seus orientadores diretos, aqui está dis-
posta a cumprir, na íntegra, tudo quanto nos tem sido ensinado como sagrado e proveitoso para a Pátria.
Não tenteis cortar sem maior ponderação, no seu nascedouro, tantas vocações capazes de gerar, para a con-
dução do destino do Brasil, os chefes de que carece a grande nação a que todos, com orgulho, pertencemos.
Militares do Exército Brasileiro: que não seja esta a via dolorosa para vossas consciências e para a
herança de vossos descendentes.
Unidos, teremos todos a gratidão da Pátria; se nos desaviermos, por certo o Brasil um dia nos con-
denará como autênticos dilapidadores do poder energético que tantos sacrifícios custaram a nossos ante-
passados.
Irmãos: que a Bandeira Brasileira, que tremula altaneira nos nossos mastros e reflete os sentimentos
cristãos de nossos corações, nos cubra a todos e inspire nossas ações, nesses momentos graves de nossas
vidas, tão úteis e necessárias à grandeza do nosso querido Brasil.”
* Mantem a ortografia da época
Edição Especial - 71
Às 11h30min, o 1º Escalão do II Exército,
representado pelo 5º RI, aproximou-se de Resen-
de. Ainda naquela manhã foi emitida, por todos
os meios de divulgação possíveis, a Proclamação
“Irmãos das Forças Armadas”, com a qual os cade-
tes tornaram público mais um apelo, agora a seus
colegas da Escola Naval e da Escola de Aeronáu-
tica, buscando o seu apoio em benefício da causa
comum.
. . .
No período de 12h às 20h, ocorreram os se-
guintes fatos principais:
• Estabeleceu-se e manteve-se o contato das
Forças oponentes na região de Barra Mansa, sem
qualquer ato de hostilidade;
• Foi estabelecida, pelo Corpo de Cadetes,
uma posição defensiva, na região de Ribeirão da
Divisa;
. . .
• Ultrapassaram a linha de contato, sendo
acolhidas pelo Corpo de Cadetes e encaminhadas
para a AMAN, duas Baterias de Obuses do Grupo
Escola de Artilharia;
Às 13h, o General Comandante recebeu a
comunicação de que o Comandante do I Exérci-
to (nas funções de Ministro da Guerra – General
Armando de Moraes Âncora) e o Comandante do
II Exército reunir-se-iam, para uma conferência,
nesta Academia Militar.
Às 18h, após a recepção dessas autoridades
com as honras militares devidas, realizou-se a con-
ferência, ficando decidido: suspensão das opera-
ções no Vale do Paraíba e o regresso das tropas aos
respectivos quartéis.
. . .
Das 20h do dia 1º às 12h do dia 2, ocorre-
ram os seguintes acontecimentos:
• Foi mantido o contato na região de Barra
Mansa;
• Ao amanhecer, foi realizada a substituição
do Corpo de Cadetes por elementos do 5º RI.
. . .
Às 10h30min do dia 2, os Oficiais, Cadetes
e Praças que tomaram parte nas operações regres-
saram à AMAN, depois da substituição tática do
5º RI, e foram recebidos com festa pela Família
Militar na Esplanada Ministro Dutra. As outras
Unidades, que se concentraram na AMAN, já esta-
vam reunidas no Campo de Parada.
Foi uma solenidade guerreira, realmente no-
tável, e, nessa oportunidade, o General Médici, no
meio do Portão Monumental, recebeu a continên-
cia de toda a tropa, uma justa homenagem a um
chefe de valor, um homem firme, que prestigiava
muito os seus auxiliares, e aquele foi um momen-
to de grande felicidade para nós.
Às 11h, realizou-se a formatura geral em
homenagem a todos os integrantes da Academia
Militar que atuaram em benefício do já vitorioso
movimento revolucionário. Foi lida nessa forma-
tura a Ordem do Dia do General Comandante.
72 - Revista do Clube Militar
Ordem do Dia do Comandante da AMAN
Em 02 de abril de 1964Gen Bda Emílio Garrastazú Médici
Como é imperativo nas situações de emergência que, por dever de ofício, vez por outra têm de en-
frentar as Forças Armadas, a atitude histórica tomada pela Academia Militar das Agulhas Negras foi fruto
de acendrado espírito patriótico, de profunda reflexão e do reconhecimento de suas grandes responsabi-
lidades no panorama nacional.
O senso de patriotismo, que temos cultivado diuturnamente, nos vem da apreciação das páginas glo-
riosas de nossa História e da devoção, sincera e continuada, que nos empenhamos em manter e fortalecer
para com os elementos fundamentais da nacionalidade brasileira.
A meditação, dedicada à evolução da situação nacional e, muito particularmente, à sua fase aguda,
nos foi propiciada pelo interesse em bem servir às legítimas aspirações de nosso povo, pela formação que
nos foi proporcionada no ambiente militar brasileiro e pelo equilíbrio que, de regra, soe advir da convic-
ção nos ideais formulados e perseguidos pelos que amam o seu bêrço natal, a sua família e a sua Pátria.
As responsabilidades da Academia no panorama nacional sempre se nos afiguraram patentes, em
face dos anseios que nos norteiam, do trabalho que habitualmente executamos e do muito que, num Exér-
cito eminentemente democráticos, produzimos dia-a-dia em prol da segurança nacional e do progresso
geral do país.
Este 3 pontos básicos, meus camaradas, materializam a orientação que, conscientemente e inunda-
dos de fervor cívico, seguimos nos últimos dias. Tenho a certeza absoluta de que, ao seguí-la, adotei a única
direção de atuação que despontava, clara e insofismável, do nosso passado, de nossa presente preocupação
com o restabelecimento da Hierarquia e da Disciplina, e de nossos anseios relativos ao futuro. Diante das
notícias desencontradas que inundavam o país, na noite de 31 Mar p. passado, constituí um E M opera-
cional. Coloquei em estado de alerta o CC e dei ordem de prontidão ao BCS.
Com o evoluir dos acontecimentos, ligados a fatos concretos ocorridos em vários Estados da Fede-
ração, os planos e as medidas de controle foram sendo aprofundadas e, na madrugada de 1° Abr, por seu
Cmt, a Academia declarou-se a favor daqueles que pugnavam pelo restabelecimento, no país, do clima
coerente com suas tradições cristãs e com os sentimentos patrióticos da maioria esmagadora do povo bra-
sileiro. Quando o panorama pareceu claro, a mim e a meus colaboradores diretos, não hesitei um instante
em declarar a grave decisão que tomara, pois a sabia inteiramente legítima, dada a consciência cívica e o
fervor patriótico de meus comandados.
Em decorrência da decisão formulada, empregamos a Cia Gda do BCS na vigilância dos pontos
críticos em torno de RESENDE, estabelecemos as premissas do controle da localidade e a efetivação das
* Mantem a ortografia da época
Edição Especial - 73
primeiras medidas correlatas, e passamos a planejar o emprego do CC.
Na manhã do dia 1°, foram desencadeadas as operações de controle da cidade e as medidas de segu-
rança convenientes. Enquanto isso ocorria, a situação militar se complicava no Vale do Paraíba e, diante
da possibilidade efetivamente existente, de tropas do I Exército virem a dominá-lo em todo o território
fluminense, só me restou uma atitude a tomar, dentro do quadro geral já traçado: ordenar o emprego
imediato do CC na região a E de Resende, em conexão com o 1° BIB (Barra Mansa) e em ligação com o
5° RI, que avançava de Lorena.
A sorte estava lançada: duas proclamações foram preparadas e divulgadas, ao tempo em que sentia, a
cada minuto, crescer o ardor combativo de meus comandados, em todos os postos da hierarquia.
O empenho desassombrado da Academia, na ocupação efetiva do terreno e nos preliminares da luta
armada que se desenhava, alcançou repercussão magnífica para a causa que abraçáramos, seja na população
civil, seja no seio das próprias tropas com que, provavelmente, nos defrontaríamos. Posso, mesmo, asseve-
rar que nossa atitude se constituiu em fator dos mais decisivos para o rumo que, afinal, vieram a tomar os
acontecimentos, no Vale do Paraíba e quiçá no BRASIL, cujo ponto, culminante foi a reunião na Acade-
mia, às 1800 horas de ontem, dos dois eminentes chefes militares que detinham os comandos das forças
federais em SÃO PAULO e na GUANABARA.
Oficiais, Cadetes Sargentos, Cabos, Soldados e Funcionários Civis da Academia: nosso dever formal
e de consciência foi cumprido com elevação e dignidade. O Exército Brasileiro, democrático e cristão,
mais um vez interveio nas lutas nacionais para restabelecer o rumo adequado a nossos sentimentos e dos
postulados de nossa crença cívica.
Todos podem estar tranqüilos: o que a Pátria de nós poderia esperar lhe foi dado no momento opor-
tuno e com a abnegação que nos caracteriza, no quadro geral de uma colaboração irrestrita e corajosa, que
tocou vivamente minha consciência de homem, de cidadão e do soldado. A todos, pois, o agradecimento
enternecido da Pátria Brasileira.
Cadetes! Ao decidir empregar a Academia e, em especial, o Corpo de Cadetes, eu e meus assessores diretos fo-
mos tomados de viva emoção. Lançávamos, assim, o sangue jovem do Exército na liça e corríamos o perigo
de vê-lo umedecer as velhas terras do Vale do Paraíba. Mais forte que ela, porém, foram o sentimento de
nossas responsabilidades e o conteúdo energético de nosso ideal de, no mais curto espaço de tempo, restau-
rar os princípios basilares de nossa instituição. Vosso entusiasmo, vosso idealismo imaculado, vossa fé nos
destinos do país e vossa dedicação aos misteres militares foram os elementos fiadores da decisão então to-
mada, que acabou por contribuir de modo ponderável para a solução da crise, em nossa área de operações.
Após 29 anos de alheamento, a Academia Militar voltou a empenhar-se ostensivamente na luta pelo
aprimoramento de nossas instituições e pela tranqüilidade de nosso país. Vós o fizestes, com pleno sucesso
e com admirável galhardia. Que, por isso, a História Pátria lhes reserve uma página consagradora, fazendo-
os ingressar no rol daqueles que, despidos de qualquer ambição ou interesse subalterno, um dia se dispuse-
ram a lutar pelo país que nossos descendentes hão de receber engrandecido e respeitado.
Cadetes: pela História, atingis os umbrais da glória!
Edição Especial - 79
Por que Jango caiuAdirson de Barros - Revista “O Cruzeiro” - 10 de abril de 1964
O SENHOR João Goulart perdeu o
jôgo no momento em que, abando-
nando a tática da conciliação polí-
tica, que prevaleceu nos dois primeiros anos
de seu govêrno, preferiu comandar ostensiva-
mente o esquema da esquerda radical que tinha
numa entidade juridicamente ilegal, o Coman-
do Geral dos Trabalhadores, o centro de suas
atividades revolucionárias.
Chegando ao Poder pela sua extraordiná-
ria habilidade política, usada principalmente
no amaciamento dos impulsos revolucionários
do seu cunhado Leonel Brizola e de uma pa-
ciente e longa viagem da Ásia a Pôrto Alegre
quando ganhou tempo para assumir de modo
pacífico a Presidência vaga com a renúncia de
Jânio, o Sr. João Goulart passou a estruturar
um dispositivo de segurança baseado em al-
guns oficiais de sua confiança pessoal.
Êsse dispositivo teve que ser revisto mais
de uma vez. As contingências do regime par-
lamentarista obrigaram o Presidente Goulart
a manter no Ministério da Guerra o General
Nelson de Melo, notòriamente anticomunista.
Derrubado o sistema parlamentar de govêrno,
através de uma intensa pressão política, sindi-
cal e militar, pôde, então, o Sr. João Goulart
preparar o caminho para sua futura aliança to-
tal com as esquerdas.
A Marinha e a Aeronáutica passaram a ter, a
partir do primeiro ano de govêrno presidencialista,
comandos fiéis ao Presidente. O Ministério da Guerra
foi entregue, então, ao General Amaury Kruel, amigo
pessoal do Presidente mas oficial tão anticomunista
quanto o seu antecessor na Pasta. O Sr. Leonel Brizola
iniciou, então, e vitoriosamente, uma intensa campa-
nha, pelo rádio e televisão, contra a permanência de
Kruel no comando-geral do Exército.
* Mantem a ortografia da época
80 - Revista do Clube Militar
O General legalista Jair Dantas Ribeiro
foi convocado para assumir o Ministério da
Guerra. Construiu, então, um esquema militar
inteiramente legalista e anticomunista, subs-
tituindo mais de cem comandos em todo o
território nacional. Para manter, porém, um
dispositivo militar esquerdista, fiel às reformas
econômicas que propunha e à sua futura alian-
ça com a esquerda, o Sr. João Goulart levou
para a chefia de seu gabinete militar o Gene-
ral Assis Brasil. Aí começou a estruturação de
uma ampla frente esquerdista, política, sindi-
cal e militar, sob a orientação política da Casa
Militar da Presidência.
A um ano e meio das eleições presiden-
ciais o Senhor João Goulart recusava-se a con-
versar sôbre a sua sucessão. O Sr. Juscelino
Kubitschek, que seria o candidato natural do
esquema governista, teve seu nome sumària-
mente vetado pelas fôrças esquerdistas mais
radicais, que obedeciam ao comando do De-
putado Leonel Brizola. Deu-se o esvaziamento
da candidatura Kubitschek e o crescimento da
candidatura Lacerda, na área oposta.
As lideranças políticas, inclusive as mais
próximas do Presidente Goulart, passaram a
desconfiar das intenções continuístas do chefe
trabalhista. O PSD não lhe dava cobertura par-
lamentar para as reformas. A UDN liderava,
no Congresso, a anti-reforma. Estruturava-se,
assim, um dispositivo de defesa do regime de-
mocrático, que os principais partidos e vários
governadores comandados por Adhemar e La-
cerda puseram a funcionar inicialmente na área
puramente política para, mais tarde, ganhar a
consciência e o apoio das Fôrças Armadas.
O Govêrno fêz várias tentativas de con-
tenção dêsse dispositivo oposicionista. Mal
aconselhado tanto política quanto militarmen-
te, o Sr. João Goulart contava, apenas, com
apoios populares, suportes sindicais e sua in-
tuição e habilidade política para sobreviver.
A inflação se agravava, desmoronavam-se os
planos administrativos do Govêrno. Necessá-
rio que o Presidente apressasse sua aliança com
as esquerdas, passasse a comandá-las ostensiva-
mente a fim de ocupar o espaço de tempo, os
dois meses que separavam a primeira quinze-
na de março da oficialização da candidatura
Lacerda, já marcada para princípios de abril.
Com a candidatura Kubitschek já lançada pelo
PSD, restava ao Sr. João Goulart fazer a sua
opção: ou marcharia com ela, ou concentraria
seus esforços para a esquematização de uma
candidatura esquerdista com tintas democráti-
cas. Êle desprezou a solução eleitoral e decidiu
romper a barreira da conciliação política, indo
ao encontro das lideranças identificadas com o
pensamento marxista.
Estaria absolutamente convencido o Pre-
sidente Goulart de contar com apoios militares
para essa jogada? Estaria certo que as fôrças
militares dariam cobertura, ao menos parcial,
às teses defendidas pela esquerda radical e co-
munistas no palanque armado em frente ao
Ministério da Guerra no dia 13 de março? O
simples fato da presença do General Jair Dan-
tas Ribeiro naquele palanque não autorizava
a ninguém a acreditar que Exército, Marinha
e Aeronáutica estavam solidárias com a nova
posição do Presidente da República.
A partir do comício do dia 13 radicali-
zaram-se as posições políticas e as Fôrças Ar-
madas começaram a sensibilizar-se. O Decreto
de desapropriações de terras, o do tabelamento
dos aluguéis, o de encampação de refinarias de
Edição Especial - 81
petróleo foram os dados menos importantes na
crise que se armava. Para exercer a sua autori-
dade de Presidente da República e para tomar
medidas administrativas até mesmo reformistas,
o Sr. João Goulart contava, ao menos aparen-
temente, com a cobertura militar do esquema
montado pelo Ministro Jair Dantas Ribeiro.
Mas o próprio Ministro confessava, em conver-
sas confidenciais, que não teria condições para
mobilizar seus comandos no sentido de presti-
giar uma solução golpista para o problema su-
cessório, nem de esquerda, nem de direita.
Na realidade - verificou-se mais tarde - O
Presidente Goulart não tinha estruturado um
dispositivo militar de esquerda, capaz de pres-
tigiar sua aliança com os revolucionários. Se
estava mal-informado pela sua assessoria mi-
litar chefiada pelo General Assis Brasil, não
se sabe. Se agiu conscientemente, certo de que
contaria com a cobertura popular para a sua
ação, só êle poderá responder.
A verdade é que, a partir do momento em
que consolidou sua liderança esquerdista, o Se-
nhor João Goulart foi radicalizando sua posi-
ção política e arrastou suas teses para os quar-
téis. Do outro lado, as fôrças oposicionistas
passaram da tática política para a estratégia mi-
litar. Construiu-se, ràpidamente um poderoso
dispositivo militar inicialmente defensivo, para
evitar que o CGT, a UNE, a Frente Parlamentar
Nacionalista, os Comandos do Deputado Brizo-
la, o Governador Miguel Arraes - o esquema da
esquerda radical - pudessem dar solução prática
às teses revolucionárias que defendiam.
De um lado, o Sr. João Goulart estimu-
lou a reação de sargentos e praças, soldados
e marinheiros à política tradicional das Fôr-
ças Armadas, provocando um clima de indis-
ciplina que se generalizou na Marinha sob a
orientação do Almirante Aragão. A insubordi-
nação de marinheiros e fuzileiros navais, e a
solução dada pelo Presidente à crise na Arma-
da, fazendo o Almirante Aragão retornar ao
comando dos fuzileiros, pondo no Ministério
um almirante identificado com o marxismo e
designando o Almirante Suzano para o Estado-
Maior - já encontravam, do outro lado, uma
poderosa aliança de governadores do Centro-
Sul, com cobertura militar do II Exército do
General Kruel.
Há mais de dois meses que essa aliança
estava sendo esquematizada. Ney Braga aderiu
a ela quando da visita do Governador Lacer-
da a Curitiba. Adhemar, Lacerda e Meneghet-
ti já estavam entendidos. Faltava a adesão de
Magalhães Pinto. O próprio Lacerda a obteve,
entregando ao Governador mineiro o coman-
do-geral das fôrças democráticas. Mato Grosso
e Goiás foram adesões que se fizeram natural-
mente, devido à situação geográfica dos dois
Estados centrais e da posição ideológica de
seus governadores.
Quando o Governador Adhemar de Bar-
ros afirmava que tinha condições de reagir à
investida esquerdista, não estava blefando.
Quando os dirigentes da esquerda radical afir-
mavam que a revolução estava ganha e êles já
se aproximavam do Poder, estavam mentindo.
Não contavam as esquerdas com a opinião
pública, e o esquema adversário era tremenda-
mente mais poderoso.
O choque pareceu inevitável no momen-
to em que o Presidente João Goulart resolveu
tornar irreversível sua posição de comandante
de um esquema mal estruturado, e baseado tão-
sòmente na sua liderança popular e nas falsas
82 - Revista do Clube Militar
lideranças sindicais comunistas. Quando falou
a sargentos e marinheiros, no dia 30 de março,
atacando seus adversários e mantendo sua de-
terminação de ir mais adiante nos seus propó-
sitos, o Sr. João Goulart fêz, definitivamente,
sua opção. Preferiu contar com as fôrças popu-
lares que esperava se rebelassem em todo o País
para enfrentar a reação política e militar ao seu
nôvo govêrno, à quebra da hierarquia nas Fôr-
ças Armadas e ao poder sindical representado
no CGT.
Essas fôrças, porém, não foram suficien-
tes para manter o Sr. João Goulart no Poder e
garantir a sobrevivência de seu esquema políti-
co. Muito mais poderosas do que elas, melhor
articuladas, e com apoio da opinião pública
dos principais Estados do País, eram as fôrças
contrárias.
