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Dimensão social: disputa de um espaço dentro do Mercosul
Leticia Diniz Nogueira1
RESUMO:
O presente trabalho apresenta como o Mercosul nasce com um viés
extremamente comercial, em um momento de forte globalização e
competitividade internacional em 1991, a partir da assinatura do Tratado de
Assunção. Explicaremos como o início do processo de integração comercial
atingiu os trabalhadores do bloco, além de elucidar qual foi a reação da classe
trabalhadora, articulada em sindicatos, para fazer frente à este novo contexto.
Desta forma, o questionamento que move esta pesquisa é: seria então o
Mercosul Social uma tentativa de corrigir a estrutura do pensamento comercial
do bloco? O objetivo principal é evidenciar a dimensão social disputando um
espaço dentro do Mercosul. Para isso, a metodologia utilizada neste trabalho
baseia-se na pesquisa bibliográfica.
Palavras- chave: Mercosul; Globalização; Competitividade; Sindicatos; Dimensão Social. INTRODUÇÃO
Os países latino-americanos encontram-se na seguinte situação:
necessitam desenvolver-se socialmente, porém este desenvolvimento depende
de uma inserção competitiva no mercado mundial. Esta situação coloca estes
países em um dilema, por um lado precisam incrementar o fator tecnológico dos
bens e serviços exportados, ao mesmo tempo a abertura ao exterior aprofunda
ainda mais as graves desigualdades sociais no interior da sociedade latino-
americana.
Para entender quais são os impactos dessa necessidade de ser
competitivo e globalizado para a sociedade latino-americana iremos analisar a
participação social no Mercosul. De forma que possamos entender como a
dimensão social foi desde seu início a disputa de um espaço dentro do bloco, o
objetivo principal é compreender como se dá este movimento.
Deste modo, estruturamos o trabalho em três partes. A primeira refere-se
1Graduada em Relações Internacionais pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestranda
do Programa de Pós-graduação em Integração Contemporânea da América Latina (PPG-ICAL) na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). E-mail: leticia_dn@live.com
à uma breve retrospectiva histórica de como duas ideias dominantes alcançam
as mentes latino-americanas: a globalização e a competitividade. A segunda
parte do trabalho explica o início da criação do bloco, que reside na oposição
dos interesses entre os trabalhadores, organizados em sindicatos e os
interesses do mercado, representado pelas empresas.
E assim, por último iremos reconstruir brevemente a história de como
surgiu a dimensão social do Mercosul, a partir do marco conceitual e institucional
do bloco. Nossa hipótese consiste na ideia de que desde a criação do Mercosul
a lógica competitiva se impõe deixando pouca margem para pensar o lado social,
nessa correlação de forças, quando as demandas do mercado prevalecem,
pouco lhe sobra ao terreno social.
Esta análise contribui para compreender como os interesses da sociedade
são incorporados na agenda da integração regional e quais foram os
mecanismos criados para o aumento da participação da sociedade.
1. Globalização e Competitividade na América Latina
Para entender como a globalização e a competitividade se apresentam na
América Latina vamos fazer um breve histórico dos fatores que levaram à
aparição destes fenômenos, para isso abordaremos o neoliberalismo. O ideário
neoliberal tem origem no pensamento do economista austríaco Friedrich Hayeck,
na década de 1940, é mais tarde aperfeiçoado pelo autor norte-americano Milton
Friedman. O neoliberalismo pode ser resumido como um modelo ideológico
econômico que reside na crença de que o mercado atua como fator regularizador
social, adota como princípio a redução da participação estatal na economia e a
adoção do livre mercado (TENÓRIO, 2013).
Este modelo neoliberal é predominante na década de 1990 na América
Latina, neste contexto temos a intensificação da globalização com o
desenvolvimento de novas tecnologias na área da comunicação: satélites
artificiais, redes de fibra ótica que interligam pessoas por meios eletrônicos,
permitindo a aceleração da circulação das informações e dos fluxos financeiros.
Além disso, a globalização traz a ideia de um sistema cultural que homogeneíza
e que afirma o mesmo a partir da introdução de identidades culturais diversas
que se sobrepõem aos indivíduos (RIBEIRO, 2002).
