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CÂMARA DOS DEPUTADOS
DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO
NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES
TEXTO COM REDAÇÃO FINAL
COMISSÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, MEIO AMBIENTE E MINORIASCOMISSÃO DE DIREITO HUMANOS
EVENTO: Audiência pública N°: 001604/01 DATA: 13/12/01INÍCIO: 10:13 TÉRMINO: 12:39 DURAÇÃO: 02:26TEMPO DE GRAVAÇÃO: 2:30 PÁGINAS: 31 QUARTOS: 16REVISORES: ANTONIO MORGADO, LIA, PAULO DOMINGOS, ZILFASUPERVISÃO: AMANDA, DANIEL, LETÍCIACONCATENAÇÃO: ZUZU
DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO
WALDIR FERREIRA QUIRINO – Pesquisador do Laboratório de Produtos Florestais, doInstituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis — IBAMA.MARGARIDA MUNGUBA CARDOSO – Assessora do Ministério do Trabalho e Emprego.AMÉRICA UNGARETTI – Oficial de Projeto e representante do Fundo das Nações Unidas paraa Infância — UNICEF.JOSÉ BATUÍRA DE ASSIS – Secretário-Executivo da Associação Brasileira de FlorestasRenováveis — ABRACAVE e representante do Sr. Rudolf Bühler, Diretor Técnico do InstitutoBrasileiro de Siderurgia — IBS.JOSÉ BASTOS PADILHA NETO – Documentarista da Zazen Produções, do Rio de Janeiro.
SUMÁRIO: Debate sobre a situação dos carvoeiros no Brasil. Apresentação de relatório daSubcomissão para a Criança e o Adolescente, da Comissão de Direitos Humanos, sobretrabalho infantil nas carvoarias.
OBSERVAÇÕES
Há apresentação de documentário.]Há apresentação de transparência.Há exibição de vídeo.
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Luciano Pizzatto) – Declaro aberta a
presente reunião da Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e
Minorias.
Inicialmente, colocaremos em discussão e votação as atas nºs 52, 53, 54, 55,
56, 57, 58 e 59, referentes a reuniões anteriores.
O SR. DEPUTADO FERNANDO GABEIRA – Sr. Presidente, peço a dispensa
da leitura das atas.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Luciano Pizzatto) – Tendo sido as atas
distribuídas regimentalmente, a leitura será dispensada.
Em discussão. (Pausa.)
Não havendo quem queira discuti-las, coloco-as em votação.
Os Srs. Deputados que as aprovam permaneçam como se encontram.
(Pausa.)
Aprovadas.
Passamos agora à pauta desta audiência pública da Comissão de Defesa do
Consumidor, Meio Ambiente e Minorias, com a participação da Comissão de Direitos
Humanos e sobre a situação dos carvoeiros no Brasil.
Haverá a exibição de um documentário, a apresentação do livro “Os
Carvoeiros” e a apresentação do relatório da Subcomissão para a Criança e o
Adolescente, constituída na Comissão de Direitos Humanos.
Como o primeiro item da pauta é a apresentação de um audiovisual, vamos
manter as pessoas convidadas em seus lugares. Logo depois, comporei a Mesa.
Podemos iniciar a apresentação do documentário.
(Apresentação de documentário.)
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Fernando Gabeira) – Vamos iniciar a
audiência pública, com a participação da Comissão de Direitos Humanos. O tema é
a situação dos carvoeiros no Brasil. Tivemos a exibição de um documentário e
teremos a apresentação do livro "Os Carvoeiros" e do relatório da Subcomissão para
a Criança e o Adolescente, constituída na Comissão de Direitos Humanos.
Convido para tomar assento à mesa o Deputado Orlando Fantazzini,
Coordenador da Subcomissão para a Criança e o Adolescente, da Comissão de
Direitos Humanos; o Sr. Waldir Ferreira Quirino, pesquisador do Laboratório de
Produtos Florestais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis — IBAMA e representante do Ministro do Meio Ambiente,
Sarney Filho; a Sra. Margarida Munguba Cardoso, assessora da Secretaria de
Inspeção do Trabalho e representante do Ministério do Trabalho e Emprego; a Sra.
América Ungaretti, oficial de projetos representante do Fundo das Nações Unidas
para a Infância — UNICEF; o Sr. José Batuíra de Assis, Secretário Executivo da
Associação Brasileira de Florestas Renováveis — ABRACAVE e representante do
Sr. Rudolf Bühler, Diretor Técnico do Instituto Brasileiro de Siderurgia — IBS; e o Sr.
José Bastos Padilha Neto, documentarista da Zazen Produções, do Rio de Janeiro.
Esclareço que foi também convidada a participar da presente reunião a Sra.
Heloísa Castro Berro, Secretária de Estado de Assistência Social, Cidadania e
Trabalho do Mato Grosso do Sul, que nos comunicou a impossibilidade de
comparecer.
Iniciados os trabalhos, vamos determinar agora a ordem das inscrições.
Como o filme foi um pouco mais longo do que esperávamos, proponho uma
intervenção de dez minutos para cada expositor. Depois, se for o caso, faremos o
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debate. São 11h20min, e a nossa idéia era que a reunião se estenderia até as
12h45min. Portanto, teríamos aproximadamente mais uma hora e meia.
Passo a palavra ao Deputado Orlando Fantazzini, que esteve recentemente
no Pará e fará um breve relato do trabalho da Subcomissão para a Criança e o
Adolescente, da Comissão de Direitos Humanos.
O SR. DEPUTADO ORLANDO FANTAZZINI - Sr. Presidente, em razão de
denúncias de trabalho infantil nas carvoarias, chegadas à Comissão de Direitos
Humanos, fomos designados para fazer diligências no sul e no sudeste do Pará, em
ação conjunta com a Delegacia Regional do Trabalho do Pará, nos Municípios de
Rondon do Pará, Dom Eliseu, Ulianópolis e Paragominas.
A denúncia mais consistente veio de Paragominas. Entretanto, como
deixamos para visitá-la por último, quando lá chegamos as carvoarias estavam
desertas, sem ninguém trabalhando.
Na primeira cidade, Rondon do Pará, procuramos contactar o Conselho
Tutelar, para realizar a ação de forma conjunta. Na primeira carvoaria que visitamos,
encontramos crianças, adolescentes e adultos trabalhando nas piores condições
possíveis — como mostrado no vídeo —, sem qualquer equipamento de segurança
e em meio à fumaça. O que mais me chamou a atenção — é o que se repete em
todas as carvoarias — foi o processo de desenfornar, quando os trabalhadores
jogam água e entram dentro da caieira. A caloria na boca da caieira é em média de
setenta graus centígrados. Na caieira, por exemplo, não conseguimos entrar, em
razão do alto aquecimento, pois os carvões ainda se encontravam incandescentes.
Os trabalhadores, no entra-e-sai, colocam o carvão para fora. Alguns deles, até para
suportar a caloria, jogam água sobre o corpo e retornam ao interior da caieira, para
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continuar retirando o carvão. A grande maioria das crianças que lá trabalham faz a
barrelagem.
Outra situação que constatamos na carvoaria de Rondon do Pará é que os
trabalhadores cavam a terra para construir um poço de aproximadamente dois
metros e meio de profundidade. Utilizando-se de uma escada de madeira para
descer, colocam no ombro uma lata de vinte litros cheia até a metade e sobem,
repetindo a operação até encherem um carrinho de mão. Ou seja, correm não só o
enorme risco de desbarrancamento, mas também o de queda.
