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Universidade Federal do Rio de Janeiro
VARIAÇÃO E MUDANÇA NO VOCALISMO POSTÔNICO MEDIAL EM PORTUGUÊS
Alessandra de Paula Santos
2015
VARIAÇÃO E MUDANÇA NO VOCALISMO POSTÔNICO MEDIAL EM PORTUGUÊS
Alessandra de Paula Santos
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras (Letras Vernáculas) da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários para a obtenção do Título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Orientadora: Professora Doutora Silvia Figueiredo Brandão
Rio de Janeiro Fevereiro de 2015
Variação e mudança no vocalismo postônico medial em português
Alessandra de Paula Santos
Orientadora: Professora Doutora Silvia Figueiredo Brandão
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras (Letras Vernáculas), Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Examinada por: _______________________________________________________________ Presidente, Professora Doutora Silvia Figueiredo Brandão – Orientadora
_______________________________________________________________ Professor Doutor Dermeval da Hora Oliveira – UFPB
_______________________________________________________________ Professor Doutor José Sueli de Magalhães – UFU
_______________________________________________________________ Professora Doutora Christina Abreu Gomes – UFRJ
________________________________________________________________ Professor Doutor João Antônio de Moraes – UFRJ
________________________________________________________________ Professora Doutora Valéria Neto de Oliveira Monaretto – UFRGS, Suplente
________________________________________________________________ Professora Doutora Danielle Kely Gomes – UFRJ, Suplente
Rio de Janeiro Fevereiro de 2015
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2015
De Paula, Alessandra. Variação e mudança no vocalismo postônico medial em
português/ Alessandra de Paula Santos. Rio de Janeiro: UFRJ/ FL, 2015.
xx, 208f.: il.; 31 cm. Orientador: Silvia Figueiredo Brandão.
Tese (Doutorado) – UFRJ/ Faculdade de Letras/ Programa de Pós Graduação em Letras (Letras Vernáculas), 2015.
Referências Bibliográficas: f. 191-201. 1. Português Brasileiro. 2. Português Europeu. 3. Fonologia. 4.
Sociolinguística. 5. Vocalismo postônico não final. 6. Alteamento. I. Brandão, Silvia Figueiredo. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós Graduação em Letras Vernáculas. III. Título.
É preciso que haja pessoas com esse ímpitu de
mudar, com esse desejo de mudar, então eu sou
uma delas.
(Estudante carioca, 19 anos)
Dedico este trabalho a minha orientadora Silvia
Brandão, que fez os caminhos mais difíceis se
tornarem simples e que, no verdadeiro sentido
de orientar, me ajudou a seguir com serenidade,
na pesquisa e na vida.
Outros agradecimentos
Quero agradecer a Deus e às pessoas que mais estiveram presentes na minha
vida pessoal e acadêmica nos últimos anos, quando estive desenvolvendo este trabalho:
Primeiramente, a minha família, em especial a minha mãe Marta, a principal
responsável por tudo o que sou, meus irmãos Arthur, Gabriela e Andressa, a parceira de
minha jornada, e a meus sobrinhos Amanda e Breno, que iluminam o nosso caminho.
Aos irmãos que eu escolhi, Danielle, Handerson, Lázaro, Maíra, Mariana, Mirla,
Patrícia, Rodrigo Campos e Thiago, em ordem alfabética porque o amor por todos é
imensurável, além do meu querido amigo Vinicius, que, assim como a Danielle, foi uma
companhia inestimável nos congressos inesquecíveis e no dia-a-dia do Doutorado.
A meus grandes amigos, Adriano, Ana Paula, André, Eduardo Barreto,
Emanoele, Fabrícia, Luciana, Rodrigo Schwertner e Wanessa, que transformam cada
momento ao seu lado em um evento inesquecível e fazem muita falta no resto do tempo.
Quero demonstrar minha gratidão a quem muito contribuiu com esta pesquisa:
Professora Maria Antónia Mota, da Universidade de Lisboa, por contribuir
amplamente com minha pesquisa, me acolher e ajudar em todos os aspectos durante
minha estadia em Lisboa.
Professor João Veloso, da Universidade do Porto, e Professoras Rita Marquilhas,
Celeste Rodrigues e Sónia Frota, da Universidade de Lisboa, que me dedicaram seu
tempo e contribuíram amplamente nas discussões sobre o português europeu.
Professora Eliete Silveira, Elaine, Tatiane, Laura, Fernando e Mariana, por
serem os melhores companheiros “lisboetas” que alguém pode ter.
Os queridos amigos e familiares que se esforçaram amplamente e com muito
carinho para conseguir os informantes da pesquisa, Eduardo Barreto e Sharlise, Péricles
e Camila, Eduardo Santos, Maíra e Mirla, Daniele Figueiredo, Gabriela e Maria José.
Meus amigos do coração Adriano e Rodrigo Campos, que prontamente me
ajudaram com a tradução dos resumos.
Por fim, os Professores que muito gentilmente aceitaram o convite para
participar dessa banca, Christina Gomes, Danielle Gomes, Dermeval da Hora, João
Moraes, José Magalhães e Valéria Monaretto e que, com isso, me honram imensamente.
Esta pesquisa foi realizada com o apoio da
CAPES em estágio de doutorado sanduíche na
Universidade de Lisboa (nov/13-mar/14) e com
bolsa do CNPQ (abr/14-fev/15).
SINOPSE
Estudo do processo de alteamento das vogais /e/ e /o/
postônicas mediais em português. Análise sincrônica
e diacrônica dos processos de mudança no vocalismo
átono português. Investigação da fala fluminense em
comparação com a fala lisboeta segundo princípios da
Sociolinguística Variacionista e da Fonologia de Uso.
Análise do léxico proparoxítono e interpretação
fonológica do vocalismo postônico medial brasileiro e
europeu com base em correntes teóricas pós-
estruturalistas.
RESUMO
VARIAÇÃO E MUDANÇA NO VOCALISMO POSTÔNICO MEDIAL EM PORTUGUÊS
Alessandra de Paula Santos
Orientadora: Professora Doutora Silvia Figueiredo Brandão
Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras (Letras Vernáculas), Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Língua Portuguesa.
No português brasileiro, o processo de alteamento que atinge as vogais médias átonas implementa-se em contexto postônico medial plenamente no que se refere à vogal posterior (abób/o/ra > abób[u]ra) mas encontra resistência no âmbito da vogal anterior (pêss/e/go > pêss[e]gu ~ pêss[i]gu). Câmara Jr (1977) e Wetzels (1992) defendem a assimetria no processo de neutralização que atinge, de um lado, as médias e altas posteriores /ç, o, u/ e, de outro, as médias anteriores /E, e/, o que acarreta um sistema de quatro fonemas – /i, e, a, u/. Bisol (2003) afirma que processo é simétrico com a flutuação entre dois sistemas, o de cinco vogais – /i e a o u/ – e o de três vogais – /i a u/ – típicos, respectivamente, dos contextos pretônico e postônico final. A pesquisa sociolinguística variacionista investigou o fenômeno nas fala culta e popular do Estado do Rio de Janeiro e da região de Lisboa, comparando amostras levantadas nas décadas de 1970 e 1980 e na primeira década de 2000, nas duas regiões. Os resultados indicam que, na fala fluminense, as vogais médias anteriores e posteriores estão em plena variação com as altas nas duas sincronias. O alteamento é praticamente categórico na fala espontânea de pessoas que estudaram até o Ensino Fundamental, mas é inibido no âmbito de /e/ com o aumento da escolaridade e do monitoramento do discurso, que foi controlado com a aplicação de um questionário e um teste de leitura. A observação pontual dos dados demonstrou que o fenômeno é lexicalmente restrito e pode ser implementado ou refreado no nível individual dos falantes fluminenses. Já na fala lisboeta, a redução das vogais é categórica em [ˆ, u], refletindo a proposta de muitos autores, especialmente Mateus & Andrade (2000), para o português europeu. Os resultados da fala fluminense, conjugados com outras pesquisas, levam à conclusão de que a instabilidade na implementação do alteamento no Brasil só existe no nível fonético, pela variação entre [e] e [i], e a mudança já está prevista no nível subjacente, que apresenta os fonemas /i a u/, à semelhança do contexto postônico final.
Palavras-chave: português brasileiro, português europeu, fonologia, Sociolinguística, vocalismo postônico não final, alteamento.
ABSTRACT
VARIATION AND CHANGE ON POSTTONIC MEDIAL VOCALISM IN PORTUGUESE
Alessandra de Paula Santos
Supervisor: Prof. Dr. Silvia Figueiredo Brandão
Abstract of the PhD Thesis submitted to the Programa de Pós Graduação em Letras (Letras Vernáculas), Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, as part of the requirements for the award of Doctor in Vernacular Letters (Portuguese Language).
In Brazilian Portuguese, the raising process that affects the unstressed mid vowels occurs in a posttonic medial context in relation to the back vowel (abób/o/ra > abób[u]ra), but finds resistance around the front vowel (pêss/e/go > pêss[e]gu ~ pêss[i]gu). Because of such difference, there is no agreement amongst phonologists as to the oppositions between mid and high vowels at phonological level. Câmara Jr. (1977) and Wetzels (1992) support the asymmetry in the neutralization process that affects, on the one hand, the mid-high and high vowels /ç, o, u/ and on the other hand, the mid-high vowels /E, e/, which results in a four-phoneme system – / i, e, a, u /. Bisol (2003) states that the process is symmetrical with a variation between the two systems, the one with five vowels – /i e a o u/ – and the other with three vowels – /i a u/, respectively typical in pretonic and posttonic contexts. The variationist sociolinguistics research investigated the phenomenon within the educated and popular speeches in Rio de Janeiro State and Lisbon region, comparing samples obtained in the 1970s and 1980s, and in the first decade of 2000s in both regions. The results show that within Rio de Janeiro State the mid-high front and back vowels are in variation, with the high vowels in both syncrhony. The raising is virtually categorical in spontaneous speech of people who reached up to primary education, but is inhibited under /e/ depending on the level of education and speech monitoring, which was controlled with a questionnaire and a reading test. A careful observation of the data has shown that the phenomenon is lexically restricted and can be implemented or restrained amongst speakers in Rio de Janeiro State. In the speech of Lisbon, the reduction of vowels is categorical in [ˆ, u], reflecting the proposal of many authors, especially Mateus & Andrade (2000) for European Portuguese. The results concerning the speech in Rio de Janeiro State in conjunction with other researches have lead to the conclusion that the instability in the implementation of raising in Brazil only exists at phonetic level with the variation between [e] and [i] and the change is already foreseen in the underlying level, which features the phonemes /i a u/, similar to the posttonic final context.
Keywords: Brazilian Portuguese, European Portuguese, phonology, sociolinguistics, non final posttonic vocalism; raising.
RÉSUMÉ
VARIATION ET CHANGEMENT DANS LE VOCALISME POSTTONIQUE MÉDIAL EM PORTUGAIS.
Alessandra de Paula Santos
Directeur de Thèse: Professeur Silvia Figueiredo Brandão
Résumé de la Thèse de Doctorat présentée au Programa de Pós Graduação em
Letras (Letras Vernáculas), Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, dans le cadre des exigences en vue de l’obtention du grade de Docteur en Lettres Vernaculaires (Langue Portugaise).
Dans le portugais brésilien, le processus d'élévation qui touche les voyelles moyennes atones est implémenté pleinement dans un contexte post-tonique médial en ce qui concerne la voyelle postérieure (abób/o/ra > abób[u]ra) mais trouve une résistance dans le contexte de la voyelle antérieure (pêss/e/go > pêss[e]gu ~ pêss[i]gu). Câmara Jr (1977) et Wetzels (1992) soutiennent cette asymétrie dans le processus de neutralisation touchant, d'un côté, les voyelles moyennes et hautes postérieures /ç, o, u/ et, d'un autre côté, les voyelles moyennes antérieures /E, e/, ce qui engendre un système à quatre phonèmes – /i, e, a, u/. Bisol (2003) affirme que ce processus est symétrique avec une fluctuation entre deux systèmes, celui de cinq voyelles – /i e a o u/ – et celui de trois voyelles /i a u/ typiques des contextes prétonique et post-tonique final, respectivement. La recherche sociolinguistique variationniste a étudié ce phénomène dans le parler standard et populaire et le parler populaire de l'État de Rio de Janeiro et de la région de Lisbonne, en comparant les échantillons prélevés dans les décennies 1970 et 1980 et dans la première décennie de 2000, dans les deux régions. Les résultats indiquent que, dans le parler de Rio de Janeiro, les voyelles moyennes antérieures et postérieures sont en pleine variation avec les voyelles hautes dans les deux synchronies. L'élévation de ces voyelles est pratiquement catégorique dans le parler familier des personnes ayant étudié jusqu'au niveau Fondamental » (qui équivaut au collège en France) mais inhibée dans le contexte de /e/ au fur et à mesure que le niveau d'éducation et la surveillance du discours augmentent, ce qui a été contrôlé par l'application d'un questionnaire et d'un test de lecture. L'observation ponctuelle des données a montré que ce phénomène est lexicalement restreint et peut être implémenté ou freiné au niveau individuel des locuteurs de Rio de Janeiro.. Par contre, dans le parler de Lisbonne, la réduction des voyelles est catégorique en [ˆ, u], reflétant la proposition de nombreux auteurs, notamment Mateus & Andrade (2000), pour le portugais européen. Les résultats de l’ analyse du parler de Rio de Janeiro, en combinaison avec d'autres recherches, conduisent à une conclusion selon laquelle l'instabilité dans l'implémentation de l'élévation de ces voyelles au Brésil n'existe qu'au niveau phonétique, par la variation entre [e] et [i], et ce changement est déjà prévu dans le niveau sous-jacent, qui présente les phonèmes /i a u/, semblablement au contexte post-tonique final.
Mots-clés: portugais brésilien, portugais européen, phonologie, sociolinguistique, vocalisme post-tonique non final, élévation.
SUMÁRIO
ÍNDICE DE QUADROS E TABELAS ................................................................. 16
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 21
2. ASPECTOS DO VOCALISMO POSTÔNICO MEDIAL EM PORTUGUÊS .......................................................................................................... 24
2.1 A assimetria no português brasileiro .............................................................. 27
2.1.1 Evidências diacrônicas .................................................................................... 28
2.1.2 Evidências sincrônicas em alguns dialetos .................................................... 36
2.1.3 Na fala fluminense .......................................................................................... 40
2.1.4 Algumas questões ............................................................................................ 42
2.1.4.1 O problema da assimetria ............................................................................ 43
2.1.4.2 A questão da escolaridade ............................................................................ 43
2.2 A aparente regularidade no português europeu ............................................ 45
2.2.1 Entre os séculos XVII e XX ............................................................................ 46
2.2.2 Na atualidade .................................................................................................. 52
3. ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS ............................................... 58
3.1 Princípios da Sociolinguística .......................................................................... 59
3.2 Princípios da Fonologia de Uso ........................................................................ 62
3.3 Procedimentos metodológicos .......................................................................... 70
3.3.1 Os corpora de modalidade oral ....................................................................... 73
3.3.1.1 As décadas de 1970 e 1980 ........................................................................... 75
3.3.1.2 A primeira década de 2000 .......................................................................... 77
3.3.2 Questionários e leitura de textos ..................................................................... 78
3.3.3 Variáveis .......................................................................................................... 82
3.3.3.1 A variável dependente .................................................................................. 82
3.3.3.2 Variáveis independentes ............................................................................... 84
3.3.4 Bases da análise qualitativa ............................................................................ 89
4. ANÁLISE DOS DADOS ..................................................................................... 92
4.1 A variação na fala fluminense .......................................................................... 92
4.1.1 Corpora sociolinguísticos ................................................................................ 92
4.1.1.1 As décadas de 1970 e 1980 ........................................................................... 95
a. PEUL 80 ............................................................................................................... 95
b. APERJ .................................................................................................................. 96
c. NURC ................................................................................................................... 98
d. Análise das amostras dos anos 1970 e 1980 ...................................................... 102
4.1.1.2 A primeira década de 2000 .......................................................................... 106
a. PEUL 2000 ........................................................................................................... 106
b. Corpus Concordância ......................................................................................... 109
c. Análise das amostras dos anos 2000 .................................................................. 111
4.1.1.3 Comparação entre 1970/80 e anos 2000 ..................................................... 120
4.1.2 Questionários e leitura de textos ..................................................................... 126
4.1.2.1 Perguntas ...................................................................................................... 129
4.1.2.2 Figuras .......................................................................................................... 130
4.1.2.3 Leituras ......................................................................................................... 132
4.2. A regularidade na fala lisboeta ....................................................................... 135
4.2.1 A década de 1970: Corpus Português Fundamental ..................................... 136
4.2.2 A primeira década de 2000: Corpus Concordância ....................................... 140
4.2.3 Considerações sobre os corpora ..................................................................... 144
5. ANÁLISE DO LÉXICO ..................................................................................... 145
5.1 Questões de natureza lexical ............................................................................ 145
5.2 Sobre a frequência das proparoxítonas nos corpora ...................................... 150
5.3 Idiossincrasias na implementação do alteamento .......................................... 156
6. DISCUSSÃO TEÓRICA .................................................................................... 165
6.1 Sobre o português europeu ............................................................................... 165
6.2 Sobre o português brasileiro ............................................................................ 175
7. CONCLUSÃO ..................................................................................................... 186
8. BIBLIOGRAFIA ................................................................................................. 191
9. ANEXOS .............................................................................................................. 202
I. Informantes do NURC ........................................................................................ 203
II. Informantes do APERJ ..................................................................................... 204
III. Informantes do PEUL 80 ................................................................................. 205
IV. Informantes do PEUL 2000 ............................................................................. 206
V. Informantes do CONCORDÂNCIA RJ ........................................................... 207
VI. Informantes do CONCORDÂNCIA LIS ........................................................ 208
VII. Informantes do PORTUGUÊS FUNDAMENTAL ...................................... 209
VIII. Informantes do Questionário ........................................................................ 210
IX. Questionário - Perguntas ................................................................................. 211
X. Questionário - Figuras ....................................................................................... 214
XI. Teste de Leitura ................................................................................................ 225
XII. Lista das 134 proparoxítonas com vogal média postônica não final classificadas como pouco usuais. ............................................................................
226 XIII. Lista das 294 proparoxítonas com vogal média postônica não final classificadas como reconhecíveis ou técnicas. ....................................................... 227
ÍNDICE DE QUADROS E TABELAS
QUADROS:
Quadro 1. O vocalismo do português brasileiro segundo Câmara Jr (1970). .......... 26
Quadro 2. O vocalismo postônico não final do português brasileiro segundo Bisol (2003). .......................................................................................................................
27
Quadro 3. Variantes das vogais /e/ e /o/ postônicas não finais controladas na análise estatística. ......................................................................................................
83
Quadro 4. Variáveis extralinguísticas controladas na análise estatística do português brasileiro. ..................................................................................................
85
Quadro 5. Variáveis linguísticas controladas na análise estatística do português brasileiro. ...................................................................................................................
87
Quadro 6. Realização da variante [e] por informante com nível fundamental de instrução – Década de 1980. .....................................................................................
157
Quadro 7. Dados de realização da vogal média /e/ postônica medial distribuídos pelas variáveis faixa etária X sexo dos falantes com nível médio da década de 2000. ..........................................................................................................................
159
Quadro 8. Realização da variante [e] por informante com nível médio de instrução – Década de 2000. .....................................................................................
160
Quadro 9. Dados de realização da vogal média /e/ postônica medial distribuídos pelas variáveis faixa etária X sexo dos falantes com Ensino Superior da década de 1970. ..........................................................................................................................
162
Quadro 10. Dados de realização da vogal média /e/ postônica medial distribuídos pelas variáveis faixa etária X sexo dos falantes cultos do corpus Concordância RJ – Década de 2000. .....................................................................................................
163
Quadro 11. Realização da variante [i] por informante com nível superior de instrução – Década de 2000. .....................................................................................
164
Quadro 12. Traços distintivos das vogais do português europeu. ........................... 168
Quadro 13. Regras de alternância vocálica [+ac] (acentuado) e [-ac] (não acentuado) no Português Europeu. ...........................................................................
169
Quadro 14. Regra de elevação das vogais átonas (26). ........................................... 170
Quadro 15. A neutralização da vogal postônica não final. ...................................... 178
Quadro 16. O vocalismo românico segundo Clements (1991). ............................... 179
TABELAS:
Tabela 1. Fator condicionador do alteamento da vogal média anterior postônica medial em corpora de fala culta e popular (NURC e APERJ). ................................
41
Tabela 2. Distribuição das 1414 ocorrências de vogal média postônica medial por corpus sociolinguístico – Décadas de 1970/80. ........................................................
94
Tabela 3. Distribuição das 430 ocorrências de vogal média postônica medial por corpus sociolinguístico – Década de 2000. ..............................................................
94
Tabela 4. Índices da variação de vogais médias postônicas mediais no corpus PEUL 80 (variedade popular) – Década de 1980. ....................................................
95
Tabela 5. Índices da variação de vogais médias postônicas mediais no corpus APERJ (variedade popular) – Década de 70. ...........................................................
97
Tabela 6. Variáveis faixa etária e classificação lexical para o alteamento da vogal média anterior postônica medial no corpus APERJ (variedade popular) – Década de 70. .........................................................................................................................
97
Tabela 7. Índices da variação de vogais médias postônicas mediais no corpus NURC (variedade culta) – Década de 70. .................................................................
99
Tabela 8. Variável faixa etária para o alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala culta fluminense – Década de 70. .....................................
100
Tabela 9. Fatores condicionadores do alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala culta fluminense – Década de 70.......................................
101
Tabela 10. Índices gerais da variação de vogais médias postônicas mediais na fala fluminense – Décadas de 1970/80. ...........................................................................
102
Tabela 11. Índices gerais da concretização de vogais médias postônicas mediais na fala fluminense – Décadas de 1970/80. ................................................................
103
Tabela 12. Variáveis faixa etária e classificação lexical para o alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala fluminense – Décadas de 1970/80 ..
104
Tabela 13. Índices da variação de vogais médias postônicas mediais no corpus PEUL 2000 (variedade popular) – Década de 2000. ................................................
107
Tabela 14. Índices da variação de vogais médias postônicas mediais por nível de escolaridade no corpus PEUL 2000 (variedade popular) – Década de 2000. ...........
108
Tabela 15. Índices da variação da vogal média anterior postônica medial por localidade do corpus Concordância RJ (variedades culta e popular) – Década de 2000. ..........................................................................................................................
109
Tabela 16. Índices da variação da vogal média posterior postônica medial por localidade do corpus Concordância RJ (variedades culta e popular) – Década de 2000. ..........................................................................................................................
109
Tabela 17. Índices da variação de vogais médias postônicas mediais no corpus Concordância RJ (variedades culta e popular) – Década de 2000. ...........................
110
Tabela 18. Índices da variação de vogais médias postônicas mediais por nível de escolaridade no corpus Concordância RJ (variedades culta e popular) – Década de 2000. ..........................................................................................................................
110
Tabela 19. Índices gerais da variação de vogais médias postônicas mediais na fala fluminense – Década de 2000. ..................................................................................
111
Tabela 20. Índices gerais da concretização de vogais médias postônicas mediais na fala fluminense – Década de 2000. ......................................................................
112
Tabela 21. Índices gerais da variação de vogais médias postônicas mediais por nível de escolaridade na fala popular fluminense – Década de 2000. ......................
113
Tabela 22. Variáveis faixa etária e classificação lexical para o alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala popular fluminense – Década de 2000. ..........................................................................................................................
114
Tabela 23. Fatores condicionadores do alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala popular fluminense – Década de 2000. .............................
114
Tabela 24. Índices da variação de vogais médias postônicas mediais na fala culta do corpus Concordância RJ – Década de 2000. ........................................................
116
Tabela 25. Variável classificação lexical para o alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala culta fluminense – Década de 2000. ....................
116
Tabela 26. Fatores condicionadores do alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala culta fluminense – Década de 2000. .................................
117
Tabela 27. Variável faixa etária para o alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala fluminense – Década de 2000. ..........................................
119
Tabela 28. Fatores condicionadores do alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala fluminense – Década de 2000. ..........................................
120
Tabela 29. Índices gerais da variação de vogais médias postônicas mediais na fala fluminense – Décadas de 1970/80. ..........................................................................
122
Tabela 30. Índices da concretização da vogal média anterior postônica medial nos corpora de fala da região metropolitana do Rio de Janeiro (variedades culta e popular) em duas sincronias. .....................................................................................
123
Tabela 31. Fator condicionador do alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala da Região Metropolitana do Rio de Janeiro – Décadas de 1970/80 e 2000. ..........................................................................................................................
125
Tabela 32. Distribuição das 1292 ocorrências de vogal média postônica medial nos Questionários e na Leitura. .................................................................................
126
Tabela 33. Índices da realização da vogal média anterior postônica medial em dados de Questionários e Leituras. ...........................................................................
127
Tabela 34. Índices da realização da vogal média posterior postônica medial em dados de Questionários e Leituras. ...........................................................................
128
Tabela 35. Índices da realização da vogal média anterior postônica medial por nível de escolaridade em respostas a perguntas do Questionário. ............................
129
Tabela 36. Índices da realização da vogal média posterior postônica medial por nível de escolaridade em respostas a perguntas do Questionário. ............................
130
Tabela 37. Índices da realização da vogal média anterior postônica medial por nível de escolaridade em identificação de figuras do Questionário. .........................
131
Tabela 38. Índices da realização da vogal média posterior postônica medial por nível de escolaridade em identificação de figuras do Questionário. .........................
131
Tabela 39. Índices da realização da vogal média anterior postônica medial por nível de escolaridade em leituras do Questionário. ...................................................
133
Tabela 40. Índices da realização da vogal média postônica medial /o/ por nível de escolaridade em leituras do Questionário. ................................................................
134
Tabela 41. Distribuição das 140 ocorrências de <e> e <o> postônicos mediais por corpus sociolinguístico da Região Metropolitana de Lisboa. ...................................
135
Tabela 42. Índices da variação de <e> e <o> postônicos mediais no corpus Português Fundamental Lisboa (variedades culta e popular) – Década de 1970. .....
137
Tabela 43. Dados de realização de <e> e <o> postônicos mediais distribuídos pelas variáveis sexo, faixa etária e escolaridade dos falantes do corpus Português Fundamental – Década de 1970. ..............................................................
139
Tabela 44. Índices da variação de <e> e <o> postônicos mediais no corpus Concordância Lisboa (variedades culta e popular) – Década de 2000. ....................
140
Tabela 45. Índices da variação de <e> e <o> postônicos mediais no corpus Concordância Oeiras (variedades culta e popular) – Década de 2000.......................
141
Tabela 46. Dados de realização de <e> e <o> postônicos mediais distribuídos pelas variáveis sexo, faixa etária e escolaridade dos falantes do corpus Concordância Oeiras – Década de 2000. ..................................................................
142
Tabela 47. Índices da variação de <e> e <o> postônicos mediais no corpus Concordância Cacém (variedades culta e popular) – Década de 2000......................
142
Tabela 48. Dados de realização de <e> e <o> postônicos mediais distribuídos pelas variáveis sexo, faixa etária e escolaridade dos falantes do corpus Concordância Cacém – Década de 2000. .................................................................
143
Tabela 49. Vocábulos com vogal média anterior postônica medial por década de recolha. ......................................................................................................................
151
Tabela 50. Vocábulos com vogal média posterior postônica medial por década de recolha. ......................................................................................................................
152
1. INTRODUÇÃO
Um dos principais processos de mudança que atingem o sistema fonológico do
português diz respeito à redução das sete vogais, /i e E, a, ç o u/, nos contextos átonos,
fenômeno que, com o passar do tempo, provoca perda de oposições fonológicas entre /i
e E/ e /ç o u/, a depender da posição em relação à sílaba tônica. Trabalhos que focalizam
o português na perspectiva diacrônica demonstram que as vogais médias sofreram
alteamento na sílaba postônica final (sed[i], ced[u]) desde o período medieval, o que
acarretou a redução do sistema para três vogais /i a u/ nessa posição, e que podiam
apresentar ligeiro fechamento na postônica medial (cér/e+/bro, árv/o+/re) antes do século
XVI, segundo alguns autores. Após sua implantação no Brasil, o português seguiu
diferentes caminhos. Na variedade europeia, ao longo dos séculos, o alteamento se
implementou em todo o vocalismo átono, que foi receptivo ainda a um novo segmento
[ˆ], resultante de posteriorização, enquanto o português brasileiro segue até os dias de
hoje apresentando variação entre médias e altas nas posições pretônica e postônica
medial. Dessa forma, comparar as duas variedades na sincronia atual pode contribuir
para compreender os fenômenos variáveis ainda atestados nas vogais do português
brasileiro que já foram estabilizados no português europeu.
Esta pesquisa de doutorado – que se baseia nos princípios teórico-metodológicos
da Sociolinguística Variacionista (LABOV, 1972, 1994; WEINREICH, LABOV &
HERZOG, 2006) e, complementarmente, nos da Fonologia de Uso (BYBEE, 2001,
2002) – investiga o contexto postônico não final na fala culta e na fala popular do
Estado do Rio de Janeiro, em comparação com o português europeu falado na região de
Lisboa. Nessa posição, própria dos vocábulos proparoxítonos, o processo de alteamento
atinge as vogais médias com graus diferentes de produtividade no português brasileiro:
a vogal posterior /o/, como em ép/o/ca, é mais sensível à redução para [u], sendo
praticamente categórico o seu alteamento, enquanto a vogal anterior /e/, como em
núm/e/ro, têm resistido a concretizar-se como [i].
Tal variação tem sido objeto de discussão no que se refere à constituição
fonológica do vocalismo nessa posição e sobre ele convém investigar se a vogal média
/e/ tende ao alteamento e a neutralizar-se com a alta /i/ ou se sua manutenção é estável
22
em diferentes regiões. Parte-se aqui da hipótese de que os índices de alteamento
aumentam no período dos anos 1970 até os anos 2000, tornando-se produtivo em
quaisquer segmentos da comunidade de fala fluminense e demonstrando que a mudança
se encontra em fase final de implementação.
Em cumprimento ao principal objetivo deste trabalho, investigam-se amostras
sociolinguísticas de fala espontânea dos anos 1970/80 e dos anos 2000, levantadas nas
regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e de Lisboa. Além disso, realiza-se uma
análise pontual do léxico levantado nessas amostras, em respeito aos aspectos peculiares
dos vocábulos proparoxítonos, que apresentam o padrão acentual menos produtivo no
português e se relacionam historicamente com o discurso técnico. O trabalho conta
ainda com uma investigação bibliográfica sobre estágios anteriores do vocalismo
postônico medial no Brasil e em Portugal e uma análise de questionários e de um teste
de leitura que foram aplicados a falantes cariocas com o intuito de registrar uma
quantidade maior de ocorrências das proparoxítonas com /e/ e /o/ postônicos mediais.
Por fim, realiza-se uma etapa de interpretação do vocalismo postônico final, através da
conjugação de trabalhos teóricos e empíricos que já abordaram o tema e os resultados
desta pesquisa.
O capítulo 2 retoma a explanação sobre os aspectos do vocalismo átono do
português, em especial a posição postônica medial, apresentando as principais pesquisas
sincrônicas e diacrônicas realizadas sobre o tema. Através da consideração de trabalhos
de cunho diacrônico, observam-se indícios de estágios anteriores do vocalismo do
português, especialmente após o século XVII, no Brasil e em Portugal, nos quais seja
possível vislumbrar a evolução da variação entre vogais médias e altas e a
implementação do alteamento nos últimos séculos, nos dois países.
O capítulo 3 traz os fundamentos teóricos e metodológicos que norteiam este
trabalho. O item 3.1 apresenta o aparato teórico da Sociolinguística Variacionista. O
item 3.2 considera os principais preceitos da Fonologia de Uso, que levarão à reflexão
sobre a constituição lexical das amostras levantadas. O item 3.3 elenca os corpora
sociolinguísticos brasileiros e portugueses considerados na investigação; explica os
métodos utilizados na aplicação dos questionários e da leitura; enumera as variáveis
controladas na análise multivariada; e resume as bases das análises qualitativas
realizadas na tese: a análise pontual dos dados de fala espontânea e a interpretação
23
teórica do tema.
No capítulo 4, são apresentados os resultados encontrados nas falas fluminense e
lisboeta, nos itens 4.1 e 4.2, respectivamente. Os corpora de fala espontânea de cada
variedade do português são analisados estatisticamente, primeiramente, em cada corpus
levantado e, em seguida, comparando-se os corpora de cada década. O item 4.1 também
apresenta os resultados dos questionários e da leitura aplicados ao falantes cariocas.
O capítulo 5 parte dos princípios da Fonologia de Uso para refletir sobre a
constituição lexical das amostras sociolinguísticas levantadas e a possibilidade de
realizar o controle de types e tokens na fala dos informantes. O item 5.2 controla a
frequência das proparoxítonas levantadas nas entrevistas e suas características lexicais.
Por conta da restrição lexical observada nas amostras, desenvolve-se, no item 5.3, uma
observação pontual das entrevistas, em que se comentam aspectos idiossincráticos dos
falantes fluminenses.
No capítulo 6, empreende-se, por fim, um interpretação teórica do vocalismo
postônico medial em português, tomando-se como base, principalmente, os resultados
encontrados nesta pesquisa e, também, as informações angariadas na investigação
bibliográfica sincrônica e diacrônica sobre o vocalismo do português brasileiro e do
português europeu.
24
2. ASPECTOS DO VOCALISMO POSTÔNICO MEDIAL EM PORTUGUÊS
Os sete fonemas vocálicos do português apresentam-se plenamente em contexto
tônico, mas sofrem reduções nas posições átonas, observando-se a atuação de um
subsistema em cada contexto de atonicidade, no português brasileiro (doravante PB), e
de um subsistema átono, aparentemente regular, no português europeu (doravante PE).
Essa distinção entre o vocalismo átono brasileiro e o português tem sido alvo de
discussão teórica, pois interessa compreender em que aspectos convergem e divergem
as regras fonológicas que atuam nas duas variedades.
O quadro completo, tônico, das vogais do português é regular e apresenta um
conjunto de sete elementos vocálicos em oposição: /i/, /e/, /E/, /a/, /ç/, /o/ e /u/. Por
outro lado, em vista da menor energia articulatória, a produção das vogais átonas é
enfraquecida e favorece o processo de alteamento – especialmente das vogais médias –
e a gradual perda de oposição dos traços de abertura. Em Portugal, simultaneamente ao
alteamento, atua também um processo de centralização das vogais anteriores.
No PB, os segmentos de articulação tanto anterior quanto posterior são atingidos
pelo alteamento. As vogais médias altas e médias baixas, por exemplo, opõem
significado em c/o/rte e c/ç/rte e em c/e/rco e c/E/rco, vocábulos em que são tônicas,
mas não em contexto pretônico, no qual estão em variação, como em s[o]lar e s[ç]lar e
em g[e]lar e g[E]lar.
Câmara Jr (1970), para quem, nas posições átonas, haveria um processo
gradativo de neutralização das vogais, destaca que a redução máxima das oposições
fonológicas ocorre na última posição do vocábulo. Conforme sintetiza Bisol (2003), os
subsistemas são simplificados com o alteamento gradual das vogais médias – [E, ç] > [e,
o] > [i, u] – que acompanha o enfraquecimento da tonicidade das sílabas pretônicas até
as postônicas, que são as mais fracas. Em poucas palavras, quanto menos tonicidade
tiver a sílaba, mais produtivo será o alteamento e mais simples o sistema vocálico.
No contexto pretônico, a neutralização ocorre com o traço de abertura que
diferencia as vogais médias altas e médias baixas, como se verifica no exemplo
anteriormente comentado. Igualam-se /e, E/ e /o, ç/, o que acarreta, respectivamente, os
arquifonemas /E, O/ (CÂMARA JR, 1970).
25
O alteamento em sílabas pretônicas tem sido amplamente estudado no meio
acadêmico, segundo diferentes perspectivas teóricas. A concretização desses
arquifonemas como médias abertas ou fechadas está relacionada a fatores
extralinguísticos, como a região do falante, e linguísticos, como o traço de abertura da
vogal em sílaba tônica, em decorrência de harmonização vocálica (BISOL, 1981). Ao
lado da redução fonológica que atinge as médias pretônicas, esse contexto também
apresenta flutuação entre médias e altas, de forma não sistemática.
Quanto às posições postônicas, a átona final geralmente é considerada um
contexto de atonicidade máxima – e, portanto, mais passível de sofrer reduções –
embora, até hoje, os estudos de fonética apresentem diferentes opiniões sobre o caráter
da atonicidade postônica: Câmara Jr. (1977) iguala as sílabas postônicas, final e não
final, em nível de atonicidade, enquanto Leite (1974) defende que a sílaba postônica não
final é a mais átona entre as duas e, portanto, a mais favorável a reduções fonético-
fonológicas, como o apagamento, por exemplo.
Na sílaba final, evidencia-se o contraste de apenas três dos sete fonemas tônicos,
já que este contexto apresenta neutralização dos traços de abertura média e alta. A
distinção entre as vogais /ç, o, u/ e /e, E, i/ é perdida, formando-se os arquifonemas /I/ e
/U/ (CÂMARA JR, 1970). Assim, não opõem significado (cop[o] ~ cop[u]; red[e] ~
red[i]), como acontece na posição tônica.
Nesse contexto, a realização fonética acontece em favor das vogais altas, embora
os dialetos da Região Sul apresentem, ainda, de forma expressiva, as variantes médias
fechadas [e, o]. O trabalho de Vieira (1994) indica que questões de etnia, como a forte
influência de comunidades italianas, alemãs etc., têm retardado a implementação total
do subsistema de três vogais na região. Alguns contextos fonéticos também confirmam
a persistência da vogal média em sílabas átonas finais, não só em dialetos sulistas mas
em todo o PB, como nos casos de sílabas travadas pelas consoantes soantes: carát[e]r,
prót[o]n, móv[E]l.
O processo de alteamento atinge as sílabas postônicas não finais de forma
diversa da que se verifica em sílabas pretônicas e postônicas finais. Nestas posições,
segundo Câmara Jr, os traços de abertura são neutralizados de forma semelhante em
vogais anteriores e posteriores, enquanto nas átonas não finais existe assimetria na
26
implementação do alteamento no âmbito dos fonemas /e/ e /o/, como se discutirá neste
capítulo.
No que tange às vogais posteriores, os trabalhos sobre o tema apresentam
consenso ao defender a neutralização entre as vogais posteriores, /o, ç, u/, mas
divergem na descrição do que ocorre com as anteriores. Para Câmara Jr, há, na sílaba
postônica não final, quatro fonemas: /i, E, a, U/, pois, para ele, o falante não realiza a
variação vésp[e]ra X *vésp[i]ra, como ocorre entre ép[o]ca ~ ép[u]ca:
Nas vogais médias não-finais depois de vogal tônica (a primeira postônica dos proparoxítonos) há a neutralização entre /o/ e /u/, mas não entre /e/ e /i/. (...) Ao contrário, há distinção entre /e/ e /i/, embora seja difícil encontrar pares opositivos mínimos (mas uma pronúncia */nú’miru/, em vez de /nu’meru/, para número, ou */tè’pedu/, em vez de /tè’pidu/, para tépido, é logo rechaçada). (CÂMARA JR, 1970: 43-44)
Como destaca Bisol (2003), a descrição de Câmara Jr reflete uma situação
assimétrica, que, segundo ela, não é natural, e esta questão levou a autora a postular que,
nessa posição, ora se implementariam cinco vogais – /i e a o u/ –, ora três – /i a u/ –,
típicas, respectivamente, dos contextos pretônico e postônico final.
Em resumo, duas interpretações das oposições fonológicas das vogais do PB
estão representadas nos quadros abaixo. A descrição de Câmara Jr (1970) está exposta
no Quadro 1 e, como não há unanimidade em aceitar sua interpretação das sílabas
postônicas não finais, acrescenta-se, ainda, a proposta de Bisol (2003) no Quadro 2:
Quadro 1. O vocalismo do português brasileiro segundo Câmara Jr (1970).
Tônico Pretônico
/i/ /u/ /e/ /o/ /E/ /ç/ /a/
/i/ /u/
/E/ /O/
/a/
Postônico Não Final Postônico Final
/i/ /U/
/E/
/a/
/I/ /U/
/a/
27
Quadro 2. O vocalismo postônico não final do português brasileiro segundo Bisol (2003).
Vocalismo Postônico Não Final
/i/ /u/
/E/ /O/
/a/
/I/ /U/
/a/
As discussões sobre o contexto postônico não final serão explicitadas a seguir,
em que se apresentam os principais problemas a serem investigados nesta tese.
2.1 A assimetria no português brasileiro
Até há pouco tempo, antes de recentes estudos sociolinguísticos sobre o contexto
vocálico postônico não final no PB, pouquíssimos autores haviam se dedicado a
interpretar fonologicamente esse contexto vocálico.
No contexto postônico não final, atuariam, segundo Câmara Jr. (ratificado por
Wetzels, 1992), quatro segmentos – /i E a U/, proposta que foi comentada na seção
anterior. A descrição de Câmara Jr, pautada na observação da fala culta carioca, parte,
portanto, do princípio de que, nesse contexto, a série anterior não teria sofrido a redução
máxima verificada na série posterior. Ele afirma que em palavras como vért[e]bra,
cát[e]dra, vésp[e]ra o alteamento de /e/, resultando a articulação [i], não se verifica.
A interpretação do autor não foi desconsiderada até hoje, mas muito se tem
discutido sobre as oposições verdadeiramente em atuação para os falantes brasileiros
nessa posição. Deve-se atentar para o fato de que, para chegar a esse quadro, Câmara Jr.
(1970) tomou por base a variedade culta carioca da década de 401, concluindo, quanto
ao contexto postônico não final, que o processo de alteamento não atinge a vogal /e/.
Mas, em corpora da década de 70 (NURC-RJ e APERJ), uma geração após, já se
verificam várias realizações como cér[i]bro, indíg[i]na e vésp[i]ra (DE PAULA, 2010),
que estão presentes tanto na fala culta quanto na popular e não parecem causar
estranhamento ou ser estigmatizadas.
1 A informação consta da Nota Prévia em Câmara Jr. (1953).
28
Bisol (2003) discute o caráter assimétrico do quadro mattosiano. Embora este
autor não tenha se preocupado com a instabilidade que tal dessemelhança representa,
Bisol destaca que a língua evita assimetrias e busca a regularização. Neste caso, isso
significa que o processo de alteamento tende a estender-se para a vogal /e/.
A autora afirma ainda que a constituição fisiológica da cavidade bucal pode ser a
explicação deste desequilíbrio. Ela atenta para o fato de que a distância entre os pontos
de articulação de [o] e [u] é menor do que a distância entre a articulação de [e] e [i] – o
que é ratificado por Naro (1973), como se verá adiante. Então, o alteamento de /o/ seria
precursor porque é motivado por uma questão fonética que diferencia o comportamento
das vogais anteriores e das posteriores, mas que não é estável no nível fonológico.
Para Bisol, a instabilidade verificada nas sílabas postônicas não finais só é
possível porque representa uma flutuação entre o quadro de três vogais postônicas finais
e o de cinco vogais pretônicas (descritos por Clements, 1991). Ou seja, nessa sílaba,
atuaria ora o quadro resultante da neutralização em contexto pretônico, ora o resultante
da neutralização em contexto postônico final. A autora aponta, para o português, a
tendência à simplificação em três elementos, /i a u/, o que tornaria o quadro regular.
Nas próximas seções, evidencia-se que a assimetria do contexto postônico não
final (considerada aqui o reflexo de uma instabilidade fonológica, de acordo com Bisol)
pode ser observada em outros estágios do português e ainda vigora na fala culta carioca
e em outros falares brasileiros. Para tanto, recorre-se a trabalhos que focalizaram o
vocalismo do ponto de vista histórico e nos quais se encontraram indícios de não
correspondência do comportamento de vogais médias e altas postônicas não finais
posteriores e anteriores (seção 2.1.1). Além disso, comentam-se os resultados gerais da
pesquisa desenvolvida por De Paula (2010) com base em corpora sociolinguísticos
representativos das variedades culta e popular da fala do Rio de Janeiro (seção 2.1.3) e
comentam-se outros estudos sobre o tema, relativos a outras áreas do país (seção 2.1.2).
2.1.1 Evidências diacrônicas
Observar estágios anteriores da atuação do alteamento das vogais médias em
contexto postônico não final ajudou a compreender a assimetria no processo de
29
neutralização das vogais anteriores e das posteriores no PB, evidenciada na proposta
mattosiana. A observação de outras fases do vocalismo postônico não final, através dos
trabalhos diacrônicos de Carvalho (1969), Teyssier (1966) e Naro (1973), mostrou que
o processo de alteamento nesse contexto (i) já ocorria em português durante a
colonização do Brasil, mas não estabelecia vogais altas postônicas não finais e, sim,
vogais médias com um grau de oclusão mais acentuado; além de que (ii) era simétrico
nas vogais posteriores e anteriores.
Comparadas às atuais variedades do PB e do PE, que foram contrastadas em
Mateus & Andrade (2000), conclui-se que a assimetria é própria do português
brasileiro, ao menos de acordo com a impressão dos autores de que, aqui, a vogal média
anterior ainda se mantém, enquanto, em Portugal, é evidenciado também o alteamento
(além da posteriorização) de /e/ para [ˆ]. De qualquer forma, essas conclusões não
esclarecem o momento em que a distinção do comportamento de posteriores e anteriores
surge no Brasil. Naro, contudo, sugere uma explicação sobre o caráter da assimetria
que, hipoteticamente, pode justificar sua persistência no sistema do português brasileiro,
como se comenta nesta seção.
Teyssier (1966) e Carvalho (1969), com base nas primeiras gramáticas do
português, postulam que o quadro postônico não final apresentava, no século XVI,
oposição entre as vogais médias (/e/ e /o/) e as altas (/i/ e /u/), como ocorre no contexto
pretônico e não no postônico final.
Carvalho reconstrói o quadro vocálico da “sílaba postônica penúltima dos
proparoxítonos” dos séculos XVI-XVIII, organizado de forma “quadrangular”.
Observe-se que a projeção de Carvalho não estabelece nenhuma assimetria:
E A O
i u
O autor lembra que, com certeza, esse quadro não era o único, mas,
provavelmente, o mais generalizado. Ele prevê três séries de localização (anterior,
central e posterior), com dois elementos em cada um das séries externas e um na série
central; dois graus de abertura (fechado /i u/ e aberto /E O/). Defende a realização de /A/
como [å] (bárbaro, âmago, côncavo); a realização de /E/ como [e] (áspero, íngreme,
30
sôfrego); a de /O/ como [o] (âncora, árvore, cômodo); e a de /i u/ como [i u] (pânico,
ângulo, capítulo).
Carvalho afirma que o inventário do sistema vocálico tônico e átono dessa época
seria provavelmente idêntico ao do português do século XVIII. Ele baseou-se nos
testemunhos dos gramáticos Fernão de Oliveira (1536) e João de Barros (1540) para
descrever o quadro vocálico do português do século XVI, e nos testemunhos de D. Luís
Caetano de Lima (1736) e Luís António Verney (1746, apud CARVALHO, 1969) para
descrever o quadro do século XVIII.
Carvalho considera, com base em Fernão de Oliveira, que, no século XVI, o
vocalismo do português era semelhante ao apresentado por Luís Caetano de Lima para o
século XVIII, sem alteamento nas sílabas átonas. Fernão de Oliveira distinguiu oito
vogais: “a grande” e “a pequeno”, “e grande” e “e pequeno”, “o grande” e “o pequeno”,
“i” e “u”. A nomenclatura utilizada por ele para “e/o grandes” e “e/o pequenos”
equivale à atual oposição entre “abertos” e “fechados”, respectivamente. O gramático
não se referiu especificamente ao contexto postônico não final, mas, para Carvalho, não
é possível deduzir no texto de sua gramática que [i] e [u] seriam as realizações dos
grafemas <e> e <o> no século XVI, nem mesmo nas sílabas postônicas finais.
Carvalho afirma que o /e/ era realizado fechado, no século XVIII, em
proparoxítonas como áspero e íngreme ou naquelas que apresentassem hiato como em
côdea, gávea, ceníleo. Quanto ao /o/, diz que tal vogal também era fechada em palavras
como árvore e âncora e nos hiatos légoa, égoa. Ele chega a transcrever o trecho em que
Caetano de Lima se refere à realização do /o/ fechado nas sílabas postônicas não finais:
“Algumas vezes sucede ser fechada a vogal o média, porque é breve a tal sílaba, como
em âncora, árvore, átomo, apóstolo, bácoro, cómodo, góndola, pérola, pólvora, rémora,
tábola, têmporas, vésporas, símbolo, sínodo” (apud CARVALHO, 1969: 91).
