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Resumo
No presente estudo, um rápido, simples e eficiente método analítico usando a calibração por
ajuste de matriz (solução aquosa com 40% v/v em etanol) foi proposto para determinação de
cobre e zinco em cachaça por espectrometria de absorção atômica com chama. O método foi
aplicado para determinar ambos metais em 52 amostras de cachaça provenientes de produtores
da região do Vale do Jequitinhonha, Estado de Minas Gerais, Brasil. Para ambos metais estudados,
as curvas de calibração por ajuste de matriz apresentaram coeficientes de correlação linear
maiores que 0,999. Estudos de recuperação das amostras contaminadas com 0,5, 2,0 e 4,0mg/
L de cobre e 0,1, 0,2 e 0,4mg/L de zinco, mostraram resultados na faixa de 86,2 a 126,3%
para Cu e de 87,0 a 96,5 para Zn, o que indicou uma apropriada exatidão do método de
calibração usado. Os limites de detecção para Cu e Zn foram 0,06 e 0,006mg/L, respectivamente.
Em todas as amostras analisadas, a concentração situou-se entre não-detectável para ambos
metais, e 21,83mg/L para Cu e 3,64mg/L para Zn, enquanto que os desvios padrão relativos
(RSDs) variaram de 0,32 a 9,82% e de 0,36 a 4,98% para Cu e Zn, respectivamente.
Palavras-chave: cachaça, espectrometria de absorção atômica com chama, ajuste de matriz,
cobre e zinco
Summary
In the present study the matrix matching calibration (aqueous solutions with 40% v/v in ethanol)
was proposed as a fast method to determine copper and zinc in Brazilian sugar cane spirit,
cachaça, by flame atomic absorption spectrometry. The method was applied for determinate of
both metals in 53 homemade samples of cachaças from Jequitinhonha’s High Valley producers,
Minas Gerais State, Brazil. For both metals, matrix matching calibration curves presented a r
higher than 0.999. Recovery studies of the samples spiked with 0.5, 2.0 and 4.0mg/L for
copper and 0.1, 0.2 and 0.4mg/L for zinc, showing results ranging from 86.2 to 126.3% for the
former and 87.0 and 96.5% for the latter metals, which indicates an appropriate accuracy of
the calibration methodology. The detection limits for Cu and Zn were 0.06 and 0.006mg/L,
respectively. In all analyzed samples, the concentration situated from non detectable, for both
metals, to 21.83mg/L for copper and to 3.64mg/L for zinc, while the standard deviations (RSDs)
varied from 0.32 to 9.82% and from 0.36 to 4.98% for Cu and Zn, respectively.
Keywords: Brazilian cane spirit, cachaça, flame atomic absorption spectrometry, matrix matching,
copper, zinc
Frederico Garcia Pinto1,
Sandra Simões Rocha1,
Marcus H. Canuto2,
Helmuth G. L. Siebald1 e
José Bento Borba da Silva1*
1Depto. de Química,
Universidade Federal de
Minas Gerais
Av. Antônio Carlos, 6627
CEP 31270-901. Belo
Horizonte. MG
2Depto. de Ciências Básicas,
Faculdades Federais
Integradas de Diamantina
(FAFEID)
R. da Glória, 152
CEP 39100-187. Diamantina.
MG
1*Autor para correspondência:
Caixa Postal 702
Fone: (31) 3499-5750
Fax: (31) 3499-5700
E-mail: bentojb@terra.com.br
DETERMINAÇÃO DE COBRE E ZINCO EM CACHAÇA
POR ESPECTROMETRIA DE ABSORÇÃO ATÔMICA
COM CHAMA USANDO CALIBRAÇÃO POR AJUSTE
DE MATRIZ
Introdução
Devido à complexidade da composição química da cachaça
assim como de outras bebidas destiladas, as análises químicas
dessas matrizes podem ser divididas, para um estudo sistemático,
em duas porções: os perfis inorgânico e orgânico. A fração inorgânica
é constituída principalmente por íons metálicos: Al, Cd, Pb, Co, Cu,
Cr, Sn, Fe, Li, Mg, Mn, Hg, Ni, K, Na e Zn e espécies catiônicas não
metálicas como As. Apesar da grande variedade de metais
encontrados na cachaça, os constituintes orgânicos são muito mais
conhecidos e estudados. Infelizmente, a completa composição
química ainda é desconhecida. Entretanto, é claro que a composição
da cachaça é extremamente dependente da metodologia empregada
assim como da área de origem da cana-de-açúcar (1).