Com o neoliberalismo, o Estado nacional acaba perdendo força e
desgastando-se, onde os Estados neoliberais acabam abandonando o modelo
keynesiano, com forte participação estatal (TENÓRIO, 2013).
Foi assim como nasceu o chamado “Consenso de Washington” durante
as décadas de 80 e 90, o consenso foi o responsável pela normatização do
neoliberalismo no mundo, a partir da imposição de medidas relativas à
austeridade fiscal, privatização e liberalização do mercado (TENÓRIO, 2013).
Para Milton Santos a globalização é, de certa forma, o ápice do processo
de internacionalização do mundo capitalista (SANTOS, 2006). O autor revela em
seu documentário “Por uma outra Globalização”2 que o Consenso de
Washington representou “um fruto envenenado para a América Latina”, pois
apesar de ter resultados satisfatórios nos índices de inflação, como era previsto,
foi um período repleto de crises, recessões e ajustes fiscais draconianos. Além
disso, as medidas não foram capazes de diminuir a desigualdade social, assim
como outros indicadores que evidenciam os índices de pobreza no continente,
como a qualidade de vida, o saneamento básico, habitação popular, educação e
mortalidade infantil apresentaram performances medíocres (TENÓRIO, 2013).
É desta forma como a Teoria da Competitividade começa a permear o
ideário de empresários na América Latina, durante a década de 1990. A ideia de
Vantagem Competitiva desenvolvida por Michael Porter, um dos seus principais
teóricos, nada mais é do que uma espécie de atualização da teoria da Vantagem
Comparativa, enunciada pelo economista clássico David Ricardo, em 1817.
Com isso queremos dizer que a aceitação da teoria da vantagem
comparativa, de David Ricardo, implica na ideia de que as nações devem se
especializar na exportação dos bens cuja produção requer uso intenso dos
recursos localmente abundantes, ou seja, focar na produção do setor que tem
mais “vantagem”. Esta teoria teve diversas críticas pelos países em
desenvolvimento, principalmente por exemplos históricos que não comprovam
2 Documentário “Milton Santos, Por uma outra globalização”. Silvio Tendler, 2006. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=WLYZmfJXEDY> Acesso em 09 Jul 2019.
esta teoria, como o caso dos tigres asiáticos que seguiram estratégias nacionais
que contrariam a teoria da vantagem comparativa (MARIOTTO, 1991).
Outra crítica é de que a teoria tende a favorecer nações ricas e poderosas
e seria uma justificativa para manter o status quo do sistema internacional, a
diferença é que Porter descarta a ideia de “nação competitiva”, pois são nos
segmentos produtivos em que uma nação é competitiva, isto é, são as empresas
eficientes que competem nos mercados internacionais (MARIOTTO, 1991).
Devemos ressaltar que a necessidade de manutenção das estruturas
internacionais de dependência e subordinação da América Latina fazem com
que o sistema se reinvente ou atualize velhas ideias com algumas novas
características, a partir de neologismos, que na verdade contém a mesma
essência. Desta forma, Porter explica que pra ser competitivo as nações devem
agir de forma global e é assim como surgem diversas multinacionais, as
consequências desta teoria revela-se na criação de regiões estratégicas para
produzir o que o mercado demanda, isto é, como as empresas fazem uso
corporativo dos territórios.
Assim, diante deste cenário latino-americano em 1990 começam acordos
sub-regionais de políticas unilaterais de liberalização em um contexto de
políticas de abertura das economias nacionais, procura-se formas de reativação
econômica que possam aumentar o comércio regional, para dinamizar as
relações econômicas exteriores e é assim como surgem propostas de integração
como é o caso do Mercosul (SCARLATO,2002).
Não nos deteremos a explicar detalhadamente os antecedentes do bloco,
apenas como este surgiu. A criação de um mercado comum no Sul em seu
projeto original, durante Sarney e Alfonsín, era diferente em suas modalidades
institucionais e foram modificadas devido a razões políticas, pois as novas
administrações de Carlos Saúl Menem, na Argentina e do presidente Fernando
Collor, no Brasil, introduziram mudanças neoliberais nas políticas econômicas
dos países.