Quanto à idade, o menino mais velho tinha 12 anos. Havia uma menina de 8
anos e dois meninos de 9 anos. O curioso é que a maioria não sabe nem dizer a
idade correta. Ao se perguntar a idade, a maioria responde assim: “Olha, o meu pai
diz que eu tenho 10”. Ao se perguntar o dia, o mês e o ano em que nasceu, a
maioria não sabe informar. E são essas crianças que transportam os carrinhos de,
em média, quarenta quilos até próximo do forno que já está queimando, misturam
aquele conteúdo à água e fazem o serviço de barrelagem, que é ficar esfregando até
vedar por completo os fornos. Eles convivem no meio da fumaça e de brasas, ainda
de carvão incandescente, todos descalços, sem qualquer sandália ou sapato. E o
mesmo ocorre com os trabalhadores adultos. O máximo que encontramos foram
trabalhadores com sandálias de borracha no pé. Equipamento de segurança é coisa
fora do comum.
Em Rondon do Pará, visitamos aleatoriamente algumas carvoarias. Por
coincidência, fomos a três do mesmo proprietário, porém em locais distintos. Uma
delas ficava dez, quinze quilômetros mata adentro. Fomos informados de que
existiam duas carvoarias novas. O curioso é que, chegando à região, acabamos
encontrando mais de vinte carvoarias, todas clandestinas. Eu não conheço carvoaria
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de madeira, mas os auditores do Ministério da Fazenda mostraram-me que várias
delas utilizam madeira de lei, mogno. O processo que está em andamento é o
desmatamento para fazer pastagem. Em vários locais do sul e do sudeste do Pará,
estão devastando a mata única e exclusivamente para fazenda de gado, e,
lamentavelmente, o corte se dá sem qualquer autorização ou rigorosa fiscalização
por parte das autoridades.
Lá encontramos um caminhão do tipo pipa, com um tambor em cima,
transportando água coletada de um riacho. As pessoas fazem uma caixa de
madeira, revestem-na com um encerado plástico preto e ali depositam a água. A
cada oito dias, o caminhão retorna com a água. Em uma dessas caixas, nós
encontramos vários peixinhos. Perguntei a uma senhora se ela fazia criação de
peixes. A resposta é que ela coloca os peixinhos para comer os micróbios, porque
aquela é a água que utilizam para beber e cozinhar. Lá, as pessoas vivem em
constante processo de dores musculares, febre e diarréia.
O proprietário das três carvoarias é o dono do supermercado da cidade de
Rondon do Pará. Todos os trabalhadores estão endividados, devem a ele, num
verdadeiro regime de escravidão. Ninguém sai de lá. Perguntamos a eles se
poderiam ir embora se desejassem. A resposta foi que, provavelmente, sim. No
entanto, ao perguntarmos se alguém já havia tentado ir embora, a resposta que
tivemos é que ninguém havia tentado ir embora, porque todos estavam em débito.
Fomos à cidade e, no supermercado, encontramos um livro. O proprietário do
mercado, inteligente que é, escreve “compra”, porém não discrimina o valor.
Segundo os próprios carvoeiros, o quilo do frango chega a custar 5 reais. Os demais
produtos devem ter os preços hiperelevados, para que os trabalhadores possam
continuar endividados.
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Em Ulianópolis, a situação não foi nada diferente. O que chamou muito a
atenção é que, na cidade, a escola fecha algumas vezes, em razão da fumaça, que,
quando muda o vento, vai em direção à cidade, e as aulas têm que ser
interrompidas, porque é insuportável a quantidade de fumaça, que provoca
dificuldade de respiração. O comércio praticamente fecha. Há um grande número de
crianças com problemas respiratórios. Também encontramos muitas crianças que
carregam em si as marcas de queimaduras passadas. Na cidade, um menino está
com um problema na perna devido a queimaduras. A parte inferior da perna direita
dele está praticamente colada à parte superior.
Programas governamentais, principalmente o PETI, não atendem à maioria
das crianças. As mães dizem que não compensa perder um dia de trabalho para ir à
cidade receber o dinheiro, porque, muitas vezes, ao chegar lá, o dinheiro não
chegou, devido a mil e um problemas. Das mães que têm crianças trabalhando ou
com os filhos cadastrados em um dos programas, PETI ou Bolsa-Escola, nenhuma
delas havia recebido um centavo, em razão da demora de repasses. Então, para
não perder um dia de serviço, elas deixam de ir à cidade. A conclusão é que as
crianças, pelo menos aquelas que estão no Bolsa-Escola, ganham mais trabalhando
na carvoaria do que não trabalhando e recebendo os 15 reais por mês, pois têm a
possibilidade de ganhar muito mais.
Chamou-me a atenção o grande número de crianças e adolescentes que não
freqüentaram ou não freqüentam a escola. Em uma das carvoarias, havia uma
escola, mas havia também reclamação generalizada das mães contra uma
professora que humilhava e destratava as crianças e que chegou inclusive a bater
nelas com vara. Por isso, o Conselho Tutelar resolveu agir. Colheu a termo os
depoimentos e tomou providências.
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Em linhas gerais, nos quatro Municípios, foi o que encontramos nas
carvoarias, sem exceção. Fazemos, em nosso relatório, algumas sugestões, entre
elas a da obrigatoriedade da extinção desses modelos de carvoaria. Além da
degradação ao meio ambiente, da degradação que causa ao ser humano, acredito
que em nada contribui para o processo de construção da cidadania. Esse modelo
tem de ser extinto. Não pode mais prevalecer.
Estamos sugerindo ações conjuntas do Ministério do Trabalho, no Pará e no
Maranhão, porque a maioria das siderúrgicas que recebem o carvão estão situadas
no Maranhão. Então, todo esse trabalho é feito em razão da siderúrgica. Quando o
Ministério do Trabalho autuar as carvoarias no Pará, deverá comunicar o fato ao
Ministério do Trabalho no Maranhão, para que também autue a siderúrgica, porque
ela é solidária na exploração do trabalho do adulto e também da criança e do
adolescente e também tem de responder solidariamente.
Propomos que, nos processos licitatórios, seja exigida certidão negativa
emitida pelo Ministério do Trabalho, dizendo que a empresa não utiliza mão-de-obra
infantil. Caso não obtenha a certidão, as empresas não poderão participar de
processos licitatórios. No mesmo sentido, para obter qualquer tipo de financiamento,
também uma das exigências deverá ser a certidão negativa da utilização do trabalho
infantil. Além disso, para obter a guia de exportação, há que se apresentar certidão
negativa do Ministério do Trabalho, para que a empresa comprove que não utiliza
trabalho infantil direta ou indiretamente. Pode acontecer que a siderúrgica não utilize
diretamente, mas indiretamente, através das carvoarias.