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ARTIGO
Revista Analytica•Junho/Julho 2005•Nº17
A presença de cobre é importante durante o processo de
produção da cachaça, desde que ele catalise reações onde
componentes indesejáveis são removidos. Entretanto, a maioria
dos processos de destilação são muito primitivos, o que não
evita a presença de Cu no produto final. Dependendo da
concentração, este metal pode causar vômitos, irritação
gastrintestinal, diarréia, convulsões e sérias disfunções hepáticas.
O cobre é o único metal cuja concentração é controlada pela
legislação brasileira (2), que situa-se em um limite de 5mg/L.
Zinco em concentração maior que 5mg/L pode causar depressão
do sistema imunológico e sintomas gástricos (2).
Os principais métodos mencionados na literatura para
determinação de Cu e Zn em cachaça envolve o uso de Voltametria
de Redissolução Anódica (ASV) e métodos correlacionados,
espectrometria de absorção atômica (AAS), espectrofotometria
molecular no UV-VIS, entre outras. Barbeira et al (3) usaram a
técnica de ASV com eletrodo de mercúrio para determinação de
pequenas quantidades de Zn, Pb e As em cachaças de diferentes
fontes: comercial, maturadas em tonéis e artesanal. As medidas
foram feitas diretamente nas amostras sem tratamento prévio e
na ausência de eletrólito suportado. Após eletrodeposição, foi
usada voltametria de varredura linear com baixas razões de leitura
para medidas de corrente. Agnihotri et al (4), empregaram um
método fotométrico para análise de Cu com 1-(2-pyridilazo)-2-
naphtol (PAN) na presença de surfactante natural, Triton X-100.
O limite de detecção de Cu foi de 0,4mg/L e a lei de Beer é
obedecida entre 0,4 e 4,00mg/L do analito. De acordo com os
autores, os resultados obtidos foram concordantes com aqueles
obtidos usando AAS. Uma alternativa, altamente seletiva para
análise de Cu em bebidas alcoólicas foi proposta usando
espectroscopia EPR. De acordo com os autores, o método é
simples, não destrutivo, rápido e pode ser usado para
concentrações abaixo de 100µg/L e tem uma exatidão média de
98,7 % (5). Outro método usando ASV descreve a determinação
in natura de íons cobre em bebidas destiladas alcoólicas sem
tratamento prévio ou adição de eletrólito suportado, usando um
eletrodo de carbono. A confiabilidade do método foi testada
comparando os resultados com ASV, com um eletrodo de
mercúrio, e AAS dando diferenças de cerca de 7%. O método
permite a determinação do íon cobre na faixa de concentração
em µg/L (6). Ijeri e Srivastava (7) investigaram a viabilidade da
construção de um eletrodo quimicamente modificado (CMEs)
sensível a cobre para análises de traço em soluções aquosas
contendo 40% v/v de etanol. Com 3% de benzo-15-crown-5
CME, Cu pôde ser quantificado a níveis de sub-mg/L por
voltametria de pulso diferencial com limite de detecção de
0,05µg/L. O método foi satisfatoriamente aplicado a amostras
de bebidas alcoólicas comerciais. Em outro trabalho (8), foi
mostrada uma forma versátil e sensível para a quantificação de
cobre por análise pontenciométrica usando eletrodos de ouro
obtidos de discos compactos graváveis (CDs). O eletrodo de ouro
desenvolvido foi usado para a análise de cobre em amostras de
cachaça e água de torneira. O limite de detecção foi de 30ng/L
(com tempo de deposição de 600 segundos). Honorato et al.