Desta forma, o Mercosul começou a ser implementado em um período em
que o Consenso de Washington e o neoliberalismo imperavam, o discurso de
livre comercio era dominante e assim o bloco converteu-se, nas mãos de
Fernando Collor e Carlos Menem em um bloco que passou a priorizar apenas o
livre comercio, abandonando os objetivos antigos dos acordos de 1986 e 1988.
Desta forma, ao priorizar a integração comercial praticou-se o “regionalismo
aberto” (SOUZA,2012).
Sendo assim, procuramos demonstrar como o Mercosul nasce no berço
da era da liberalização econômica e da competitividade, para compreender essa
contraposição de interesses entre Mercado e sociedade, utilizaremos o autor
austríaco Karl Polanyi, utilizando conceitos e ideias presentes em sua obra “A
Grande Transformação”. Sabemos que Polanyi escreve no século XX e explica
as estruturas do liberalismo, porém entendemos que dentro do neoliberalismo,
apesar de serem usados novos conceitos e existam mudanças de algumas
estruturas, ainda continua presente e fortemente arraigado este credo liberal.
Isto é, o pensamento liberal se torna um credo, no sentido de que os liberais
sempre projetam o mercado como autorregulado e por isso defendem a ideia de
que não seria necessária a proteção social do Estado (POLANYI, 1980).
Entendemos que a teoria da Competitividade tornou-se na década de
1990 uma norma, e esta normatização do mercado desterritorializou e atacou
diretamente os direitos sociais justificada e amparada pelo neoliberalismo.
Sendo assim, abordaremos as diferentes fases da participação ou tentativa de
participar, da sociedade civil dentro do Mercosul.
2. Primeira fase: participação sindical na criação do Mercosul
De antemão, devemos ressaltar que os intercâmbios e as transações
comerciais que fazem parte de um processo de integração impactam
diretamente na qualidade de vida dos habitantes. Isto significa que devido ao
contexto de liberalização dos fluxos de comércio e de capitais, combinados às
políticas neoliberais referentes à abertura geral com reformas do Estado,
provocam fortes assimetrias nos níveis de emprego, assim como o rebaixamento
dos direitos sociais e trabalhistas, impactando na capacidade do Estado em
poder intervir nessas relações de trabalho para conseguir reverter esses novos
fenômenos (VIGEVANI, 1996).
Esta diminuição da capacidade de intervir nas relações de trabalho e na
elaboração de políticas sociais é uma das faces da globalização na América
Latina, onde as grandes empresas, as transnacionais, que acabam sendo as que
mais se beneficiam do processo, estão em busca de mão de obra barata no
continente e acabam debilitando o papel do movimento sindical nestes países, a
partir da concentração de poder e riqueza nas mãos das empresas e da lógica
das corporações (VIGEVANI, 1996).
Para entender melhor como funciona essa economia política, o autor
Polanyi explica que a moderna economia de mercado e o moderno Estado-
nação, ocasionam a contraposição de interesses entre sociedade e mercado.
Podemos assim interpretar a partir desta ideia e aplicando à este contexto, que
existe uma lógica corporativa que mercantiliza as relações sociais dentro do
bloco e que deixa pouca margem para refletir sobre a questão social. Isto porque
os estados acordaram em criar este mercado, a partir de um interesse
meramente comercial, que levou em consideração apenas pautas econômicas e
de mercado, enquanto que os interesses humanitários, como direitos humanos,
meio ambiente, exclusão, pobreza e desigualdade ficam alienados deste
processo. Direitos que o autor denomina como “extra mercantis” (POLANYI,
1980).
A principal disputa desta fase do bloco está entre: os interesses dos
sindicatos dos países membros de um lado em oposição aos empresários do
Mercosul e seus ideais de competitividade por outro. Principalmente porque os
trabalhadores perceberam o recuo de seus direitos sociais quando as demandas
do mercado começaram a operar no início do bloco. Sendo assim, pretendemos
entender as motivações que levaram à participação do movimento sindical dos
quatro países do Mercosul durante a criação do mesmo (Brasil, Argentina,
Paraguai e Uruguai).