O Sr. João Goulart marchou, então, para
a luta, consciente de que contava ao menos
com os trabalhadores mobilizados pelos sin-
dicatos e com a lealdade dos chefes militares
à autoridade do Presidente da República. Mas
os sindicatos falharam totalmente na mobiliza-
ção das massas operárias, e os chefes militares
viram-se na contingência - cruel para êles - de
sacrificar o mandato do Chefe da Nação para
evitar a desagregação das Fôrças Armadas, a to-
mada do Poder pelo esquema esquerdista radi-
cal e, quem sabe, a guerra civil no País.
O General Kruel não desejava a deposi-
ção do Presidente. O General Jair nunca a de-
sejou. Nem o General Âncora, nem o General
Castelo Branco . O Comandante do II Exército
chegou a sugerir ao Presidente, no momento
em que suas fôrças se preparavam para mar-
char sôbre o Rio, que desarticulasse o sistema
esquerdista, fechasse o CGT, normalizasse a
situação na Marinha e êle, Goulart, contaria
com o apoio das Fôrças Armadas. Mas o Presi-
dente disse não. Não sacrificaria seus aliados,
frase que repetiria, mais tarde ao Ministro Jair
Dantas Ribeiro, quando êste lhe fêz idêntico
apêlo. Estava o Presidente diante de uma op-
ção que lhe era colocada pela quase totalidade
das Fôrças Armadas: ou desarticularia o dis-
positivo de esquerda que passara a comandar,
ou os generais teriam que tomar posição para
defender a integridade do regime democrático
que juraram defender.
Conscientemente, o Sr. João Goulart
marchou para o sacrifício. Não recuou um pas-
so, quando poderia ter declarado a ilegalidade
do CGT, reformado o comando da Marinha e
mantido a prisão do Almirante Aragão, decre-
tada pelo Ministro Silvio Mota. E quando já
se esperava o choque das fôrças do II Exército
com as tropas da Vila Militar, que se manti-
nham fiéis ao Presidente, o General Jair - recu-
sado o apêlo que fêz ao Sr. João Goulart - re-
nunciou ao pôsto, deixando ao Estado Maior
do Exército a decisão suprema. O Presidente
pensou em resistir, mas nunca na Guanabara,
onde os comandos militares agiam com extra-
ordinária rapidez na mobilização de tropas e
no encaminhamento de uma solução política
para a crise.
Não tendo renunciado ao pôsto nos mo-
mentos decisivos da crise, o Presidente quis
que se caracterizasse a sua deposição. Escolheu
o seu caminho, quando teve todas as condi-
ções para contornar a crise no seu primeiro
instante. Trocou o seu mandato pela liderança
popular que espera exercer na faixa revolucio-
nária que o Sr. Brizola ocupou sòzinho nos
dois últimos anos.
Edição Especial - 83
Transcrições da imprensa sobre o 31 de Março de 1964
Durante o governo Jango, a imprensa foi uma das principais motivadoras da deposição do Presidente. Propalou, constantemente, a existência do caos administrativo, da corrupção e do desgoverno. Participou, ativamente, da di-vulgação de que era imperiosa a necessidade do restabelecimento da ordem.
A sociedade e a imprensa escrita e falada da época, alinhadas e irmanadas, clamavam, com manifestos e editoriais, por medidas que evitassem a derrocada do País, levando-o à anarquia.
Abaixo transcrevemos alguns desses trechos.- “Desde ontem se instalou no País a ver-
dadeira legalidade [...] Legalidade que o cau-dilho não quis preservar, violando-a no que de mais fundamental ela tem: a disciplina e a hierarquia militares. A legalidade está conosco e não com o caudilho aliado dos comunistas.” (Editorial do Jornal do Brasil - Rio de Janeiro - 1º de abril de 1964)
- “Multidões em júbilo na Praça da Liberdade. Ovacionados o governador do estado e chefes militares. O ponto culmi-nante das comemorações que ontem fize-ram em Belo Horizonte, pela vitória do movimento pela paz e pela democracia foi, sem dúvida, a concentração popular de-fronte ao Palácio da Liberdade. Toda área localizada em frente à sede do governo mi-neiro foi totalmente tomada por enorme multidão, que ali acorreu para festejar o êxito da campanha deflagrada em Minas [...], formando uma das maiores massas
humanas já vistas na cidade.” (O Estado de Minas - Belo Horizonte - 2 de abril de 1964)
- Carnaval nas ruas“A população de Copacabana saiu às
ruas, em verdadeiro carnaval, saudando as tropas do Exército. Chuvas de papéis pica-dos caíam das janelas dos edifícios enquanto o povo dava vazão, nas ruas, ao seu conten-tamento.” (O Dia - Rio de Janeiro - 2 de abril de 1964)
- Escorraçado“Escorraçado, amordaçado e acovar-
dado, deixou o poder como imperativo de legítima vontade popular o senhor João Belchior Marques Goulart, infame líder dos comuno-carreiristas-negocistas-sindicalis-tas. Um dos maiores gatunos que a história brasileira já registrou, o senhor João Gou-lart passa outra vez à história, agora tam-bém como um dos grandes covardes que ela já conheceu.” (Tribuna da Imprensa - Rio de Janeiro - 2 de abril de 1964)
- A paz alcançada“A vitória da causa democrática abre o
País a perspectiva de trabalhar em paz e de vencer as graves dificuldades atuais. Não se pode, evidentemente, aceitar que essa pers-pectiva seja toldada, que os ânimos sejam postos a fogo. Assim o querem as Forças Armadas, assim o quer o povo brasileiro e assim deverá ser, pelo bem do Brasil.” (Editorial de O Povo - Fortaleza - 3 de abril de 1964)
- Ressurge a Democracia!
84 - Revista do Clube Militar
“Vive a Nação dias gloriosos. Por-que souberam unir-se todos os patriotas, independentemente das vinculações po-líticas simpáticas ou opinião sobre pro-blemas isolados, para salvar o que é de essencial: a democracia, a lei e a ordem. Graças à decisão e ao heroísmo das For-ças Armadas que, obedientes a seus che-fes, demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições [...]. Como dizíamos, no edito-rial de anteontem, a legalidade não pode-ria ter a garantia da subversão, a âncora dos agitadores, o anteparo da desordem. Em nome da legalidade não seria legíti-mo admitir o assassínio das instituições, como se vinha fazendo, diante da Nação horrorizada.” (O Globo – Rio de Janeiro – 4 de abril de 1964)
- “Milhares de pessoas comparece-ram, ontem, às solenidades que marca-ram a posse do marechal Humberto Cas-telo Branco na Presidência da República [...]. O ato de posse do Presidente Caste-lo Branco revestiu-se do mais alto senti-do democrático, tal o apoio que obteve.” (Correio Braziliense – Brasília – 16 de abril de 1964)
- “Vibrante manifestação sem prece-dentes na história de Santa Maria para homenagear as Forças Armadas. Cerca de 50 pessoas na Marcha Cívica do Agra-decimento.” (A Razão – Santa Maria – Rio Grande do Sul – 17 de abril de 1964)
- “Sabíamos todos que estávamos na lista negra dos apátridas – que se eles consumassem os seus planos, seriamos mortos. Sobre os democratas brasileiros não pairava a mais leve esperança, se
vencidos. Uma razzia de sangue vermelha como eles, atravessaria o Brasil de ponta a ponta, liquidando os últimos soldados da democracia, os últimos paisanos da li-berdade” (O Cruzeiro Extra – 10 de abril de 1964 – Edição Histórica da Revolução – “Sa-ber ganhar” – David Nasser)
- “Golpe? É crime só punível pela deposição pura e simples do Presidente. Atentar contra a Federação é crime de lesa-pátria. Aqui acusamos o senhor João Goulart de crime de lesa-pátria. Jogou-nos na luta fratricida, desordem social e corrupção generalizada”. (Jornal do Brasil – Rio de Janeiro – 1º de abril de 1964)
- “[...] cuja subversão além de bloque-ar os dispositivos de segurança de todo o hemisfério, lançaria nas garras do totali-tarismo vermelho, a maior população la-tina do mundo [...]” (Folha da Tarde – São Paulo – 31 de março de 1964 – Do editorial: A grande ameaça)
- “o Brasil já sofreu demasiado com o governo atual. Agora, basta” (Correio da Manhã – São Paulo – 31 de março de 1964 – Do editorial: Basta!)
- “Quem quisesse preparar um Brasil nitidamente comunista não agiria de ma-neira tão fulminante quanto a do senhor João Goulart a partir do comício de 13 de março [...]” (Jornal do Brasil – Rio de Ja-neiro – 31 de março de 1964)
- “Só há uma coisa a dizer ao senhor João Goulart: Saia!” (Correio da Ma-nhã – Rio de Janeiro – 1º de abril de 1964 – Do editorial: Fora!)
- “Minas desta vez está conosco [...] dentro de poucas horas, essas forças não serão mais do que uma parcela mínima da incontável legião de brasileiros que an-seiam por demonstrar definitivamente ao caudilho que a nação jamais se vergará às
Edição Especial - 85
suas imposições.” (O Estado de S.Paulo – São Paulo – 1º de abril de 1964, sob o título “São Paulo repete 32”)
- “[...] atendendo aos anseios nacio-nais de paz, tranquilidade e progresso… As Forças Armadas chamaram a si a tare-fa de restaurar a Nação na integridade de seus direitos, livrando-a do amargo fim que lhe estava reservado pelos vermelhos que haviam envolvido o Executivo Fede-ral.” (O Globo – Rio de Janeiro – 2 de abril de 1964, sob o título “Fugiu Goulart e a demo-cracia está sendo restaurada”)
- “A Revolução democrática antece-deu em um mês a revolução comunista.” (O Globo – Rio de Janeiro – 5 de abril de 1964)
- “Feliz a nação que pode contar com corporações militares de tão altos índices cívicos. Os militares não deverão ensari-lhar suas armas antes que emudeçam as vozes da corrupção e da traição à pátria.” (O Estado de Minas – Minas Gerais – 5 de abril de 1964)
- “Pontes de Miranda diz que Forças Armadas violaram a Constituição para poder salvá-la!” (Jornal do Brasil – Rio de Janeiro – 6 de abril de 1964)
- “Congresso concorda em aprovar Ato Institucional”. (Jornal do Brasil – Rio de Janeiro – 9 de abril de 1964)
- “Partidos asseguram a eleição do general Castelo Branco”. (Jornal do Brasil – Rio de Janeiro – 10 de abril de 1964)
- “Rio festeja a posse de Castelo”. (Jornal do Brasil – Rio de Janeiro – 16 de abril de 1964)
- “Castelo garante o funcionamento da Justiça.” (Jornal do Brasil – Rio de Janeiro – 18 de abril de 1964
- “Castelo diminui nível de aumento aos militares”. Corte propõe aumento aos
militares com 50% menos do que tabela anterior”. (Jornal do Brasil – Rio de Ja-neiro – 21 de abril de 1964)
“Quando o chefe do Executivo se per-mite, nas praças públicas, fazer a apo-logia da subversão e incitar as massas contra os poderes da República que lhe estorvam a marcha para o cesarismo, pode-se afirmar que a ditadura, embora não institucionalizada, é uma situação de fato.” (Editorial de O Estado de S. Paulo, 14/03/1964).
“Agora se decidirá se nós consegui-remos superar a terrível crise provoca-da pela inflação, pelos desajustes sociais, pelo descalabro econômico-financeiro, sem perda de nossas instituições livres ou se, ao contrário, uma ditadura esquerdis-ta se apossará do País, graças, principal-mente, ao enfraquecimento e progressivo desaparecimento das Forças Armadas ...” (O Globo - 31/03/1964).
“Aquilo que os inimigos externos nun-ca conseguiram, começa a ser alcançado por elementos que atuam internamente, ou seja, dentro do próprio País.” (Folha da Tarde, 31/03/1964).
“Chegaria o dia em que o Brasil, sem reação e sem luta, se transformaria em mais um Estado Socialista. Aí, todos di-riam que desaparecera a legalidade de-mocrática, mas ninguém mais teria como recuperar as perdidas liberdades e fran-quias, pois já estaria instalado o terror policial e quem sabe? em funcionamento os pelotões de fuzilamento, segundo o mo-delo cubano.”
“Como dissemos muitas vezes, a demo-cracia não deve ser um regime suicida que dê a seus adversários o direito de trucidá-lo, para não incorrer no risco de ferir uma lega-lidade que esses adversários são os primeiros
86 - Revista do Clube Militar
a desrespeitar.” (O Globo, 31/03/1964).“... Além de que os lamentáveis acon-
tecimentos foram o resultado de um pla-no executado com perfeição e dirigido por um grupo já identificado pela Nação Brasileira como interessado na subversão geral do país com características nitida-mente comunistas.” (Correio do Povo, 31/03/1964).
“O Presidente da República sente-se bem na ilegalidade. Está nela e ontem nos disse que vai continuar nela, em atitude de desafio à ordem constitucional, aos re-gulamentos militares e ao Código Penal Militar. Ele se considera acima da lei. Mas não está. Quanto mais se afunda na ilega-lidade, menos forte fica a sua autoridade. Não há autoridade fora da lei. E, os apelos feitos ontem à coesão e à unidade dos sar-gentos e subordinados em favor daquele que, no dizer do próprio, sempre esteve ao lado dos sargentos, demonstra que a autoridade presidencial busca o amparo físico para suprir a carência de amparo legal. Pois não pode mais ter amparo le-gal quem no exercício da Presidência da República, violando o Código Penal Mili-tar, comparece a uma reunião de sargen-tos para pronunciar discurso altamente demagógico e de incitamento à divisão das Forças Armadas”. (Jornal do Brasil, 31/03/1964).
“Até que ponto o Presidente da Re-pública abusará da paciência da Nação? Até que ponto pretende tomar para si, por meio de decretos-lei, a função do Poder Legislativo? Até que ponto contri-buirá para preservar o clima de intran-qüilidade e insegurança que se verifica presentemente, na classe produtora? Até quando deseja levar ao desespero, por meio da inflação e do aumento de custo
de vida, a classe média e a classe operá-ria? Até que ponto quer desagregar as Forças Armadas por meio da indiscipli-na que se torna cada vez mais incontro-lável?
“Não é possível continuar neste caos em todos os sentidos e em todos os seto-res. Tanto no lado administrativo como no lado econômico e financeiro.
“Basta de farsa. Basta da guerra psi-cológica que o próprio governo desenca-deou com o objetivo de convulsionar o País e levar avante sua política continuísta. Bas-ta de demagogia, para que, realmente,se possam fazer as reformas de base”.
“... queremos o respeito à Constitui-ção. Queremos as reformas de base vo-tadas pelo Congresso. Queremos a into-cabilidade das liberdades democráticas. Queremos a realização das eleições em 1965. Se o senhor João Goulart não tem a capacidade para exercer a Presidência da República e resolver os problemas da Na-ção dentro da legalidade constitucional, não lhe resta outra saída senão entregar o governo ao seu legítimo sucessor.
“É admissível que o senhor João Goulart termine o seu mandato de acordo com a Constituição. Este grande sacrifí-cio de tolerá-lo até 1966 seria compensa-dor para a democracia. Mas, para isto o senhor João Goulart terá de desistir de sua política atual, que está perturbando uma Nação em desenvolvimento e amea-çando de levá-la à guerra civil.
“A Nação não admite nem golpe nem contragolpe. Quer consolidar o pro-cesso democrático para a concretização das reformas essenciais de sua estrutura econômica. Mas não admite que seja o próprio Executivo, por interesses incon-fessáveis, quem desencadeie a luta con-
Edição Especial - 87
tra o Congresso, censure o rádio, ame-ace a imprensa e, com ela, todos os de manifestações do pensamento, abrindo o caminho à ditadura. Os poderes Legisla-tivo e Judiciário, as classes armadas, as forças democráticas devem estar alertas e vigilantes e prontos para combater to-dos aqueles que atentarem contra o re-gime.
O Brasil já sofreu demasiado com o governo atual. Agora, basta!” (Correio da Manhã, 31/03/1964).
“Fora“A Nação não mais suporta a perma-
nência do Sr. João Goulart à frente do go-verno. Chegou ao limite a capacidade de tolerá-lo por mais tempo. Não resta outra saída ao Sr. João Goulart senão a de en-tregar o governo ao seu legítimo sucessor.
“Só há uma coisa a dizer ao Sr. João Goulart: saia.
“Durante dois anos, o Brasil agüen-tou um governo que paralisou o seu de-senvolvimento econômico, primando pela completa omissão o que determinou a completa desordem e a completa anarquia no campo administrativo e financeiro.
“Quando o Sr. Goulart saiu de seu neutro período de omissão foi para co-mandar a guerra psicológica e criar o cli-ma de intranqüilidade e insegurança que teve o seu auge na total indisciplina que se verificou nas Forças Armadas.
“Isso significou e significa um crime de alta traição contra o regime, contra a República que ele jurou defender ...”
“ ... O Sr. João Goulart não pode per-manecer na Presidência da República, não só porque se mostrou incapaz de exercê-la como também porque conspirou contra ela como se verificou pelos seus últimos pronun-ciamentos e seus últimos atos.”
“ ... A Nação, a democracia e a liber-dade estão em perigo. O povo saberá de-fendê-las. Nós continuaremos a defendê-la.” (Correio da Manhã, 01/04/1964).
“Atualmente, no presente governo, que ainda se diz democrata, a ideologia marxista e mesmo a militância comunis-ta indisfarçada constituem recomendação especial aos olhos do governo. Como se já estivéssemos em pleno regime marxista-leninista, com que sonham os que desejam incluir sua pátria no grande império so-viético, às ordens do Kremlin” (Diário de Notícias, 01/04/1964).
“Quem estimula a indisciplina de ma-rujos e fuzileiros e depois os transforma em bandidos e em seguida em pobres dia-bos pilhados em flagrante?
A partir de 13 de março o Sr. João Goulart tem injuriado muitos, em muito pouco tempo. Agora, ao que tudo indica, já lhe resta muito pouco tempo para in-juriar quem quer que seja.” (Jornal do Brasil, 01/04/1964).
“No dia 19 de março de 1964, uma das maiores demonstrações populares, a Marcha da Família com Deus pela Li-berdade, percorreu as ruas de São Paulo. Maria Paula Caetano da Silva, uma das fundadoras da União Cívica Feminina, foi a principal organizadora da passeata. A Marcha partiu em direção à Catedral da Sé, com cerca de um milhão de pessoas. A manifestação foi uma resposta da popula-ção civil ao restabelecimento da ordem e dos valores cívicos ameaçados.
“A marcha foi uma reação à baderna que estava tomando conta do País. Não po-díamos deixar as coisas continuarem do jeito que estavam, sob o risco de os comunistas to-marem o poder”, dizia Maria Paula, uma das organizadoras do movimento.
88 - Revista do Clube Militar
O Dever dos Militares
Se há um setor que não está corrompido
no Brasil, graças a Deus, é o das Forças Arma-
das, incluídos o Exército, a Marinha e a Aero-
náutica. Em Minas, devemos juntar a esse bloco
de homens dignos e patriotas a Polícia Militar,
outra corporação que tem dado os mais admirá-
veis exemplos de amor à nossa terra.
Feliz a nação que pode contar com corpo-
rações militares de tão altos índices cívicos. A
todo momento, essas corporações, comandadas
por oficiais formados na melhor escola, a escola
do patriotismo, da decência, da pureza de inten-
ções e propósitos, nos oferecem o testemunho
de sua identificação com os melhores ideais de
nossa gente. O que elas têm no coração é um
Brasil grande, progressista, respeitado, unido de
norte a sul, de leste a oeste, trabalhando livre-
mente num clima de ordem e de paz.
Os nossos militares, quanto mais fundo e
mais grosso é o mar de lama, estão recolhidos às
suas casernas austeras, submetidos a um regime
de vencimentos incompatíveis com as exigências
da vida moderna. Hoje em dia, não há quem
queira ser mais oficial do Exército, da Marinha
e da Aeronáutica, porque não se recebem, nessas
três armas, soldos que permitam uma existência
tranqüila. No entanto, os militares tudo supor-
tam estoicamente, assistindo diante deles ao es-
petáculo da mais deslavada corrupção, provoca-
da pelo poder civil, pela baixa politicalha, pelo
Editorial de O Estado de Minas – 05 de abril de 1964
eleitoralismo grosseiro. Bastaria dizer que hoje
um procurador de um dos institutos de previ-
dência logo no primeiro mês de sua nomeação,
sem ter serviço, indo à repartição meia-hora por
dia, quando vai, recebe mais do que um general
que se submeteu a uma longa carreira, sujeito a
mudanças amiudadas de residência, sendo obri-
gado a matricular seus filhos cada ano em um
colégio diferente, e com um regime de trabalho
de dez horas por dia.