Para Carvalho, a descrição de Caetano de Lima para as vogais médias em hiato,
no século XVIII, não são completamente confiáveis, pois, dois séculos antes, já havia
indícios da redução dessas proparoxítonas em paroxítonas, por terem contexto
extremamente favorável ao ditongo. Entretanto, quanto às demais proparoxítonas,
Carvalho concorda com a descrição de Lima: a realização seria efetivamente [e o] e não
ainda [´ u] (vogais reduzidas do português europeu contemporâneo). Ele retoma o que
Caetano de Lima cita, na gramática, sobre erros dos portugueses na pronúncia das
31
vogais do italiano: o gramático reparou que eles pronunciavam [i u] ao invés de [e o]
nas sílabas postônicas finais, mas não faz nenhuma ressalva à pronúncia das médias
postônicas não finais. Para Carvalho, se o erro existisse nessa posição átona, seria de se
esperar que Lima fizesse algum comentário.
São essas as observações de Carvalho que indicam que, até o século XVIII, as
vogais médias postônicas não finais, a anterior e a posterior, não sofriam alteamento em
português, apenas apresentavam igualmente um grau perceptível de fechamento, a ponto
de terem chamado a atenção do gramático Caetano de Lima. Sobre esse século,
Carvalho não faz comentários distintos sobre o PB e o PE.
Teyssier ateve-se à observação do vocalismo do século XVI, dando enfoque a
João de Barros. Como já foi dito, também descreveu um quadro postônico não final
simétrico, semelhante ao pretônico, opondo-se e e o pequenos a i e u. Ele não define,
com precisão, o ponto de articulação do e pequeno. Para o autor, este poderia ser desde
um [e] muito breve até uma vogal semelhante ao [´] do PE moderno (mais recuado). O
vocalismo postônico não final para ele se constituiria por A (central), pelas anteriores /E
i/ e pelas posteriores /O u/:
A
E O
i u
O que se destaca no trabalho de Teyssier é a observação de que a vogal alta
subjacente /i/ não podia ser trocada pela média /e/, pois esse fato pode demonstrar a
oposição entre elas. Ele observa que João de Barros opõe o grupo de proparoxítonas
com i (mędico, próximo, exército) e o grupo com e pequeno (óspede, próspero, gęnero),
pois nunca se encontra *próxemo, ou *óspide. Isso, segundo Teyssier, permite
constituir, teoricamente, o par mínimo curtíssemos X curtíssimos (verbo curtir na 1ª
pessoa do plural do pretérito imperfeito do subjuntivo X superlativo do adjetivo curto
no masculino plural).
As palavras de Teyssier sugerem haver a impossibilidade de /i/ postônico não
final virar [e] no PB atual. De acordo com sua colocação, embora o abaixamento
vocálico em sílabas postônicas não seja produtivo, teoricamente, representaria
32
agramaticalidade o caso de *próx[e]mo (conforme a descrição do século XVI) ou ainda
de *ínt[e]mo ou *crít[e]co. Tal questionamento significa ponderar se a possibilidade de
passagem de /e/ para [i] (hósp[i]de) legitimaria fonologicamente também o caminho
inverso (troca da vogal alta pela baixa), demonstrando o processo de neutralização entre
as duas vogais.
Naro (1973) é outro autor que defende que /e o/ postônicos apresentavam um
ligeiro alçamento – [eÀ o À] – (diante de pausa) mas que não chegava a configurar vogais
altas como [i u]. Ele comparou as vogais médias no período anterior ao século XVI,
antes, portanto, do povoamento do Brasil, e no século XVI, durante a colonização. Seus
comentários, assim como os de Herculano de Carvalho e Teyssier, confirmam o que se
colocou em (i), no início desta seção: o alteamento em postônicas não finais já ocorria
em português durante a colonização, mas não estabelecia vogais altas e, sim, vogais
médias mais fechadas. Mas é a hipótese em (ii) que ganha destaque no trabalho de Naro:
esse alteamento era simétrico nas vogais posteriores e anteriores. Ele reflete sobre a
configuração da assimetria no quadro de vogais postônicas não finais, iniciada no
português até o século XVIII, e a sua motivação fonética.
Naro comparou três variedades do português (Brasil, Portugal e Ceilão) para
entender o momento em que as diferenças fonéticas que existem atualmente entre elas
foram estabelecidas (fenômeno da deriva). Para tanto, elaborou regras, segundo os
preceitos gerativistas, que pudessem explicar os estágios de mudança na realização das
vogais em cada variedade do português. Quanto às postônicas não finais, assim como os
outros trabalhos aqui investigados, suas regras apontam a existência de um quadro
simétrico no início do século XVI (período da implementação do português em
território brasileiro).
Quando, então, a assimetria se estabeleceria no contexto postônico não final do
português? Para ele, após o século XVI, esse contexto apresentou, tanto no Brasil
quanto em Portugal, alteamento apenas da vogal média posterior (a qual ele chama
“retraída”), o que configurou o quadro de quatro elementos (assimétrico). O fenômeno
de deriva no português colonial inclui, então, a assimetria no processo de alteamento
nas sílabas postônicas não finais e tem respaldo nas regras formuladas por esse autor.
Segundo ele, o processo de mudança (em Portugal e no Brasil) teria acontecido
com a implementação das seguintes regras (1973:51), em especial, 1 e 5:
33
Portugal: 0’ > 1 > 2 Brasil 0’ > 1 (até 1820) (α’) > 4 > 5 (α’) > 4 > 5
O estágio 0’ é a configuração do português anterior à colonização, que
apresentava, como já foi comentado, na sílaba postônica não final, a realização de /E/ e
/O/ como [eÀ] e [o À], mais fechados, os quais seriam, portanto, simétricos até então. Mas,
a partir daí, o alteamento das átonas anterior /E/ e posterior /O/ aconteceria através de
regras diferentes em cada variedade do português, processadas em contextos e
momentos distintos.
A primeira regra fundamental nesse processo é aquela que implementaria o
alteamento total de /O/, no século XVI, nas sílabas postônicas, iniciando assim a
assimetria entre os contextos anterior e posterior. É a Regra 1 (1973:44):
(1) - baixo → [+ alto] / [+ acentuado] ... ___ ... # #
+ retraído (Leia-se: uma vogal média retraída torna-se alta, isto é, o torna-se u, postônico
dentro da palavra.)
A Regra 1 não é restrita à “posição final de palavra” mas se aplica à “pós-tônica
até o limite de palavra mais próximo”, o que, na concepção de Naro, se confirma na fala
padrão do Rio de Janeiro, em vocábulos como pérola, prólogo e época, nos quais a
pronúncia natural da penúltima vogal é [u] (p. 45). O autor destaca que a regra não se
aplica no Brasil na posição pretônica, onde essa vogal geralmente é [o], exceto em
contextos que promovem harmonização vocálica.
Outra regra proposta por Naro, que é fundamental para este trabalho, estabelece
que o alteamento de /e/ se processou apenas dois séculos depois e não no contexto
postônico não final, ratificando assim a assimetria entre as vogais anteriores e
posteriores no português. A regra 5 (p. 50), implementada até a segunda metade do
século XVIII, em Portugal, e até aproximadamente 1938, no Brasil, prevê o alteamento
de /e/ (“vogal média não retraída”) apenas nas sílabas limítrofes da palavra (início e
fim), mas não se aplica ao contexto medial – e em posição pretônica não inicial
(venerador) e postônica não final (número):
34
(5) - retraído → [+ alto] / / # # ___
- baixo (Leia-se: uma vogal média não retraída torna-se alta, em início e fim de palavra.)
Naro alega que não se pode afirmar que haja alteamento de e no Brasil em
palavras como número, célebre e tráfego, da mesma forma que ocorre nas sílabas finais.
Para tanto, lembra que as Normas para a Língua Cantada, de 1938 (apud NARO,
1973), preveem a mudança o > u para todas as postônicas, o que inclui as não finais,
mas mostram a mudança e > i apenas em sílabas finais e iniciais, enquanto e não final
postônico é explicitamente um [e]. Ele não confirma esses comentários a respeito da
sílaba postônica não final para Portugal, por falta de fontes históricas equivalentes nessa
região. Assim, não fica evidenciado se a assimetria prevista pela Regra 5 também surgiu
em Portugal ou se, nessa época, o alteamento de /e/ já havia acontecido também na
posição não final.
O autor afirma que a diferença fonética relativamente pequena entre [u] e [o À], na
aplicação da Regra 1, não chegaria a ser muito significativa, mas, paralelamente, o
alteamento no âmbito de /E/ não seria natural devido à maior distância entre [i] e [eÀ].
Tal comentário vai ao encontro do que diz Bisol (2003) sobre a motivação fisiológica da
assimetria nesse quadro: a abertura da cavidade bucal é maior entre [e] e [i] e, portanto,
mais difícil de ser plenamente convertida em fechamento.
Em suma, o ponto importante, levantado por Naro sobre as vogais médias
átonas, é que, para a média posterior se tornar perceptivelmente indistinguível da alta
posterior, é necessário um grau de levantamento menor do que o necessário para fazer a
média anterior tornar-se indistinguível da alta anterior. Um indício claro disso é
verificado por Naro na comparação com outra língua, o espanhol. Os teatrólogos
espanhóis grafavam muitas vezes o [o À] galego com <u>, mas não grafavam o [eÀ] galego
com <i>. Isso demonstra que, diante da vogal desconhecida, os espanhóis associavam
[oÀ] a [u], mas não [eÀ] a [i]. Nas palavras do autor:
35
O desenvolvimento do português posterior ao século XVI nos três continentes depende do fato de que um grau de levantamento relativamente menor é necessário na série retraída do que na série não-retraída para tornar as vogais médias perceptualmente indistinguíveis das vogais altas. A Isba Ùs§escu, por exemplo, frequentemente transcreve /o/ como [u] mas não /e/ como [i], e a prática dos teatrólogos espanhóis do século XVI é exatamente paralela. [...] Além disso, a diferença fonética relativamente pequena entre [u] e [o+] não chegaria a provocar admoestações. No caso de /e/, por outro lado, uma interpretação paralela não seria natural devido à maior distância entre [i] e [e +] (NARO, 1973:44).
Naro lembra que não necessariamente o uso do grafema <u> indica que a vogal
era plenamente alteada: como o [o À] galego era desconhecido pelos espanhóis e era
ligeiramente mais fechado do que a vogal usada por eles, os teatrólogos utilizavam o
grafema <u>, como ainda utilizam em peças modernas. Da mesma forma, o [eÀ] galego
era ligeiramente mais fechado, mas esses escritores não o associavam à vogal alta,
grafando-o ainda com <e> e demonstrando uma diferença perceptível e natural entre o
grau de abertura que existe entre vogais anteriores (maior) e o que existe entre vogais
posteriores (menor).
Assim, esse aspecto articulatório talvez tenha alguma relação com a assimetria
no processo de neutralização das médias postônicas não finais que ainda ocorre nos dias
de hoje no Brasil (pelo menos até a metade do século XX, de acordo com a análise de
Câmara Jr.). Segundo as considerações de Naro, o processo do alteamento, na qualidade
de um fenômeno fonético-articulatório, se aplicaria igualmente, tanto no âmbito da
vogal anterior /e/ quanto no da posterior /o/, de forma regular e natural. No caso da
primeira vogal, resultaria em um fone intermediário entre [e] e [i] – concretização
levemente alteada que não seria reconhecida pelos falantes como um fone diferente e
muito menos extrapolaria o limite fonológico de /i/. No caso de /o/, a mesma redução na
articulação seria o suficiente para que o falante realizasse [u], plenamente alto, e para
que, como consequência, os limites fonológicos entre os fonemas /o/ e /u/ não
existissem mais, implementando a neutralização entre eles.
36
2.1.2 Evidências sincrônicas em alguns dialetos
Como visto, as constatações diacrônicas de Naro vão ao encontro do que propõe
Bisol (2003) sobre o vocalismo postônico não final no século atual. Segundo a autora, a
situação assimétrica apontada por Câmara Jr não seria natural na realidade fonológica
das línguas e tenderia a desfazer-se. Para ela, a variação em contexto postônico não
final, também no âmbito de /e/, poderia ser tomada “como indício de que se trata da
mesma regra que atinge a átona final, cujo contexto estaria se ampliando, como se o
sistema estivesse em busca da regularização” (p. 272). Apesar de postular a tendência
em favor de três vogais, /i a u/, a autora ressalta que, nesse contexto, enquanto o
alteamento de /o/ seria altamente produtivo, o processo de mudança de /e/ se processaria
de forma mais lenta, em ambos os casos por conta das questões de natureza fisiológica
já aventadas. Esta poderia ser, portanto, a causa da assimetria que vem perdurando ao
longo do tempo.
Nesta seção, focalizam-se as vogais médias em alguns dialetos do Brasil e, na
seção a seguir, na fala fluminense em particular (foco desta pesquisa), a partir de
trabalhos sociolinguísticos e outros trabalhos sincrônicos, nos quais essas vogais foram
amplamente analisadas. O objetivo desta revisão é que se possa melhor compreender a
assimetria que, segundo sugestão de Câmara Jr, se verificaria, no plano sincrônico, no
contexto postônico não final do PB.
Alguns estudos sobre as vogais médias postônicas não finais foram realizados
fora do Estado do Rio de Janeiro, mas, como são poucos os trabalhos sobre o tema,
ainda não é possível apreciar plenamente a assimetria desse contexto no PB.
Serão aqui apresentadas pesquisas em que estão representados dialetos dos
Estados do Sul, da cidade de Belo Horizonte e de São José do Rio Preto, às quais se
somam alguns trabalhos sobre o apagamento de vogais nessa posição que registram e
discutem a realização das vogais quando preservadas.
Silva (2006) e Magalhães & Silva (2011) chegam a registrar, ao lado do
alteamento, não apenas manutenção das médias na sílaba postônica não final mas
também um expressivo processo de abaixamento de [e] > [E] e [o] > [ç] na cidade de
Sapé, na Paraíba. Magalhães & Silva concluem ser um processo de assimilação
progressiva (c[ç]l[E]ra, ab[ç]b[ç]ra), que embora seja pouco comum no português, está
37
relacionado com a excepcionalidade das proparoxítonas. Silva atribui o processo ao
estilo formal.
Vieira (1994, 2002, 2009) investigou as vogais médias átonas nas sílabas
postônicas e afirma, em 2002, que a assimetria do dialeto carioca na sílaba postônica
não final não se aplica aos dialetos do Sul. A autora parte da hipótese de que o
vocalismo átono do português é formado por cinco vogais, independentemente de qual
seja a sílaba não acentuada. As diferenças entre essas posições seriam uma questão de
frequência de uso: no Sul, por exemplo, a manutenção das médias seria significativa
tanto na articulação anterior como na posterior. A autora também considera que há
situações em que /o/ pode não altear, como nas palavras cóc[o]ras e ânc[o]ra, enquanto
em outros isso é possível (abób[u]ra, fósf[u]ro). Da mesma forma, haveria contextos em
que /e/ passaria a [i] (núm[i]ro, prót[i]se, cóc[i]gas) e outros em que se manteria
(vésp[e]ra, cát[e]dra, vért[e]bra). Para ela, tais possibilidades parecem indicar que o
ambiente fonético determina a elevação ou não da vogal.
A autora não mudou a sua visão desde 1994, quando, em sua dissertação de
mestrado, encontrou índices de alteamento neutros e semelhantes para ambas as vogais
médias postônicas não finais. A variável posição da sílaba indicou, na postônica não
final das proparoxítonas, peso relativo de .48 para o alteamento de /o/ (56% dos casos) e
de .47 para o alteamento de /e/ (13% dos casos). Vê-se percentualmente que a vogal
posterior tende a altear significativamente mais que a anterior também na Região Sul,
mas, em comparação com as outras posições átonas, os índices indicam que a sílaba
postônica não final atua indiferentemente para as duas.
Vieira afirma que: “conforme os dados estatísticos, a posição átona não-final
tende a portar-se como neutra em relação à elevação da vogal média. Este resultado para
a vogal /o/ é contrário ao descrito pela literatura para esta posição” (VIEIRA, 1994:68).
Em outros momentos, a autora é veemente ao afirmar que a proposta assimétrica
mattosiana não se aplica aos dialetos sulistas, mas admite que existe tendência à
elevação de /o/, comprovada pela literatura e legitimada pela extrema atonicidade da
posição:
38
Espera-se, portanto, que a posição não final seja favorecedora da elevação de /o/, já que é considerada uma posição com baixíssima tonicidade. Estudos demonstram que dificilmente em posição postônica não-final, a vogal /o/ é realizada com plenitude. Em geral, em palavras do tipo abóbora e fósforo, a vogal /o/ postônica tende a elevar-se e a ser realizada como a labial /u/, mas em palavras como cócoras e fonólogo, esta tendência nem sempre se confirma. (VIEIRA, 1994:68-69)
Vieira (2002) realizou uma nova análise sociolinguística e chegou a resultados
que sugerem que o contexto fonético estaria relacionado ao alteamento na posição
postônica não final. O contexto precedente teria relação com o comportamento variável
de /e/ e /o/: a consoante labial favoreceria a elevação de /o/, segundo ela, provavelmente
por esses elementos compartilharem o traço de labialidade, e as fricativas s/z, o
alteamento de /e/, ao passo que outras consoantes coronais ajudam a preservá-la como
média. Os condicionamentos fonéticos apontados por Vieira, entretanto, no Rio de
Janeiro (DE PAULA, 2010) foram relacionados a determinados vocábulos frequentes na
fala fluminense, como se verá nesta tese, mas, como a manutenção das médias é uma
realidade mais evidente no Sul que no Rio de Janeiro, é provável que se verifiquem,
nessa região, comportamentos variáveis favorecidos por fatores linguísticos.
As pesquisas de Vieira indicam, em todas essas evidências, que o vocalismo
postônico não final dos estados do Sul não se assemelha ao proposto por Câmara Jr.
para o Rio de Janeiro. Nessa região, ele é simétrico e pode promover a neutralização
tanto entre as vogais anteriores /e/ e /i/ quanto entre as posteriores /o/ e /u/, a depender
do contexto fonético, ou ser preservado com ambas as vogais médias, caso não haja
favorecimento.
Bisol (2010), em seu artigo “A Simetria no Sistema Vocálico do Português
Brasileiro”, relaciona o processo fonológico de neutralização à simplicidade e à
simetria. Nesse artigo, que faz uma interpretação teórica do vocalismo átono do PB com
base nos resultados de Vieira (2002), novamente a autora defende que a assimetria
proposta por Câmara Jr para o contexto postônico não final na verdade é reflexo da
flutuação de dois quadros átonos, o de cinco elementos e o de três, que são simétricos.
Ademais, Bisol propõe que o vocalismo átono do português tende a apresentar
sistemas não marcados, que são simétricos e têm pouco elementos. Ao contrário, são
marcados sistemas assimétricos – como o possível quadro de quatro vogais postônicas
não finais – ou com muitos fonemas – como o quadro tônico de sete vogais. O menos
39
marcado é o quadro de três vogais, /i a u/, que, segundo a autora, é o mais simples e
frequente nas línguas do mundo (2010:50). Ainda assim, admite que a pauta flutuante
simétrica possa manter-se ainda em variação por muito tempo, principalmente por
existirem muitas proparoxítonas “técnicas ou de sentido específico de uso raro na fala
popular” (2010:48). Isso pode ser uma barreira para a mudança efetiva nessa posição.
Com base em Martinet (1964, apud BISOL, 2010), Bisol explica que “dado um
sistema com o mesmo número de fonemas na série posterior e anterior, as margens de
segurança são mais estreitas na série posterior do que na série anterior, o que pode
explicar em parte a diferença de comportamento entre as duas séries” (2010:46). Mais
uma vez, interpretou-se que a diferença no alteamento de /e/ e de /o/ tem respaldo em
um comportamento variável com motivações fonéticas.
Em suma, mesmo admitindo as concessões que possam legitimar a variação e a
instabilidade nesse contexto, para Bisol, caso seja atestada a existência de um quadro de
quatro elementos, ele seria apenas a etapa de um processo em desenvolvimento. Dadas
as motivações apontadas por ela, esta etapa pode persistir por muito tempo, como é o
caso da harmonização vocálica nas silabas pretônicas.
Ribeiro (2007) estudou o fenômeno na cidade de Belo Horizonte propondo um
estudo baseado no léxico, embora tenha realizado paralelamente um controle
sociolinguístico. A autora também verificou um comportamento diferenciado entre a
vogal anterior e a posterior. Observando cada vocábulo proparoxítono pontualmente, ela
concluiu que “o caráter difusionista vem de realizações sempre alçadas como abób[u]ra
ao lado das não alçadas, como vésp[e]ra, ambas cercadas por consoantes oclusivas
bilabiais e a líquida vibrante” (p. 40).
Os casos categóricos encontrados foram de alteamento para a vogal /o/
(búss[u]la, côm[u]do, Justinóp[u]lis, íd[u]lo, semáf[u]ro, símb[u]los e síndr[u]mes) e de
manutenção de /e/ (adúlt[e]ro, câm[e]ra, crisânt[e]mo, gên[e]ro, gên[e]se, óp[e]ra,
pálp[e]bra, paralelepíp[e]do, út[e]ro e vért[e]bras), o que mostra que o alteamento é
produtivo no âmbito de /o/ e encontra resistência em relação a /e/.
Nos casos de variação, a análise sociolinguística empreendida demonstrou serem
favoráveis ao alteamento de /e/ as variáveis indivíduo, formalidade versus
informalidade, velocidade de fala e item lexical. Já para o alteamento de /o/, foram
apontadas como favoráveis indivíduo, item lexical e formalidade versus informalidade.
40
À exceção da velocidade de fala (que também foi investigada em DE PAULA, 2010)
todas as variáveis selecionadas na análise de Ribeiro têm relação com fatores
extralinguísticos. Isso demonstra a relação estreita entre proparoxítonas, fatores sociais
e discurso.
Ramos (2009) demonstra que, no falar de São José do Rio Preto, o quadro
vocálico em posição postônica não final é de cinco vogais, tendo em vista que o
alçamento das médias apresenta caráter variável. Ela ressalta, entretanto, que se
observam indícios de mudança em progresso no que se refere à média posterior, que
tende a concretizar-se como [u], havendo, portanto, evidências de que se implementaria
nessa posição o quadro de quatro fonemas proposto por Câmara Jr.
No que se relaciona aos grupos de fatores que atuam para o alteamento das
médias em São José do Rio Preto, mostraram-se mais relevantes as variáveis consoante
precedente e consoante seguinte: consoantes com os traços [labial] e [dorsal] são as que
mais favorecem o alçamento da vogal /o/, enquanto as de traço [coronal], bem como /s/
e/ou /z/, consideradas em separado, são as que mais concorrem para o alçamento de /e/,
resultados semelhantes aos obtidos por Vieira (2002).
2.1.3 Na fala fluminense
A primeira etapa desta pesquisa, realizada em trabalho de investigação de
mestrado (DE PAULA, 2010), averiguou a variação na realização das vogais médias em
sílabas postônicas não finais, na fala culta e na fala popular do Estado do Rio de
Janeiro. O objetivo principal era descobrir se a vogal /e/, que tem retido o processo de
neutralização neste quadro, sustentando a assimetria apontada por Câmara Jr, mantém-
se na fala culta e/ou na fala popular fluminense, ou se os dados já indicam, nesta área
geográfica, a mudança sugerida por Bisol para o quadro de três elementos /i a u/.
Os resultados encontrados demonstram divergência no comportamento das duas
vogais, confirmando-se aspectos assimétricos desse contexto fonológico no dialeto
fluminense. A diferença no comportamento de /e/ e /o/ é motivada, em especial, por um
aspecto social, a escolaridade, como se verá detalhadamente nos capítulos a seguir.
41
A comparação entre o corpus APERJ e o NURC, únicos que apresentaram
variação na realização de /e/, ao contrário do PEUL, que foi categórico no alteamento da
vogal, reforça o que foi apresentado até aqui. Sendo o primeiro representativo da fala
popular e o segundo, da fala culta, foi fundamental contrastar a forma como o
alteamento é implementado, no contexto da vogal anterior, em cada variedade e
observar os fatores que o motivam ou não, justificando a assimetria encontrada na fala
culta. Mas, entre todas as variáveis controladas, a única efetivamente selecionada na
rodada APERJ X NURC foi a escolaridade. A aplicação da regra teve peso relativo de
0.737 entre os falantes com baixa escolaridade (APERJ) e de apenas 0.052 entre os de
nível superior do NURC, conforme exposto na tabela abaixo:
Tabela 1. Fator condicionador do alteamento da vogal média anterior postônica medial em corpora de fala culta e popular (NURC e APERJ).
Variável escolaridade – Corpora NURC e APERJ Fator Oco % P. R.
Ensino Superior 19/87 21,8% 0.052 Até o Primário 229/245 93,5% 0.737
Signif.: 0.000 Input: 0.836 Fonte: DE PAULA (2010:102).
Entre os falantes não cultos, representantes de uma variedade em que pressões
normativas têm menos força, a mudança de /e/ para /i/ parece estar em estágio mais
avançado, implementando o alteamento simetricamente em ambas as vogais médias, o
que comprova tendência à regularização do quadro em três segmentos fonológicos, /i a
u/, e à eliminação da assimetria na fala fluminense.
Concluiu-se que o sistema vocálico átono mais simples, /i a u/, é o preferencial
entre os falantes pouco escolarizados do Rio de Janeiro já nessa época, em
contraposição à proposta mattosiana para o vocalismo postônico não final do PB, que é
assimétrica. No trabalho, fica claro que a simplificação em três vogais tende a estender-
se a todos os falantes do Estado, mas ainda não era uma realidade entre os falantes
cultos antes da década de 70, aqueles que foram alvo da descrição de Câmara Jr.
Entende-se, então, que a assimetria verificada entre os falantes do NURC representa
uma instabilidade transitória e não natural, nos termos de Bisol (2010), motivada por
um fator social, a escolaridade.
42
Os dados investigados referem-se às décadas de 1970 e 1980, época da recolha
dos corpora NURC, APERJ e PEUL 80. Por isso, faz-se necessária a continuação da
pesquisa, em dados de fala da década atual, início do século XXI, para que se possa
verificar a persistência da assimetria ou a tendência de regularização em três fonemas a
favor das vogais altas. Assim, os resultados encontrados para os corpora de fala
fluminense na pesquisa realizada em 2010 serão rediscutidos com a ampliação dos
corpora considerados. Nas etapas desta tese, haverá a inclusão de dados do Projeto
Concordância RJ e PEUL 2000, recolhidos no início dos anos 2000.
2.1.4 Algumas questões
Colocam-se aqui algumas das principais questões a serem observadas no que
tange à constituição fonológica do vocalismo postônico não final na fala fluminense: o
caráter assimétrico da produção das vogais /e/ e /o/ e suas implicações fonológicas; e a
atuação de um fenômeno social nesse processo: a escolaridade.
2.1.4.1 O problema da assimetria
Os três trabalhos de cunho diacrônico comentados contribuem para melhor
compreender o processo de alteamento que atinge as vogais médias postônicas não
finais na atualidade. Eles demonstram haver, apenas a partir da época colonial,
diferenças de altura entre as médias posterior e anterior postônicas não finais, em função
dos aspectos articulatórios comentados: a percepção do /o/ reduzido seria facilmente
entendido como [u], enquanto a percepção de /e/ reduzido não seria associada a [i].
O trabalho de Naro (1973), em especial, apresentou uma possível origem para a
assimetria da neutralização nesse contexto. Para ele, a vogal média anterior sofreria, na
primeira metade do século XX (1938), alteamento no português, em sílabas iniciais e
finais de palavras, mas não em sílabas átonas não finais e não iniciais. Já a vogal média
posterior sofreria alteamento total, no século XVI, em todas as posições átonas.
43
Os estudos que buscaram caracterizar o quadro vocálico do português em outras
sincronias e a observação da fala culta e popular do Estado do Rio de Janeiro, assim
como de dialetos de outras regiões do Brasil, demonstraram que as vogais médias /e/ e
/o/ em contexto postônico não final apresentam comportamento divergente quanto à
tendência ao alteamento. Ao longo do tempo, a vogal posterior vem se mostrando mais
suscetível à mudança, enquanto a anterior ainda resiste como média na maioria dos
dialetos, embora também seja sensível ao alçamento. Assim, a depender da variedade,
pode-se ter, em contexto postônico não final, um quadro fonológico simétrico – de
cinco (/i e a o u/) ou três (/i a u/) vogais –, ou um quadro assimétrico de quatro vogais (/i
e a u/), como o possível resultado de um processo de mudança que persistiu na
variedade culta carioca ao menos até a década de 70.
Bisol (2010), que volta a tratar a questão reafirmando a falta de naturalidade de
um quadro assimétrico e postônico, defende que há, em português, flutuação nessa
posição entre duas pautas reduzidas de vogais, aquela com cinco e aquela com três
elementos. Dadas as motivações, fonética e lexical, apontadas por ela, esta etapa pode
persistir por muito tempo, como é o caso da harmonização vocálica nas silabas
pretônicas.
Por tudo isso, mesmo que os dados de fala fluminense na década de 70 tenham
apresentado diferença significativa entre o comportamento de /e/ e /o/, espera-se que,
com o passar do tempo, a assimetria se encerre e o processo de redução se estabeleça a
favor de /i/. Esta hipótese é a que se investigará em dados das duas últimas décadas:
caso o quadro de três elementos ainda não esteja implementado entre os falantes cultos,
espera-se encontrar indícios de novos estágios desse processo de mudança.
2.1.4.2 A questão da escolaridade
A pesquisa sociolinguística realizada por De Paula (2010) demonstrou ser o
nível de escolaridade a variável mais saliente para a compreensão do que ocorre na fala
fluminense: enquanto, na variedade culta, ainda se mantém o quadro assimétrico,
sugerido por Câmara Jr para o Rio de Janeiro da década de 40, na variedade popular,
parece já se ter instaurado o quadro simétrico de três vogais. Não se pode esquecer, no
44
entanto, de que o percentual de 21% de alteamento de /e/ é expressivo na variedade
culta e, aliado aos índices quase categóricos de alteamento em ambas as vogais na
variedade popular, sugere ser o registro de três vogais o preferencial para o contexto
postônico, seja ele final ou não final, como afirma Bisol.
A mudança para o quadro /i a u/ é, assim, uma tendência na fala fluminense em
geral e já uma realidade na fala popular. Pretende-se debater, sobre essa variedade, uma
hipótese, ainda não comprovada: o vocalismo postônico seria formado por três vogais
no Estado do Rio de Janeiro e, na sílaba não final, apenas a frequência de uso,
diferenciada entre os falantes não cultos e cultos, que de fato preferem manter a média
anterior, legitimaria a variação entre vogais médias e altas por questões normativas.
Para verificá-la, primeiramente será necessário considerar quem é o falante culto
do início do século XXI, foco desta pesquisa, em contraposição ao falante culto da
década de 70 (NURC-RJ), para os quais se encontraram os resultados comentados até
aqui. Com o aumento da oferta de vagas nas universidades e outros fatores que
promoveram a facilitação do ingresso às instituições de ensino públicas e particulares
nas últimas décadas – como o desenvolvimento da economia brasileira, a ampliação do
acesso à informação e aos bens culturais –, hoje os concluintes do Ensino Superior
podem apresentar perfis sociais muito diferentes de quarenta ou cinquenta anos atrás.
Como consequência, a noção de norma culta na sociedade atual não pode ser a
mesma noção do século passado, principalmente no que se refere ao prestígio social, e,
assim, os grupos sociais considerados nas pesquisas como representantes da fala culta e
da fala popular, por apresentarem ou não Ensino Superior, devem ser reavaliados no
contexto no século XXI. Ao mesmo tempo, nos termos de Preti (2003), a escolaridade
promove uma maior aproximação do falante com o texto escrito. No âmbito do tema
investigado neste trabalho, esse fator social pode ser claramente associado às
particularidades do grupo das proparoxítonas no português, que estão especialmente
relacionadas à modalidade escrita formal. Ainda assim, espera-se que a escolaridade do
falante não tenha, na primeira década do século XXI, o mesmo peso sobre a realização
das vogais médias postônicas não finais verificado no século XX, pois acredita-se que a
mudança esteja em fase final de implementação.
45
2.2 A aparente regularidade no português europeu
A investigação do vocalismo átono do PE demonstra que as vogais postônicas
não finais não podem ser tratadas isoladamente das outras posições átonas, já que o
vocalismo átono dessa variedade atualmente apresenta características similares em todas
as posições, sejam elas pretônicas ou postônicas. Sem fazer afirmações categóricas e
simplistas sobre o vocalismo do PE contemporâneo – principalmente porque são raros
os trabalhos que se propuseram a investigar a variação nas diferentes posições átonas –
é possível atestar, por outro lado, com a observação de diversos trabalhos descritivos
sobre o tema, uma grande similaridade no tratamento dado às vogais átonas,
principalmente nas duas posições postônicas. A sílaba postônica não final, foco desta
investigação, raramente recebe dos autores comentários diferenciados dos da postônica
final. Mesmo quando citadas, não são apontadas características específicas dessa
posição. Em alguns trabalhos, o quadro vocálico não final é atestado apenas com
exemplos que congregam, no mesmo rol, proparoxítonas e paroxítonas.
Em linhas gerais, o PB apresenta ainda expressiva variação na realização das
vogais médias /E, e, ç, o/ em posições átonas, enquanto no atual estágio do PE está
estabilizado o alteamento dessas vogais em [ˆ] e [u] (com raríssimos casos de
manutenção das médias, o que se se concentra principalmente no contexto pretônico),
ao lado de produtivo processo de apagamento. Como dito, de forma geral, os trabalhos
sincrônicos sobre o PE defendem que a redução nos contextos átonos existe hoje
indistintamente em todas as posições e isso pode ser tomado em conjugação com o que
está descrito nos trabalhos diacrônicos para que se compreendam os diferentes
processos de mudança sofridos pelas variedades brasileira e europeia do português após
o século XVI.
O comportamento similar nas sílabas átonas do PE atual é consequência de um
processo de redução vocálica que vem sendo observado desde antes do período colonial
e que, após a implantação do português no Brasil, seguiu diferentes caminhos nas duas
variedades, conforme já comentado. Observar como mudou o sistema do PE nos
últimos séculos auxilia a compreensão do processo de mudança pelo qual o PB passa
atualmente. Além disso, comparar as duas variedades na sincronia atual pode ajudar a
melhor esclarecer os fenômenos variáveis ainda atestados nas vogais do PB que já
46
foram estabilizados no PE e a refletir se, na primeira variedade, existe tendência de que
os quadros átonos se estabilizem, a exemplo da segunda, ou se a variação pode persistir
por ainda muito tempo.
Neste capítulo, pretende-se dar um passo nesse sentido, buscando compreender
um pouco melhor os fenômenos sofridos pelas vogais átonas portuguesas desde o
período da colonização do Brasil até os dias de hoje. Assim, investigam-se, em
trabalhos de cunho diacrônico, indícios de estágios anteriores do vocalismo do PE, nos
quais seja possível vislumbrar a variação entre vogais médias e altas postônicas mediais
e a fase final de implementação da mudança que tal variedade sofreu.
2.2.1 Entre os séculos XVII e XX
De acordo com o que foi discutido até aqui, é importante lembrar que o
alteamento de /o/ na sílaba postônica não final ocorreu no português já no século XVI,
conforme defende Naro (1973), mas, paralelamente, a resistência de /e/ é observável até
hoje no Brasil (pelo menos no nível fonético, em percentuais relevantes de realização de
[e]), enquanto em Portugal a realização como [ˆ] suplantou a vogal média anterior quase
categoricamente. Por outro lado, Naro não pôde afirmar se houve ou não alteamento da
vogal anterior em período anterior ao século XX em Portugal.
Um dos grandes desafios da investigação dessa mudança é a falta de fontes
posteriores ao século XVI e anteriores ao século XIX que ajudem a delimitar
historicamente quando se iniciou e quando se concluiu a implementação total do
alteamento e da posteriorização de /e/ em Portugal. Se a imprecisão histórica da
regularização da redução das vogais átonas no PE é uma dificuldade para quem se
dedica ao estudo do vocalismo do português, a incógnita é ainda maior quando se trata
da posição postônica não final e da observação de vocábulos proparoxítonos.
Marquilhas (2003a), que tem se dedicado ao estudo de fenômenos do português
em fontes produzidas por mãos inábeis especialmente no período citado, destaca que
47
está generalizada a convicção de que o caso brasileiro continua uma fonologia que era a portuguesa quinhentista, até porque os crioulos africanos de base portuguesa vêm arrumar-se ao lado do português do Brasil na manifestação do fenómeno da harmonização vocálica e na insubmissão à regra geral da redução. (MARQUILHAS, 2003a:1-2)
Obviamente, a autora está atenta aos progressivos processos de redução que o
PB tem sofrido desde a colonização, mas constata o fato de que ainda hoje é possível
encontrar no Brasil variantes conservadoras do vocalismo átono quinhentista.
Sobre o PE, Marquilhas aborda o processo de alteamento que atinge as sílabas
pretônicas do PE sem negligenciar os demais contextos átonos, que passam pelo mesmo
processo nessa variedade da língua. Ela sublinha e defende quatro fatores fundamentais
para a compreensão das mudanças sofridas pelo vocalismo pretônico, os quais também
ajudam a compreender os contextos postônicos: (i) o português antigo já apresentava
variação na realização das médias pretônicas porque algumas médias podiam se
harmonizar com o timbre alto da vogal seguinte; (ii) a redução geral do vocalismo
pretônico só pôde ser reconhecida com certeza “já está bem andado o século XVIII”
(2003a:2); (iii) “uma redução que hoje se apresenta sistematicamente integrada na do
vocalismo pretónico do português europeu é a das vogais átonas finais (e postónicas, no
caso das formas proparoxítonas)” (2003a:2-3); e (iv) é relevante o número de vocábulos
do PE atual em que as vogais pretônicas não se submetem à regra de redução.
Marquilhas defende que a mudança nas sílabas átonas, inclusive na não final, é o
resultado de uma mudança analógica que teve como estopim o alteamento nas sílabas
átonas finais – fenômeno que já ocorria em época medieval. Para Marquilhas, o item
(iv), a manutenção de vogais médias pretônicas em neologismos no PE, é indício dessa
hipótese, pois esta mudança, segundo a autora, acontece termo a termo e é lenta e
gradual, como já defendeu Kiparsky (1995), a ponto de ainda não alcançar hoje
vocábulos novos inseridos no PE: t[E]l[E]móvel, a contrapartida de t[ˆ]l[ˆ]visão e
t[ˆ]l[ˆ]fone, que já passaram por ele. Tal argumento, entretanto, não pode ser encarado
como um indício, visto que a maioria desses casos envolve formações compostas por
mais de um radical: telemóvel. Tais vocábulos, por serem recentes, ainda podem ser
48
interpretados dessa forma pelo falante, que lhes atribuiria um acento secundário, ao
contrário do que ocorre com termos já cristalizados, como telefone e televisão2.
De qualquer forma, através da conjugação dos fatos apresentados, Marquilhas
defende que a regularização da redução das átonas no PE ocorreu através de mudança
analógica, num processo em que a harmonização de vogais pretônicas – que, como dito,
era atestado já no português quinhentista – por analogia foi reanalisado como o processo
de elevação próprio das átonas finais e expandido para os outros contextos átonos, entre
eles o postônico não final.
A autora defende que, nos séculos XV e XVI, muitas palavras passaram a
apresentar vogais médias alteadas, fazendo com que coincidissem, então, termos em que
o /i/ pretónico já era subjacente, por motivos diversos, com termos que sofriam
harmonização vocálica. Essa realização inovadora das vogais médias pretônicas,
frequentemente com o traço alto, sincronizou-se articulatoriamente com a realização
alta já consagrada das átonas finais. Marquilhas defende que ambos os fenômenos
foram associados por analogia pelos falantes do PE ao traço prosódico que as duas
sílabas têm em comum: a atonicidade; e as diferentes motivações que o alteamento teve
foram neutralizadas na língua. Nas palavras da autora:
por reanálise do contexto átono final e do pretónico como contextos prosódicos simplesmente não acentuados, com vogais de duração inerentemente breve, puderam simplificar-se as regras que lhes aplicavam processos de elevação. (MARQUILHAS:2003a:5)
Por fim, conclui a autora que a regra de alteamento, previsível no contexto átono
final, foi se estendendo de forma casuística a todas as outras posições não acentuadas:
“O fenómeno ter-se-á então generalizado a todas as inacentuadas, mesmo as postónicas,
mas ao ritmo lento e à escala descontínua da analogia” (2003a:5). Com o termo
postônicas, a autora mais uma vez refere-se especificamente às sílabas postônicas não
finais.
Os motivos que principiaram a posteriorização do /e/ átono são obviamente
ainda mais obscuros que a sua datação. Marquilhas (2003b), entretanto, sugere que um
processo de dissimilação datado em documentos dos séculos XV e XVI (relegíosa,
2 Esta observação foi feita pela Professora Maria Antónia Mota, da Universidade de Lisboa, em contato pessoal.
49
relegioso, relegiosos, relegioso, rellegiosas) pode ter relação com o surgimento do
schwa [ˆ]. Ela afirma: “Estou aqui a assumir que esta dissimilação se deu apenas no
sentido velar, ganhando a vogal dissimilada o traço [+rec]; terá havido, portanto, a
aplicação de uma regra responsável pela realização de schwa”. Segundo ela,
paralelamente ao alteamento total das médias pretônicas, a dissimilação pôde continuar
agindo porque ocorre através de posteriorização e não de alteamento.
Ainda quanto à posteriorização para [ˆ], Marquilhas (1996) lembra que o schwa
é um som que não tem um correspondente gráfico especial e defende que a dificuldade
de se identificar na escrita a mudança /E, e/ > [ˆ] – ao tempo em que existe uma tradução
alfabética <u> para o alteamento /ç, o/ > [u] – tenha levado os investigadores,
especialmente Teyssier (1982), a concluir que o vocalismo anterior tenha se alteado
mais tardiamente que o posterior. Assim, este autor aponta datas diferentes para o
alteamento de /e/ e /o/ pretônicos: século XVII para /o/ e final do século XVIII para /e/,
proposta semelhante à de Naro.
Marquilhas (1996; 2003b) questiona e rebate a proposta de Teyssier
argumentando com dados produzidos por mãos inábeis (MARQUILHAS, 1996) que
indicam a redução e o possível apagamento de /e/ já no século XVII. Isso anteciparia
para um século antes a atestação do processo de alteamento das pretônicas e postônicas.
Observe-se o que diz Marquilhas (2003b):
O autor deste texto, de proveniência meridional (Portel), parece atribuir isomorfismo a esteragado, por exemplo, e a Caterina. Das duas uma: ou sincopava a pretónica desta última forma, articulando [kα’trinα], ao mesmo tempo que conservava o grupo consonântico de estragado, ou introduzia no grupo consonântico com vibrante, ao soletrá-lo, um [∂] epentético, vogal semelhante ao resultado da elevação do [e] pretónico da segunda sílaba de Caterina. (...) O recurso ao valor alto ou vazio de <e> não se limita todavia à transcrição de sílabas pretónicas. Nas postónicas reencontram-se exemplos paralelos aos mencionados, saídos quer de mão centro-meridional, Cõtera, outeras (Anexos III, Doc. II, Portel), foremos, seremos (Doc. XV, Lisboa), auisaremos (Setúbal), quer de mão setentrional, Coimbera (Doc. V, Vilar - Lamego). Para a posição final, contudo, já só se encontram formas com este emprego do <e> em textos da região centro-meridional: tangere (Doc. XII, Lisboa), martire (Lisboa) e alcasere (Doc. XIV, Alcácer do Sal). (...) Tomadas globalmente, o que estas formas das mãos inábeis parecem atestar é um estado de elevação do vocalismo átono, idêntico ao que hoje se observa nos dialectos do português europeu”3 (MARQUILHAS, 2003b: sem pág./digital)
3 Marquilhas usa o símbolo [∂] para representar [ˆ].
50
Os dados mostram a epêntese/paragoge da vogal e próxima a -r em todas as
posições átonas: esteragado, outera, tangere. Tais erros, como aponta a autora, podem
indicar a produtividade de uma correspondência vazia ou de um schwa nesses contextos
e ambos os casos são sinais de que o vocalismo anterior já sofria alteamento e queda.
A mudança que Marquilhas justifica como um processo de analogia, Naro
(1973) coloca como a extensão natural, no PE, de algumas regras já existentes antes da
transposição do português para o Brasil. Embora o foco desse autor não sejam os
últimos estágios de mudança sofridos pelo PE, ele propõe algumas mudanças ocorridas
na Europa, mas não no Brasil, após o século XVI. Segundo ele, a Regra 1 – que, como
explicado no item anterior, reduz a vogal posterior em todas as sílabas postônicas no
português – generalizou-se em Portugal para o contexto pretônico, em algum momento
de delimitação imprecisa, estabelecendo a Regra 2 (p.46):
(2) - baixo → [+ alto] // [+ acentuado] ... ––– ... # #
+ retraído (Leia-se: uma vogal média retraída torna-se alta, isto é, o torna-se u, tanto na
posição pretônica quanto na postônica.)
Com base nas considerações de Lindau (1813, apud NARO, 1973), ele sugere o
final do século XVIII e início do XIX como o período possível de implementação dessa
regra no PE. Lindau contrasta, na época citada, dois tipos de vogais médias, as claras e
as escuras, e apresenta exemplos de o tônicos – formóso e pó (form[o]so e p[ç]) –, que
são claros – e o átonos – Dunatu (D[u]nat[u]) –, que são escuros. Para a vogal anterior,
entretanto, ele só apresenta o e escuro no final das palavras, demonstrando que a
redução ainda não havia atingido esse contexto, paralelamente ao contexto posterior.
Sobre a vogal anterior, Naro apresenta regras opcionais para o seu alteamento na
sílaba pretônica. A única que se generalizou, em todos os continentes, segundo ele, foi a
regra α’, que previa a nasalização de /e/ pretônico em início de palavra e posteriormente
perdeu o traço de nasalidade, ocasionando apenas o alteamento como resultado (p. 48):
51
(4) - retraído → [+ alto] / # # ––––––
- baixo (Leia-se: uma vogal média não-retraída torna-se alta em posição inicial de
palavra.)
Segundo Naro, essa regra era um “uso sistemático” também no Brasil, de acordo
com as Normas de 1938.
As evidências de Naro sobre a mudança da vogal anterior átona no PE após o
século XVI encerram-se na sílaba pretônica. O autor diz que não existem dados
suficientes para tirar conclusões sobre a realização de /e/ em contexto postônico não
final em Portugal, ao contrário do que se encontra sobre o Brasil nas Normas para a
Língua Cantada. Da mesma forma, o autor afirma que as “vogais não-baixas não-
acentuadas” do PE sofreram uma redução geral para [´,uÙ], mas também não se
compromete em explicar as circunstâncias em que essa generalização ocorreu na
Europa.
Embora o período histórico em foco nessa seção não seja claro quanto à variação
vocálica do PE, existem indícios de que as variantes inovadoras [ˆ, u] e mesmo o
apagamento já eram produtivos em todos os contextos átonos desde o século XVII,
segundo as pesquisas de Marquilhas. Por outro lado, o marco indubitável do alteamento
regular das pretônicas /e, o/ seria o final do século XVIII, no testemunho de Teyssier.
Os dados sugerem que a regularização das átonas aconteceu paralelamente nas sílabas
pretônicas e postônicas não finais, mas essa hipótese dificilmente será esclarecida por
conta da escassez de registros de proparoxítonas nas fontes disponíveis. Entretanto,
como se verá a seguir no testemunho de Gonçalves Viana para o final do século XIX,
nesse período ainda coexistiam variantes médias altas na posição átona que aqui se
investiga, assim como em muitos contextos pretônicos. Por mais que não sejam
inquestionáveis, os indícios apontam que a regularização do vocalismo átono português
com a redução das médias a [ˆ, u] ocorreu muito recentemente.
52
2.2.2 Na atualidade
Como já foi dito, é consensual, nas descrições do sistema fonológico do PE
contemporâneo, que o vocalismo átono dessa variedade apresenta grande regularidade
fonética nas posições não acentuadas, com realização geral de quatro segmentos átonos
– [ˆ, i, å, u] – em qualquer posição, diferentemente do que ocorre no PB. Tal descrição
está claramente exposta em Mateus & Andrade (2000), mas também pode ser
encontrada em outros trabalhos que, eventualmente, especificam a sílaba postônica não
final, focalizada nesta pesquisa.
O trabalho de Mateus & Andrade indica a redução total de /e/ no PE
contemporâneo. Os autores preveem diferenças na concretização de /e/ nos dois
continentes, ao mesmo tempo em que assinalam convergência na concretização de /o/:
Português Europeu Português Brasileiro
[u] pérola [pE@R uuuu l å] [u] pérola [pE@R uuuu l å]
[ˆ] cérebro [s E@R ˆ̂̂̂bRU] [e] cérebro [s E@R eeee bRU]
Em um contexto de ausência de trabalhos sociolinguísticos que investiguem esse
e outros contextos átonos do PE, Mateus (1996c; 2001) apresenta um panorama dos
estudos sobre a língua portuguesa e debate as limitações das descrições feitas até então,
em comparação com outras línguas do mundo, ressaltando a importância do
desenvolvimento de pesquisas que se debrucem sobre o português em suas diversas
variedades. Mateus (2001) faz uma revisão dos estudos fonéticos já realizados sobre o
PE, desde as primeiras descrições fonéticas – atestadas na primeira gramática do
português, de Fernão de Oliveira (1536) – e a primeira descrição em conjunto do
sistema fonético do português – o de Gonçalves Viana (1883). O artigo destaca também
o papel fundamental das gramáticas históricas: “a partir do início do século 20 a
influência dos neogramáticos reconhece-se no surgimento de gramáticas históricas, hoje
clássicas, como as de José Joaquim Nunes e de Edwin Williams4, em que a
fonética/fonologia da língua portuguesa são tratadas na sua evolução histórica”
(2001:58-59). 4 Nunes (1919) e Williams (1938).