Para compreender como se deu essa participação dos sindicatos, iremos
contextualizar de forma sucinta a relação trabalhista no modo capitalista, a partir
dos autores Giovanni Alves e Ricardo Antunes:
Desde a sua origem, o modo capitalista de produção pressupõe um
envolvimento operário, ou seja, formas de captura da subjetividade
operária pelo capital, ou, mais precisamente, da sua subsunção à
lógica do capital (observando que o termo “subsunção” não é
meramente “submissão” ou “subordinação”, uma vez que possui um
conteúdo dialético – mas é algo que precisa ser reiteradamente
afirmado). O que muda é a forma de implicação do elemento subjetivo
na produção do capital, que, sob o taylorismo/fordismo, ainda era
meramente formal e com o toyotismo tende a ser real, com o capital
buscando capturar a subjetividade operária de modo integral
(ANTUNES, 2004, p.344).
Desta forma, podemos entender que esta subsunção do trabalho ao
capital, nas relações trabalho/capital, além de o trabalho subordinar-se ao capital
ele é um elemento vivo, que está em permanente medição de forças, capaz de
gerar conflitos e oposições ao outro polo formador da unidade: a relação e o
processo social capitalista (ANTUNES, 2004).
Podemos entender que o trabalho segundo Marx é a atividade por meio
da qual o ser humano produz sua própria existência, no sentido de que o ser
humano não existe em função do trabalho, mas é por meio dele que produz os
meios para sobreviver.
Por isso, entende-se que os impactos do trabalho e das relações de
trabalho exercem grande influência na construção dos indivíduos, por isso
sabemos que quando as relações de trabalho alteram-se durante a história,
consequentemente as estruturas sociais também mudam, surgem novas
posições na hierarquia social, assim como novas formas de segregação e
exclusão.
Devemos ressaltar que os sindicatos, por vocação, estão vinculados às
reivindicações dos trabalhadores, para manutenção de sua própria continuidade
e sua força. No entanto, precisamos salientar uma particularidade dos sindicatos
no Mercosul, suas atitudes estão baseadas na percepção de que era preciso
utilizar a integração regional para justificar as políticas internas, ou seja, utilizar
as negociações acerca dos temas relativos à integração com o intuito de ganhar
maior poder de barganha e espaço político no âmbito nacional (VIGEVANI,
1996).
Em 1991 é assinado o Tratado de Assunção que tem como objetivo
principal a criação do Mercado Comum do Sul, este objetivo foi um forte
motivador da participação e das reivindicações sindicais nos anos 1992 e 1993.
Diversas questões colocavam os trabalhadores numa situação defensiva,
onde surgiam ameaças aos direitos sociais conquistados, tanto pela abertura
comercial interna e externa ao Mercosul, pelos riscos da desregulamentação do
mercado de trabalho e por pressões no sentido de homogeneizar de acordo com
padrões salariais mais baixos entre os quatro países. Isso levou aos
trabalhadores a discutirem atitudes a serem tomadas nesse novo contexto, essa
luta pela manutenção dos direitos sociais e as ameaças aos trabalhadores
evidencia como a competitividade coloca desafios tanto para os trabalhadores
de um grupo de países que buscam a integração regional, assim como frente
aos externos ao grupo (VIGEVANI, 1996).
Consideramos três fases referentes aos diversos posicionamentos dos
sindicatos no Mercosul. A primeira fase (1986-1991) começa em 1986 a partir da
aproximação do Brasil e da Argentina, partindo das ideias de Sarney e Alfonsín
de integração como já exposto na primeira seção deste trabalho. A postura dos
sindicatos foi débil e afastada do debate integracionista, adotando uma atitude
defensiva em que acusavam os governos de instrumentalizar a integração
regional apenas para promover projetos neoliberais e os interesses das
empresas transnacionais (VIGEVANI,1996).
A segunda fase (1991-1992) é uma fase considerada intermediária em
relação à posição dos sindicatos, onde começa a delinear- se uma posição mais
crítica em relação à integração, entretanto os Estados acabam balizando as
ações sindicais, tornando a participação sindical precária e retórica. Isso é
evidenciado no ano de 1991 caracterizado por políticas neoliberais, encabeçado
pelas empresas locais e transnacionais que não levavam em conta os interesses
dos trabalhadores(VIGEVANI,1996).