É impossível, porém, enumerar aqui todas
as injustiças de que são vítimas os militares. E
não se queixam, não se desesperam, por amor ao
Brasil. Pois bem: esses patriotas, que não contri-
Os nossos militares, quanto mais
fundo e mais grosso é o mar de lama,
estão recolhidos às suas casernas
austeras... No entanto, os militares
tudo suportam estoicamente,
assistindo diante deles ao espetáculo
da mais deslavada corrupção,
provocada pelo poder civil, pela
baixa politicalha, pelo eleitoralismo
grosseiro.
* Mantem a ortografia da época
Edição Especial - 89
buem para o abastardamento dos costumes pú-
blicos em nosso País, de quando em vez, são for-
çados a corrigir os erros da politicalha, tomando
o Poder dos corruptos, dos caudilhos, dos extre-
mistas de baixa extração, restituindo-o, limpo e
puro, aos civis. Nunca advogaram em sua causa
própria, ou melhor, nunca tomaram o Poder em
benefício próprio. Agem quando é preciso, a fim
de restituir a tranqüilidade e a paz ao seio da
família brasileira. Mas essa tolerância com os ci-
vis, que não estão sabendo ser dignos do Poder,
tem um limite. As imposições do patriotismo,
que é tão aceso no meio militar, poderão levá-lo
a dissolver as assembléias que insistem em per-
manecer dando cobertura a políticos corruptos e
aventureiros, a comunistas interessados em abrir
aqui uma porta ao fidelismo cubano.
O povo também está perdendo a fé nas
soluções civis. Vê a volta das raposas de baixa
politicalha com espanto e nojo, porque compre-
ende que a agitação vai continuar, a corrupção
idem, o assalto aos cofres públicos, a compra de
fazendas e apartamentos com dinheiro roubado
da Nação. O comando revolucionário não acei-
tará agora isto. Quer o expurgo, a higienização
do meio político, a imobilização da gangue que
infelicitava o Brasil. Os corruptos, onde esti-
verem, terão que pagar por seus crimes. Se es-
tiverem no Parlamento alguns deles, terão que
ver cassados os seus mandatos, os mandatos que
não souberam honrar, traindo ali a democracia.
Se estiverem os totalitários vermelhos no mais
alto tribunal de justiça do País, há que se impor-
lhes as sanções da própria lei que eles impõem
a outros. Sem esse expurgo, feito sem violência,
mas dentro da legislação de defesa do povo e do
regime, não estará completa a revolução.
Se tolerarem qualquer transigência com
os objetivos da revolução, os militares serão
novamente traídos pela parcela dos civis cor-
ruptos e indignos.
Homens com alta dignidade, a compostu-
ra cívica, a bravura pessoal, a vida limpa e exem-
plar de um general Carlos Luís Guedes – que é
um militar admirável – não podem permitir que
se faça a reconstrução do Brasil em bases falsas.
Essa reconstrução tem que ser, antes de tudo,
moral. Foi por isto que todos nós, que estive-
mos na luta arrostando a empáfia dos badernei-
ros, sujeitos diariamente a assaltos e golpes dos
extremistas, fizemos uma revolução.
Os militares não deverão ensarilhar suas ar-
mas antes que emudeçam as vozes da corrupção e
da traição à Pátria. Cometerão um erro, embora
erro de boa-fé, se aceitarem o poder civil, que
está aí organizado para assumir as responsabili-
dades da direção do País. Terão que impor um
saneamento, antes de voltar aos quartéis.
Esses patriotas, que não contri-
buem para o abastardamento dos
costumes públicos em nosso País, de
quando em vez, são forçados a corri-
gir os erros da politicalha, tomando o
Poder dos corruptos, dos caudilhos,
dos extremistas de baixa extração,
restituindo-o, limpo e puro, aos ci-
vis. Nunca advogaram em sua causa
própria, ou melhor, nunca tomaram
o Poder em benefício próprio.
90 - Revista do Clube Militar
A Contrarrevolução de 64 e a Mitologia
Agnaldo Del Nero Augusto *
Este provérbio russo foi citado na aber-
tura do livro “Arquipélago Gulag” de
autoria de Alexandre Soljenitsin. O au-
tor relata nesse livro os episódios vividos entre
1918 e 1956, na imensa rede de campos de tra-
balho soviéticos por onde passaram cerca de 66
milhões de pessoas e de onde poucos milhares,
como ele saíram com vida. Na sua tese central
sustenta que as prisões em massa, os julgamen-
tos iníquos e as execuções secretas fizeram parte
do Estado soviético desde a sua consolidação
em 1918, não sendo apenas uma criação poste-
rior e arbitrária de Stálin. Acrescentamos, esta
última é apenas sua fase mais tenebrosa.
Apesar desses 38 anos de quase indescri-
tível sofrimento nos longínquos campos da Si-
béria, Soljenitsin disse, também, que o “pior do
comunismo não é a opressão, mas a mentira”.
Entendemos, porque embora não submetidos a
trabalho escravo, sofrimentos físicos ou psíqui-
cos, a mentira, para nós, dói, machuca. Dói a
história revista ou inventada que se fabricou, em
relação a um período crucial da vida de nosso
país, sendo transmitida a nossos jovens Pois foi
com a mentira e valendo-se de técnicas psicoló-
gicas de indução, que as esquerdas criaram uma
verdadeira Mitologia Histórica para nosso País.
Escreveu o celebrado historiador marxista
e militante comunista Eric J Hobsbawm: “Mais
do que nunca a história é atualmente revista
ou inventada por gente que não deseja o pas-
sado real, mas somente um passado que sirva
a seus objetivos. Estamos hoje na grande época
da mitologia da história”. Uma história revis-
ta ou inventada para atender às conveniências
de pessoas, grupos ou ideologias, e os termos
empregados nesse conceito dizem tudo - é, na
verdade, uma Grande Mentira.
Pois pasmem, se quiserem e puderem,
este grande historiador, como bom comunista
que é, em passagem de seu livro “Tempos Inte-
ressantes” (P 234), não só admite a mentira em
benefício da “causa”, como expressa admiração
eterna pelo mentiroso.
Estamos trabalhando esse tema da Mito-
logia inteira, hoje, porém, queremos remexer
um ponto específico do passado. Parece que,
fruto dessa Mitologia, há gente que ainda acre-
“Não se deve... não se deve remexer no passado!Aquele que recorda o passado perde um olho.
Aquele que o esquece perde os dois!”Alexandre Soljenitsin
Edição Especial - 91
dita que as esquerdas pretendiam defender a
Democracia. Vamos recordar ou remexer ape-
nas duas das várias idas de Prestes a Moscou.
Em novembro de 1961, Prestes vai a Mos-
cou. Encontra-se com Kruschev, nome mais
importante do partido e da própria URSS.
Discutem a nova estratégia do PCB para a to-
mada do poder. Mikhail Suslov, ideólogo do
PCUS, participa da reunião. Doutrina, sobre
as táticas. Em síntese, fala sobre as ações de
massa e da necessidade de saber preparar-se
para a luta armada (...)
Kruschev interfere para dizer que concor-
da, todavia aduz recomendações quanto ao im-
perialismo e o latifúndio e conclui “falais em re-
forma agrária. (...) Numa situação revolucionária
devemos saber lutar pela revolução agrária (...)”.
Certamente conhecedor do fracasso de 1935. (...)
adverte: “quando falamos em luta armada, fala-
mos de luta de grandes massas e não de ações
sectárias de alguns comunistas. Porque isso será
uma aventura. Realizar o trabalho de massa é a
melhor forma de preparar a insurreição.”
Após a aula de recuperação sobre ação
revolucionária, Prestes retorna e coloca o PCB
em intenso trabalho de massa. Diga-se de pas-
sagem, bem sucedido.
Convencido de que a estratégia que traça-
ra leva-lo-ia, brevemente, ao poder, parte para
Moscou em janeiro de 1964, onde vai prestar
contas dos resultados obtidos nos dois últimos
anos de trabalho e obter o aval da Rússia para
desencadear seu plano de tomada do poder.
A história fabulosa que conta em Mos-
cou para receber o sinal verde dos soviéticos é
muito interessante, mas temos que respeitar o
espaço (Consta à P 121/ 2 de “A Grande Men-
tira”, Bibliex- 2001). Para fazer sentido trans-
crevemos apenas o final de seu relatório onde
afirma: “uma vez a cavaleiro do aparelho do
Estado, converter rapidamente, a exemplo da
Cuba de Fidel, ou do Egito de Nasser, a revo-
lução nacional-democrática em socialista”.
Retorna, coloca em execução o plano
acertado, cuja primeira ação é o comício do
dia 13 de março na Praça da República/RJ, se-
guido do motim dos fuzileiros navais, em clara
quebra da hierarquia e da disciplina e da reu-
nião no Automóvel Clube/RJ.
Estava tudo acertado, mas a essa situação
contrapõe-se mais uma das Marchas da Famí-
lia com Deus pela Liberdade em São Paulo,
no dia 19, com um multidão nunca vista de
pessoas apelando e impelindo as Forças Arma-
das à ação. O povo dissera não e aconteceu a
Contrarrevolução de 31 de março de 1964.
Como escreveu Clarence W Hall em Se-
leções do Reader’s Digest no artigo “A Nação
que se Salvou a Si Mesma”: A história inspira-
dora de como um povo se rebelou e impediu
os comunistas de tomarem conta de seu país.
Raramente uma grande nação esteve mais per-
to do desastre e se recuperou do que o Brasil
em seu triunfo sobre a subversão vermelha. Os
elementos da campanha comunista para a do-
minação – propaganda, infiltração, terror – es-
tavam em plena ação.
A rendição total parecia iminente... e en-
tão o povo disse: NÃO!
Só não se orgulha de suas Forças Arma-
das quem não conhece a HISTÓRIA.
À mentira só há um antídoto: a VERDA-
DE. Vamos remexer o passado com ela, ainda
que fiquemos com apenas um olho.
* O autor, falecido, era General de Divisão.
92 - Revista do Clube Militar
políticos. A América Latina, com seus fortes
sentimentos anti-americanos, foi campo par-
ticularmente fértil e respondeu bem às pro-
vocações do Leste Europeu. Usando o México
e o Uruguai como bases operacionais para o
restante do continente, a inteligência tchecos-
lovaca concentrou sua atenção primeiramente
no Brasil, na Argentina e no Chile, bem como
no México e no Uruguai.Em fevereiro de 1965,
o serviço me enviou a diversos países latino-
americanos, inclusive Brasil e Argentina, para
fazer a apreciação pessoal do clima político
naqueles lugares e buscar novas idéias opera-
cionais. Naquele tempo, a inteligência tcheca
tinha numerosos jornalistas à sua disposição
na América Latina. Ela influenciou ideológica
e financeiramente diversos jornais no México
e no Uruguai e até mesmo possuiu um jor-
nal político brasileiro até abril de 1964. Mas a
desinformação estava tradicionalmente ligada,
em grande parte, a técnicas de falsificação.
A Operação Thomas Mann estava che-
gando à sua conclusão quando cheguei no
Brasil. Seu objetivo era provar que a política
externa americana na América Latina havia
passado por fundamental reavaliação e trans-
A Desinformação Soviética no Brasil e o “golpe” de 1964
Ladislav Bittman *
* Extraído de: Ladislav Bittman, The KGB And Soviet Disinformation. An Insider's View, Washington, Pergamon-Brassey's, 1985.
Sob direta super-
visão soviética,
o departamento de
desinformação tche-
co, durante os anos
que se seguiram,
criou centenas de
jogos contra os Es-
tados Unidos, me-
lhorou velhas técni-
cas de falsificação e
desenvolveu novas.
Quando Ivan I. Agayants, o oficial comandan-
te do departamento de desinformação sovié-
tico, visitou Praga em 1965, ele parabenizou
seus subordinados tchecos pelos seus sucessos,
e enfatizou a necessidade de fortalecer a coor-
denação entre os serviços de inteligência do
Pacto de Varsóvia.
A maioria destas vitórias foi conquistada
em países em desenvolvimento, perturbados
por alto índice de desemprego, complicados
problemas sociais, lingüísticos, tribais e eco-
nômicos, nacionalismo agressivo, influência
de oficiais militares em assuntos políticos e
uma considerável ingenuidade entre os líderes
Edição Especial - 93
formação desde a
morte do Presiden-
te John F. Kennedy.
Queríamos enfatizar
a política america-
na de exploração e
de interferência nas
condições internas
dos países latino-
americanos. De acordo com a teoria fabricada,
o Secretário-assistente de Estado Thomas A.
Mann era o autor e diretor da nova política.
Queríamos criar a impressão que os Estados
Unidos estavam impondo pressão econômica
injusta àqueles sul-americanos com políticas
que eram desfavoráveis aos investimentos do
capital privado americano. Também quería-
mos criar a impressão que os Estados Unidos
estavam forçando a Organização dos Estados
Americanos (OEA) a tomar uma posição mais
anticomunista, enquanto a CIA planejava gol-
pes contra os regimes do Chile, Uruguai, Bra-
sil, México e Cuba. A operação foi projetada
para criar no público latino americano uma
prevenção contra a nova política linha-dura
americana, incitar demonstrações mais inten-
sas de sentimentos anti-americanos e rotular
a CIA como notória perpetradora de intrigas
antidemocráticas.
A operação dependia apenas de canais
anônimos para disseminar uma série de fal-
sificações. A primeira falsificação - um press
release falso da Agência de Informação dos
Estados Unidos no Rio de Janeiro - continha
os princípios fundamentais da “nova política
externa americana”. A segunda falsificação foi
uma série de circulares publicadas em nome
de uma organização mítica chamada “Comitê
para a Luta contra o Imperialismo Ianque”. O
objetivo declarado desta organização não-exis-
tente era alertar o público latino-americano a
respeito da existência de centenas de agentes
da CIA, do DOD e do FBI, fantasiados de di-
plomatas. Uma terceira falsificação foi uma
carta supostamente escrita por J. Edgar Hoo-
ver, diretor do FBI, para Thomas A. Brady,
um agente do FBI. A carta dava crédito ao FBI
e à CIA pela execução bem sucedida do golpe
brasileiro de 1964.
O falso "press release" da USIA no Rio
de Janeiro foi mimeografado e distribuído em
meados de fevereiro de 1964, numa simulação
de envelope da USIA, para a imprensa brasi-
leira e políticos brasileiros selecionados. Uma
carta de apresentação, anexada ao release e su-
postamente escrita por um funcionário local
da USIA, declarava que o chefe americano da
missão havia suprimido a carta por ser franca
demais. O funcionário revelava que havia con-
seguido reter diversas cópias e que as enviara
à imprensa brasileira porque estava convenci-
do de que o público devia saber a verdade.
Como conclusão, o remetente anônimo dizia
que não podia revelar seu nome porque estaria
arriscando a perda de seu emprego.
Em 27 de fevereiro de 1964, a falsificação apa-
receu no jornal brasileiro "O Semanário" sob a man-
chete “MANN DETERMINA LINHA DURA PARA OS EUA: NÓS NÃO SOMOS MASCA-TES PARA NEGOCIAREM CONOSCO”, e um
ataque anti-americano acompanhava o texto do press
release falsificado. Alguns dias depois, em 2 de mar-
ço de 1964, Guerreiro Ramos, um membro do Par-
tido Trabalhista Brasileiro, fez um discurso
CIA - Central of Intelligence Agency / DOD - Department of Defense / FBI - Federal Bureau of Intelligence / USIA - United States Intelligence Agency
94 - Revista do Clube Militar
em que comentava a nova política atribuída
a Thomas Mann e concluía que os Estados
Unidos haviam obviamente retornado à linha
dura de John Foster Dulles após a morte do
Presidente Kennedy. (Ele posteriormente reco-
nheceu seu erro e explicou que a declaração
atribuída a Mann estava baseada em um do-
cumento forjado.) Em uma declaração pública
de 3 de março, o embaixador americano no
Rio de Janeiro respondeu a funcionários bra-
sileiros que Mann jamais havia proposto tais
políticas e que aquela embaixada jamais havia
emitido aquele press release.
Nos meses que se seguiram, a imprensa
esquerdista latino-americana usou o nome de
Thomas A. Mann como um símbolo vivo do
imperialismo americano. Em 29 de abril de
1964, o semanário mexicano pró-comunista
"Siempre" publicou um artigo fazendo refe-
rência ao chamado Plano Thomas Mann con-
tra a América Latina, e acrescentou que o pla-
no pedia a queda dos governos do Chile, do
Brasil, do Uruguai e de Cuba, e o isolamento
do México durante o ano de 1964; o jornal
uruguaio "Epoca" repetiu a acusação em 20 de
maio. Duas semanas depois, o primeiro secre-
tário do Partido Comunista Uruguaio falou
no parlamento, no contexto de uma discus-
são sobre exportações americanas, e acusou
Thomas Mann de “cinicamente favorecer golpes de Estado”. Quando a embaixada
americana em Montevidéu - no dia seguinte
- publicou um lembrete de que o assim chama-
do Plano Thomas Mann era uma falsificação,
o órgão de imprensa comunista "El Popular"
respondeu, em 5 de junho de 1964,5z com
um artigo eloqüentemente entitulado “Mis-
ter Mann: Plano de Guerrilha para toda América Latina”. Mesmo bastante tempo
depois, em 16 de junho de 1965, o jornal es-
querdista mexicano El Dia publicou um quar-
to de página com o anúncio do “Comitê de Coordenação Nacional para o apoio à Revolução Cubana”. O artigo declarava que,
em 1964, Mann havia liderado a Operação Iso-
lamento, criada para enfraquecer a posição de
Cuba como líder da luta anti-imperialista na
América Latina.
Como já foi mencionado anteriormente,
uma segunda técnica usada nessa campanha
de desinformação consistiu em circulares e
proclamações disseminadas em nome de uma
organização fictícia, o “Comitê para a Luta contra o Imperialismo Ianque”. A maior
parte destes documentos identificava repre-
sentantes americanos na América Latina como
espiões, inclusive diplomatas, homens de ne-
gócio e jornalistas. A seleção de candidatos era
relativamente simples. Publicações americanas
continham valiosos dados bibliográficos a res-
peito de diplomatas americanos e empregados
de diversas organizações oficiais e privadas
americanas que operavam no exterior. Era fá-
cil selecionar aqueles cuja biografia estivesse
de acordo com o objetivo da falsificação. Es-
tas acusações fictícias eram aceitas na maioria
das vezes como informação confiável.
Em julho de 1964, o público latino-ame-
ricano recebeu “prova” adicional de ativida-
des subversivas americanas na forma de duas
cartas forjadas assinadas por J. Edgar Hoover.
Ambas estavam endereçadas a Thomas Brady,
um funcionário do FBI. A primeira, datada de
2 de janeiro de 1961, era uma mensagem de
Edição Especial - 95
parabéns pela ocasião do aniversário de vinte
anos de serviço de Brady no FBI. Seu objetivo
era autenticar uma segunda carta, datada de
15 de abril de 1964, para a mesma pessoa.
“Washington, D.C15 de abril de 1964PessoalCaro Sr. Brady: Quero fazer uso
desta para expressar meu apreço pesso-al a cada agente lotado no Brasil, pelos serviços prestados na execução da “Re-visão”.
A admiração pela forma dinâmica e eficiente que esta operação em larga es-cala foi executada, em uma terra estran-geira e sob condições difíceis, levou-me a expressar minha gratidão. O pessoal da CIA cumpriu bem o seu papel e con-seguiu muito. Entretanto, os esforços de nossos agentes tiveram valor especial. Estou particularmente feliz de que a nos-sa participação no caso tenha se manti-do secreta e de que a Administração não tenha tido de fazer declarações públicas, negando-a. Podemos todos nos orgulhar da participação vital do FBI na proteção da segurança da Nação, mesmo além de suas fronteiras.