(9), compararam o uso das calibrações aquosa e por adição do
analito para a determinação de cobre em cachaça por AAS com
atomização com chama. O uso da técnica de adição do analito
mostrou-se ser a mais apropriada metodologia.
Neste trabalho, o método de calibração por ajuste de matriz
(curva de calibração aquosa com 40% v/v de etanol) foi
investigado para a determinação de cobre e zinco por
espectrometria de absorção atômica com chama (FAAS).
Experimental
Instrumentação
As medidas de absorvância (altura de pico) foram obtidas
em um espectrômetro de absorção atômica Hitachi Z-8200
(Mitorika, Ibaraki, Japão) com correção de fundo por efeito
Zeeman polarizado. Lâmpadas de catodo oco para Cu e Zn ambas
da Hitachi (no 208-2011 e no 208-2034, respectivamente)
operando a 10mA foram usadas. Os principais parâmetros
operacionais do equipamento foram otimizados pela leitura de
uma solução de mg/L de cobre em 40% v/v de etanol em água
deioinzada. Sobre outros parâmetros do equipamento, condições
recomendadas pelo fabricante foram empregadas. Para cobre,
as condições otimizadas foram: comprimento de onda de
324,8nm, largura da fenda de 1,3nm, altura do queimador de
7,5mm, vazão do gás oxidante de 15L/min e do combustível de
2,2L/min (ar-acetileno). Para zinco, as condições foram:
comprimento de onda de 213,9nm, largura da fenda de 1,3nm,
Tabela 1. Recuperações de cachaças artificialmente
contaminadas com cobre
0,5
2,0
4,0
0,5
2,0
4,0
0,43
2,05
4,21
0,46
1,96
4,38
86,2
102,4
105,3
92,0
98,0
109,5
4,46
5,19
0,35
0,00
1,28
0,15
Amostra 2
Esperado (mg/L) Determinado (mg/L) Recuperação, % RSD (n=3)
Amostra 1
Tabela 2. Recuperações de cachaças contaminadas com Zinco
Esperado (mg/L-1) Determinado (mg/L-1) Recuperação, % RSD (n=3)
0,1
0,2
0,3
0,1
0,2
0,3
0,091
0,191
0,299
0,087
0,193
0,301
91,0
95,5
99,7
87,0
96,5
100,3
3,38
4,75
2,08
3,38
1,23
2,75
Sample 2
Sample 1
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altura do queimador de 7.5mm, vazões do oxidante de 15L/min
e do combustível de 2,0L/min (ar-acetileno).
Reagentes e materiais
Todos os reagentes foram de grau analítico e foram usados
sem a necessidade de purificação. Água deionizada (18,2MΩcm) de uma sistema Milli-Q (Millipore, Bedford, MA, USA) foi
usada em todos os experimentos. O etanol usado para o preparo
das curvas de calibração por ajuste de matriz foi da Synth (São
Paulo, Brasil no A1084.01-BJ). Soluções padrão de cobre foram
preparadas a partir de uma solução estoque de 1000mg/L da
Carlo Erba (Val de Revie, França, no 475151). Soluções padrão
de zinco (1000mg/L) foram da Carlo Erba (no 493151).
Amostras
Para obtenção de uma amostragem confiável, as amostras
foram coletadas de regiões selecionadas no Alto Vale do
Jequitinhonha (Estado de Minas Gerais, Brasil). Estas amostras
foram escolhidas levando-se em conta a aceitação dos
consumidores, produtor e tradição regional. Quatro amostras de
cada marca foram coletadas. No total, cinqüenta e duas cachaças
de diferentes produtores foram analisadas.