53
Essas fontes foram base para trabalhos mais específicos de fonética ao longo do
século XX, com foco especialmente nos dialetos (que resultaram nos ricos testemunhos
geolinguísticos do PE que existem hoje), seguidos, a partir da década de 50, do
desenvolvimento de um interesse por descrições do português contemporâneo no
âmbito da fonética acústica, e de uma preocupação com a interpretação linguística.
A primeira descrição do sistema fonológico do PE numa perspectiva
estruturalista, segundo Mateus, é de Jorge de Morais Barbosa (1965). No final da
década de 60, começaram a ser desenvolvidos os trabalhos no âmbito da fonologia
gerativa que até hoje estão em destaque nos estudos do PE contemporâneo.
Além de Mateus & Andrade (2000), outros trabalhos, como os de Gonçalves
Viana (1892), Guimarães (1927), Delgado-Martins (1975), Mateus & Delgado-Martins
(1982), Emiliano (2009), Ploae-Hanganu (1981), Barbosa (1988), Rodrigues (2001) –
que contrastou os dialetos de Lisboa e Braga – e Andrade (1996) – especificamente
voltada para o [ˆ], “e mudo” – apresentam descrições fonéticas das vogais portuguesas.
Em todos, é consensual que o vocalismo átono dessa variedade apresenta grande
regularidade fonética nas posições não acentuadas, com realização geral de quatro
segmentos átonos – [ˆ, i, å, u] – em qualquer posição.
Emiliano (2009) apresenta uma proposta de transcrição fonética para o PE
standart, com base na pronúncia culta de Lisboa, apresentando quatro segmentos
átonos, [i, ˆ, å, u], sem diferenciar os contextos átonos. Entretanto, ele exemplifica as
vogais na posição postônica não final: <i>: tráfico [»t Raf i ku] (p. 196); <e>: cárcere
[»kaRs ˆ Rˆ], célere [»s E… ˆ Rˆ], tráfego [»t Raf ˆ gu] (p. 198); <a>: ábaco [»ab åku], álamo
[»a… åm u] (p. 200); <o>: monótono [m u»nçt unu] (p. 201): <u>: lúgubre [»l ugubRˆ] (p.
202); demonstrando assim que sua proposta também se estende para esse contexto
específico.
Ploae-Hanganu (1981) discute aspectos fonéticos do vocalismo português,
revisando as propostas de autores como Lüdke (1952, apud PLOAE-HANGANU,
1981), Barbosa (1965), Viana (1892) e outros, e também faz a sua descrição. A autora
debruça-se brevemente sobre a sílaba postônica não final e prevê quatro vogais para
essa posição, tanto no PE quanto no PB: “Em posição átona não final, mas depois de
acento o número das vogais torna-se mais pequeno tanto no Brasil como no PE. Elas
54
são quatro: [i, e (´ - para o português de Portugal), α, u]”5 (p. 56). A diferença apontada
entre o quadro das duas variedades, mais uma vez, é a realização de [e] no Brasil e de
[´] em Portugal. Ploae-Hangaru exemplifica com: [α]: sábado [»s abαdu], lâmpada
[»lα)pαdα], plátano [»pl atαnu]; [´]: número [»num ´Ru]; [i]: pálido [»pal i du]; [u]: pérola
[»pERulα].
Barbosa (1988) propôs-se a comparar as descrições para a pronúncia do
português do final do século XIX feitas por Gonçalves Viana (1892 e outros) com a
pronúncia contemporânea (final do século XX). Ao autor interessava comparar os dois
momentos e verificar possíveis evoluções no sistema fonológico ou mudanças na
realização fonética. No âmbito do vocalismo, Barbosa explora amplamente as vogais
pré-acentuadas e menos as pós-acentuadas. Para estas vogais, ele faz comentários sobre
contextos adjacentes específicos, especialmente diante de determinadas consoantes, e
nenhum comentário geral. O autor elenca novas variantes fonéticas, sem acusar
mudanças no sistema.
Ele aponta, para o século XX, variantes com graus de abertura mais fechados
para a postônico diante de l e r (Aníbal, açúcar), além do [a7] descrito por Viana no
século XIX6; aponta também uma variante mais fechada, [ạ], que passou a concorrer
com [a7], nos plurais das formas em -r (açúcares). Já as vogais médias abertas [e7, o7],
indicadas por Viana nas sílabas finais travadas por r (éter, júnior)7 no século XIX,
permanecem nesse contexto, mas se estendem à sílaba postônica não final, ao lado das
variantes [´, u] (éteres, júniores)8. Assim, Barbosa registra as variantes altas que são
reconhecidas na literatura atual, [´, u]. Elas não são atestadas por Viana no final do
século XIX, como se comenta a seguir.
Viana (1892), ao exemplificar um contexto tónico, cita as proparoxítonas célere,
cérebro, Cérbero, as duas últimas transcritas foneticamente: “sérẹbro9, sérbẹro9 (p. 71).
5 O símbolo [´], usado neste e muitos outros trabalhos sobre o PE, foi convencionalmente substituído pelo símbolo [ˆ] nos trabalhos mais recentes e, portanto, ambos representam o mesmo segmento. Já [α] representa a vogal central não baixa [å]. 6 Viana usa o grafema a, sem diacríticos para representá-lo nesse contexto: açúcar (1892:68). 7 Viana usa è e ò para representá-los nessa situação: cạrátèr, cạdávèr (p. 72); ạ@lcuo $l (não há exemplos de proparoxítonas). 8 “[e 7, o 7], que se mantém na mesma posição, em sílaba final (éter, júnior), concorrem com [´, u] em sílaba não final (éteres, júniores), onde, generalizando-se rapidamente, tendem a suplantá-los” (Barbosa, 1988:361).
55
Também comenta a flexão singular > plural em cạdávèr > cadávẹres (p. 72) e abdómẹn
> abdómẹnes (p. 73). Para a vogal posterior, há apenas um exemplo eventual como os
anteriores, cómmo 9do9 (que indica uma redução maior de /o/ com relação a /e/), e nenhum
comentário específico9 (p. 71).
Assim, além do que apontou Barbosa, a sílaba postônica não final não mereceu
comentário específico de Gonçalves Viana, mas o seu testemunho, através dessas
transcrições, contribui ao apontar variantes não altas para a posição, [ẹ, ọ, o9]. Em outros
contextos átonos, Viana defende realizações como [i] e [u] para as vogais e e o, o que
demonstra que o autor atentou para um timbre perceptivelmente mais aberto nessa
posição. Embora alguns dos exemplos sejam de sílabas postônicas não finais que
derivaram de outras travadas por /R/ ou /N/ (cadáver, abdómen), outros sugerem que as
médias, mesmo se não fossem a realização comum de /e/ e /o/ postônico não final em
fins do século XIX, pelo menos ainda variavam com as vogais altas a ponto de serem
escolhidas para a descrição do autor.
Também é interessante que Viana descreva o grafema e como “a mais variável
das vogaes” (p. 70) e lhe atribua treze valores diferentes (com graus de abertura desde
abertos, é, até altos, i) enquanto o foi diferenciado em apenas seis valores (p. 78). Pode
ser um indício, embora vago, de que as vogais posteriores são mais suscetíveis a
reduções e neutralizações que as anteriores.
Descrever e compreender o vocalismo átono do PE envolve necessariamente
discutir os processos de apagamento sofridos pelas vogais reduzidas, próprias das
posições não acentuadas. A esse respeito, Mateus & Delgado-Martins (1982) iniciam a
discussão sobre o tema destacando que tal processo não é regular e que sua descrição
até o momento não havia sido satisfatoriamente realizada na literatura sobre essa
variedade do português. Elas desenvolvem, então, um teste de percepção a fim de
investigar a debilidade das vogais átonas [´] e [u] na cidade de Lisboa.
A metodologia de estudo desenvolvida pelas autoras demonstra que a percepção
das vogais por falantes portugueses pode ser um fator fundamental para o entendimento
do apagamento das átonas, complementarmente à observação de espectrogramas e
registros gráficos, que frequentemente demonstram uma variação de difícil descrição.
9 Na descrição de Viana, [ẹ, ọ] representam as vogais médias fechadas e o diacrítico em [o 9] indica enfraquecimento ou redução (1892:20).
56
Elas apontam que trabalhos anteriores já haviam atestado a tendência ao apagamento
das átonas, principalmente nas sílabas finais. Em conformidade com isso, as autoras
atestaram em seu trabalho que 11% das vogais do corpus, em sua maioria [´] e [u], não
foram detectáveis na análise acústica ao mesmo tempo em que esses dois segmentos se
mostram os menos intensos e menos longos entre as vogais orais.
O teste foi constituído de: (i) pares mínimos com alternância entre [´] e [u] em
posição final (tome x tomo) e em posição medial pretônica (decente x docente) em
contextos diante de todas as vogais do português; (ii) pares em que a presença x
ausência da vogal, diante de oclusiva + líquida, acarreta mudança de sentido e de
estrutura silábica (querer x crer, áspero x Aspro); e (iii) o par de palavras
terapia/trapista, a fim de testar se a vogal seria ou não percebida em palavras pouco
conhecidas e que, diferentemente das demais, não apresentam oposição distintiva
mínima entre si.
As autoras ressalvam que a reconstituição dessas vogais, além da realidade
acústica, envolve diversos aspectos do conhecimento linguístico do ouvinte, como por
exemplo a existência de apenas duas opções (decente X docente) ou várias (tome x tomo
x toma x tomem).
Os resultados apontaram que “não é sistemática a confusão perceptiva entre as
vogais átonas [´] e [u] quer se tenha em conta a posição da vogal na palavra (medial ou
final), quer se tenha em conta o contexto fonético (consoantes precedentes)” (p.123-
124). Não só o falante que produziu os estímulos realizou as supressões de forma não
sistemática (estímulos idênticos para vogais diferentes, estímulos diferentes para vogais
diferentes e supressões) como também os ouvintes realizaram trocas entre [´] e [u] em
porcentagens equivalentes, reconstituindo vogais que não ouviram.
As autoras acreditam ter levantado, com esses resultados, um indício em prol da
hipótese de que as vogais [´] e [u] são próximas fonética e fonologicamente. Reforça
essa ideia o fato de [´] e [u] confundirem-se entre si, mas manterem clara oposição
distintiva com a vogal [å].
A presença do par opositivo áspero x Aspro no inventário desse teste de
percepção, tendo sido elencado no mesmo rol dos pares de paroxítonos, demonstra o
tratamento indiferenciado, já comentado aqui, dado a vogais postônicas finais e não
57
finais pelos investigadores do PE em geral. O caso interessa especificamente ao tema
desta tese pois, ao mesmo tempo, os resultados demonstraram que os falantes
portugueses têm comportamento similar no âmbito das postônicas em geral: em 24
estímulos Aspro, os falantes responderam áspero, recuperando a vogal subjacente e
ratificando a produtividade do apagamento de [´] e a debilidade fonético-fonológica de
tal segmento nessa posição.
Embora seja consensual entre os autores que há regularidade fonética no
vocalismo átono do PE com quatro segmentos fonéticos (ao lado de algumas exceções
em contextos fonéticos específicos), conforme se apresentou aqui, não existe uma
amostra controlada específica que evidencie a realização das vogais médias postônicas
não finais nessa variedade para que se possam constatar as descrições fonéticas
encontradas na literatura. A unanimidade não se reflete no tratamento da estrutura
subjacente da língua e a atual configuração das oposições fonológicas do PE tem sido
alvo de diversas discussões teóricas, que serão apresentadas no capítulo 6, pois o valor
fonológico de [ˆ] é de difícil observação e definição. Observar tais aspectos fonológicos
do PE será importante também para relacioná-los aos aspectos fonológicos do PB.
58
3. ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
3.1 Princípios da Sociolinguística
A teoria sociolinguística variacionista prevê que a variação é inerente a todas as
línguas e considera a correlação entre fenômenos linguísticos, sociais e estilísticos,
partindo do princípio de que a língua é heterogênea, assim como é heterogênea a
comunidade de fala. Postulada por William Labov, que desenvolveu os principais
preceitos teórico-metodológicos dessa corrente em sua dissertação de mestrado (1962) e
sua tese de doutorado (1966), a Sociolinguística veio a se consolidar como uma vertente
da linguística em 1964, em um congresso realizado na Universidade da Califórnia.
Com o seu advento, a pesquisa linguística deixou de focalizar apenas a estrutura
da língua para observar sua relação com a sociedade que a usa e, assim, interessou-se
pela observação da língua em uso efetivo pela comunidade de fala, investigando-a como
um todo. Para tanto, ela pesquisa fenômenos em variação através do controle de
variantes linguísticas em competição (a variável dependente, opções linguísticas à
disposição do falante) e sua correlação com as variáveis independentes (conjunto de
fatores linguísticos e sociais que atuam simultaneamente, condicionando o uso de uma
variante em determinado contexto).
A sociolinguística prevê o princípio da heterogeneidade ordenada e, portanto,
não refuta o caráter estrutural da língua, mas, ao contrário, postula que os usos
linguísticos em variação apresentam sistematicidade. Com base nesse princípio, a teoria
busca entender a relação entre variação, intrínseca ao sistema, e mudança linguística e
assim as investiga, para descrever, sincrônica e diacronicamente, os processos de
mudança que uma língua sofre.
A sociolinguística revitalizou, então, o enfoque diacrônico, que havia deixado de
ser uma preocupação da escola estruturalista. Toda pesquisa baseada em seus princípios
busca responder aos principais problemas, levantados por Weinreich, Labov & Herzog
(2006, trad.), relativos ao tratamento da mudança: o problema da transição, o do
encaixamento, o dos fatores condicionantes, o da avaliação, e o da implementação da
mudança. Eles surgem da necessidade de compreender o funcionamento da língua
durante um período de transição. Como dizem os autores, “se uma língua tem de ser
59
estruturada para funcionar eficientemente, como ela funciona enquanto a estrutura
muda?” (2006:87). É por isso que a sociolinguística renega a homogeneidade da
estrutura e considera que a língua está em constante mudança, estruturada pela
heterogeneidade ordenada.
Dados controlados segundo a perspectiva variacionista demonstram que um
processo de mudança não é imediato: duas ou mais variantes permanecem em
competição por um longo período de tempo, até que uma ocupe completamente o
espaço da outra. Essa e muitas outras questões relacionadas com o problema da
transição e com o problema do encaixamento até hoje não estão plenamente
respondidas, mas é fundamental o entendimento de que uma mudança efetiva da
estrutura atinge indiscriminadamente toda a comunidade de fala, não ocorrendo apenas
no nível individual ou familiar. Além disso, um processo de variação e mudança
também nunca é isolado de outros, pelos quais a estrutura da língua passa
simultaneamente. Qualquer mudança estará encaixada no sistema como um todo,
nenhuma acontecerá isoladamente, mas relacionada a outros fenômenos da estrutura da
língua. Por outro lado, para Weinreich, Labov & Herzog, um sistema não se transforma
totalmente, ao contrário, apenas alguns elementos se transformam e de forma gradual.
As variantes em competição podem ser contínuas ou discretas, mas, neste caso, os
índices de frequência apresentam alguma gradação.
Por tudo isso, uma mudança é encaixada na estrutura linguística e também
encaixada na estrutura social, mas o encaixamento social não ocorre sempre da mesma
forma, porque, apesar de os fatores sociais pesarem sobre todo o sistema, os seus
elementos não têm a mesma significação social. Assim, os fenômenos linguísticos são
encaixados de forma desigual na comunidade de fala, principalmente no início e no fim
do processo de mudança, quando fatores sociais podem agir com pouca força. Os
autores consideram que uma mudança se inicia quando um elemento em variação se
propaga em um subgrupo específico da sociedade e se fortalece quando assume um
determinado valor social relacionado a tal grupo. Depois que a mudança está encaixada
no sistema, ela se espalha gradualmente. Essa generalização é lenta, gradual e
frequentemente influenciada por fatores da estrutura social. Por isso, um processo quase
concluído pode apresentar um aumento significativo da consciência social da mudança e
60
o surgimento de um estereótipo. No fim da implementação da mudança, entretanto, a
forma que se tornou constante é esvaziada de qualquer significação social.
O problema da avaliação é extremamente importante, pois o nível de
consciência social tem relação direta com o desenvolvimento desses processos. Como
bem lembram os autores, “para algumas variáveis, o nível de consciência social é tão
elevado que elas se tornam tópicos salientes em qualquer discussão sobre a fala” (p.
119).
Ainda sobre a atuação de fatores sociais no início de um processo, considera-se
também a impossibilidade de uma variável que estabeleça um estereótipo social,
estilisticamente estratificada, tornar-se uma variável não marcada. O problema dos
fatores condicionantes envolve a delimitação de um conjunto geral de
condicionamentos, linguísticos e sociais, que inclua as mudanças possíveis de acontecer
em determinada língua. Para tanto, a teoria conta com trabalhos de pesquisa que
investiguem de forma detalhada o maior número possível de fenômenos.
Weinreich, Labov & Herzog afirmam, por exemplo, que vários estudos parecem
indicar que, quando um sistema de dois fonemas entra em contato e está em variação
com um sistema de apenas um desses fonemas, a tendência geral é que a mudança
aconteça em favor do sistema de apenas um elemento fonológico. No fenômeno da
redução de vogais átonas no português, já está clara essa tendência, vislumbrada nos
processos de neutralização, entre médias e/ou médias e altas, já concluídos ou em
andamento nas variedades do português. E é por isso que se considera sensata a
proposta de Bisol (2003), já citada, para a simplificação do quadro vocálico aqui
focalizado: estando em concorrência um sistema de cinco fonemas – /i, e, a, o, u/ – e um
sistema de três – /i, a, u/ –, é provável que a concorrência entre cada dois se regularize
em um – /e, i/ > /i/; /o, u/ > /u/ – vencendo o quadro mais simples, de três elementos.
Sobre os condicionamentos sociais que atingem a estrutura linguística, agindo
sobre os processos de mudança, cabe aqui discutir o papel da escolaridade e o grau de
avaliação pelos falantes das variáveis em competição, no que se considera
hipoteticamente ser o estágio final da mudança que atinge o quadro vocálico estudado.
Em Principles of linguistic change (1994), Labov discute métodos de
investigação da mudança linguística, propondo que ela seja estudada em tempo aparente
e em tempo real.
61
O estudo em tempo aparente consiste na observação de dados de fala
sincrônicos, controlados com base nas faixas etárias, e considera a hipótese de que o
falante estabiliza o seu idioleto durante a juventude, por volta dos 15 anos de idade, e o
mantém por toda a vida. Assim, um falante, por exemplo, de 56 anos, em 2015,
representaria as variantes de sua comunidade de fala em uso há aproximadamente
quarenta anos atrás. Através da comparação com os grupos etários mais novos, seria
então possível visualizar processos de mudança em andamento, ao observar variantes
mais conservadoras e mais inovadoras que estão coexistindo em um mesmo momento
na língua. Essa foi a metodologia explorada na primeira etapa desta pesquisa (DE
PAULA, 2010), através do controle e da análise das faixas etárias em dados recolhidos
nas décadas de 1970 e 1980.
O estudo em tempo real, ao contrário, prevê uma amostra contrastiva entre dois
momentos diferentes, para, com base em índices de frequência, observar se uma
variante está tomando o espaço da(s) outra(s) com o passar do tempo. Com esse
método, pode-se cogitar, com maior ou menor precisão cronológica, o início e/ou o final
de uma mudança.
O estudo em tempo real de longa duração prevê uma investigação a longo prazo
e ela passa pela dificuldade de encontrar e analisar documentos escritos de séculos
passados. Labov levanta as diversas dificuldades enfrentadas pelo pesquisador na
investigação da mudança através dessa estratégia, especialmente nos estudos de fonética
e fonologia anteriores ao século XX, afirmando que a investigação linguística histórica
é “a arte de fazer bom uso de maus dados” (1994:45). Apesar das grandes dificuldades
enfrentadas nesse tipo de estudo, destaca que ele é imprescindível, principalmente para
verificar o momento em que uma variante passa a ser utilizada na língua e o momento
em que desaparece. Para o autor, a investigação a longo prazo também é fundamental
para identificar a regularidade de princípios que sempre atuam na variação e na
implementação da mudança, em diversos momentos da evolução de uma língua.
Embora não existam trabalhos em tempo real de longa duração que tenham
focalizado especialmente as vogais postônicas não finais em português, a investigação
bibliográfica empreendida no capítulo 2 buscou arrolar informações recolhidas de
trabalhos diversos de fonologia histórica, com o objetivo de mapear, da forma mais
62
clara possível, os estágios de mudança pelos quais esse quadro vocálico passou desde o
período colonial nas duas variedades do português investigadas.
A observação em tempo real de curta duração pode ser empreendida através do
estudo de painel e do estudo de tendência. Segundo Labov, uma distância de
aproximadamente 18 anos, equivalente ao curso de uma geração, é o mínimo necessário
para que se verifiquem comportamentos linguísticos diversos entre duas sincronias, não
só no estudo de tendência, como também no de painel.
No estudo de painel, investiga-se a fala dos mesmos informantes em dois
momentos distintos da vida, o que torna possível (i) obter dados do idioleto de cada
falante em duas faixas etárias diferentes e assim registrar as mudanças ocorridas ou a
estabilidade das variantes investigadas no nível individual e (ii) verificar a possibilidade
de generalizar os resultados encontrados para todo o grupo social.
Já o estudo de tendência compara a fala de informantes em um momento
histórico com a fala de outros informantes em um momento posterior, com base em
dados levantados segundo os mesmos critérios teórico-metodológicos da
Sociolinguística: mantém-se o tipo de entrevista, o recorte geográfico e social dos
informantes, entre outros procedimentos. Assim, os falantes comparados têm o mesmo
perfil social, mas não são as mesmas pessoas e a amostra pode então servir para
verificar alterações no comportamento da comunidade de fala, mostrando se a mudança
está sendo implementada de modo generalizado10.
Nesta tese, empreende-se uma investigação em tempo real de curta duração em
um estudo de tendência que irá comparar as décadas de 1970 e 1980 com os anos 2000,
através do controle de corpora com características teórico-metodológicas semelhantes.
Isso permitirá constatar novos estágios de mudança ou persistência na realização de
vogais médias em sílabas postônicas não finais no âmbito da fala fluminense.
3.2 Princípios da Fonologia de Uso
Como explicam Cristófaro-Silva e Gomes (2004), tanto a Fonologia de Uso de
Bybee (2002, 2003) quanto a Fonologia Probabilística de Pierrehumbert (2001) 10 Para uma explanação mais detalhada a respeito dos estudos de tempo aparente e tempo real e de outros princípios da Sociolinguística aplicados nesta pesquisa, conferir De Paula (2010).
63
defendem a multirrepresentacionalidade das unidades linguísticas, organizadas segundo
parâmetros específicos. As duas perspectivas relacionam-se com a Teoria dos
Exemplares (Bybee, 2001; Pierrehumbert, 2001), que compartilha os mesmos princípios
básicos.
As autoras fazem um histórico das correntes de estudo fonológicas das últimas
décadas, contrapondo esta visão multirrepresentacional às correntes tradicionais, que
sempre observaram a Fonologia e a Fonética separadamente. Assim, para elas, o
Modelo Fonêmico, o Estruturalismo, a Fonologia Gerativa, a Fonologia Lexical e
Autossegmental e a Teoria da Otimalidade são todas representações tradicionais que,
independentemente de suas particularidades, procuram investigar a gramática
internalizada, o conhecimento implícito do falante e apresentam um modelo de
representação única.
Por outro lado, os modelos mais modernos, vistos em Bybee e Pierrehumbert,
consideram a gradualidade dos processos fonéticos como inerentes ao sistema. Elas
propõem “um modelo em que a variação e a mudança não são externas ao léxico e à
gramática, mas inerentes a eles” (BYBEE, 2002:287)11. Processos de assimilação de
traços entre segmentos contíguos, por exemplo, relacionam-se, de forma gradual, com a
representatividade das unidades linguísticas na gramática.
Anteriormente, a Teoria da Otimalidade buscou explicar os casos de sequências
sonoras não previstas no modelo subjacente, segundo uma proposta de violação de
restrições. Cristófaro-Silva e Gomes a consideram um avanço importante no caminho
do assentimento de que a gramática prevê mais de uma representação fonológica, mas
destacam vários problemas envolvidos nessa teoria, como o caráter inato das restrições,
seu ranqueamento, as representações de input e output, os casos de opacidade e a
questão da variabilidade inerente às línguas (p. 156), questões que notadamente já foram
alvo de críticas e amplamente discutidas no meio linguístico. Tal teoria explica a
variação como resultado de ranqueamentos diferentes para as restrições na gramática de
cada falante, mas esta proposta apenas dá conta da variação entre dialetos e não abarca a
variação intradialetal ou mesmo individual. Além destas questões, as demais propostas
tradicionais, em conjunto, também deixaram alguns problemas em aberto como:
11 “I have proposed a model in which variation and change are not external to the lexicon and grammar but inherent to it” (Bybee, 2002:287).
64
(i) o problema da representação fonológica (p. 159), que normalmente não
é compatível na relação morfologia-fonologia, pois, muitas vezes, o
modelo de representação é a palavra e, muitas vezes, o morfema,
segundo segmentação morfológica assistemática;
(ii) o problema da implementação lexical (p.160), que envolve os casos
não categóricos em que não fica definido se a regra em questão é
aplicável a todos os itens lexicais ou não;
(iii) o problema da organização das representações fonológicas (p. 160),
que diz respeito à falta de associação e interação entre as formas
linguísticas subjecentes, segundo tais teorias, enquanto é clara e
relevante a relação morfológica e semântica entre as unidades
linguísticas; e
(iv) o problema da potencialidade das regras e restrições (p. 161), pois
tais teorias apresentam regras que nunca foram verificadas nas línguas
naturais, ao tempo em que, se é uma regra postulável, teoricamente,
ela deveria ser encontrada.
Como explicam Cristófaro-Silva e Gomes, as teorias funcionais defendem que o
conhecimento linguístico seja baseado no uso e gerenciado por redes de conexões
probabilisticamente condicionadas – e não o resultado de um mecanismo inato
dissociado da prática da linguagem, conforme preveem as teorias tradicionais. As
autoras renegam também as categorias discretas e destacam o caráter redundante das
representações linguísticas, que são categorizadas de forma gradual. Ou seja, ao invés
de existir apenas uma representação para cada item fonológico, as teorias atuais
propõem um modelo multirrepresentacional, no qual a estabilidade é gerenciada por
índices probabilísticos estabelecidos através do uso por comunidades de fala.
Elas resumem que Bybee (2001) considera as regularidades e similaridades
encontradas no uso como o referencial de armazenagem do material linguístico. Como
consequência, essa perspectiva tem por pressuposto que as palavras e estruturas
sintáticas cristalizadas pelo uso são as unidades linguísticas, e não os morfemas. Elas
formam uma rede de conexões, na qual a ativação de uma palavra também ativa outras
com sequências fonéticas semelhantes.
65
Esse princípio é compartilhado pelas perspectivas da Fonologia do Uso, da
Teoria dos Exemplares e da Fonologia Probabilística e, embora apresentem
dissemelhanças, todas são consideradas teorias multirrepresentacionais. Segundo esses
modelos, teoricamente, todas as ocorrências de uso são estocadas na gramática, o que
exige mais memória do que preveem as teorias tradicionais. Por outro lado, estudos de
psicologia atuais (apud Bybee 2001) têm demonstrado que a memória humana é muito
mais extensa do que se imaginava antes. Além disso, o armazenamento de todas as
ocorrências é o que permite a formação dos protótipos ou exemplares. Em suma, toda
abstração é resultado da comparação entre as muitas unidades.
Uma característica da rede de conexões entre as palavras é o seu caráter
dinâmico. Ou seja, as unidades não são mais vistas como inatas, mas emergentes dos
movimentos articulatórios e por isso estão em constante atualização.
Consequentemente, as próprias limitações fonotáticas da gramática são definidas pelas
generalizações do léxico.
Segundo os autores que defendem esta teoria, a estocagem do conhecimento
linguístico tem como parâmetro primordial a frequência. Isso e o fato de o trato vocal e
a estocagem neural terem propriedades universais são fatores que explicariam as
semelhanças entre as línguas, e não o inatismo da estrutura, como defendem as teorias
tradicionais.
Na perspectiva funcional de Bybee, o vínculo entre a frequência de tipo e a
frequência de ocorrência – que são intrinsecamente relacionadas – é fundamental para a
mudança linguística e sua compreensão poderá ajudar a solucionar os problemas
herdados das teorias tradicionais.
A frequência de ocorrência, por um lado, faz com que as mudanças
foneticamente motivadas se implementem com maior velocidade em itens mais
frequentes; por outro, ao contrário, nos casos de analogia e generalização fonológica, as
palavras mais frequentes são mais resistentes. Cristófaro-Silva e Gomes exemplificam o
último caso com o fenômeno do plural metafônico em pares como “ovo/ovos” e
“sogro/sogros”, lembrando que, quanto ao segundo vocábulo, a sua baixa frequência
não fornece aos falantes um modelo de aprendizagem para a abertura da vogal no plural
(“s[ç]gros”). Já o primeiro vocábulo é fonte de aprendizagem do plural irregular
(“[ç]vos”) por ser um item lexical altamente frequente.
66
A frequência de tipo é fundamental na produtividade de padrões estruturais que
servirão de modelo para novas formas. É o caso da primeira conjugação dos verbos em
português, que é altamente frequente no léxico (“comprar”, “falar”, “amar” etc.) e serve
de modelo para as formas emergentes (“deletar”, “xerocar”, “plugar”).
Assim, a Fonologia de Uso prevê que a mudança esteja integrada à estrutura, ao
contrário das primeiras teorias fonológicas que sempre foram alvo de críticas nesse
aspecto. As representações emergem estabelecendo gradualmente mudanças fonéticas e
lexicais na medida em que as ocorrências de uso mudam. Segundo o modelo da
Fonologia de Uso, a mudança é foneticamente gradual e lexicalmente gradual, em
alternativa à proposta neogramática e à da difusão lexical. Este modelo é afim à
proposta laboviana, pois defende que a mudança é inerente à linguagem e prevista na
estrutura da língua.
A proposta geral desta perspectiva teórica, apresentada por Cristófaro-Silva e
Gomes, pode ser aprofundada aqui com a apreciação de Phonology and Language Use
(2001), onde Bybee discute a relação entre o uso das formas linguísticas e o seu
processamento e armazenamento, em especial no nível fonológico, que interessa para
esta pesquisa. Nessa obra, a autora demonstra evidências de que observar e
compreender a estrutura linguística envolve muito mais do que a própria estrutura e,
portanto, sugere que as correntes de estudo atuais, entre elas as fonológicas, necessitam
ampliar a perspectiva sobre a linguagem, considerando que certos padrões, palavras ou
frases podem causar impacto na estrutura.
Sobre isso, Bybee recorre novamente a estudos que consideram aspectos
psicológicos da categorização natural, seja categorização de ordem linguística ou não.
Eles indicam que a forma como o ser humano categoriza as informações não se baseia
na presença ou na ausência de determinadas características, mas na comparação de
características que cada item compartilha com o elemento central de uma categoria que
os une. Os participantes de uma categoria não necessariamente apresentam todas as
propriedades que a caracterizam, mas serão nela mais centrais (mais prototípicos) ou
mais marginais (menos prototípicos) a depender da quantidade de traços que apresentam
em comum com o elemento que melhor a representa, ou seja, o elemento mais central,
determinado pela frequência de uso.
67
A primeira possibilidade de interpretação comentada, que caracteriza os
elementos pela presença ou não de traços discretos, relaciona-se com teorias fonológicas
anteriores às teorias multirrepresentacionais. Esta perspectiva multirrepresentacional,
mais atual, considera o caráter dinâmico da estrutura. Diz a autora que “a ênfase na
língua sincrônica e estática como objeto de estudo tem dado lugar a uma visão de língua
lenta, gradual, mas inexoravelmente mutável, sob as forças dinâmicas da língua em uso”
(2001:06) 12.
Bybee busca em Lindblom et alii (1984, apud Bybee, 2001) a premissa
fundamental desse processo: a repetição de determinadas propriedades básicas promove
a emergência da estrutura. Ela argumenta com exemplos do léxico e da morfologia,
dizendo que psicolinguistas atestaram que palavras muito frequentes são mais
rapidamente acessadas no processamento mental que palavras de baixa frequência, além
de citar trabalhos nos quais formações morfológicas irregulares demonstraram tendência
a se manter irregulares quando apresentam frequência muito alta (conforme exemplo de
Cristófaro-Silva e Gomes, acima comentado, sobre o plural “ovo/ovos”).
A partir destas considerações iniciais, a autora apresenta alguns princípios
fundamentais do modelo baseado no uso, que podem ser estendidos ao campo da
fonologia e estão resumidos a seguir:
1. A experiência afeta a representação: O uso de formas e padrões afeta suas
representações na memória. Unidades mais frequentes são mais facilmente
acessadas e dificilmente sofrerão alterações por analogia, ao mesmo tempo
em que unidades de baixa frequência podem se enfraquecer e ser perdidas.
2. Representações mentais de unidades linguísticas têm as mesmas
propriedades de representações mentais de outros objetos: O cérebro opera
da mesma forma em diferentes domínios e em nenhum deles as propriedades
de um objeto podem ser dele isoladas, sob pena de este se tornar
irreconhecível.
3. A categorização é baseada em identidade ou similaridade. A categorização
organiza o armazenamento de percepções fonológicas e estas podem ser
12 “(…) the emphasis on the static, synchronic language as the object of study has given way to the view of language as slowly, gradually, but inexorably mutating under the dynamic forces of language use” (Bybee, 2001:06)
68
igualmente observadas em diferentes situações, como a relação que se pode
estabelecer entre fones similares que figurem em palavras diferentes, seja em
um mesmo contexto ou em contextos diferenciados.
4. Generalizações sobre as formas não são separadas da sua representação
armazenada na mente do falante, mas emergem diretamente das próprias
formas. As generalizações são feitas com base em similaridades fonéticas ou
semânticas entre as unidades e outras formas novas poderão ser produzidas
com base nessas já existentes.
5. A organização lexical fornece generalizações e segmentações em vários
graus de abstração e generalidade. Como os elementos linguísticos surgem
de relações promovidas pelas similaridades, o armazenamento é
extremamente redundante e, assim, os esquemas podem ser verificados com
o mesmo padrão em diferentes graus de generalização.
6. O saber gramatical é um saber procedimental. O conhecimento linguístico,
em geral, é prático e procedimental, visto que o falante consegue produzir
automaticamente uma sentença em sua língua, sem ser capaz de explicar sua
construção ou elencar suas características. A visão tradicional da fonologia
muda a partir desta perspectiva, deixando de ser vista como um sistema
essencialmente abstrato, mas parte de um processo de produção e
interpretação das construções linguísticas.
Bybee defende, também com base em pesquisas de autores como Haiman, que a
repetição promove convenções que ultrapassam o nível individual e ganham força na
representação lexical, criando modelos facilmente acessíveis. Ela cita como exemplo as
respostas-padrão de situações sociais comuns, como um cumprimento ou
agradecimento. A repetição, por outro lado, além de promover emancipações de formas
linguísticas da sua função original, comumente também promove reduções de sentido
das expressões linguísticas, muitas vezes acompanhadas de reduções fonológicas.
Assim, o que Haiman demonstra no nível sintático, Bybee afirma que pode ser aplicado
também na fonologia e isso exige que se investigue a relação entre a repetição de
unidades e a estruturação de padrões fonológicos, inerentes à representação lexical.
69
Nessa obra, Bybee observa a importância da frequência de tipo e da frequência
de ocorrência, já comentadas, no nível fonológico, e a relação dinâmica entre a
produtividade das formas e os processos de mudança. A frequência de ocorrência tem
dois efeitos opostos na fonologia (assim como na morfologia):
(i) A mudança fonética regular progride mais rapidamente em itens com alta
frequência de ocorrência. É o caso de mudanças sonoras regulares no
inglês, como o exemplo, citado por Bybee, da queda dos segmentos [t] e
[d] depois de consoante, fenômeno que é mais recorrente nas palavras
mais frequentes, como went, just e and.
(ii) Os fenômenos que envolvem padrões fonéticos irregulares são mais
resistentes nas formas mais frequentes, ou seja, mudanças que envolvem
analogia, baseada na análise de outras formas, ocorrem mais facilmente
em itens menos frequentes. Isso ocorre porque os itens irregulares mais
frequentes tornam-se centrais no armazenamento, o que os torna
lexicalmente mais fortes e menos influenciáveis pelo padrão de
regularidade. Já os itens menos comuns são facilmente associáveis às
formais regulares, que são uma referência mais forte que eles. No
português, já se comentou o caso do plural metafônico; em inglês, Bybee
cita a resistência do passado irregular nos verbos keep (>kept) e sleep
(>slept), que são muito frequentes, ao tempo em que a regularização
atinge mais facilmente os casos de weep (>wept), creep (>crept) e leap
(>lept), que tendem a se regularizarem em weeped, creeped e leaped.
Já a frequência de tipo, como foi dito, envolve a produtividade de um padrão
que poderá ser aplicado a novas formas, em diferentes contextos. Quanto mais itens
apresentarem o mesmo esquema, maior será a frequência do tipo e mais forte ele se
tornará. A autora afirma que, no sentido em que a frequência de tipo se baseia no
número de itens diferentes que apresentam um determinado padrão, no nível fonológico
ela pode representar a força de padrões fonotáticos, acentuais etc., no escopo da palavra.
Pode-se concluir que a proposta da Fonologia de Uso para o processo de
mudança fonológica envolve as relações intrínsecas existentes (i) entre a frequência de
70
uso e a estrutura; e (ii) entre o léxico e sua constituição fonética. Sobre a segunda,
explica-se que, embora Bybee sobreponha a importância do uso ao ambiente fonético,
este não é desconsiderado no processo de armazenamento das formas, pelo contrário, é
fundamental na organização do léxico na estrutura. Afinal, segundo esta perspectiva, é
pelas similaridades de padrões fonológicos – e morfológicos – que o léxico é
armazenado no sistema. Nas palavras de Bybee:
o estudo da difusão da mudança fonética no léxico contribui para um melhor entendimento da natureza e das causas da mudança fonética. Mudanças que afetam as palavras mais frequentes primeiro são o resultado da automatização da produção, a sobreposição e redução comum de gestos articulatórios que surgem com a fluência. (Browman & Goldstein, 1992; Mowrey & Pagliuca, 1995). O forte direcionamento de tais mudanças indica que elas não são o resultado de variação aleatória, mas que elas surgem de processos de redução resultantes da repetição e da automatização da atividade motora. (Bybee, 2002:287)13
No âmbito das vogais postônicas não finais, pode-se considerar, com base no
que foi dito, a possibilidade de a repetição de uma determinada sequência fonética
estabelecer um padrão de mudança ou de resistência das vogais. Da mesma forma, um
esquema fonotático muito produtivo, seja em ocorrências gerais (frequência de
ocorrência) ou em vocábulos diferentes (frequência de tipo), poderia promover o
apagamento da vogal e estabelecer um padrão de mudança e redução acentual para
todas as proparoxítonas.
3.3 Procedimentos metodológicos
A metodologia de pesquisa sociolinguística conta com procedimentos para o
levantamento e o tratamento de dados de fala, os quais buscam controlar, tanto quanto
possível, a complexa relação entre língua e sociedade. O principal foco destes
13 “The study of the diffusion of sound change in the lexicon contributes to a better understanding of the nature and causes of sound change. Changes that affect high-frequency words first are a result of the automation of production, the normal overlap and reduction of articulatory gestures that comes with fluency (Browman & Goldstein, 1992; Mowrey & Pagliuca, 1995). The strong directionality of such changes indicates that they are not the result of random variation, but that they stem from reduction processes resulting from repetition and the normal automation of motor activity” (Bybee, 2002:287).
71
procedimentos visa minimizar o paradoxo do observador, nos termos de Labov (1972).
Esse problema surge porque a sociolinguística necessita que a língua seja observada em
seu contexto natural, mas o levantamento de dados depende de controle sistemático e é
realizado, principalmente, a partir da observação da fala em entrevistas ou questionários
pré-planejados. Labov lembra que tais dificuldades não são exclusivas da pesquisa
linguística, mas de toda ciência que visa a investigar fenômenos sociais.
O investigador deve estar atento aos cinco axiomas metodológicos que surgem
no levantamento de dados: (i) a alternância de estilo que acompanha as mudanças no
contexto de fala ou no assunto; (ii) o monitoramento do discurso, que pode ser
amenizado durante a entrevista; (iii) a busca pelo vernáculo, quando o falante está
pouco atento à sua fala; (iv) a formalidade do discurso, que, seja maior ou menor, nunca
está completamente neutralizada durante o inquérito; e (v) a procura por bons dados,
com boa quantidade, recolhidos sob os mesmos critérios metodológicos.
Labov estabelece uma divisão entre fala casual (casual speech) e fala
monitorada (careful speech). A fala monitorada é o discurso predominante na
entrevista formal, na situação em que o informante está atento a sua elocução, o
contexto formal. Segundo ele, o grau de espontaneidade e entusiasmo na fala
monitorada pode variar muito, o que nunca chega a configurar sua elocução como
casual. A fala casual, dificilmente encontrada pelo linguista, ocorre em contextos
normais de uso, o contexto informal, quando a preocupação com a fala é mínima. Ainda
que não figure durante o diálogo com o documentador, a fala casual pode ser encontrada
algumas vezes, durante as gravações, por exemplo, quando o informante se dirige a um
familiar, quando atende ao telefone etc.
Ao lado da fala casual e da fala monitorada, entretanto, Labov inclui uma outra
categoria de estilo passível de ser recolhido pelo investigador, que diz respeito aos
momentos em que o falante se encontra tão envolvido emocionalmente com o conteúdo
de seu relato que investe uma atenção mínima à forma como está falando: é a fala
espontânea. Como diz Labov, a fala espontânea “se refere ao padrão usado na fala
excitada, carregada de emoção, quando os constrangimentos de uma situação informal
são abandonados” (p. 111). Dessa maneira, o contexto formal apresenta dois estilos. o
monitorado e o espontâneo, e o contexto informal apresenta sempre o estilo casual.
72
Segundo o autor, a fala espontânea aparece frequentemente no decorrer do inquérito e
pode ser considerada um correlato da fala usual em contextos formais.
A análise variacionista realizada neste trabalho tem como base entrevistas do
tipo DID (diálogo entre informante e documentador). Nelas, o documentador
encaminha o diálogo, propondo ao informante temas de seu interesse ou de seu
cotidiano, incentivando sempre o envolvimento do falante com o tema, para que a
elocução seja o mais espontânea possível e o paradoxo do observador seja atenuado.
Uma característica que compõe o conjunto de dados analisados nesta tese diz
respeito aos estilos de fala nele representados. Nas entrevistas, há menor preocupação
por parte do falante com a elocução e nelas espera-se encontrar resultados mais
próximos da fala cotidiana. Além disso, será considerado um questionário aplicado para
o levantamento específico de proparoxítonas com vogal média postônica não final.
Neste tipo de levantamento, o indivíduo está mais atento ao seu discurso, já que o
modelo de perguntas e respostas imprime um caráter mais formal à situação de fala.
Além disso, o inquérito conta com trechos de leitura, que, pela especificidade semântica
das proparoxítonas procuradas, muitas vezes foram elaborados com uma linguagem
formal ou até mesmo técnica. Nesse tipo de levantamento, será possível vislumbrar a
realização das vogais estudadas em um situação discursiva em que o falante está mais
atento a sua fala e assim, o confronto entre os corpora permitirá comparar o
comportamento linguístico de indivíduos com perfis sociais semelhantes produzindo
estilos diferentes, a fala espontânea e a fala monitorada.
Na pesquisa sociolinguística, os informantes são escolhidos com base em
critérios bem definidos, propostos por Labov. Eles são selecionados aleatoriamente,
porém organizados de acordo com células controladas socialmente que conjugam
diversas variáveis sociais e caracterizam uma amostra aleatória estratificada. Se o
linguista controlar, por exemplo, homens e mulheres de três faixas etárias diferentes
(faixa 1, 2 e 3), ele deve preencher 6 células: homem – faixa 1; homem – faixa 2;
homem – faixa 3; mulher – faixa 1; mulher – faixa 2 – mulher faixa 3.
A análise de dados sociolinguísticos conta com o pacote de programas
VARBRUL, aqui em sua versão Goldvarb-X, que realiza a análise estatística de dados
através do cruzamento de variáveis sociais e linguísticas. O programa calcula a atuação
das variáveis com relação à aplicação da regra investigada (no caso desta tese, o
73
alteamento da vogal média), ao relacionar grupos de fatores, incluindo as variáveis uma
por uma, e, depois, selecionar as mais significativas.
Nesse processo, são estabelecidos índices de significância e atribuídos pesos
relativos para cada fator das variáveis independentes consideradas. Quando os fatores de
uma determinada variável têm peso relativo alto, eles são relevantes para a aplicação da
regra e, quanto mais o peso for próximo de 0.00, mais desfavorecedores são os fatores
para a implementação da regra. Quanto maior for a diferença entre os pesos relativos de
uma rodada, melhor será sua significância. As rodadas mais importantes, selecionadas
pelo programa, devem apresentar significância próxima de 0.000.
O programa estabelece também o input de seleção da regra, que equivale à
aplicação geral da variante tomada como referência. Quanto mais alto o input, mais
produtivo é o fenômeno e, quanto mais próximo de 0.000, menos produtivo. Um input
por volta de 0.500 indica a estabilidade entre as variantes em competição.14
3.1.1 Os corpora de modalidade oral
Todos os inquéritos considerados nesta pesquisa para a variedade brasileira do
português foram levantados com base na metodologia sociolinguística e os informantes
de todos os corpora foram controlados segundo os seus princípios. Esses corpora
constituem referências importantes para a pesquisa linguística, pois neles estão
representadas as falas culta e popular do Estado do Rio de Janeiro.
Quanto ao PE, buscou-se considerar uma amostra socialmente comparável à que
foi levantada para a fala fluminense, na cidade e região metropolitana de Lisboa. Isso
não será plenamente possível porque os corpora anteriores a 2008 não são tão
completos quanto seria necessário. Devido à pouca tradição de pesquisas variacionistas
sobre o PE até esse momento, são restritas as amostras de dados disponíveis (a maioria
foi constituída para trabalhos individuais) e os que existem não cumprem estritamente
os critérios metodológicos da sociolinguística variacionista. A partir de 2008,
entretanto, o Projeto Concordância, que reúne dados de variedades portuguesas,
brasileiras e africanas, foi realizado tendo como um de seus objetivos preencher tal 14 Para uma explanação mais detalhada sobre os princípios teórico-metodológicos da Sociolinguística Variacionista que baseiam esta pesquisa, conferir DE PAULA (2010).
74
lacuna nos estudos linguísticos do PE, através da organização de um banco de dados
constituído rigorosamente segundo os critérios sociolinguísticos variacionistas. De
qualquer forma, acredita-se que a recolha realizada será suficiente para cumprir o
objetivo de atestar as principais características das vogais médias postônicas não finais
no PE.
Os primeiros resultados desta pesquisa (DE PAULA, 2010) já haviam
comprovado que o alteamento está plenamente implementado no âmbito da vogal
posterior /o/, que se realizou preferencialmente como [u], desde os anos 70, em todos os
corpora investigados. Por outro lado, nessa época, ele foi menos frequente no âmbito da
média anterior /e/ e, inclusive, a variante [i] foi preterida na fala culta carioca, refletindo
de certa forma a proposta de Câmara Jr (1970). A partir daí, levantaram-se novas
hipóteses para a análise que será realizada nesta tese.
Nesta etapa final, como já foi adiantado na seção 2.1.4, ao comparar os dados
das décadas de 1970 e 1980 com os dos anos 2000, espera-se encontrar um percentual
geral de alteamento das vogais médias postônicas mediais maior entre os falantes dos
anos 2000 do que entre os falantes de 1970/80, como resultado de que os fatores
extralinguísticos, como a escolaridade, que se mostraram em atuação para a manutenção
de /e/ na fala fluminense do século XX, não tenham mais a mesma força atualmente.
Considera-se também que o processo de alteamento de /e/ e /o/ já se encontra
efetivado na variedade portuguesa, sendo assim mais produtivo entre os portugueses do
que entre os brasileiros. Uma vez implementadas as vogais altas, espera-se também
encontrar uma tendência ao cancelamento da vogal entre os falantes europeus, tanto nos
anos 70 quanto nos anos 2000.
Ainda que não seja o foco deste trabalho, o cancelamento também continuará
sendo observado na fala fluminense, considerando-se que esse fenômeno é produtivo
tanto na fala popular quanto na fala culta. Em maior ou menor grau, essa variante
concorre com a manutenção e/ou o alteamento da vogal.