Mais ainda. Há uma portaria do Ministério do Trabalho, que estipula uma
multa de 402 reais e 52 centavos por cada criança ou adolescente em situação
irregular encontrada na empresa. Entretanto, a multa só pode ser alcançada até o
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número máximo de cinco. Se a carvoaria tiver dez crianças, a multa é de 2 mil reais
aproximadamente. Se tiver vinte crianças, ou cinco, pagará o mesmo valor. Ou seja,
é um estímulo, inclusive, para quem tem dois ou três adolescentes trabalhando — é
melhor que tenha vinte ou trinta, porque a multa será a mesma. Sem contar que o
custo do adolescente é bem inferior ao de um adulto. Paga-se menos e produz-se
mais, até em função da disposição.
Para concluir, chamou-me muita atenção um fato. Vi um menino no
documentário dizendo que o sonho dele era ser carvoeiro. Conversamos com uma
dessas crianças. Ela faz o trabalho da barrelagem. Perguntamos o que ela
pretendia, se queria estudar. Ela disse que o sonho dela era um dia ser enchedor de
forno, era deixar de ser barrelador, porque a barrelagem normalmente é trabalho de
criança, de mulher. Trabalho de homem é encher e desenfornar. Então, o sonho
dela é esse.
É esse o futuro que estamos possibilitando às crianças e aos adolescentes na
Região Norte, especialmente no sul do Pará. Segundo informações, isso também
acontece no Maranhão, o que é uma realidade muito triste. Temos por obrigação
travar um combate muito forte no sentido de cessar a exploração do trabalho infantil
e também do ser humano como um todo. Não é um trabalho livre, de opção, mas de
escravidão. Por isso, entendemos que deve ser feito um esforço concentrado por
parte da Comissão de Direitos Humanos e de outras Comissões, principalmente da
Câmara dos Deputados, no sentido da extinção desse modelo de carvoaria em
nosso País.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Fernando Gabeira) – Muito obrigado,
Deputado Orlando Fantazzini.
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Devo comunicar aos convidados que a quinta-feira é um dia muito especial na
Câmara dos Deputados. São poucos os Parlamentares presentes, mas o Deputado
Orlando Fantazzini, que está trabalhando diretamente no tema, e eu, que também
me interesso pelo tema — eu havia sugerido a realização desta audiência há cerca
de um ano e só agora consegui realizá-la —, talvez sejamos o núcleo que vai
trabalhar no processo de combate às carvoarias desse tipo no Brasil.
Tenho um projeto mais ambicioso: fazer um phaseout dessa atividade em
nosso País, programar o desmantelamento progressivo e total desse tipo de
atividade no Brasil, tal como ela é realizada hoje, evidentemente levando em conta o
futuro e a situação desses trabalhadores.
Quero que todos entendam que esta não é mais uma audiência pública com
motivação de denúncia. Estamos aqui colhendo dados para nosso projeto de
trabalho do próximo ano.
Passo a palavra ao Sr. Waldir Quirino, pesquisador do Laboratório de
Produtos Florestais do IBAMA.
O SR. WALDIR FERREIRA QUIRINO – Componentes da Mesa, Sras. e Srs.
Deputados, senhoras e senhores, na condição de técnico, gostaria de agregar
alguns dados sobre esse processo de carvoajamento. Coincidentemente, eu trouxe
algumas transparências para elucidar mais a situação. São poucas e rápidas. Vou
também agregar à minha fala algumas observações do Deputado Orlando Fantazzini
em relação a essa tecnologia.
(Apresentação de transparências.)
Como se dá a produção do carvão vegetal? O que é o carvão vegetal? É um
processo de combustão incompleta da lenha, da madeira, em que grande parte dela
é transformada em gases e lançada na atmosfera. Infelizmente, a grande maioria da
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produção de carvão vegetal no Brasil é realizada exatamente através dessa
tecnologia, como se pode ver nessa película.
Vamos observar que, nesse processo — o mais simplório, com tecnologia
mais atrasada, e exatamente sobre isso quero fazer algumas observações —, é
utilizado o mesmo tipo de forno. Vê-se que o processo de construção é bastante
artesanal. Todo o procedimento é baseado em atividade braçal principalmente,
desde a construção do forno até a produção em si do carvão.
Durante a produção, qual é o procedimento? Como funciona a carvoaria? É
importante ressaltar esse aspecto, porque a película não deu o devido enfoque.
Normalmente, um produtor de carvão opera de sete a nove fornos. Esse
procedimento é contínuo. Enquanto um forno está sendo carregado, outro já iniciou
o processo de carbonização. Há uma seqüência no processo. Por isso, a unidade de
produção é baseada em torno de sete a nove fornos. Como o processo é muito
artesanal — o tamanho dos fornos não é padronizado —, tudo varia também em
função dos fornos.
Isso faz com que a pessoa trabalhe continuamente no carregamento, no
rechego da lenha, no carregamento do forno, no processo de fechamento e
combustão. Durante o resfriamento, faz-se a mesma operação nas unidades de
fornos seguintes. É um processo contínuo, sem interrupção. Mesmo chegando ao
final do processo de carbonização e descarregamento do último forno da bateria —
uma quantidade dessas de fornos é chamada de bateria, e podemos ter várias
baterias consecutivas —, podemos ver pessoas trabalhando de forma contínua, sem
interrupção, ocupando-se de várias baterias consecutivas.
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Todo o processo de bateria de forno é dimensionado para haver rodízio
contínuo. Há um ciclo de carbonização contínuo para cada forno. Podemos observar
aí que não há interrupção.
Além dos procedimentos de produção do carvão já mencionados, há o
processo da pirólise ou destilação. Nesse é preciso que se criem condições de
disposição de oxigênio para que somente uma parte da lenha seja carbonizada e a
outra se torne carvão. O rendimento é extremamente baixo, em torno de 25 a 30%
no máximo. O restante são gases, que serão lançados na atmosfera. Qual a
composição desses gases? Ácido acético, vapor d’água e vários tipos de compostos
hidrocarbônicos, que poluem o ar. Pior do que esse procedimento é o chamado vala,
um buraco no chão.
Gostaria de enfatizar que não existe nenhuma recuperação. O processo em si
é extremamente danoso, sob vários aspectos. Temos trabalhado o aspecto
ambiental no IBAMA e no Ministério do Meio Ambiente por meio da divulgação de
tecnologias alternativas desenvolvidas e utilizadas no Brasil. Em uma dessas
tecnologias, esse gás é condensado, recuperado e destinado para utilização. Ainda
que não seja totalmente utilizado, como na carboquímica, é injetado juntamente com
o carvão nos altos fornos.
Um dos trabalhos que estamos desenvolvendo são programas de divulgação
de procedimentos mais avançados. Existe um processo desenvolvido pelas
siderúrgicas mineiras que possibilita a recuperação de grande parte desses gases
através da condensação. Sempre que incorporamos essas tecnologias, criamos
condições de maior organização na atividade de carvoejamento. Estamos
divulgando em todo o Brasil processos de valorização da madeira e capacitando
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agentes técnicos das agências estaduais da EMATER, SENAI e Secretarias de
Agricultura e Meio Ambiente que ajudam a difundir essas informações.
Há uma tecnologia mais desenvolvida, ainda não operada no Brasil, na qual o
processo de carvoejamento é totalmente automatizado. É o top da tecnologia de
carvoejamento: o material entra por cima e o carvão sai pronto embaixo, num ciclo
bastante curto.
Não vou abordar todos os processos, mas existe também o dos fornos
metálicos, outro ciclo bem mais curto, com colocação mais facilitada da lenha nos
fornos.