Neste mesmo ano, o autor Oscar Ermida Uriarte explica que essa
“ofensiva sócio laboral” tem seu primeiro fruto, pois os sindicatos elaboram uma
Carta Social, esta proposta é entregue aos ministros do Trabalho em Foz do
Iguaçu, em dezembro de 1991 onde reivindica-se a criação do Subgrupo de
Trabalho nº11, objetivo atendido pelos governos, onde os sindicatos
reconheciam a Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul como instância
supranacional interlocutora dos governos, porém este reconhecimento
supranacional acaba sendo abandonado logo em seguida, devido à discordância
por parte dos Estados (URIARTE,2004). No entanto, em dezembro de 1991
temos a agenda sindical parcialmente absorvida pelos governos com a criação
do subgrupo de trabalho nº 11, onde a Coordenadora foi um agente essencial, o
subgrupo discutia problemas trabalhistas como as relações de trabalho,
emprego e seguridade social, instalado efetivamente em 1992.
Esta percepção de que era necessário articular-se com os governos
nacionais levou à mudança de posição dos sindicatos, que configura a próxima
fase do Mercosul. Em dezembro de 1992 realiza-se o seminário de avaliação do
processo de integração do Mercosul em Montevideo, que junto aos governos e
os empresários, assinala a passagem para uma fase mais participativa dos
sindicatos.
Sendo assim, em 1993 temos efetivamente a terceira fase da
participação dos sindicatos no Mercosul. Os sindicatos realizam uma tentativa
de elaborar uma Carta dos Direitos Fundamentais do Mercosul, a proposta
reconhecia a dificuldade de articulação regional dos sindicatos, por isso
elaborou-se esta Carta com 80 artigos onde reconhece-se a necessidade da
integração e articulação das centrais, fundamentando-se as propostas e as
solicitações nos enunciados do Tratado de Assunção (VIGEVANI, 1996).
Aqui temos mais um exemplo empírico do embate entre as forças do
mercado e da sociedade civil, onde as demandas do mercado se sobrepõem,
pois as propostas da Carta dos Direitos Fundamentais passaram de
reivindicações sociais e trabalhistas para objetivos de desenvolvimento nacional,
modernização tecnológica, políticas industriais e agrícolas e exigia timidamente
modificações dentro dos organismos do bloco para maior participação social.
Devido à extrema abrangência da Carta, esta acabou oferecendo
dificuldades para a articulação sindical, não foi aprovada pelos governos, por
questões de substância e pelo medo da supranacionalidade no bloco, uma
posição indesejável tanto pelo governo brasileiro, como para os empresários.
Outra questão que acabou fragilizando a coordenação regional das sindicais foi
a negociação direta dos sindicatos no âmbito nacional com seus governos
(VIGEVANI, 1996).
Por isso, entendemos que o processo de integração regional do Mercosul
foi idealizado e implementado no seio do aparelho estatal, em que a intervenção
dos atores sociais e dos sindicatos foram quase nulas.
Isto confirma nossa hipótese de que no momento de criação do Mercosul,
a lógica competitiva se impõe deixando pouca margem para pensar o lado social,
mesmo com a tentativa dos sindicatos em criar grupos como o Sub 11 foram de
alguma forma cerceados pelas demandas do mercados e moderados através
dos Estados. Vale ressaltar que os sindicatos tiveram algumas conquistas
materiais como foi a criação da Carta Social, que no entanto se olhamos de
forma crítica serve apenas para comedir os trabalhadores.
Assim, como afirma a autora Silva “A integração do Mercosul ocorre
portanto, na medida em que as formações sócio espaciais vão sendo preparadas
internamente para garantir a produtividade e fluidos do território às corporações”
(SILVA, 1998, p.151).
A própria ideia de integração competitiva vende uma imagem de um
comércio livre e amplificado, que é a ideia de regionalismo aberto, no entanto é
uma integração regulada pelos Estados e pelos interesses do mercado que
controlam os sindicatos no Mercosul.
Essa dinâmica ocorre da seguinte maneira: o mercado impondo suas
demandas enquanto os trabalhadores sentem o esmagamento dos seus direitos
e por isso os reivindicavam. Por isso, houve um receio de que o aumento dessa
pressão levaria à um movimento social com muita força e voz dentro do bloco,
logo a lógica de mercado permitiu ganhos aos trabalhadores, ainda que muito
pequenos, para assim poder limitá-los em sua participação.