75
3.3.1.1 As décadas de 1970 e 1980
As entrevistas referentes às décadas de 1970 e 1980 foram selecionadas dos
projetos NURC-RJ (Norma Urbana Oral Culta do Rio de Janeiro), PEUL 80 (Programa
de Estudos sobre o Uso da Língua) e APERJ (Atlas Etnolinguístico dos Pescadores do
Estado do Rio de Janeiro), para o PB; e do projeto Português Fundamental, para o PE.
O Projeto NURC-RJ tem como objeto de descrição a fala culta da capital do Rio
de Janeiro e as suas primeiras gravações foram realizadas durante a década de 70. Os
informantes são cariocas, têm nível superior completo de escolaridade e estão
distribuídos por três faixas etárias: de 25 a 35 anos; de 36 a 55 anos e 56 anos ou mais.
O acervo é composto, além das entrevistas do tipo DID, por elocuções formais (EF) e
diálogos entre dois informantes (D2). O Projeto conta também com um conjunto de
entrevistas realizadas na década de 90, ocasião em que alguns informantes da primeira
amostra foram recontatados, além de novos falantes terem sido gravados.
Para este trabalho, foram considerados do corpus NURC-RJ 18 inquéritos do
tipo DID gravados na década de 70. Neste conjunto, foi observada uma distribuição
regular de 03 informantes por célula social: faixa etária X sexo (cf. Anexo I). Foram
estudados, então, 09 informantes do sexo masculino e 09 do sexo feminino (03 homens
e 03 mulheres de cada faixa etária).
O Projeto APERJ iniciou-se em 1985, com o objetivo de descrever não só a fala
de pescadores do Estado Rio de Janeiro mas também aspectos culturais das localidades
pesqueiras fluminenses. Esse corpus contou com a aplicação de questionários para
levantamento de dados, a organização de cartas fonéticas e lexicais, além de entrevistas
de elocução livre. Por tudo isso, o Projeto APERJ é considerado um empreendimento de
cunho etnogeolinguístico que conjuga os preceitos da sociolinguística e da geografia
linguística.
O corpus é relativo a informantes apenas do sexo masculino, analfabetos ou
escolarizados até a 4ª série do Ensino Fundamental, que estão distribuídos por três
faixas etárias (18-35 anos, 36-55 anos e 56 anos em diante). Aqui foram consideradas
apenas as entrevistas do tipo DID realizadas com 78 pescadores, naturais de 13
comunidades do Norte e do Noroeste do Estado (cf. Anexo II). Foram selecionados 06
informantes por comunidade, 02 de cada faixa etária. Embora controlados
76
separadamente a princípio, foram reunidos nesta etapa da pesquisa os falantes
analfabetos e os escolarizados até a 4ª série do Ensino Fundamental, desconsiderando-
se, neste momento, as diferenças na fala que fossem promovidas pelo baixíssimo
contato com o ambiente escolar em contraste com nenhum contato.
O Projeto Censo da Variação Linguística do Estado do Rio de Janeiro hoje é
mais conhecido como PEUL. Teve início em 1980, década em que foram gravados 64
entrevistas do tipo DID com informantes cariocas de vários bairros da Região
Metropolitana do Rio de Janeiro. Duas décadas depois foi levantada a amostra PEUL
2000, que conta com entrevistas de recontatos e de novos informantes. O projeto dispõe
de vários outros corpora, inclusive de dados de fala infantil e de escrita (referente a
textos jornalísticos). Os informantes das entrevistas do tipo DID são organizados por
três faixas etárias (de 15 a 25 anos, de 26 a 49 e de 50 anos em diante), três níveis de
escolaridade (1º e 2º ciclos do Ensino Fundamental e Ensino Médio) e por sexo
(masculino e feminino). Este Projeto conta, atualmente, com um site onde podem ser
consultadas diversas informações sobre a amostra, inclusive as transcrições ortográficas
das entrevistas realizadas.
Nesta tese, foram selecionadas 25 entrevistas do corpus PEUL 80, referentes a
12 informantes do sexo masculino e 13 do sexo feminino. Para a comparação com os
outros corpora, os falantes do PEUL foram considerados em 2 níveis de escolaridade
(até o 2º segmento do Ensino Fundamental e Ensino Médio) e redistribuídos pelas 3
faixas etárias controladas nos outros corpora: de 18 a 36 anos, de 36 a 55 e de 56 anos
em diante (cf. Anexo III).
O Português Fundamental teve início em 1970 com o objetivo de levantar dados
do vocabulário português corrente em situações cotidianas. Essa amostra apresenta
dados de diversas cidades portuguesas, dentre as quais escolheu-se apenas Lisboa para o
levantamento aqui realizado, de forma a serem mais comparáveis aos dados do PEUL
80 e aos do NURC-RJ, recolhidos na mesma época na capital fluminense.
A amostra de Lisboa conta com 35 entrevistas do tipo DID de aproximadamente
04 minutos cada uma. Elas foram produzidas por homens e mulheres, entre 18 e 62
anos, de quatro níveis de escolaridade (primary, middle, high e graduated, conforme
está controlado na amostra, níveis equivalentes a Primário, Ensino Fundamental, Ensino
Médio e Ensino Superior, respectivamente), mas a distribuição dos informantes não é
77
regular na células sociais, de maneira que muitas delas não são preenchidas (cf. Anexo
VII). Além disso, por conta da brevidade das gravações, das 35 entrevistas investigadas,
apenas 17, menos da metade, apresentaram proparoxítonas com /e/ ou /o/ postônico não
final, o que compromete ainda mais a representatividade social dos dados levantados.
Restaram, então, 07 informantes do sexo feminino e 10 do sexo masculino, dentre os
quais 13 estudaram até o Ensino Médio e 04 têm Ensino Superior completo. O controle
da idade foi organizado com base na divisão em 3 faixas etárias, proposta por Labov,
mas também não será completo, visto que faltam informantes homens da faixa 3.
3.3.1.2 A primeira década de 2000
O corpus Concordância, já comentado, buscou organizar, sob os mesmos
critérios da metodologia laboviana, dados das variedades urbanas portuguesa, brasileira
e africanas do português levantados na primeira década dos anos 2000. Em todas elas,
foram considerados três níveis de escolaridade (2º segmento do Ensino Fundamental,
Ensino Médio e Ensino Superior completo), três faixas etárias (de 18 a 35 anos; de 36 a
55 anos e de 56 anos a 75 anos) e o sexo (masculino e feminino) dos informantes.
As entrevistas da variedade brasileira foram realizadas com falantes nascidos na
cidade do Rio de Janeiro – especificamente no bairro de Copacabana – e na região na
Baixada Fluminense – na cidade de Nova Iguaçu. Existem 36 inquéritos no total, sendo
18 em cada localidade (01 entrevista de Nova Iguaçu foi desconsiderada, por
incompatibilidade na escolaridade do informante NIG C1H, cf. Anexo V).
O levantamento referente a Portugal é composto por 54 gravações, 18 da área de
Oeiras e 18 de Cacém, que pertencem à Região Metropolitana de Lisboa, além de 18
entrevistas relativas a Funchal, na Ilha da Madeira. Destas, serão consideradas apenas as
36 primeiras, que poderão ser comparadas às entrevistas da região metropolitana do Rio
de Janeiro (cf. Anexo VI).
Embora cada grupo de 18 entrevistas abarque regularmente informantes de
ambos os sexos, três faixas etárias e três níveis de escolaridade, como consequência do
pequeno número de proparoxítonas com /e/ e /o/ postônicas mediais encontradas nessas
78
entrevistas, que têm duração média de 30 minutos, algumas células não estão
representadas nos dados finais.
A amostra PEUL 2000, já apresentada, conta com 16 entrevistas de recontatos
dos anos 80 e 32 entrevistas de novos informantes, incluindo 07 de menores de 18 anos,
que destoam das variáveis aqui controladas. Além disso, das 32 entrevistas, 06 estão
concentradas na mesma célula social.
Aqui serão consideradas apenas as entrevistas novas organizadas de forma a
controlar as variáveis sociais dos outros corpora para que possam ser comparadas a
eles: três faixas etárias (de 18 a 36 anos, de 36 a 55 e de 56 anos em diante), dois níveis
de escolaridade (até 2º segmento do Ensino Fundamental e Ensino Médio) e sexo
(masculino e feminino). Elas equivalem a 12 células sociais, mas, faltando as gravações
de 02 entrevistas, totalizam 10 informantes (cf. Anexo IV).
3.3.2 Questionários e leitura de textos
Além das entrevistas do tipo DID (diálogo entre informante e documentador),
explicitadas acima, o conjunto de dados conta com uma complementação através de um
questionário, composto por perguntas e identificação de figuras, e teste de leitura de
textos.
Esses dados não são estilisticamente comparáveis com os demais, pela
diferenciação da técnica de recolha, que aqui se realiza em formato mais formal e,
inclusive, se vale de uma etapa de leitura, ainda mais artificial que o questionário. Por
outro lado, esta será uma estratégia que permitirá registrar realizações de várias
palavras, que são utilizadas esporadicamente pelos falantes brasileiros, mas que
raramente figuram nos corpora estudados. Além disso, será possível comparar a
realização das proparoxítonas em contextos de uso diversos e, assim, ter mais material
que ajude a refletir sobre a relação entre o fenômeno estudado, o conjunto das palavras
proparoxítonas e a formalidade do discurso.
O objetivo é comparar os resultados obtidos nas entrevistas de tipo DID com um
número maior de itens lexicais proparoxítonos, de frequência de uso mais ou menos alta
na fala espontânea, e, assim, será possível não só ampliar o universo lexical da
79
investigação, como observar os mesmos vocábulos sendo realizados por falantes de
diferentes perfis sociais, com maior regularidade do que as entrevistas permitem. Por
fim, o contraste entre os dados das entrevistas e do questionário/leitura permitirá
observar a mudança de comportamento dos falantes em situações diversas de
comunicação, mais ou menos formais.
Para o controle dos informantes, foram seguidos os critérios metodológicos da
Sociolinguística. O teste foi aplicado a 18 informantes cariocas (cf. Anexo VIII),
distribuídos por três faixas etárias (18 a 35 anos; de 36 a 55 anos e 56 anos ou mais),
três níveis de escolaridade (até 2º segmento do Ensino Fundamental, Ensino Médio e
Ensino superior) e sexo (masculino e feminino).
O inquéritos tiveram duração média de 30 minutos. Como já foi dito, ele é
composto de três etapas e cada uma apresenta características distintas: (i) um
questionário de perguntas e respostas, (ii) a identificação de figuras e (iii) a leitura de
textos. Considera-se que os dados da etapa (i) são os mais espontâneos, vista a interação
semiespontânea entre o informante e o documentador. Já as respostas de (ii) são mais
objetivas e, nelas, o falante altera o seu estilo de fala com relação a (i), estando mais
atento à palavra selecionada para as respostas. A leitura, naturalmente, é a estratégia
mais formal de recolha de dados e seu estilo se destaca das outras duas, mas permitiu
angariar também proparoxítonas pouco usuais ou técnicas, difíceis de serem obtidas
através de perguntas ou figuras.
A lista abaixo contém os 71 itens proparoxítonos levantados com o questionário
e a leitura, 41 com vogal /e/ e 30 com vogal /o/ postônicas não finais:
80
Vogal /e/ - 41 itens Vogal /o/ - 30 itens
adúltero gênero prótese abóbora horóscopo alienígena hipótese quilômetro agrícola ídolo almôndega hóspede síntese âncora índole áspero ímpeto sonífero apóstolo mármore bafômetro indígena taxímetro autódromo método bípede íntegro tráfego autônomo monótono câmera mamífero termômetro benévolo pérola cárcere milímetro úlcera biólogo pólvora célebre número útero brócolis própolis centímetro ópera velocípede carnívoro psicólogo cérebro pálpebra véspera catástrofe sambódromo cócegas parâmetro cômodo semáforo fenômeno parêntese diálogo símbolo fôlego pêssego fósforo ufólogo frutífero próspero frívolo víbora
Como foi dito, a escolha desses termos buscou abarcar proparoxítonas
sabidamente usuais na fala coloquial, mas que nem sempre foram encontradas nas
entrevistas ou encontradas em quantidade expressiva. Assim, será possível equilibrar o
número de ocorrências de cada termo no conjunto de cada vogal, /e/ e /o/.
Selecionaram-se mais proparoxítonas com a vogal /e/, por ser aquela que apresenta mais
variação na sua realização e o alvo principal das discussões fonológicas dentro do
fenômeno investigado. foram levantadas de formas diversas – perguntas, figuras e
leituras –, sendo que os vocábulos biólogo, catástrofe, gênero, síntese e véspera foram
alvo de perguntas e também de leitura.
As perguntas focalizaram os itens áspero, bafômetro, fenômeno, fôlego, gênero,
hóspede, mamífero, número, ópera, quilômetro, síntese, sonífero, taxímetro, úlcera,
útero, véspera (17 itens), com /e/; e abóbora, agrícola, âncora, apóstolo, autônomo,
biólogo, carnívoro, catástrofe, cômodo, diálogo, ídolo, monótono, pólvora, própolis e
psicólogo (15 itens), com /o/ (cf. Anexo IX).
Os vocábulos conseguidos com o uso de figuras foram almôndega, câmera,
centímetro, cérebro, cócegas, fôlego, milímetro, pálpebra, parêntese, pêssego,
termômetro, tráfego, velocípede (13 itens), com /e/; e autódromo, brócolis, fósforo,
horóscopo, mármore, pérola, sambódromo, semáforo e símbolo (09 itens), com /o/ (cf.
Anexo X)
81
Como dito, a etapa de leitura permitiu levantar algumas proparoxítonas que
dificilmente seriam conseguidas através de perguntas ou, principalmente, figuras por
serem termos pouco usuais, que têm sinônimos mais frequentes na fala coloquial e
representarem, muitos deles, ideias abstratas. São as palavras: adúltero, alienígena,
bípede, cárcere, célebre, gênero, hipótese, ímpeto, indígena, íntegro, parâmetros,
próspero, prótese, síntese, véspera (15 itens), com /e/; e benévolo, biólogo, catástrofe,
frívolo, índole, método, ufólogo e víbora (08 itens), com /o/ (cf. Anexo XI).
Para não expor o tema que é foco desta pesquisa e obter o máximo de
naturalidade do informante ao produzir as vogais investigadas, atentou-se para diversos
procedimentos no decorrer das gravações. O principal deles foi o investigador alegar o
interesse em conhecer as palavras usadas naturalmente do dia-a-dia dos cariocas. Para
tanto, incluíram-se, entre as 32 perguntas que focalizam as proparoxítonas, 16
distratores com outros padrões acentuais. Além de alternar com o padrão acentual
predominante no inquérito, os distratores também focalizaram a variação lexical
regional e, assim, foram aproveitados para tirar a atenção de algumas perguntas menos
naturais, ou até muito simples, elaboradas para conseguir os itens desejados. Dessa
forma, perguntas como, por exemplo, Qual é o órgão em que o bebê cresce na barriga
da mãe? (útero) e A, B, C são letras. 1, 2, 3 são o quê? (números) foram alternadas
com perguntas do tipo Como você chama uma pessoa que não gosta de trabalhar? e
Além do feijão preto, como chama aqui no Rio um feijão que é marrom? (cf. Anexo
IX).
Sobre essa etapa da pesquisa, considera-se uma hipótese baseada nos resultados
encontrados por DE PAULA (2010), na observação de dados de /e/ e /o/ postônicos não
finais registrados em sete cartas dos Atlas linguísticos AFeBG e MicroAFERJ, que
também foram elaborados através de questionários. Seus resultados apontaram um
contraste na produção dessas vogais por falantes com pouca escolaridade na fala da
Região Metropolitana do Rio de Janeiro: os falantes não cultos preservaram muito mais
as vogais médias neste formato de levantamento, menos natural, em que permanecem
muito mais atentos ao seu discurso. Assim, espera-se que, em comparação com os
resultados das entrevistas, sejam encontrados percentuais de manutenção das vogais
médias, em especial de /e/, ao menos um pouco maiores na fala dos informantes de
82
diferentes níveis de escolaridade, inqueridos por questionário e leitura, quando estariam
mais atentos a sua fala do que nos diálogos com o documentador.
3.3.3 Variáveis
No âmbito da vogal posterior /o/, os resultados não permitiram a realização de
análise estatística em nenhum corpus analisado, além do controle dos percentuais. Na
análise variacionista da vogal anterior /e/, o alteamento – /e/ > [i] – foi tomado como
valor de aplicação.
Além disso, o comportamento regular dos falantes portugueses, quando a vogal
não é apagada, não permitiu a realização de uma análise variacionista comparativa com
os corpora brasileiros. Por tudo isso, as considerações que serão feitas a seguir, sobre a
análise aqui empreendida, referem-se especialmente aos dados do PB, enquanto os
dados do PE foram tratados separadamente, com o controle dos índices percentuais.
3.3.3.1. A variável dependente
Foram controladas as variantes [e, i] e apagamento, para a vogal /e/; [o, u] e
apagamento, para a vogal /o/. Nesta análise, foram desconsiderados os 20 casos de
alteração da vogal quando, por exemplo, o falante realizou [a, u], em relação ao fonema
/e/; ou [a, i], em relação ao fonema /o/15.
15 Vogal /e/: “... cinquenta a sessenta centí[mutu] de... de altura...”. (centímetro, APERJ: SFI010-B0); Vogal /o/: “... você não pode cortar uma ár[v iRi]/ Deus me livre não podia nem cortar um galho.... (árvore, CCOP: C1H).
83
Quadro 3. Variantes das vogais /e/ e /o/ postônicas não finais controladas na análise estatística.
VOGAL ANTERIOR /E/
Variável Exemplos
[e]
... eu não vou muito atrás desses costumes assim, como é,
exó[Z enuS], como se... se costuma dizer hoje em dia, pra falar
um pouquinho mais difícil. (exógenos, NURC70: INQ391-M3)
... ficando de olho naquela/ naquele perí[m et Ru] ali entre o
centro de Nova Iguaçu até o Extra... (perímetro, CNIG: A3M)
[i]
O número setenta... quer dizer... se aquela linha é setenta você
vai fazer uma rede de setenta milí[mi t u]. (milímetro, APERJ:
GUA027-B0)
... é preciso que haja pessoas com esse ím[pi t u] de mudar com
esse desejo de de mudar então eu sou uma delas... (ímpeto,
CCOP: A2H)
[ ]
Saí daqui, sabendo que que eu ia enfrentar e eu fui, eu dei uma
entrevista antes, na nas vés[pRåS] de de de viajar... (vésperas,
PEUL80: Man59am)
... eu fazia um monte de cálculo pra chegar a um determinado
nú[m]... eu boto a máquina pra fazer isso, programa ela pra
fazer...... (número, PEUL2000: T31-Tad)
VOGAL POSTERIOR /O/
[o]
... porque ainda estava muito perto da guerra pra eles, tinha mil
coisas racionadas, de modo que era um horror, as mulheres
eram uma catás[t Rof i] né, assim de mau gosto. (catástrofe,
NURC70: INQ006-H2)
Assim tem gente que tem má ín[dol i]... desde o berço não
adianta mas assim/ eu acho que eh... a gente vive nu/ numa
desigualdade muito grande. (índole, CCOP: A3H)
84
[u]
Estou achando porque vem muita gente de fora pescar o dourado
e ele é um peixe muito faminto... muito carní[vu]. (carnívoro,
APERJ: ITO035-C1)
Você correr, e brincar, pular, subir em ár[vuRi]. Ter uma
infância mais livre. A minha foi assim. (árvore, PEUL2000: T24-
Adri)
[ ]
Então nós chegamos à conclusão, eu disse pro meu gerente: ou
esse homem é gastrô[mu] ou ele não sabe o que está pedindo.
(gastrônomo - NURC70: INQ103-H2)
... mais desenvolvido, mais limpo mais educado, Florianó[pi S]...
eu acho uma cidade mais civilizada mais... mais limpa mesmo,
mais... (Florianópolis, PEUL2000: T32-Euc)
3.3.3.2 Variáveis independentes
Na análise variacionista aqui empreendida, referente à variedade brasileira,
foram controladas, a princípio, 11 variáveis, sendo 04 extralinguísticas e 07 linguísticas,
conforme explicitado nos quadros 4 e 5, a seguir.
85
Quadro 4. Variáveis extralinguísticas controladas na análise estatística do português brasileiro.
VARIÁVEIS EXTRALINGUÍSTICAS Fator Variável Corpus do PB
1. Faixa etária Faixa 1 - 18 a 35 anos16 Todos Faixa 2 - 36 a 55 anos Todos Faixa 3 - 56 anos em diante Todos
2. Sexo Masculino Todos
Feminino PEUL/ NURC/ CONCORDÂNCIA
3. Escolaridade
Analfabeto - Sem escolaridade APERJ Ensino Fundamental 1º Ciclo - 4 anos
APERJ/ PEUL/ CONCORDÂNCIA
Ensino Fundamental 2º Ciclo - 8 anos
PEUL/ CONCORDÂNCIA
Ensino Médio - 11 anos PEUL/ CONCORDÂNCIA Ensino Superior - 16 anos NURC
4. Localidade Capital do Estado do RJ
PEUL/ NURC/ CONCORDÂNCIA COPA
Baixada Fluminense CONCORDÂNCIA NIG Norte-Noroeste do Estado do RJ APERJ
5. Década 1970 e 1980 APERJ/ PEUL 80/ NURC
2000 PEUL 2000/ CONCORDÂNCIA
As variáveis extralinguísticas são fundamentais para controlar a distribuição dos
resultados encontrados na comunidade de fala fluminense. Ainda que alguns dos fatores
não atuem claramente sobre a variação na produção das vogais estudadas, ao contrário
da escolaridade, já comentada, controlá-las é fundamental na pesquisa sociolinguística.
A variável localidade, por exemplo, que contrasta as diferentes áreas geográficas
onde vivem os informantes da pesquisa, não apontou quase nenhuma especificidade de
caráter regional, apenas o fato de que os pescadores do Norte-Noroeste (corpus APERJ)
se mostraram um pouco mais conservadores na realização da vogal /e/ postônica não
final do que os falantes não cultos da zona urbana, da capital carioca (corpus PEUL 80),
mas tal diferença não foi muito expressiva (DE PAULA, 2010: 97-98). Na atual etapa
do trabalho, atestar essa aparente unanimidade entre as localidades do Estado estudadas
ou descobrir novos condicionamentos que as diferenciem serão resultados igualmente
fundamentais para a compreensão da fala carioca e da fala fluminense.
16 Um dos informantes considerados do corpus PEUL 80 tem 16 anos (cf. Anexo III).
86
Da mesma maneira, o fator idade já demonstrou ser determinante em muitos
processos de mudança e sempre é controlado em trabalhos sociolinguísticos para que
seja possível observar se a mudança é perceptível com o passar das gerações. Neste
tema, os primeiros resultados haviam demonstrado que a variação na realização de /e/ é
equilibrada entre os falantes das três faixas no corpus APERJ (DE PAULA, 2010:99) e
no corpus NURC (DE PAULA, 2010:94), neste com uma leve diminuição do
alteamento na passagem da Faixa 3 para a 1, diferença que foi desconsiderada pelo
programa de análise estatística.
Considerar o sexo dos informantes, por sua vez, já demonstrou ser fundamental
em qualquer estudo da mudança, pois diversas vezes ficou provado que os homens e as
mulheres têm papeis fundamentais na implementação da mudança em uma comunidade
de fala por se relacionarem de forma diversa com variantes marcadas ou não marcadas
socialmente.
Outros trabalhos anteriores a respeito do vocalismo postônico não final não
demonstraram haver um comportamento discrepante entre os sexos, mas, nas primeiras
etapas dessa investigação, os pesos relativos indicaram que as mulheres são as
principais responsáveis pelo alteamento da média anterior entre os falantes cultos: 0.686
para as mulheres versus 0.333 para os homens, numa rodada não muito expressiva, de
significância 0.040 (DE PAULA, 2010:95). Tal favorecimento, se comprovado,
refletiria o resultado de muitos trabalhos que observam que, muitas vezes, as mulheres
encabeçam processos de mudança que não sejam socialmente estigmatizados, como é o
caso do alteamento em português. Infelizmente, nesta pesquisa, o controle da variável
sexo é restrito não só porque o projeto APERJ, o maior dos corpora considerados,
apresenta apenas falantes do sexo masculino mas também porque a falta de dados em
muitas entrevistas dificulta a realização de um comparação equilibrada entre os dados
de fala de homens e mulheres.
O conhecimento de outras pesquisas que abordam o alteamento de vogais átonas
no português demonstra a necessidade de que sejam controlados diversos fatores
linguísticos que caracterizam o contexto em que a vogal média postônica não final se
realiza, pois muitos deles comprovadamente favorecem ou desfavorecem a redução e
até o apagamento da vogal em outras sílabas inacentuadas, postônicas finais e
pretônicas. Muitos trabalhos confirmam que a natureza das consoantes contíguas pode
87
favorecer o espraiamento de características articulatórias (como o ponto de articulação),
ou mesmo o compartilhamento natural de um traço com elas (como a labialidade) pode
favorecer o alteamento da vogal. Paralelamente, o grau de abertura das vogais de sílabas
adjacentes também costuma desencadear um processo de harmonização vocálica.
Assim, desde as primeiras etapas da pesquisa, foram codificadas diversas
características que configuram o contexto fonotático em que se inserem as vogais
médias estudadas. A importância desses fatores justifica que todos sejam igualmente
controlados nesta etapa, embora os resultados anteriores tenham demonstrado que, na
fala fluminense das décadas de 1970 e 1980, todos os condicionamentos contextuais
eram de natureza lexical e não fonética. Ou seja, todas as variáveis linguísticas,
referentes a /e/ e a /o/, estavam presas a algum condicionamento lexical, pois os
contextos fonéticos e morfológicos controlados demonstraram uma relação direta com
vocábulos específicos muito produtivos nos corpora e, assim, muitos fatores
linguísticos se superpuseram, como, por exemplo, a consoante precedente /p/ e a
consoante subsequente /k/ que figuram no vocábulo época.
Em suma, por fidelidade aos procedimentos metodológicos que regem esta
pesquisa, todos os fatores linguísticos serão igualmente codificados nesta etapa e
controlados na análise empreendida com o programa Goldvarb-X.
Quadro 5. Variáveis linguísticas controladas na análise estatística do português brasileiro.
VARIÁVEIS LINGUÍSTICAS
Variável Vogal /e/ Vogal /o/
Fator Exemplo Fator Exemplo
1. Consoante antecedente
[p] ópera [p] Petrópolis
[t] útero [b] abóbora [tS] hipótese [t] monótono
[d] almôndega [d] índole
[dZ] Alfândega [f] fósforo
[f] tráfego [v] herbívoro [s] úlcera [s] bússola [Z] indígena [k] âncora
[g] córrego [g] polígono
[m] número [m] cômodo [n] gênero [n] gastrônomo [l] fôlego [l] diálogo [R] cérebro [R] pérola
88
2. Consoante subsequente
[b] pálpebras [p] horóscopo
[t] milímetro [d] método [tS] intérprete [f] catástrofe
[d] paralelepípedo [k] época
[z] hipótese [g] biólogas
[g] alfândega [m] autônomo
[m] vivêssemos [n] pentágono [n] indígena [l] índole [l] Mariângela [R] mármore
[R] víscera
3. Vogal da sílaba antecedente
[i] centímetro [i] ídolo [e] pêssego [E] época
[E] véspera [a] Távola
[a] nádega [ç] monótona
[ç] ópera [o] incômodo
[o] quilômetro [u] bússola [u] úlcera
4. Vogal da sílaba subsequente
[i] célebre [i] Nápoles [å] inúmeras [å] cômoda
[o] (01 oco) milí[m i t o] [u] tômbolos
[u] fenômeno
5. Classe do vocábulo
Substantivo próprio
Aristóteles Teresópolis
Substantivo comum
prótese pérola
Adjetivo célebre autônomo Verbo tivéssemos
6. Posição na palavra
Primeira raiz fôlego cômoda Fora da primeira raiz
centímetro tivéssemos
Petrópolis
7. Classificação lexical
Usual número árvore Pouco usual víscera herbívoro Técnico hidrômetro polígono Antropônimo Mariângela Débora Topônimo Alfândega Mariópolis
Os verbos com o padrão acentual proparoxítono que apresentem vogal média
postônica não final são raros e restritos às vogais anteriores. Foram encontrados 6
formas verbais, da 1ª, da 2ª e da 3ª conjugações, realizados na 1ª pessoa do plural do
pretérito imperfeito do subjuntivo: amássemos, estudássemos, tivéssemos, quiséssemos,
vivêssemos e uníssemos.
89
Muitas palavras de origem latina ou grega foram formadas por mais de um
radical na história do português, mas passaram a ser reconhecidas como vocábulos de
uma raiz apenas, principalmente pela perda do significado específico de cada morfema e
o surgimento de um sentido novo para o vocábulo composto. Muitas adquiriram o
padrão acentual proparoxítono e algumas compõem o corpus deste trabalho, como, por
exemplo, parâmetro, perímetro, hipótese, sambódromo, diálogo, Pentágono e Nilópolis.
Embora seja difícil determinar quais desses vocábulos ainda são analisados
como composições e quais são processados como um radical acompanhado de afixo, as
vogais do corpus serão codificadas conforme sua posição na palavra: na primeira raiz
ou fora da primeira raiz, seja nos segmentos -metro, -logo, -voro, -nomo, -gono, -pole, -
polis ou no morfema verbal -sse.
A despeito de terem sido desconsiderados na primeira análise todos os fatores
linguísticos investigados que aqui se expuseram, nesta etapa, o fator classificação
lexical continuará sendo observado de perto, tanto na análise estatística quanto na
interpretação fonológica dos resultados, visto que os condicionamentos lexicais
permeiam o universo de dados em que se encontram as vogais médias postônicas não
finais: o grupo dos itens proparoxítonos. Para tanto, os dados serão observados de
acordo com a usualidade, segundo a classificação efetuada por De Paula (2010), que
diferencia desde os itens provenientes do vocabulário familiar e presentes na fala de
todo indivíduo até aqueles que pertencem ao vocabulário adquirido, que inclui
vocábulos proparoxítonos quase sempre ausentes na fala coloquial e muitas vezes
relacionados ao conhecimento da escrita e à fala técnica. O controle de topônimos e
antropônimos, por sua vez, é importante para verificar se a sua frequência aproxima o
seu comportamento de termos originalmente pouco usuais ou técnicos ou de termos
considerados usuais. É o caso de palavras como Alfândega, Távola ou Pentágono.
3.3.4 Bases da análise qualitativa
Além da etapa estatística, será realizada uma análise do comportamento das
proparoxítonas com vogal média postônica não final nas amostras sociolinguísticas
levantadas no Rio de Janeiro. Tendo como base os preceitos da Fonologia de Uso,
90
interessa principalmente verificar a frequência de determinadas sequências com a vogal
anterior /e/ e a posterior /o/ nesses corpora, observando-se não só comportamentos
idiossincráticos dos falantes como também a distribuição das variantes encontradas
dentro do universo lexical que compõe a pesquisa.
Para a observação da constituição lexical dos dados, realiza-se, primeiramente, a
contabilidade da frequência de ocorrência das proparoxítonas nas amostras de acordo
com a sua distribuição em cada década e a realização fonética das vogais postônicas
mediais. Na etapa seguinte, será feito um levantamento geral das terminações das
proparoxítonas estudadas, que geralmente se repetem em muitos vocábulos, como
consequência das formações morfológicas desses vocábulos.
O objetivo principal desta etapa era controlar a ocorrência dos vocábulos na fala
de cada informante para, enfim, verificar que padrões morfológicos – ou sequências
fonéticas – constituem types para as vogais médias postônicas não finais no português.
Entretanto, não só a restrição lexical dos corpora como também a constatação de que se
observa uma mudança em estágio final, na qual a variação é muitas vezes excepcional,
não permitem uma análise lexical tão profícua quanto se esperava. Por outro lado, a
observação do comportamento individual dos falantes permitirá a compreensão da
constituição lexical desta pesquisa, tanto quanto seja possível.
Na etapa final da pesquisa, por fim, propõe-se uma interpretação fonológica para
a constituição do vocalismo postônico não final. Será discutido o estatuto da assimetria
entre as vogais anteriores e posteriores na fala fluminense, considerando-se as hipóteses
de Câmara Jr. e Bisol e a atuação de fatores sociais e discursivos, já comentados.
Embora a pesquisa parta, prioritariamente, de dados do dialeto fluminense,
pretende-se firmar, com base na comparação com a fala lisboeta, uma proposta teórica
suficientemente abrangente para o PB. Para tanto, espera-se que os resultados de todas
as etapas e a compreensão de fatores sociais e discursivos em atuação confluam para a
compreensão da assimetria na implementação do alteamento, a qual parece resistir no
vocalismo postônico não final, ao menos no âmbito fonético da fala culta espontânea ou
das falas culta e popular monitoradas.
Em conformidade com a primeira etapa desta pesquisa, desenvolvida por De
Paula (2010), sugere-se que a neutralização entre vogais médias e altas postônicas não
finais esteja efetivada no sistema fonológico do PB. Espera-se que, havendo variação
91
ainda entre médias e altas (em especial na articulação anterior), ela ocorrerá por
questões de norma (culta) e discurso (formal), mas com índices pouco expressivos no
século XXI.
92
4. ANÁLISE DOS DADOS
Os corpora para o estudo do processo de mudança no âmbito das vogais médias
em sílaba postônica não final realizado nesta tese contabilizam 3276 dados. Eles estão
distribuídos por 166 entrevistas sociolinguísticas e 17 gravações de questionários,
referentes ao PB, e 53 entrevistas sociolinguísticas, referentes ao PE.
4.1 A variação na fala fluminense
Aqui serão apresentados e analisados os dados do PB, referentes à fala
espontânea (corpora sociolinguísticos) e à fala monitorada (questionários/leitura) do
Estado do Rio de Janeiro. Os resultados testificam a variação das vogais médias
postônicas não finais nas variedades de fala culta e popular fluminenses, nas duas
décadas investigadas.
4.1.1 Corpora sociolinguísticos
O conjunto de dados sociolinguísticos refere-se a 166 entrevistas do tipo DID,
que apresentaram um total de 1844 ocorrências de proparoxítonas com vogal média
postônica não final. O universo lexical das entrevistas está composto por 89 diferentes
vocábulos, 43 com /e/ e 46 com /o/ postônicos não finais, os quais estão listados a
seguir. A distribuição desses vocábulos nas entrevistas e outras questões serão
observadas no capítulo 5, em que se discutem os aspectos lexicais do fenômeno
estudado.
93
Vogal /e/: Vogal /o/:
alfândega número abóbora ídolo almôndega ópera Acrópole incômodo amássemos pálpebra Adrianópolis índole Aristóteles paralelepípedo agrícola Mariópolis câmeras parâmetro âncora mármore centímetro perímetro árvore método célebre pêssego autônomo metrópole cérebro prótese biólogas monótono córrego quilômetro bússola Nápoles estudássemos quiséssemos carnívoro Nilópolis exógenos tivéssemos catálogo pároco fenômeno tráfego catástrofe Pentágono fôlego úlcera cômoda pérola gênero uníssemos cômodo Petrópolis hidrômetro útero cômoro polígono hipótese velocípede Débora psicólogo ímpeto vértebras diálogo sambódromo indígena véspera época semáforo intérprete víscera Florianópolis símbolo inúmeros vivêssemos fósforo sociólogo Mariângela gastrônomo Távola milímetro Heliópolis Teresópolis nádega herbívoro tômbolos
As proparoxítonas com vogal /e/ totalizaram 485 ocorrências e as com vogal /o/,
1359. Os resultados para o vocalismo postônico não final aqui discutidos devem ser,
então, relativizados, considerando-se que a ocorrência da vogal anterior /e/ restringe-se
a 26,3% dos dados.
Os corpora levantados em 1970 e 1980, APERJ, PEUL 80 e NURC, somam
1414 ocorrências, 406 de /e/ e 1008 de vogal /o/. Já as 45 entrevistas referentes aos anos
2000, dos corpora Concordância Copacabana, Concordância Nova Iguaçu e PEUL
2000, apresentaram 430 ocorrências de proparoxítonas com vogal média postônica não
final, 79 com vogal /e/ e 351 com /o/.
Destes totais, foram desconsideradas 20 ocorrências de alteração das vogais
médias, 17 referentes a /o/ e 03 a /e/. Houve 01 caso no corpus NURC (época: [»Epi å]),
12 no corpus APERJ (época: 07 [»Epi kå] e 01 [»Epi å]; árvore: 01 [»a˙vi Ri]; centímetro:
02 [s e)»t Simudu] e 01 [s e)»t Simut u]), 05 no corpus Concordância (época: 04 [»Epi kå];
árvore: 01 [»a:vi Ri]) e 02 no corpus PEUL 2000 (época: 01 [»Epi kå] e 01 [»Epi å]).
94
As tabelas 2 e 3 abaixo informam a distribuição dos dados em cada corpus
investigado:
Tabela 2. Distribuição das 1414 ocorrências de vogal média postônica medial por corpus sociolinguístico – Décadas de 1970/80.
Corpus Vogal /e/ Vogal /o/
NURC 88 93
Total: 181
APERJ 278 697
Total: 975
PEUL 80 40 218
Total: 258
Tabela 3. Distribuição das 430 ocorrências de vogal média postônica medial por corpus sociolinguístico – Década de 2000.
Corpus Vogal /e/ Vogal /o/ Concordância Copacabana
33 120 Total: 153
Concordância Nova Iguaçu
30 135 Total: 165
PEUL 2000 16 96
Total: 112
Destaca-se que a vogal posterior /o/ é a mais frequente nos dados investigados,
não só no total geral como em cada corpus separadamente, tanto em número de lexemas
quanto em número de ocorrências.
A seguir, apresentam-se os índices de realização das vogais em cada corpus
estudado, organizados de acordo as datas de levantamento (anos 1970/80 e anos 2000).
Essa análise inicial, com base em percentuais, servirá para observar também as
características sociais de cada corpus estudado. Em sequência, conforme os dados
permitem, realizam-se etapas de análise variacionista, especialmente uma análise para o
conjunto de dados das décadas de 1970/80 e outra das amostras da década de 2000. Por
fim, apresenta-se o resultado de uma análise comparativa entre as duas sincronias.
95
4.1.1.1 As décadas de 1970 e 1980
Os resultados para o Estado do Rio de Janeiro, nas décadas de 1970/80, já foram
parcialmente comentados na seção 2.1.3 desta tese e serão aqui retomados e detalhados
através da observação atenta de cada corpus separadamente. Posteriormente, eles serão
confrontados entre si e com os dados dos anos 2000.
a. PEUL 80
Entre os falantes do PEUL 80, corpus representativo da fala popular, o processo
de redução das vogais médias postônicas mediais foi praticamente categórico, chegando
a não haver um dado de manutenção de /e/:
Tabela 4. Índices da variação de vogais médias postônicas mediais no corpus PEUL 80 (variedade popular) – Década de 1980.
Corpus PEUL 80
Alteamento Manutenção Apagamento Total
Vogal /e/ 39 0 01 40
97,5% 0% 2,5% 100% Exemplo [ » v E S p I R å ] [ » v E S p R å ]
Vogal /o/ 165 02 51 218
75,7% 0,9% 23,4% 100% Exemplo [ a w » t o n u m u ] [ » k o m o d u S ] [ a w » t o m å S ]
Fonte: DE PAULA (2010:98).
Ainda assim, a vogal /o/ mostra-se a mais débil nesses dados, por ser mais
sensível ao apagamento (23,4% dos casos), enquanto a vogal /e/ foi apagada apenas 01
vez (2,5%).
Tudo isso indica que o sistema de 03 elementos vocálicos se encontra
simetricamente implementado entre os falantes não cultos da capital desde a década de
1980 e que a manutenção das médias seja um caso de variação – que foi raro nesta
amostra (02 ocorrências de [o]).
O total de 40 ocorrências de /e/ se distribui em 24 dados no nível fundamental
(no qual se encontrou o único caso de apagamento) e 16 no nível médio. Já o total das
96
218 ocorrências de /o/ se divide em 108 dados no nível fundamental (dentre as quais
estão 10 casos de apagamento e 01 caso de manutenção) e 110 no nível médio (com 41
casos de apagamento e 01 de manutenção).
A distribuição lexical dos proparoxítonos encontrados entre os falantes desse
corpus, segundo a variável classificação lexical, é de 93,4% de termos usuais e de
6,6% de vocábulos pouco usuais. Ressalta-se ainda que o único caso de cancelamento
de /e/ produzido por esses informantes ocorreu em um vocábulo usual: [»v ESp R å].
Sendo o PEUL 80 um conjunto de dados que apresenta inexpressiva variação no
âmbito do fenômeno estudado – manutenção versus alteamento – este corpus não pôde
ser analisado individualmente em análise variacionista. Somado a outros dados da
mesma sincronia, ele será considerado na análise estatística final.
b. APERJ
Ao observar o comportamento dos informantes do APERJ, vê-se que os
pescadores foram, entre os falantes não cultos dessa época, um pouco mais
conservadores que os falantes da capital. Aqui as vogais médias foram mantidas em 16
dados de /e/ e 25 dados de /o/. É claro, também, que este corpus apresenta muito mais
dados (por terem sido consideradas 78 entrevistas, para que assim fossem cobertas todas
as localidades pesqueiras investigadas pelo Projeto), em comparação com o PEUL 80,
do qual se consideraram 25 inquéritos. A tarefa de observar um fenômeno variável é
mais bem sucedida quanto maior for o número de dados.
É interessante observar que o comportamento das vogais anterior e posterior
também é semelhante nessa amostra, não parecendo haver nenhuma assimetria nos
processos de redução que as atingem:
97
Tabela 5. Índices da variação de vogais médias postônicas mediais no corpus APERJ (variedade popular) – Década de 70.
Corpus APERJ
Alteamento Manutenção Apagamento Total
Vogal /e/ 229 16 33 278
82,4% 5,8% 11,9% 100% Exemplo [ » n u m I R u ] [ » n u m e R u ] [ » n u m u ]
Vogal /o/ 537 25 135 697
77,1% 3,59% 19,4% 100% Exemplo [ a ˙ » v u R I ] [ a ˙ » v o R I ] [ a ˙ » v I ]
Fonte: DE PAULA (2010:97).
Os baixos índices de manutenção das médias, verificados no corpus APERJ,
também impediu a realização de uma análise variacionista. Entretanto, apresentam-se os
percentuais das variáveis faixa etária e classificação lexical nesse corpus (cf. DE
PAULA:99-101), porque ambas foram pertinentes nos resultados de outras etapas de
análise. Essa foi a única amostra representativa da fala popular que apresentou variação
no âmbito do fenômeno estudado.
Tabela 6. Variáveis faixa etária e classificação lexical para o alteamento da vogal média anterior postônica medial no corpus APERJ (variedade popular) – Década de 1970.17
Corpora APERJ Variáveis Fatores Oco Perc.
Faixa Etária Faixa 1 33/36 91,7% Faixa 2 129/137 94,2% Faixa 3 67/72 93,1%
Classificação Lexical
Usual 228/242 94,2% Não usual 01/03 33,3%
A diferença percentual entre as faixas etárias é muito pequena, sendo a faixa 2
um pouco mais propícia ao processo que as demais (94,2%). Considerando também os
casos de cancelamento, a diferença entre as faixas na redução de /e/ mostra-se ainda
menor: 93%, 94,8% e 93,9%, respectivamente para as faixas 1, 2 e 3.
Sendo o alteamento extremamente produtivo entre os falantes não cultos, é
natural que as variáveis, linguísticas e sociais, não demonstrem sistematicidade. Isso
17 Aqui corrigiu-se 01 dado apresentado equivocadamente em De Paula (2010, p. 100, 101 e 112): 01 ocorrência de vocábulo usual do corpus APERJ havia sido contabilizada entre os não usuais.
98
indica que os resultados sejam uma variação residual, resquícios de um processo de
mudança em etapa final nessa variedade de fala.
É entre os termos usuais e não usuais que se observa a maior diferença. A
maioria absoluta das proparoxítonas empregadas pelos pescadores (98,6%) são usuais,
pertencentes ao vocabulário ativo, que não advêm necessariamente da experiência
escolar. Nos únicos 03 casos de /e/ que fogem a essa regra, indígena e vértebra, os
falantes altearam a vogal em apenas 01 deles: [i )�dZ i Z i nå].
Correlacionando-se os resultados do APERJ com os do PEUL 80, mostra-se
clara a regularidade na fala popular fluminense dos anos 80. Com percentuais muito
baixos de variação entre vogais médias e altas, especialmente no interior do Estado, ou
categóricos a favor das altas, na capital, o processo de redução desses fonemas está
aparentemente implementado entre os falantes que tiveram pouco contato com a escola.
Além disso, o alteamento atinge simetricamente as vogais médias nessa variedade de
fala, distanciando-se da proposta de Câmara Jr (1970), e isso é mais um indício do
possível predomínio do quadro mais simples, de 03 vogais /i, a, u/, já nessa época, em
concordância com Bisol (2003). Os resultados tornam-se mais complexos quando se
observam os dados da variedade culta a eles contemporâneos.
c. NURC
Os falantes cultos do NURC mostraram-se os mais conservadores na realização
das vogais médias postônicas não finais, porque foram menos receptivos aos processos
tanto de apagamento quanto de alteamento, como se expõe na Tabela 7, a seguir. Ainda
assim, mais uma vez a vogal /o/ mostrou-se a mais débil, por ser um pouco mais
sensível ao apagamento e, especialmente, por ser alteada com muita frequência –
embora não categoricamente – enquanto a vogal /e/, inversamente, foi mantida como
média na maioria absoluta dos casos.
99
Tabela 7. Índices da variação de vogais médias postônicas mediais no corpus NURC (variedade culta) – Década de 1970.
Corpus NURC
Alteamento Manutenção Apagamento Total
Vogal /e/ 19 68 1 88
21,6% 77,3% 1,1% 100% Exemplo [ » v E S p I R å S ] [ » v E ˙ t e bR å S ] [ » v E ˙ bR å S ]
Vogal /o/ 78 9 6 93
83,9% 9,7% 6,4% 100% Exemplo [ a » b ç b U R å ] [ a » b ç b o R å ] [ a » b ç b R å ]
Fonte: DE PAULA (2010:93).
Os termos usuais compõem 80,7% do léxico deste corpus e os não usuais 19,3%.
A concretização das vogais estudadas é quase categórica nesta variedade: as
vogais /e/ e /o/ foram canceladas em apenas 1,1% e 6,4% dos dados, respectivamente.
Quando não apagada, a vogal posterior /o/ sofreu alteamento em 83,9% dos casos,
enquanto a vogal anterior /e/ realizou-se preferencialmente como média, em um total de
77,3% das ocorrências.
Na fala culta, o processo de mudança parece confirmar-se em estágio final para a
vogal /o/, já em 1970, quando a alternância [o] ~ [u] indica um caso de variação em
favor de [u], à semelhança do quadro átono final. Por outro lado, a vogal /e/ tem um
comportamento parecido com o que ocorre na sílaba pretônica, sem alternar com /i/ de
forma regular.
É, portanto, entre os informantes cultos que os resultados indicam uma
assimetria na implementação do alteamento, por resistência da vogal média /e/,
defendida por Câmara Jr (1970). Considerando-se que sua tese de doutorado foi
defendida em 1949 e que o alvo de sua descrição foi a fala culta carioca da década de
194018, suas observações dizem respeito à mesma variedade de fala focalizada pelo
NURC, 30 anos depois.
Por ser o corpus das décadas de 1970/80 o que mais apresentou variação entre
médias e altas, o NURC foi o único que permitiu a análise estatística para a vogal /e/ –
desconsiderando-se o único dado de apagamento da vogal –, análise que foi
detalhadamente exposta em De Paula (2010:94-96). Ainda assim, a variação neste
corpus apresentou 09 dados de manutenção de /o/, em um total de 93, e 19 de 18 A informação está apresentada na Nota Prévia de Câmara Jr. (1953).
100
alteamento de /e/, em um total de 88. Por isso, a análise foi muito restrita para que se
pudessem confirmar claramente os condicionamentos extralinguísticos e, especialmente,
linguísticos em atuação no corpus. Consequentemente, a significância da rodada final
não foi boa (0.040), conforme se verá adiante na Tabela 9.
Em todos os corpora considerados nesta pesquisa, as variáveis fonéticas
controladas – que haviam sido apontadas por Vieira (1994) como condicionadoras do
alteamento das vogais /e/ e /o/ postônicas mediais na Região Sul – foram relacionadas a
determinados vocábulos muito frequentes na fala fluminense, não só no NURC, como
em todos os corpora representativos da fala do Rio de Janeiro. Uma discussão atenta
das variáveis linguísticas desconsideradas nas análises está exposta em De Paula (2010).
Assim, não levando em conta a maior parte dos condicionamentos linguísticos,
como as características articulatórias dos elementos adjacentes e a classe de palavras,
por exemplo, foram passíveis de análise binomial apenas três variáveis: faixa etária,
sexo e classificação lexical.
(A) Variável não selecionada
As faixas etárias apresentaram índices de alteamento que diminuem
gradualmente nas gerações mais novas (23,1% > 21,9% > 18,8%), mas com diferenças
mínimas, motivo pelo qual a variável faixa etária não foi selecionada pelo programa
(2010:94).