Esta é a nossa idéia: introduzir tecnologias mais avançadas que possibilitem o
aperfeiçoamento do processo de produção e a redução do trabalho braçal. A própria
viabilidade econômica do procedimento depende da adoção de tecnologias mais
avançadas, como a organização dentro da carvoaria, o rechego da lenha no pátio,
além de fornos mais modernos, como os existentes em Minas Gerais e Goiás.
Paralelamente, o IBAMA e o Ministério do Meio Ambiente divulgam processos
de exploração florestal por meio do manejo sustentável e emitem certificados
florestais. Só é possível obter a certificação quem atende a todas as exigências de
segurança no trabalho. Naturalmente, em função do volume e da interiorização da
produção há dificuldades na introdução de controles em todos esses aspectos.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Fernando Gabeira) – Agradeço ao Sr. Waldir
Quirino a exposição. Certamente iremos manter novos contatos quando estivermos
preparando projetos nessa linha de transformação da carvoaria no Brasil.
Passo a palavra à Sra. Margarida Cardoso, assessora do Ministério do
Trabalho e Emprego.
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A SRA. MARGARIDA MUNGUBA CARDOSO – Bom dia. É um prazer estar
aqui nesta Comissão com os Srs. Deputados Fernando Gabeira e Orlando
Fantazzini. Sou auditora fiscal do trabalho, assessora da Secretaria de Inspeção do
Trabalho. Esse tema é bastante conhecido para o Ministério do Trabalho e Emprego
e nós, da fiscalização do trabalho, temos, por força de competência, a prerrogativa
de estar nesses locais, de entrar em contato com esses trabalhadores.
Nossa ação mais significativa e de conhecimento público ocorreu em Mato
Grosso do Sul, nos Municípios de Ribas e Água Branca. Esse trabalho iniciou-se à
época do então Ministro do Trabalho, Walter Barelli, e teve grande repercussão
entre 1992 e 1993, por causa da publicação de grandes matérias e ocorrência de
várias denúncias, inclusive internacionais, em relação às condições de trabalho dos
carvoeiros em Mato Grosso do Sul. A fiscalização do trabalho passou a desenvolver
ações intensas naquela região. O carvoeiro não é um trabalhador normal, exerce
trabalho degradante e em condições análogas à de um escravo — grande parte
dele, não em carvoarias organizadas para exploração comercial. É um trabalho
precário, porque queima a mata, a vida e a saúde dos trabalhadores. Os
trabalhadores são móveis, deslocam-se para áreas onde há floresta e mata para ser
desmatada; tudo isso relacionado com o pasto. O primeiro passo é a derrubada da
mata. As condições de trabalho escravo permanecem no momento de levantar a
cerca. Às vezes, o carvoeiro levanta cerca, faz roça, arranca toco para ser queimado
posteriormente.
Esse tipo de trabalho, com fiscalização muito intensa, em Mato Grosso do Sul
acabou ocasionando um problema social muito grande na região: os produtores de
carvão não queriam mais contratar trabalhadores com família. Geralmente esses
trabalhadores não vivem no Estado onde o carvão está sendo explorado; eles são
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deslocados de outros Estados. Os melhores trabalhadores de carvão são os
mineiros. Tal deslocamento, de um Estado para outro, fez com que o trabalhador
passasse a viver em acampamentos improvisados, em barracas de lona. Como a
exploração é rápida, eles, depois da queima, partem para outro lugar. Não há água
potável, mas suja com resíduos da queima do carvão. Para fugir disso, a família
carvoeira desloca-se para a periferia dos Municípios.
Participei do Fórum Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil, onde
discutiu-se alternativas para essas famílias. Iniciou-se, então, o programa da bolsa
para crianças afastadas do trabalho, posteriormente ampliado para outras regiões do
País, e hoje está incluído no PPA, por meio do Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil, com ações previstas na Secretaria de Estado de Assistência
Social, através da bolsa Criança Cidadã. A fiscalização do trabalho tem a
responsabilidade de fazer o mapeamento, identificar os focos de trabalho infantil,
exercer as ações fiscais, promover estudos e pesquisas sobre esse tipo de trabalho,
bem como eventos e seminários e distribuir publicação.
Desde 1996 publicamos anualmente o Mapa de Indicativo do Trabalho de
Crianças e Adolescentes, no qual apresentamos dados reelaborados do IBGE, para
incluir o corte etário de acordo com o que dispõe a Constituição sobre o trabalho
infantil, ou seja, reprocessamos os dados do IBGE para a faixa de 15 anos e 11
meses — o IBGE faz um corte de 14 anos —, distribuídos por regiões. Nosso
trabalho vai além, refere-se a Estados, Municípios e atividades desenvolvidas por
essas crianças. Houve um avanço ainda maior porque correlacionamos as
atividades com os riscos que esse tipo de trabalho pode causar à saúde e ao
processo de desenvolvimento dessas crianças.
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Por exemplo, em relação à produção de carvão vegetal, quais as condições?
Há falta de anotação na carteira de trabalho, jornada excessiva, remuneração por
produção, trabalho noturno, uso de ferramentas — machado, foice, facão e
motosserra —, exposição a níveis elevados de pressão sonora, vibração, desgaste
postural, esforço físico, exposição a radiação solar, picada de animais peçonhentos,
riscos do manejo animal ou de máquina, queda de toras, preparação e aplicação da
barrela, manuseio do fogo, altas temperaturas, calor excessivo, exposição e
variações bruscas de temperatura — como foi abordado pelo Sr. Waldir Quirino, o
trabalho é ininterrupto, 24 horas contínuas, e é preciso cuidar para não perder o que
está sendo queimado, assim as famílias se revezam em turnos —, explosões e
desabamentos, por causa dos fornos e dos gases, combustão espontânea do
carvão, fumaça contendo subprodutos da pirólise e combustão incompleta, ácido
pirolinhoso, alcatrão, metanol, acetona, acetato, CO, CO2, metano, trabalho
monótono, acompanhado do stress da tensão da vigília do forno, quedas e
desabamento das pilhas de madeira e uso de ferramentas inadequadas, como
escadas, enxadas e pás.
O que isso pode causar à saúde da criança? Quais as repercussões à saúde?
Intoxicações múltiplas. As crianças absorvem maior concentração de agentes
químicos pelas vias respiratórias, pele e aparelho digestivo. Encontramos muitas
crianças com problemas sérios de respiração, náusea, insônia. Tudo isso prejudica o
processo de desenvolvimento da criança para que se torne um adulto saudável.
Infelizmente, não pudemos trazer nossos colegas Demétrio — fiscal exemplar
que hoje está em Tucuruí, ontem esteve em Marabá — e Cláudia, que participaram
do trabalho no sul do Pará, ajudando a organizar e a escolher os Municípios. Como
auditores fiscais do Ministério do Trabalho entramos nesse mundo imenso no Brasil,
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de difícil acesso, às vezes sendo necessário o apoio da Polícia Federal, muitas
vezes sofrendo ameaças de vida, em lugares onde as pessoas estão extremamente
isoladas, pela floresta e pelas grandes distâncias geográficas.