Desta forma, o questionamento que podemos fazer a partir desta
conjuntura é: seria então o Mercosul Social uma tentativa de corrigir a estrutura
do pensamento comercial do bloco? Para isso, abordaremos na próxima seção
a dimensão social e seus reflexos.
3. Segunda Fase: Criação da Dimensão Social do Mercosul
Nesta seção explicaremos em primeiro lugar como se dá a acumulação
conceitual no Mercosul, quais são as preocupações dos governantes e como isto
reflete na criação de uma dimensão que pensa o lado social. Em segundo lugar,
será exposto o marco institucional do bloco, isto é, como esses novos conceitos
refletem na criação de instituições que visam consolidar a dimensão social
pensada pelos países do Mercosul.
A partir dos anos 2000 a questão social retorna nas agendas públicas dos
governantes, para corrigir as consequências da globalização. A questão social
permeia os debates dos organismos multilaterais e da sociedade em geral, no
sentido de recuperar as discussões acerca do trabalho como mecanismo de
integração, as realidades de pobreza e exclusão social (ROSAVALLON, 1995).
A consequência deste novo momento histórico foi a mudança na concepção do
que era desenvolvimento humano.
Fazendo esta breve retrospectiva histórica podemos perceber que houve
mudanças políticas de extrema importância para pensar no início de uma
dimensão social para o Mercosul, sem o apoio dos governantes progressistas
que colocaram como prioridade a integração regional em suas agendas,
provavelmente o lado social não teria lugar.
O autor Mirza defende a ideia de que a incorporação dos temas sociais
no Mercosul não foi produto de um planejamento sobre o desenvolvimento ou
até mesmo a exigência do sistema, devido à maturação do processo de
integração, foi o resultado da decisão dos governos nacionais de corrigir as
consequências de uma integração meramente econômica e comercial, por isso,
caberia ressaltar que a construção da dimensão social em sua concepção foi
uma decisão política, que dava resposta aos efeitos das crises do começo do
século XXI e da correção do modelo de desenvolvimento do Mercosul de 1991
(MIRZA, 2014).
A utilização do conceito “dimensão social” nasce no sentido de posicionar
as políticas sociais como parte intrínseca dos modelos de desenvolvimento,
através da integração social, isso significa que os temas sobre direitos humanos,
devem ser transversais e multidimensionais para alcançar as raízes da questão
social nos países membros (MIRZA, 2014).
Esse novo marco conceitual no âmbito social do Mercosul que visa não
apenas a redução da pobreza, mas políticas sociais em direção à igualdade
social, que considera a exclusão e a vulnerabilidade social como pautas
essenciais levou aos países membros a pensar em ações coordenadas,
protocolos de abordagem e atenção às múltiplas manifestações das questões
sociais, gerando as novas estruturas institucionais do Mercosul Social.
Devemos então salientar que a criação de instituições está diretamente
ligada à coerência com o papel que as políticas sociais têm para elaborar
modelos de desenvolvimento dentro dos Estados membros. Sendo assim, temos
a criação do Instituto Social do Mercosul (ISM), a Comissão da Coordenação de
Ministros e Autoridades Sociais do Mercosul (CCMASM), a figura do Alto
Representante Geral do Mercosul (ARGM) de quem depende a Unidade de
Participação Social (UPS), o Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos
(IPPDH) e o Plano Estratégico de Ação Social (PEAS) que foi a materialização
desses processos e contém as prioridades que devem ser abordadas em matéria
social a nível regional (MIRZA, 2014).
Para complementar nossa analise, é importante frisar o papel do Fórum
Consultivo Econômico Social (FCES), que nasce a partir do Protocolo de Ouro
Preto, é um órgão de representação dos setores econômicos e sociais do
Mercosul. No entanto, ressaltamos que a própria estrutura do bloco coloca o
Fórum com caráter consultivo, isto é, não permite que sejam fóruns decisórios
(URIARTE, 2004).