Tabela 8. Variável faixa etária para o alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala culta fluminense – Década de 1970.
Corpus NURC Variável Fatores Oco %
Faixa Etária
Faixa 1 3/16 18,8% Faixa 2 7/32 21,9% Faixa 3 9/39 23,1% Total 19/87 100%
Fonte: DE PAULA (2010:94).
101
(B) Variáveis selecionadas
A tabela abaixo apresenta a rodada final da análise, em que o alteamento foi
tomado como valor de aplicação, frente à manutenção de /e/ (este critério foi adotado
em todas as análises). O sexo e a classificação lexical foram considerados relevantes:
Tabela 9. Fatores condicionadores do alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala culta fluminense – Década de 1970.
Corpus NURC Variáveis Fatores Oco % Peso Relativo
Sexo Homem 5/46 10,9% 0.333 Mulher 14/41 34,1% 0.686
Classificação Lexical
Usual 9/59 15,3% 0.407 Não usual 10/28 35,7% 0.688
Signif: 0.040 Input: 0.182 Fonte: DE PAULA (2010:95).
As mulheres mostraram-se as maiores responsáveis pelo alteamento de /e/, sendo
favoráveis ao processo de mudança, embora não intensamente: p. r. de 0.686, referente a
34,1% de casos de alteamento. Os homens, ao contrário, foram os mais conservadores:
p. r. de 0.333 para 10,9% dos casos. É importante destacar que a diferença entre os
sexos encontra-se na faixa dos 20% de produtividade da vogal alta [i].
Os termos não usuais (que agregam os pouco usuais e técnicos) foram os mais
favoráveis ao alteamento (p. r. de 0.688), demonstrando que o processo não é
lexicalmente restrito entre os cultos, que mantêm a vogal média tanto em vocábulos
mais frequentes e comuns quanto naqueles mais restritos ao vocabulário passivo e ao
discurso técnico.
Conclui-se que, por um lado, a assimetria de alguma maneira está presente na
variedade de fala culta carioca ao menos até a década de 70, ratificando Câmara Jr
(1970), mas o alteamento, em 21% das ocorrências de /e/, demonstra a presença da
variação entre médias e altas já nessa época. Considerando Bisol (2003), por outro lado,
pode-se considerar a hipótese da persistência do sistema de 05 vogais, especialmente
quando se observa /e/, com quase 80% de articulação média [e], mas também no âmbito
de /o/, com aproximadamente 10% de realização da média [o]. O sistema mais simples,
de 03 vogais, não pode ser confirmado como regular entre esses falantes nos anos 70.
102
d. Análise das amostras dos anos 1970 e 1980
Esta etapa observa em conjunto os dados da fala fluminense levantados nas
décadas de 1970 e 1980, contrastando, em análise estatística, as amostras que
apresentaram variação no fenômeno estudado.
A Tabela 10, abaixo, informa os resultados percentuais gerais de realização,
alteamento ou cancelamento das vogais /e/ e /o/ nos corpora APERJ, PEUL e NURC, já
apresentados por De Paula (2010). Os percentuais de alteamento das vogais médias são
muito parecidos nesses dados. No Estado do Rio de Janeiro, como um todo, atestou-se o
predomínio do alteamento, em 70,7% dos casos da vogal anterior /e/ e em 77,4% dos
casos da posterior /o/. Na perspectiva da implementação da mudança para a articulação
alta, o processo parece ser simétrico na comunidade de fala do Estado.
Tabela 10. Índices gerais da variação de vogais médias postônicas mediais na fala fluminense – Décadas de 1970/80.
Fonte: DE PAULA (2010:89).
Entretanto, em detalhes, vê-se que a realidade é diferente. Em primeiro lugar, os
índices de cancelamento, fenômeno que se apresenta significativamente nos corpora,
mostram-se distintos em contexto anterior e posterior: 8,6% dos dados de /e/ e 19% dos
dados de /o/. Somados aos casos de alteamento, esses dados estão em concorrência com
as vogais médias, que se realizaram em 20,7% das ocorrências da vogal anterior /e/ e
em apenas 3,6% dos casos da posterior /o/.
Assim, observando-se o ponto de vista da resistência à mudança, ou seja, da
manutenção da vogal média, há diferença marcante entre o contexto anterior e o
posterior. Quando retirados das amostras os casos de cancelamento, veem-se apenas os
Corpora PEUL 80, APERJ e NURC Alteamento Manutenção Apagamento Total
Vogal /e/ 287 84 35 406
70,7% 20,7% 8,6% 100% Exemplo [ s e)» t S i m I t U ] [ s e)» t S i m e t U ] [ s e)» t S i m U ]
Vogal /o/ 780 36 192 1008
77,4% 3,6% 19% 100% Exemplo [ » å ) k U R å ] [ » å ) k o R å ] [ » å ) k å ]
103
dados em que a vogal foi concretizada e, neles, fica clara a assimetria na implementação
do alteamento na fala fluminense:
Tabela 11. Índices gerais da concretização de vogais médias postônicas mediais na fala fluminense – Décadas de 1970/80.
Corpora PEUL 80, APERJ e NURC Alteamento Manutenção Total
Vogal /e/ 287 84 371
77,4% 22,6% 100%
Vogal /o/ 780 36 816
95,6% 4,4% 100% Fonte: DE PAULA (2010:90).
A vogal /o/ apresenta 95,6% de alteamento, possivelmente demonstrando a
conclusão do processo nesse contexto, enquanto a vogal /e/ ainda tem resistência de
22,6% (contra 77,4% de alteamento).
Fala culta x Fala popular
Na primeira etapa desta pesquisa, na análise apresentada em síntese na seção
2.1.3 e aqui retomada, a fala fluminense dos anos 70 e 80 foi tratada estatisticamente
através do confronto do corpus de fala culta NURC, da capital fluminense, e do corpus
de fala popular APERJ, do Norte-Noroeste do Estado.
Lembra-se que o corpus NURC foi analisado estatisticamente, na análise
apresentada neste capítulo, o que não foi possível em relação ao APERJ. Já os dados do
PEUL 80 não foram submetidos à análise multivariada, nessa etapa, por serem os únicos
referentes à fala popular da capital e apresentarem comportamento categórico.
É importante destacar novamente que as primeiras tentativas de análise foram
insistentes no controle e na observação das variáveis linguísticas. Muitas rodadas foram
realizadas, com a reunião de fatores no Programa Goldvarb-X, seguidas da exclusão de
quase todas as variáveis linguísticas.
Por fim, lembra-se que, mais uma vez, o tratamento estatístico é desenvolvido
apenas para os casos de concretização da vogal anterior /e/, pois a vogal /o/ quase não
apresenta variação.
104
(A) Variáveis não selecionadas
Desconsiderando-se os casos categóricos e as variáveis fonéticas, que outra vez
não se mostraram pertinentes para o fenômeno, foram computadas na análise estatística
final a escolaridade, a faixa etária e a classificação lexical. Destas, foram eliminadas
duas: faixa etária e classificação lexical:
Tabela 12. Variáveis faixa etária e classificação lexical para o alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala fluminense – Décadas de 1970/8019.
Corpora APERJ e NURC Variáveis Fatores Oco Perc.
Faixa Etária Faixa 1 36/52 69,2% Faixa 2 136/169 80,5% Faixa 3 76/111 68,5%
Classificação Lexical
Usual 237/301 78,7% Não usual 11/31 37, 5 %
Fonte: De PAULA (2010:101).
As faixas etárias foram desconsideradas por apresentarem grande semelhança
entre as faixas 1 e 3. Entretanto, quando se observa a distribuição de todos os dados de
vogal /e/ postônica medial recolhidos nos anos 70/80, nas três amostras, vê-se que a
maior parte dos dados, concentram-se na faixa 2 do corpus APERJ (Tabela 6). Nela
estão 137 dos 371 dados, o que condicionou o resultado da variação etária nesta análise
APERJ X NURC, pois, entre os cultos, observa-se um aumento pequeno do alteamento
com a idade (cf. Tabela 8).
Sobre a classificação lexical, para que a análise fosse realizada com sucesso,
foram amalgamados aos termos usuais também os topônimos e antropônimos, e aos
termos não usuais, também aqueles classificados como técnicos. Mesmo que os pesos
relativos (0.544 para termos usuais; 0.163 para não usuais) e a significância (0.000) da
rodada tenham demonstrado que a usualidade dos termos lexicais favorece de alguma
forma o alteamento da vogal, tal grupo de fatores foi preterido pelo programa.
19 Aqui corrigiu-se 01 dado apresentado equivocadamente em De Paula (2010, p. 100, 101 e 112): 01 ocorrência de vocábulo usual do corpus APERJ havia sido contabilizada entre os não usuais.
105
(B) Variável selecionada
A partir dos resultados, conclui-se que os condicionamentos lexicais, referentes
a um uso maior de termos pouco usuais ou técnicos, têm menos força que a escolaridade
dos falantes, a única variável que foi considerada relevante para a implementação da
regra de alteamento entre os falantes das décadas de 1970/80. Este resultado foi
previamente apresentado na seção 2.1.3, na Tabela 1, que aqui se repete:
Tabela 1. Fatores condicionadores do alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala fluminense – Décadas de 1970/80.
Corpora APERJ e NURC Variável Fatores Oco % P. R.
Escolaridade Ensino Superior 19/87 21,8% 0.052
De 0 a 4 anos 229/245 93,5% 0.737 Signif.: 0.000 Input: 0.836
Fonte: DE PAULA (2010:102).
O alteamento (valor de aplicação) tem peso relativo de 0.737, na fala popular
(APERJ), e de apenas 0.052, na fala culta (NURC). Isso comprova uma das hipóteses
iniciais, que previa que as vogais médias teriam maior representatividade na fala culta.
Por outro lado, não fica comprovado que proparoxítonos não usuais concorram para a
persistência das vogais médias nesta variedade de fala.
Esperava-se que os vocábulos proparoxítonos não usuais e técnicos, em geral
mais usados pelos falantes cultos, fossem os responsáveis pela inibição do alteamento,
que seria mais produtivo nos vocábulos usuais. Entretanto, como se vê nos resultados do
NURC, os falantes cultos mantiveram a vogal como média não só nas proparoxítonas
menos frequentes, mas ainda mais nas usuais. Igualmente, os não cultos
preferencialmente altearam a vogal, tanto nos termos comuns como nos poucos casos de
vocábulos formais que pronunciaram. Destaca-se, nesse sentido, o comportamento
categórico dos falantes do PEUL 80 ao altear /e/ e /o/.
106
4.1.1.2 A primeira década de 2000
Nesta etapa, novamente os dados de fala espontânea serão apresentados por
corpus e a relação entre a fala culta e a popular continuará sendo observada, à
semelhança do que foi feito até aqui. Isso dará a base para a análise multivariada
realizada nesta seção.
a. PEUL 2000
Nas entrevistas do corpus PEUL 2000 está registrada, mais uma vez, a fala
popular da capital carioca, agora em dados referentes aos anos 2000. Infelizmente, o
número de ocorrências da vogal anterior /e/ foi muito baixo, apenas 16 casos, o que não
permite uma observação mais ampla da variação encontrada no âmbito desta vogal.
Considerou-se ampliar o número de entrevistas contabilizadas neste corpus, mas
os demais inquéritos não estão distribuídos regularmente pelas células sociais
consideradas. Ao mesmo tempo, o levantamento prévio de ocorrências do fenômeno
investigado nos demais inquéritos mostrou que muitos falantes não haviam produzido
nem um caso de vogal postônica medial, especialmente no âmbito de /e/. Assim,
considerar mais entrevistas no corpus PEUL 2000 teria como consequência acarretar
um desequilíbrio muito grande na representatividade social do conjunto de dados, com
um ganho numérico pequeno.
Para a melhor observação deste corpus, enquanto representativo da fala popular,
ao contrário de analisá-lo separadamente, optou-se por somá-lo aos dados de falantes
não cultos do corpus Concordância e realizar uma análise estatística em conjunto, o que
será apresentado nas próximas seções. Além disso, no próximo capítulo, procede-se a
uma análise lexical em que os dados do PEUL serão focalizados também nos níveis
lexical e individual.
Ao observar os resultados dessa amostra em percentuais, vê-se que o
comportamento dos falantes não foi plenamente categórico na sincronia atual, como
aconteceu na década de 80. As vogais médias agora estão um pouco mais presentes, mas
em apenas 06 ocorrências, 04 de /e/ e 02 de /o/:
107
Tabela 13. Índices da variação de vogais médias postônicas mediais no corpus PEUL 2000 (variedade popular) – Década de 2000.
Corpus PEUL 2000
Alteamento Manutenção Apagamento Total
Vogal /e/ 11 04 01 16
68,8% 25% 6,2% 100% Exemplo [ » ç p I R å ] [ » f o l e g U ] [ » n u ) m ]
Vogal /o/ 88 02 06 96
91,7% 2,1% 6,2% 100% Exemplo [ » s i ) b U l U ] [ a » b ç b o R å ] [ a » b R ç b å ]
Embora a vogal média [e] apareça um pouco mais expressivamente em índices
percentuais, o seu número de ocorrências nos inquéritos ainda é extremamente baixo. O
que parece ser significativo em índices percentuais é resultado do pequeno número de
vocábulos encontrados no universo de 10 entrevistas.
Já a vogal /o/ confirma-se, neste corpus, como um fonema em neutralização com
/u/, demonstrando a consolidação da mudança desta vogal no período que vai da década
de 1970 até a atualidade. Em 96 dados, a vogal só persistiu como média em 02 (2,1%)
dados e foi majoritariamente reduzida de alguma forma, seja alteada (91,7% dos casos)
ou apagada (6,2%).
Entre os informantes do PEUL 2000, é possível vislumbrar, de forma muito
restrita, algumas diferenças quanto ao nível de escolaridade no comportamento dos
cariocas (Tabela 14). Destaca-se, primeiramente, que os falantes que estudaram até o
nível Fundamental, no máximo, são responsáveis pela maior parte dos dados (11 de 16
ocorrências de /e/; 71 de 96 ocorrências de /o/), pois nesse grupo incluem-se aqueles
com o 1º e o 2º segmento do Ensino Fundamental, que são aproximadamente 2/3 dos
informantes deste corpus.
108
Tabela 14. Índices da variação de vogais médias postônicas mediais por nível de escolaridade no corpus PEUL 2000 (variedade popular) – Década de 2000.
Variável Escolaridade – Corpus PEUL 2000 Fatores Alteamento Manutenção Apagamento
Vogal /e/ Fundamental
09/11 02/11 0/11 81,8% 18,2% 0%
Médio 02/05 02/05 01/05 40% 40% 20%
Vogal /o/
Fundamental 64/71 02/71 05/71 90,1% 2,8% 7,1%
Médio 24/25 0/25 01/25 96% 0% 4%
Como se disse, obtiveram-se apenas 16 casos de proparoxítonas com /e/
postônica medial e, entre os falantes com Ensino Médio, foram apenas 05 os casos, o
que impede qualquer afirmação categórica sobre o comportamento desses falantes. Da
mesma forma, no âmbito de /o/, mesmo com o levantamento de quase 100 dados, a
variação na realização da vogal é tão esparsa que impede conclusões sobre as suas
motivações.
Ainda assim, os índices aqui expostos levantam alguns indícios de que neste
corpus os falantes com Ensino Médio têm sido mais conservadores na manutenção da
média /e/. Percentualmente, eles realizaram de forma equânime a variante média e a alta
– 02 ocorrências de cada, ou seja, 40% do total. Já entre os falantes com Ensino
Fundamental, a vogal alta teve muito mais representatividade – 09 casos de [i],
referentes a 81,8% dos dados.
No âmbito de /o/, os únicos 02 casos de conservação da média foram
encontrados entre os falantes com menos escolaridade, o que destoa da hipótese aqui
aventada para /e/. No capítulo a seguir, será discutido o caráter lexical dessas 02
ocorrências do vocábulo abóbora [a�bçboRå], que se concentram na fala do mesmo
informante. De qualquer forma, é clara, neste corpus, a já comentada categoricidade da
realização da vogal posterior /o/ como alta [u].
109
b. Corpus Concordância
Sobre as amostras do corpus Concordância, observa-se, primeiramente, que os
moradores de Copacabana e os de Nova Iguaçu apresentaram um comportamento geral
muito semelhante. Não houve nenhuma distinção evidente entre os falantes da capital e
os de Nova Iguaçu, nenhum dos grupos se destacou da média geral, como se observa
nas tabelas a seguir. Isso permitirá que os dados de ambas as localidades sejam tratados
conjuntamente.
Tabela 15. Índices da variação da vogal média anterior postônica medial por localidade do corpus Concordância RJ (variedades culta e popular) – Década de 2000.
Corpus Concordância RJ – Vogal /e/ Alteamento Manutenção Apagamento
Copacabana 15/33 15/33 03/33 45,5% 45,5% 9%
Nova Iguaçu 14/30 15/30 01/30 46,7% 50% 3,3%
Total 29/63 30/63 04/63 46% 47,6% 6,4%
Tabela 16. Índices da variação da vogal média posterior postônica medial por localidade do corpus Concordância RJ (variedades culta e popular) – Década de 2000.
Corpus Concordância RJ – Vogal /o/ Alteamento Manutenção Apagamento
Copacabana 113/120 1/120 6/120 94,2% 0,8% 5%
Nova Iguaçu 126/135 3/135 6/135 93,3% 2,2% 4,4%
Total 239/255 4/255 12/255 93,7% 1,6% 4,7%
Os percentuais gerais dessas amostras, retomados na Tabela 17 a seguir,
demonstram um aparente equilíbrio entre a articulação média e a articulação alta na
realização de /e/; ao lado do predomínio absoluto de [u], já esperado, na realização de
/o/.
110
Tabela 17. Índices da variação de vogais médias postônicas mediais no corpus Concordância RJ (variedades culta e popular) – Década de 2000.
Corpus Concordância RJ Alteamento Manutenção Apagamento Total
Vogal /e/ 29 30 04 63
46% 47,6% 6,4% 100% Exemplo [ p a » R å ) m I t u ] [ p e » R i ) m e t RU ] [ p a R a l e » p i p U ]
Vogal /o/ 239 04 12 255
93,7% 1,6% 4,7% 100% Exemplo [ » i ) d U l I ] [ » k o ) m o d U Z ] [ n i » l ç p I S ]
Enquanto a média posterior se realizou majoritariamente como alta, em 93,7%
dos dados, a média anterior [e] variou de forma perfeitamente equilibrada com a alta,
mantendo-se em 29 ocorrências (46%) e reduzindo-se em 30 (47,6%). Os casos de [i ]
somados aos de apagamento (6,4%), demonstram a tendência um pouco maior da
redução da vogal frente a sua manutenção.
Lembra-se, por outro lado, que esses números do Concordância incluem a fala
popular e a fala culta, a qual já demonstrou merecer ser analisada separadamente. Por
isso, procede-se agora a uma observação específica da variável escolaridade neste
corpus – à semelhança da que foi feita no PEUL 2000. Em sequência, nas próximas
seções, reúnem-se os dois corpora levantados nos anos 2000 para que sejam analisados
estatisticamente os dados de falantes cultos e não cultos.
Tabela 18. Índices da variação de vogais médias postônicas mediais por nível de escolaridade no corpus Concordância RJ (variedades culta e popular) – Década de 2000.
Variável Escolaridade – Corpus Concordância RJ Fatores Alteamento Manutenção Apagamento
Vogal /e/
Fundamental 03/06 0/06 03/06 50% 0% 50%
Médio 05/15 09/15 01/15 33,3% 60% 6,7%
Superior 21/42 21/42 0/42 50% 50% 0%
Vogal /o/
Fundamental 73/78 0/78 05/78 93,6 0% 6,4
Médio 62/65 01/65 02/65 95,4% 1,5% 3,1%
Superior 104/112 03/112 05/112 92,9% 2,7% 4,5%
111
As ocorrências de vogais médias aumentam com o nível de escolaridade (0 > 9 >
21 casos de [e]; 0 > 1 > 3 casos de [o]), mas, percentualmente, os falantes que
estudaram até o Ensino Médio altearam um pouco menos a vogal anterior /e/ do que
aqueles com Ensino Superior, realizando a articulação média em 60% dos casos, fato
que chama a atenção. O resultado diverge parcialmente do que era esperado com base
no que foi encontrado nos anos 70/80. Tudo isso demonstra que a atuação da
escolaridade precisa continuar a ser observada com atenção nos corpora estudados,
especialmente quanto ao comportamento dos falantes cultos nos anos 2000.
Como visto, quanto a /e/, o processo de alteamento demonstra ser um fenômeno
em pleno estado de variação com a manutenção da vogal nos anos 2000, variação esta
que será mais bem apreciada na análise multivariada. Por outro lado, o número baixo de
ocorrências de /e/ nos corpora Concordância e PEUL 2000 exige um olhar
extremamente atento sobre os resultados, que serão discutidos a seguir.
c. Análise das amostras dos anos 2000
Nesta seção, são observadas em conjunto e contrastadas em análise estatística as
amostras levantadas nas décadas de 2000. Seus percentuais gerais estão explanados na
tabela a seguir:
Tabela 19. Índices gerais da variação de vogais médias postônicas mediais na fala fluminense – Década de 2000.
Corpora Concordância RJ e PEUL 2000 Alteamento Manutenção Apagamento Total
Vogal /e/ 40 34 05 79
50,6% 43,1% 6,3% 100%
Exemplos [f e» no)m i nu] [f e» no)m enu] [»»»» nu)S]
Vogal /o/ 327 06 18 351
93,2% 1,7% 5,1% 100%
Exemplos [��:pok�::] [��puk�] [��p�]
Os resultados gerais, mais uma vez, atestam o predomínio do processo de
alteamento, que também é implementado assimetricamente nesses dados, em 93,2% das
112
ocorrências de /o/ e 50,6% das ocorrências de /e/. Considerando-se apenas os casos de
concretização, que serão contabilizados na análise multivariada de /e/, obtêm-se os
percentuais expostos na tabela a seguir.
Tabela 20. Índices gerais da concretização de vogais médias postônicas mediais na fala fluminense – Década de 2000.
Corpora Concordância RJ e PEUL 2000 Alteamento Manutenção Total
Vogal /e/ 40 34 74
54,1% 45,9% 100%
Vogal /o/ 327 06 333
98,2% 1,8% 100%
O tratamento estatístico que aqui será empreendido ajudará a compreender
melhor a atuação da escolaridade na realização das vogais estudadas entre os falantes
dos anos 2000.
Fala popular
Conjugando-se o corpus PEUL 2000 com a parcela de informantes não cultos da
amostra Concordância, que, apresentam o mesmo perfil social que os primeiros, obtém-
se um conjunto maior e mais expressivo de dados de fala popular, ou seja, uma amostra
com as mesmas características sociais e, inclusive, resultados linguísticos semelhantes,
os quais já foram comentados.
A Tabela 21, a seguir, agrega as ocorrências de /e/ e /o/ postônicas mediais
apenas na fala popular dos corpora registrados nos anos 2000:
113
Tabela 21. Índices gerais da variação de vogais médias postônicas mediais por nível de escolaridade na fala popular fluminense – Década de 2000.
Fala popular – Corpora Concordância RJ e PEUL 2000 Fatores Alteamento Manutenção Apagamento
Vogal /e/ Fundamental
12/17 02/17 03/17 70,6% 11,8% 17,6%
Médio 07/20 11/20 02/20 35% 55% 10%
Vogal /o/
Fundamental 137/149 02/149 10/149
92% 1,3% 6,7%
Médio 86/90 01/90 03/90 95,6% 1,1% 3,3%
Entre os informantes não cultos dos anos 2000, os termos usuais equivalem a
93,1% das proparoxítonas com /e/ e /o/ realizadas, enquanto os termos pouco usuais ou
técnicos equivalem a 6,9%, 19 casos em 276.
A semelhança percentual no alteamento de /o/ demonstra que a sua
implementação ocorre independentemente do nível de escolaridade do falante e é mais
um indício para a confirmação de que o processo de mudança está concluído na
articulação posterior.
Os casos de concretização de /e/ foram submetidos à análise estatística, a fim de
verificar a existência de outros fatores condicionadores em atuação juntamente com o
nível de escolaridade, mas, como será explicado, os resultados merecem ser
relativizados.
(A) Variáveis não selecionadas
Embora as variáveis faixa etária e classificação lexical tenham apresentado
percentuais interessantes para este estudo, elas foram preteridas pelo programa, assim
como as demais variáveis linguísticas foram rejeitadas, a exemplo das outras análises já
discutidas. Destacam-se aqui os percentuais de alteamento encontrados para essas duas
variáveis, para fins de comparação com as demais análises empreendidas:
114
Tabela 22. Variáveis faixa etária e classificação lexical para o alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala popular fluminense – Década de 2000.
Fala popular – Corpora Concordância RJ e PEUL 2000 Variáveis Fatores Oco Perc.
Faixa Etária Faixa 1 05/07 71,4% Faixa 2 05/08 62,5% Faixa 3 09/17 52,9%
Classificação Lexical
Usual 12/21 57,1% Não usual 07/11 63,6 %
Quanto à faixa etária, observou-se um padrão crescente de produtividade do
alteamento entre os falantes mais jovens. Seria possível apontar esse resultado como um
indício da implementação da mudança na fala popular com o passar do tempo,
entretanto, o número de dados em cada faixa é muito baixo para que se possam tirar
conclusões a respeito. Entre as faixas 1 e 2, por exemplo, a diferença percentual é
responsabilidade de apenas 01 ocorrência.
A classificação lexical, que considera a usualidade e a frequência dos vocábulos
proparoxítonos, mais uma vez demonstrou que o processo de alteamento se aplica, na
fala popular fluminense, indiscriminadamente nas proparoxítonas mais frequentes ou
naquelas de uso mais restrito, pouco comuns ou técnicas.
(A) Variável selecionada
Em consonância com as discussões desenvolvidas no âmbito de cada corpus dos
anos 2000 separadamente, o Programa Goldvarb-X apontou, mais uma vez, o nível de
escolaridade como condicionador da aplicação da regra do alteamento, como se vê na
Tabela 23, a seguir:
Tabela 23. Fatores condicionadores do alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala popular fluminense – Década de 2000.
Fala popular – Corpora Concordância RJ e PEUL 2000 Variável Fatores Oco % P. R.
Escolaridade Fundamental 12/14 85,7% 0.779
Médio 07/18 38,9% 0.273 Signif.: 0.008 Input: 0.629
115
Os falantes com Ensino Médio mostraram-se desfavoráveis a sua implementação
(p. r. 0.273) e os falantes que estudaram até o Ensino Fundamental, extremamente
favoráveis a ela (p. r. 0.779). Neste grupo, incluíram-se tanto os falantes que concluíram
apenas o 1º segmento do Ensino Fundamental quanto aqueles que concluíram também o
2º segmento. Estes dois grupos de falantes tiveram comportamento quase semelhante e
categórico – mantiveram a vogal média /e/ em apenas 02 casos entre 14.
Por fim, sobre a implementação do alteamento de /e/ na fala popular fluminense
dos anos 2000, destacam-se, dois aspectos que serão discutidos nas próximas etapas da
tese: o provável contraste entre o Ensino Fundamental e Médio e o possível caráter
idiossincrático do comportamento dos falantes com Ensino Médio, o que será observado
no capítulo dedicado à análise lexical.
Fala culta
Nesta etapa, procede-se à análise estatística dos dados de fala culta recolhidos no
corpus Concordância. Obviamente, apenas 42 dados também não podem ser
considerados como representativos de uma variedade de fala e, por isso, devem ser
observados pontualmente. Por outro lado, sendo esta a única amostra sociolinguística
disponível referente à fala culta fluminense dos anos 2000, considerou-se
imprescindível observá-la estatisticamente. Neste caso, desconstruir os resultados das
rodadas estatísticas será um procedimento ainda mais interessante para a compreensão
do fenômeno estudado do que o resultado geral em si.
A tabela a seguir retoma exclusivamente as ocorrências de vogais médias
postônicas não finais na fala culta do corpus Concordância, números já apresentados na
tabela 18. Na amostra desta variedade de fala, os vocábulos usuais correspondem a
88,3% dos dados levantados.
Os falantes cultos também foram praticamente categóricos ao reduzir a vogal
posterior /o/, alteando-a ou apagando-a, como os não cultos, mas foram conservadores
com relação a /e/. Como explicado, no âmbito desta vogal, o processo de alteamento
divide espaço com a manutenção da média:
116
Tabela 24. Índices da variação de vogais médias postônicas mediais na fala culta do corpus Concordância RJ – Década de 2000.
Fala culta – Corpus Concordância RJ Alteamento Manutenção Apagamento Total
Vogal /e/ 21 21 0 42
50% 50% 0% 100%
Vogal /o/ 104 03 05 112
92,9% 2,7% 4,5% 43,9%
Com relação à fala culta da década de 70, vê-se que, percentualmente, o
alteamento ganhou espaço nessa variedade de fala no decorrer das últimas décadas na
realização de ambas as vogais médias postônicas mediais. No âmbito da vogal posterior
/o/, a média passou de quase 10% de manutenção para apenas 2,7% (03 dados apenas
em mais de uma centena), à semelhança da variedade popular. Na vogal anterior /e/, a
manutenção da média, que era de mais de 77%, perdeu ainda mais espaço, restando em
exatos 50% dos casos. Tais diferenças serão mais bem observadas nas etapas seguintes.
(A) Variável não selecionada
A classificação lexical foi novamente desconsiderada pelo programa, embora
tenha aparecido como relevante na fala culta dos anos 70. Isso era esperado porque,
mesmo que na década de 70 tenha sido uma variável selecionada pelo Programa, a
realização um pouco maior do alteamento entre os termos não usuais (apenas 35,7%, cf.
Tabela 9), na verdade, demonstra que o léxico mais formal e técnico não condicionava o
comportamento dos falantes cultos naquela época. É o que demonstra também o
resultado dos anos 2000:
Tabela 25. Variável classificação lexical para o alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala culta fluminense – Década de 2000.
Fala culta – Corpora Concordância RJ Variável Fatores Oco Perc.
Classificação Lexical
Usual 12/26 46,2% Não usual 09/16 56,2%
Mais uma vez, observa-se entre os cultos a produtiva variação entre a articulação
média e a alta, sem nenhuma restrição quanto à usualidade das proparoxítonas.
117
(B) Variáveis selecionadas
A única variável que foi considerada relevante para a fala culta nas duas
sincronias foi o sexo dos falantes. Como se vê no resultado apresentado na Tabela 26, a
seguir, as mulheres dos anos 2000 foram menos favoráveis ao alteamento que os
homens:
Tabela 26. Fatores condicionadores do alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala culta fluminense – Década de 2000.
Fala culta – Corpus Concordância RJ Variáveis Fatores Oco % Peso Relativo
Sexo Homem 19/27 70,4% 0.768 Mulher 02/15 13,3% 0.104
Faixa Etária Faixa 1 01/09 11,1% 0.064 Faixa 2 04/12 33,3% 0.661 Faixa 3 16/21 76,2% 0.683
Signif: 0.006 Input: 0.462
Além disso, elas se mostraram ainda mais conservadoras do que aquelas da
década de 70. O homens, por outro lado, que haviam realizado o alteamento em apenas
10,9% dos casos em 1970, agora preferiram a variante inovadora em 70,4%. Nesse
contexto, as mulheres aparecem como as responsáveis pela contenção da mudança nos
dias atuais.
Essa variável deve ser observada com atenção na medida em que, vista
superficialmente, aponta uma mudança expressiva no comportamento dos homens
cultos nas últimas décadas e, dessa forma, seria a variável fundamental para a
compreensão do processo de mudança em andamento nessa variedade de fala.
Já a faixa etária, que havia sido preterida na análise da fala culta dos anos 70,
aqui permanece apontando uma produtividade gradual do alteamento com o aumento da
idade, mas agora ainda mais expressivamente. Nos anos 2000, a faixa 3 parece ser
extremamente favorável ao alteamento, a ponto de levar a variável faixa etária a figurar
na rodada final.
Entretanto, sob um olhar pontual, observa-se que a presença da variante [i] na
amostra de fala culta dos anos 2000, na verdade, se concentra em apenas duas
entrevistas da mesma célula social: 15 dos 21 casos de alteamento da amostra foram
118
realizados pelos homens da faixa 03. Isso desequilibra a representatividade do conjunto
de dados e, consequentemente, os resultados encontrados.
Assim, fica óbvio que o valor quantitativo dos dados condicionou o resultado
qualitativo para a fala culta dos anos 2000 e a produtividade da variante alta nessa
amostra representa um comportamento idiossincrático.
Além disso, o condicionamento desses números também é lexical, visto que os
15 dados de [i] encontrados nessas duas entrevistas equivalem a apenas 04 itens lexicais
diferentes: indígena (07 ocorrências), milímetro (05 oco), quilômetros (02 oco) e
Aristóteles (01 oco). Isso será detalhado na análise lexical.
Fala culta x Fala popular
Na análise desenvolvida a seguir, a implementação do alteamento no âmbito da
vogal /e/ é tratada estatisticamente nas duas amostras nos anos 2000. Consideram-se
apenas os casos de concretização da vogal e o alteamento é tomado como valor de
aplicação.
A análise permite contrastar o comportamento de falantes cultos e não cultos e
melhor compreender a fala fluminense na sincronia atual. Para tanto, não se pode
esquecer de relativizar e observar atentamente os resultados, visto que o número de
dados disponível é pequeno, de apenas 74 ocorrências da vogal estudada.
Os dados foram tratados no Programa Goldvarb-X com o mesmo cuidado
procedimental de análises anteriores. Assim, foram realizadas diversas tentativas de
análise e restaram, na última rodada, novamente, as mesmas quatro variáveis: as
extralinguísticas faixa etária, sexo e escolaridade; e a variável linguística classificação
lexical.
Quanto à escolaridade, após observar que tinham pesos relativos muito parecidos
nas primeiras rodadas, optou-se por unir, em um grupo, os dois segmentos de falantes
com menos escolaridade (1º e 2º segmentos do Ensino Fundamental) e, em outro, os
dois segmentos com mais escolaridade (Ensino Médio e Ensino Superior). Esse
119
procedimento também está em conformidade com os resultados percentuais encontrados
e já apresentados neste capítulo20.
(A) Variáveis não selecionadas
O classificação lexical não se mostrou importante para a implementação ou a
restrição do alteamento, pois os percentuais de [e] e [i] foram parecidos entre os fatores
desta variável. A vogal [i] teve representação de 59,3% entre os termos pouco usuais
(16 dados de 27) e de 51,1% entre os termos usuais (24 dados de 47).
A faixa etária outra vez não foi relevante na análise estatística final, mas também
demonstrou um aumento gradual do alteamento conforme a idade do falante aumenta,
assim como ocorreu nos corpora de fala culta, tanto no NURC (anos 70), quanto no
Concordância (anos 2000) – neste, entretanto, a variável teve um condicionamento
idiossincrático.
Tabela 27. Variável faixa etária para o alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala fluminense – Década de 2000.
Corpora Concordância RJ e PEUL 2000 Variável Fatores Oco %
Faixa Etária
Faixa 1 6/16 37,5% Faixa 2 9/20 45% Faixa 3 25/38 65,8% Total 40/74 100%
Além disso, os resultados aqui expostos são referentes às falas popular e culta da
região metropolitana enquanto os outros resultados foram verificados quando se
analisou apenas a fala culta.
(B) Variáveis selecionadas
Sexo e escolaridade dos falantes mostraram-se condicionamentos relevantes na
variação da vogal estudada na fala fluminense dos anos 2000:
20 Uma análise com três escolaridades também foi empreendida e o seu resultado foi muito semelhante à rodada final aqui apresentada, mas com a significância um pouco menor.
120
Tabela 28. Fatores condicionadores do alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala fluminense – Década de 2000.
Variáveis Fatores Oco % Peso Relativo
Sexo Homem 29/41 70,7% 0.719
Mulher 11/33 33,3% 0.237
Escolaridade Médio e Superior 28/60 46,7% 0.376
Até Fundamental II 12/14 85,7% 0.897
Signif: 0.000 Input: 0.560
Deve-se considerar que o input da regra é neutro na comunidade em geral e,
assim, a força do peso relativo dos falantes que não chegaram ao Ensino Médio, 0.897,
demonstra que esse é o fator fundamental que determina a aplicação da regra na fala da
Região Metropolitana do Rio de Janeiro nos anos 2000.
Embora possa envolver alguns condicionamentos específicos, a atuação do sexo
para o alteamento da vogal /e/ postônica medial também merece atenção na medida em
que os homens concentram a grande maioria dos casos de alteamento, 70,7% dos dados,
e apresentam o peso relativo de 0.719, que é bastante favorecedor à regra.
De qualquer forma, é imprescindível atentar para o caráter lexical e o idioleto,
pois os mesmos vocábulos se repetem no corpus e muitas vezes na fala do mesmo
informante, muitos deles com comportamento quase categórico ao manter ou altear a
vogal média. Isso pode condicionar tanto a variável sexo quanto a variável escolaridade
e, por isso, uma análise qualitativa será empreendida com detalhes no próximo capítulo.
4.1.1.3 Comparação entre 1970/80 e anos 2000
Os percentuais gerais da realização de vogais médias postônicas mediais na fala
fluminense das décadas de 1970/80, já foram expostos na seção 4.1.1.1, nos dados da
Tabela 10 que aqui se repete:
121
Tabela 10. Índices gerais da variação de vogais médias postônicas mediais na fala fluminense – Décadas de 1970/80.
Fonte: DE PAULA (2010:89).
Esses percentuais gerais para a fala do Estado nas décadas de 1970/80
demonstraram que, nessa época, as vogais médias já eram preteridas pelos falantes
fluminenses no contexto átono estudado. Elas foram realizadas em apenas 20,7% e
3,6% dos casos de /e/ e /o/, respectivamente, ao tempo em que o alteamento e o
cancelamento eram os processos que concorriam amplamente na realização fonética
dessas vogais. A observação atenta dos dados ajudou a compreender melhor a natureza
dessa assimetria e sua relação com a escolaridade nos anos 70/80.
A maior parte dos dados apresentados na Tabela 10 foi recolhida nas 78
entrevistas do corpus APERJ, que se refere ao Norte-Noroeste do Estado e representa
975 dados, apenas de falantes do sexo masculino. Entre eles, os falantes analfabetos
foram um pouco mais conservadores do que os de nível primário e os não cultos da
capital. Cogitou-se, nas primeiras etapas desta pesquisa, a hipótese de que essa
diferença fosse atribuída ao caráter mais rural da região, que, na época, poderia ser mais
conservador que a capital.
Na etapa atual da pesquisa, o APERJ não pode ser geograficamente comparado
com os dados dos anos 2000, pois não existe material disponível equivalente, que tenha
sido levantado na mesma região. Assim, não se pode delimitar que tipo de mudanças
sociais sofreram a região Norte-Noroeste e as comunidades de fala onde se levantou o
corpus, especialmente enquanto comunidades pesqueiras, para que se possa compará-las
à situação da capital.
Por tudo isso, e considerando também o desequilíbrio no número de dados, o
confronto que será realizado limita-se à capital fluminense. Relacionam-se, então, de
um lado, apenas os corpora NURC e PEUL 80 – para as décadas de 1970/80 (Tabela
Corpora PEUL 80, APERJ e NURC Alteamento Manutenção Apagamento Total
Vogal /e/ 287 84 35 406
70,7% 20,7% 8,6% 100% Exemplo [ s e)» t S i m I t U ] [ s e)» t S i m e t U ] [ s e)» t S i m U ]
Vogal /o/ 780 36 192 1008
77,4% 3,6% 19% 100% Exemplo [ » å ) k U R å ] [ » å ) k o R å ] [ » å ) k å ]
122
29) – e, de outro, os corpora Concordância RJ e PEUL 2000 – para os anos 2000
(Tabela 19, aqui retomada)21:
Tabela 29. Índices gerais da variação de vogais médias postônicas mediais na fala fluminense – Décadas de 1970/80.
Corpora NURC e PEUL 80
Alteamento Manutenção Apagamento Total
Vogal /e/ 58 68 02 128
45,3% 53,1% 1,6% 100%
Exemplo [ » v E S p I R å ] [ » v E ˙ t e bR å S ] [ » v E S p R å ]
Vogal /o/ 243 11 57 311
78,1% 3,6% 18,3% 100%
Exemplo [ a w » t o n u m u ] [ a » b ç b o R å ] [ a w » t o m å S ]
Tabela 19. Índices gerais da variação de vogais médias postônicas mediais na fala fluminense – Década de 2000.
Corpora Concordância RJ e PEUL 2000 Alteamento Manutenção Apagamento Total
Vogal /e/ 40 34 05 79
50,6% 43,1% 6,3% 100%
Exemplos [f e »»»» no)m i nu] [f e »»»» no)m enu] [»»»» nu)S]
Vogal /o/ 327 06 18 351
93,2% 1,7% 5,1% 100%
Exemplos [��:pok�::] [��puk�] [��p�]
Para compreender esses percentuais comparativos entre os dois períodos, deve-
se lembrar que o conjunto de entrevistas consideradas para as décadas de 1970/80 agora
está mais equilibrado em número de informantes cultos e não cultos do que no conjunto
que inclui o APERJ (Tabela 10). Assim, a manutenção da vogal média /e/ é mais
representativa em percentuais quando se desconsidera o APERJ (20,7% → 53,1%),
porque é a variante mais frequente apenas entre os falantes cultos, conforme já foi
comentado.
Na comparação quantitativa percentual, deve-se pesar também o número de
dados de cada tipo de corpus, popular ou culto, visto que este é o aspecto social que
21 Apenas como teste, realizou-se uma rodada de análise incluindo e também os dados do APERJ, mas os resultados foram muito semelhantes aos encontrados na análise que aqui será apresentada e a significância foi menor.
123
mais demonstrou influenciar a variação. A proporção de informantes de baixa
escolaridade e o total de seus dados é um pouco maior nos corpora dos anos 2000: nas
primeiras décadas, há 18 falantes cultos do NURC (181 dados) e 25 não cultos do
PEUL 80 (258 dados), enquanto no século atual há 12 falantes cultos do corpus
Concordância (154 dados) e 33 informantes não cultos (276 dados), na soma das duas
localidades investigadas.
Considerando todos esses aspectos, pode-se afirmar que os índices gerais
apontam uma diminuição da manutenção das vogais médias /e/ e /o/ na passagem dos
anos 70 até os anos 2000 na fala fluminense, mas o significado sociolinguístico desses
números no processo de mudança de /e/ é visto com clareza na análise a seguir, que
consegue pesar e relacionar o número de dados com as variáveis sociais.
Com os números das tabelas 19 e 29, constata-se que, de forma geral, o
comportamento da vogal média posterior /o/, em contexto postônico não final, é sempre
regular nos corpora de fala fluminense levantados nesta pesquisa. A articulação média
desta vogal, desde os anos 70, cede lugar para a vogal alta /u/, em decorrência de um
processo de neutralização, nos termos de Câmara Jr (1970). O último indício de sua
resistência na fala espontânea foi encontrado nos falantes cultos da década de 1970,
entre os quais a média posterior havia sido mantida em quase 10% das ocorrências. Já
nos dados atuais, foram levantados apenas 03 casos de manutenção de /o/ na fala culta,
equivalentes ao percentual de apenas 2,7% do total.
Conforme esperado, de nenhuma forma a variação da vogal posterior /o/ foi
passível de análise estatística, restando a análise a ser empreendida no âmbito de /e/.
Lembra-se que foram desconsiderados os casos de apagamento da vogal:
Tabela 30. Índices da concretização da vogal média anterior postônica medial nos corpora de fala da região metropolitana do Rio de Janeiro (variedades culta e popular) em duas sincronias.
Vogal /e/ – Corpora NURC 70, PEUL 80, Concordância RJ e PEUL 2000 Alteamento Manutenção Total
Anos 1970/80 58 68 126
46% 54% 100%
Anos 2000 40 34 74
54,1% 45,9% 100%
124
A última análise realizada buscou contrastar por meio do Programa Goldvarb-X
todas as amostras aqui consideradas, NURC 70, PEUL 80, Concordância e PEUL 2000.
Os dados do PEUL 80, que ainda não haviam sido tratados estatisticamente, foram
unidos, nesta etapa, aos outros corpora dos anos 70/80 e confrontados com aqueles dos
anos 2000.
Assim como ocorreu em todas as etapas anteriores, as variáveis linguísticas
mostraram-se novamente imprecisas como condicionamentos para a variação entre [e] e
[i] e foram desconsideradas na análise aqui apresentada.
Utilizando-se o código aplicado para cada corpus, reuniram-se em um mesmo
grupo aqueles que foram levantados na mesma época, criando-se, assim, um fator para
cada sincronia: décadas de 1970/80 e década de 2000. O objetivo era investigar
estatisticamente se a passagem do tempo foi relevante e favoreceu o processo de
mudança no âmbito de /e/. Entretanto, mesmo com o perceptível aumento da frequência
do alteamento de /e/ na passagem da década de 1970 para o século XXI, o programa
desconsiderou a diferença entre as duas sincronias na seleção final.
Ele também excluiu quase todas as variáveis sociais controladas, aquelas que
haviam apresentado, nas análises anteriores, algum tipo de condicionamento lexical e/ou
idiossincrático. A única que foi remanescente na análise unificada dos quatro corpora
foi a escolaridade.
(A) Variável selecionada
A regra de alteamento, que aqui continua como valor de aplicação, é
extremamente favorável no âmbito dos falantes que estudaram até o Ensino
Fundamental – p. r. de 0.938 –, beira a neutralidade entre os falantes com Ensino Médio
– p. r. de 0.645 – e é desfavorável entre os falantes que concluíram o Ensino Superior –
p. r. de 0.281:
125
Tabela 31. Fator condicionador do alteamento da vogal média anterior postônica medial na fala da Região Metropolitana do Rio de Janeiro – Décadas de 1970/80 e 2000.
Variáveis Fatores Oco % P. R.
Escolaridade
Fundamental 35/37 94,6% 0.938 Médio 23/34 67,6% 0.645
Superior 40/129 85,7% 0.281
Signif: 0.000 Input: 0.535
Dessa maneira, o resultado da análise estatística final confirma os percentuais de
cada um dos corpora que foram separadamente apresentados nesta tese e todas as
análises anteriormente realizadas: quanto mais anos de escolaridade tiver cursado, mais
o falante fluminense detém o processo de alteamento no âmbito da vogal /e/. Ou seja, os
resultados evidenciam que os falantes mais escolarizados, especialmente os cultos,
ainda são os responsáveis pela permanência da vogal média no contexto de articulação
anterior.
De qualquer forma, chama atenção a persistência da vogal média /e/ nos dados
dos anos 2000. Em menor escala no corpus PEUL 2000 e em maior no corpus
Concordância, essa vogal permanece consideravelmente diferenciada do
comportamento de /o/ e da tendência geral de alteamento de médias átonas. Assim,
paralelamente ao componente estatístico, considera-se fundamental discutir mais
atentamente as diferenças diacrônicas no comportamento dos falantes com mais anos de
escolaridade (níveis Médio e Superior), que parecem ser responsáveis por tornar mais
lenta a mudança.
Além de a escolaridade atuar de uma forma geral na comunidade de fala
fluminense, observa-se um condicionamento lexical e idiossincrático no comportamento
de alguns falantes dos anos 2000 que, na realização da vogal média anterior postônica
não final, se destacam do comportamento geral do seu grupo social. É o que se discutirá
no capítulo 5, a seguir.
126
4.1.2 Questionários e leitura de textos
A aplicação do questionário e da etapa de leitura aos informantes cariocas
totalizou 1292 dados de vocábulos proparoxítonos com vogais médias postônicas
mediais, entre 738 ocorrências de vogal /e/ e 554 de vogal /o/. Infelizmente, uma das
entrevistas foi desconsiderada devido à falta de espontaneidade do interlocutor, que teve
um comportamento extremamente artificial a ponto de silabar grande parte das
proparoxítonas proferidas em todas as etapas. Dessa forma, o total de dados, explanados
na Tabela 32, a seguir, referem-se a 17 gravações:
Tabela 32. Distribuição das 1292 ocorrências de vogal média postônica medial nos Questionários e na Leitura.
Questionários e Leitura
Estratégia Anterior Posterior
Perguntas 279 263
Total: 542
Figuras 202 157
Total: 359
Leitura 257 134
Total: 391
Devido à baixíssima produtividade nos resultados, foram desconsiderados desses
números os 09 casos de cancelamento encontrados na fala popular, 08 referentes a
indivíduos de nível Médio e apenas 01 de nível Fundamental. Também não são
considerados na pesquisa os casos de alteração da vogal: 09 casos de abaixamento da
vogal posterior /o/. Esses dados serão explanados nas próximas seções.
Quanto aos itens lexicais previstos, todos foram encontrados várias vezes, mas
alguns tiveram muito menos produtividade nas respostas do que outros. As palavras
fôlego, gênero, síntese, sonífero, tráfego, catástrofe, monótono e agrícola,
especialmente, foram as mais difíceis de serem obtidas. Pouco lembradas pelos cariocas,
quase sempre essas proparoxítonas foram preteridas diante de sinônimos extremamente
comuns na fala casual, respectivamente ar, tipo (ou estilo, ritmo), resumo, calmante,
movimento (ou fluxo, trânsito), tragédia (ou desastre, calamidade), repetitivo (ou
chato) e rural.