Em Mato Grosso do Sul, como vimos, os trabalhadores carvoeiros são
oriundos de Minas Gerais. No sul do Pará, grande parte desses trabalhadores são
oriundos do Maranhão, principalmente da região sudeste do Estado, dos Municípios
de Balsas, Porto Franco e Grajaú. O carvão também volta para o Maranhão. Ele é
comprado basicamente pela Siderurgia Viana, várias vezes autuada pela
fiscalização. Ela já recebeu o Termo de Ajuste de Conduta do Ministério Público, que
descumpre, pois continua explorando esses trabalhadores. Há grande dificuldade
em se prestar assistência a essas famílias porque não são fixas nessa região, no sul
do Pará; elas provêm do Maranhão. Também foi criada no Maranhão uma comissão
de melhoria das condições de trabalho dos carvoeiros, com a participação do
Ministério Público do Trabalho e da Fiscalização.
Em relação às propostas, acho boa a de se aumentar o valor da multa.
Apenas sugiro que não seja por meio de portaria, mas por meio de lei. A última lei
que autorizou o aumento das multas, triplicando seu valor, foi editada em 1989. Nós,
da Secretaria de Inspeção do Trabalho, apresentamos uma proposta de projeto de
lei prevendo o aumento dessas multas. Como esta é a Casa das leis, gostaríamos
que os Srs. Deputados nos ajudassem nesse sentido.
No que diz respeito à proposta de certidão negativa de inexistência de mão-
de-obra infantil, incluiria o trabalho escravo. Acho que essas duas têm de estar
combinadas. No Pará, grandes fazendas recebem recursos da SUDAM e BNDES
empregando mão-de-obra escrava. O Governo gasta dinheiro com o deslocamento
da fiscalização para aquela região a fim de conter esse tipo de trabalho e, ao mesmo
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tempo, financia quem promove esse tipo de trabalho. Por isso, achamos
interessante incluir o trabalhador escravo, porque grande parte dos carvoeiros
adultos está nessa condição.
No trabalho que temos feito pelo grupo que combate o trabalho escravo,
tivemos muita incidência disso no período de 1995 a 1996. Mais recentemente, a
incidência maior é no Estado do Maranhão, com relação a carvoeiros. Temos
incidência maior de trabalho escravo no Pará, Maranhão e Mato Grosso.
Atualmente, a maior incidência de trabalho infantil no Brasil é no Estado do
Maranhão.
A fiscalização do trabalho tem uma política de ação não só repressiva, mas
também educativa. Temos um corpo de médicos do trabalho que se preocupa com o
tema — inclusive há estudos sobre o assunto. Estamos com uma cartilha dos riscos
que o trabalho causa nas condições de saúde de crianças e adolescentes e nos
colocamos à disposição da Comissão e dos Srs. Parlamentares para ajudá-los. Para
nós, é de grande importância este espaço. Somando o esforço das diversas
instituições, quem sabe, conseguiremos, assim como ocorreu com a criação da
Bolsa Criança Cidadã, quando o Governo incluiu o Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil no Orçamento, avançar mais ainda para diminuir a exploração do
trabalho infantil.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Fernando Gabeira) – Agradeço à Sra.
Margarida Cardoso a contribuição. Vamos continuar em contato para elaboração
desse projeto.
Passo a palavra à Sra. América Ungaretti, Oficial de Projetos e representante
do Fundo das Nações Unidas para a Infância — UNICEF.
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A SRA. AMÉRICA UNGARETTI – Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a
esta Comissão, em nome da representante do UNICEF no Brasil, a possibilidade de
participar desta audiência pública. Imediatamente, gostaria de cumprimentar a
delegação desta Comissão que foi ao Estado do Pará e identificou a situação das
crianças no trabalho, tendo elaborado relatório objetivo e claro, inclusive
apresentando algumas propostas.
Gostaria de fazer algumas observações complementares para finalizar,
incorporando algumas sugestões. Assinalo que no Brasil ainda existe uma
percepção de que o trabalho infantil faz parte do desenvolvimento das crianças e
dos adolescentes das classes sociais mais populares.
Particularmente, no caso que nos interessa, só a partir de 1996 e 1997 é que
as autoridades paraenses reconheceram que o trabalho infantil atentava contra a
dignidade e os direitos das crianças. Pelo documentário visto, como assinalou o
Deputado Orlando Fantazzini, podemos ver que há uma negação de todos os
direitos das crianças, segundo a convenção sobre os direitos das crianças.
Perguntam a idade das crianças e elas não sabem, não há garantia do registro civil
nem da certidão de nascimento. As crianças são excluídas do processo escolar e
trabalham. Há informações de crianças envolvidas em trabalhos degradantes que
sofrem, em conseqüência, outros tipos de violação em sua proteção no âmbito do
trabalho.
Particularmente no sudeste do Pará, as dificuldades em termos da geografia
do Estado demandam novas metodologias, novas estratégias para conseguirmos
enfrentar esse problema, até porque grande parte dos Municípios nas zonas rurais
não tem escolas para as crianças. Há da 1ª a 4ª séries em alguns Municípios; em
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outros Municípios nem isso. Há mais de 3 mil Municípios com menos de 20 mil
habitantes e muitos deles não têm ainda escola.
Segundo informações dos nossos colegas de escritórios do Pará, a
vinculação do trabalho infantil a essas situações de trabalho escravo envolvendo
famílias inteiras ainda existe, sobretudo nas fazendas do sudeste do Estado, como
assinalou a representante do Ministério do Trabalho. A situação ainda é muito mais
grave do que a Comissão assinalou através da visita que realizou. Vale dizer
também que é importante identificar o quanto é recente essa mobilização da
sociedade brasileira contra o trabalho infantil, como já assinalou a representante do
Ministério, ainda mais no Estado do Pará.
A implementação do PETI na Região Norte foi muito tardia em relação aos
outros Estados. Isso implica uma situação socioeconômica, ainda mais em questões
práticas de comportamento, de atitudes e da própria relação das famílias com as
crianças e da referência das crianças para as perspectivas de futuro, como
assinalou o Deputado. O desejo de algumas crianças é ser cajueiro, pois é a
referência familiar que elas têm.
Se pensarmos em todas essas questões, vamos ver como o problema é
complexo. As propostas apresentadas pela Comissão, em termos do Legislativo, são
pertinentes, mas existem outras questões extremamente complexas que só a
legislação não vai resolver.
Vou dar alguns dados para vocês verem que desde o princípio de 2000 as
metas do PETI para o Estado do Pará aumentaram de 29 para 125 Municípios e de
11.994 crianças para 20.064 crianças.
O PETI financia a bolsa, mas o questionamento das famílias é um outro
problema complexo para quem trabalha com essa área, e o Governo Federal,
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através das SEAs repassa recursos para as comissões. Os Municípios não têm
competência para garantir a retirada dessas crianças do trabalho infantil e a sua
inclusão na escola, com a garantia do processo de aprendizagem, como disse o
Deputado. As famílias assinalam que as crianças são maltratadas nas escolas. Isso
ocorre não só no norte do País. Verificamos ainda a dificuldade dos professores de
aceitarem as crianças diferentes dentro de suas salas da aula.
Como já disse a Sra. Margarida Cardoso, representante do Ministério do
Trabalho, todo esse trabalho, que prevê a bolsa do PETI, não implica só o
fornecimento da bolsa, mas uma atividade ampliada e ações complementares
juntamente com o trabalho de fiscalização. Os Municípios ainda são incompetentes
para fazer isso. Incompetentes em termos de não terem recursos humanos e
financeiros para responder a essas necessidades que garantiriam a erradicação do
trabalho infantil. Na nossa experiência, vemos que muitas vezes as crianças são
retiradas da exploração de um tipo de atividade e vão para outra atividade devido à
situação concreta das famílias de baixa renda. Essas são questões que gostaria de
trazer, mas existem muitas outras.