O maior desafio que se discute no âmbito social do bloco refere-se à
superar o fracasso das políticas sociais implementadas nas décadas passadas
e a tentativa de reduzir desigualdades, assim como garantir o acesso e
apropriação de maiores níveis de cidadania.
Devemos ressaltar, a importância de pensar em uma dimensão social
para o Mercosul, como forma de reduzir os danos causados pela
competitividade/globalização à população, isto é um fator essencial para pensar
no tipo de integração que almejamos.
Além disso, o avanço do lado social contribuiria para a mudança na
concepção de que os trabalhadores são apenas reprodutores do capital e
instrumentos do sistema competitivo na integração, pois se a integração exige a
participação de todos, os trabalhadores devem tornar-se de fato sujeitos deste
processo.
Sendo assim, entendemos que o processo de participação social dentro
do Mercosul passou por diferentes momentos. Em um primeiro momento a
participação dos sindicatos no Mercosul se deu a partir de uma posição crítica
às consequências da integração competitiva, porém acabaram sendo
incorporados para elaborar propostas para reduzir os danos ao trabalhador.
Depois, temos o aumento da participação social a fim de corrigir as
consequências da globalização, através da criação da Dimensão Social e de
instituições que representam as temáticas sociais. Isto responde nossa pergunta
inicial de que o Mercosul Social foi criado para corrigir as consequências do
Mercosul competitivo do início dos anos 90. Além disso, ressaltamos que é
primordial o contínuo fortalecimento desta dimensão social, para permitir não
apenas o avanço das reivindicações da sociedade civil, mas também para
preservar todos os avanços das lutas sociais que já foram travadas dentro do
bloco.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Portanto, apesar do aumento da participação social dentro do Mercosul,
a crítica que tecemos neste trabalho é de que que a estrutura social do bloco,
apesar de ter um marco conceitual e institucional, ainda deixa a desejar, pois
tem um caráter que continua sendo apenas consultivo, enquanto que outros
órgãos são deliberativos.
Como por exemplo, os órgãos referentes à regulação trabalhista, ou seja,
continua a reprodução da lógica da competitividade de regular mercadorias, pois
os trabalhadores são vistos apenas como mercadorias, que devem ser
reguladas.
A dimensão social do Mercosul pode ser considerada fruto de decisões
políticas, em que a partir dos anos 2000 temos o começo de uma nova lógica
mundial, que nasce para corrigir as graves consequências da globalização e traz
uma nova concepção do conceito de Desenvolvimento Humano, é um momento
mundial onde começa a prevalecer as discussões sobre questões sociais em
detrimento da competitividade.
Notamos que a disputa por um espaço social no meio competitivo se deu
por diversas razões: a primeira refere-se à lógica internacional imperante, como
foi o caso da globalização e da competitividade, que ajudou na criação do bloco,
assim como a lógica do novo momento paradigmático sobre desenvolvimento
humano, o qual acabou refletindo diretamente na criação de uma dimensão
social para o bloco.
O segundo fator que podemos atribuir ao aumento da prioridade da
dimensão social é a posição dos governos, pois foi de extrema importância a
abertura para um diálogo com a população do Mercosul a partir dos anos 2000,
onde procurou-se dar um “rosto mais humano” para a integração regional.
E o terceiro fator refere-se à resistência e a pressão dos povos dentro do
bloco, dos povos originários, dos negros/as, das mulheres e todos os grupos
sociais que sentiram quase que de forma visceral todas as consequências da
globalização e da integração competitiva, grupos que precisamos ressaltar sua
relevância e coragem no modo de resistir à mazelas provocadas pelo capital que
os oprime e os explora.
Ao observar que ainda estamos à passos de formiga para consolidar de
fato uma dimensão social no Mercosul, principalmente com o retorno de
governos conservadores na América Latina, em 2019 - o que pode reafirmar o
lado competitivo, reduzindo novamente o lado social- a indagação a ser feita é:
até quando a América Latina continuará reproduzindo acriticamente padrões
internacionais? Importando modelos prontos que não se encaixam na nossa
realidade? Deixamos a provocação e afirmamos que talvez a particularidade da
América Latina seja não compará-la o tempo todo, não será com fórmulas
prontas que poderemos avançar e dar voz ao povo na nossa integração regional.
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