127
Os resultados encontrados refletem, de forma geral, o que se esperava com base
nos Atlas Linguísticos analisados por De Paula (2010). Os cariocas de todos os níveis
de escolaridade realizaram muito mais a articulação média na concretização de ambas as
vogais, principalmente de /e/:
Tabela 33. Índices da realização da vogal média anterior postônica medial em dados de Questionários e Leituras.
Questionários e Leitura – Vogal /e/ Estratégia Alteamento Manutenção
Perguntas 141/279 138/279 50,5% 49,5%
Exemplos [�aSpi Ru] [�aSpeRu]
Figuras 92/202 110/202 45,5% 54,5%
Exemplos [t e˙�m o)m i t Ru] [t e˙�m o)m et Ru]
Leitura 98/257 159/257 38,1% 61,9%
Exemplos [�kahs i Ri] [�kahs eRi]
Total 331 407
44,9% 55,1%
Os resultados estão sempre apresentados separadamente por tipo de estratégia de
investigação, visto que o estilo de fala é diferente em cada um. Os percentuais
demonstram isso, já que o conjunto de falantes diminui gradualmente o processo de
alteamento em /e/, conforme aumenta a formalidade do inquérito: 50,5% > 45,5% >
38,1%. Naturalmente, a diferença na etapa de leitura é muito maior, ultrapassa a
neutralidade da faixa dos 50%, alcançando mais de 60% de manutenção da média /e/.
No total geral, a articulação média da vogal anterior /e/ sobrepõe levemente o
alteamento, em 55,1% dos casos.
Já entre os vocábulos com vogal /o/, o processo de alteamento também é
refreado no discurso monitorado, mas ainda é muito mais produtivo em comparação
com a vogal anterior: no total geral, foi realizado em 64,8% dos casos. Ao observar as
três estratégias de investigação, entretanto, vê-se muitas diferenças no comportamento
dos cariocas:
128
Tabela 34. Índices da realização da vogal média posterior postônica medial em dados de Questionários e Leituras.
Questionários e Leitura – Vogal /o/ Estratégia Alteamento Manutenção
Perguntas 185/263 78/263 70,3% 29,7%
Exemplos [aw�t o)num u] [aw�t o)nom u]
Figuras 114/157 43/157 72,6% 27,4%
Exemplos [�m a:˙m u] [�m a˙m oRi]
Leitura 60/134 74/134 44,8% 55,2%
Exemplos [�i )dul i] [�i )dol i]
Total 359 195
64,8% 35,2%
Apenas nas leituras a mudança da vogal posterior /o/ é refreada pelos falantes,
que altearam a vogal em 44,8%, um percentual equilibrado com a realização da vogal
/e/ nos dados de leitura, 38,1% de alteamento. Nas figuras e perguntas, entretanto, a
formalidade não atinge tanto a tendência de redução de /o/ e o alteamento ainda é a
realização mais frequente dessa vogal. A categoricidade do processo, entretanto, não se
verifica mais como se verificou em todas as entrevistas da década de 2000 e a
formalidade faz os falantes reaverem a variante conservadora, de articulação média, em
quase 30% dos casos, 29,7% nas perguntas e 27,4% nas figuras.
Embora esses dados não possam ser tratados estatisticamente, como as
entrevistas de tipo DID, as variáveis que se mostraram mais pertinentes à variação das
vogais /e/ e /o/ postônicas não finais, nas análises já empreendidas, foram, nesta etapa,
controladas em percentuais, também com o auxílio do Programa Goldvarb-X. São elas a
classificação lexical das proparoxítonas, no nível linguístico, a faixa etária, o sexo e a
escolaridade, no nível extralinguístico.
Os falantes cariocas apresentaram diferença na realização das vogais apenas com
relação à escolaridade e, embora todos mudem de comportamento em contexto formal,
eles não parecem atentar para o caráter mais usual ou mais técnico das proparoxítonas,
tendo comportamento semelhante ao realizar os dois tipos. Observa-se na etapa de
leitura, que todos os falantes são receosos ao se deparar com esse tipo de acento, mesmo
em palavras comuns na fala carioca, como véspera e prótese.
129
Apresenta-se, a seguir, uma observação do comportamento dos falantes com
diferentes níveis de escolaridade na realização de /e/ e /o/, em cada etapa do
questionário e da leitura. Nas seções a seguir, será possível perceber que o aumento dos
anos de escolaridade dos falantes influenciou muito mais a realização de /e/ que a
realização de /o/.
4.1.2.1 Perguntas
A etapa de 32 perguntas (e 16 distratores) foi a menos formal das três, em que os
informantes não ficaram restritos apenas a respostas objetivas, mas também dialogaram
com o documentador.
Em todos os níveis de escolaridade, os resultados para a vogal anterior /e/
aproximaram-se dos da fala culta nas entrevistas de tipo DID da mesma década. O
alteamento concorre equilibradamente com a manutenção da vogal nas respostas dos
cariocas, mas é preterido entre os falantes cultos:
Tabela 35. Índices da realização da vogal média anterior postônica medial por nível de escolaridade em respostas a perguntas do Questionário.
Perguntas – Vogal /e/ Variável Fatores Alteamento Manutenção
Escolaridade
Fundamental 41/75 34/75 54,7% 45,3%
Médio 56/105 49/105 53,3% 46,7%
Superior 44/99 55/99 44,4% 55,6%
Há distinção clara entre fala culta e fala popular na realização de /e/, sendo os
cultos os informantes menos passíveis a altear a vogal, enquanto os falantes com Ensino
Médio não divergem muito daqueles com apenas o Fundamental.
Não está nesses percentuais um caso de cancelamento realizado por um
informante com Ensino Médio: frutífera [f Ru�t i f å].
Quanto à vogal posterior, a situação das perguntas não parece influenciar muito
os falantes com menos escolaridade, que mantiveram a vogal /o/ em apenas 17,1% das
130
respostas. Os falantes com mais escolaridade foram mais conservadores, mas não se
observa diferença entre os de Ensino Médio e Superior:
Tabela 36. Índices da realização da vogal média posterior postônica medial por nível de escolaridade em respostas a perguntas do Questionário.
Perguntas – Vogal /o/ Variável Fatores Alteamento Manutenção
Escolaridade
Fundamental 68/82 14/82 82,9% 17,1%
Médio 60/98 38/98 61,2% 38,8%
Superior 57/83 26/83 68.7% 31.3%
Nesta etapa, e de forma geral nos questionários, vê-se o resgate da variante
conservadora da vogal /o/ postônica medial, à semelhança da vogal anterior. Entretanto,
como se mostra nas seções a seguir, o processo de alteamento da vogal posterior só é
preterido na etapa mais formal, a leitura.
Não foram calculados os 03 casos de cancelamento produzidos por informantes
com Ensino Médio: 01 de pólvora [�pçwvj a] (processo de sândi em “a pólvora e a
espoleta”), 01 de [a�bçbR å] e 01 de carnívoro [ka˙�ni vRu].
4.1.2.2 Figuras
Na etapa de identificação de figuras, a interação com os informantes foi muito
mais rápida e objetiva que na anterior. Eles forneceram quase sempre respostas
objetivas, mais cuidadas e conscientes que as anteriores.
A consequência dessa postura se observa na concretização da vogal /e/. Aqui,
apenas os falantes do segundo nível de escolaridade altearam preferencialmente a vogal,
ainda um pouco mais que na primeira parte da gravação:
131
Tabela 37. Índices da realização da vogal média anterior postônica medial por nível de escolaridade em identificação de figuras do Questionário.
Figuras – Vogal /e/ Variável Fatores Alteamento Manutenção
Escolaridade
Fundamental 27/54 27/54 50% 50%
Médio 44/77 33/77 57,1% 42,9%
Superior 21/71 50/71 29,6% 70,4%
O nível Fundamental foi equilibrado ao aplicar o alteamento, alternando entre
[e] e [i] com 50% de ocorrências de cada variante. Os falantes cultos mantiveram a
vogal /e/ em mais de 70% dos casos, 50 em um total de 71.
No âmbito da vogal /o/, o aumento da formalidade não restringiu tanto o
alteamento quanto se observou para a vogal /e/. Apenas os falantes com Ensino
Fundamental diminuíram o percentual de alteamento com relação à fase de perguntas,
os mais escolarizados realizaram percentuais próximos aos da primeira etapa e ainda
foram um pouco menos conservadores:
Tabela 38. Índices da realização da vogal média posterior postônica medial por nível de escolaridade em identificação de figuras do Questionário.
Figuras – Vogal /o/ Variável Fatores Alteamento Manutenção
Escolaridade
Fundamental 31 16
66% 34%
Médio 45 13
77,6% 22,4%
Superior 38 14
73,1% 26,9%
Os falantes com nível fundamental haviam aplicado o alteamento em 83,9% dos
casos e agora aplicaram em apenas 66%. Os demais não corresponderam a essa
tendência: os de Ensino Médio variaram de 61,2% de alteamento para 77,6% e os com
nível Superior, de 68,7% a 73,1%.
Foram desconsideradas, nessa contagem, as 04 ocorrências de apagamento
levantadas nesta etapa: 02 casos de cócegas [�kçSkåS], 01 de horóscopo [ç�RçS] e 01 de
132
semáforo [s e‚�maf Ru] (um dos casos de cócegas ocorreu no nível de Ensino
Fundamental e os demais no nível Médio).
Também não foram incluídos, no conjunto de dados, 09 casos de comutação de
/o/ por [å], todos produzidos nessa segunda etapa do questionário. Eles referem-se a 01
caso de fósforo [�f çSf åRu], 01 de [s e�maf åRu], 02 de autódromo [aw�t çdRåm u] e 05 de
sambódromo [s å‚ �bçdRå m u]. De 09 ocorrências, 05 concentram-se entre falantes com
Ensino Médio, mas o processo não parece ser condicionado por escolaridade ou
monitoramento do discurso, havendo também 02 casos entre os falantes com menos
anos de escolaridade e 02 casos entre os cultos. Por outro lado, destaca-se a regularidade
das sequências fonéticas em que ele ocorreu, correspondentes aos sufixos -foro e -
dromo, o que indica ser um fenômeno com alguma sistematicidade, talvez de motivação
morfológica.
Os resultados apresentados até agora, a respeito das etapas de perguntas e
figuras, demonstraram que a vogal posterior /o/ é menos atingida pela formalidade do
discurso do que a anterior /e/, quando se trata de resgatar a variante média. Mesmo
assim, a situação de perguntas e respostas favoreceu a articulação média nesse contexto,
a qual já havia desaparecido na fala espontânea. De forma geral, quando aumenta o
monitoramento do discurso, o processo de alteamento é refreado e aumenta o percentual
de manutenção das vogais, mais intensamente no âmbito de /e/, mas também de forma
expressiva no âmbito de /o/.
4.1.2.3 Leituras
A etapa de leitura, obviamente, é a mais artificial das três etapas do inquérito e
não corresponde de nenhuma maneira à fala espontânea, mas sim ao extremo da fala
monitorada. Partindo de um texto de variedade escrita que não foi elaborado pelo
informante, ela serve, entretanto, para testificar um dos níveis mais formais de elocução
e fornecer as variantes escolhidas pelos falantes nesse tipo de situação discursiva.
Pôde-se observar que, ao ler os textos pedidos, quase todos os falantes com
menos escolaridade leram com menos fluidez que os demais, silabaram a maioria das
proparoxítonas e frequentemente se corrigiram. Os outros dois níveis de escolaridade
133
também tiveram, várias vezes, dificuldade na identificação de proparoxítonas, pausaram
diante desse tipo de acento e se corrigiram com frequência, demonstrando pouca
familiaridade com alguns itens investigados. Por outro lado, alguns dos falantes com
menos escolaridade, muitas vezes, não souberam em que sílaba pousar o acento das
proparoxítonas, mesmo após se corrigirem e apesar do acento gráfico.
Acredita-se serem esses os motivos de os falantes do Ensino Fundamental terem
realizado um percentual de manutenção da média /e/ significativamente maior do que
aqueles com Ensino Médio e Superior. Desconhecendo as palavras apresentadas, o
leitor menos hábil vê-se preso à forma escrita da palavra e, quase sempre, a variantes
conservadoras.
De qualquer forma, esta etapa foi a única em que os informantes de todos os
níveis de escolaridade preteriram o alteamento de /e/:
Tabela 39. Índices da realização da vogal média anterior postônica medial por nível de escolaridade em leituras.
Leituras – Vogal /e/ Variável Fatores Alteamento Manutenção
Escolaridade
Fundamental 21/70 49/70 30% 70%
Médio 39/89 50/89 43,8% 56,2%
Superior 38/98 60/98 38,8% 61,2%
Além dos índices de alteamento, explanados na tabela acima, um falante do
Ensino Médio apagou a vogal /e/ em 01 ocorrência de vésperas [�vESpRå S], que foi o
único caso desse fenômeno realizado na etapa de leitura.
Observou-se, nas fases de perguntas e identificação de figuras, que o
comportamento de /o/ não mudou radicalmente com a escolaridade, mas foi monitorado
de forma a recuperar significativamente a variante conservadora [o], que não é mais
produtiva na fala espontânea. Paralelamente, constatou-se similaridade na variação entre
os falantes de todos os níveis de escolaridade, com percentuais semelhantes. Nas
figuras, inclusive, o Ensino Superior chegou a ser até um pouco menos conservador que
o Ensino Fundamental. Tudo isso havia demonstrado que o processo de alteamento no
134
contexto posterior não apresenta mais restrições sociais, ao contrário do que se verificou
para /e/.
Nas leituras, entretanto, finalmente vê-se o monitoramento do discurso
relacionar-se com a escolaridade na manutenção da vogal média posterior. Nesse estilo
de fala investigado, que foi o menos natural, a articulação média foi preferida nos dois
níveis mais altos de escolaridade:
Tabela 40. Índices da realização da vogal média postônica medial /o/ por nível de escolaridade em leituras.
Leituras – Vogal /o/ Variável Fatores Alteamento Manutenção
Escolaridade
Fundamental 21/35 14/35 60% 40%
Médio 22/48 26/48 45,8% 54,2%
Superior 17/51 34 33,3% 66,7%
Também se observa um comportamento muito simétrico entre as vogais /e/ e /o/
postônicas mediais na leitura desses falantes: os percentuais de manutenção das médias
entre os informantes de nível Médio foram de 56,2% para /e/ e de 54,2% para /o/; entre
os falantes de nível superior, os índices foram de 61,2% para /e/ e de 66,7% para /o/.
Os falantes menos escolarizados, entretanto, continuam a demonstrar que a
vogal anterior é mais sensível ao monitoramento do discurso na preservação das médias.
Como dito, ao realizar com muita atenção proparoxítonos incomuns ou desconhecidos
por eles, os falantes de nível fundamental foram extremamente formais ao manter a
vogal /e/ postônica medial em 70% dos casos. Nos vocábulos com /o/ postônico medial,
entretanto, os mesmos informantes foram indiferentes à ortografia e altearam a vogal
em 60% das ocorrências.
Assim, a comparação entre a fala monitorada (questionários e leitura) e a fala
espontânea (entrevistas) do Estado do Rio de Janeiro parece demonstrar que a assimetria
entre a vogal anterior /e/ e a posterior /o/, é uma questão de competição entre variantes
mais ou menos produtivas a depender do perfil do falante e do contexto discursivo.
Mesmo se for desconsiderada a etapa de leitura, que é muito artificial, os resultados dos
questionários e da leitura conjugados com as entrevistas de tipo DID apontam que,
135
embora nunca deixem de alternar com as altas, ambas as vogais médias [e] e [o] podem
ser escolhidas pelos falantes, especialmente conforme aumenta a sua consciência
normativa, seja pelos anos que passou na escola, seja pela formalidade e pelo
monitoramento do discurso. Igualmente, as variantes altas [i] e [u] são preferidas, quase
categoricamente, quando o falante tem poucos anos de escolaridade e não está muito
atento ao discurso, como na fala espontânea.
4.2 A regularidade na fala lisboeta
Os dados levantados em 53 entrevistas representativas do PE falado na Região
Metropolitana de Lisboa totalizam 140 ocorrências de proparoxítonas com vogal média
postônica não final. A quantidade de 140 dados não permite uma observação
significativa das variáveis sociais, visto que não cobre equilibradamente todas as células
investigadas, mas será suficiente para vislumbrar o comportamento regular dos falantes
quanto à realização das vogais postônicas mediais nos corpora levantados.
Os dados levantados na década de 1970 somam 30 ocorrências das vogais
estudadas e o conjunto de dados da década de 2000 totaliza 110 dados:
Tabela 41. Distribuição das 140 ocorrências de <e> e <o> postônicos mediais22 por corpus sociolinguístico da Região Metropolitana de Lisboa.
Corpus Vogal <e> Vogal <o> Português Fundamental
Lisboa – 1970 24 06
Total: 30 Concordância Oeiras – 2000
39 17 Total: 56
Concordância Cacém – 2000
40 14 Total: 54
Total Geral 140
Há um desequilíbrio entre o número de dados dos anos 70 e dos anos 2000, mas,
como explicado no capítulo 3, o corpus Português Fundamental é a única amostra
sociolinguística disponível para a região na época focalizada.
22 Nesta etapa, convencionou-se representar as vogais em uso no português europeu com os grafemas <e> e <o>. O valor fonológico desses segmentos será discutido no capítulo 6.
136
A vogal <e> tem 103 ocorrências e a vogal <o>, 37. Sobre isso,
primeiramente, é fundamental observar a diferença entre os universos lexicais das
variedades de fala brasileira e portuguesa, visto que, no Brasil, os vocábulos com /o/
compõem um conjunto de palavras muito maior em número de itens lexicais e total de
ocorrências do que os vocábulos com /e/. Já em Portugal, como se vê na distribuição
lexical a seguir, os itens proparoxítonos com /e/ estão muito mais representados no
vocabulário ativo dos falantes lisboetas. Da mesma forma, muitos dos proparoxítonos
que figuraram na fala da região de Lisboa não estão entre os vocábulos considerados
usuais no Estado do Rio de Janeiro:
Vogal <e> Vogal <o>
abríssemos (01) hipótese (25) abóbora (02) psicólogo (04)
alfândega (02) inúmeros (02) árvore (07) semáforo (01)
acabássemos (01) número (21) autônomos (01)
centímetro (01) parâmetros (01) barítono (01)
cérebro (02) próspero (01) catálogo (01)
disséssemos (02) prótese (03) cómoda (02)
estivéssemos (01) quilômetros (02) época (12)
fenômeno (05) síntese (01) Évora (02)
fôssemos (04) tivéssemos (02) ídolos (01)
gênero (23) véspera (03) método (03)
4.2.1 A década de 1970: Corpus Português Fundamental
Nas 17 entrevistas do corpus Português Fundamental, representativas da fala
lisboeta da década de 1970, foram encontrados 30 dados, sendo 24 ocorrências de <e> e
06 ocorrências de <o>, os quais estão apresentados na Tabela 42, a seguir.
137
Tabela 42. Índices da variação de <e> e <o> postônicos mediais no corpus Português Fundamental Lisboa (variedades culta e popular) – Década de 1970.
Corpus Português Fundamental Lisboa Alta Média Apagamento Total
Vogal <e> 15 0 09 24
62,5% 0% 37,5% 100% Exemplo [f ˆ »nçm ˆ nU] [i »pçt s]
Vogal <o> 04 0 02 06
66,7% 0% 33,3% 100% Exemplo [»m Et UdU] [ka»t al]
As 30 ocorrências são referentes aos vocábulos: abóbora (02 ocorrências),
árvore (01), catálogo (01), época (01) e método (01), com <o>; estivéssemos (01),
fenômeno (01), gênero (07), hipótese (03), número (08), síntese (01) e véspera (03),
com <e>.
Embora o número de dados encontrados não seja grande, eles conseguem
demonstrar claramente a regularidade da redução das vogais médias postônicas mediais
na fala lisboeta. No âmbito da vogal anterior /e/, dos 24 casos levantados, 15 referem-se
à realização da vogal como alta, entre [ˆ], [I] e [I ], que equivalem a 62,5% dos dados; e
09 referem-se ao apagamento da vogal, uma taxa de 37,5%. Quanto à posterior, dos 06
casos levantados, 04 foram de realização da vogal alta [U] ou [U ], referentes a 66,7%
dos dados, e 02 casos de apagamento, iguais a 33,3% das ocorrências.
Conforme era esperado, a amostra demonstra a extrema redução das vogais
médias na sílaba postônica não final das proparoxítonas na fala lisboeta da década de
1970. No âmbito das duas vogais, o processo de alteamento (e posteriorização, no caso
de [ˆ]23) compete com o apagamento. Assim, as realizações foram extremamente débeis
e muitas vezes apagadas. Além disso, os percentuais foram semelhantes para ambas as
vogais: média de 65% de realização de uma vogal alta, contra uma média de 35% de
cancelamento.
Sobre a produtividade da alta velarizada [ˆ], que é descrita na literatura sobre o
PE como a variante legítima na realização da vogal média anterior /e/ em contexto
átono, lembra-se que nem sempre ela foi identificada na fala dos lisboetas. Em 07 das
23 Nesta seção, e sempre que se faz referência à variedade europeia do PE, quando o alteamento é indicado no âmbito da vogal /e/, considera-se também o processo simultâneo de posteriorização dessa vogal para [ˆ].
138
15 ocorrências de realização da vogal alta, a posteriorização da vogal anterior não foi
perceptível ao ouvido do investigador. Entre elas, incluem-se os casos de maior
fechamento e brevidade: aqueles em que resta apenas um vestígio da vogal na sílaba e
não em uma realização plena.
Embora a realização da vogal como anterior não esteja prevista na literatura,
essa possibilidade não foge à natureza das vogais postônicas portuguesas, visto que
muitos investigadores, entre os quais Veloso (2012), defendem ser o schwa uma vogal
de extrema debilidade e com ponto de articulação não especificado. Mateus & Andrade
(2000) também registram a variação entre [ˆ] e [i] na realização fonética da vogal
anterior em contextos átonos no PE: “they alternate frequently in European Portuguese
(e. g. pequeno [pˆ ke@nu]/[pi ke@nu] ‘small’, ministro [m ˆ níSt Su]/[m i níSt Su] ‘minister’”
(2000:33). De qualquer forma, não se exclui a possibilidade de o investigador, enquanto
falante brasileiro, não ter sido sensível à posteriorização da vogal anterior nas variantes
mais reduzidas. Por isso, considerando-se a maioria absoluta dos trabalhos sobre o
vocalismo do PE, convenciona-se usar o fone [ˆ] para representar a articulação alta de
<e> na transcrição dos corpora aqui investigados.
Conforme já foi comentado, a falta de dados em muitas células sociais e a
produtividade do alteamento de <e> e <o> nos corpora levantados em Portugal não
permitem que se realizem análises variacionistas sobre o fenômeno aqui focalizado. Até
mesmo o controle percentual é difícil de ser empreendido equilibradamente. Para que se
observe, na medida do possível, a relação entre os casos de vogal alta e apagamento em
sílabas postônicas não finais e as variáveis sociais controladas, apresenta-se, na tabela a
seguir, a distribuição dos dados do Português Fundamental por célula social:
139
Tabela 43. Dados de realização de <e> e <o> postônicos mediais distribuídos pelas variáveis sexo, faixa etária e escolaridade dos falantes do corpus Português Fundamental – Década de 1970.
Corpus Português Fundamental Lisboa
Vogal <e> Mulher Homem
F1 F2 F3 F1 F2 F3 Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag
Primário 1 2 Fundam. 1 1 2 1
Médio 1 1 1 2 1 3 Superior 2 1 2 1 1
Total 02 06 02 09 05 0
10 14
Vogal <o> Mulher Homem
F1 F2 F3 F1 F2 F3 Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag
Primário Fundam. 1
Médio 2 1 1 Superior 1
Total 0 0 02 09 05 0
02 14 F1 = Faixa etária 1 F2 = Faixa etária 2 F3 = Faixa etária 3 Alt = Alta Apag = Apagamento
Sobre as variáveis sociais, destaca-se, por fim, a dificuldade de observar a
atuação de fatores na variação entre a vogal alta e o apagamento. Nos dados do
Português Fundamental, pôde-se observar apenas que os casos de cancelamento se
concentraram entre os falantes que estudaram até, no máximo, o Ensino Médio: 47,1%
de apagamento de <e> e 40% de <o>; enquanto os falantes com Ensino Superior foram
os que menos apagaram as vogais: 14,3% de cancelamento de <e> e 0% de <o>.
Entretanto, nos demais corpora do PE investigados, não se observou mais nenhum tipo
de condicionamento ligado a esta variável. A restrição do número de dados, nesse
corpus e também nos outros, não permite fazer conjecturas muito específicas sobre a
escolaridade ou qualquer outro aspecto social.
140
4.2.2 A primeira década de 2000: Corpus Concordância
A Tabela 44, abaixo, congrega os dados das duas localidades investigadas pelo
Projeto Concordância na Região Metropolitana de Lisboa nos anos 2000: Oeiras e
Cacém. Como se verá a seguir, o comportamento dos falantes inquiridos nos dois
lugares não diverge entre si.
Nas 36 entrevistas dessa sincronia, observa-se também a regularidade da redução
de <e> e <o> e a tendência ao seu cancelamento, assim como na fala de 1970. Os
percentuais de cancelamento são significativamente maiores nesses corpora, apontando
um aumento da sua produtividade entre as médias postônicas não finais nas últimas
décadas.
Tabela 44. Índices da variação de <e> e <o> postônicos mediais no corpus Concordância Lisboa (variedades culta e popular) – Década de 2000.
Corpus Concordância Lisboa Alta Média Apagamento Total
Vogal <e> 32 0 47 79
40,5% 0% 59,5 100% Exemplo [»nu)m ˆ RU] [»nu)mRU]
Vogal <o> 16 0 15 31
51,6% 0% 48,4% 100% Exemplo [»i dUl US] [s ˆ »m af RU]
Ao observar separadamente a região de Oeiras, percebe-se que o cancelamento
de <e> e <o> é o processo mais produtivo para os falantes dessa comunidade, os quais
frequentemente também apagam fonemas adjacentes a elas nas sílabas postônicas das
proparoxítonas (para mais discussões a respeito desse fenômeno no corpus em questão,
cf. GOMES, 2012).
141
Tabela 45. Índices da variação de <e> e <o> postônicos mediais no corpus Concordância Oeiras (variedades culta e popular) – Década de 2000.
Corpus Concordância – Oeiras Alta Média Apagamento Total
Vogal <e> 16 0 23 39
41% 0% 59% 100% Exemplo [i »pçt ˆ s] [»Z e)nU]
Vogal <o> 08 0 09 17
47% 0% 53% 100% Exemplo [»EvURå] [ps i »kçl gU]
O conjunto de dados dessa localidade distribui-se por 19 vocábulos
proparoxítonos diferentes: 11 itens entre as 39 ocorrências de /e/, que são abríssemos
(01), acabássemos (01), alfândega (02), cérebro (02), fôssemos (02), gênero (11),
hipótese (07), inúmeros (02), número (08), tivéssemos (01) e quilômetros (02); e 09
entre os 17 casos de /o/, que são árvore (04), cômoda (02), época (05), Évora (02),
ídolos (01), semáforo (01), método (01) e psicólogo (01).
Os dados desses informantes demonstram que a variação ocorre de forma muito
parecida entre as vogais /e/ e /o/, as quais apresentam percentuais muito semelhantes de
alteamento e apagamento, nas faixas de 40% e 50%, respectivamente.
Como se vê na Tabela 46, da mesma forma que no corpus Português
Fundamental, muitos segmentos sociais não estão presentes nos dados:
142
Tabela 46. Dados de realização de <e> e <o> postônicos mediais distribuídos pelas variáveis sexo, faixa etária e escolaridade dos falantes do corpus Concordância Oeiras – Década de 2000.
Vogal <e> Mulher Homem
F1 F2 F3 F1 F2 F3
Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag
Primário Fundam. 2 2 2
Médio 2 1 1 3 2 3 3 1 Superior 1 3 4 2 4 3
Total 03 03 08 07 03 15
14 25
Vogal <o> Mulher Homem
F1 F2 F3 F1 F2 F3
Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag
Primário Fundam. 1 1 1 1
Médio 1 1 1 3 Superior 2 1 1 2 1
Total 02 04 02 03 01 05
08 09 F1 = Faixa etária 1 F2 = Faixa etária 2 F3 = Faixa etária 3 Alt = Alta Apag = Apagamento
Na amostra levantada em Cacém, o comportamento das vogais estudadas não é
muito diferente da levantada em Oeiras:
Tabela 47. Índices da variação de <e> e <o> postônicos mediais no corpus Concordância Cacém (variedades culta e popular) – Década de 2000.
Corpus Concordância Cacém
Alta Média Apagamento Total
Vogal <e> 16 0 24 40
40% 0% 60% 100% Exemplo [p�»R�)m ˆ t RUS] [S )̂n »t i )mt US]
Vogal <o> 08 0 06 14
57,1% 0% 42,9% 100% Exemplo [bå»Ri t UnUS] [�pçspRUS]
No âmbito de <e>, o número de ocorrências de cada variante (16 oco de [ˆ] e 24
de [ ]) é praticamente idêntico ao encontrado em Oeiras (16 oco de [ˆ] e 23 de [ ]). No
âmbito de <o>, a variação numérica também é muito semelhante em Cacém (08 oco de
143
[ˆ]/ 06 oco de [ ]) e Oeiras (08 oco de [ˆ]/ 09 oco de [ ]). No contexto posterior,
percentualmente, os falantes de Cacém realizaram a vogal alta em mais 10% dos casos.
Os 54 dados encontrados distribuem-se por 11 proparoxítonas com /e/,
centímetro (01), disséssemos (02), fenômeno (04), fôssemos (02), gênero (05), hipótese
(15), número (05), tivéssemos (01), parâmetros (01), próspero (01), e prótese (03); e 06
com /o/, psicólogo (03), autônomos (01), época (06), método (01), barítono (01) e
árvore (02).
Socialmente, as variantes encontradas em Cacém estão distribuídas da seguinte
forma:
Tabela 48. Dados de realização de <e> e <o> postônicos mediais distribuídos pelas variáveis sexo, faixa etária e escolaridade dos falantes do corpus Concordância Cacém – Década de 2000.
Vogal <e> Mulher Homem
F1 F2 F3 F1 F2 F3 Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag
Primário Fundam. 1 1 5 3 2 4
Médio 1 2 1 4 2 1 1 Superior 4 4 1 1 1 1
Total 02 10 07 04 08 09
19 21
Vogal <o> Mulher Homem
F1 F2 F3 F1 F2 F3 Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag Alt Apag
Primário Fundam. 1
Médio 1 2 3 1 1 Superior 3 1 1
Total 03 04 04 0 01 02
11 03 F1 = Faixa etária 1 F2 = Faixa etária 2 F3 = Faixa etária 3 Alt = Alta Apag = Apagamento
Obviamente, os resultados aqui apresentados não podem ser generalizados para a
variedade do PE como um todo, visto o pequeno número de dados levantados, mas são
representativos nos corpora investigados. Por fim, considera-se também aqui o que foi
dito sobre os dados de 1970: se por um lado as amostras não permitem vislumbrar a
atuação de variáveis sociais na concretização ou apagamento as vogais estudadas, por
144
outro, ele demonstra a regularidade da redução desses fonemas na fala das localidade
investigadas.
4.2.3 Considerações sobre os corpora
Na comparação da década de 1970 com os anos 2000, evidencia-se que as
vogais <e> e <o> não só permanecem categoricamente produzidas como altas como
têm sofrido um franco processo de enfraquecimento e queda no contexto postônico
medial. Os percentuais de queda passaram de 37,5% para 59,5%, no âmbito de <e>, e
de 33,3% para 48,4%, no âmbito de <o>, queda um pouco mais expressiva quanto à
vogal anterior.
O apagamento nas amostras do PE apresentam percentuais de realização muito
semelhantes no âmbito de ambas as vogais. A observação diacrônica demonstra que a
variante que se torna mais produtiva com a passagem do tempo, o cancelamento, não
aparenta ter restrição contextual. Isso demonstra uma aparente simetria no
comportamento de <e> e <o> nos corpora selecionados e está de acordo com o que
prevê a literatura sobre o tema. Entretanto, como será apresentado no capítulo 6, a
constituição fonológica das vogais átonas do PE é de difícil definição e passa por muitas
discussões teóricas.
Assim, embora a competição entre os processos de alteamento e cancelamento
não seja o foco desse trabalho, os resultados encontrados nas amostras do PE – mesmo
que ela seja muito reduzida em número de dados e restrita em representatividade social
– demonstram características fundamentais do vocalismo átono dessa variedade da
língua, especialmente na sílaba postônica não final.
Tais propriedades da fala portuguesa na Região Metropolitana de Lisboa
ajudarão não só a refletir sobre a constituição fonológica do vocalismo átono do PE
como a interpretar algumas características do vocalismo do PB no contexto átono
estudado.
145
5. ANÁLISE DO LÉXICO
5.1 Questões de natureza lexical
Todos os trabalhos que envolvem os vocábulos proparoxítonos consideram o
caráter marcado desse padrão acentual na língua portuguesa, por ele ser o menos
comum no vernáculo. Muitos afirmam, inclusive, que ele não é natural no português
porque se perdeu no latim vulgar e teve uma reentrada tardia na língua, através de
empréstimos eruditos do latim clássico e do grego24. Pelo mesmo motivo, os estudos
atentam para o fato de que as proparoxítonas também são semanticamente peculiares, já
que constituem, em sua maioria, termos técnicos e pouco usuais. Uma quantidade
restrita dessas palavras, entretanto, ganhou espaço no cotidiano dos falantes do
português porque, embora tenham origem erudita assim como as demais, com o passar
do tempo, os conceitos que carregam passaram a fazer parte do dia-a-dia das pessoas. É
o caso, por exemplo, de palavras como lâmpada, matemática, ônibus, óculos, e, entre os
vocábulos aqui investigados, árvore, número, centímetro, psicólogo etc.
No português atual do Brasil, Araújo et alii (2007) apontam a existência do
acento ortográfico proparoxítono em 12% das 150.875 entradas lexicais do Dicionário
Houaiss da Língua Portuguesa (HOUAISS & VILLAR, 2001)25. De Paula (2010)
avaliou de acordo com sua usualidade os 3.631 itens desse conjunto que são
foneticamente proparoxítonos e que apresentam /e/ e /o/ postônicos não finais (2010:47-
55): 53 foram classificados como termos usuais – pêssego, época –, 134 como termos
pouco usuais – efêmero, déspota (Anexo XII) –, 294 como termos reconhecíveis e/ou
técnicos – calorímetro, museólogo (Anexo XIII) – e 3.150 como termos em desuso,
restritos e/ou técnicos não reconhecíveis – cecidógeno, monáxono. Essa classificação
foi confrontada com a frequência de vocábulos encontrada por Marques (1996) no
conjunto das entrevistas do corpus NURC-RJ e os resultados foram coerentes,
ratificando a divisão realizada (2010:53-54).
24 Para detalhes sobre esse fenômeno histórico, cf. Collischonn (in Bisol, 2005), Bisol & Magalhães (2004), Lausberg (1981) e Coutinho (1976). 25 Os autores basearam-se na convenção ortográfica, desconsiderando palavras com vogal [i] epentética, como ritmo [» xi tS im u] e contabilizando vocábulos com hiatos postônicos que, na oralidade, já são ditongados, como auréola [aw »REw lå].
146
Os termos usuais, que se retomam a seguir, são os únicos que fazem parte do
vocabulário ativo de todos os falantes, o conjunto de vocábulos que são adquiridos no
convívio familiar e ocorrem com alta frequência na fala (DE PAULA, 2010:49):
Vogal /e/: Vogal /o/: almôndega milímetro abóbora época áspero número agrícola fósforo bafômetro pêssego âncora horóscopo câmera quilômetro apóstolo ídolo centímetro sonífero árvore incômodo cérebro termômetro autônomo mármore cócega tíquete brócolis monótono cólera tráfego bússola pérola córrego úlcera catálogo própolis fôlego útero cócoras psicólogo frutífero velocímetro cômoda sambódromo gênero velocípede cômodo semáforo hóspede véspera diálogo símbolo mamífero
Os demais itens geralmente são adquiridos pelo falantes através de situações
formais que passam pelo texto escrito, geralmente intrínsecas ao convívio escolar, e
estão retomados nos anexos XII e XIII desta tese.
Como visto nos resultados apresentados no capítulo 4, a pesquisa empreendida
até agora demonstrou que o comportamento das vogais médias na sílaba postônica não
final está relacionado principalmente a fatores sociais e discursivos, enquanto os
condicionamentos fonéticos não puderam ser claramente determinados. Todos esses
aspectos foram discutidos na análise de dados e pôde-se assim observar que, ao menos
no português falado do Estado do Rio de Janeiro, o discurso monitorado e a
escolaridade se relacionam com o conjunto de palavras proparoxítonas.
Paralelamente, a variação entre as vogais médias e altas postônicas não finais
desses vocábulos tem envolvimento intrínseco com a frequência de uso desses termos.
De forma geral, todos os aspectos linguísticos que pareciam demonstrar relação com a
variação no quadro vocálico estudado eram lexicalmente motivados, um resultado da
repetição de itens muito frequentes nos corpora. Na análise dos dados, seguindo-se os
preceitos metodológicos sociolinguísticos e em consonância com muitos trabalhos já
147
realizados sobre as vogais átonas do português, principalmente em contexto pretônico,
foram controlados todos os contextos fonéticos adjacentes aos fonemas aqui estudados.
Os resultados, entretanto, estavam diretamente ligados à constituição fonotática e à
produtividade dos vocábulos levantados.
A alta frequência da palavra época nos corpora (829 ocorrências), por exemplo,
foi responsável pelo grande número da consoante /p/, em contexto antecedente,
acompanhados de um grande número da consoante /k/, em contexto subsequente.
Assim, os índices encontrados para as variáveis linguísticas, como o ponto ou modo de
articulação das consoantes adjacentes às vogais estudadas, retrataram não um
condicionamento de caráter fonético, mas um comportamento comprometido com
vocábulos que se mostraram mais frequentes nas entrevistas. Da mesma forma, as
variáveis de cunho morfológico, como a classe do vocábulo ou posição da vogal na raiz
ou não, foram condicionadas pela repetição de poucas palavras muito frequentes que
mantêm os mesmos sufixos comuns em proparoxítonas. A alta frequência dos termos
milímetro, centímetro e quilômetro, no âmbito de /e/, e Nilópolis, Petrópolis e
Teresópolis, no âmbito de /o/, que concentram as palavras com a vogal fora do primeiro
radical, por exemplo, condicionou a variável posição da vogal na palavra.
Foram esses os motivos que levaram esta pesquisa a considerar o fenômeno
variável em questão sob outra perspectiva teórica além da Sociolinguística Variacionista
e a refletir também sobre o ponto de vista da Fonologia de Uso e da Teoria dos
Exemplares para o estudo e a interpretação do vocalismo postônico não final.
Nas palavras de Bybee, transcritas na seção 3.2, a Fonologia de Uso propõe “um
modelo em que a variação e a mudança não são externas ao léxico e à gramática, mas
inerentes a eles” (2002:387). Assim, a Teoria de Exemplares considera que o
armazenamento estrutural dos padrões linguísticos ocorre no nível lexical.
Paralelamente, como afirma Cristófaro-Silva, esta proposta “sugere que o detalhe
fonético é crucial no mapeamento e gerenciamento das representações linguísticas. (...)
Efeitos de frequência expressam a organização probabilística do conhecimento
linguístico” (2005:227). Os estudos de caso apresentados por Cristófaro-Silva
demonstram exatamente esses fatores. Segundo o modelo representacional, o léxico é
organizado em redes de conexão que unem as unidades pelas sequências fonéticas – ou
morfológicas – que têm em comum.
148
O fenômeno que serve de tema a esta tese parece ser um exemplo de mudança
nos termos que as autoras colocam, considerando-se, principalmente, que o grupo dos
vocábulos proparoxítonos é marcado por muitos padrões fonéticos altamente frequentes.
Muitas proparoxítonas têm terminações semelhantes porque um de seus processos de
formação mais comuns prevê a presença de uma segunda raiz, latina ou grega, comum
em termos técnicos (carnívoro, cronômetro). Naturalmente, nesses casos, a sílaba
postônica não final estará nestes elementos morfológicos muito produtivos.
Acredita-se que este aspecto morfológico é mais importante, no caso do
armazenamento das proparoxítonas, do que o contexto fonético que circunda a vogal,
pois frequentemente sobrepõe-se a ele. Por exemplo, observando o conjunto de palavras
petrolífero/frutífero/frigorífero, vê-se que as consoantes em contexto antecedente e
subsequente, respectivamente /f/ e /v/, serão quase sempre constituintes da mesma raiz -
fero26, que se repete em muitas proparoxítonas. Essa raiz também tem equivalente em
grego, -foro, promovendo, o mesmo contexto fonético no âmbito da vogal posterior:
fósforo/semáforo.
Entretanto, a questão da frequência de proparoxítonas está longe de se encerrar
nisso. Ao mesmo tempo em que terminações fonéticas de proparoxítonas são repetidas
em muitos vocábulos frequentes na fala, como centímetro/milímetro/bafômetro, eles são
formalmente marcados em itens menos comuns ou extremamente técnicos, como
parâmetro/diâmetro/pluviômetro. Da mesma forma, a vogal /o/ apresenta sequências
que se popularizaram na fala, em função do cotidiano dos brasileiros, como
psicólogo/astrólogo/catálogo ou Petrópolis/Nilópolis/Teresópolis, mas ainda são
modelos de resistência em vocábulos mais ligados à escrita, como
antropólogo/monólogo/prólogo ou metrópole/acrópole/cosmópole.
Segundo a perspectiva do modelo considerado, a mudança sonora acontece
gradualmente ao mesmo tempo em que as palavras são usadas, sendo implementada a
partir do efeito das palavras mais frequentes (BYBEE, 2002:277). O léxico mais
frequente, ou seja, o mais usual, apresentará um modelo de mudança que será
direcionado para os termos menos frequentes gradualmente, na experiência do uso. Vê-
se, no caso do alteamento de vogais médias na penúltima sílaba das proparoxítonas, a
26 “Levar, trazer, estar com., ter, produzir, causar etc.”, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (HOUAISS & VILLAR, 2001).
149
possibilidade de os poucos itens mais frequentes encabeçarem a disseminação da
variante inovadora, as vogais altas.
Por outro lado, como continuará a ser discutido neste capítulo, o processo de
mudança investigado encontra-se em etapas finais de implementação e determinar as
suas motivações, tanto na perspectiva variacionista quanto na funcionalista, é
extremamente difícil. Esta hipótese, portanto, não pode ser a única a se considerar a
respeito dos processos de mudança observados nas sílabas átonas das proparoxítonas.
A proposta de Marquilhas (2003) para o PE que foi apresentada no capítulo 2,
por exemplo, relaciona os processos de mudança em todos os contextos átonos para
tentar explicar a regularidade do vocalismo átono dessa variedade da língua. Na sua
interpretação, a mudança das vogais átonas do português foi o resultado de um processo
analógico que teve como base dois fenômenos de redução concomitantes na língua: o
alteamento nas sílabas postônicas finais e a harmonização vocálica nas pretônicas. Nesta
perspectiva, o alteamento nas postônicas não finais é determinado pelos outros
contextos e não promotor do processo. De qualquer maneira, toda interpretação que
considere a neutralização das átonas como um fenômeno de mudança em conjunto deve
observar que a posição postônica não final é, das três, a mais restrita lexicalmente e a
menos produtiva quantitativamente.
As sílabas não finais, portanto, têm uma marca lexical muito clara, além de
serem muito menos prototípicas que as sílabas finais. Seria improvável, então, na
perspectiva da Fonologia de Uso, que sequências fonéticas de proparoxítonas
encabeçassem o processo de neutralização entre médias e altas na hipótese de ele ser
geral no léxico da língua portuguesa. De fato, a mudança nesse contexto é mais tardia
que no contexto final pois é, até os dias de hoje, parcialmente resistente ao alteamento
de /e/, mesmo sendo uma sílaba tão débil acentualmente quanto a átona final – ou ainda
mais débil, pois não há consenso na literatura sobre isso. Há de se considerar, então,
outros aspectos lexicais específicos das proparoxítonas investigadas para a compreensão
da mudança que sofrem. No panorama geral, a sílaba postônica não final é a exceção,
pois a implementação da mudança seria ainda refreada por atuação das restrições sociais
(nível de escolaridade) e discursivas (monitoramento do discurso), já verificadas nesta
pesquisa.
150
Além de todas as hipóteses teóricas aqui aventadas, a apreciação pontual do
léxico desta pesquisa, que será empreendida a seguir, sugere que a frequência dos
termos proparoxítonos não é regular na comunidade de fala fluminense como um todo.
Ao contrário, sua frequência é marcada no nível individual. Paralelamente, a
produtividade de uma variante ou de outra, muitas vezes, é categórica – ou quase
categórica – na fala individual. Tais características idiossincráticas podem, inclusive, se
afastar do comportamento geral do grupo a que pertence o falante e, assim, a
persistência das variantes médias na fala popular e a implementação das variantes altas
na fala culta sofrem forte influência do comportamento idiossincrático dos falantes.
5.2 Sobre a frequência das proparoxítonas nos corpora
As tabelas 49 e 50, a seguir, elencam todos os vocábulos proparoxítonos com
vogais médias /e/ e /o/ postônicas não finais encontrados nos corpora sociolinguísticos
das décadas de 1970/80 e 2000, segundo a sua frequência de ocorrência geral nas
amostras de fala fluminense:
151
Tabela 49. Vocábulos com vogal média anterior postônica medial por década de recolha.
Vocábulos com /e/
ANOS 1970/80 ANOS 2000 Total
[e] [i] [ ] [e] [i] [ ] centímetro 2 103 18 123 milímetro 7 85 1 1 5 99 número 23 33 7 16 9 3 91 quilômetro 2 29 2 33 cérebro 13 2 1 1 17 gênero 8 3 1 12 ópera 8 1 1 2 12 indígena 4 7 11 córrego 7 7 pêssego 7 7 véspera 4 1 1 1 7 fenômeno 1 3 1 5 tivéssemos 4 1 5 útero 1 3 1 5 vértebra 3 1 1 5 inúmeros 3 1 4 úlcera 1 2 1 4 almôndega 3 3 fôlego 2 1 3 paralelepípedo 1 2 3 Alfândega 1 1 2 intérprete 1 1 2 hidrômetro 2 2 hipótese 1 1 2 parâmetro 1 1 2 víscera 2 2 amássemos 1 1 Aristóteles 1 1 câmera 1 1 célebre 1 1 estudássemos 1 1 exógeno 1 1 ímpeto 1 1 Mariângela 1 1 nádega 1 1 pálpebra 1 1 perímetro 1 1 prótese 1 1 quiséssemos 1 1 tráfego 1 1 uníssemos 1 1 velocípede 1 1 vivêssemos 1 1 Total 84 287 35 34 40 5 485
152
Tabela 50. Vocábulos com vogal média posterior postônica medial por década de recolha.
Vocábulos com /o/
ANOS 1970/80 ANOS 2000 Total
[o] [u] [ ] [o] [u] [ ] época 1 540 52 1 231 4 829 árvore 6 31 75 14 3 129 âncora 17 99 3 119 bússola 1 41 14 56 Teresópolis 3 34 2 39 diálogo 1 19 8 28 Nilópolis 19 6 25 abóbora 2 2 4 2 8 4 22 psicólogo 6 1 9 16 Petrópolis 4 4 7 15 índole 5 1 3 9 autônomo 2 1 2 5 cômodo 2 1 1 1 5 fósforo 1 3 1 5 ídolo 1 4 5 método 4 1 5 Távola 2 2 4 catálogo 3 3 catástrofe 1 1 1 3 sociólogo 3 3 agrícola 1 1 2 carnívoro 2 2 incômodo 2 2 monótono 2 2 Nápoles 2 2 pároco 2 2 Pentágono 1 1 2 símbolo 1 1 2 Acrópole 1 1 Adrianópolis 1 1 biólogo 1 1 cômoda 1 1 cômoro 1 1 Débora 1 1 Florianópolis 1 1 gastrônomo 1 1 Heliópolis 1 1 herbívoro 1 1 Mariópolis 1 1 mármore 1 1 metrópole 1 1 pérola 1 1 polígono 1 1 sambódromo 1 1 semáforo 1 1 tômbolo 1 1 Total 36 780 192 6 327 18 1359
153
Esse panorama geral já consegue demonstrar que, mesmo entre os itens mais
comuns na fala fluminense, a frequência das proparoxítonas estudadas não é equilibrada
nas amostras. O léxico levantado apresenta vários tipos de restrição como por exemplo,
a concentração de todas as ocorrências de milímetro, centímetro, âncora e bússola na
fala dos pescadores do APERJ, ou a presença do topônimo Nilópolis apenas entre os
falantes de Nova Iguaçu. Essas restrições são a marca comum das proparoxítonas
estudadas e, portanto, não podem ser todas detalhadas aqui. Geralmente, o uso maior ou
menor de uma ou outra proparoxítona é motivada pelo cotidiano dos falantes, de acordo
com a região em que vivem, a profissão que exercem etc. Esta análise dará destaque às
particularidades do léxico estudado que se mostraram relevantes para a variação entre as
vogais médias postônicas mediais, especialmente os anos de contato com a escola e o
comportamento idiossincrático de alguns falantes.