As informações que temos dão conta de que o Ministério do Trabalho tem
feito um trabalho correto dentro de suas limitações. Relatórios sobre a situação têm
sido encaminhados ao UNICEF, mas há uma série de dificuldades, como já
assinalei. Talvez uma das mais importantes seja a falta de participação da
sociedade civil, vista em sua forma mais ampla, na resolução do problema da
exploração do trabalho infantil.
Sistematicamente, todas as semanas, os meios de comunicação buscam
informações sobre o envolvimento de crianças, sua retirada das ruas e absorção nas
escolas. O Fórum de Erradicação do Trabalho Infantil, em geral, está não diria
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esvaziado, mas bastante mais desmotivado do que o fórum de erradicação do
trabalho das crianças no lixo, que conseguiu uma adesão de representação da
sociedade civil muito grande e ativa. Inclusive, está em discussão pelo Deputado
Emerson Kapaz a política nacional de resíduos sólidos. Esse outro trabalho do
UNICEF tem tido muito mais sucesso.
Vou entrar na primeira proposta feita aqui. Estrategicamente, o UNICEF
conseguiu identificar no momento certo, com as pessoas certas, qual o mote para a
campanha Criança no Lixo Nunca Mais. E fomos bem sucedidos. Acho também que
precisamos identificar, e aí eu falo para a Comissão de Direitos Humanos e para o
Deputado da Subcomissão encarregada de crianças e adolescentes, e pensar, de
forma mais abrangente, quais as estratégias que teríamos de usar para mobilizar a
sociedade brasileira contra todo tipo de trabalho e envolvimento de crianças e
adolescentes. Ainda não conseguimos, Deputado, identificar.
Temos a Frente Parlamentar pela Criança atuando nesta Casa, o CONAMA, o
Fórum de Erradicação do Trabalho Infantil, o Fórum Nacional Lixo & Cidadania, os
Fóruns Nacionais dos Direitos da Crianças, dentro da Secretaria de Direitos
Humanos, o Departamento de Crianças e Adolescentes. Portanto, temos muitos
espaços para mobilizar, definir políticas públicas, implementar projetos e ações, mas
ainda desarticulados. Creio que precisamos pensar em estratégias possíveis para
nos associarmos e efetivamente erradicarmos o trabalho infantil, meta do Governo
brasileiro e, particularmente, do UNICEF como agência mandatária para garantir os
direitos da criança e dos adolescentes em nosso País.
Gostaria de finalizar dizendo que o UNICEF, evidentemente, está disponível
para colaborar. Temos um escritório zonal no Pará, um coordenador e um oficial do
UNICEF encarregado da questão do trabalho infantil. Garanto a esta Comissão que
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poderão contar com o UNICEF, que, por sua vez, gostaria de contar com os
senhores, porque no nosso próximo programa, além dessas questões, incluímos as
questões de raça e etnia. Portanto, observei com o olhar de representante do
UNICEF as questões de raça, de etnia e de gênero e verifiquei o grande
envolvimento de negros no trabalho infantil. Surpreendeu-me aquelas duas crianças
que não são negras, mas imagino que deve haver muitas crianças pardas e pretas,
que formam as negras. A nossa recomendação no próximo programa é que essas
crianças negras e indígenas recebam prioritariamente as bolsas para garantir sua
inclusão do sistema escolar.
Obrigada, Deputado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Fernando Gabeira) - Sua observação final
coincide com a preocupação da Comissão de Direitos Humano, que, se tudo der
certo, no ano que vem vai-se transformar numa Comissão de Direitos Humanos e
Multiculturalismo. Teremos a questão das etnias diretamente ligada à Comissão dos
Direitos Humanos.
Concedo a palavra ao Sr. José Batuíra de Assis, Secretário Executivo da
Associação Brasileira de Florestas Renováveis, representando o Sr. Rudolf Bühler,
Diretor Técnico do Instituto Brasileiro de Siderurgia.
O SR. JOSÉ BATUÍRA DE ASSIS - Obrigado, Deputados Fernando Gabeira
e Orlando Fantazzini. É uma felicidade muito grande estar aqui. Sou engenheiro
florestal há trinta anos. trabalhei na área de controle de produção de carvão e de
controle ambiental. Fui Diretor do Instituto Estadual de Florestas, em Minas Gerais.
Tive a honra de trabalhar ao lado do Secretário Executivo do Ministério do Meio
Ambiente, José Carlos Carvalho.
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As chances para discutirmos a questão florestal e da produção de carvão são
escassas e raras. Sempre que acontecem, elas vêm carregadas de preconceitos, de
informações por vezes unilaterais e até falsas. É bom que tenhamos a oportunidade
democrática de colocar um contraponto muito à vontade, não sendo absolutamente
nada contra nem defendendo uma posição empresarial.
Eu gostaria de informar algo fundamental: tudo que foi mostrado e discutido
aqui tem uma causa estrutural. Ela se chama expansão de fronteira agropecuária.
Todo esse desmatamento citado no belíssimo filme do Padilha, de Minas Gerais,
que diz que foi desmatada uma França em Minas para fazer carvão vegetal, é mito.
Podemos desmistificar isso com muita facilidade.
Se considerarmos a demanda de 1940 até 2000, verificaremos que é preciso
5 milhões de hectares em um único corte com o rendimento que o cerrado dá. Se
cortássemos o tronco, ele brotaria novamente, porque 96% das espécies do cerrado
brotam de raízes. Acontece que Minas Gerais tem 7 milhões de hectares de
agricultura e 26 milhões de hectares de pecuária. Ou seja, se o carvão pôde utilizar
cinco, amontoamos, queimamos e jogamos para a atmosfera todos aqueles gases
que foram citados na carbonização simplesmente queimando e jogando fora.
O grande vilão da história é a expansão da fronteira agropecuária. A
representante do Ministério falou disso com muita propriedade. Realmente, no Pará
acontece a mesma coisa. A expansão foi anteriormente para pastagem. Hoje ela
segue não apenas a pastagem, mas também os madeireiros. O carvão vegetal é
muito mais um efeito no desmatamento do que uma causa. Ele vem como limpa-
trilho, pegando aquilo que sobrou, aquilo que já está desmatado. Agora, dificilmente,
Deputado, essa é a minha convicção de técnico e de quem milita há trinta anos no
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setor, vamos ter condições de controlar essas carvoarias clandestinas. Elas vão
existir sempre que houver expansão de fronteira agropecuária.
Se os senhores prestarem atenção no depoimento daquele carvoeiro, verão
que ele começa a falar de Teófilo Otoni, passa para Nova Andradina e vai para Mato
Grosso. Ele está indo atrás da expansão da fronteira agropecuária. Ele não está
indo fazer carvão. Quer dizer, o carvão segue, acaba sendo um cúmplice do
desmatamento, porque ajuda a financiar a destoca. Quando o filme mostra
maravilhosamente aqueles dois tratores destocando o cerrado, é um outro erro de
concepção. O carvão não é feito de raiz. Se tem raiz para fazer, faz-se, mas
normalmente é muito melhor se fazer do tronco. Mil vezes melhor é fazer com
floresta plantada, com plantação florestal. Esse é o ponto.
