Post on 24-May-2015
DESTINAÇÃO AMBIENTALMENTE CORRETA DE RESÍDUOS DAS INDÚSTRIAS
DE ABATE BOVINO E COURO1.
NAGEL, Cornelia Cristina*; COSTA, Antônio Carlos S. da**; PADRE, Joseni das Graças*
*Mestrandas do curso de pós-graduação em Agronomia da Universidade Estadual de Maringá ** Prof. Dept.Agronomia, DAG/UEM Universidade Estadual de Maringá RESUMO: Este trabalho relata um estudo de caso que aborda a utilização de resíduos das
indústrias de abate bovino e couro para fabricação de adubo orgânico. O objetivo deste estudo
foi analisar o sistema implantado, descrevê-lo, procurando apresentar propostas para melhorá-
lo. Verificando também a viabilidade econômica. Podendo desta forma estar divulgando uma
iniciativa que pode incentivar outros empresários a investir em ações deste tipo para auxiliar
na conservação do meio ambiente. Foi feita coleta de dados in loco, e as informações
complementares foram fornecidas pelos técnicos da empresa. Posteriormente se fez a revisão
bibliográfica para obter um comparativo de tecnologia aplicada no caso e tecnologias
disponíveis. Analisando toda a estrutura implantada, observou-se que a construção visa
otimizar todo o sistema, reutilizando tudo o que é possível, desde a reciclagem de embalagens
até os resíduos industriais. O que pôde ser observado em visitas somente para avaliar o
sistema in loco e tendo como fonte de informação os técnicos que trabalham na empresa,
pareceu estar em conformidade com o que a legislação exige. Dos dados levantados e pelas
observações realizadas é possível que a empresa possa adquirir uma certificação ISO 14001.
Quanto a viabilidade econômica a empresa, mesmo não apresentando dados numéricos afirma
ser mais viável produzir o adubo orgânico a partir dos resíduos industriais do que destinar de
outra forma esses mesmos resíduos.
PALAVRAS-CHAVE: adubo orgânico; resíduos industriais; frigoríficos.
INTRODUÇÃO
A conscientização dos efeitos nocivos provocados pela liberação de resíduos no meio
ambiente está associada à implantação de leis ambientais mais severas e tornou o
gerenciamento ambiental uma questão fundamental para frigoríficos, curtumes e outras
indústrias. Além disso, o mercado exige das empresas uma atuação transparente e concreta na
1 Área temática da extensão: Meio Ambiente Área do conhecimento do CNPq: Ciências Agrárias
preservação e conservação dos componentes do meio ambiente que deve se materializar pela
realização de atividades que apresentem um menor impacto ambiental.
Com o aumento das populações e o desenvolvimento industrial utiliza-se cada vez
mais água, sendo este um recurso vital. No entanto, na maioria das vezes a água é devolvida
aos cursos de rios bastante alterada. Desta forma há grande necessidade do manejo adequado
dos recursos hídricos de forma a garantir água com qualidade e quantidade na medida
desejada aos diversos fins, considerando ainda as suas disponibilidades e a capacidade dos
mananciais de diluir e depurar resíduos líquidos (MOTA, 1997).
Entende-se como poluição de um recurso hídrico como sendo qualquer alteração de
suas características, de modo a torná-lo prejudicial às formas de vida que ele abriga ou
dificulte ou impeça seu uso benéfico. Quando a poluição de um determinado recurso hídrico
resulta em prejuízos à saúde do homem, diz-se que a água está contaminada (MOTA, 1995).
Ainda segundo este autor os esgotos industriais estão entre as principais fontes de poluição da
água.
Um grande problema encontrado por empresas do ramo de abatedouro de bovinos é a
grande quantidade de efluente gerado. Segundo ESPINOZA (1998), este tipo de indústria gera
um efluente líquido por animal processado de 1,1 a 2,9 m3. Dessa forma é necessário que se
tenha um sistema de tratamento de efluentes bastante eficiente.