Metodologia Analítica
Múltiplas adições de volume constante (10,0mL) foram
empregadas em todas as determinações. Aspiração direta da amostra
foi empregada por apresentar vantagens bem conhecidas
(simplicidade, velocidade e exatidão). As soluções padrão de Zn e
Cu foram recém preparadas por adequada diluição das respectivas
soluções estoque e usadas para a preparação das curvas de
calibração. As concentrações dessas soluções foram dependentes
da ocorrência de cada cátion analisado nas amostras. As curvas de
calibração por ajuste de matriz foram preparadas para cobre e zinco
em soluções aquosas contento 40 % v/v de etanol (grau alcoólico
médio em cachaça é 40% v/v). A faixa da curva de calibração para
cobre foi de 0 a 5mg/L, enquanto para zinco, ela situou-se de 0 a
4mg/L. Os valores reportados de Cu e Zn em cada amostra foram os
valores médios das quatro independentes determinações cuja
concordância foi melhor que 97%.
Resultados e Discussão
Curvas de calibração por ajuste de matriz para ambos metais
apresentaram r maiores que 0,999. O estudo de recuperação
para cobre e zinco com duas amostras de cachaça contaminadas
com três diferentes concentrações é mostrado nas Tabelas 1 e
2, respectivamente. Como pode ser observado nas tabelas, as
recuperações foram próximas de 100% mostrando a boa exatidão
da metodologia proposta.
Os limites de detecção (k = 3, n = 10) foram de 0,06mg/L
para cobre e 0,006mg/L para zinco. 52 amostras de cachaças
artesanais de produtores do Alto Vale do Jequitinhonha, Estado
de Minas, Brasil, foram analisadas e os resultados obtidos para
cobre encontraram-se entre não-detectável e 21,3mg/L.
Das 52 amostras analisadas, 18 excederam o limite permitido
pela legislação brasileira. Os desvios padrão relativos (RSDs)
para todas as análises feitas em quadruplicatas encontraram-se
na faixa de 0,32 a 9,82%. Para zinco, os valores obtidos
situaram-se entre não-detectável a 3,64mg/L, que é menor do
que o limite recomendado (2). Os RSDs para todas as análises
variaram entre 0,36 a 4,89%. A determinação dos metais cobre
e zinco em bebidas alcoólicas é particularmente importante devido
a toxicidade, principalmente considerando o alto consumo de
cachaça no Brasil, praticamente em todos os Estados e
especialmente no Estado de Minas Gerais.
Conclusões
Para o exposto pode ser concluído que cobre e zinco podem
ser determinados com boa exatidão e precisão em amostras de
cachaça por F AAS usando calibração por ajuste de matriz sem
digestão ou individual calibração por adição do analito. Dezoito
das cinqüenta e duas amostras analisadas mostraram valores
maiores que permitido pela legislação brasileira para cobre, e a
falta de cuidado na limpeza após o processo de destilação é
provavelmente a principal causa para estas altas concentrações
de Cu encontradas em 19% das amostras analisadas. Para Zn
os níveis encontrados foram aceitáveis pela legislação brasileira.
Agradecimentos
Os autores são grandemente agradecidos pelo PRPq (UFMG),
CNPq e CAPES (programa MINTER) pelo suporte financeiro.
Referências
Siebald HGL, Canuto MH, Lima GM, Silva JBB. Informe
Agropecuário, 23, 217, 2002.
Brasil. Ministério da Agricultura. Portaria nº. 371, 1974.
Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília,
17, julho, 1974.
Barbeira PJ, Mazo LH, Stradiotto NR, Analyst, 120, 1647,
1995.
Agnihotri NK, Singh VK, Singh HB. Talanta, 45, 331,
1997.
McGarvey BR, Schultz MS, Vasconcellos LCG, Bezerra
CWB, Franco D W. Anal. Letters, 32, 761, 1999.
Barbeira PJ, Stradiotto NR. Anal. Letters, 32, 2071, 1999.
Ijeri VS, Srivastava AK. Fresenius J Anal. Chem, 367, 373,
2000.
Richter EM, Augelli MA, Magarotto S, Angnes L.
Electroanalysis, 13, 760, 2001.
Honorato FA, Honorato RS, Pimentel MF, Araujo MC.
Analyst, 127, 1520, 2002.
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3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
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