Agora, Deputado, acho dificílimo que possamos controlar a qualidade do
trabalho nessas carvoarias de mata nativa, porque elas são nômades. O Governo
jamais investiu um tostão em educação, moradia, infra-estrutura e saúde desses
verdadeiros páreas, as famílias de carvoeiros. Com a única exceção do Mato Grosso
do Sul, já citada pela representante do Ministério, experiência que deu certo.
Acrescento ao que disse a colega do UNICEF que a maneira correta de
conseguirmos um bom projeto público de sociedade para resolver o problema do
trabalho infantil não é a multa — perdoe-me, Deputado Orlando Fantazzini — nem a
certidão negativa, mas a oportunidade, como a que foi dada ao Mato Grosso do Sul,
com a bolsa-escola, erradicando-se o trabalho infantil, ou com a tecnologia, como o
colega do IBAMA citou.
Em Minas Gerais, hoje, o trabalho infantil em carvão é praticamente fato do
passado. Não existe mais. É zero ou quase próximo disso. Pode ser que em algum
rincão haja alguma família trabalhando. É preciso dar oportunidade, como a que o
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Ministério deu ao Estado do Mato Grosso do Sul através da bolsa-escola e outros
meios.
É importante deixarmos uma imagem. Podemos citar muitos dados, mas isso
passa. Eu gostaria de apresentar dois minutos de vídeo de uma empresa que,
profissionalmente, com tecnologia de ponta, faz um trabalho estruturado no mesmo
local, sem ser nômade. Quando não nômade, o carvão é uma atividade tão benéfica
como qualquer outra. O que normalmente não sabemos, mas é importante, é que a
única alternativa para o carvão vegetal na siderurgia é o coque metalúrgico, que vem
do carvão mineral, produzido aqui em condições tão escravas quanto na China ou
em qualquer outro lugar. Ele é subterrâneo, com péssima insalubridade. Agora, para
nós, qual o pior defeito? Primeiro, não temos carvão mineral de qualidade no Brasil,
o que nos faz importar dos Estados Unidos, Japão, China, Polônia. Isso gera
desequilíbrio na nossa balança comercial. Segundo, é um produto que tem enxofre.
Para cada tonelada de ferro-gusa feito, 6,5 quilos de enxofre são jogados na
atmosfera, o que causa chuva ácida. Isso acaba com nossa saúde e com nossa
agricultura. Tudo fica prejudicado.
Vou apenas fazer um resumo. Se optamos pela via carvão vegetal, ao invés
da via carvão mineral para fazer o ferro-gusa, para os senhores terem uma idéia, em
termos apenas de efeito estufa, por tonelada de ferro-gusa, são 19 toneladas de gás
carbônico e 16 toneladas de oxigênio de diferença.
Agora, se realmente fizermos fiscalização e autuação em repressão à
produção de carvão vegetal, é bom que verifiquemos sempre o lado universal,
vamos estar beneficiando a entrada do coque importado, o que causará
desequilíbrio na balança comercial e problemas ambientais seriíssimos, porque o
coque é fóssil. Todo o carbono utilizado está embaixo da terra, é desfossilizado e
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jogado na atmosfera. No caso do carvão vegetal, não. Antes de se queimar e fazer
fumaça, todo o carbono é absorvido pela fotossíntese no tronco, na raiz, na folha, no
fruto. Portanto, tudo fica parado no vegetal. O vegetal não tem outra coisa a não ser
carbono e hidrogênio, praticamente a madeira. Isso é importante.
Peço permissão para a apresentação de um vídeo com duração de dois
minutos.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Fernando Gabeira) - Essa luz vermelha
piscando significa que as reuniões têm de ser encerradas imediatamente, porque
estamos em votação no plenário, mas vamos assistir aos dois minutos de vídeo.
Em seguida, concederei a palavra por três minutos ao Sr. José Bastos Neto,
que veio do Rio de Janeiro para esta reunião.
O SR. JOSÉ BATUÍRA DE ASSIS - O vídeo apresenta um pequeno trecho de
um filme institucional de uma das associadas ABRACAVE, mostrando o processo já
citado pelo representante do IBAMA.
(Exibição de vídeo.)
O SR. JOSÉ BATUÍRA DE ASSIS – Infelizmente, esse não era o ponto.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) - Concedo a palavra ao
Sr. José Bastos Padilha Neto, documentarista da Zazen Produções, do Rio de
Janeiro, para falar sobre o documentário a que assistimos.
O SR. JOSÉ BASTOS PADILHA NETO – Em primeiro lugar, agradeço ao
Deputado Fernando Gabeira, ausente neste momento, e ao Deputado Orlando
Fantazzini, a realização desta audiência pública. Para mim, documentarista, é muito
importante, porque isso significa que o filme que fiz está ajudando de alguma forma
um debate que considero importante para o futuro não só da atividade dos
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carvoeiros, mas também da atividade da produção de ferro-gusa no Brasil, com
todas as implicações que isso tem nas áreas humana e ecológica.
Teço alguns rápidos comentários não diretamente ligados ao documentário,
mas ao assunto aqui discutido. Esta Comissão precisa responder a três perguntas
para fazer um trabalho consistente e que tenha resultados a longo prazo. A primeira
é: quem são os carvoeiros? Temos que entender de onde essas pessoas vêm e por
que elas trabalham fazendo isso. Depois temos de entender o que está acontecendo
com os carvoeiros e qual o contexto atual da vida deles. Se entendermos essas
duas questões, poderemos conseguir fazer um modelo necessário para evitar o
destino que eu, particularmente, e outros cientistas achamos que os carvoeiros
tendem a ter.
Esse vídeo projetado mostra a produção moderna de carvão, que é muito
simples. Primeiro, ela é feita à base de eucalipto e é estática. Os trabalhadores não
são nômades. Segundo, onde se empregavam cem pessoas, empregam-se quatro.
Usam-se tratores etc. O que aconteceu? Vamos olhar um pouco para a história da
produção do carvão vegetal no Brasil. Começou-se a produzir carvão vegetal no
Brasil em Minas, em 1930. Como sempre, a atividade de carvão vegetal começou
com madeira nativa. Não existia plantação de eucalipto quando foi iniciada a
produção de carvão vegetal em Minas. Toda vez que olhamos para a estatística da
destruição do carvão vegetal naquele Estado, temos de olhar com uma pulga atrás
da orelha. Por quê? O Sr. José Batuíra de Assis citou o fato de que a maior parte da
devastação feita é pela expansão agrícola ou por madeireiras, no caso do Pará.
Vamos considerar o fazendeiro que decide fazer um desmatamento na sua
fazenda. Ele olha para aquela mata e faz uma conta: “Eu quero fazer o
desmatamento para colocar gado e vai custar tanto. Quanto é que vou ganhar para
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financiar o desmatamento?” O que financia o desmatamento, inicialmente, é a venda
da madeira. Embora não seja o objetivo e o motivo pelo qual o fazendeiro fez o
desmatamento, a atividade carvoeira o financia, porque ele tira aquela madeira,
vende a madeira e recebe o dinheiro, que paga o trabalho do desmatamento. Então,
quando se aponta uma estatística e se diz: “Ah, é a fronteira agropecuária que
desmata, é o gado e não o carvão”, tem-se se qualificar, porque o carvão contribui
financeiramente para o ato do desmatamento. Esse é o primeiro ponto a ser levado
em consideração.