Pôde-se observar uma diferença considerável no conjunto de itens lexicais que
ocorreu nas amostras da fala culta e nas da fala popular de uma forma geral. Em todas
as amostras da variedade não culta, os percentuais de ocorrência dos termos usuais foi
de, no mínimo, 93% do conjunto de dados, como no PEUL 80 e 2000, chegando ao
índice de 98,6% no corpus APERJ (1980). Já na fala culta, observou-se um máximo de
88,3% de termos usuais entre os falantes cultos do Concordância (2000) e o mínimo de
80,7% entre os do NURC (1970).
Entretanto, os resultados da análise variacionista demonstraram que, de forma
geral, o processo de alteamento tem sido implementado, na fala popular fluminense,
tanto nas proparoxítonas mais frequentes quanto nas pouco comuns ou técnicas.
Paralelamente, os cultos mantêm consideravelmente a vogal média, tanto em termos
muitos frequentes e comuns quanto naqueles mais restritos ao vocabulário passivo e ao
discurso técnico.
Assim, um olhar geral sobre a comunidade de fala, nas duas sincronias, sugere
que a variação entre a articulação média e a alta não tem nenhuma restrição lexical para
os falantes fluminenses, pelo menos nas últimas décadas do processo de mudança,
embora os falantes cultos sejam um pouco mais afins aos itens lexicais do vocabulário
passivo, que, como se viu no início deste capítulo, está relacionado com o contexto
escolar e, portanto, com as convenções ortográficas. Resta verificar pontualmente o
léxico em questão e o comportamento individual dos falantes a fim de depreender
154
comportamentos categóricos no escopo de alguns itens ou sequências fonéticas
presentes nas amostras.
Como já foi dito, os itens proparoxítonos encontrados na fala fluminense
apresentam várias terminações que se repetem nos corpora:
Vogal /e/:
centí-metro (123) tivé-ssemos (5) córr-ego (7)27 milí-metro (99) amá-ssemos (1) pêss-ego (7) quilô-metro (33) estudá-ssemos (1) fôl-ego (3) hidrô-metro (2) quisé-ssemos (1) tráf-ego (1) parâ-metro (2) uní-ssemos (1) perí-metro (1) vivê-ssemos (1) hipó-tese (2) pró-tese (1) nú-mero (91) úl-cera28 (4) inú-mero (4) vís-cera (2) almôn-dega29 (3) Alfân-dega (2) ó-pera30 (12) vért-ebra (5) ná-dega (1) vés-pera (7) pálp-ebra (1)
Vogal /o/:
Teresó-polis (39) íd-olo (5) diá-logo (28) Niló-polis (25) símb-olo (2) psicó-logo (16) Petró-polis (15) tômb-olo (1) catá-logo (3) Ná-poles (2) soció-logo (3) Adrianó-polis (1) fós-foro (5) bió-logo (1) Florianó-polis (1) semá-foro (1) Helió-polis (1) ânc-ora (119) Mariópolis (1) carní-voro (2) abób-ora (22) herbí-voro (1) Déb-ora (1) Acró-pole (1) metró-pole (1) autô-nomo (5) cô-modo (5) gastrô-nomo (1) incô-modo (2) búss-ola (56) agríc-ola (2) árv-ore31 (129) pentá-gono (2) Táv-ola (4) márm-ore (1) polí-gono (1) pér-ola (1)
27 A semelhança entre as terminações desses vocábulos é uma coincidência histórica. 28 Do latim, ulce Ùra,um; visce Ùra,um (cf. HOUAISS, 2009). 29 Alfândega e almôndega têm origem no árabe, respectivamente al-fundaq e al-bundqâ, e eventualmente se assemelharam a nádega, do latim vulgar natica (cf. HOUAISS, 2009). 30 Do latim, opus,e Ùris; vespe Ùra,ae (cf. HOUAISS, 2009). 31 Do latim, arbor,is e marmor,is (cf. HOUAISS, 2009).
155
Entretanto, como se observa nas tabelas 49 e 50, existe uma variação
aparentemente assistemática entre vogais médias e altas no âmbito do mesmo item
lexical ou do grupo de palavras que se assemelham foneticamente. Os dados não
permitem afirmar que pelo menos um item ou sequência é regular na preservação da
vogal postônica medial ou na sua redução porque, principalmente entre os itens mais
frequentes, se observa variação na realização das vogais.
Apenas alguns proparoxítonos apresentam comportamento quase sempre
regular, mas não categórico, no alteamento da vogal postônica não final. É o caso dos
vocábulos indígena, no âmbito de /e/, e fósforo, no âmbito de /o/, que tiveram as vogais
dessa posição sempre reduzidas na fala de pessoas diferentes e, até no questionário e nas
leituras, quase sempre sofreram alteamento.
Sobre os vocábulos que tiveram pouquíssimas ocorrências nas amostras não se
pode chegar a conclusões categóricas. Até mesmo o vocábulo córrego, por exemplo,
que teve 07 realizações, todas com cancelamento da vogal ([�kç˙gu]), na verdade foi
produzido por apenas um informante.
Como já se comentou, a manutenção das vogais médias na sílaba estudada tem
sido cada vez mais residual nas etapas recentes do processo de mudança focalizadas
nesta pesquisa. Segundo a proposta laboviana, determinar padrões de mudança na fase
final de sua implementação é extremamente difícil pois é quando o processo se torna
geral, perdendo suas peculiaridades e restrições. Na análise sociolinguística
variacionista, foi possível observar que apenas a escolaridade ainda mostra alguma força
de retenção do processo, entre as variáveis sociais, enquanto as motivações linguísticas
não são mais claras.
De qualquer forma, ainda que as sequências fonéticas aqui observadas sejam
armazenadas no léxico dos falantes da maneira como preveem a Fonologia de Uso e a
Teoria dos Exemplares, é praticamente impossível registrar muitas dessas unidades na
fala de uma mesma pessoa em uma situação discursiva que seja pouco monitorada,
como uma entrevista sociolinguística.
Por tudo isso, talvez já seja muito tarde para determinar a expansão do processo
de alteamento das vogais postônicas não finais no léxico proparoxítono e ele já esteja
generalizado entre os types mais frequentes da língua, assim como entre os itens mais
excepcionais. Dessa forma, a variação que se observa no âmbito do mesmo vocábulo
156
seria resultado de alguns casos pontuais de manutenção das médias por razões de norma
e atenção ao discurso, marcadas no nível individual, como se verá a seguir.
5.3 Idiossincrasias na implementação do alteamento
Muitos dos informantes considerados nas amostras têm apresentado
idiossincrasias na realização das vogais postônicas não finais dos proparoxítonos
observados na seção anterior, especialmente no que tange à vogal /e/. Vários itens
lexicais em que se registrou variação na comunidade em geral, foram realizados com
vogal média ou alta de forma categórica, ou quase categórica, no nível individual. Além
disso, como se verá a seguir, essas particularidades de alguns falantes têm sido
determinantes na preservação residual de variantes médias ou na implementação de
variantes altas no grupo social de que fazem parte.
(A) Falantes com nível fundamental de instrução
Como foi amplamente discutido na análise de dados sociolinguísticos, há apenas
um resquício de proparoxítonas com variantes médias [e] e [o] entre os falantes
fluminenses que estudaram no máximo até o 2º segmento do Ensino Fundamental.
Nesse grupo, portanto, o alteamento das médias prevaleceu largamente em todos os
itens lexicais proparoxítonos quando elas são realizadas, uma vez que, frequentemente,
os falantes variam o alteamento da vogal com o seu cancelamento. Ainda assim, é
interessante para a compreensão do fenômeno observar em que situações se encontram
os poucos casos de manutenção das vogais médias anterior e posterior.
Concentram-se na fala dos pescadores do Norte-Noroeste do Estado as poucas
ocorrências de articulação média nos anos 80. Os informantes do APERJ mantiveram
[e] em 16 ocorrências, num total de 278, e [o] em 25 dados, num conjunto de 697. A
observação pontual dos indivíduos que compõem essa amostra demonstra que tal
variação é eventual no grupo como um todo e uma marca individual de alguns falantes.
A distribuição da variante [e] no APERJ por falante está exposta no quadro abaixo, que
não apresenta informações sobre o perfil social do informante. Informa-se também o
157
número total de ocorrências de /e/ na entrevista, de forma que, os demais casos, foram
realizações de [i] ou [ ]:
Quadro 6. Realização da variante [e] por informante com nível fundamental de instrução – Década de 1980.
Nível Fundamental
/e/ [e] /e/ [e] /e/ [e] /e/ [e]
07
centím[e]tro milím[e]tro milím[e]tro milím[e]tro milím[e]tro
05
milím[e]tro milím[e]tro vísc[e]ras vísc[e]ras
05 quilôm[e]tro quilôm[e]tro
04 núm[e]ro núm[e]ro
35 centím[e]tro 10 milím[e]tro 03 núm[e]ro
Setenta e um informantes altearam categoricamente a vogal, enquanto os 16
casos de [e] se concentram em apenas sete entrevistas. Além disso, na fala de dois
pescadores concentraram-se 09 ocorrências de [e], destoando do comportamento do
grupo: um realizou [e] em 04 de 05 casos; e o outro, em 05 de 07.
Os demais casos foram mais esporádicos. Dois informantes variaram
equilibradamente entre a alta e a média e produziram, cada um, 02 casos de [e]. As
outras únicas 03 ocorrências, milím[e]tro, núm[e]ro e centím[e]tro, foram casos isolados
em uma entrevista inteira, ou seja, cada informante realizou [e] apenas uma vez. No
último exemplo, centím[e]tro, fica claro que a manutenção de [e] é excepcional no
idioleto do informante em questão, pois ele produziu 35 vezes proparoxítonas com /e/
postônico não final, mas só a manteve no exemplo citado. Além disso, 32 das
ocorrências também tinham a terminação –metro, referentes aos vocábulos quilômetro,
milímetro e centímetro e em 31 delas a vogal foi alteada. Situações semelhantes
verificaram-se nas outras entrevistas, demonstrando, portanto, que a manutenção da
média nesses casos isolados não é uma marca do item lexical na comunidade como um
todo, nem uma regra na gramática do indivíduo.
Os 25 casos de [o], ao contrário, estão distribuídos na amostra em itens lexicais
variados, o que indica que a manutenção dessa vogal já na década de 1980 não tinha
nenhum tipo de sistematicidade.
158
Nas entrevistas com falantes de nível Fundamental da década de 2000, somente
duas pessoas mantiveram a vogal média anterior e, cada uma, em apenas um caso
isolado: uma ocorrência de núm[e]ro e uma, de óp[e]ra.
No âmbito da vogal posterior, o desaparecimento quase total da média se
verifica em todos os níveis de escolaridade. Os dois únicos casos de [o] realizados por
um falante com nível Fundamental aconteceram na mesma entrevista. O informante
realizou a palavra abóbora 14 vezes e, em 02 ocorrências consecutivas manteve a média
– [a�bçboRå] – continuando, em seguida, a altear ou apagar a vogal.
Tudo isso demonstra que é eventual a presença das variantes médias postônicas
mediais entre os falantes que tiveram pouco contato com a escola. De maneira geral,
esses indivíduos foram categóricos ao implementar o alteamento; apenas dois
pescadores da década de 1980 se destacaram da tendência geral ao manter a articulação
média [e] na sua elocução.
(B) Falantes com nível médio de instrução
Os falantes com nível médio da década de 1980 altearam categoricamente a
vogal /e/, mas, nas amostras dos anos 2000, encontraram-se 11 casos de manutenção da
vogal média. Aparentemente, esses informantes apresentam um comportamento mais
próximo ao dos falantes com nível Superior da mesma sincronia do que ao
comportamento daqueles que têm menos anos de escolaridade. De fato, eles variam a
realização da vogal, enquanto os demais falantes não cultos são regulares na
implementação da alta anterior.
Por outro lado, como já foi comentado na análise estatística, o pequeno número
de proparoxítonas encontradas nas entrevistas desses falantes não permite tirar muitas
conclusões sobre essa faixa intermediária de contato com a escola. Na amostra dos anos
80, foram levantados apenas 16 casos de proparoxítonas com /e/ e em todas a vogal foi
alteada. Já nas amostras dos anos 2000, foram encontrados 20 casos de /e/ e neles houve
variação. Estes dados estão expostos no cruzamento abaixo, à exceção de 02 ocorrências
de apagamento, e a partir deles se fará uma apreciação pontual dos itens encontrados:
159
Quadro 7. Dados de realização da vogal média /e/ postônica medial distribuídos pelas variáveis faixa etária X gênero dos falantes com nível médio da década de 2000.
1 = Faixa etária 1 2 = Faixa etária 2 3 = Faixa etária 3 m = Sexo masculino f = Sexo feminino ∑ = Soma
O quadro acima, produzido com o auxílio do Programa Goldvarb X, expõe as
células sociais controladas nas entrevistas sociolinguísticas. Em negrito, observam-se as
três células que priorizam o alteamento e a única que prioriza a vogal média. Na faixa
etária intermediária (faixa 2), há equilíbrio entre as duas variantes.
Com essas informações é possível verificar que os casos de [e] não estão
equilibradamente distribuídos no grupo de falantes com nível médio, pois 7 das 11
ocorrências èstão entre os informantes da faixa 3 de sexo feminino. Observando-se o
nível individual, esse desequilíbrio fica mais claro. Seis entrevistas apresentaram os 11
casos de manutenção da média [e], conforme se vê no quadro a seguir:
160
Quadro 8. Realização da variante [e] por informante com nível médio de instrução – Década de 2000.
Nível Médio
/e/ [e] /e/ [e] /e/ [e]
05
hidrôm[e]tro hidrôm[e]tro núm[e]ro núm[e]ro núm[e]ro
04 cér[e]bro núm[e]ro
02 fenôm[e]no
01 út[e]ro 01 fôl[e]go 01 gên[e]ro
Nas outras cinco entrevistas desse nível de escolaridade, os falantes sempre
realizaram [i], mas em um dado único na sua elocução. Somadas a outras três
entrevistas que estão elencadas no quadro, verifica-se que, na fala de oito indivíduos
desse grupo, houve apenas uma única ocorrência de /e/ por entrevista, sendo assim
impossível verificar variação no nível individual.
Sobre as outras três entrevistas, na primeira, o falante foi categórico ao realizar
sempre [e] nos 05 vocábulos proferidos por ele, 02 dados de hidrôm[e]tro e 03 dados de
núm[e]ro; a segunda entrevista apresentou 02 ocorrências de vogal /e/, sendo 01 caso de
fenôm[e]no; e a terceira teve 04 casos de /e/, entre os quais 01 caso de cér[e]bro e 01 de
núm[e]ro.
Em suma, quando se leem os índices percentuais da variação na fala de
indivíduos de nível intermediário de instrução, o conjunto dos informantes parece
conservar a articulação média de maneira semelhante aos falantes com Ensino Superior
dos anos 2000, em aproximadamente metade dos casos. Esse resultado quantitativo,
entretanto, não se pode comprovar porque, no nível individual, veem-se casos quase
sempre únicos de [e] em cada entrevista e apenas um informante, uma mulher da faixa
etária 3, apresentou um comportamento idiossincrático ao manter sempre a vogal média,
em 05 ocorrências. Além disso, a observação atenta das entrevistas demonstra que, o
resultado estatístico geral, que é equilibrado entre manutenção (55%) e redução da
vogal /e/ (45%), é consequência da soma de comportamentos idiossincráticos
contrastantes. Dessa forma, a variação se observou no grupo, mas quase nunca no
indivíduo.
161
Sobre a vogal /o/ – que, como já foi dito, quase sempre é alteada –, encontraram-
se apenas casos únicos de manutenção por falante, que também realizaram a vogal alta
nos demais vocábulos com vogal posterior. Foram 02 realizações de côm[o]do, na
década de 1980, e 01 caso de ép[o]ca, na década de 2000.
(C) Falantes com nível superior de instrução
Na passagem da década de 1970 para os anos 2000, vê-se uma diminuição
expressiva do percentual de manutenção de /e/ entre os informantes com nível superior.
Os falantes cultos de 1970 preferiam majoritariamente a variante média, em 77,3% dos
casos de /e/. Agora, eles demonstraram variar mais equilibradamente entre a
preservação da média e a mudança para a alta, com uma taxa de 50% de realização de
cada variante.
O comportamento dos falantes cultos destoa do comportamento geral da
comunidade fluminense que, desde os anos 70, já priorizava a redução da vogal anterior,
ainda que de forma variável. Quando observada no nível individual, a resistência de /e/
entre na variedade culta mostra-se ainda mais produtiva, visto que a maior parte dos
casos de alteamento encontrados nos anos 2000 é restrito a poucos informantes desse
nível de escolaridade que destoam do comportamento geral do grupo.
A discussão sobre esse condicionamento idiossincrático foi iniciada no capítulo
de análise de dados e será aqui desenvolvida. Para tanto, será necessário comparar o
comportamento geral dos falantes cultos nos anos 70 e nos anos 2000, para, então,
observar as características mais restritas e individuais.
Como se vê no cruzamento abaixo, entre os falantes cultos da década de 1970,
os percentuais de manutenção de [e] são maiores do que o alteamento para [i] em
praticamente todas as células sociais. Apenas os índices das mulheres da faixa 3 não
seguiram o padrão, mas também não favoreceram a variante inovadora (50% de
manutenção de [e]):
162
Quadro 9. Dados de realização da vogal média /e/ postônica medial distribuídos pelas variáveis faixa etária X gênero dos falantes com Ensino Superior da década de 1970.
1 = Faixa etária 1 2 = Faixa etária 2 3 = Faixa etária 3 m = Sexo masculino f = Sexo feminino ∑ = Soma
Ao olhar a distribuição desses dados por entrevistas, vê-se que, em quase todos
os casos, na fala da mesma pessoa, há predomínio de /e/ e apenas alguns casos isolados
de [i]. Assim, de forma geral, o comportamento individual dos informantes coincide
com a tendência geral do grupo dos falantes cultos. Apenas um agiu contrariamente aos
demais por altear categoricamente a vogal nas cinco proparoxítonas com /e/:
estudáss[i]mos, núm[i]ro, tivéss[i]mos e 02 casos de indíg[i]na. Esta entrevista foi a
responsável pelo aumento do percentual de alteamento entre as mulheres da faixa etária
3.
A amostra dos falantes de nível superior referente aos anos 70 é mais equilibrada
como representativa da fala culta fluminense do que a amostra do Concordância. Isso
porque o Projeto NURC tem como interesse apenas a fala culta e apresenta sempre dois
ou três informantes por célula, por isso, tem um total de ocorrências maior. No corpus
Concordância, foram levantados apenas 42 dados de fala culta, que não oferecem uma
visão tão ampla quanto a do NURC. Além disso, entre os cultos dos anos 2000,
encontraram-se mais informantes com comportamento divergente dos demais, como se
observará a seguir.
163
Quadro 10. Dados de realização da vogal média /e/ postônica medial distribuídos pelas variáveis faixa etária X gênero dos falantes cultos do corpus Concordância RJ – Década de 2000.
1 = Faixa etária 1 2 = Faixa etária 2 3 = Faixa etária 3 m = Sexo masculino f = Sexo feminino ∑ = Soma
Como se vê em destaque no cruzamento acima, os falantes do sexo masculino
mais velhos destoam de todos os outros informantes, sendo os únicos que preferem a
vogal alta. O único homem da faixa 2 foi categórico ao altear a vogal, mas só
apresentou 03 dados, 03 ocorrências de núm[i]ro. Já os dois homens da faixa 3 (em
negrito), por outro lado, foram os que mais condicionaram a presença de [i] nos anos
2000. Além de preferirem a variante alta em 83% dos casos de /e/, também
concentraram a maior parte dos dados de alteamento desse corpus, 15 de 21, porque
suas entrevistas foram muito longas.
No quadro abaixo, podem-se observar melhor essas entrevistas. Ele elenca as
ocorrências de [i] na fala culta dos anos 2000, que são as que se diferem do
comportamento geral dessa variedade de fala, separadas por entrevista.
164
Quadro 11. Realização da variante [i] por informante com nível superior de instrução – Década de 2000.
Nível Superior
/e/ [i] /e/ [i] /e/ [i]
10
milím[i]tros milím[i]tros milím[i]tros milím[i]tros milím[i]tros quilôm[i]tros quilôm[i]tros
08
Aristót[i]les indíg[i]na indíg[i]na indíg[i]na indíg[i]na indíg[i]na indíg[i]na indíg[i]na
03 núm[i]ro núm[i]ro núm[i]ro
06 fenôm[i]no 02 hipót[i]se 02 vésp[i]ra
Um falante realizou sempre a vogal alta, em 07 casos de indíg[i]na e 01 de
Aristót[i]les. O outro alteou a vogal /e/ em 07 dados, 05 de milím[i]tro e 02 de
quilôm[i]tro, e a manteve em 03 dados – intérpr[e]te, tráf[e]go milím[e]tro.
Como se pode observar no cruzamento e no quadro 11, nas demais células
encontram-se apenas mais 03 casos de alteamento, demonstrando que os falantes cultos
dos anos 2000, em geral, continuam conservadores e restringindo a mudança no âmbito
de /e/.
Como visto, os dados de falantes cultos do Concordância apresentou um forte
condicionamento individual, mas é o único corpus sociolinguístico disponível a respeito
dessa variedade de fala nos anos 2000. A mesma situação se observa em outras
amostras aqui consideradas. Por tudo isso, essas reflexões sobre o léxico proparoxítono
com /e/ e /o/ postônicos não finais na fala fluminense não se pretendem afirmativas e
conclusivas, pelo contrário, são o resultado da assistematicidade do léxico
proparoxítono, que, sendo pouco frequente na língua, acumula duas diferentes
excepcionalidades, uma prosódica e outra semântico-lexical: o padrão acentual marcado
e a estreita relação com a escrita e o discurso técnico.
165
6. DISCUSSÃO TEÓRICA
6.1 Sobre o português europeu
Entres os autores que se propõem a refletir sobre o vocalismo do PE, não existe
consenso quanto aos elementos que constituem o inventário subjacente das vogais
átonas, especialmente no que tange à interpretação do fone [ˆ] e seu estatuto fonológico.
Esse elemento é o que mais recentemente passou a integrar o vocalismo do PE e, da
mesma forma que não é possível determinar com exatidão cronológica o seu
surgimento, a natureza das suas oposições tem sido observada com atenção porque tais
oposições são complexas e nem sempre são atestadas com pares opositivos. Dessa
forma, ainda não é consensual a compreensão de como esse fone integra o quadro de
vogais átonas: se é um alofone contextual de /e, E/ nas sílabas átonas, como defendem
alguns, ou, segundo outra interpretação, se já apresenta o status de um fonema
específico dessas posições.
A interpretação fonológica de Barbosa (1965; 1994) para as vogais átonas do PE
difere da maioria por admitir um número mais expressivo de fonemas nessas posições,
diferenciando também cada sílaba em relação à posição do acento na palavra e
considerando aspectos da estrutura da sílaba, como a qualidade articulatória dos
segmentos adjacentes às vogais.
O autor diferencia as sílabas postônicas e apresenta diferentes propostas para as
vogais átonas postônicas finais e não finais. No âmbito das átonas finais, ele contrasta
duas hipóteses de quadros, uma para as sílabas abertas ou travadas por /S/ e outra para
as sílabas travadas por /L/ ou /R/. As sílabas travadas por /N/, segundo ele, não
produziriam contraste fonológico entre as vogais não acentuadas.
Para o primeiro caso, ele considera a existência de três fonemas, /u a e/ (como
em amo, ama, ame, amos, amas, ames), aos quais acrescenta ainda o que ele descreve
como “alguns sistemas individuais, por influência da grafia” (1994:183): um fonema /i/,
que contrasta júri/júris X jure/jures embora raramente ocorra e frequentemente se
realize como [´] e se apague; e a sequência /jS/, que pode figurar após /a/, como em
amásseis. A descrição mais ampla é então /u a e (i)/.
166
Para o segundo caso, ele propõe o sistema /u o a e i/, que prevê timbres abertos
para as vogais médias nesse contexto: [u] (fémur, cônsul), [o7] (Vítor, álcool), [a7]
(açúcar, Aníbal), [e7] (caráter, amável), [i] (mártir, útil). Barbosa lembra que não há
distinção entre os timbres abertos e fechados para as vogais /o a e/, que podem se
realizar [o7, ọ] [a7, ạ] e [e7, ẹ] nesse tipo de sílaba32.
Barbosa afirma que a sílaba postônica não final é menos complexa, mas ainda
assim a distingue em dois tipos: uma que se apresenta diante de uma consoante que abre
a sílaba seguinte (partíssemos) e uma que se apresenta diante de vogal (António). O
segundo caso não envolve a pesquisa realizada nesta tese, visto que tal contexto sofre
ditongação.
Sua proposta para a sílaba não final diante de consoante, que aqui interessa
especialmente, no nível estrutural é semelhante à descrição de Câmara Jr para o PB:
Barbosa prevê a existência de quatro segmentos fonológicos nessa posição: /i, a, e, u/. A
descrição de Barbosa não se pauta na redução fonética geral produtiva nessas posições,
mas sim no levantamento e contraste de pares mínimos distintivos e pares análogos (ou
ainda sequências similares, como -timo x -tumo) atestados na estrutura subjacente.
Assim, o autor propõe as oposições /i/ x /e/ x /a/ x /u/ a partir do confronto de pares
como:
/e/ x /i/ déssemos x décimos (par mínimo distintivo)
amássemos x máximos (par análogo)
/i/ x /a/ hipófise x hipófase (par mínimo distintivo)
/a/ x /u/ pétala x fístula (sequências similares: -tala x -tula)
/u/ x /i/ póstumo x ótimo (sequências similares: -tumo x -timo)
/u/ x /e/ átomo x anátema (sequências similares: -tomo x -tema)
/e/ x /a/ hipótese x hipófase (par análogo)
32 Os diacríticos em [o 7, a 7, e 7] e [ọ, ạ, ẹ] indicam, respectivamente, abertura e fechamento das vogais.
167
Segundo Barbosa (1994),
embora não seja necessário encontrar pares mínimos, ou quase, para provar a individualidade dos fonemas, bastando para o efeito que um timbre não seja facultativamente substituível por outro nem determinado pelo contexto, conforme já se disse, podem ainda assim aproximar-se formas (...) para se verificar o papel distintivo de dois fonemas, /i/ e /e/, tão próximos pelas suas realizações: como se vê pelos exemplos, /e/ é realizado como [´] (e /a/ como [ạ]). (BARBOSA, 1994:185)
Em suma, Barbosa não contrapõe as demais descrições fonéticas das vogais
portuguesas nessas posições, mas diferentemente da maioria, propõe uma interpretação
teórica para o segmento [ˆ], que para ele equivale ao fonema /e/ nessa posição. Isso
explicaria a manutenção de contrastes como déss/e/mos x déc/i/mos nesse contexto,
ainda que, na superfície fonética, a realização desses fonemas seja muito próxima: [ˆ] x
[i].
O trabalho de Mateus & Andrade (2000), conforme comentado no capítulo 2,
descreve o vocalismo átono do PE contemporâneo com base na Geometria de Traços e
na Fonologia Lexical. Para os autores, a qualidade das vogais do PE depende
plenamente do acento da palavra – influência que, segundo eles, ocorre com menor
intensidade no PB (p. 19).
Os autores demonstram teoricamente a relação entre o acento e o quadro de
vogais explicando que a atribuição de traços ocorre em níveis diferentes do léxico. Os
processos de neutralização próprios dos contextos átonos não estão presentes na
representação subjacente, onde o acento ainda não foi atribuído e alguns traços são
especificados apenas na realização fonética. Ou seja, segundo eles, pelo menos alguns
dos segmentos próprios das sílabas átonas não estariam na estrutura profunda, definindo
oposições no sistema fonológico. É o caso dos sons [ˆ] e [å], que seriam, então, apenas
alofones contextuais.
Para descrever em traços as vogais do PE, eles primeiramente defendem a
existência de uma vogal não especificada em PE, no caso /i/. A proposta é baseada,
segundo os autores, na evidência de que “em todas as línguas existe pelo menos um
segmento, geralmente uma vogal, que se comporta assimetricamente em relação aos
outros elementos do sistema. Esta vogal frequentemente é sujeita a neutralização,
168
epêntese e apagamento33” (2000:31). Assim, em sua descrição, /i/ é a vogal não
marcada na representação lexical: a partir dela as demais vogais se opõem. Seus traços
mínimos estão representados no quadro abaixo, que não inclui [ˆ, å], segmentos
próprios da realização fonética, segundo a interpretação desses autores:
Quadro 12. Traços distintivos das vogais do português europeu.
Vowels i e E a ç o u
[high] - -
[low] + + +
[back] +
[round] + + +
Fonte: Mateus & Andrade (2000:33).
No quadro, estão preenchidos apenas os traços mínimos, não redundantes (as
vogais arredondadas [+round], por exemplo, no sistema do PE, serão sempre posteriores
[+back] e por isso este traço foi deixado em branco).
Eles demonstram que o vocalismo átono apresenta dois graus de abertura, com
três vogais altas – [ˆ, i, u] – e uma vogal média – [å] (p. 20). Em suma, a interpretação é
de que os segmentos [E, e] tônicos (“selo”: [sE¤lu]; “selo”: [se¤lu]) correspondem
foneticamente a [ˆ] nas posições átonas, muitas vezes apagado na fala coloquial
(“selar”: [s ˆ l a¤R] ~ [s l a¤R]), e [ç, o] (“forço”: [fç¤Rs u]; “forço: [fo ¤Rs u]) correspondem a [u]
(“forçar”: [fuRs a¤R]). Eles assim exemplificam o inventário dessas vogais (2000:33):
[i] mirar [m i Ra¤R] dúvida [du¤vi då]
[u] morar [m uRa¤R] pérola [pE¤Rul å]
[u] murar [m uRa¤R] báculo [ba¤kul u]
[å] pagar [påga¤R] ágape [a¤gåpˆ]
[ˆ] pegar [pˆ ga¤R] cérebro [s E¤Rˆ bRu]
33 “(...) in all languages there is at least one segment, usually a vowel, that behaves asymmetrically with respect to the other members of the system. This vowel is often subject to neutralization, epenthesis and deletion”.
169
Em Mateus (1982), esta interpretação é aprofundada em descrição fonética e
discussão da estrutura subjacente, com base no modelo fonológico gerativo. A autora
apresenta primeiramente os fones que podem figurar em sílaba tônica – [i, e, E, å, a, ç,
o, u] – entre os quais não está incluído [´], único segmento específico de contextos
átonos. A partir deste inventário, a autora estabelece a distinção entre vogais acentuadas
e não acentuadas, propondo uma regra geral de neutralização para os subsistemas [ç, o,
u] e [i, e, E], que se reduzem a [u] e [´], respectivamente. Mateus (1990) propõe regras
gerais de realização das vogais tônicas em contextos átonos, independentes do contexto
adjacente à vogal (o qual promove a maioria dos casos de exceção à regra de redução):
Quadro 13. Regras de alternância vocálica [+ac] (acentuado) e [-ac] (não acentuado) no Português Europeu.
Fonte: Mateus (1990:317).
A autora afirma que o mesmo segmento abstrato é produzido de duas maneiras
diversas, conforme o acento da sílaba em que está: à esquerda, está a forma teórica,
próxima da realização tônica; e, à direita, a realização fonética em sílabas não
acentuadas. Como explica Mateus: “De acordo com as regras (12)-(16), o segmento
abstracto está mais próximo da vogal situada à esquerda da seta (ou seja, da tónica), e
algumas das suas características são alteradas quando se produz a vogal em sílaba átona.
O resultado dessa alteração é a vogal que se encontra à direita da seta” (1990: 318).
Em outras palavras, o trabalho defende a hipótese de que exista apenas um
sistema de vogais fonológicas no PE, aquele vislumbrado na sílaba tônica, que varia
170
foneticamente, a depender do acento da sílaba. Diferentemente, as descrições
fonológicas do PB, geralmente baseadas em Câmara Jr. (1970), costumam propor,
teoricamente, a existência de quadros vocálicos fonológicos diferenciados em cada
posição átona, como resultados de processos de neutralização das vogais tônicas que
têm níveis diversos em cada posição.
A alternância acentuada > não acentuada, segundo a autora, está relacionada
com a derivação, pois é nesse processo que o acento é atribuído à palavra34. Ela trata
então de regras gerais de derivação das vogais átonas (p. 325), defendendo que os
segmentos que resultam de aplicação de uma regra estão na superfície fonética e não na
estrutura subjacente. Ou seja, as regras se aplicam aos segmentos subjacentes, ou
formas de base – neste caso, às vogais do sistema fonológico – e resultam em
segmentos fonéticos – neste caso, as vogais das sílabas não acentuadas.
No geral, o vocalismo átono sofre regras de elevação (p.328) que tornam as
vogais subjacentes [+altas], no caso de [´] e [u], e [-baixa], no caso de [å]. Mateus as
resume, assim, na regra (26), que também prevê a posteriorização das médias anteriores.
Quadro 14. Regra de elevação das vogais átonas (26). 35
Fonte: Mateus (1990:329).
Na matriz à direita, em que o acento ainda não foi atribuído, α representa a não
especificação dos traços [recuado] e [arredondado] e inclui, assim, todas as vogais que
sofrem redução nas sílabas átonas. A esse respeito, observe-se que ela não inclui as
vogais que já são altas na estrutura subjacente, [i, u].
Em conformidade com o que foi dito no início deste capítulo, as regras propostas
por Mateus são gerais para todas as posições átonas, mas, em determinadas situações
34 Características da derivação e sua relação com as representações subjacente e de superfície das vogais já foram detalhadas em Mateus (1982). 35 O símbolo V congrega os traços distintivos comuns a todas as vogais: [+silábico], [-consonantal], [+soante].
171
excepcionais, podem não ser aplicadas. É o que, segundo a autora, acontece
principalmente com as vogais pretónicas, que “nem sempre recebem a aplicação das
regras gerais, e por vezes mantêm-se sem alteração, iguais às formas subjacentes (p. e.
[f Ewda¤l])” (1990:330). A partir delas, Mateus lista e descreve todos os contextos em
que as regras não se aplicam (1990:330-331), em defesa das “regularidades das
excepções” (1990:330).
A respeito das distinções entre o PB e o PE, Mateus resume a discussão
defendendo a existência de níveis subjacentes comuns a todas as variedades da língua e
diferentes blocos de regras, que as diferenciam no nível superficial.
Veloso (2005; 2007; 2010; 2012; 2013) discute as propostas de Delgado-Martins
(1994), Mateus (1990) e Mateus & Andrade (2000), argumentando a favor de que [ˆ]
pertence ao inventário fonológico do PE. O autor não refuta completamente as
propostas anteriores, mas apresenta contextos não previstos nessas descrições,
defendendo que [ˆ] é um elemento que integra o sistema do português, ao mesmo tempo
em que é um alofone contextual em alguns casos.
Veloso (2005) concorda com Mateus & Andrade ao afirmar que são
inquestionáveis os pares de palavras que, partilhando a mesma raiz, apresentam um
fonema em posição tônica que, em posição átona, se realiza foneticamente de maneiras
diversas. São casos exemplificados pelo autor como: c/E/go > c[ˆ]gueira; m/e/do >
m[ˆ]droso, que demonstram que os fonemas /e/ e /E/ são realizados foneticamente [e] e
[E], quando tônicos, e [ˆ], quando átonos. Somam-se a esses casos as formas verbais em
que as vogais anteriores também variam quanto ao acento e a realização fonética:
am/e/mos, am/e/is / am[ˆ], am[ˆ]s.
Entretanto, o autor chama a atenção para vários casos nos quais essa comparação
morfofonológica é impossível e, assim, não permitem associar [ˆ] aos fonemas /e/ e /E/.
São as formas clíticas átonas, como que, de, te, se, lhe, e os nomes com tema em [ˆ]
átono, nom[ˆ]. Ele admite a possibilidade de [ˆ] ser associado a /e/ e /E/ também nesses
casos, com a realização alta e centralizada das vogais anteriores em sílaba átona, à
semelhança de tantos outros casos. Entretanto, para Veloso, essa conjectura não tem o
172
respaldo de palavras morfologicamente aparentadas que permitam a comparação citada
acima e a confirmação da hipótese de [ˆ] ser apenas um alofone contextual átono.
Veloso propõe, então, a existência de um /ˆ/ fonológico que corresponderia ao [ˆ]
encontrado nos casos das formas clíticas e dos nomes em [ˆ]. Para ele, “a aceitação
desse item do inventário fonológico teórico do PEC36 forneceria uma maior adequação
explicativa às descrições fonológicas do português no tocante à representação lexical
das palavras em apreço” (2005:628). Na defesa dessa posição, o autor retoma Barbosa
(1994) lembrando que este, embora não proponha a existência de um /ˆ/ teórico,
descrevendo-o como /e/, reconhece a diferença entre os casos em que seu valor é
fonético e os casos em que o seu valor é fonemático.
Veloso (2007) diferencia os vocábulos em que [ˆ] é epentético ou resultante de
redução vocálica em contextos átonos, nos quais não haveria uma referência subjacente
/ˆ/, de outros casos em que ele é a realização de um /ˆ/ subjacente: os já citados casos de
clíticos átonos e nomes em [ˆ]. Para estabelecer essa distinção, o autor compara esses
casos com a vogal /u/, lembrando que o [u] átono algumas vezes é a realização fonética
de /o/ e /ç/ em sílabas inacentuadas, mas outras vezes equivale à realização de um /u/
subjacente, por exemplo, na derivação f/u/ro > f[u]rinho.
O autor elenca outros argumentos para a defesa de que o segmento pertence à
estrutura subjacente. Em primeiro lugar, ele é exigido pela estrutura da sílaba, às custas
de sua boa formação fonotática, como no caso dos monossílabos: de [dˆ], por exemplo.
Em segundo lugar, esse fone estabelece distinção lexical, como nos pares parte [»paRt ˆ]
x parto [»paRt u] e de [dˆ] x da [da]. Além disso, ele pode exercer uma função
gramatical: na distinção de gênero de alguns nomes, como infante [�»få)t ˆ] x infanta
[�»f å)t å]; ou, como um morfema único, correspondendo a uma vogal temática (ou
marcador de gênero ou classe, a depender da interpretação), nos exemplos já citados de
substantivos e adjetivos terminados em [ˆ]: quente [»ke)t ˆ]. Nestes contextos, [e, E] não
aparecem, apenas o schwa.
Veloso situa esses casos na categoria s-schwa (stable schwa) proposta por
Oostendorp (1998, apud VELOSO, 2007), que – diferentemente do [ˆ] epentético 36 Português europeu continental.
173
(epenthetic schwa ou e-schwa) e do [ˆ] resultado de redução vocálica (vowel reduction-
schwa ou r-schwa) – pertence à estrutura subjacente da língua. O s-schwa é atestado por
Oostendorp em outras línguas, como o francês, e admitido por Veloso no inventário
fonológico do PE.
Veloso propõe uma interpretação teórica dos processos de mudança ocorridos no
sistema vocálico átono do PE que inclui os elementos /ˆ/ e /å/, exclusivos dos contextos
átonos. O autor baseia-se na Fonologia dos Elementos para explicar, principalmente, o
estabelecimento de novas vogais centrais no inventário fonológico dessa variedade do
português.
Segundo essa proposta, as vogais /i, a, u/, os conhecidos vértices do triângulo
vocálico, são os fonemas vocálicos prototípicos e universais, presentes em todas as
línguas do mundo. Eles equivalem teoricamente às vogais em estado simples ou puro –
[i] = {I}, [a] = {A}, [u] = {U} – e correspondem a três propriedades vocálicas
fundamentais: a anterioridade/palatalidade: {I}; a sonoridade/abertura: {A}; e a
labialidade: {U}. As vogais puras, combinadas, dão origem a todas as outras,
denominadas vogais complexas.
As vogais complexas /e, E/ /ç, o/ variam em abertura a depender do elemento
cabeça da combinação ser a vogal baixa {A} ou uma das altas {I}, {U} (VELOSO,
2012:237). Já as vogais /ˆ, å/, como resultado da redução sofrida pelas vogais em
contexto átono, equivaleriam à perda gradual ou total dos elementos {I, A, U}. O
segmento /ˆ/ resulta da perda total desses elementos, abertura, palatalidade e
labialidade, e por isso é um elemento não marcado, ou vogal vazia, no PE, como já
defenderam outros investigadores (2012:239). Já o /å/ resulta da perda de uma
ocorrência de {A}, restando assim em posição intermediária entre /a/ e /ˆ/ (2012:241):
/a/={A, A} /å/={A, @} /ˆ/={ }(={@, @})
Nas matrizes acima, @ significa a ausência de um elemento, neste caso, de um
grau de abertura. Em suma, Veloso (2012; 2013) defende que as vogais centrais átonas
do PE, /å/ e /ˆ/, no geral, se caracterizam por um processo denominado descoloração,
que é a perda de {I} e {U}, e pela perda gradual de {A}, que é a abertura.
Veloso (2013) detalha ainda mais sua proposta ao comparar /ˆ/ e /u/ e relatar um
processo de mudança fonológica assimétrica sofrida pelas vogais anteriores e
174
posteriores. Segundo ele, enquanto as médias anteriores sofrem a referida descoloração
ao se tornarem átonas, as médias posteriores sofrem um reforço de coloração, por
reforçarem sua labialidade – {U}. Assim, verificam-se três processos distintos na
redução vocálica do PE (2013:666):
(i) perda ou atenuação de {A} (/a/ > /å/ e /e, E/ > /ˆ/);
(ii) apagamento total de {I} (/e, E/ > /ˆ/);
(iii) reforço de {U} (/o, ç/ > /u/).
O autor descreve, por fim, dois movimentos distintos na redução das vogais do
PE, relativos aos vértices do triângulo vocálico (2013:668):
(i) uma movimentação centrífuga, no caso das recuadas (/o, ç/ > /u/);
(ii) e uma movimentação centrípeta, nos casos das palatais e da central
baixa (/a/ > /å/ e /e, E/ > /ˆ/).
Discutir o estatuto fonológico das vogais átonas do PE contemporâneo é
fundamental para compreender o atual estágio do processo de mudança vivido no
quadro de vogais átonas do PB. De tudo o que foi apresentado nessa seção, destacam-se
duas principais propostas de interpretação para o vocalismo átono do PE
contemporâneo.
A primeira proposta, vislumbrada nos trabalhos de Mateus & Andrade (1982;
1990; 2000), defende que as vogais reduzidas do PE são apenas variantes posicionais
dos fonemas tônicos e, assim, o inventário fonológico do PE atual seria ainda
considerado semelhante ao inventário fonológico do PB atual. Segundo essa
interpretação, as diferenças entre as duas variedades residem na superfície fonética, por
ter o PB uma gama maior de variação das vogais átonas (ou sofrer menos influência do
acento da palavra), enquanto o PE é mais regular na sua produção (ou sofre maior
influência do acento).
A segunda interpretação, amplamente detalhada na pesquisa de Veloso, prevê
contextos morfológicos em que [ˆ] estaria integrado à estrutura subjacente do PE,
demonstrando assim o estabelecimento de uma mudança fonológica nessa variedade do
175
português. O segmento /ˆ/ seria, nessa visão, um elemento separador entre a variedade
brasileira e a variedade europeia do português: a primeira, mais conservadora, sofre um
aumento gradual do alteamento das vogais médias e baixas que ainda não é regular em
alguns contextos; a segunda, mais inovadora, é regular na realização de vogais altas em
todas as sílabas átonas e receptiva a um novo segmento de articulação central no seu
inventário fonológico.
6.2 Sobre o português brasileiro
As informações sobre o vocalismo átono do português posteriores ao século
XVI, amplamente discutidas no capítulo 2 desta tese, sugerem que as variedades
brasileira e europeia têm sofrido processos de mudança diferentes desde o período de
colonização. Sobre este estágio, da implementação do português no Brasil, várias fontes
indicam que todo o vocalismo postônico já apresentava redução das vogais médias: elas
se realizavam com pelo menos um grau de redução, [eÀ o À], como defendem os principais
autores para a sílaba postônica não final; e já sofriam até mesmo alteamento total, [i u],
desde o período medieval, o que é consenso sobre a postônica final entre a maioria dos
pesquisadores.
A partir de então, cada variedade tem seguido caminhos diferentes. Na visão de
Naro (1973), é improvável que o português falado no Brasil tenha sido influenciado
pelas evoluções que ocorreram na Europa. Ele destaca fatores que, na sua opinião,
impediram que as mudanças do PE posteriores ao século XVI alcançassem o português
falado além-mar (no Brasil e no Ceilão). De um lado, havia a questão da distância
geográfica, de outro, o número relativamente pequeno de portugueses presentes nesses
territórios, que não poderia servir como veículo de mudança. Além disso, a pronúncia
europeia não constituiu um padrão de prestígio no novo mundo, ao contrário da sintaxe
e outros níveis da gramática, hipótese que Naro defende com base em peças populares
produzidas nas colônias desde o século XVI.
Independentemente dos motivos que deram início ao distanciamento entre as
duas variedades, é fato que o PB tem passado por processos que até hoje envolvem
variação entre vogais átonas médias e altas, ainda que de forma assistemática, em todas
176
as sílabas átonas, enquanto o PE passou a priorizar as vogais altas em todos os
contextos átonos e a promover produtivamente o seu cancelamento, além de iniciar, em
época imprecisa, um processo regular de posteriorização das vogais médias anteriores já
reduzidas. Ao mesmo tempo, cabe destacar que, desde o português arcaico
(GONÇALVES & RAMOS, 1985) até a sincronia atual, a língua portuguesa mantém de
forma praticamente invariável sete fonemas vocálicos na sílaba tônica em todas as suas
variedades de fala37, de maneira que as discussões fonológicas pairam apenas sobre as
reduções fonéticas – e possivelmente fonológicas – que são produtivas nos contextos
átonos.
Assim, o debate sobre Brasil e Portugal ainda compartilharem ou não a mesma
gramática é muito mais amplo do que sugere o tema aqui estudado. Ele tem sido
amplamente proposto nos estudos sintáticos, que devem ser conjugados com as
pesquisas sobre os diferentes níveis da gramática para o desenvolvimento da discussão.
Sobre a fonologia das vogais do português, é necessário compreender, primeiramente, a
natureza dos processos de neutralização que criam subsistemas vocálicos nos contextos
átonos.
Mateus & Andrade (2000), com base na Fonologia Lexical, consideram que as
vogais em sílabas átonas são apenas alofones contextuais dos fonemas tônicos: no PE,
eles seriam [i ˆ å u]; no PB, todas as vogais estariam em variação. Eles se baseiam em
processos derivacionais como comprovação de que as sete vogais subjacentes do
português só sofrem perda de traços distintivos após a atribuição do acento, e, assim,
alteram suas qualidades articulatórias quando se tornam átonas (cf. item 6.1).
Câmara Jr. (1970, 1977), sob a perspectiva clássica do Estruturalismo, entende
que a possibilidade de alternância entre duas vogais átonas, em um contexto específico,
que nunca prejudica a gramaticalidade do vocábulo, demonstra a perda de oposição
entre tais vogais nesse contexto específico. Ele se baseia em pares mínimos distintivos
para a comprovação da existência de arquifonemas vocálicos posicionais em cada sílaba
átona do PB, resultantes de diferentes neutralizações entre /i e E/ e /ç o u/ (cf. capítulo
2).
37 Alguns autores incluem no inventário de fonemas vocálicos tônicos a realização [å], que, no PE, seria opositiva em algumas conjugações verbais (cant[a]mos x cant[å]mos).
177
Para uma interpretação do vocalismo postônico não final do PB, em comparação
com o do PE, cabe ainda considerar duas argumentações contrárias às de Mateus &
Andrade e de Câmara Jr, respectivamente, a de Veloso (2005 e outros) e a de Bisol
(2003). Lembra-se, ainda, que entender tal contexto acentual no PE implica considerar
como um todo o vocalismo átono dessa variedade.
A pesquisa de Veloso (2005 e outros), sobre o estatuto de [ˆ] no PE, contribui
amplamente para o estudo do vocalismo postônico não final no PB. Ele também
considera os preceitos da Fonologia Lexical e não contradiz os argumentos de Mateus &
Andrade, mas acrescenta que, além dos contextos em que é um alofone de /E e/, o [ˆ]
também é um fonema no PE, nas situações em que não existe um fonema equivalente
tônico, mas ele cumpre função morfológica e estabelece oposição com outras vogais.
Principalmente devido à existência de poucos trabalhos empíricos e teóricos
sobre as vogais do PE atual, esta pesquisa não pode tirar conclusões sobre os fonemas
subjacentes dessa variedade. Se [ˆ] chegar a ser comprovado como um elemento de
valor fonológico, haverá evidência suficiente de que os sistemas fonológicos do PE e do
PB estão apartados. Mesmo sem essa confirmação, entretanto, com base em tudo o que
foi aqui discutido na pesquisa bibliográfica, sincrônica e diacrônica, e na análise de
dados do PE das últimas décadas, é possível admitir, com alguma segurança, que as
duas variedades são distintas, pelo menos, no nível superficial, no âmbito das sílabas
átonas.