As impurezas de matadouros e frigoríficos são quase inteiramente orgânicas,
altamente putrescíveis, entram em estado séptico rapidamente. Segundo BRAILE (1971), o
melhor meio de tratar efluentes de frigoríficos seria juntá-los com o esgoto doméstico, devido
a sua semelhança, mas em áreas que esta prática não é possível, as indústrias deverão ter suas
próprias estações de tratamento. O mesmo autor coloca que a escolha mais econômica
consiste no uso combinado de uma lagoa anaeróbia ligada em série a uma lagoa aeróbia.
Outra seqüência de lagoas bastante indicada para frigorífico, de acordo com VON SPERLING
(1996), é o sistema de lagoas anaeróbias seguidas por lagoas facultativas, também
denominadas de sistema australiano.
As águas residuárias de curtumes são altamente poluídas. Além de substâncias
putrescíveis, contêm ainda sais tóxicos, álcalis e compostos de enxofre (IMHOFF, 1985).
Segundo MATEUS (2001), os resíduos sólidos possuem características orgânicas, e a
presença de cromo e sulfeto são fatos que limitam a sua utilização Outro componente com alta
taxa de poluição é o sulfeto de sódio e cal utilizado para desprender pêlos e outras partículas
fibrosas da pele.
Embora a preocupação com a reciclagem de resíduos não seja um fator novo, a
descrição da eficiência dos processos utilizados bem como a indicação de nova tecnologias
são de interesse não só do proprietário mas também dos órgãos governamentais envolvidos
com o meio ambiente, bem como de outras indústrias.
METODOLOGIA
O estudo foi realizado no período de outubro de 2002 a janeiro de 2003, na região de
Nova Andradina – MS, onde a maior parte das propriedades dessa região tem como principal
atividade econômica a pecuária de corte, sendo considerados um dos maiores rebanhos do
Estado de Mato Grosso do Sul, determinando que haja grande interesse na instalação de
indústrias do setor pecuário.
O objeto de estudo foi um frigorífico e um curtume, que utilizam seus resíduos para
produção de adubo orgânico.
Foi feita coleta de dados in loco e as informações complementares foram fornecidas
por técnicos da empresa.
Tratamento dos resíduos do frigorífico
O estabelecimento analisado é considerado de grande porte, pois sua capacidade de
abate é de 1200 cabeças/dia.
Os resíduos do frigorífico são diluídos e divididos em tubulações contendo sangue,
chamada de linha vermelha e outra linha para onde são encaminhados os conteúdos
estomacais, tripas e pança, chamada linha verde e caixas de decantação (linha verde), onde é
mais uma vez retirado o sobrenadante, que da linha vermelha vai para a graxaria. Essas duas
linhas vão para uma área anterior as lagoas, para as chamadas caixas de gordura (linha
vermelha), e da linha verde vai para a indústria de adubo orgânico. O que sobra dessas duas
linhas é o resíduo líquido que depois das caixas é encaminhado para duas lagoas anaeróbias.
Nessas lagoas é retirado o lodo acumulado na superfície, destinado à graxaria.
Tratamento dos Efluentes do Curtume
A unidade processa hoje, em média 2800 peles por dia. O sistema é dividido em duas
partes, linha amarela (sem cromo) e linha azul (com cromo). Os efluentes de ambas as linhas
(amarela e azul) ao chegarem à estação de tratamento, passam por peneiras rotativas,
separadamente. Em seguida, o efluente da linha amarela é encaminhado para dois
flotodecantadores de quatro células, onde ocorre a retirada do sobrenadante gorduroso,
encaminhado para a indústria de adubo, e o líquido, para um dos tanques homogeneizadores.