O segundo é o seguinte: com a mecanização do carvão, o que aconteceu?
Em Minas, na medida em que a fronteira agropecuária foi-se expandindo e as
florestas foram ficando longe das siderúrgicas, o custo do carvão de mata nativa foi
ficando maior, porque o custo do transporte também foi ficando maior. Apenas
quando isso aconteceu é que se começou a plantar eucalipto. Ninguém plantou
eucalipto porque é bonzinho e quer preservar o meio ambiente. Todo mundo plantou
eucalipto porque tinha subsídio do Governo e porque economicamente era melhor
para as indústrias. Não tenho nada contra ser melhor para as indústrias, pois elas
têm que ganhar dinheiro para gerar emprego.
Na medida em que se foi plantando eucalipto, porque não tinha mais mata
nativa, por conta da expansão agrícola, os carvoeiros — e agora vamos entender
quem são os carvoeiros — começaram a migrar, acompanhando a expansão
agrícola. Migraram provisoriamente para dois lugares. Ninguém falou aqui, mas
existe carvão no sul da Bahia, onde talvez seja a pior situação de carvão no Brasil
hoje, e no Mato Grosso do Sul, em Ribas do Rio Pardo. Foram esses os primeiros
lugares para onde os carvoeiros de Minas Gerais se mudaram. Como resultado,
está-se extinguindo a mata em Ribas do Rio Pardo, que está sendo ocupada por
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gado. A grande plantação de eucalipto feita na década de 60 a 70 também está
acabando. O que está acontecendo com os carvoeiros? O que acontece quando
acaba a madeira? Ou o carvoeiro fica na região de Ribas do Rio Pardo e vai morar
na favela, o que é pior do que ser carvoeiro, ou ele acompanha a fronteira agrícola,
como disse o Sr. Batuíra.
Para onde o carvoeiro está indo, como mostra o filme? O que disse aquele
fazedor de forma? Ele disse: “Estou indo para Marabá”. Por que ele está indo para
lá? Há duas jazidas importantes de minério de ferro no Brasil. Uma está em Minas.
O problema de Minas, na minha opinião, está resolvido, porque não tem mais mata
nativa. O carvoeiro de Minas não é mais o imigrante. Lá vai haver plantações, a
fiscalização é mais fácil e ponto final. Agora, o problema que temos de enfrentar, em
especial esta Comissão, é o que vai acontecer no Pará.
Quando fizemos o filme, também escrevemos um livro. Para participar desse
livro, que quero colocar à disposição desta Comissão e doar vários exemplares,
convidamos vários cientistas importantes do mundo inteiro. Um deles,
particularmente relevante, chama-se Phillip Martin Fearnside. Ele é americano, PhD
e trabalha no INPA. Faz modelos do que vai acontecer com a expansão da fronteira
do carvão vegetal no Pará. O que está acontecendo? Os carvoeiros foram para o
Mato Grosso do Sul, mas lá não há mais madeira. Então, eles estão indo para o
Pará. Por quê? Porque lá existe Carajás, projeto inicialmente feito para explorar
minério de ferro bruto.
Entre as cláusulas do funcionamento de Carajás tinha a não-produção de
ferro-gusa ao longo da ferrovia. Acontece que o escoamento de minério de ferro de
Carajás é limitado pela capacidade do porto, que fica no Maranhão. Então, o que
acontece? Produzindo ferro-gusa, consegue-se extrair mais minério de ferro do que
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se conseguiria sem a sua produção. Então, cada vez mais a produção de minério de
ferro na Amazônia está atraindo indústrias guseiras, que se estão instalando ao
longo da ferrovia.
Como essas indústrias operam? Exatamente como operavam as primeiras,
em 1930, em Minas, com trabalho infantil. Eu vi isso quando fui fazer o filme. Não é
um dado estatístico, é um fato. Trabalho infantil, sem fiscalização, nem dar para ter
— nisso eu concordo com o Sr. José Batuíra de Assis —, por causa da dimensão da
área, que é enorme.
Respondo a minha própria pergunta sobre o que está acontecendo com os
carvoeiros: acabou a madeira de Minas. Em Minas Gerais estão fazendo plantações
de eucalipto, o que é fácil de fiscalizar, e os carvoeiros estão saindo de Minas e indo
para o Pará, onde vamos repetir o mesmo erro que cometemos em Minas, em 1930,
se ninguém fizer nada.
O trabalho que gostaria que esse documentário gerasse era no sentido de
que se tentasse resolver o problema que se vai criar cada vez mais no Pará. Acho
que existem três motivos para se resolver esse problema. O primeiro é humanitário.
Não podemos deixar pessoas trabalhando nesse tipo de condição. O segundo é
ambiental. O Batuíra está certo quando diz que é melhor fazer ferro-gusa com
carvão vegetal de plantação de eucalipto do que fazer com coque. Ambientalmente,
é “melhor” — entre aspas. Será melhor se se replantar o eucalipto que foi derrubado,
porque, quando o eucalipto cresce, ele seqüestra de novo o carbono que está no ar
e o balanço atmosférico da poluição é zero. Mas se se devastar a mata nativa, então
não é melhor; é pior e mais caro. O terceiro motivo é o seguinte: se não fizermos o
dever de casa no Brasil, ele vai será feito para nós lá fora. Vou dizer por quê.
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Esse filme foi exibido no Festival Internacional de Documentários de
Washington. Eu estava lá para a exibição. Certo dia tocou o telefone no meu hotel.
Era um representante do sindicato americano que cuida de caminhoneiros e também
do sindicato do aço americano, que me perguntou se eu enviaria livros e cópias do
filme para serem exibidos no Congresso americano. Eu não enviei porque sei o que
ele queria. O que ele queria? Ele queria projetar a situação dos carvoeiros no Brasil
no Congresso e conseguir uma restrição à exportação de aço brasileiro da
Amazônia para os Estados Unidos. Todo aço produzido na Amazônia é exportado.
Então, o que isso significa para mim? Significa o seguinte: ou fazemos o que
disse o Deputado Fernando Gabeira, um plano gradativo para mudar os moldes de
produção de carvão vegetal, sobretudo no Pará, ou isso vai ser feito pelos outros.
Os Estados Unidos vão fazer isso para nós. Não importa mais ferro-gusa e aço feitos
na Amazônia e pronto, acabou, ponto final.
Era isso o que eu tinha a dizer.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Orlando Fantazzini) – Vamos ter de encerrar
o debate, que ficará prejudicado, pois continua piscando aqui a luz. Portanto, somos
obrigados a encerrar a reunião.
Gostaria de agradecer a todos a presença. Tanto a Comissão de Direitos
Humanos quanto a Subcomissão da Criança e do Adolescente, representadas aqui
pelo Deputado Fernando Gabeira e por mim, agradecem por poder contar com a
colaboração de todos, para que possamos encontrar soluções adequadas para
todas as questões aqui apresentadas.
Nada mais havendo a tratar, vou encerrar a presente reunião de audiência
pública.
Está encerrada a reunião.