Estou perfeitamente ciente de que nossos agentes muitas vezes fazem sacri-fícios pessoais no cumprimento de seus deveres. As condições de vida no Brasil podem não ser as melhores, mas é real-mente muito encorajador saber que - pela sua lealdade e pelas realizações através das quais vocês têm prestado serviço à seu país, de forma vital mesmo que não
glamurosa - vocês não abandonam o tra-balho. É este espírito que hoje permite que o nosso Bureau enfrente com sucesso suas graves responsabilidades. Sincera-mente, J. E. Hoover”.
Como o texto implica, a intenção da
falsificação era provar o envolvimento direto
americano da deposição do governo brasilei-
ro de João Goulart. O serviço tchecoslovaco
teria preferido depositar toda a culpa na CIA,
mas a razão da inclusão do FBI na conspira-
ção americana foi muito prosaica: o serviço
secreto não tinha o modelo do papel timbrado
da CIA naquela época. A falsificação e uma
das circulares mencionadas anteriormente
apareceram primeiramente no jornal argenti-
no "Propositos", em 23 de julho. A esta pu-
blicação seguiu-se uma reação em cadeia na
imprensa latino-americana, à medida que os
jornais, um a um, se revezaram em espalhar
essa “nova onda de atividade subversiva ame-
ricana.” (*)
* Ultima Hora, Santiago, 24 de julho de 1964; Vistazo, Santiago, 27 de julho de 1964; El Siglo, San-tiago, 28 de julho de 1964; El Popular, Montevidéu, 28 de julho de 1964; Prensa Latina, Montevidéu, 28 de julho de 1964; Marcha, Montevidéu, 31 de julho de 1964; Epoca, Montevidéu, 1 de agosto de 1964; Comba-te, Santiago, 1 de agosto de 1964; El Siglo, Santiago, 2 de agosto de 1964; El Dia, Cidade do México, 17 e 20 de janeiro de 1965; La Gacota, Bogotá, março/abril, 1965; e provavelmente muitos outros.
96 - Revista do Clube Militar
A Eleição de Castello Branco
O general Humberto
de Alencar Castello
Branco foi eleito
com a quase unanimidade dos
sufrágios, obtendo 361 dos 388
votos que compunham o Colé-
gio Eleitoral, e empossado em
15 de abril de 1964.
Na noite de 1º de abril,
os principais Governadores que haviam apoiado a
Revolução reuniram-se no Rio de Janeiro, represen-
tando todos os Partidos, com exceção do PTB, e
acordaram que o Chefe do Governo Revolucioná-
rio deveria ser um militar. Como escreveria mais
tarde o Governador Carlos Lacerda, “a fim de ga-
rantir a unidade das Forças Armadas, impedir uma
eventual usurpação e evitar uma competição entre
os políticos numa hora delicada para o País (1)”.
A Federação e o Centro das Indústrias do Es-
tado de São Paulo enviaram telegrama ao Senado,
solicitando a eleição de um chefe militar (2).
A Sociedade Rural Brasileira publicou um
manifesto, exigindo um militar para Presidente e
pedindo expurgos políticos. A união Cívica Femi-
nina também fez publicar seu manifesto, no qual
exortava a consolidação da Revolução pela elimina-
ção da corrupção e do comunismo e endossava a
escolha de Castello Branco porque era um general
sem ligações políticas (3). No mesmo tom, “O Esta-
do de S. Paulo” publicou um editorial onde defen-
dia a escolha de um Presidente militar, para varrer
os comunistas, e dizia que o País precisava de um
homem sem ligações políticas. (4) Castello assumia
o poder com o apoio civil, demonstrando o estado
de apreensão e a perda de confiança de muitos re-
presentantes das classes assalariadas e dos grupos
empresariais, bem como de políticos de direita, e
de centro, num Presidente civil, embora mais tarde
a maioria retirasse seu apoio ao governo (5).
Castello Branco era um líder militar que,
como chefe de Estado-Maior do Exército e pela
autoridade reconhecida, se tornara o líder do mo-
vimento de 1964. Todavia, era desconhecido para
o País. Poucos haviam ouvido, antes, o seu nome,
Edição Especial - 97
embora não tivesse passado despercebido à acuida-
de política de Tancredo Neves, que, em novembro
de 1963, dissera a um grupo de políticos:
Se houver alguma complicação maior neste
País, o nome que vai surgir como estrela de pri-
meira grandeza não é o de nenhum desses generais
que andam dando entrevistas. Quem vai aparecer
é o Chefe do Estado-Maior do Exército, General
Castello Branco (6).
Voltado para a profissão e dotado de pro-
fundo sentimento legalista, para Castello Branco
a revolução visava a repor a Nação na ordem ju-
rídica consentânea com as aspirações e realidade,
estabelecer a ordem pública, dignificar o compor-
tamento ético na administração do País e superar
as diversidades socioeconômicas regionais, a fim
de que o Brasil amadurecesse como nação integra-
da e desenvolvida. Como diz Luiz Vianna Filho,
Castello estava convicto de que afastado Goulart e
eliminados da vida pública alguns elementos per-
turbadores, governaria com tranqüilidade, mantida
toda a ordem jurídica.
Os problemas que lhe esperavam, porém,
eram enormes. A primeira condição, para a esta-
bilidade e para a retomada do desenvolvimento,
consistia em repor a ordem no País. Mas, caber-
lhe-ia, também, estabelecer uma estratégia para o
desenvolvimento e assegurar o apoio político á es-
tratégica adotada.
A par desses inúmeros problemas, caberia, ao
Presidente recém-eleito, encontrar o ponto de equi-
líbrio entre as diferentes correntes revolucionárias.
(1) Lacerda, C: Análise de uma Provocação,
Tribuna da Imprensa de 26 de agosto de 1967. (2)
O Estado de S. Paulo, de 5 de abril de 1964. (3) O
Estado de S. Paulo, de 4 de abril de 1964. (4) Edito-
rial de O Estado de S. Paulo, de 5 de abril de 1964.
(5) Alfred, S.: Os militares na política, Ed. Arteno-
va, RJ., pág. 153. (6) Vianna Filho, L.: O Governo
Castello Branco, Liv. José Olímpio Editora, 1975,
Vol. I, pág. 47.
Foto:
Man
chete
, 196
4
Edição Especial - 99
A Verdade ocultada por interesse ideológi-
co: o que se vai consagrando como “golpe militar”
foi o resultado de uma eleição indireta, para preen-
cher cargo vago pelo voluntário abandono do País,
do Presidente Goulart, sem autorização do Con-
gresso.
NOTA DO EDITOR: O Presidente Castello Branco foi eleito com maciça presença
do Colégio Eleitoral. Não houve deposição do Presidente Goulart. Ele abandonou o País
sem nenhuma satisfação ao Congresso. Com o cargo declarado vago, realizou-se a eleição
indireta para eleger um Presidente por prazo limitado. Como candidatos concorreram:
o General de Exército Castello Branco, o General de Exército Juarez Távora e o General
de Exército e Ex-Presidente eleito, Eurico Gaspar Dutra. A vitória do Presidente Castello
Branco obteve o apoio indubitável da maioria dos congressistas (361), havendo apenas 72
abstenções e cinco votos nos dois outros candidatos. O documento cuja cópia transcreve-
mos é um texto histórico de muito valor, por demonstrar o quanto a eleição do Presidente
Castello Branco foi referendada pela maioria do Colégio Eleitoral.
361 votos a favor do então General de Exér-
cito Castello Branco, 5 votos a favor de outros can-
didatos e apenas 72 abstenções confirmaram a von-
tade popular, a favor do movimento de 1964, pelos
representantes do povo no Congresso. Nas páginas
seguintes, a comprovação.
A Eleição de Castello BrancoDiário do Congresso Nacional de 12 de abril de 1964, folha 106.
Edição Especial - 105
Desfazendo alguns mitos sobre 64
Heitor De Paola *
Basta olhar quem hoje está no poder político
da Nação para perceber que são os derrotados
militarmente em 64 que venceram uma das
batalhas mais importantes: a cultural. Refugiando-se
nesta área negligenciada pelos governos militares, e
baseando-se na desinformação e nas teses de Gramsci,
passaram a escrever grande parte da história, princi-
palmente aquela de alcance público, acadêmico e nas
escolas de todos os níveis, novelas e minisséries de
TV. Tornaram-se “donos” dos significados das pala-
vras. Temos hoje muito mais mitologia induzida do
que história ocorrida. É trabalho para décadas – se
houver liberdade para tanto – desfazer todos os mi-
tos dos chamados “anos de chumbo”. Darei minha
modesta contribuição, falando daquilo que vivenciei.
As opções políticas na década de 60Um dos mais caros mitos é o de que militares
maldosos, aliados à “burguesia” nacional “ameaça-
da em seus privilégios” – e subordinados às deman-
das maquiavélicas dos EEUU – resolveram abortar
pelas armas a política conduzida por um governo
legítimo e que atendia aos “anseios populares”.
Em primeiro lugar, nega-se o fato de que em
1959 a geopolítica da América Latina havia vira-
do do avesso pela tomada do poder em Cuba por
Castro, que logo assumiu sua condição de comu-
nista e se aliou à URSS. Seguiu-se um banho de
sangue de proporções inimagináveis – do qual é
proibido falar! – e a lenta e progressiva instalação
na ilha de numerosos instrutores soviéticos que
adestraram tropas cubanas e formaram e exporta-
ram guerrilheiros e terroristas, e re-estruturaram o
sistema de Inteligência. Através desta “cabeça de
ponte” aumentou sobremaneira a influência da
URSS na América Latina. Os jornais noticiavam
diariamente as tentativas de derrubada do governo
legitimamente eleito da Venezuela, País chave pela
produção petrolífera. O próximo objetivo estraté-
gico era o Brasil, País imenso, já em fase inicial de
industrialização e cujas Forças Armadas representa-
vam um poderoso obstáculo à penetração comunis-
ta no Continente.
Outro fator só mais recentemente veio à luz,
devido à defecção de Anatoliy Golitsyn, oficial gra-
duado da KGB. Em 1959, durante o período de de-
sestalinização da URSS, Alieksandr Shelepin apre-
sentou um relatório ao Comitê Central do PCUS
mostrando a necessidade de que os órgãos de segu-
rança voltassem a suas funções originais de desin-
formação, exercidas pela OGPU (1922-34). A partir
de então, toda notícia do mundo comunista era ba-
seada em informações emanadas e/ou alteradas pelo
Departamento D (Desinformatziya) da KGB.
25 de agosto de 1961, renúncia que marca
um momento importante. O Vice, João Goulart,
encontrava-se na China e declarou que iria coman-
dar o processo de “reformas sociais” tão logo assu-
misse. Os ministros militares e amplos setores civis
se opuseram à posse de Jango por suas notórias
ligações com a esquerda. Seu cunhado Brizola, Go-
vernador do Rio Grande do Sul reagiu, o Coman-
dante do III Exército, Gen Machado Lopes, ficou
do lado dele e o Brasil esteve à beira da guerra civil.
A Força Aérea chegou a dar uns tiros no Palácio
Piratini. Brizola tomou todas as rádios de Porto
Alegre e obrigou as demais a entrarem em cadeia,
106 - Revista do Clube Militar
a Cadeia da Legalidade! E lá estava eu, “comandan-
do” uma mesa em plena rua, a uns 4ª C, com uma
lista de assinaturas para quem quisesse “pegar em
armas pela legalidade”, atuando em conjunto com
membros do extinto PCB. Com a emenda parla-
mentarista tudo se acalmou, mas, em janeiro de 63,
num plebiscito nada confiável, o País retorna ao
Presidencialismo.
Fiz parte da Juventude Trabalhista e só não en-
trei para os Grupos dos 11, do Brizola, sobre os quais
hoje quase se nada se ouve, porque não tinha idade
e, portanto, não era confiável. No início dos anos 60
o hoje santificado Betinho, junto com o Padre Vaz,
elaborou o “Documento Base da Ação Popular (AP)”,
que previa a instalação de um governo socialista cristão
no Brasil. Mas o documento em que a AP se declarava
francamente a favor da instalação de uma ditadura ao
estilo maoísta foi mantido secreto até para os militantes
da base. Só vim a ter contato com ele através de Duarte
Pacheco (um dos membros do Comando Nacional de
AP) em agosto de 65, quando eu já era mais “confiá-
vel”. O documento, que era obviamente o produto de
uma luta interna na esquerda mundial, defendia a luta
em três etapas: reivindicatória (movimentos populares,
greves); política (início das guerrilhas no campo, como
na China e Vietnã) e ideológica (a formação do Exérci-
to Popular de Libertação). Contrariava a teoria do foco
guerrilheiro, preferida por Guevara e Debray.
O MASTER (nome do MST da época), do Bri-
zola, invadia terras no RS (como a do Banhado do Co-
légio, em Camaquã) e as Ligas Camponesas, de Francis-
co Julião, com apoio explícito do Governador Arraes,
no Nordeste. A CGT, (presidida por Dante Pelacani),
a UNE (José Serra) propunham abertamente um golpe
com fechamento do Congresso. Armas tchecas come-
çaram a surgir. O ano de 1963 foi uma agitação só.
O movimento estudantil, do qual posso falar, estava
dividido entre a Ação Popular (AP) e o PCB. Quem
não viveu aqueles tempos dificilmente pode imaginar
o nível de agitação que havia por aqui. O reinício das
aulas em março de 64 praticamente não houve.
Num encontro em Pelotas, onde eu estudava
Medicina, com o último Ministro da Educação do
Jango, Sambaqui, no início de março, ele nos re-
velou que tudo começaria com o comício marcado
para o dia 13, em local proibido para manifestações
públicas (em frente ao Ministério da Guerra) já em
desafio aberto e simbólico à lei, e seria continuado
pelo levante dos sargentos do Exército e da Marinha
– formando verdadeiros soviets – e pelos Fuzileiros
Navais em peso, comandados pelo “Almirante do
Povo”, Aragão. Pregava-se a subversão da hierarquia
e disciplina militares. Seguir-se-ia pelo já programa-
do discurso de Jango no Automóvel Clube do Bra-
sil. A pressão final sobre o Congresso seria em abril
e maio: se não aprovasse as “reformas de base” seria
fechado com pleno apoio popular.
Na mesma época, participei de uma ação co-
mandada por um agitador da Petrobrás e da SU-
PRA (Superintendência da Reforma Agrária), em
Rio Grande, pela encampação da Refinaria de Pe-
tróleo Ipiranga o qual, num discurso na Prefeitura,
declarou que a República Socialista do Brasil estava
próxima. As ocorrências de março só confirmaram
a conspiração acima mencionada. No comício do
dia 13 Brizola pregou o fechamento do Congresso
se não aprovasse as tais “Reformas de Base” (na lei
ou na marra) – ninguém me contou, eu ouvi no
rádio. Prestes dizia que os comunistas já estavam no
Governo, só faltava tomarem o Poder.
Não havia, pois, opção democrática alguma.
Restava decidir se teríamos o predomínio dos comu-
nistas ou uma reedição do Estado Novo ou de uma
ditadura peronista, chefiados por Jango. As passea-
tas civis estavam nas ruas exigindo o fim da baderna e
em apoio ao Congresso. Sugerir que se devia esperar
que Jango desse o golpe para depois tirá-lo, me parece
uma idéia legalista infantil, pois então teria que ser
muito mais cruento. Foi, na verdade, um contragolpe
cívico-militar preventivo.
*O autor é médico, escritor e foi Vice-Presidente da UNE
Edição Especial - 107
O maniqueísmo em torno do golpe de 1964: uma historiografia enviesada
A mesma “fatalidade histórica” que atingiu a historiografia francesa em relação à revolução de 1789 – considerada até os anos 1960, na visão mar-xista consagrada, um movimento da classe burgue-sa contra o “feudalismo” do Antigo regime – pa-rece ter ocorrido igualmente no Brasil, em relação ao movimento político-militar de março-abril de 1964 que derrocou o governo de João Goulart e inaugurou o regime dos generais-presidentes. Com uma diferença essencial, porém: sem ter conhecido as correções revisionistas que, desde Alfred Cob-ban (1964) até François Furet (1978), permitiram retificar as distorções simplistas de historiadores marxistas como Albert Soboul (1962) sobre o mo-vimento francês, a historiografia brasileira sobre o golpe de 1964 continua a ser predominantemente “jacobina”.
Aliás, se a historiografia em torno dos even-tos de 1964 – não estritamente, dos eventos que precederam o golpe, mas também do seu imediato seguimento – fosse apenas “jacobina” talvez isso pudesse representar algum progresso epistemoló-gico no tratamento desses processos e eventos de nossa história. Na verdade, as interpretações exis-tentes no Brasil em torno do movimento militar são claramente deformadas e enviesadas segundo uma única interpretação, a da esquerda, ou seja, aquela escrita pelos grupos e movimentos que fo-
ram derrotados nos embates e nas crises políticas que dividiram o Brasil no início dos anos 1960. Ocorre no Brasil, provavelmente, um dos poucos exemplos na História onde a escrita dessa história foi e vem sendo feita, não pelos vencedores dos embates, mas por aqueles que foram vencidos, não tanto pela força das armas, mas pela realidade dos fatos e pela vontade da sociedade nacional.
A abordagem que privilegia a visão dos ven-cidos está claramente presente na maior parte dos livros didáticos e paradidáticos que são utilizados nos cursos do ensino médio e universitário, além de impregnar praticamente a maior parte do ma-terial de cunho jornalístico que é disseminado em círculos mais amplos da sociedade nacional. Em-bora algumas obras especializadas – como a bio-grafia de Marco Antonio Villa sobre João Goulart (2004), por exemplo – possam exibir uma visão mais matizada a respeito das crises que marcaram processo político, entre 1961 e 1964, levando em conta as divisões existentes na classe política e na sociedade, naquela conjuntura, a grande maioria da literatura atual e dos artigos de opinião continua a entreter aquele tipo de interpretação simplista que, invariavelmente, apresenta a “burguesia” (sic), ou os capitalistas, aliados ao latifúndio e à direita militar, todos eles incitados, ou até guiados, pelo imperialismo americano, como os ferros de lança da “reação” (re-sic) contra o governo “progressista” (tri-sic) de Goulart.
São estes os livros, justamente, que moldam
Deformações da História do Brasil:o governo Goulart, o mito das reformas de base e o maniqueísmo
historiográfico em torno do movimento militar de 1964
Paulo Roberto de AlmeidaDiplomata de carreira, professor de Economia Política no Uniceub (Brasília)
(www.pralmeida.org; http://diplomatizzando.blogspot.com/)
108 - Revista do Clube Militar
as “explicações” em torno da crise política que per-meou o período completo do governo Goulart e seu desdobramento militar sob a forma de um gol-pe apoiado por parte substancial da opinião públi-ca naquela conjuntura. Esse tipo de literatura não é apenas dominante nos relatos históricos sobre a época; ela também tende a orientar as atuais polí-ticas de “memória histórica” expressas em certas iniciativas das correntes de esquerda que dominam o governo e o sistema político brasileiro, sob a he-gemonia do Partido dos Trabalhadores desde 2003 (como a parcialíssima “Comissão da Verdade”, por exemplo, em total contradição com o seu nome oficial e em absoluta oposição ao equilíbrio da ver-dade histórica).
A visão consagrada nesses livros didáticos e paradidáticos sobre aquele período é, sintoma-ticamente, a de um vigoroso movimento de mas-sas apoiando um governo comprometido com as chamadas ‘reformas de base’ – agrária, tributária, eleitoral, universitária, habitacional –, supostamen-te lutando para concretizar as aspirações do povo brasileiro, mas tendo de enfrentar uma coligação agressiva de latifundiários, de industriais, de da “grande imprensa” e seus aliados imperialistas, re-presentados pelo governo dos EUA e suas agên-cias (CIA, adidos militares, etc.). As deformações históricas da literatura têm prolongamento na fase ulterior, não apenas na avaliação da ação políti-ca de oposição ao governo militar por parte dos antigos aliados e membros do governo Goulart, como também na apresentação da atuação da fra-ção da esquerda que rompeu com a ação puramen-te política e adotou o caminho da luta armada, seguindo o modelo cubano ou maoísta. Segundo essa visão, os grupos políticos e as personalidades que lideraram a resistência armada contra o regime militar passaram a ser identificados com supostos defensores da liberdade e da democracia, ainda que poucos deles tenham deixado evidências materiais dessa luta “democrática” contra o regime militar.