O efluente da linha azul, após passar pelas peneiras rotativas, é encaminhado direto
para um dos tanques homogeneizadores. O resíduo da linha azul , o sólido é encaminhado
para um aterro sanitário da própria indústria e o líquido é tratado e encaminhado para um
corpo receptor (Córrego Baile).
Os resíduos na indústria de adubo orgânico
O conteúdo do rúmen e sólidos da linha verde é encaminhado diariamente para a
indústria de adubo, onde é colocado em baias para descansar até o dia seguinte. Após esse
descanso esse material é colocado em um misturador, onde ainda é adicionado todo o resíduo
orgânico da cozinha, pêlos e graxa do curtume, e disidratado do curtume. Esse material
misturado é chamado de resíduo úmido. A seguir, esse resíduo vai para um misturador com
rosca sem fim onde são adicionados diversos outros componentes que formam a pré-mistura
seca como: carvão das caldeiras, fosfato natural, borra de farinha de carne e osso, pó de
madeira, talco. Com a mistura pronta faz-se a borifa com um biocatalizador (acelerador do
processo de compostagem). Esse produto é então encaminhado para as baias de maturação,
onde fica em descanso por três dias, podendo ser utilizado na lavoura após esse período.
Além dos macronutrientes, N, P e K do Quadro 1, este adubo orgânico também é
composto por nutrientes como: enxofre, magnésio, boro, zinco e cobre, porém em quantidades
bastante variáveis, em função do material disponível (resíduos). Para facilitar o
armazenamento e a distribuição a campo, o material é moído para diminuir a umidade.
Quadro 1- Composição do Adubo Orgânico produzido a partir de resíduos industriais.
N P K C/N M. O. pH Umidade 1,5 - 2,0 % 2,0 - 3,0 % 0,5 - 1,0 % 18 - 20 38 - 45% 6,8 - 7,0 +/- 20%
Como comparativo de outros fertilizantes orgânicos quanto à composição de
nutrientes temos no Quadro 2 abaixo:
Quadro 2 – Composição do fertilizante orgânico AJIFER em KIEHL, 1985.
N P K Ca M.O. pH 2,0 – 2,5 % 0,1 – 0,3 % 1,0 – 1,5 % 3 kg/ton 20% 6,0 – 6,2
Pode-se observar que o adubo orgânico produzido nesta empresa é compatível com
outras formulações comerciais de adubo orgânico. No momento o adubo orgânico produzido
pelo grupo independência a partir de resíduos está sendo comercializado a granel pelo valor
de R$60,00/ton (sessenta reais a tonelada). Esta empresa ainda não fez um levantamento sobre
o real custo da produção desse adubo orgânico, embutindo seus benefícios ambientais
(agregado), devido a inconstância do fornecimento de resíduos. Por exemplo, em dias de
pouco abate, o curtume funciona em ritmo mais lento, fornecendo assim pouco resíduo.
O próximo passo do grupo é adquirir a certificação orgânica do produto, sendo que a
mesma já foi protocolada junto ao IBD (Instituto Bio-Dinâmico).
DISCUSSÃO
Analisando toda a estrutura implantada, o empresário teve o cuidado de construí-la
visando otimizar todo o sistema, reutilizando tudo o que é possível, desde a reciclagem de
embalagens até os resíduos industriais. O que pode ser observado em visitas somente para
avaliar o sistema in loco, e tendo como fonte de informação os técnicos que trabalham na
empresa, é que este parece estar em conformidade com o que a legislação exige. Para se ter
conhecimento mais detalhado seria necessário acompanhar o processo durante um período
mais longo, pois assim poderia se detectar melhor as falhas que ocorrem no dia a dia e que
não foram possíveis ser observadas nas visitas rápidas realizadas.
Dos dados levantados e pelas observações realizadas é possível que a empresa possa
adquirir uma certificação ISO 14001, por exemplo, pois a iniciativa já existe.