Em Portugal, são indiscutíveis (i) a implementação do alteamento, tanto de /e/
quanto de /o/; (ii) a simultânea posteriorização de /e/; e (iii) a produtividade do
apagamento vocálico. Em suma, a língua apresenta grande regularidade na redução das
vogais médias e é sensível a um novo processo de mudança, a posteriorização de /e/,
que admite uma variante única dessa variedade, o [ˆ]. Já no Brasil, persiste o processo
de implementação do alteamento das vogais médias átonas /e/ e /o/, mas ele continua
em variação com a manutenção da abertura média dessas vogais, como já ocorria no
português quinhentista, embora com configurações diferentes.
Conclui-se, assim, a comparação entre as vogais postônicas mediais do PB e do
PE. Embora não se possam verificar todas as etapas da mudança que os separaram nos
últimos três séculos, ficam claras as diferenças contemporâneas entre as duas
variedades, pelo menos no nível superficial. A discussão que segue aqui em aberto diz
178
respeito ao caráter fonológico da variação entre médias e altas postônicas mediais no
Brasil e à interpretação da assimetria na implementação do processo de mudança
estudado.
Como discutido no capítulo 2, Câmara Jr defende que, na sílaba postônica não
final, existe neutralização entre as vogais posteriores /O/ e /u/, mas não entre as
anteriores /E/ e /i/. Segundo ele, uma pronúncia como núm[i]ro é rechaçada pelos
falantes brasileiros.
O trabalho de Wetzels (1992), com base em teoria proposta por Clements
(1991), corrobora a visão de Câmara Jr para as sílabas átonas do português. Segundo
ele, a neutralização das vogais acontece com o desligamento de um traço de abertura da
árvore em determinado contexto. Além disso, para o autor, a labialidade é um traço
fonológico que está previsto na posição postônica não final, participando da estrutura
das vogais posteriores. Dessa forma, o desligamento do traço de abertura, ou seja, a
neutralização entre a articulação média e a alta, só é efetuado com a presença do traço
[labial]:
Quadro 15. A neutralização da vogal postônica não final.
X
[+ vocoid] Domain: stress foot
[+open2] [labial]
Fonte: Wetzels (1992:27).
As dúvidas a respeito da interpretação do vocalismo postônico não final sugerida
por Câmara Jr advêm, de um lado, (i) da ausência de pares mínimos que comprovem as
oposições fonológicas nessa posição, ao contrário do que ocorre nas demais sílabas
átonas; e, de outro, (ii) da excepcionalidade de processos de neutralização assimétricos
no sistema da língua.
Esses dois aspectos relacionam-se com características das sílabas postônicas não
finais que foram amplamente investigadas na pesquisa sociolinguística empreendida
179
nesta tese. Primeiramente, a baixa produtividade do padrão acentual proparoxítono no
português é a causa da inexistência de pares mínimos nessa posição. Em segundo lugar,
o valor social atribuído às vogais médias nessa sílaba é, provavelmente, uma
consequência da estreita relação entre as palavras proparoxítonas e a escrita, o que tem
sido uma força de resistência à mudança, especialmente para /e/.
Os resultados desta pesquisa levaram à compreensão de que a assimetria
constatada por Câmara Jr não passa de uma característica da variedade de fala culta
carioca, que foi o foco do seu trabalho. Assim, não se pode negar a existência da
assimetria, mas tudo indica que ela ocorra na implementação das variantes altas entre os
falantes fluminenses, mas não no sistema da língua. De qualquer forma, é necessário
admitir que a diferença de comportamento das vogais anteriores e posteriores postônicas
não finais no PB estão presentes em todos os resultados estatísticos encontrados. Por
isso, o problema da assimetria continuará a ser discutido neste capítulo.
Bisol (2003) também se apoia na Teoria Autossegmental e na Geometria de
Traços e, com base em Clements, propõe que o vocalismo do português constitui um
modelo estruturado em camadas organizadas hierarquicamente, cada uma representando
um traço de abertura ([aberto 1], [aberto 2], [aberto 3]. Ele será positivo ou negativo de
acordo com a natureza da vogal (alta, média fechada, média aberta e baixa). A anulação
de uma ou mais camadas acarretará neutralização entre essas classes de vogais.
Segundo Clements, as línguas românicas apresentam um registro de 3 vogais,
um registro de 5 e um registro de 7, sendo os dois primeiros resultantes da anulação dos
traços [aberto 3] e/ou [aberto 2], expostos a seguir:
Quadro 16. O vocalismo românico segundo Clements (1991).
abertura i/u e/o EEEE/çççç a
aberto 1 - - - +
aberto 2 - + + +
aberto 3 - - + +
Fonte: Bisol (2003:276).
180
Como dito no capítulo 2, em contraposição a Wetzels e Câmara Jr, Bisol explica
a neutralização das vogais postônicas não finais sem a especificação do traço labial.
Nesta tese, da mesma forma, toma-se como base a proposta simétrica de Bisol para a
interpretação das oposições/neutralizações entre as vogais átonas nesse contexto.
Entretanto, com base nos resultados da fala fluminense das últimas décadas, em
comparação com outras regiões do país, considera-se que a discussão sobre o fenômeno
no âmbito do PB atual é uma questão principalmente de ponto de vista fonético – e não
fonológico, como coloca a autora.
Para Bisol, o que explica a instabilidade das sílabas postônicas não finais é uma
flutuação entre o quadro de três e o de cinco vogais descritos por Clements que, no
Brasil, estão em atuação na sílaba postônica final e na pretônica, respectivamente. De
fato, os resultados dos trabalhos sociolinguísticos que focalizaram a fala da Região Sul
do Brasil e também a fala culta do Estado do Rio de Janeiro indicam uma produtiva
resistência das vogais médias anteriores entre esses falantes (e também das posteriores,
nos falares do Sul), à semelhança do contexto pretônico. Pesquisas no Estado da Paraíba
também registram a possibilidade de abaixamento das médias por harmonização
vocálica. Por outro lado, vários aspectos demonstram que a presença dessas vogais entre
tais falantes é um caso de variação fonética, à semelhança do contexto átono final, e não
de oposição, como ocorre no contexto pretônico, o que se discute a seguir.
Em primeiro lugar, mesmo entre os falantes citados, que mantêm
produtivamente a articulação média, existem consideráveis percentuais de alteamento
dessas vogais, o que comprova que a opção pela vogal alta é uma alternativa que
também faz parte da sua gramática.
Paralela a essa evidência, a conjugação de diversos resultados para os falantes
fluminenses que tiveram pouco contato com a escola (no máximo o 2º segmento do
Ensino Fundamental) corrobora que o sistema de três fonemas /i a u/ postônicos não
finais é uma realidade na fala popular do Rio de Janeiro, desde a década de 1980 até os
dias atuais.
Além de tudo, o olhar atento sobre os aspectos da variação existente nesse
Estado demonstra que cada vez se torna mais difícil determinar os condicionamentos
linguísticos e sociais para a troca de [e] por [i] nesse contexto, o que, ao que parece,
resulta de um processo de mudança que se encontra em fase final de implementação.
181
Nesse sentido, a atuação da escolaridade (condicionamento social), que é a
variável mais expressiva nesse fenômeno, tornou-se menos clara na observação dos
anos 2000. O input da regra do alteamento entre os falantes cultos passou de 0.182, na
década de 1970, para 0.462, na década de 2000, demonstrando que a implementação das
vogais altas se ampliou na variedade de fala culta. Por outro lado, quando observados de
forma pontual, os dados demonstraram que, diversas vezes, características individuais
do falante escolarizado na realização das vogais se sobrepõem ao comportamento do
segmento de que faz parte.
Ao mesmo tempo, os fatores fonéticos só se mostraram relevantes para o
alteamento das vogais médias (condicionamento linguístico) quando foram motivados
pela frequência superabundante de alguns itens lexicais específicos. Confirmou-se que o
fenômeno estudado limita-se a um universo lexical muito restrito, que não permite a
legítima atuação de variáveis fonéticas e morfológicas, como se observa nas sílabas
pretônicas, por exemplo. Por outro lado, contrariamente ao que se esperava, os itens
muito frequentes não restringem a escolha por uma ou outra variante à disposição do
falante, pelo menos nas últimas etapas da mudança, aqui observadas.
Em outras palavras, o controle da frequência das proparoxítonas demonstrou que
apenas pouquíssimos itens muito comuns – nesta pesquisa somente árvore, época e
número – podem ser observados nas células sociais como um todo. Outros vocábulos
muito comuns na fala – como quilômetro e abóbora – e os itens menos frequentes não
puderam ser observados com regularidade, visto que não figuram em várias entrevistas
ou corpora em quantidade numérica que permita algum tipo de comparação. Nesse
sentido, não houve frequência de types e tokens na mesma entrevista suficiente para
testar a hipótese lexical da Fonologia de Uso. Ao mesmo tempo, os itens mais
frequentes também não apareceram restringindo o uso de uma ou outra variante, como a
princípio se cogitou.
Entretanto, acredita-se igualmente que a mudança aqui investigada já passou por
etapas de implementação motivadas pelo léxico proparoxítono em uso e que ela hoje
está em uma fase conclusiva que não apresenta mais restrição lexical. Primeiramente, é
fato que todos os aspectos linguísticos das palavras observadas estão atrelados a itens
lexicais específicos ou raízes muito frequentes no conjunto das proparoxítonas, de
maneira que não se diferenciam condicionamentos linguísticos e condicionamentos
182
lexicais. Por exemplo, a presença de oclusivas adjacentes à vogal postônica medial /o/ é
diretamente relacionada ao vocábulo época, assim como a ocorrência da vogal /e/ fora
da primeira raiz é responsabilidade, principalmente, do morfema –metro.
Não se pode esquecer também que a vogal /o/, que não apresenta quase nenhuma
restrição à mudança, é expressivamente mais frequente que a vogal /e/, tanto em número
de types quanto de tokens, embora nada a respeito da frequência de uso possa ser
comprovado.
Soma-se a isso a constatação de que a variação entre médias e altas observada no
âmbito de /e/ está relacionada ao nível individual. Ou seja, mesmo em um grupo que
privilegia a variante inovadora – a vogal alta –, existem poucos indivíduos que se
afastam do comportamento geral, optando sempre, ou quase sempre, pela variante
conservadora – a vogal média. É o caso de alguns pescadores do corpus APERJ e de
alguns falantes com nível médio de instrução que integram a fala popular do corpus
Concordância-RJ. Igualmente, já se encontram nos anos 2000 indivíduos com um
comportamento extremamente inovador, mesmo que pertençam a um grupo responsável
por restringir a implementação da mudança. É o caso de alguns falantes cultos do
corpus Concordância-RJ.
Conforme propõem Weinreich, Labov & Herzog, com base nas considerações de
Hermann Paul (1880, apud WEINREICH, LABOV & HERZOG, 2006), quando o “uso
linguístico” é objeto de uma pesquisa, ele é o produto do trabalho do linguista de
comparar idioletos. Eles entendem que o uso linguístico não tem nenhum limite
determinado, apenas aquele que o pesquisador lhe impõe através do agrupamento de
falantes, um recorte que, de alguma forma, será arbitrário. Ao mesmo tempo, a
consideração do idioleto é a única maneira de chegar à gramática.
Segundo reflexões de Paul, “uma comparação das línguas individuais (...)
produz uma certa ‘média’, que determina o que é realmente normal na língua – o ‘uso
linguístico’” (p. 41). Acredita-se que, em consonância com essa ideia, esta pesquisa
examinou detalhadamente a variação entre vogais médias e altas no Rio de Janeiro, em
especial, na fala dos informantes mais escolarizados, nos quais a competição entre [e] e
[i] ainda é comum. Os dados gerais dos anos 2000 indicam que as duas variantes estão
em equilibro entre os falantes de nível médio e superior de instrução, mas, o
comportamento idiossincrático de vários deles indica que, na fala de muitos, a mudança
183
para [i] se evidencia, mesmo na fala culta, ao mesmo tempo em que, na fala de alguns,
se verifica a resistência da variante conservadora [e].
Os autores entendem que uma mudança no uso linguístico ocorre através da
soma de “uma série de (...) mudanças de idioletos que se movem numa mesma direção”
(2006:43). Tal visão parece ser bastante evidente para o fenômeno que aqui investigado.
O recorte metodológico que divide os falantes em cultos e não cultos sugere que um dos
grupos de falantes é resistente ao alteamento da vogal /e/, mas, ao considerar a
realização desse fonema no nível individual, vê-se que a maioria dos falantes que
compõem a comunidade de fala fluminense já implementa a redução da vogal.
Sobre as diferenças entre as vogais médias anteriores e posteriores, lembra-se
que, na opinião de Bisol, a língua evita qualquer tipo de assimetria e, nesse caso, tende a
regularizar-se em três elementos /i a u/. O vocalismo postônico não final, segundo ela,
só apresenta diferença entre os contextos de articulação anterior e posterior por conta de
uma motivação fonética da cavidade bucal, já que a distância entre os pontos de
articulação de [o] e [u] é menor do que a distância entre a articulação de [e] e [i].
A explicação de Bisol, que também coincide com o que diz Naro, pode ser
conjugada com os resultados da pesquisa realizada no Estado do Rio de Janeiro. Os
dados demonstram que a opção pela vogal média, principalmente [e], apresenta algum
tipo de consciência, possivelmente motivada pela memória ortográfica das
proparoxítonas. Isso porque os falantes que mais produzem [e] são os que têm mais
tempo de escolaridade. Além disso, o controle de situações de fala monitorada
demonstrou que, quanto maior a atenção dedicada ao seu discurso, mais o falante opta
pela vogal média [e].
Mollica & Braga (2004) constatam a relação entre grau de percepção de uma
variante e seu valor social: segundo elas, quanto menos percebida é uma variante,
menor é a sua estigmatização. Os condicionamentos comentados quase não foram
observados no âmbito da vogais posteriores. A série posterior apresentou realização alta
quase categoricamente em todos os corpora sociolinguísticos investigados neste
trabalho. A mudança nesse contexto demonstrou estar plenamente implementada, pois
não foi sensível a nenhum condicionamento social ou linguístico investigado. Apenas
na década de 1970 observou-se um resquício das vogais médias posteriores, na faixa de
184
10% dos dados realizados pelos falantes cultos cariocas. Nos anos 2000, até mesmo eles
reduziram categoricamente a vogal posterior.
Todos esses resultados indicam que, teoricamente, a vogal /e/ teria uma
articulação mais perceptível e consciente para os falantes fluminenses. Esses indícios,
conjugados aos comentários de Bisol e de Naro sobre as diferenças articulatórias entre
as vogais anteriores e posteriores, talvez possam ser confirmados também para todos os
falantes brasileiros, mas devem ser comprovados com mais pesquisas sobre o tema nas
diversas regiões do país.
Embora as diferenças entre /e/ e /o/ reflitam a assimetria defendida por Câmara
Jr, deve-se considerar, mais uma vez, que o contraste no comportamento das duas
vogais ocorre apenas no plano fonético. Isso fica comprovado no teste de leitura.
Embora tivessem diferentes níveis de escolaridade, em situação de extrema atenção ao
discurso, todos os falantes recuperaram a variante média [o], em percentuais próximos
aos encontrados para a fala culta na realização de /e/: 40%, 54,2% e 66,7%,
respectivamente, para os níveis de escolaridade fundamental, médio e superior.
Por tudo isso, além da atuação da escolaridade e de alguns comportamentos
idiossincráticos, a assimetria não se verifica nos corpora. O contraste de estilos
diferentes mostrou que o monitoramento do discurso pode aumentar a percepção das
vogais, inclusive das posteriores, e, assim, a média anterior [e] e a posterior [o] podem
ser igualmente conservadas nos contextos mais formais. Ao mesmo tempo, na fala
pouco escolarizada não monitorada, o alteamento da vogal anterior está plenamente
implementado desde os anos 80, sem nenhuma assimetria com a vogal posterior.
Conclui-se, com base nos resultados da investigação sociolinguística realizada
neste trabalho, que o alteamento das vogais médias átonas se encontra implementado na
posição postônica não final tanto no PE quanto no PB. O processo acarretou a mudança
para o quadro de três vogais /i a u/, que já era produtivo no contexto postônico final
antes da implantação do português no Brasil. Em Portugal, isso se comprova
plenamente, pois o processo já estava generalizado, tanto na posição aqui focalizada,
como nos demais contextos átonos, desde o século XVIII, em que também já se
registrava a posteriorização de /e/, segundo Marquilhas. Essa variedade, ao que parece,
segue em evolução, haja vista os produtivos índices de apagamento que ocorreram na
amostra aqui considerada. No Brasil, atesta-se a persistência de variantes conservadoras
185
no nível fonético, especialmente no âmbito da vogal anterior, que, embora seja mais
resistente ao alteamento, se encontra em plena variação com a alta, em diversas regiões
e variedades de fala brasileiras.
186
7. CONCLUSÃO
A literatura sobre o vocalismo do português demonstra que o português
brasileiro e o europeu são receptivos a processos de mudança distintos quando as vogais
estão em contextos átonos. Embora as duas variedades tenham compartilhado desde o
período colonial a tendência de alteamento das vogais médias átonas, o PE certamente
já assimilou esse processo, havendo atualmente raríssimos resquícios de vogais médias
nas posições não acentuadas, segundo os autores investigados. Paralelamente, o Brasil
segue mantendo uma produtiva variação entre os diferentes graus de abertura em todas
as posições átonas. Nas pretônicas, a harmonização vocálica é um fenômeno variável
desde o período colonial até hoje, enquanto nas postônicas o processo de alteamento se
implementa a passos lentos na posição postônica medial e, mesmo nas postônicas finais,
não é regular.
A investigação aqui empreendida em trabalhos de cunho diacrônico apontou
indícios de que as variantes inovadoras no vocalismo do PE, [ˆ, u], e mesmo o
apagamento já eram produtivos em todos os contextos átonos desde o século XVII mas,
por outro lado, em fins do século XIX, vogais médias ainda variavam com as vogais
altas a ponto de serem escolhidas para a descrição de Viana (1892). As fontes históricas
dos últimos séculos sobre Portugal não são claras, mas indícios apontam que a
regularização do vocalismo átono português com a redução das médias /e o/ para [ˆ, u]
ocorreu muito recentemente, segundo Marquilhas (2003a; 2003b).
No Brasil, a posição átona que mais apresenta discussão teórica é a postônica
medial, que é o foco desta pesquisa. Para Naro (1973), a partir do século XVI, esse
contexto apresentou alteamento da vogal média posterior e não da anterior, o que
configurou o quadro assimétrico de quatro vogais na variedade brasileira. Tal
característica é defendida pelo principal teórico sobre os aspectos fonológicos do PB
contemporâneo, Câmara Jr (1970). Por outro lado, Bisol (2003, 2010) também estudou
amplamente o tema, sob a perspectiva de correntes pós-estruturalistas, e defende a
simetria do processo de mudança vocálica verificado no Brasil. Para ela, o sistema
apresenta somente duas configurações, um quadro de cinco vogais e um quadro de três,
que estão em flutuação na posição postônica não final com tendência à regularização em
três segmentos /i a u/.
187
As diferenças fonéticas entre as duas variedades do português são evidentes,
mas, no que tange ao nível fonológico, resta verificar se o sistema vocálico no PB e no
PE já apresentam configurações diferentes e quais são suas características. É possível
refletir sobre duas visões diferentes a respeito disso: a de Mateus & Andrade (2000)
defende que o PB e o PE tenham configurações fonologicamente semelhantes com
diferenças na realização fonética. A segunda, desenvolvida por Veloso (2005 e outros),
afirma que a vogal [ˆ] é um elemento integrante do vocalismo português e substituiu a
vogal média anterior /e/, que ainda resiste na variedade brasileira. Nesta perspectiva, as
duas variedades se diferenciam no nível subjacente.
A pesquisa sociolinguística aqui empreendida, confirma, através da apreciação
dos dados de Lisboa, a redução generalizada do vocalismo átono português desde a
década de 1970 até os dias de hoje. No atual estágio, está estabilizado o alteamento das
vogais médias átonas portuguesas em [ˆ u], ao lado de produtivo processo de
apagamento que tem se tornado cada vez mais frequente, segundo os resultados
comparativos entre os corpora de 1970 e 2000.
A análise de dados de falantes brasileiros do Estado do Rio de Janeiro
demonstra a regularidade do quadro de três vogais [i a u] no contexto postônico medial,
desde os anos 1980, entre os falantes pouco escolarizados. Com percentuais muitos
baixos de variação entre vogais médias e altas, o processo de alteamento está
implementado entre eles, de forma simétrica entre as duas vogais.
Por outro lado, entre os falantes mais escolarizados, o processo confirma-se
para a vogal /o/ já em 1970, quando a manutenção da média era muito pouco produtiva,
e também nos anos 2000, em que a realização foi quase sempre [u]. Por outro lado, a
articulação média [e] ainda resiste variando com [i] nos anos 2000, entre os falantes
com nível de instrução médio ou superior.
Isso demonstra a atuação da escolaridade no fenômeno estudado, a única
variável que se mostrou condicionadora do processo de alteamento, em todas as análises
sociolinguísticas realizadas. O confronto de todas as amostras de 1970/80 e 2000
demonstrou que a regra de alteamento é extremamente favorável entre os falantes que
têm apenas o nível fundamental, com peso relativo de 0.938, é quase neutra entre os
falantes de nível médio, peso relativo de 0.645, e é desfavorável entre os falantes com
nível superior de escolaridade, peso relativo de 0.281.
188
Sobre a assimetria, pode-se concluir, por um lado, que esteja de alguma maneira
presente entre os falantes mais escolarizados, mas, por outro lado, o alteamento é
produtivo também entre eles, desde a década de 1970.
Interessa destacar também o comportamento dos falantes com nível de instrução
intermediário, para os quais os resultados dos anos 2000 divergem parcialmente do que
era esperado a partir do que foi encontrado nas décadas de 1970/80. Na variedade de
fala popular, esse grupo se diferenciou daquele com apenas o nível Fundamental porque
alguns informantes apresentam o comportamento idiossincrático de preservar /e/,
enquanto os menos escolarizados sempre implementam a mudança para [i].
Simultaneamente à atuação da escolaridade na comunidade de fala fluminense,
observa-se um condicionamento lexical e idiossincrático no comportamento de vários
falantes fluminenses que se destacam do comportamento geral do seu grupo. A
observação pontual dos dados levantados demonstrou que o léxico proparoxítono, em
que se verifica o fenômeno estudado, é restrito em cada entrevista levantada. Muitas
vezes o inquérito apresenta somente um ou dois vocábulos diferentes, mesmo quando há
muita repetição deles. Paralelamente, diversos falantes apresentam comportamento
categórico, ou quase categórico, ao sempre altear ou manter a vogal /e/ nos vocábulos
que realizaram.
É por esses motivos que se considera fundamental para o estudo do alteamento
em sílabas postônicas mediais investigar a relação entre a frequência dos itens lexicais e
a implementação da mudança, visto que é intrínseca a relação entre os fatores
linguísticos tradicionalmente controlados na pesquisa sociolinguística e os vocábulos
proparoxítonos encontrados nos corpora. Embora não se tenha obtido sucesso ao
associar a escolha de variantes a determinados itens lexicais mais ou menos frequentes,
como previa uma das hipóteses iniciais baseada na Fonologia de Uso, considera-se que
isso tenha ocorrido em estágios anteriores de implementação da mudança e, hoje, as
variantes altas já estejam difundidas em todo o léxico proparoxítono, como, de fato, são
produtivas em todos os vocábulos levantados. Essa também é a hipótese defendida por
Marquilhas (1996, 2003) para o PE.
Através do controle de questionários e leituras, viu-se, nesta pesquisa, o resgate
notável das variantes médias [e] e [o] em todos os segmentos da comunidade de fala
carioca. O discurso monitorado provocou a realização das vogais médias em grupos
189
sociais nos quais já haviam desaparecido na fala espontânea. A comparação entre as
etapas de perguntas e respostas, identificação de figuras e leitura de texto mostrou que,
conforme aumenta o monitoramento do discurso, mais o processo de alteamento é
refreado, principalmente na realização de /e/, mas também de forma expressiva na
realização de /o/. Nesse sentido, a etapa de leitura foi a única em que os informantes de
todos os níveis de escolaridade preteriram o alteamento de /e/. A recuperação de ambas
as vogais em estilos formais, inclusive na fala popular, demonstra que a assimetria entre
elas não é fonológica. Ao contrário, considerando-se os demais resultados deste
trabalho, conclui-se que o comportamento de /e/ só se diferencia do comportamento de
/o/ na fala espontânea quando há atuação da escolaridade do falante, um fator que é
social e não fonológico.
A pesquisa desenvolvida nesta tese de doutorado pôde contribuir para os estudos
fonológicos sobre o vocalismo átono do português ao proceder ao exame minucioso do
contexto átono mais difícil de ser observado na língua portuguesa. O levantamento
laborioso de proparoxítonas com vogais /e/ e /o/ na sílaba postônica não final levou à
investigação da variação e da implementação do alteamento na posição átona menos
frequente na língua, que também é a mais negligenciada nos trabalhos sincrônicos e
diacrônicos, especialmente pela raridade com que tais vocábulos figuram nos corpora
de pesquisa, principalmente nos históricos. Ao mesmo tempo, o tratamento do tema sob
diversos aspectos que lhe são peculiares permitiu que o fenômeno em questão fosse
analisado sob diversas perspectivas, teóricas e empíricas.
A conjugação dos resultados encontrados na fala espontânea e na fala
monitorada do Rio de Janeiro, através de análise estatística e lexical, demonstrou que as
variantes médias [e o] e altas [i u] estão em variação na fala fluminense, mas
fonologicamente verifica-se a redução do quadro para /i a u/. Pode-se concluir que a
assimetria entre as vogais /e/ e /o/ postônicas mediais, percebida por Câmara Jr na fala
carioca da década de 1940, embora seja aparentemente uma distinção de nível
fonológico, na verdade é uma questão de competição entre variantes fonéticas que são
mais ou menos produtivas a depender da influência da escolaridade, do perfil
idiossincrático do falante e do contexto discursivo. Por isso, talvez a afirmação de
Câmara Jr de que a realização [�nu)mi Ru] é rechaçada pelos falantes seja a constatação
de um valor social atribuído à variante [i] pelos falantes cultos cariocas de 1940, que
190
foram o alvo de seu estudo. Nos dias atuais, muitas ocorrências de [�nu)mi Ru] foram
registradas na fala espontânea e monitorada de falantes cultos da Região Metropolitana
do Rio de Janeiro.
Sobre as oposições fonológicas entre PB e PE, não se podem apresentar
comentários conclusivos visto que há falta de trabalhos empíricos sobre o fenômeno no
PE e o tema ainda é objeto de ampla discussão entre os principais linguistas que
investigam essa variedade da língua, especialmente sobre o valor fonológico de [ˆ].
No nível fonético, entretanto, fica claro que as duas variedades divergem
amplamente na concretização das vogais átonas, entre elas as postônicas mediais, que
aqui foram focalizadas. A observação do nível superficial da língua demonstra que
Brasil e Portugal sofrem processos fonético-fonológicos diferentes e tendem a se afastar
cada vez mais com o passar do tempo. Em Portugal, são quase categóricos o alteamento
de /e/ e de /o/ e a simultânea posteriorização de /e/; além disso, a variedade europeia é
cada vez mais receptiva ao apagamento vocálico. No Brasil, persiste em implementação
o processo de alteamento no contexto postônico: ele já está generalizado na posição
final (embora ainda varie com as médias em poucas regiões do país e nas sílabas
travadas) e amplia cada vez mais a sua produtividade no âmbito da vogal /e/ na posição
não final, o único segmento que ainda apresenta resistência a ele nesse contexto.
Nesse sentido, é apenas questão de tempo até que diferentes processos fonético-
fonológicos sejam incorporados à gramática de cada variedade e, ainda que alguns deles
possam ser refreados em etapas futuras da língua, possibilidade que prevê a teoria
laboviana da Variação e Mudança, dificilmente o tempo manterá próximos os trajetos
de mudança das vogais átonas nas duas variedades.
191
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201
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ANEXOS
203
ANEXO I
INFORMANTES NURC
HOMEM MULHER
FAIXA 1 (25-35 anos)
035H1 084M1
063H1 099M1
104H1 133M1
FAIXA 2 (36-55 anos)
006H2 140M2
103H2 162M2
130H2 346M2
FAIXA 3 (56 em diante)
075H3 229M3
151H3 347M3
354H3 391M3
H = Homem M = Mulher 1 = Faixa 1 2 = Faixa 2 3 = Faixa 3
204
ANEXO II
INFORMANTES APERJ
LOCALIDADE FAIXA 1
(até 35 anos) FAIXA 2
(36-55 anos) FAIXA 3
(56 em diante)
Atafona 020A1 149A1 119B1 150B1 024C1 120C0
B. de Itabapoana 080A0 156A0 015B0 123B0 081C0 155C0
Cambuci 041A1 154A1 043B0 044B1 040C0 096C1
Farol de S. Tomé 062A1 063A1 065B1 121B1 064C1 146C0
Gargaú 085A1 086A1 083A1 159B1 084C1 124C1
Guaxindiba 029A1 090A1 027B0 088B1 031C0 089C1
Itaocara 097A1 098A1 037B1 099B1 035C1 100C0
Itaperuna 101A1 102A1 001B1 004B0 003C0 103C0
Macaé 168A1 169A1 170B1 171B1 107C0 110C1
Ponta Grossa 053A0 054A0 055B1 152B0 056B0 057C0
São Benedito 061A1 129A1 059B0 068B1 128C0 142C0
São Fidélis 012A1 095A1 009B0 010B0 008C0 093C0
São João da Barra 072A1 073A1 070B0 078B1 022C0 076C1
1 = Primário 2 = Analfabeto A = Faixa 1 B = Faixa 2 C = Faixa 3
205
ANEXO III
INFORMANTES PEUL 80
FAIXA 1 (até 35 anos)
FAIXA 2 (36-55 anos)
FAIXA 3 (56 em diante)
Primário
HOMEM CarB-16am Seb-39am
Jan-56am Cid-57am
Sam-18am Edu-41am Man-59am Dal-71am
MULHER
Sue-24af
Ire-52af Lei-25af
Joa-27af
Ginásio
HOMEM Jae-30am CarS-62am
MULHER Dor-44af Nad-57af
Glo-48af Lin-59af Hel-62af
Médio HOMEM
Pit -25am Wil-51am
Dav-31am
MULHER Ana-18af Eve-42af Mgl-53af
a = Anos m = Masculino f = Feminino
206
ANEXO IV
INFORMANTES PEUL 2000
Ensino Fundamental Ensino Médio
Homem Mulher Homem Mulher
FAIXA 1
(até 35 anos) T06 - Ale T08 - Cri T13 - Gla
FAIXA 2
(36-55 anos) T26 - Man T18 - Luc T31 - Tad T24 - Adri
FAIXA 3
(56 em diante) T29 - Ram T30 - Mar T32 - Euc
207
ANEXO V
INFORMANTES CONCORDÂNCIA COPACABANA
Nível Fundamental Nível Médio Nível Superior
Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher
FAIXA 1
(até 35 anos) COP A1H
COP A1M
COP A2H
COP A2M
COP A3H
COP A3M
FAIXA 2
(36-55 anos) COP B1H
COP B1M
COP B2H
Comp
COP B2M
COP B3H
COP B3M
FAIXA 3
(56 em diante) COP C1H
COP C1M
COP C2H
COP C2M
COP C3H
COP C3M
INFORMANTES CONCORDÂNCIA NOVA IGUAÇU
Nível Fundamental Nível Médio Nível Superior
Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher
FAIXA 1
(até 35 anos) NIG A1H
NIG A1M
NIG A2H
NIG A2Mb
NIG A3H
NIG A3M
FAIXA 2
(36-55 anos) NIG B1H
NIG B1M
NIG B2H
NIG B2M NIG B3H
NIG B3M
FAIXA 3
(56 em diante)
NIG C1M
NIG C2H
NIG C2M NIG C3H
NIG C3M
COP = Copacabana NIG: Nova Iguaçu A = Faixa 1 B = Faixa 2 C = Faixa 3 1 = Fundamental 2 = Médio 3 = Superior
H = Homem M = Mulher
208
ANEXO VI
INFORMANTES CONCORDÂNCIA CACÉM
Nível Fundamental Nível Médio Nível Superior
Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher
FAIXA 1
(até 35 anos) CAC A1Ha
CAC A1Ma
CAC A2Ha
CAC A2Ma
CAC A3H
CAC A3M
FAIXA 2
(36-55 anos) CAC B1H
CAC B1M
CAC B2Ha
CAC B2M
CAC B3H
CAC B3M
FAIXA 3
(56 em diante) CAC C1Ha
CAC C1M
CAC C2H
CAC C2Ma
CAC C3Ha
CAC C3M
CAC = Cacém OEI: Oeiras A = Faixa 1 B = Faixa 2 C = Faixa 3 1 = Fundamental 2 = Médio 3 = Superior
H = Homem M = Mulher
INFORMANTES CONCORDÂNCIA OEIRAS
Nível Fundamental Nível Médio Nível Superior
Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher
FAIXA 1
(até 35 anos) OEI A1H
OEI A1M
OEI A2H
OEI A2M
OEI A3H
OEI A3M
FAIXA 2
(36-55 anos) OEI B1H
OEI B1M OEI B2H
OEI B2M OEI B3H
OEI B3M
FAIXA 3
(56 em diante) OEI C1H
OEI C1M OEI C2H
OEI C2M OEI C3H
OEI C3M
209
ANEXO VII
INFORMANTES DO CORPUS PORTUGUÊS FUNDAMENTAL
MULHER HOMEM FAIXA 1
(até 35 anos)
FAIXA 2 (36-55 anos)
FAIXA 3 (56 em diante)
FAIXA 1 (até 35 anos)
FAIXA 2 (36-55 anos)
FAIXA 3 (56 em diante)
Primário H34-0476
Ginásio M51-467 H28-1212 H53-965 H39-883
Médio M31-053 M18-485
M50-653 M57-1009 H33-1325 H25-1308 H31-0776
H43-990
Superior M42-479 M62-1338 H33-1264 H49-296
210
ANEXO VIII
INFORMANTES DO QUESTIONÁRIO/LEITURA
MULHER HOMEM
FAIXA 1 (até 35 anos)
FAIXA 2 (36-55 anos)
FAIXA 3 (56 em diante)
FAIXA 1 (até 35 anos)
FAIXA 2 (36-55 anos)
FAIXA 3 (56 em diante)
Fund. A1M28a A2M38a A3M62a A1H35a A2H48a A3H63a
Médio B1M33a B2M43a B3M61 B1H24a B2H53a B3H59a
Sup. C1M22a C2M39a C3M57a C1H29a C2H39a C3H59a
H = Homem M = Mulher a = Anos 1 = Faixa 1 2 = Faixa 2 3 = Faixa 3 A = Fundamental B = Médio C = Superior
211
ANEXO IX
Questionário para levantamento de léxico – Perguntas (Composto por 32 proparoxítonas e 16 termos distratores)
a. Quando um time de futebol vence todos os jogos, dizemos que ele é o quê?
1. Qual é o apelido do jogador Ronaldo? Ronaldinho ou Ronaldo ____ ? [Fenômeno]
2. Para ficar muito tempo debaixo d’água temos que fazer o que para não engolir água? (Quando corremos muito e começamos a ficar cansados e ofegantes, respirando forte, falamos que estamos como? Sem __________ ?) [Fôlego]
b. O que você diz para se referir ao dia anterior a ontem?
3. Qual o nome da pessoa que fica no hotel por algum tempo? [Hóspede]
4. Como se chama o tipo de animal que pode gerar seus filhotes e amamentar? (Animais tipo cachorro, gato, vaca...) [Mamífero]
c. Como se chama a pessoa que tem os olhos voltados para direções diferentes?
5. Como se chama aquele espetáculo de teatro que tem música clássica e cantores que cantam em tons muito altos? [Ópera]
6. Qual a medida que se usa para medir a distância de um lugar para outro? De uma cidade para a outra? (Também é usada para medir a velocidade.) [Quilômetro]
d. Qual é o nome de um legume que é uma raiz dura de casca escura, que comemos em bolo, frita ou cozida com manteiga?
7. Qual o nome do aparelho que mede o preço da corrida no táxi? [Taxímetro]
8. Como chamamos aquela grave ferida que dá no estômago? (Quem tem essa ferida não pode comer alimentos ácidos.) [Úlcera]
e. Como se chama a pessoa que deixam as suas contas penduradas?
9. Qual é o órgão em que o bebê cresce na barriga da mãe? [Útero]
10. Como chamamos o tipo de material usado no campo para cultivar alimentos e cuidar da terra? (A área em que existem muitas indústrias é chamada de industrial. E a área que tem muitas plantações? É uma área o quê? A área quem muita indústria é chamada de zona industrial, e a área onde se pratica a agricultura é chamada de zona ________.) [Agrícola]
f. Como vocês diz aqui para aquela pessoa que não gosta de gastar seu dinheiro e, às vezes, até passa dificuldades para não gastar?
11. Qual é a peça usada pelos marinheiros para fixar a embarcação? (Peça que se joga na água para o barco não sair do lugar.) [Âncora]
12. A última ceia retrata Jesus e seus ___________. (Que palavra usamos para nomear os homens que acompanhavam Jesus? Discípulos ou __________.) [Apóstolos]
g. O que as mulheres usam no rosto pra ficar mais coradinha?
13. Qual o nome da profissão da pessoa que trabalha por conta própria? [Autônomo]
212
14. Como se chama a pessoa que trabalha com natureza e que conhece a fisiologia das plantas, animais, bactérias? Que estuda várias formas de vida? (Profissional formado em biologia.) [Biologia]
h. Quando o tempo fecha e parece que vai chover, como ficam as nuvens?
15. Qual é o tipo de animal que come carne? (Se de um lado temos animais que só comem plantas, de outro temos os __________.) [Carnívoro]
16. Que nome damos para um acontecimento muito ruim e trágico, que acarreta muitas mortes ou um grande prejuízo? Podemos dizer que houve uma grande tragédia ou uma ___________? (E quando é um fenômeno da natureza, como um terremoto, furacão que mata muitas pessoas. É uma __________.) [Catástrofe]
i. A madrinha do seu filho é sua o quê?
17. Que nome se dá a uma conversa entre duas pessoas? (Por exemplo, dizemos que entre pai e filho deve haver ___________.) [Diálogo]
18. O que o artista é para o seu fã? (Quando uma pessoa admira muito uma celebridade, dizemos que a celebridade é seu ________.) [Ídolo]
j. Como se chama o marido que a mulher passa para trás com outro homem?
19. A rotina é considerada chata quando é muito repetitiva. Isso acontece porque o dia-a-dia se torna __________. (E quando a vida está muito chata, repetitiva, sem graça, porque não acontece nada de novo, você diz que o dia-a-dia está __________?) [Monótono]
20. Qual o material utilizado para fazer balas de revólver e armas explosivas, como a granada? [Pólvora]
k. Além do feijão preto, tem também um tipo de feijão marrom. Qual é o nome dele?
21. Como se chama o profissional que cuida dos problemas emocionais das pessoas? (Aquele que apenas escuta o paciente que faz de análise.) [Psicólogo]
22. Quando uma superfície é assim escorregadia, sem nada que prenda, nós dizemos que é uma superfície lisa. E quando é o contrário? Quando o material é grosso, como se diz? (Por exemplo, uma folha de papel é lisa e uma lixa de parede é ________.) [Áspera]
l. Como é que vocês chama aquela pessoa que não gosta de trabalhar?
23. Qual é o aparelho que o policial usa pra saber se o motorista está bêbado? [Bafômetro]
24. Qual remédio se dá para uma pessoa dormir? (E um remédio mais forte que o calmante, pra pessoa dormir na hora? Normalmente se vê esse remédio em filme, alguém colocando escondido na bebida de outra pessoa.) [Sonífero]
m. Como você chama o que as mulheres usam para prender o cabelo?
25. Como se chama uma árvore que pode dar frutos? [Frutífera]
26. Você conhece um remédio muito usado na garganta pra curar rouquidão que é produzido pelas abelhas? (Um que tem o gosto amargo...) [Própolis]
n. Qual é a bolinha que nasce no olho, fica vermelha e incha?
213
27. Como chamamos o dia antes de algum acontecimento, por exemplo, o dia antes de uma festa? (Como se chama o dia antes do Natal?) [Véspera]
28. Quando diminuímos um texto grande para dizê-lo com menos palavras fazemos o que? (É um resumo ou uma __________./ Ou quando temos que contar uma história muito longa que aconteceu, mas em pouco tempo, dizemos que vamos fazer uma __________.) [Síntese]
o. Como você chama o brinquedo feito de varetas cobertas de papel que se empina no vento por meio de uma linha?
29. Rock, MPB, samba, rap são o quê? (E se você não gosta de um deles, você diz: “eu não gosto desse __________.) [Gênero]
30. “A, B, C” são letras, “1, 2, 3” são o quê? __________. [Números]
p. Qual é aquele inseto que pica a gente para chupar o sangue?
31. Qual é o legume que tem uma cor laranja e costumam preparar com carne seca? [Abóbora]
32. Como chamamos cada uma das partes da casa? (Se uma casa tem uma sala, dois quartos, uma cozinha e um banheiro, dizemos que tem 5 ___________.) [Cômodo]
214
ANEXO X
Questionário para levantamento de léxico – Figuras (Composto por 22 proparoxítonas)
[Fôlego]
[Almôndega]
215
[Cérebro]
[Cócegas]
216
[Pálpebra]
[Parênteses]
Vende-se casa
(3 quartos) em
Campo Grande.
217
[Pêssego]
[Termômetro]
218
[Autódromo]
[Brócolis]
219
[Fósforo]
[Mármore]
(Como se chama a pedra usada para fazer pias? / O granito é a opção mais barata de qual pedra?)
220
[Pérola]
[Semáforo]
221
[Tráfego]
(No horário de rush o _____________ de veículos é mais intenso.)
[Símbolo]
A pomba branca é considerada o ____________ da paz.
222
[Sambódromo]
[Câmera]
223
[Centímetro/Milímetro]
[Velocípede]
224
[Horóscopo]
225
ANEXO XI
Teste de Leitura – Textos (Composto por 23 proparoxítonas)
1.
Músicas para a Formatura
Escolher as músicas para tocar na festa foi a parte mais difícil para os organizadores. Cada pessoa queria ouvir um [gênero] musical diferente e quem gostava de um tipo de música não gostava de vários outros. Só mesmo nas [vésperas] da formatura a comissão encontrou um [método] de resolver o problema. Os alunos conseguiram fazer uma [síntese] do gosto musical da turma pedindo que cada pessoa escolhesse 5 músicas diferentes para tocar na festa. 2. Naquela família ninguém era [íntegro]. O irmão mais velho sempre foi [adúltero], e a menina, desde novinha tinha má [índole], era uma verdadeira [víbora]. 3. Os [ufólogos] sérios sabem que o [ímpeto] da humanidade para encontrar sociedades [alienígenas] pode se transformar em um pesadelo. Quem sabe se não seria uma verdadeira [catástrofe] caso isso um dia acontecesse realmente? 4. De acordo com os [biólogos], há vários [parâmetros] que delimitam o local onde uma espécie pode viver, como a sua forma de locomoção: se é [bípede], por exemplo, há possibilidade de habitar fora de florestas. 5. A cidade é o [cárcere] de toda a cultura [indígena]. 6. Esse rapaz tem um coração [benévolo], é um profissional [célebre] e terá um futuro [próspero] na profissão. 7. Nunca considerei a [hipótese] de colocar alguma [prótese] de silicone. Além de achar muito perigoso, o motivo é [frívolo].
226
ANEXO XII
Lista das 134 proparoxítonas com vogal média postônica não final classificadas como pouco usuais.
Vogal /e/:
Vogal /o/:
aborígene exúbere ômega abóboda gastrônomo sexólogo adúltero fenômeno ópera agrônomo geólogo sociólogo alfândega fotossíntese pálpebra análogo gólgota távola álgebra frigorífero pândega antídoto gôndola têmpora alienígena fúnebre pândego arqueólogo herbívoro teólogo alucinógeno gasômetro parâmetro astrólogo hipódromo ufólogo antevéspera gênese parêntese astrônomo homófobo uníssono bípede hétero perímetro átomo índole unívoco cancerígeno hipótese petrolífero átono limítrofe ventríloquo cânfora ícone pluviômetro autódromo madrepérola víbora cárcere ímpeto presbítero barítono malévolo xenófobo cátedra indígena próspero benévolo método célebre infrutífero prótese biólogo metrópole célere íngreme púbere cânone monólogo colágeno íntegra quadrúpede carnívoro numerólogo congênere íntegro síndrome catástrofe parábola críquete intérprete síntese déspota pároco crisântemo intrínseco sôfrego diácono pentágono cronômetro inúmero taxímetro equívoco polígono diâmetro lêvedo trôpego êxodo pólvora dolorífero líbero vértebra filósofo prólogo efêmero mísero víscera fonoaudiólogo quasímodo energúmeno nádega víveres frívolo recíproca exógeno nêspera frutívoro recíproco extrínseco olhômetro futurólogo sêmola Total: 73 Total: 61
227
ANEXO XIII
Lista das 294 proparoxítonas com vogal média postônica não final classificadas como reconhecíveis ou técnicas.
Vogal /e/:
Vogal /o/:
abóbeda fluxômetro abólboda grandíloco acelerômetro fossípede aerófobo grandíloquo acidômetro fragífero áfono hematófobo adaptômetro freqüencímetro africanólogo hematólogo aerômetro freqüenciômetro alcoólogo hidrófobo aerotaxímetro geomagnetífero alergólogo hipérbole aférese geômetra alíquota hispanófono afrômetro glicômetro americanófobo hispanólogo agrômeno gotímetro americófobo homófono agrômetro gradiômetro anêmona homólogo andrógeno grafômetro antropófobo hortícola antítese gramômetro antropólogo ideólogo ardífero gravímetro apícola inequívoco ardômetro hidrômetro apócope insetívoro arquipresbítero hóspeda ápode insetólogo audímetro impúbere apóstrofe italianófobo audiômetro insetífero apóstrofo japonólogo autogênese interferômetro aracnólogo kartódromo bêbeda lutífero arborícola lexicólogo bêbedo luxímetro astrófobo lusófobo bibliogênese machímetro audiólogo lusófone biogênese melífero bacteriólogo lusófono borrachífero metalífero bibliófobo mandrágora calorífero metátese bibliólogo megalópole calorímetro mímesis bioclimatólogo meteorobiólogo cancerógeno multímetro bioecólogo meteorólogo capacímetro multípede biófobo metodólogo centípede noctífero biometeorólogo metrólogo ciclômetro odômetro biossociólogo metrônomo colorímetro odontômetro biunívoco microbiólogo condutímetro odorífero brasilólogo monópode condutômetro oftalmômetro brócolos museólogo cônega oleômetro bumbódromo musicófobo cônego olfatômetro canífobo musicólogo cordômetro oscilômetro canódromo necrópole cornífero parasitífero cardiólogo neuroendocrinólogo craniômetro parquímetro cartódromo neurofarmacólogo cristalífero patógeno cavernícola nutrólogo curvímetro póstero cinófobo oceanólogo
228
Vogal /e/:
Vogal /o/:
decímetro potenciômetro claustrófobo octópode densímetro profundímetro cometólogo odontólogo desconfiômetro prolífero comunicólogo oftalmólogo diamantífero pulsímetro comunistólogo orquidólogo dinâmetro pulsômetro craniólogo ovniólogo discômetro pulverímetro criminólogo oxítona dorsífero refletômetro cristólogo oxítono dosímetro respirômetro crudívoro paleontólogo dulcífero rugífero dermatófobo palíndromo durômetro salífero descômodo parapsicólogo ecômetro sanguífero desertícola paroxítona embriogênese sonômetro diabetólogo paroxítono epíteto subgênero dialectólogo pécora equilátero subvéspero dialetólogo pedófobo eqüípede tenebrífero dogmatólogo pedólogo ergômetro tensiômetro dulcícola petrólogo esclerômetro úbere ecólogo petrópolis espermatogênese úmero embriólogo planetólogo espirômetro urinômetro endocrinólogo pneumólogo espumífero vaporífero enzimólogo podólogo estrabismômetro végeto epílogo polífono evaporímetro velífero epistemólogo proparoxítona evaporômetro ventígeno epístola proparoxítono famígero véspero eqüíssono psicobiólogo fasímetro vinífero etnólogo psicofarmacólogo florífero voltímetro etnomusicólogo psicossociólogo fluviômetro voltômetro etruscólogo publícola fluxímetro zoogênese exobiólogo síncope Total: 134 farmacólogo tabacófobo fobófobo tabacólogo fonófobo teatrólogo fonólogo tecnólogo fraseólogo teófobo gastrólogo toxicólogo geobiólogo velódromo ginecófobo vermívoro ginecólogo vinícola grafólogo virólogo gramaticólogo vitimólogo gramatólogo vôngole graminívoro zoólogo Total: 160