Pouco se fala, nessa literatura, sobre o proje-to político real da maior parte dos opositores do regime militar e da “dominação imperialista”, que era o da instauração de uma “democracia popu-lar” muito alinhada com os países do socialismo real e, portanto, de implementação de um modelo econômico totalmente enquadrado nos cânones do estatismo exacerbado e empenhado na contenção, e provavelmente na extinção, do sistema de eco-nomia de mercado no Brasil. Não há, tampouco, nenhuma visão critica sobre o desastre econômico, político e moral – com o imenso custo humano – desses regimes de cunho totalitário, que, ainda hoje, são vergonhosamente vistos sob uma perspec-tiva positiva nesse tipo de subliteratura engajada.
Meio século depois do movimento político-militar de 1964 que derrubou o governo Goulart, são poucos os exemplos de obras não passionais, ou isentas, sobre as causas profundas, as circuns-tâncias exatas e a complexidade intrínseca desse processo que marcou indelevelmente a sociedade brasileira – e a classe acadêmica, obviamente – du-rante todo o seu decorrer e no período subsequen-te, até os dias atuais. Mesmo uma obra relativa-mente recente – como o manual de Adriana Lopez e de Carlos Guilherme Mota, História do Brasil: Uma Interpretação (2008) –, que poderia ter ofere-cido uma visão não passional e não ideológica so-bre as origens e itinerário do regime de 1964-1985, sucumbe aos conceitos típicos da tradição “jacobi-na” – os de autocracia burguesa e de contrarrevo-lução preventiva, por exemplo, introduzidos por Florestan Fernandes (1976) – para caracterizar um movimento civil-militar que é visto unicamente no contexto da Guerra Fria. De fato, como afirmado na obra de Lopes e Mota, “o movimento coloca-va o País nos quadros da dominação americana” (2008, p. 799), retomando, assim, a interpretação maniqueísta do golpe.
Um livro que tentava um interpretação mais ou menos isenta do processo de lutas po-
Edição Especial - 109
líticas que levaram ao desfecho de 1964, o de Thomas Skidmore (1967) sobre a história política brasileira de Getúlio a Castelo Branco, nunca foi, na verdade, bem aceito pelos acadêmicos brasilei-ros, a despeito de se ter convertido numa espécie de referência geral para o estudos dessas décadas da Era Vargas. Atente-se que seu titulo original – Politics in Brazil, 1930-1964: An Experiment in Democracy – era bastante pessimista sobre as chances de se ter no Brasil um sistema político de-mocrático estável, considerando o autor que ape-nas vivíamos impulsos democráticos e crises re-correntes num longo continuum autoritário, que é inaugurado pelas intervenções militares desde o início da República. Na mesma época, aliás, esta-vam sendo publicados os primeiros livros da série histórica de Leôncio Basbaum, "História Sincera da República (1957 a 1968)", situado nas antípo-das da interpretação de Skidmore. Essa produção acadêmica por um dos mais conhecidos militan-tes do comunismo brasileiro pode ser legitima-mente considerada como o equivalente, no Brasil, da historiografia jacobina francesa, com todos os maniqueísmos e simplificações a que se tem direi-to nesse tipo de literatura: na verdade, se tratava mais de uma compilação de obras secundárias do que um trabalho original, conservando apenas o parentesco com a versão jacobina da história pelo uso dos conceitos e categorias marxistas e pela abordagem classista do processo histórico.
Se é possível identificar um Albert Soboul nacional, este seria representado pelo historia-dor de origem militar Nelson Werneck Sodré, que encarnou como poucos, entre nós, a visão soviética da história. Entretanto, pela riqueza de sua escritura, pela ampla cultura clássica e pelo seu conhecimento aprofundado da litera-tura original das eras colonial e independente, Werneck Sodré podia ser considerado um inte-lectual de primeira linha, quase um erudito da produção historiográfica, na comparação com
a pobre produção histórica que se seguiu.As principais obras representativas da didá-
tica histórica, a partir de meados dos anos 1960, foram caracterizadas por um marxismo vulgar de baixíssima qualidade, quase nenhuma pesquisa de arquivo (e um apoio quase exclusivo em alguns “mestres” do pensamento nacional, independente-mente da defasagem metodológica de suas obras, velha de algumas décadas), poucas bases empíricas e o pavoroso espírito maniqueísta que seria de se esperar na subliteratura histórica que passou a ser-vir de referência aos estudantes brasileiros a partir do final dos anos 1960. Pode-se dizer que, mesmo sem levar em conta suas orientações políticas e ide-ológicas, essa produção é de muito baixa qualidade intrínseca, mas é ela que continua a moldar, ainda, as interpretações correntes sobre o período militar no Brasil.
Mitos do governo Goulart: refor-mas de base e autonomia frente ao im-pério
Invariavelmente, esse tipo de mito sobre o golpe militar de 1964 começa com a ascensão das lutas sociais pelas reformas de base – sendo a prin-cipal delas a reforma agrária – e contra a domina-ção estrangeira, lutas que vão se acelerando desde o segundo governo Vargas e que culminam no go-verno de seu sucessor trabalhista, João Goulart. As questões nacionais daquela conjuntura seriam as da aliança do latifúndio com o imperialismo e a da subordinação da burguesia nacional a esse esque-ma espúrio e antinacional. Os movimentos pro-gressistas estavam engajados no rompimento dessa aliança e na construção de uma aliança de classes que viabilizasse o desenvolvimento do Brasil em bases propriamente nacionais.
O livro símbolo daquele momento, mais do que qualquer manual de história ou compêndio de política aplicada, era um panfleto chamado “Um
110 - Revista do Clube Militar
dia na vida de Brasilino”, um típico exemplo de nacionalismo piegas e de anti-imperialismo infan-til. Brasilino é um brasileiro médio que, desde o momento em que acorda até a hora de se deitar, consome produtos de marcas estrangeiras e, as-sim, está o tempo todo pagando dividendos ao capital estrangeiro, como explica repetitivamente o seu autor após cada ato de consumo do ‘herói’ da história. A moral da história, inversamente ao que se poderia esperar de uma análise estritamente econômica, que revelaria as fragilidades da indús-tria nacional, é, obviamente, a de que o Brasil está dominado pelo capital estrangeiro, e que todos os brasileiros são, como Brasilino, cúmplices da ‘ex-ploração’ da pátria por esses interesses defraudado-res da riqueza nacional.
Outro mito propagado nesse tipo de litera-tura constitui o da conjunção de interesses entre, de um lado, os capitalistas nacionais, os militares e políticos entreguistas, sem falar dos reacionários do campo e da cidade, em primeiro lugar os la-tifundiários, e, de outro lado, os representantes do capital estrangeiro e os próprios enviados do império, com destaque para os agentes da CIA e os adidos militares da Embaixada americana, que foram os que induziram seus colegas brasileiros ao golpe. Nem todos os didáticos históricos apresen-tam o golpe de 1964 como tendo sido teleguiado de Washington, mas todos eles, invariavelmente, referem-se ao aumento da ‘pressão externa’ e aos preparativos para a intervenção norte-americana, como elementos decisivos na decisão dos militares brasileiros que derrubaram Goulart.
Depois de tantos avanços na historiografia nacional, é constrangedor constatar que, mesmo um compêndio atual, como o já citado livro de Adriana Lopez e de Carlos Guilherme Mota, Histó-ria do Brasil: Uma Interpretação, reproduz chavões que se pensava afastados das interpretações mais recentes desse processo histórico. Citando vários nomes da vida pública e acadêmica brasileira, os
autores referem-se a “uma variadíssima gama de testas-de-ferro de empresas multinacionais” ou a re-presentantes da ‘burguesia nacional’ – em especial a paulista – “com mentalidade dos tempos da pedra lascada” (p. 782). Os autores registram, pelo menos, o depoimento de Darcy Ribeiro que informa que “líderes das Ligas Camponesas haviam se desloca-do para Goiás à procura de bases para guerrilhas, ‘com apoio do governo cubano’” (p. 783). Esse tipo de alusão ao modelo revolucionário cubano como caminho para o processo de ascensão das massas brasileiras ao poder político nacional é, contudo, raro na literatura disponível a respeito, que se con-tenta em reproduzir a versão sobre a oposição dos “reacionários” às grandes reformas “progressistas” de Goulart, sobretudo a agrária.
Quase não existem traços de uma avaliação equilibrada, ou seja razoavelmente crítica, em rela-ção ao governo de Goulart e seus inúmeros equí-vocos econômicos, políticos e administrativos. Praticamente nenhum deles menciona a inflação galopante, o descontrole orçamentário, o clima po-lítico de conflitos quase diários no campo e na ci-dade, a perda de autoridade do governo em relação às corporações do Estado, enfim, o ambiente de desorganização progressiva da vida nacional. Tudo se resume a um complô de reacionários nacionais e aliados estrangeiros contra um governo progres-sista. De fato, mesmo um protagonista direto dos acontecimentos, o então chefe da Casa Civil Darcy Ribeiro, pretende, em um livro-depoimento (1985, verbete 1811) que:
O importante é que o governo de Jango não caiu em razão de seus eventuais defeitos; ele foi derrubado por suas qualidades: representava uma ameaça tanto para o domínio norte-america-no sobre a América Latina como para o latifúndio.
Esse tipo de avaliação complacente, e pro-fundamente equivocada, sobre as supostas virtudes do governo Goulart, visto como uma vítima ino-
Edição Especial - 111
cente das forças conjugadas dos latifundiários, dos empresários e políticos ‘entreguistas’, dos testas-de-ferro das multinacionais e dos interesses poderosos do império, constitui a versão corrente da historio-grafia dita ‘progressista’, num tipo de simplismo explicativo que fica bem aquém, pela sua grosseira contradição com os fatos, das interpretações jaco-binas originais, relativas à historiografia tradicio-nal da Revolução francesa. Em versões ainda mais simplificadas e maniqueístas, ela frequenta a maior parte da produção didática sobre a história política da transição da República de 1946 para o regime militar.
Raramente esse tipo de literatura destaca, não as qualidades, mas os defeitos reais do caótico governo Goulart, sua incompetência administrati-va, a ignorância econômica do presidente, seu total descaso ou desinteresse pelo equilíbrio das contas públicas, o loteamento de cargos em função de cri-térios puramente personalistas, a tolerância com a inflação e a desordem nas agências do Estado, a indiferença em relação às sucessivas quebras da hierarquia e da disciplina – princípios básicos – nas Forças Armadas, bem como, nos últimos meses, o incitamento à divisão política e social no país, com as promessas de realização das ‘reformas de base’, ainda que contra os preceitos constitucionais e os processos legislativos normais. Poucos desses autores lembram que a inflação anualizada para 1964 aproximava-se perigosamente de 100% – num contexto de ausência completa de mecanismos cor-retores ou de indexação de valores e contratos, o que fez cair a níveis irrisórios os volumes de pou-pança privada. Poucos, ainda, são os historiadores que registram a queda nas taxas de investimento e de crescimento econômico, com a retração do capital estrangeiro e a fuga de capitais nacionais, o desestímulo à produção agrícola ou manufatureira nacional – em virtude dos controles de preços que começavam a ficar extensivos e arbitrários; sequer se menciona: a paralisia nos mercados imobiliários,
tanto de construção quanto de aluguéis – em vis-ta das ameaças de intervenção nos contratos e nas condições dos negócios habitacionais; a deteriora-ção no balanço de pagamentos, com redução de ex-portações, ausência de empréstimos internacionais e a situação de virtual insolvência nas obrigações externas; enfim, um conjunto de indicadores eco-nômicos, políticos e sociais não apenas negativos no curto prazo, mas potencialmente indutores de instabilidade social e política e de grave crise eco-nômica, que, aliás, já estava em curso quando os militares decidiram se mobilizar.
Goulart e o caos político: instabi-lidade econômica, incapacidade de re-formar
As ditas ‘reformas progressistas’ do Gover-no Goulart foram mais anunciadas – e mais pro-priamente agitadas, notadamente no famoso co-mício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964 – do que propriamente implementadas, seja por manifesta incompetência do presidente e seu governo, seja pela falta de base congressual, e de apoios sociais mais explícitos, o que as condenou a permanecer o que sempre foram: meros slogans de agitação política para tentar, desesperadamente, encontrar algum suporte na sociedade, à falta de consenso nas bases políticas tradicionais. O que é um fato, e que a historiografia complacente não aborda com clareza, é que o governo Goulart, a exemplo de tantos congêneres populistas na região e alhures, dividiu a sociedade ao meio e foi incapaz de traçar um plano claro, implementável, de refor-mas políticas, sociais e econômicas dentro de uma perspectiva realista de um país capitalista da peri-feria, introduzindo uma agenda semi-socialista que muito fez, justamente, para dividir a sociedade.
Como sempre ocorre nos momentos de di-ficuldades econômicas, líderes políticos populistas buscam um bode expiatório para os problemas,
112 - Revista do Clube Militar
atribuindo sua origem a fatores externos ou aos ‘inimigos do povo’, como fez Goulart nesse discur-so da Central do Brasil. Indiferente às verdadeiras causas do desabastecimento alimentar e da alta de preços, ou preferindo ignorar as responsabilida-des do próprio governo para a construção de um cenário que anunciava contenção dos ganhos dos ricos e limitação da remessa de lucros por parte dos investidores estrangeiros, ele prometia ser rigo-roso contra os especuladores e sonegadores: “Ação repressiva, povo carioca, é a que o governo está praticando e vai ampliá-la cada vez mais e mais implacavelmente, assim na Guanabara como em outros estados contra aqueles que especulam com as dificuldades do povo, contra os que exploram o povo e que sonegam gêneros alimentícios e jogam com seus preços”.
A historiografia complacente é totalmen-te acrítica em relação aos fracassos do governo Goulart, notadamente em estabilizar a economia, controlar a inflação e retomar as altas taxas de crescimento do governo Kubitschek, que ficou na história, justamente, por combinar desenvolvimen-to econômico com estabilidade política (Benevi-des, 1976). Duas das personalidades mais saudadas do governo Goulart, San Tiago Dantas e Celso Furtado, foram especialmente infelizes na tenta-tiva de implementar programas de estabilização monetária, de reformas essenciais e de crescimento econômico: a ambos faltou o apoio do presidente na implementação de medidas que eram absolu-tamente necessárias para desviar o país da rota da hiperinflação, do estrangulamento externo, do des-controle orçamentário e do caos social. O primei-ro lutou bravamente no governo e no Congresso para promover medidas realistas de reformas ma-croeconômicas e setoriais, que ele identificava com uma agenda para a ‘esquerda positiva’, mas se viu confrontado com o desinteresse do presidente e a exacerbação de radicalismos que levaram o Brasil ao desfecho inglório de 31 de março de 1964.
Celso Furtado, por sua vez, é ainda hoje sau-dado como um grande economista nacionalista e desenvolvimentista, esquecendo-se seus defensores de destacar sua postura essencialmente complacen-te com a erosão inflacionária – que ele via como um mal menor, em função do objetivo maior do crescimento, do emprego e da renda dos trabalha-dores – o que pode estar na origem da tolerância histórica no Brasil com altas taxas de inflação, uma das causas principais, justamente, da concentração de renda e da manutenção de vastos estratos sociais na pobreza crônica. Ele é especialmente lembrado pelo seu Plano Trienal, aliás sabotado pelo próprio presidente, que não pretendia fazer um esforço mínimo que fosse pelos objetivos modestamente estabilizadores desse plano frustrado a poucos me-ses de seu lançamento. Cabe, talvez, reproduzir a síntese a respeito desse plano econômico vitimado pela política viciada do governo Goulart, feita por este mesmo autor, em trabalho publicado em obra coletiva (Almeida, 2008).
Em contraste com o nítido sucesso do Plano de Metas, o Plano Trienal de Desenvolvimento Eco-nômico e Social, elaborado em apenas três meses por uma equipe liderada por Celso Furtado no final de 1962, para já subsidiar a ação econômica do go-verno João Goulart no seu período presidencialista (em princípio de 1963 a 1965), sofreu o impacto da conjuntura turbulenta em que o Brasil viveu então, tanto no plano econômico como, em especial, no âmbito político. O processo inflacionário e as cri-ses políticas com que se defrontou o governo Jango, combinaram-se para frustrar os objetivos desenvol-vimentistas do plano, que buscava retomar o ritmo de crescimento do PIB da fase anterior (em torno de 7% ao ano), ao mesmo tempo em que pretendia, pela primeira vez, contemplar alguns objetivos distributi-vistas. Estavam previstos, em seu âmbito, a realização das chamadas “reformas de base” (administrativa, bancária, fiscal e agrária), ademais do reescalonamen-to da dívida externa (Macedo, 1975: 51-68).
Edição Especial - 113
Era um plano de transição econômica, não de planejamento macro-setorial, e sua interrupção, antes mesmo da derrocada do governo Goulart, torna difícil uma avaliação ponderada sobre seus méritos e defeitos intrínsecos (como o problema das economias de escala no caso da indústria de bens de capital). Ele partia, em todo caso, do mo-delo de “substituição de importações” e da noção de que os “desequilíbrios estruturais” da economia brasileira poderiam justificar uma elevação persis-tente no nível de preços, de conformidade com al-guns dos pressupostos da teoria estruturalista que disputava, então, a primazia conceitual e política com a teoria monetarista, que era aquela preconi-zada pelo FMI e seus aliados nacionais (já objeto de notória controvérsia no anterior governo JK). O processo inflacionário era, em parte, atribuído a “causas estruturais” do setor externo (esquecendo o efeito do ágio cambial sobre os preços internos) e, em parte, ao déficit do Tesouro como decorrência dos altos investimentos realizados (mas a unifica-ção cambial também privou o Estado de uma fonte de receita substancial, sem considerar a questão sa-larial, tratada de modo pouco responsável).
Em qualquer hipótese, os objetivos contra-ditórios do Plano Trienal (reforma fiscal para ele-vação das receitas tributárias, mas inibição do in-vestimento privado; redução do dispêndio público via diminuição dos subsídios ao trigo e ao petró-leo, mas política de recuperação salarial; captação de recursos no mercado de capitais, sem regulação adequada e sem remuneração compensatória da inflação; mobilização de recursos externos num ambiente de crescente nacionalismo e hostilidade ao capital estrangeiro), ademais da aceleração do processo inflacionário (73% em 1963, contra 25% previstos no Plano), condenaram-no ao fracasso antes mesmo que o governo Goulart fosse derruba-do numa conspiração militar. A economia cresceu apenas 0,6% em 1963, como reflexo do baixo nível de investimentos realizado no período: na verda-
de, os investimentos privados cresceram 14% nesse ano, mas eles tinham caído 10% no ano anterior, contra um decréscimo de 18% nos investimentos públicos em 1963. Em síntese, o plano falhou em seu duplo objetivo de vencer a inflação e promover o desenvolvimento, mas as causas se situam aci-ma e além de sua modesta capacidade em ordenar a atuação do Estado num contexto político que tornava inócua a própria noção de ação governa-mental.
Desmontando os mitos: uma aná-lise das ‘reformas progressistas’
Uma exposição crítica das famosas ‘refor-mas de base’ do governo João Goulart revelaria, no entanto, que elas eram nada mais do que uma assemblagem oportunista de diversos objetivos ge-rais, sem qualquer detalhamento específico e sem qualquer iniciativa concreta no plano parlamentar. De fato, poucas foram as medidas encaminhadas sob a forma de projetos de lei ao Congresso, para sua tramitação legislativa normal, mas muitos fo-ram os discursos e anúncios feitos geralmente de forma bombástica para encantar plateias de apoia-dores ou de já convencidos de sua ‘necessidade’. Algumas, aliás, foram anunciadas às pressas, como no famoso discurso da Central do Brasil (no dia 13 de março), já numa fase de desespero político pela degringolada visível do governo junto aos congressistas e militares; entre elas estavam as de-sapropriações de terras que ladeavam rodovias e ferrovias nacionais para fins de reforma agrária – ‘contra a Constituição’, se fosse preciso, como se jactou o presidente – e a estatização de refinarias de petróleo, numa conjuntura em que a Petrobras se encontrava periclitante, depois de mais de dez presidentes em menos de nove anos.