Um problema que vem incomodando os moradores da cidade que fica a 3 Km dessas
indústrias é o odor desagradável e a proliferação de moscas. Ações mais simples no sentido de
minimizar esses problemas já foram feitas, como o plantio de espécies florestais de
crescimento rápido, como o eucalipto, para servir como barreira de ar. Além disso, foi feita a
colocação de iscas para captura de moscas, mas aparentemente não é suficiente.
Uma alternativa existente para a minimização destes problemas seria a degradação da
camada de gordura que é de difícil digestão orgânica, evitando os transtornos causados por
dragagens e disposição do material retirado. A empresa Brasworld oferece um produto
Industrial Digester que se propõe a reduzir a quantidade de lodo gerado em sistemas de lodos
ativados, removendo e prevenindo camadas superficiais em lagoas, aumenta a capacidade de
carga do sistema de tratamento, previne e elimina entupimentos em equipamentos e
tubulações, controla emissão de odores desagradáveis, reduz a população de microrganismos
patogênicos, não cria sub-produtos que não existam no sistema de tratamento de efluentes.
Outra opção interessante foi pesquisada por FERREIRA et al. (1998), em que foi
testado a utilização do conteúdo ruminal para alimentação de novilhos em crescimento. O
aumento do conteúdo ruminal nas rações proporcionou melhores ganhos de peso mostrando
um melhor aproveitamento das rações devido à proteína microbiana presente neste material.
CONCLUSÃO
O sistema vem sendo eficiente, pois está possibilitando o fornecimento de um novo
produto para a região a um custo relativamente baixo, sendo o adubo orgânico um fertilizante
bastante importante para solos de cerrado, como os dessa região que são bastante pobres em
matéria orgânica, se tornando mais uma opção para os produtores rurais da região.
Não se pode concluir a viabilidade econômica através de dados concretos, pois o
sistema está implantado a um ano e ainda não foi possível levantar esses dados, sendo ainda
um fator a ser pesquisado em outros trabalhos. Mas em um ponto os técnicos são unânimes, é
mais viável transformar esses resíduos em adubo orgânico e ter um novo produto do que
pagar para tratar ou dispor no solo esse resíduo, tendo assim que ocupar áreas bem maiores
com aterros.
BIBLIOGRAFIA
BRAILE, P. M. Despejos Industriais. 1ª edição - Rio de Janeiro: Editora Livraria Freitas
Bastos S.A. 1971.
ESPINOZA, M. W. et al. Índices para o Cálculo Simplificado de Cargas Orgânicas e
Inorgânicas Presentes em Efluentes Industriais. In: XXVII Congresso Interamericano de
Engenharia Sanitária e Ambiental, 1998, Porto Alegre. AIDIS/ABES.
FERREIRA, M. M. et al. Avaliação do Conteúdo Ruminal na Alimentação de Novilhos em
Crescimento. II Desempenho. In: Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Zootecnia, 35.,
1998, Botucatu. Anais da XXXV Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Zootecnia,
1998. p.488 – 489.
IMHOFF, K.; IMHOFF, K. Manual de Tratamento de águas Residuárias. 26ª edição. São
Paulo: Editora Egard Blücher Ltda, 1985. 301 p.
KIEL, E. J. Fertilizantes Orgânicos. Piracicaba: Editora Agronômica Ceres Ltda, 1985.
492p.
MATEUS, L. A. N. et al. Aspectos Ambientais do Setor de Curtumes. Revista Ação
Ambiental, Viçosa, Ano III, n. 16, p. 18 – 20, 2001.
MOTA, S. Introdução a Engenharia Ambiental. Rio de Janeiro: ABES, 1997 280p.
MOTA, S. Preservação e Conservação de Recursos Hídricos. 2ª edição – Rio de Janeiro:
ABES, 1995 200p.
VON SPERLING, M. Lagoas de estabilização In: Princípios do tratamento biológico de
águas residuárias; v.3. 1ª edição – Belo Horizonte; Editora SEGRAC. 1996, 134 p.