Quais eram, finalmente, as famosas ‘reformas de base’ do governo Goulart? Elas são sumariamen-te apresentadas abaixo – a partir de Lopez-Mota
114 - Revista do Clube Militar
(2008, p. 779), tal como originalmente apresenta-das no livro-depoimento de Darcy Ribeiro (1985, verbete 1725, “1963, as reformas de Jango”) – se-guidas de comentários sobre o significado de cada uma delas (talvez com o benefício do chamado hindsight – ou seja, o viés da visão retrospectiva – mas, em todo caso, de maneira o mais possível objetiva).
1) Reforma Urbana, com vistas a defi-nir uma Lei do Inquilinato que melhorasse as condições de vida da classe média não-proprietária e dos trabalhadores.
As promessas de Goulart, no comício do dia 13 de março, eram diretas: “Dentro de poucas ho-ras, [um] decreto será dado ao conhecimento da Nação. É o que vai regulamentar o preço extor-sivo dos apartamentos e residências desocupados, preços que chegam a afrontar o povo e o Brasil, oferecidos até mediante o pagamento em dólares.” Se tratava da fixação, segundo critérios políticos, de tetos máximos de reajuste para os aluguéis, com determinação igualmente política de um teto máximo para a aferição dos valores de mercado do metro quadrado, para construção ou aluguel; as medidas seriam supostamente completadas por programas de construção de casas populares sub-sidiadas. O resultado prático do anúncio foi a pa-ralisação da construção imobiliária, uma retração do mercado de aluguéis, o desenvolvimento de um mercado negro de contratos fraudados nesse setor e uma carência habitacional ainda maior do que a existente no período anterior. A fixação de tetos máximos para os aluguéis, se implementada, signi-ficaria uma intromissão do governo no patrimô-nio de particulares (para todos os efeitos equipara-dos a “rentistas”, quando muitos eram, na verdade, cidadãos de classe média tentando complementar salários, pensões ou aposentadorias oficiais noto-riamente insuficientes).
2) Reforma Agrária, facilitando aos trabalhadores rurais acesso à terra, atacan-do os latifúndios improdutivos ao instituir o uso lícito da terra.
Como escreveu um historiador brasileiro de tradição marxista, Caio Prado Jr. – que, aliás, reco-mendava uma reforma agrária de cunho essencial-mente capitalista, e nem sempre pela simples repar-tição de terras –, o Brasil careceu, desde os tempos coloniais, de uma verdadeira categoria assimilável, em linha de princípio, aos camponeses no sentido clássico da palavra, uma vez que os camponeses livres ou os trabalhadores rurais não pertencentes a um latifundiário, ou não assalariados, sempre foram, em sua opinião, marginais, estrutural e his-toricamente falando. Não lhe parecia, assim, que uma reforma agrária ao estilo mexicano ou russo poderia ser aplicada no Brasil de modo economica-mente racional e socialmente sustentável. Caio Pra-do dizia (1966) que uma solução capitalista – via melhoria das condições de trabalho sob um regime salarial – poderia cumprir as funções econômicas essenciais para a constituição desse mercado inter-no capitalista que não tinha sido possível consti-tuir no tempo histórico de formação da sociedade brasileira.
Em outros termos, se a reforma agrária tinha sido uma necessidade em outros tempos, talvez a sua oportunidade já tivesse passado e caberia exa-minar as outras possibilidades de modernização econômica e social no campo, compatíveis com uma moderna economia capitalista, em vista da inexistência já referida da classe camponesa tradi-cional. Assim, se havia algum sentido de “justiça social” na distribuição de terras, esse tipo de medi-da poderia revelar-se não funcionalmente eficiente nas condições concretas da economia brasileira da segunda metade do século XX. O que existia, sim, era uma demanda por trabalho e renda no campo, sem que os demandantes tivessem, contudo, con-
Edição Especial - 115
dições técnicas e competência profissional para se estabelecerem como “camponeses capitalistas” de modo pleno, sem requerer assistência contínua e apoio financeiro do Estado, o que não necessaria-mente os transformaria em camponeses bem suce-didos, mas provavelmente em eternos dependentes do apoio estatal.
Em paralelo, havia, claro, uma enorme de-manda política pela reforma agrária, mas isso correspondia mais aos movimentos políticos or-ganizados em busca de uma agenda qualquer de “transformação social” do que propriamente a uma necessidade estrutural daqueles mesmos que seriam objeto da “reforma agrária”. Ou seja, era uma boa agenda eleitoral, e de agitação ideológica, oportunamente explorada pelos movimentos em questão de esquerda.
João Goulart, em seu famoso discurso da Central do Brasil falou da reforma agrária como um espécie de “abolição do cativeiro para dezenas de milhões de brasileiros que vegetam no interior, em revoltantes condições de miséria”, o que era absolutamente verdade, mas sem que isso pudesse implicar em que essas dezenas de milhões de bra-sileiros se convertessem, da noite para o dia, em camponeses prósperos ou minimamente indepen-dentes da ajuda estatal. O que ele pretendia, através de um decreto da Superintendência da Reforma Agrária, era expropriar terras às margens das ro-dovias e ferrovias para entregá-las a “camponeses” pobres, num gesto cheio de demagogia e de incon-sequências: “O que se pretende com o decreto que considera de interesse social para efeito de desa-propriação as terras que ladeiam eixos rodoviários, leitos de ferrovias, açudes públicos federais e terras beneficiadas por obras de saneamento da União, é tornar produtivas áreas inexploradas ou subutiliza-das, ainda submetidas a um comércio especulativo, odioso e intolerável.”
O vezo demagógico de sua proposta transpa-recia na imediata sequência de seu discurso: “Não é
justo que o benefício de uma estrada, de um açude ou de uma obra de saneamento vá servir aos inte-resses dos especuladores de terra, que se apodera-ram das margens das estradas e dos açudes.” Ele prometia, então, que em 60 dias, com a ajuda das Forças Armadas, começaria o trabalho de demar-cação e atribuição das terras assim designadas para a sua reforma agrária relâmpago. Reiterando suas promessas, afirmou: “A reforma agrária deve ser iniciada nas terras mais valorizadas e ao lado dos grandes centros de consumo, com transporte fácil para o seu escoamento.”
Não é possível saber que destino e que traje-tória teriam tido a expropriação e a distribuição de terras “valorizadas”, segundo o programa de refor-ma agrária de Goulart, já que ela sequer chegou a ser implementada. Ademais dos imensos problemas logísticos que tal medida em favor do “povo” acar-retaria, em vista da completa incapacidade da Su-pra em administrar um processo dessa magnitude, havia o obstáculo do impedimento constitucional da expropriação de terras sem prévia indenização em dinheiro, tal como estabelecido pelos consti-tuintes de 1946. Provavelmente ela teria conduzido a difíceis batalhas legais no Supremo, além de al-guma exacerbação da violência no próprio campo, a supor que o Exército teria efetivamente servido de guarda pretoriana da Supra na sua tentativa de acelerar a redenção do “povo rural”.
Em todo caso, o governo militar do general-presidente Humberto de Alencar Castello Branco adotou, como uma de suas primeiras medidas de reforma estrutural, o Estatuto da Terra, que pre-tendia eliminar o latifúndio pela via da imposição fiscal e da sua inviabilização patrimonial mediante condicionalidades produtivas, ou seja, uma típica reforma capitalista. Quaisquer que tenham sido os resultados desse instrumento de reestruturação agrária, o tema não deixou de ter sua forte conota-ção política e ideológica durante todo esse tempo, até os dias que correm, quando um movimento
116 - Revista do Clube Militar
neobolchevique ainda diz pretender realizar a ‘re-forma agrária’ com os mesmos métodos e objeti-vos já inoperantes e economicamente irrelevantes de meio século atrás.
3) Reforma Político-Eleitoral, insti-tuindo o voto aos analfabetos.
Medida justa, em sua franquia universal – tanto que foi adota na democratização –, ainda que ela viesse acoplada de uma exigência desca-bida, que ainda hoje desperta um sentimento de caução: “que a todos seja facultado participar da vida política através do voto, podendo votar e ser votado”. De fato, Goulart pretendia que “Nesta reforma, pugnamos pelo princípio democrático, princípio democrático fundamental, de que todo alistável deve ser também elegível.” O princípio é meritório, mas admitir parlamentares, prefeitos ou vereadores analfabetos, ou semialfabetizados, pode não ser o melhor caminho para o bom exercício de um cargo público e o aperfeiçoamento da máqui-na administrativa, bem como seu funcionamento adequado, naquela época ou ainda hoje. Um dos aspectos mais deletérios do perfil da representação parlamentar na atualidade é, justamente, ademais da tendência exagerada ao corporatismo e à frag-mentação das bancadas políticas numa miríade de interesses paroquiais, a tolerância dos tribunais eleitorais com candidatos semialfabetizados, ou praticamente analfabetos funcionais, ascendendo aos cargos de representação e, em diversos casos, a chefias de executivos em aglomerações do interior.
4) Reforma Educacional, para ampliar a rede pública, assegurando a todos o direito à Educação com qualidade, dentro dos prin-cípios do Estado laico.
Os princípios e as intenções sempre foram vagos, e o governo Goulart nunca explicitou como
ele pretendia assegurar a todos o direito à educação de qualidade. Supostamente, isso se faria pela am-pliação das universidades públicas e pela democra-tização do acesso, o que permaneceu indefinido até que o governo militar decidiu instituir o vestibular como método universal, e meritório em seu recru-tamento impessoal, de seleção na entrada, cabendo depois resolver o problema das vagas e da qualida-de do ensino. O que seria possível prever, mesmo na continuidade do regime democrático no Brasil, seria a grande expansão do ensino universitário, demanda universal da classe média e dos estratos urbanos da classe média baixa.
O que os militares fizeram foram enormes investimentos na pós-graduação, ao lado de um re-lativo descaso com os ciclos inicial e secundário da educação, com consequências danosas nas décadas que se seguiram. Independentemente dos regimes militares e civis, e de sua orientação mais estatizan-te ou liberal, a educação nos dois primeiros níveis continuou a se deteriorar continuamente no Bra-sil, ao passo que a democratização do acesso ao en-sino superior, assegurado pela expansão sobretudo privada da oferta de vagas, foi acompanhada da perda de qualidade dos quadros docente e discente, o que é de certa forma natural e esperado, num movimento desse tipo. A melhoria da qualidade da produção científica não encontrou correspon-dência na transposição desse conhecimento para o aparelho produtivo, e o Brasil segue dependente de tecnologia e know-how estrangeiros.
Em qualquer hipótese, teria sido altamente improvável que um governo Goulart levado a seu termo tivesse alterado significativamente a qualida-de do ensino no Brasil, em qualquer nível. O mais provável é que ele teria contribuído com sua dete-rioração mais rápida, em vista do exacerbado corpo-rativismo sindical já presente e de suas conhecidas orientações populistas, incompatíveis com um en-sino adaptado aos requerimentos de uma sociedade de mercado competitiva como deveria ser o Brasil.
Edição Especial - 117
Mencione-se a propósito, que com todo o au-toritarismo do regime militar, este esteve mais pró-ximo de cumprir certas exigências de uma moder-na economia competitiva – sobretudo ao estimular a pós-graduação – do que todo o primitivismo ingênuo (ou maoísta) de um Paulo Freire, disse-minado pelos pedagogos típicos desses ambientes fortemente ideologizados e sindicalizados. O desas-tre educacional teria sido bem maior e teria vindo provavelmente mais rápido. O problema básico da educação no Brasil é a afirmação do mérito, algo a que se opõem virulentamente sindicalistas e parti-dários da isonomia absoluta.
5) Reforma Administrativa, para mo-dernizar o corpo funcional, racionalizando a máquina do Estado e combatendo a cor-rupção.
Nada mais meritório e nada mais necessário, aliás ainda hoje. Como para o problema educacio-nal acima mencionado, o mais provável teria sido uma deterioração do serviço público, em função do corporativismo exacerbado que já vigorava nos tempos de Kubitschek e caminhou para seu pon-to máximo no governo Goulart. A orientação tec-nocrática do regime militar, aliás condizente com a própria natureza das Forças Armadas, levou a uma modernização sensível do aparelho de Esta-do, ainda que pela via autoritária, e com imensas restrições ideológicas, típicas da mentalidade estrei-tamente anticomunista então vigente. Os militares, na verdade, mesmo tendo modernizado o Estado, ampliaram exageradamente seu escopo e abrangên-cia, entrando nas mais diversas áreas de natureza diretamente produtiva. O resultado foi uma eleva-ção da carga fiscal de menos de 13% para mais de 24% do PIB, servindo em parte para investimentos produtivos, mas em grande medida também para a manutenção do próprio Estado. A sociedade brasi-leira, já premida por uma carga tributária próxima
da dos países ricos – com uma renda per capita seis vezes menor –, paga o preço dessa expansão des-mesurada do Estado, que, contrariamente ao que se pretendia, correspondeu a um crescimento da corrupção (natural, já que o Estado manipula um volume maior de recursos, com mais funcionários e canais de intermediação).
6) Reforma Bancária, para ampliar o crédito e financiamento às forças produti-vas, abaixando e controlando os juros.
O Brasil nunca tinha tido, de fato, um mercado de créditos efetivo e um sistema ban-cário digno desse nome; desde o Império, a ca-rência de capitais foi uma constante em nossa história. Era, portanto, mais que justificado que o governo Goulart pretendesse fazer uma refor-ma bancária para ampliar o crédito e financiar a produção, mas o sentido adotado para isso era deliberadamente enviesado para abaixar os ju-ros, mantendo-os controlados por mera volição administrativa. O Brasil, na verdade, precisava mais do que uma reforma do sistema bancário: ele tinha de passar por uma reforma econômica radical, que deveria começar por uma reforma monetária, fiscal e orçamentária, estabelecendo as bases de um sistema financeiro competitivo e aberto, com baixo grau de extração tributária e de requerimentos de financiamento por parte do Estado, o que contribuiria, justamente, para manter em níveis moderados os juros bancários. O que eleva os juros é a dívida pública e a falta de concorrência no sistema bancário, não a ga-nância dos banqueiros, como parecia acreditar o governo Goulart. Controle de juros, assim como o controle de câmbio geram distorções no cam-po econômico, e são inócuos, já que um mercado paralelo – de financiamento ou cambial – se co-locaria como alternativa informal à determina-ção governamental.
118 - Revista do Clube Militar
7) Reforma Tributária, para corrigir as distorções da tributação entre proprietá-rios e assalariados.
Certamente necessária, aliás indispensável, já que a estrutura existente em 1964, preservando impostos anacrônicos que vinham do Império ou do início da República, era altamente disfuncio-nal do ponto de vista da produção, do consumo e da renda. Mas, essa distinção feita na proposta entre proprietários e trabalhadores é reveladora da visão distorcida que mantinham seus defensores, indicando um desejo pouco disfarçado de taxar os detentores de patrimônio – ou seja, o estoque de riqueza existente na economia – em lugar de estimular a produção, para então taxar os fluxos de riqueza criados.
Não se sabe qual seria, exatamente, a propos-ta de reforma tributária do governo Goulart, além desses instintos predatórios ou retaliatórios con-tra os proprietários e os “rentistas”, que seriam os banqueiros, assimilados a exploradores do povo. Ele sequer apresentou um projeto ao Congresso e era altamente duvidoso que o fizesse; mesmo que o tivesse feito, era altamente aleatório ou to-talmente improvável que tal projeto conseguisse ser aprovado no ambiente de profundo dissenso congressual daqueles anos.
O governo militar, ou mais exatamente o grupo de tecnocratas competentes que cuidavam da área, efetuou profunda reforma tributária, in-troduzindo princípios de tributação – como o do valor agregado – que seriam depois adotados em outras economias avançadas. O sentido foi con-centrador e “extrator”, já que o Estado passou a assumir funções econômicas crescentes, mesmo se, mais adiante, a carga fiscal diminuiu relativa-mente, substituída pelo endividamento interno e externo.
A centralização tributária operada pelo re-gime militar foi depois parcialmente revertida na
redemocratização de 1985-88, não em favor dos contribuintes – como seria legítimo esperar – mas em benefício dos estados e municípios, que foram os próximos responsáveis pelo desastre fiscal no Brasil dos anos 1980 e início dos 90, até serem contidos, parcialmente, pela Lei de Responsabili-dade Fiscal de 2000. Atualmente, é altamente du-vidoso que uma reforma tributária seja conduzida no Brasil, e se ela for feita, mais uma vez não será em benefício dos produtores e consumidores e, sim, obviamente, em favor das unidades da fede-ração.
O mais provável que aconteça é uma “pro-gressividade extratora” pelos anos à frente, ou seja, um aumento contínuo, ainda que gradual, da car-ga fiscal. Desde a Constituição, ela já aumentou dez pontos percentuais do PIB, equiparando-se atualmente ao nível médio da OCDE, em torno de 38% do PIB, dez pontos acima da média dos países em desenvolvimento e outros dez pontos acima dos países de maior dinamismo e cresci-mento econômico. Como os órgãos de “repres-são” tributária são altamente eficientes no Brasil, o mais provável é que a esquizofrenia fiscal tenha ainda um grande espaço para se exercer no futuro imediato e de longo prazo. O Brasil apresenta os sintomas de uma bomba-relógio fiscal em forma-ção – excesso de gastos e baixo crescimento – o que deve manifestar com maior intensidade nos anos à frente.
8) Reforma Militar, para permitir a participação dos suboficiais na política.
Tema altamente demagógico, e que não cons-tituía, propriamente, uma reforma militar, mas um simples expediente eleitoreiro, apelando para uma categoria corporativa suscetível de apoiar po-líticos populistas. Nas condições do Brasil do iní-cio dos anos 1960, e do ambiente militar (com gre-ves de sargentos), serviu para agravar ainda mais
Edição Especial - 119
o ambiente já efervescente nas casernas, desde o retorno dos trabalhistas ao poder. Às vésperas do golpe militar – que na verdade começou com uma marcha sobre o Rio de Janeiro, de um comandan-te de unidade militar baseada em Minas Gerais, forçando os demais comandantes a tomar posição – uma assembleia de marinheiros na ex-capital do país confirmava esse rompimento da hierarquia e da disciplina militares, num grau inaceitável para os princípios institucionais das Forças Armadas.
9) Reforma do Capital Estrangeiro, para mudar as relações e contratos com em-presas multinacionais, regulados pela Lei de Remessa de Lucros.
Não se tem ideia de qual reforma se estava falando, mas a intenção seria limitar a remessa de lucros e controlar ainda mais os contratos e as atividades das empresas estrangeiras. Uma lei es-pecífica que regulava a atração e o tratamento do capital estrangeiro no Brasil, cuja tramitação tinha sido iniciada em 1961, tinha sido aprovada em 1962, mas jamais foi promulgada pelo presidente Goulart, tendo isso sido feito pelo Congresso dois anos depois, para ser depois modificada no início do governo militar. Essa lei de 1964 não mudou em sua essência, a não ser a partir dos anos 1990, para ampliar o acesso dos brasileiros a divisas e a operações cambiais. Na verdade, essa “reforma” era outra medida demagógica de Goulart, que nis-so seguia o estilo de seu antigo mentor, Getúlio Vargas, que regularmente arengava as massas com o seu nacionalismo primário, colocando a culpa dos problemas econômicos do Brasil na “cobiça do capital estrangeiro” e nos “lucros exorbitantes” das empresas estrangeiras. Esse tipo de acusação totalmente irracional no plano econômico – e sem qualquer justificativa no terreno da modernização tecnológica e dos ganhos com exportações, sempre associados aos investimentos estrangeiros – conti-
nua a fazer parte dos slogans de demagogos ana-crônicos, que aliás reconhecem a necessidade de o Brasil fazer apelo a capitais estrangeiros, mas que continuam a demonstrar seu ódio a capitalistas es-trangeiros, numa esquizofrenia típica dos incultos em economia elementar.
Balanço econômico do governo Goulart: os que os indicadores reve-lam
Sem pretender criticar mais uma vez a visão pouco complacente da maior parte da literatura a respeito do governo Goulart, e deixando de lado a postura acrítica de muitos autores em relação às chamadas reformas de base e às posições alega-damente “progressistas” desse governo, cabe vol-tar, pela sua importância intrínseca em relação ao bem-estar e oportunidades de emprego e de renda para a maior parte da população, à administração da economia nacional nos anos Goulart. Cabe re-gistrar, em primeiro lugar, que o Brasil vinha de um período de excepcional crescimento econômi-co – não exatamente o dos “cinquenta anos em cinco”, como pretendia a publicidade forçada em torno do Plano de Metas de JK – mas de uma expansão real do produto na segunda metade da década anterior, em quase todas as áreas e setores da economia Entre 1955 e 1961 – com a única ex-ceção de 1956, que sucedeu justamente, à crise da eleição de JK – o PIB cresceu a uma média de 8% ao ano, com picos para a indústria de 16,8% em 1958 e três anos seguidos, de 1957 a 1959, acima de 10% para os serviços.
A “herança maldita” de JK foi a aceleração da inflação – estimulada sobretudo pela constru-ção de Brasília, feita à margem do orçamento e contra o orçamento – e o desequilíbrio nas contas externas, basicamente em função do gesto dema-gógico de JK de “romper” com o FMI – que se-gundo ele queria “impedir o desenvolvimento do
120 - Revista do Clube Militar
Brasil” – apenas porque o organismo de Bretton Woods pretendia um pouco de ordem nas con-tas públicas, como condição para aprovar emprés-timos condicionais de ajuda emergencial para o pagamento das obrigações externas, ou seja, algo totalmente razoável, mas que o presidente não desejava cumprir. A passagem meteórica de Jânio Quadros pela presidência – de janeiro a agosto de 1961 – permitiu algumas reformas importan-tes, que tinham se tornado inadiáveis – como a unificação do câmbio, que funcionava em regime de taxas múltiplas desde a passagem de Oswaldo Aranha pelo ministério da Fazenda, no segundo governo Vargas, mais exatamente em 1953 –, e um início de reforma tarifária, além de pretender ex-pandir o comércio exterior brasileiro em todas as direções, inclusive com os países da então chama-da “cortina de ferro”.
O ambiente macroeconômico deteriorou-se sensivelmente entre 1961 e 1964: a inflação e os desequilíbrios do setor externo, o estrangulamen-to cambial e o saldo (na verdade déficit) do ba-lanço de pagamentos agravaram-se enormemente nesses anos; a instabilidade econômica gerou vo-latilidade e incertezas, que determinaram fuga de capitais e desinvestimento. A rigor, não se pode dizer que 1961 e 1964 devam ser colocados sob o domínio da política econômica de Goulart, pois que ele assumiu em setembro de 1961, manieta-do por um sistema parlamentarista do qual ele se desvencilharia apenas em janeiro de 1963, e dei-xou de governar no final de março de 1964. Mais importante ainda: Goulart teve vários ministros da Fazenda, e mudou várias vezes a orientação da política econômica, ademais de não respeitar or-çamentos.
Consideremos, assim, os anos de 1962 a 1964 como ‘influenciados’, pela política econômica de Goulart, sendo que os anos de 1962 e 1963 caem inteiramente sob sua responsabilidade. Quais são os números econômicos desses anos?
Os dados oficiais do IBGE para alguns des-ses anos são ainda mais negativos, uma vez que o crescimento do PIB teria sido de apenas 0,6% em 1963 e a produção industrial teria, na verdade, caí-do à taxa negativa de -0,2% em 1963. À vista desses números, não se pode considerar a gestão econô-mica de Goulart um sucesso, muito ao contrário, provavelmente um desastre. As tão trombeteadas quanto desconhecidas reformas de base só ocorre-riam, efetivamente, sob os governos militares, que alteraram as bases e o modo de funcionamento da política econômica e o papel do Estado. A carac-terística essencial dessa política econômica sob o regime militar foi a centralização e a estatização, algo, aliás, muito próximo da ideologia socialista defendida pelos antigos líderes populistas, e que os militares recusavam absolutamente nos planos político e cultural durante seu longo período no comando da nação.
De fato, parece surpreendente que o regime militar tenha realizado muitos dos objetivos eco-nômicos estatizantes que a esquerda defendia aber-tamente antes (e depois) do regime militar. Duran-te o período, a esquerda condenou as políticas de “arrocho salarial”, de repressão aos movimentos sociais e de subordinação dos sindicatos de traba-lhadores ao Estado, práticas que todos os regimes socialistas sempre mantiveram em todos os expe-rimentos históricos conhecidos, em escala muito mais ampla do que qualquer ditadura capitalista ou economia de mercado. O regime militar brasi-leiro – é verdade que com base no endividamento interno e externo – levou o Brasil a taxas de cresci-
Edição Especial - 121
mento jamais vistas, antes e depois, na economia brasileira: 10,4 em 1970, 11,3% em 1971, 11,9% em 1972 e, no auge de um ciclo que não mais se repetiria, 14% em 1974. No plano mundial, apenas a China, bem mais tarde, reproduziria taxas susten-tadas nesses picos durante muito tempo.
Qualquer que seja o julgamento que se faça dos “anos de chumbo”, durante a fase mais aguda da ditadura militar, é um fato que a história desses anos, como aliás, dos períodos anterior e posterior, está sendo escrita desde uma perspectiva de esquer-da, ou pelo menos “progressista”. Essa história, até pelo fato de que seus produtores se julgam (talvez corretamente) opositores do regime militar, é deci-didamente enviesada contra esse regime, ao mesmo tempo em que é profundamente leniente ou to-lerante em relação aos anos Goulart, considerado geralmente como um período de “florescimento democrático” e de “conquistas políticas e sociais”. Essa literatura descura por completo a incompe-tência econômica e administrativa desses anos.
Não se pode dizer que o democratismo caó-tico dos anos Goulart contribuiu para reduzir os altos níveis de desigualdade social e de concentra-ção da renda; ao contrário, já que a aceleração da inflação trouxe, na verdade, uma elevação do coe-ficiente de Gini, o índice que mede a concentração de renda. A inflação atinge basicamente os mais pobres, ao atuar como imposto sobre seus rendi-mentos, embora não se possa descurar o peso da (falta de) educação no perfil concentrado da dis-tribuição de renda, em todas as épocas. O único plano de estabilização econômica consequente ela-borado durante a fase parlamentarista do governo Goulart, o plano Trienal – sob a responsabilidade do ministro extraordinário para o planejamento, Celso Furtado, que pretendia que ele fosse também de desenvolvimento –, foi, de fato, sabotado pelo próprio presidente, que não pretendia submeter-se aos rigores de alguma contenção na emissão de moeda, por mínima que fosse.
Na verdade, pode-se dizer que o governo Gou-lart caiu bem mais em virtude do caos econômico e social criado durante sua administração – ademais, no plano político e das instituições, pela quebra de hierarquia registrada nos meios militares – do que em função das alegadas tendências comunistas das forças políticas engajadas em seu governo. Todos estavam conscientes de que as Forças Armadas, de-pois do choque ocorrido com a Intentona Comu-nista de novembro de 1935, jamais permitiriam a adesão do Brasil a um regime execrado pela maior parte das elites responsáveis do país.
Quanto às alegações de que o golpe foi “tra-mado em Washington”, elas não resistem a um exame mais sério da documentação disponível, e constituem, na verdade, uma ofensa aos militares brasileiros e a todos aqueles líderes econômicos e políticos preocupados com os rumos tomados pelo Brasil a partir da volta ao presidencialismo, em janeiro de 1963, e no início de 1964, com o acirramento das promessas de Goulart de efetuar as reformas de base “na lei ou na marra”, como aliás pregava Brizola. Não que o governo america-no fosse indiferente ao itinerário político do Bra-sil, naqueles anos de acirramento da Guerra Fria, a partir da Revolução cubana e do aprofundamento do radicalismo antissoviético e revolucionário dos dirigentes da China comunista. Mas imaginar que os militares brasileiros tomassem ordens de Wa-shington para derrubar o presidente legal – mas, a rigor, pouco legítimo, a partir de certa fase – é não apenas contrário aos registros históricos, mas abso-lutamente ridículo no contexto dos conflitos polí-ticos então em curso naquele início de 1964. É co-nhecido, por exemplo, que a alta cúpula das Forças Armadas hesitava bastante quanto às respostas a dar às investidas de Goulart em assuntos militares – como a participação política de suboficiais, por exemplo –, mas seria preciso lembrar, igualmente, a ação – esta, sim, conspiratória, dos três gover-nadores dos mais importantes estados brasileiros
122 - Revista do Clube Militar
(Carlos Lacerda, na então Guanabara, Magalhães Pinto, em Minas Gerais, e Ademar de Barros, em São Paulo), que praticamente forçaram os militares a se posicionar ante a deterioração da situação polí-tica e econômica naquela conjuntura. Os três, aliás, eram fortes candidatos nas eleições presidenciais ainda programadas para 1965, e viam com preocu-pação o favoritismo de JK, cuja candidatura já era considerada como praticamente vitoriosa.
Concluindo, pode-se dizer que a subliteratu-ra existente nos manuais escolares de história ou de ciências humanas em torno do movimento mi-litar que derrocou o regime Goulart e deu início a um regime autoritário de duas décadas não serve à história nem à memória correta do Brasil do iní-cio dos anos 1960, uma sociedade em rápida tran-sição para a industrialização, mas ainda atrasada nos planos agrícola, tecnológico, político e social. É correto dizer que a história é feita de mitos – he-róis nacionais, episódios gloriosos de um passado incerto, etc. – mas neste caso específico os mitos em torno de 1964 são especialmente mistificadores e deformadores da história real. Está em tempo de encerrar essa subliteratura e começar a escrever a história seriamente.
Hartford, 15 de março de 2014
Bibliografia citada:ALMEIDA, Paulo Roberto. “Planejamento
Econômico no Brasil: uma visão de longo pra-zo, 1934-2006”. In: PEIXOTO, João Paulo (org.). Governando o Governo: modernização da administração pública no Brasil. São Paulo: Atlas, 2008, p. 71-106.
BASBAUM, Leôncio. História Sincera da República. 4 volumes, publicados de 1957 a 1968; republicados em várias edições pela Editora Alfa-Ômega, de São Paulo.
BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. O Governo Kubitschek: Desenvolvimen-
to econômico e estabilidade política (1956-1961). São Paulo: Paz e Terra, 1976.
COBBAN, Alfred. The Social Interpre-tation of the French Revolution. Cambridge: Cambridge University Press, 1964.
FERNANDES, Florestan. A Revolução Burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, l976.
FURET, François Furet. Penser la Révolu-tion française. Paris: Gallimard, 1978.
LOPEZ, Adriana; MOTA, Carlos Guilher-me. História do Brasil: Uma Interpretação. São Paulo: SENAC-SP, 2008.
MACEDO, Roberto B. M. “Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social (1963-1965)”. In: LAFER, Betty Mindlin (org.). Planeja-mento no Brasil. 3ª ed.; São Paulo: Perspectiva, 1975, p. 51-68.
PELÁEZ, Carlos M.; SUZIGAN, Wilson. História Monetária do Brasil. 2a. ed.; Brasília, Edi-tora da UnB, 1981.
PRADO Jr., Caio. A Revolução Brasilei-ra. São Paulo: Brasiliense, 1966.
RIBEIRO, Darcy. Aos trancos e barran-cos: como o Brasil deu no que deu. Rio de Ja-neiro: Guanabara, 1985.
SKIDMORE, Thomas E. Politics in Brazil, 1930-1964: An Experiment in Democracy. Nova York: Oxford University Press, 1967.
SOBOUL, Albert: Histoire de la Révolu-tion française. Paris: Editions Sociales, 1962.
VILLA, Marco Antonio. Jango: um perfil (1945-1964). Rio de Janeiro: Globo, 2004.
Edição Especial - 123
Os Governos do regime instaurado pelo Movimento Democrático de
31 de Março de 1964
Desencadeada para impedir a implanta-
ção de um totalitarismo de esquerda, o Mo-
vimento demoraria muito mais do que o ini-
cialmente previsto e desejado por seus líderes
para devolver o poder a um civil eleito demo-
craticamente.
A causa principal do alongamento do
regime reside, sem dúvida, na necessidade de
enfrentar a subversão e a luta armada, inten-
sificadas a partir de 1968 por organizações
comuno-terroristas. Pela mesma razão, viu-se
obrigado a lançar mão, em momentos extre-
mos, de recursos amargos para impedir o país
de mergulhar em prolongada guerrilha urba-
na e rural, deflagrada com o claro objetivo
de implantar no país a “ditadura do proleta-
riado”. E foi somente pela ação determinada
dos governos revolucionários que esse intento
fracassou, e o Brasil não foi oprimido pelo
desumano, totalitário, atrasado e inviável re-
gime comunista.
Não obstante o necessário e eventual
uso de medidas de força, o Movimento de 31
de Março sempre teve como meta o restabe-
lecimento pleno da democracia. Aliás, é bom
lembrar que seu último Presidente, o General
Figueiredo, governou durante seis anos sem
nenhum dos poderes discricionários outorga-
dos por atos revolucionários.
Não parece justo, portanto, acoimar de
ditatorial um regime que exigiu o rodízio
de lideranças, não praticou o culto da per-
sonalidade, não adotou o modelo do partido
único, manteve os instrumentos de legalidade
formais e, por fim, auto-limitou-se. Mais uma
vez, a palavra do jornalista Roberto Marinho
ilustra e esclarece:
“Não há memória de que haja ocor-rido aqui, ou em qualquer outro país, um regime de força, consolidado há mais de vinte anos, que tenha utilizado seu pró-prio arbítrio para se auto-limitar, extin-guindo os poderes de exceção, anistiando adversários, ensejando novos quadros partidários, em plena liberdade de im-prensa. É esse, indubitavelmente, o maior feito da revolução de 1964.” (Julgamento da
Revolução - O Globo - 7 de outubro de 1984)
Os êxitos ... e os equívocos. Ao
restabelecer o clima de ordem e paz e o prin-
cípio da autoridade, o período revolucionário
propiciou profundas, benéficas e duradou-
Ulisses Lisboa Perazzo Lannes *
124 - Revista do Clube Militar
ras transformações para o país. Nunca an-
tes, na história deste país (e nem depois),
viveu-se tempo de tão acelerado progresso
e concretas realizações. O quadro abaixo,
por exemplo, permite esclarecedora compa-
ração:
Apresentando taxas de crescimen-
to não mais atingidas, o Brasil passou do
49º para o 8º lugar, entre as economias do
mundo. Dentre outros feitos, a infraestru-
tura do país foi modernizada e ampliada;
todas as capitais estaduais passaram a ser
interligadas fisicamente, por estradas de
muito boa qualidade; incorporou-se efetiva-
mente a Amazônia ao patrimônio nacional;
desenvolveram-se as indústrias naval e ae-
ronáutica; criaram-se a Empresa Brasileira
de Pesquisa Agrária e a Empresa Brasileira
de Telecomunicações; multiplicou-se por 9
a potência elétrica instalada, por 6 as re-
servas de petróleo e por 15 as receitas com
exportações; e as fronteiras econômicas ex-
pandiram-se, com a adoção do Mar de 200
Milhas.
Iguais êxitos foram alcançados na área
social, por intermédio de medidas como,
por exemplo, a incorporação à Previdência
Social de 20 milhões de trabalhadores ru-
rais; a promulgação do Estatuto da Terra;
a criação de órgãos e instrumentos de ação
social como o FGTS e o PIS/PASEP; e a ins-
tituição do MOBRAL e do Projeto Rondon.
Diante de tão expressivas e incontes-
táveis realizações, não é exagero afirmar-se
que os governos nascidos do Movimento de
31 de Março de 1964 modernizaram o Es-
tado brasileiro e plantaram as bases físicas
que, ainda hoje, alicerçam a caminhada do
país ao encontro do pleno desenvolvimen-
to, como sociedade livre e democrática.
Certamente, equívocos foram cometi-
dos. O principal deles, a prolongada exten-
são do regime revolucionário — motivada
pela necessidade de enfrentar a luta armada
— dificultaria o surgimento e a renovação
de legítimas lideranças políticas, forjadas
nos embates democráticos e afinadas com
os ideais revolucionários. Há quase 30 anos,
os danosos efeitos desse fenômeno se fazem
presentes na cena política brasileira. Outra
crítica cabível reside no fato de a abertura
política não ter sido precedida nem acom-
panhada pela abertura da economia. Erro,
aliás, exponenciado pelos governos civis que
se seguiram à Revolução, responsáveis pela
edição de cinco planos envolvendo conge-
lamentos e confiscos, formas supremas de
ditadura econômica.
O balanço, todavia, é inquestionavel-
mente positivo, e a análise isenta do perío-
do revolucionário, “descompromissada com
o emocionalismo próprio dos perdedores”,
certamente revela resultados extremamen-
te favoráveis, muito diferentes da “versão
construída pelas esquerdas, com bases em
referências ideológicas inconsistentes e ul-
trapassadas”.
Período 1964/84 1985/89 1990/94 1995/02 2003/07 2008/12
Taxa Média/Ano de Crescimento Econômico Real Expresso em % do PIB - Fonte: IBGE
Média/Ano 6,29 4,39 1,24 2,31 3,78 3,22
* O autor é General de Divisão e Presidente do Conselho Editorial da Revista do Clube Militar.
Edição Especial - 131
* O autor foi Ministro de Estado da Fazenda de 1967 a 1974, Ministro de Estado da Agricultura (em 1979 e Ministro-Chefe) da Secretaria de Planejamento da Presidência da República, de 1979 a 1985. (Depoimento ao Projeto História Oral do Exército.)
132 - Revista do Clube Militar
Realizações dos Governos do Movimento Cívico-Militar de 31 de Março de 1964
Edição Especial - 133
Realizações dos Governos do Movimento Cívico-Militar de 31 de Março de 1964
Ao iniciar-se o ciclo dos governos im-
plantados pelo Movimento de 31 de Março de
1964, o País ocupava a 45ª colocação, entre os
maiores PIB do mundo. Ao encerrar-se o ciclo,
21 anos depois, o Brasil situava-se como a 8ª
(oitava) maior economia mundial.
O restabelecimento e a preservação do cli-
ma de ordem e tranquilidade e a condução das
atividades governamentais com honestidade de
propósitos, competência e olhos postos somen-
te na grandeza e nos interesses da pátria permi-
tiram a concretização de notáveis realizações,
as principais das quais citadas a seguir.
→ Implementação das reformas administra-
tiva, agrária, bancária, eleitoral, habitacional,
política e universitária.
→ Criação do Banco Central do Brasil (Dez 64)
e instalação do Conselho Monetário Nacional.
→ Reforma do TCU (Tribunal de Contas da
União).
→ Reformulação do Código Tributário Na-
cional.
→ Aumento do PIB, chegando a 14% de cres-
cimento.
→ Redução da inflação de quase 90% ao ano
para até 14%.
→ Aumento das exportações, de 1,5 bilhões de
dólares para 37 bilhões.
→ Criação de 15 milhões de empregos, entre
1967 e 1974 (não existe programa social mais
eficiente do que a criação de empregos).
→ Crescimento sistemático da renda dos tra-
balhadores de 3% ao ano, em termos reais.
→ Criação do FGTS (Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço), do PIS (Programa de Inte-
gração Social) e do PASEP (Programa de For-
mação do Patrimônio do Servidor Público).
→ Criação do INPS (Instituto Nacional de
Previdência Social), do IAPAS (Instituto de Ad-
ministração Financeira da Previdência e Assis-
tência Social, atual INSS – Instituto Nacional
de Seguro Social, após sua fusão com o INPS),
e da DATAPREV (Empresa de Processamento
de Dados da Previdência Social, atual Empre-
sa de Tecnologia e Informações da Previdência
Social).
→ Criação do FUNRURAL (Fundo de Assis-
tência ao Trabalhador Rural) - o maior progra-
ma de transferência de renda da época, pois
antes dele os trabalhadores e trabalhadoras do
campo não tinham direito a nada.
→ Regulamentação do 13º salário.
→ Criação do BNH (Banco Nacional de Ha-
bitação).
→ Criação do SFH (Sistema Financeiro Ha-
bitacional) - que construiu mais de quatro mi-
lhões de casas e apartamentos para a classe po-
bre e média em todo país.
→ Criação do PROMORAR - Programa que
erradicou as palafitas de várias favelas em todo
(Compilação de dados extraídos de livros, revistas, jornais e internet)
134 - Revista do Clube Militar
o Brasil como, por exemplo, a da Maré, no Rio
de Janeiro, e a de Alagados, na Bahia.
→ Construção de vários açudes no sertão nor-
destino.
→ Criação do IBDF (Instituto Brasileiro de
Desenvolvimento Florestal).
→ Criação da EMBRAPA (Empresa Brasilei-
ra de Pesquisa Agropecuária) - considerada no
mundo todo como uma das maiores revoluções
tecnológicas ocorridas na agricultura no Sec
XX. Isso possibilitou os sucessivos superávits
que ocorrem na balança comercial, sustentando
o País até hoje.
→ Criação do Estatuto da Terra e do INDA (Ins-
tituto Nacional de Desenvolvimento Agrário).
→ Criação do Conselho Nacional de Poluição
Ambiental.
→ Criação do Banco da Amazônia.
→ Criação da Zona Franca de Manaus - que
permitiu o desenvolvimento da Região Norte.
→ Criação da SUDAM (Superintendência de
Desenvolvimento da Amazônia).
→ Código de Mineração.
→ Implementação do Crédito Educativo - uma
das maiores realizações no campo da educação.
→ Fomento e financiamento de pesquisa:
criação da FINEP (Financiadora de Estudos e
Projetos) e reorganização do CNPq (Conselho
Nacional de Pesquisa, atual Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico)
e da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior ), com grande in-
cremento dos cursos de mestrado e doutorado.
→ Estatuto do Magistério Superior.
→ Criação do PAT (Programa de Alimentação do
Trabalhador) e reorganização da CNME (Campa-
nha Nacional de Merenda Escolar), atual PNAE
(Programa Nacional de Alimentação Escolar).
→ Criação de várias Universidades pelo Bra-
sil, pois a demanda estava reprimida e quase
não havia crescimento de vagas. Com a criação
de faculdades isoladas, o País teve um avanço
espetacular na formação superior, aumentando
as matrículas de 100 mil, em 1964, para 1,3
milhões, em 1981.
→ Matrícula de mais de 10 milhões de estudan-
tes nas escolas - pela Lei 5692/71, universalizou-
se o acesso das crianças ao ensino fundamental.
→ Criação do MOBRAL (Movimento Brasilei-
ro de Alfabetização) - foi o maior movimento
de alfabetização de adultos do século XX.
→ Criação do Projeto RONDON - que leva-
va os universitários das áreas desenvolvidas às
regiões carentes do País (especialmente Norte,
Nordeste e Centro-Oeste).
→ Estruturação das grandes construtoras na-
cionais, em face da participação nas grandes
obras de infraestrutura realizadas no período.
→ Expansão de todas as grandes siderúrgicas
(CSN – Companhia Siderúrgica Nacional, USI-
MINAS – Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais
S.A, COSIPA- Companhia Siderúrgica Paulista,
e outras), que fizeram o Brasil passar de crôni-
co importador para exportador de aço.
→ Criação da ELETROBRAS (Centrais Elétri-
cas Brasileiras S.A.).
→ Criação da NUCLEBRAS (Empresas Nucle-
ares Brasileiras S/A) e subsidiárias.
→ Construção das Usinas ANGRA I e AN-
GRA II.
→ Criação da EMBRATEL (Empresa Brasilei-
ra de Telecomunicações S.A.) e TELEBRAS (Te-
lecomunicações Brasileiras S. A.).
→ Criação e/ou fortalecimento das indústrias
aeronáutica (EMBRAER - Empresa Brasileira
de Aeronáutica S.A.), naval (CASNAV - Centro
Edição Especial - 135
de Análise de Sistemas Navais e criação, am-
pliação e modernização de estaleiros), bélica
(IMBEL – Indústria de Material Bélico Brasil)
e automotiva (a frota de veículos rodoviários
passou de 1,6 para 13 milhões).
→ Criação da INFRAERO (Empresa Brasilei-
ra de Infraestrutura Aeroportuária), proporcio-
nando a criação e modernização dos aeroportos
brasileiros (Galeão, Guarulhos, Brasília, Con-
fins, Viracopos/Campinas, Salvador, Manaus).
→ Criação dos Centros de Lançamento Barrei-
ra do Inferno/RN e Alcântara/MA.
→ Prospecção de petróleo em grandes profun-
didades na bacia de Campos.
→ Implementação dos Polos Petroquímicos de
Cubatão (São Paulo) e de Camaçari (Bahia).
→ A PETROBRAS aumentou a produção de
75 mil para 750 mil barris/dia de petróleo.
→ Criação do PRÓ-ALCOOL (atingiu 95%
dos carros, proporcionando grande economia
para o País) - hoje o combustível tem 25% de
álcool e a indústria automobilística utiliza mo-
tores bicombustíveis.
→ Construção das maiores usinas hidrelétri-
cas do mundo: Tucuruí, Ilha Solteira, Jupiá e
Itaipu, todas com as suas gigantescas linhas de
transmissão.
→ A rede rodoviária asfaltada passou de 18
mil (sendo 12 mil federais) para 104 mil Km
(sendo 46 mil federais e 58 mil estaduais e mu-
nicipais).
→ Duplicação de rodovias como a Via Dutra
e a Rio-Juiz de Fora.
→ Pavimentação de rodovias, tais como Be-
lém-Brasília, Cuiabá-Porto Velho, Rio-Bahia li-
torânea (BR 101) e Rio-Santos.
→ Construção das rodovias Cuiabá-Santarem,
Transamazônica (entre Estreito/MA/TO e Ita-
coatiara/PA), Manaus-Porto Velho e Manaus–
Caracaraí.
→ Implementação dos corredores de exporta-
ções de Vitória, Santos, Paranaguá e Rio Grande.
→ Construção do Porto de Itaqui, no Mara-
nhão, juntamente com o Projeto Carajás, com
ferrovia de 800 km, que exporta para o mundo
todo e que ajuda a sustentar a balança comer-
cial brasileira.
→ Construção de mais três portos (Aratu/BA,
Forno/RJ e Tubarão/ES) e ampliação, reequi-
pamento e modernização dos demais, além da
construção de terminais especializados para a
movimentação de graneis sólidos e líquidos e,
também, de terminais de contêineres.
→ Construção de eclusas na hidrovia Tietê-Pa-
raná e em Sobradinho (no Rio São Francisco)
e início da construção em Tucuruí (no Tocan-
tins) e em Boa Esperança (no Rio Parnaíba).
→ A frota mercante passou de 1,4 para 10 mi-
lhões de TPB.
→ A rede ferroviária foi ampliada de 3 mil km
e remodelada em 11 mil Km.
→ Construção do Tronco Principal Sul (TPS).
→ Produção de transporte pela Rede Ferrovi-
ária Federal passou de 8,2 para 37,2 bilhões de
TKU.
→ Criação da EBTU (Empresa Brasileira de
Transportes Urbanos).
→ Construção da Ponte Rio-Niterói (Ponte
Presidente Costa e Silva).
→ Implantação de metrôs e melhoramentos
das linhas de trens metropolitanos: Rio de Ja-
neiro, São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte,
Recife e Fortaleza.
→ A Polícia Federal foi reformulada e ampliada.
136 - Revista do Clube Militar
Para a sua Estante
136 - Revista do Clube Militar
Três obras que não podem faltar na estante do leitor interessado em compreender os
acontecimentos que redundaram no Movimento Político-Cívico-Militar de 31 de Março de 1964
A Grande Mentira
A Verdade Sufocada
Autor: Gen Agnaldo Del Nero Augusto
Editora: Bibliex Cooperativa
Sinopse: O livro descreve, de forma objetiva e com-
pleta, as tentativas de tomada do poder pelos comunis-
tas. O autor assenta sua obra na sinceridade e na pesqui-
sa, esclarecendo e desmistificando fatos e verdades do
discurso das esquerdas brasileiras.
Soljenitsin, prisioneiro por 38 anos dos campos
de trabalho soviéticos e autor do livro “Arquipélago Gu-
lag”, assim se expressou: “O pior do Comunismo não é
a opressão, é a mentira”.
Com a mentira e valendo-se de técnicas psicológi-
cas de indução, os comunistas patrícios, com referência
a sua atuação desde os primórdios até a guerrilha da
Autor: Carlos Alberto Brilhante Ustra
Editora: Ser
Sinopse: A obra permite ao leitor formar um verda-
deiro juízo de valor sobre o que foi a revolução esquer-
dista no Brasil que culminou com a contrarrevolução
militar, bem como a realidade dos fatos daqueles anos
conturbados e que hoje são bombardeados por versões
enviesadas de uma esquerda mentirosa e revanchista.
O livro resgata a verdade de um período históri-
co totalmente distorcido por aqueles que hoje encobrem
década de 1970, montaram uma versão mentirosa e de-
turpada dos fatos.
Era preciso restabelecer a VERDADE, para escla-
recer as jovens gerações. É a proposta deste livro, que
narra de modo preciso e sem paixões, os acontecimen-
tos como eles realmente ocorreram.
Edição Especial - 137Edição Especial - 137
Orvil Tentativas de Tomada do Poder
Autor: Licio Maciel e José Conegundes Nascimento
Editora: Schoba
Sinopse: O Movimento Político-Cívico-Militar de 31
de março de 1964, que depôs João Goulart do cargo
de Presidente da República, impediu um golpe que os
os seus reais desígnios de transformar o Brasil em um
satélite do comunismo internacional, com a falácia de
que lutaram contra uma ditadura militar para promo-
ver a liberdade e a democracia.
Em linguagem coloquial, A Verdade Sufocada narra o
período pré-1964, quando a efervescência dos movimen-
tos subversivos e a influência de Cuba sobre os nossos
comunistas quase conduziram o País ao caos; narra os
motivos que levaram os militares, apoiados pela mídia,
a pedido da sociedade, a desencadear a Contrarrevolu-
ção de 1964.
comunistas planejavam desencadear naquela conjuntura
que julgavam oportuna, em face dos desmandos de toda
ordem, sobretudo políticos e econômicos, bem como da
falta de autoridade que o País mal suportava. Salomão
Malina, antigo Secretário-Geral do Partido Comunista
Brasileiro, em entrevista à imprensa, reconheceu que se-
tores do PCB, com a aprovação de Luiz Carlos Prestes,
conspiravam com aquele propósito, por isso que, ardi-
losamente, iriam aproveitar-se do clima de agitação rei-
nante, na maior parte, provocado pelo próprio governo.
O Brasil caminhava, aceleradamente, para um desfecho
imprevisível, em virtude do ambiente de desordem ge-
neralizada que se agravara a partir de 1961. Entretanto,
os golpistas do “partidão” e seus aliados, mais uma vez,
como já acontecera em investidas anteriores, que a his-
tória registra em cores fortes, não souberam identificar,
na sociedade, a inquestionável repulsa a seus intentos
de subversão da ordem e extremada violência. Dessa
forma, entende-se o movimento de 31 de março, sem
qualquer dúvida, como uma contrarrevolução que veio
em socorro do povo brasileiro ameaçado seriamente
pela baderna e pelo caos. Hoje, os integrantes da frente
de esquerda, que se apresenta solidamente enquistada
no Poder, fiéis doutrinariamente à máxima de que os
fins justificam os meios, voltam-se, especialmente, para
as novas gerações, cujas mentes buscam envenenar com
argumentação falaciosa, repetida à exaustão.
Edição Especial - 139
História esquecida: o 31 de Março de 1964
■ Em 1922, ocorreram levantes em quartéis
da Vila Militar, Escola Militar do Realengo e
no Forte de Copacabana, este último passando
à história como o episódio dos “18 do Forte”.
■ Entre 1924 e 1927, sucessivas revoltas, prin-
cipalmente nos Estados de São Paulo, Mato
Grosso e no sul do Brasil, culminaram com
a campanha da Coluna Miguel Costa-Prestes
pelo interior do País.
■ Em 1930, a revolução que depôs o Presidente
Pode-se fazer uma longa lista para comprovar essa instabilidade institucional.
O regime militar teria sido um dos fatores determinantes do fortalecimento da democracia no
Brasil? Sim. De 1922 até 31 de março de 1964, o Brasil viveu sucessivas revoltas internas, devido
à debilidade das instituições para garantir a normalidade democrática em momentos de crises
políticas que, via de regra, tinham a participação das Forças Armadas.
Eram conflitos onde sempre havia chefes militares envolvidos na política partidária, que arrastavam
consigo parte da tropa numa demonstração de que o País não amadurecera para a democracia. Vários che-
fes, ainda no serviço ativo, participavam da política partidária não só como candidatos a cargos eletivos.
Havendo ou não honestidade de propósitos, ficavam prejudicados: o compromisso, que deveria ser exclu-
sivamente com a Nação; a dedicação, que deveria estar integralmente voltada para a missão constitucional;
e os princípios de hierarquia e disciplina, comprometendo a coesão militar e a própria unidade nacional.
Luiz Eduardo Rocha Paiva*
Washington Luiz e colocou Getulio Vargas no
poder.
■ Em 1932, a Revolução Constitucionalista de
São Paulo.
■ Em 1935, a Intentona Comunista no Rio de
Janeiro, Natal e Recife.
■ Em 1937, o golpe de Getulio Vargas e a im-
plantação do “Estado Novo”, regime ditatorial
que durou até 1945.
■ Em 1938, a revolta integralista de Plínio Salgado.
140 - Revista do Clube Militar
■ Em 1945, a deposição do ditador Getulio
Vargas e a redemocratização do País.
■ Em 1954, a crise político-militar que culmi-
nou com o suicídio do Presidente Vargas e sua
substituição pelo vice-Presidente Café Filho.
■ Em 1955, o “golpe preventivo” do Marechal
Lott, Ministro da Guerra, para garantir a pos-
se de Juscelino Kubitschek na presidência da
República, ameaçada pelo então Presidente in-
terino Carlos Luz, setores militares e aliados
políticos.
■ Em 1956, a revolta de Jacareacanga.
■ Em 1959, a revolta de Aragarças.
■ Em 1961, a crise da posse de Jango após a
renúncia de Jânio Quadros, que resultou na
implantação do parlamentarismo no Brasil.
■ Em 1963, a revolta dos sargentos em Brasília.
■ Em 1964, a Contra-revolução de 1964, com a
implantação do chamado regime militar.
■ Entre 1968 e 1977, o período que abrange o
combate à luta armada e sua neutralização.
■ Em 1978, começou o processo de abertura
democrática, com a revogação do AI-5 e a con-
cessão da anistia no ano seguinte. Desde então,
não houve mais nenhuma crise política com o
envolvimento das Forças Armadas no Brasil.
Foi o regime militar que afastou os mili-
tares da ativa e, como consequência a tropa, da
política partidária, sendo este um dos fatores
determinantes do fortalecimento das institui-
ções democráticas, junto com a neutralização
dos movimentos radicais que tentavam implan-
tar a ditadura comunista nos moldes soviético,
cubano ou chinês. Podem ainda ser destacados
outros indutores do regime democrático, quais
sejam: a implantação de infraestruturas básicas
que permitiram o desenvolvimento econômi-
co, o crescimento da classe média, a melhoria
das condições de vida e a criação de oportuni-
dades para grande parte da população; e o ama-
durecimento político-social da Nação. A esses
fatores, pode-se agregar o descrédito do socia-
lismo radical, após o categórico fracasso das
matrizes soviética e cubana, e a transformação
da China de uma economia socialista-estatal
para capitalista-estatal, porém ainda ditatorial
e liberticida, portanto incompatível com a ín-
dole do povo brasileiro.
Passado um quarto de século do final do
regime de 1964, não se pensa, nem se quer a volta
ao passado. Portanto, a imprensa deveria facultar
o acesso da sociedade a versões diferentes das há
muito tempo veiculadas apenas pela esquerda so-
bre aquele período. Dessa forma, ela poderá ti-
rar conclusões isentas e aproximar-se da verdade
histórica, extraindo ensinamentos em prol da
consolidação da democracia. A Nação brasileira
será imunizada contra radicalismos de quaisquer
matizes, na medida em que lhe seja aberto o aces-
so equânime a todas as correntes de pensamento,
pois o conhecimento abrangente permite melho-
res avaliações, julgamentos e decisões. Por prezar
tanto a própria liberdade, a Nação será o baluar-
te de uma imprensa livre e imparcial, qualidades
ainda não alcançadas por nossa mídia, em gran-
de parte amordaçada por interesses econômicos,
pressão política e servidão ideológica.
* O auto é General de Brigada e comandou a Escola de Comando e Estado Maior do Exército.
Edição Especial - 141
Em 31/03/2004, o jornal O Estado de S. Paulo publicou a entrevista com o jornalista Ruy
Mesquita, da qual é transcrito um trecho:
“Derrotados escreveram a História”
Estado - O que levou os militares ao movimento de 1964?
Ruy Mesquita - Acho fundamental, para que se possa fazer uma análise objetiva e fria, so-
bre a chamada revolução de 64 - que na realidade não foi uma revolução, foi uma contra-revolução;
não foi um golpe, foi um contragolpe -, situá-la no tempo político internacional. No começo dos
anos 60, com a vitória de Fidel Castro e com a sua entrada no jogo do bloco soviético, o foco prin-
cipal da guerra fria passou a ser a América Central, o centro geográfico das Américas. A tal ponto
que ali nasceu a primeira e talvez única ameaça concreta e iminente de uma guerra nuclear, quando
em 62 houve a crise dos mísseis nucleares que os russos instalaram clandestinamente no território
cubano. O risco era real. Diz-se que a história é sempre escrita pelos vencedores.
A história do golpe de 64 foi escrita pelos derrotados.”
Tais manifestações e pronunciamentos falam por si. Não há qualquer sustentação na história
ou nos documentos da esquerda que comprove ter havido um “golpe da direita” ou um “golpe mili-
tar”. Tais conceitos fazem parte da mesma orquestração em que se inclui a falácia de que a esquerda
revolucionária pós 1964 lutava contra a “ditadura”. Houve, realmente, uma Contra-Revolução: um
duro golpe contra as pretensões de comunização do Brasil.
“... A chamada Revolução de 1964 foi um movimento popular. Quer dizer, a Nação ocupava as ruas
exigindo uma intervenção. Queria que o Governo mudasse, que não se embrenhasse naquele caminho de
demagogia. Havia uma desorganização completa. Não existia liberdade coisa alguma. O que acontecia era
uma grande desorganização e o País estava sendo conduzido, realmente, por um caminho muito perigoso.
A idéia de que o Movimento de 1964 levou a uma ocupação do Governo é falsa. O Jango fugiu. O
Jango abandonou o Brasil. Esses canalhas estão por aí dizendo que iam salvar o Brasil e nós, hoje, temos
uma prova concreta do que eles produziriam: uma nova Cuba, grande, e com muito mais esculhambação
do que Cuba, porque, em matéria de esculhambação, somos muito melhores do que eles. Na minha opi-
nião, essa é uma visão que se instalou, porque continuaram falando. Quem assistiu a tudo aquilo, quem
viu o povo na rua e quem viu as conseqüências finais do Jango tomar o avião e ir embora e deixar o país
abandonado, sabe que foi um movimento popular. Depois, perdeu-se em alguns aspectos, mas na sua
origem ocorreu uma reação nacional. Uma reação de quem não conseguia mais viver com a desorgani-
zação que o Governo estava introduzindo, chamando de reformas de base. As proposições não tinham
nenhuma consistência e eram incapazes de produzir um Brasil crescente.” (Antônio Delfim Neto - em
depoimento ao Projeto História Oral do Exército)